Exedra nº 2
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Nº 2 - 2009
A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa
nacional e internacional.
A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es).
Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de
caso, comentários e ensaios.
Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta.
A Revista EXEDRA publica números genéricos e temáticos.
Nº 2 - 2009
Corpo Editorial
DirectorRui Manuel Sousa Mendes
Conselho CientíficoAna Maria Sarmento Coelho - Educação/FormaçãoMaria Cláudia Perdigão Andrade - Comunicação e Ciências EmpresariaisPedro Balaus Custódio - Artes e Humanidades
Comissão editorialAgostinho Franklin Carvalho
Margarida Paiva Oliveira (CDI) Carla Matos Dias (CDI) José Pacheco (CIC/NDSIM)
Produçãoedição online - José Pacheco (CIC/NDSIM) - Carla Matos Dias (CDI) logo - Agostinho Franklim Carvalho/Pedro Coutinho
projecto gráfico - Agostinho Franklim Carvalho/José Pacheco
Ficha TécnicaEXEDRA: Revista Científica
Publicação electrónica semestral da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra
Periodicidade: Semestral
ISSN 1646-9526 versão impressa
CopyrightA reprodução de artigos, gráficos ou fotografias da Revista EXEDRA só é permitida com autorização escrita do Director.
Contactos e endereço para correspondência e envio de artigos:EXEDRA: Revista Científica
Escola Superior de Educação de Coimbra
Praça Heróis do Ultramar
3000-329 Coimbra - Portugal
Tel: +351 239793120 - Fax: +351 239 401461
www.exedrajournal.com
Editorial
Catarina Isabel Carvalho Neves / Maria do Rosário Moura PinheiroA qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos: adaptação e validação do Quality of Relationships Inventory (QRI) numa amostra de estudantes do ensino superior
Fernando Sadio RamosEducação para a cidadania e Direitos do Homem
Helena Ralha-SimõesModelos de formação: pluralidade ou dogmatismo
Fernando Martins / M. A. Facas VicenteGeometric illustrations of the conjugacy principle
Carla Patrão / Dina SoeiroE-aulas na ESEC: muito para além das aulas
Ricardo José Espírito Santo de MeloDesportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual
Sílvia Maria Rodrigues da Cruz ParreiralPerspectivas de formação e acção dos profissionais da educação para a promoção do bem-estar nos contextos educativos
Vera do ValeDo tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
Pedro Balaus CustódioAnálise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico: alguns princípios orientadores
Cláudia Andrade / Marisa MatiasGender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees
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09-32
33-46
47-60
61-78
79-92
93-104
105-128
129-146
147-160
161-172
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Missão e Objectivos
A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC)
assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa
entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas
através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e
elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional.
A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios.
Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta.
A revista Exedra publica números genéricos com numeração sequencial de acordo com a sua periodicidade semestral e números temáticos extra-numeração.
Forma e preparação de manuscritos
Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol, francês e inglês no formato
Word, em Arial, corpo de letra 12, com duplo espaço, não devendo ultrapassar as 40
páginas A4 (3 cm de margem). As notas, de fim de página, em Arial 10 com um espaço
entre linhas, deverão figurar no final do trabalho. As figuras (em formato jpg, png, ou
gif) no corpo do texto devem aparecer em numeração árabe pela ordem de apresentação
do texto, com título curto na parte inferior e, a negrito, em Arial 10. Os quadros deverão
ser incluídos no corpo do texto com título curto na parte superior, a negrito, em Arial 10,
espaço simples e no mesmo formato das figuras.
Os artigos devem ter um título conciso, ser acompanhados de um resumo de
1000 caracteres, incluindo espaços, em Arial 10, espaço duplo, em português e em
inglês, acompanhados das respectivas palavras-chave (4 a 6). Os artigos devem ainda
ser acompanhados da identificação do (s) autor (es) (nome, morada, mail e filiação
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exedra • nº 2 • 2009
institucional).
Na primeira página do artigo (capa) deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s)
do(s) autor(es) (excluindo graus académicos), a filiação institucional, a morada e o mail.
Deve também ser indicada em qual das áreas científicas da revista o manuscrito se insere:
Educação/Formação, Artes e Humanidades ou Comunicação e Ciências Empresarias.
Referências bibliográficas
A lista de referências bibliográficas deverá ser incluída no final do texto, em Arial
10. No caso de mais de três autores devem ser todos indicados (não utilizar a expressão
“et al”). A lista deverá ser organizada por ordem alfabética dos apelidos dos autores
obedecendo ao formato dos seguintes exemplos:
a) Livro: Bandura, A. (1977). Social learning theory. Oxford: Prentice-Hall.
b) Referências de artigos on-line: Kuhn, P.S. (1987). Alternative paradigms.
Journal of Teaching, 34 (3), 7-56. Consultado em Janeiro 2005, htpp://www.apa.org/
journals/kuhn.html
c) Capítulo de livro: Hughes, D. & Galinsky, E. (1988). Balancing work and family
lives: research and corporate applications. In A. E. Gottfried & A. W. Gottfried (Eds),
Maternal employment and children’s development (pp. 233-268). New York: Plenum.
d) Artigo: Hoyt, K. B. (1988). The changing workforce: a review of projections from
1986 to 2000. The Career Development Quarterly, 37, 31-38.
Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão
consultar as normas de publicação da American Psychological Association (APA), última
versão.
Citações
As citações deverão ser apresentadas com indicação de autor, data e localização
(página).
Submissão de artigos para publicação
A submissão de artigos para a EXEDRA deverá ser efectuada via e-mail, anexando o
ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) com as
figuras e quadros numeradas de acordo com o formato solicitado
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exedra • nº 2 • 2009
editorial
Publicamos hoje o nº 2 de 2009 da Revista Exedra. A edição, composta por artigos
originais, inclui resultados de diferentes trabalhos e de linhas de investigação em curso,
dentro e fora da Escola Superior de Educação de Coimbra.
Com efeito, este número comprova dois princípios que convém realçar. O primeiro
diz respeito à vocação editorial muito heterogénea que marca esta publicação. Ela
reflecte a multiplicidade de áreas de estudo, ensino e investigação que caracterizam a
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra e a enriquecem do
ponto de vista pedagógico e científico.
O segundo relaciona-se com uma linha de orientação editorial, em visível crescimento
e definição, que se pretende amplamente aberta ao exterior, ou seja, à colaboração de
outras instituições, centros de investigação, autores e/ou investigadores externos.
Na realidade, este nº 2 contém quatro artigos oriundos de outras instituições de ensino
superior nacionais. Este facto atesta, pois, não só o carácter eclético desta publicação
como, também, a capacidade de veicular, cada vez mais, os produtos de análise e de
investigação das comunidades científicas que trabalham em distintos domínios.
Este último aspecto constitui, aliás, um desígnio e uma prioridade de relevo desta
revista e será, nos próximos números, ainda mais notório.
A terminar esta brevíssima apresentação, deixo uma nota de agradecimento a toda a
equipa da Exedra que esteve sob a minha coordenação ao longo destes meses iniciais da
(ainda) tão jovem publicação científica.
Por imperiosas razões funcionais, cesso, com este segundo número, o meu trabalho
à frente da direcção da revista.
Todavia, não cessam aqui as minhas responsabilidades que, na qualidade de Presidente
da ESEC, me farão acompanhar, de muito perto e com acrescido interesse e motivação,
todo o longo trabalho que a Exedra tem pela frente.
Rui Manuel Sousa Mendes
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Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o
A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos: adaptação e validação do Quality of Relationships Inventory (QRI) numa amostra de estudantes do ensino superior
Catarina Isabel Carvalho Neves
Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra
Maria do Rosário Moura Pinheiro
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - Universidade de Coimbra
Resumo
Este estudo apresenta o Inventário da Qualidade dos Relacionamentos Interpessoais - versão amigo, um instrumento composto por 24 itens distribuídos por 3 factores que explicam 45.96% da variância total e que avaliam as dimensões de Suporte (α=.84), Conflito (α=.88) e Profundidade (α=.84). Nos 255 estudantes do ensino superior o Suporte e a Profundidade no relacionamento com o melhor amigo correlacionam-se positivamente com as medidas gerais de suporte social e negativamente com a solidão.
Palavras-chave
Suporte social, Percepção do suporte social, Qualidade do relacionamento interpessoal, Relacionamento específico, Relações de amizade.
Abstract
This study presents the Inventory of the Quality of the Interpersonal Relationships - friend’s version, an instrument constituted by 24 items distributed by 3 factors which explain 45.96% of the total variance and evaluate the dimensions of support (α=. 84), conflict (α=. 88) and depth (α=. 84). In the 255 university students inquired, support and depth in the relationship with their best friend positively correlates with general measures of social support and negatively correlates with loneliness.
Key-Words
Social support, Perception of the social support, Quality of the interpersonal relationship, Specific relationship, Relations of friendship.
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exedra • nº 2 • 2009
Introdução
As origens históricas do conceito de suporte social remontam ao início dos anos
70 e desde então inúmeros autores dedicam os trabalhos conceptuais e empíricos aos
benefícios e prejuízos dos relacionamentos interpessoais (Pinheiro, 2003). A importância
dos processos relacionais na etiologia de algumas doenças, em especial as relacionadas
com o stresse, foi referida por Cassel (1974; 1976) e Caplan (1974) introduziu a noção
de sistema social remetendo para a assistência e fornecimento de recursos. A dimensão
emocional do suporte social surgiu com Cobb (1976), que define suporte social como
“informação que conduz o sujeito a acreditar que ele é amado e que as pessoas se preocupam com
ele; informação que leva o indivíduo a acreditar que é apreciado e que tem valor; informação
que conduza o sujeito a acreditar que pertence a uma rede de comunicação e de obrigações
mútuas” (Ribeiro, 1999, p. 547).
Weiss (1974) concebe o suporte social como uma apreciação subjectiva das provisões
sociais, isto é, dimensões ou funções possíveis das relações interpessoais, que podem
funcionar como benefícios quando os indivíduos as percepcionam como disponíveis
nos relacionamentos. O autor considerou seis provisões sociais: vinculação, que diz
respeito a um sentido de proximidade emocional e de segurança dadas pelas relações
interpessoais; integração social, que representa o sentido de pertença a um grupo que
partilha ou tem em comum um conjunto de interesses ou actividades; reforço do valor,
que traduz o reconhecimento dos outros face à nossa competência, aptidões e valores;
aliança, refere-se à garantia, à certeza de que se pode contar com os outros para nos
darem uma real assistência na resolução de um problema; orientação, referente a uma
função de informação e aconselhamento; por último, a oportunidade de cuidar, que
traduz o sentido da responsabilidade pelo bem-estar de outra pessoa.
House, em 1981, influenciado por autores como Cassel, Caplan e Cobb, refere-se ao
suporte social como uma transacção interpessoal que envolve um ou mais aspectos como
apoio emocional, ajuda instrumental, informação acerca do meio e feedback acerca de
si.
No domínio da Psicologia Comunitária os anos 70 foram marcados por investigações
que referiram existir benefícios na saúde do indivíduo quando os profissionais de saúde
e de outras áreas assistenciais prestam suporte emocional (Auerbach & Kilmann, 1977;
Whitcher & Fisher, 1979, citados por Sarason, Sarason & Pierce, 1990, p. 10-11).
Neste domínio, existem alguns estudos portugueses comparativos realizados
com doentes psiquiátricos (Ornelas, 1989, 1996, 1997) e com sujeitos portadores de
deficiência física adquirida (Oliveira, 1998). Este último autor baseia-se nas concepções
psicodinâmicas de vinculação e do suporte social para caracterizar o suporte comunitário
e a integração em redes, caracterizar o suporte familiar recebido, o locus de controlo na
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Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
recuperação e a percepção do suporte social.
Os autores Sarason e Sarason (1985; citados por Pinheiro, 2003, p. 213) definem
percepção do suporte social como a convicção individual de que é possível receber
ajuda ou empatia quando se necessita e referem, ainda, ser possível conhecer o grau
de satisfação individual com o suporte percebido como disponível. Na opinião daqueles
autores, a diferenciação entre o suporte social percebido e suporte social efectivamente
recebido foi o progresso qualitativo na literatura do conceito, havendo dados empíricos
que mostram uma maior consistência na associação entre saúde e bem-estar com a
percepção do suporte social do que com o suporte social objectivamente recebido pelo
indivíduo.
Em 1990, Sarason, Pierce e Sarason reconceptualizaram a percepção do suporte
social como uma característica estável em relação ao suporte social e a tendência para
interpretar comportamentos como sendo de suporte, designando-a por sentido da
aceitação (sense of acceptance). A percepção do suporte social é então considerada uma
característica da personalidade que se manterá estável com o tempo, mesmo durante
períodos de transição desenvolvimentista (Lakey & Cassady, 1990; Sarason et al., 1986,
1994, referidos por Pinheiro, 2003, p. 217). Entre as fontes mais relevantes de aceitação
a literatura referencia a mãe, o pai, outros familiares e os amigos (Broock, Sarason,
Sanghvi & Gurung, 1998; Pinheiro & Ferreira, 2005; Figueiredo, Maia & Pinheiro,
2004; Figueiredo, 2006). No contexto português uma investigação sobre o papel do
suporte social dos pais, amigos e colegas, enquanto conjunto de benefícios emocionais,
instrumentais, informativos na adaptação do estudante ao ensino superior (Pinheiro,
2003), revelou que níveis superiores de bem-estar psicológico (satisfação com a vida,
equilíbrio emocional, estabilidade afectiva, felicidade e optimismo) estão associados a
estudantes que se sentem mais incondicionalmente aceites, protegidos e valorizados pelos
amigos e pela mãe (Pinheiro, 2003; Pinheiro & Ferreira, 2005). Ainda se identificou que
o bem-estar social no relacionamento com os colegas (satisfação com os colegas de ano,
nas áreas da cooperação e entretenimento, resolução de problemas pessoais, tolerância e
intimidade) está associado a estudantes que se sentem mais incondicionalmente aceites,
protegidos e valorizados pelos amigos, que possuem grupo restrito de colegas de curso e
grupo regular de amigos, que fruem de níveis elevados de satisfação das provisões sociais
e que são do género masculino.
A partir dos anos 90, com o contributo de investigadores como Irwin Sarason,
Barbara Sarason, Carolyn Cutrona e Daniel Russell, o suporte social afirmou-se como
construto multidimensional podendo ser avaliado com objectividade científica mediante
a aplicação de instrumentos de medida psicossocial.
Com o objectivo de avaliar a composição da rede de suporte social percebida como
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exedra • nº 2 • 2009
disponível e o nível de satisfação associado, em 1983, Sarason, Levine, Basham e Sarason
construíram o Social Support Questionnaire (SSQ), um dos instrumentos de avaliação do
suporte social mais utilizados.
O Interpersonal Support Evaluation List (ISEL) desenvolvido por Cohen, Mermelstein,
Kamark e Hoberman (1985) e o Social Provisions Scale (SPS) de Cutrona e Russell (1987)
surgiram na investigação também como instrumentos de medida global do suporte
social.
Para Pierce, Sarason e Sarason (1991) as investigações realizadas no âmbito do
suporte social, utilizando instrumentos de medida como os acabados de referir, mostram
que os sujeitos elaboram crenças sobre a percepção do apoio e suporte emocional prestado
por outros indivíduos, sem contextualização e sem referência a um relacionamento
específico.
A literatura mostra que as investigações em torno da percepção do suporte social e da
avaliação da sua satisfação surgem fortemente associadas a determinadas características
da personalidade, nomeadamente à extroversão (Sarason & Sarason, 1983; Pinheiro,
2003; Pinheiro & Ferreira, 2002), às competências sociais (Sarason et al, 1987) à
motivação para o contacto social (Hill, 1997; Pinheiro, 2003) e ao optimismo (Brock et
al, 1998 citados por Pinheiro, 2003, p.211). Os autores acrescentam que esses estudos
evidenciam a importância das características da personalidade (Cohen et al, 1985;
Cutrona & Russell, 1987; Sarason et al, 1987) desenvolvidas no processo de vinculação
com os pais durante a infância (Sarason, Sarason & Shearin, 1986).
A solidão é outra variável bastante correlacionada negativamente com a percepção
do suporte social (Sarason, Sarason, Hacker & Basham, 1985; Pinheiro, 2003; Pinheiro &
Ferreira, 2002; Neves, 2006; Neves & Pinheiro, 2006), pois, os sujeitos com baixo suporte
social avaliavam-se como mais isolados, perturbados e sós. Para Pierce et al (1991), da
teoria da percepção do suporte social derivam duas hipóteses, por um lado, a percepção
do suporte social dirigido a um relacionamento específico é diferente da percepção do
suporte social em geral, por outro, a medida de cada construto contribui para a previsão
da solidão.
Na sequência do refinamento de natureza conceptual e avaliativa do suporte social,
em 1990, Sarason, Sarason e Pierce propuseram o modelo interacional-cognitivo do
suporte social que realça o papel dos aspectos situacionais, intrapessoais e interpessoais
nos processos do suporte social. Os aspectos situacionais dizem respeito às características
do meio em que ocorre a relação de suporte, os aspectos intrapessoais referem-se à
capacidade de o sujeito perceber um determinado comportamento como suporte social
e, por último, os aspectos interpessoais estão relacionados com as expectativas que o
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Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
indivíduo desenvolve em relação a um determinado relacionamento específico e em que
medida esse relacionamento é fonte de suporte, de conflito e/ou de profundidade. Este
último aspecto está relacionado com o grau de importância e segurança que o sujeito
atribui ao relacionamento. O contexto interpessoal do suporte social assume que um
determinado relacionamento importante na vida do indivíduo tanto pode ser fonte de
suporte como de conflito (Pierce, 1994).
É com base no modelo interacional-cognitivo do suporte social, mais especificamente
no contexto interpessoal do suporte social que Pierce, Sarason e Sarason (1991)
desenvolveram o Quality of Relationships Inventory (QRI) para avaliar a percepção do
suporte, do conflito e da profundidade num relacionamento específico.
Em 2006, Neves e Pinheiro encetaram uma investigação com o objectivo de adaptar
e validar a versão portuguesa do QRI para o relacionamento específico com a mãe,
o pai, o/a amigo/a e o par amoroso. A pesquisa culminou com a adaptação de quatro
escalas que permitem medir a percepção do suporte, do conflito e da profundidade no
relacionamento com a mãe, o pai, o/a amigo/a e o/a namorado/a. Qualquer um dos
instrumentos pode ser aplicado em contexto clínico, educacional, organizacional e em
contexto de investigação (Neves, 2006).
Neste trabalho apresenta-se o estudo da validade e da fidelidade do instrumento para
o relacionamento com o/a amigo/a.
Metodologia
Amostra
A versão traduzida do QRI, à qual os sujeitos responderam pensando em
relacionamentos específicos com a mãe, o pai, um/a amigo/a e o/a namorado/a ou
cônjuge, foi aplicada numa amostra constituída por 255 estudantes da Escola Superior de
Educação de Coimbra, maioritariamente do género feminino (n=121; 79.1%), solteiros
(n=146; 96.7%) e com idades compreendidas entre os 19 e os 28 anos de idade (m=21.78;
dp=2.19).
Os indivíduos que responderam aos questionários frequentavam os cursos de
Ensino Básico – 1º Ciclo (n=48; 18.8%), de Animação Socioeducativa (n=42; 16.5%),
de Comunicação Social (n=32; 12.5%), de Professores de Educação Musical do Ensino
Básico (n=31; 12.2%), de Comunicação Organizacional (n=29; 11.4%), de Educação de
Infância (n=22; 8.6%), de Comunicação e Design Multimédia (n=17; 6.7%), de Ensino
Básico – variante de educação física (n=17; 6.7%), de Teatro e Educação (n=9; 3.5%) e de
Ensino Básico – variante de educação visual e tecnológica (n=8; 3.1%).
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exedra • nº 2 • 2009
Relativamente ao ano do curso, 104 (40.8%) dos inquiridos frequentavam o 2º ano do
respectivo curso, 97 (38%) estudavam no 3º ano e os restantes 54 (21.2%) no 4º ano.
Instrumentos
A versão original do Quality of Relationships Inventory (QRI)
Com base no contexto interpessoal do Modelo Interacional-Cognitivo do Suporte
Social, proposto por Sarason, Pierce e Sarason (1990), os mesmos autores, em 1991,
desenvolveram o Quality of Relationships Inventory (QRI) para avaliar a percepção do
suporte, do conflito e da profundidade sentida pelo indivíduo num relacionamento
específico.
O QRI desenvolvido por Pierce et al (1991) pretende avaliar, num relacionamento
específico (mãe, pai, amigo/a), a percepção do suporte social em relação a um determinado
apoiante (exemplo do item 1- Até que ponto pode aconselhar-se com esta pessoa sobre
diversos problemas?); a percepção da profundidade e importância desse relacionamento
(exemplo do item 11- Na sua vida, até que ponto este relacionamento é importante?);
a percepção desse relacionamento como fonte de conflito e ambivalência (exemplo do
item 23- Com que frequência esta pessoa o/a faz sentir zangado/a?).
Os inquiridos responderam aos questionários tendo em conta apoiantes específicos,
nomeadamente, a mãe, o pai e quatro amigos cujo relacionamento, embora não tivesse
que ser necessariamente positivo, devesse ser importante na vida do sujeito.
O QRI é composto por 25 itens distribuídos por três subescalas, cujas respostas são
seleccionadas numa escala de tipo Likert com quatro níveis: (1) Not at all, (2) A little, (3)
Quite a bit, (4) Very Much.
Os autores procederam à análise factorial utilizando o método de “Maximum
Likelihood” com rotação oblíqua, pois, segundo Pierce et al (1991), estudos anteriores
identificaram correlações moderadas a fortes entre as dimensões depth e support (Hirsch,
1979; Pierce, Sarason & Sarason, 1988; citados por Pierce et al, 1991, p. 1030). Deste
procedimento resultaram três factores. De entre os itens que saturaram em cada factor
foram seleccionados aqueles que possuíam loadings superiores a .40, originando uma
versão final do QRI composta por 25 itens: 12 na subescala QRI conflit, 7 na subescala
QRI support e 6 na QRI depth.
Na investigação efectuada por Pierce et al (1991), o estudo da fidelidade numa
amostra de 210 sujeitos revelou coeficientes de alpha de Cronbach satisfatórios nas três
subescalas QRI support, conflict e depth respondidas, respectivamente, em relação à mãe
(.83, .88 e .83), em relação ao pai (.88, .88 e .86) e em relação ao amigo/a (.85, .91 e
15
Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
.84).
No que diz respeito às correlações entre as subescalas, para o mesmo apoiante
encontraram-se associações entre moderadas a fortes. Por exemplo, na escala respondida
em relação à mãe, os resultados obtidos na QRI support revelaram-se positivos e
fortemente associados com a QRI depth (r=.726, p≤.001), por sua vez, apresentaram-
se negativos e moderadamente associados com a QRI conflict (r=-.437, p≤.001). A
leitura destes dados indica que, quando o sujeito percebe um relacionamento específico
como fonte de suporte social, esse é igualmente percebido como importante e fonte de
segurança e de bem-estar.
A subescala QRI support respondida em relação à mãe e ao pai correlacionaram-
se de forma expressiva (r=.507, p≤.001), a associação destas com a mesma subescala,
respondida em relação ao amigo/a, apresenta correlações muito baixas, respectivamente,
r=.227e r=.193; p≤.001. Estes dados indicam que, de facto, o sujeito realiza diferentes
percepções dos relacionamentos em função do parceiro dessa relação.
A validade convergente e divergente do QRI foi analisada através de correlações com
o Parental Bonding Instrument (PBI; Parker, Tupling & Brown, 1979), a Social Provisions
Scale (SPS; Cutrona &Russell; 1987), o Social Support Questionnaire (Short-Form) (SSQ6;
Sarason, Sarason, Sharin & Pierce, 1987) e a UCLA Loneliness Scale (Russell, Peplau &
Cutrona, 1980).
As correlações obtidas entre as subescalas do QRI e as subescalas do PBI indicam o
poder discriminativo do QRI em função do relacionamento específico. Pierce et al (1991)
obtiveram fortes correlações entre as subescalas QRI suport e PBI care para o mesmo
relacionamento específico (Mãe: r=.741, p≤.001; Pai: r=.668, p≤.001) e correlações
moderadas quando associaram subescalas direccionadas para diferentes relacionamentos
(QRI suport Pai e PBI care Mãe r=.406, p≤.001; QRI suport mãe e PBI care pai r=.380,
p≤.001).
Para as três categorias dos relacionamentos em estudo, mãe, pai e amigo/a, as
subescalas do QRI suport e depth correlacionaram-se positivamente com as duas medidas
gerais do suporte social - Escala de Provisões Sociais (SPS) e a dimensão número do
Questionário de Suporte Social (SSQ6) - e negativamente com a Escala de Solidão (ES).
A versão portuguesa do Quality of Relationships Inventory (QRI)
Para obter a versão portuguesa do QRI aplicou-se o método de tradução-retroversão
(Hill & Hill, 2000) que envolveu três passos.
O questionário foi traduzido para português por duas pessoas, ambas portuguesas,
16
exedra • nº 2 • 2009
uma com conhecimentos profundos do inglês e outra com conhecimentos do inglês
americano, investigadora com experiência na tradução de questionários americanos.
Respeitando o objectivo deste passo, os tradutores preocuparam-se em alcançar uma
tradução que, simultaneamente, estimasse o texto original e prezasse também “a sintaxe,
a gramática e as subtilezas da língua portuguesa” (Hill & Hill, 2000, p. 81).
Seguiu-se a retroversão do instrumento por uma terceira pessoa com conhecimentos
de nível superior nas línguas portuguesa e inglesa.
Por último, os investigadores compararam a versão original do questionário em
inglês com a versão inglesa obtida pelo terceiro indivíduo e solicitaram esclarecimentos
junto dos tradutores envolvidos, sempre que consideraram necessário.
Num momento seguinte, o questionário foi aplicado a 16 estudantes do ensino
superior com o objectivo de verificar a adequação e perceptibilidade das instruções e
de refinar a tradução. Solicitou-se aos estudantes que, logo após o preenchimento do
questionário, dissessem quais as dúvidas que tiveram na interpretação das instruções e
durante a resposta aos itens. Apenas o item 2 foi apontado, por alguns estudantes, como
fonte de hesitações no momento da resposta.
Assim, a tradução dos itens do Quality of Relationships Inventory, denominada na
versão portuguesa por Inventário da Qualidade dos Relacionamentos Interpessoais (IQRI),
manteve a estrutura do instrumento original, sendo composto por 25 itens, a serem
respondidos numa escala de tipo Likert com quatro níveis: (1) Nunca ou Nada, (2) Poucas
vezes ou Pouco, (3) Bastantes vezes ou Bastante, (4) Sempre ou Muito.
Instrumentos usados no estudo da validade externa
Escala de Provisões Sociais (SPS)
A Social Provisions Scale (SPS) (Cutrona & Russell, 1987) foi traduzida e adaptada
para a população portuguesa por Pinheiro e Ferreira (2001), para medir a percepção de
seis provisões sociais.
A escala é composta por 24 itens distribuídos por seis dimensões, cada uma constituída
por dois itens de conteúdo positivo e dois de conteúdo negativo, avaliados através de uma
escala de tipo Likert com quatro níveis de resposta, desde discordo muito (1) a concordo
muito (4) e conducentes à obtenção de seis scores parciais e um score global.
Em 2003, os estudos realizados por Pinheiro na adaptação à população portuguesa
evidenciaram as características psicométricas do instrumento. No que concerne à
consistência interna, o índice de alpha de Cronbach de 0.91 foi o mais elevado obtido para
a escala total do SPS. Para as subescalas, os índices de alpha de Cronbach foram menos
17
Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
satisfatórios variando entre .58 e .82 nas dimensões, respectivamente, Oportunidade de
Cuidar e Aliança (Pinheiro, 2003, p. 291).
No estudo da validade do instrumento a autora realizou diversas análises factoriais
exploratórias sem alcançar resultados satisfatórios, então Pinheiro (2003) prosseguiu
com a análise dos itens das subescalas propostas por Russell e Cutrona (1987).
Perante os resultados alcançados, Pinheiro recomenda a utilização do “total da Escala
de Provisões Sociais, como medida global das provisões socais” (2003, p. 294).
Questionário de Suporte Social (SSQ6)
O Social Support Questionnaire (Short-Form) ou SSQ6 (Sarason, Sarason, Sharin &
Pierce, 1987), versão reduzida do Social Support Questionnaire ou SSQ (Sarason et al.,
1983), foi traduzido e adaptado para a população portuguesa por Pinheiro e Ferreira
(2002).
O SSQ6 é um instrumento de medida do suporte social composto por 6 itens, cada
um possuindo duas partes. Formulado na interrogativa, a primeira parte do item avalia
o número de pessoas que o sujeito percebe como disponíveis para apoiarem numa
determinada situação, podendo mencionar o número máximo de nove pessoas, o sujeito
pode ainda optar pela resposta “ninguém”. A segunda parte do item estima, através de
uma escala de tipo Likert com seis pontos desde muito insatisfeito (1) a muito satisfeito
(6), o grau de satisfação com a globalidade do suporte percebido pelo indivíduo.
Obtêm-se scores parciais dividindo a soma das pontuações nos itens por seis, os valores
médios obtidos são designados por índice numérico (SSQ6N) e índice de satisfação
(SSQ6S) (Sarason et al., 1983; Sarason et al., 1987).
De acordo com a investigação dos autores Pinheiro e Ferreira (2001; 2002), o
instrumento revelou níveis de consistência interna satisfatórios, com índices alpha de
Cronbach de .92 e .90 para a dimensão SSQ6Número e de .89, .90 para a dimensão
SSQ6Satisfação.
Construído para medir o suporte social como reflexo da percepção individual de se
ser amado, valorizado e aceite na relação com os outros (Pinheiro, 2003; Pinheiro &
Ferreira, 2001; Sarason et al, 1987), a bidimensionalidade do SSQ6, obtida na análise
factorial em componentes principais realizada pelos autores americanos e portugueses,
permite avaliar dois aspectos da percepção do suporte social, designadamente a percepção
da disponibilidade das entidades de suporte (SSQ6N) e a percepção da satisfação com o
suporte (SSQ6S) (Pinheiro & Ferreira, 2002).
18
exedra • nº 2 • 2009
Escala de Solidão (ES)
A Escala de Solidão (ES) da UCLA, criada por Russell e seus colaboradores (Russell,
Peplau & Ferguson, 1978; Russell, Peplau & Cutrona, 1980; Cutrona, 1982) para avaliar
a solidão, foi adaptada para a população portuguesa em 1989 por Neto. De acordo com o
autor, a escala “revelou-se altamente fidedigna e válida quer na avaliação da solidão quer na
discriminação entre solidão e outros construtos relacionados” (Neto, 1999, p.59).
A versão portuguesa da ES comporta 18 itens (9 itens positivos e 9 negativos)
avaliados numa escala Likert de 4 pontos (nunca, raramente, algumas vezes e muitas
vezes), cujo score global corresponde ao grau de solidão sentida pelo sujeito.
Relativamente aos índices de consistência interna da escala, junto das amostras
portuguesas de estudantes universitários, os valores de alfa obtidos foram muito
satisfatórios balanceando entre .87 e .89 (Neto, 1999; Pinheiro, 2003).
Procedimentos
Com a autorização do Conselho Directivo da Escola Superior de Educação do
Instituto Politécnico de Coimbra, os instrumentos foram aplicados aos estudantes
durante os meses de Fevereiro e Março de 2006, nas salas de aula. A aplicação dos
questionários foi realizada pelo investigador que informou sobre os objectivos do estudo,
a confidencialidade das respostas, a voluntariedade no preenchimento e disponibilizou-
se para esclarecer dúvidas.
Por os questionários serem de leitura óptica, cuja preparação implicou o recurso ao
programa informático Cardfiff TELEform, solicitou-se aos estudantes que assinalassem
visivelmente as respostas.
Mediante o uso do programa SPSS 14.0 para Windows procedeu-se ao tratamento
estatístico dos dados da amostra.
Resultados
Iniciou-se o estudo estatístico com a análise da dispersão das respostas em cada
item e verificou-se que, apesar de não se obter a variância máxima dos resultados,
encontraram-se os quatro níveis da escala em diferentes graus.
De acordo com os autores dos estudos originais do instrumento, para o estudo da
dimensionalidade do IQRI procedemos ao cálculo da análise factorial forçada a três
factores, utilizando o método de Maximum Likelihood com rotação oblíqua.
Para a escala do IQRI em relação ao relacionamento com o/a amigo/a, os índices de Kaiser-
19
Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
Meyer-Olkin (.890) e do Bartlett’s Test of Sphericity (Chi-Square=2513,98; df=300; p≤.001) revelaram-se adequados à prossecução da análise factorial.
Para as dimensões teóricas em causa, a solução forçada de três factores explicou
44.36% da variância total, tendo o factor 1 contribuído com 23.42%, o factor 2 com
17.13% e o factor 3 com 3.81% da variância (Quadro1).
Analisando o Quadro 1 encontramos no primeiro factor os itens 1, 3, 5, 15, 18, 22
e 25 cujas saturações variam entre .84 (item 18) e .31 (item 15); no factor 2 saturaram
onze itens (4, 6, 7, 9, 14, 19, 20, 21, 23, 24 e 25) com valores oscilantes entre .88 (item
20) e .45 (item 25); por último, no factor 3 organizaram-se os restantes itens (2. 10, 11,
12, 13, 16 e 17) com saturações elevadas oscilantes entre -.82 (item 10) e -.44 (item 12).
O item 2 saturou no factor com um valor muito baixo (-.19), pelo que se optou pela sua
exclusão. Esta decisão foi reforçada pela análise da consistência interna do factor 3 cujo
valor de alpha de Cronbach se elevou a .84 após a extracção do item 2.
Quadro 1 – Análise factorial do IQRI Amigo pelo método Maximum Likelihood,
rotação oblíqua forçada a 3 factores (25 itens)
Item F1 F2 F3
18Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ouvir quando você está bastante zangado/a com outra pessoa?
.84
3Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar quando tem um problema?
.67
5Até que ponto pode contar com esta pessoa para lhe dar uma opinião honesta, mesmo que não queira ouvir essa opinião?
.67
1Até que ponto pode aconselhar-se com esta pessoa sobre diversos problemas?
.61
8No caso de um membro muito próximo da sua família falecer, até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar?
.60
22Até que ponto pode verdadeiramente contar com esta pessoa para o/a distrair das suas preocupações quando está sob stresse?
.60
15Se quisesse sair esta noite e fazer algo, quão convicto/a está de que esta pessoa estaria disposta a sair consigo?
.31
Factor 1: Suporte; Valor próprio = 5.85; Variância explicada = 23.42%
20 Até que ponto esta pessoa o/a consegue pôr zangado/a? .88
23 Com que frequência esta pessoa o/a faz sentir zangado/a? .81
4 Até que ponto é que esta pessoa o/a consegue pôr chateado/a? .75
21 Até que ponto discute com esta pessoa? .73
19 O quanto é que deseja que esta pessoa mude? .63
24Com que frequência esta pessoa tenta controlar ou influenciar a sua vida?
.58
6 O quanto é que esta pessoa o/a consegue fazer sentir culpado/a? .58
20
exedra • nº 2 • 2009
7 Até que ponto tem de “ceder” nesta relação? .55
9 Até que ponto é que esta pessoa deseja que você mude? .55
14 Quão crítica é esta pessoa em relação a si? .48
25 Nesta relação, até que ponto você dá mais do que recebe? .45
Factor 2: Conflito; Valor próprio = 4.28; Variância explicada = 17.13%
10 Quão positivo é o papel desta pessoa na sua vida? -.82
11 Na sua vida, até que ponto este relacionamento é importante? -.76
13Até que ponto sentiria a falta desta pessoa se os dois não se pudessem ver ou falar durante 1 mês?
-.61
16 Até que ponto se sente responsável pelo bem-estar desta pessoa? -.52
17 O quanto é que depende desta pessoa? -.50
12Quão próximo será o relacionamento com esta pessoa daqui a 10 anos?
-.44
2Com que frequência se esforça para evitar conflitos com esta pessoa?
-.19
Factor 3: Profundidade; Valor próprio = .95; Variância explicada = 3.81%
Submeteu-se, novamente, os restantes 24 itens a uma análise factorial mediante o
método Maximum Likelihood com rotação oblíqua, cuja solução obtida explica 45.96% da
variância (Quadro 2).
O factor 1 apresenta um eigenvalue de 5.82, explica 24.23% da variância e é composto
pelos itens 1, 3, 5, 8, 15, 18 e 22 (pertencentes originalmente à subescala de Suporte)
com valores satisfatórios oscilando entre .32 (item 15) e .84 (item 18). Com um eigenvalue
de 4.27, o factor 2 explica 17.80% da variância e nele saturaram os itens 4, 6, 7, 9, 14, 19,
20, 21, 23, 24 e 25 (no QRI original estes itens constituíam a subescala de Conflito) com
valores oscilantes entre .45 (item 25) e .87 (item 20). Explicando 3,93% da variância e
com um eigenvalue de .94, o factor 3 reúne os itens 10, 11, 12, 13, 16 e 17 com saturações
entre -.45 (item 12) e -.84 (item 10), interpretáveis como subescala de Profundidade
(Quadro 2).
21
Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
Quadro 2 – Análise factorial do IQRI Amigo pelo método Maximum Likelihood,
rotação oblíqua forçada a 3 factores (24 itens)
Item F1 F2 F3
18Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ouvir quando você está bastante zangado/a com outra pessoa?
.84
5Até que ponto pode contar com esta pessoa para lhe dar uma opinião honesta, mesmo que não queira ouvir essa opinião?
.67
3Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar quando tem um problema?
.66
1Até que ponto pode aconselhar-se com esta pessoa sobre diversos problemas?
.61
22Até que ponto pode verdadeiramente contar com esta pessoa para o/a distrair das suas preocupações quando está sob stresse?
.60
8No caso de um membro muito próximo da sua família falecer, até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar?
.58
15Se quisesse sair esta noite e fazer algo, quão convicto/a está de que esta pessoa estaria disposta a sair consigo?
.32
Factor 1: Suporte; Valor próprio = 5.82; Variância explicada = 24.23%
20 Até que ponto esta pessoa o/a consegue pôr zangado/a? .87
23 Com que frequência esta pessoa o/a faz sentir zangado/a? .81
4Até que ponto é que esta pessoa o/a consegue pôr chateado/a?
.75
21 Até que ponto discute com esta pessoa? .74
19 O quanto é que deseja que esta pessoa mude? .63
6O quanto é que esta pessoa o/a consegue fazer sentir culpado/a?
.57
24Com que frequência esta pessoa tenta controlar ou influenciar a sua vida?
.57
7 Até que ponto tem de “ceder” nesta relação? .56
9 Até que ponto é que esta pessoa deseja que você mude? .55
14 Quão crítica é esta pessoa em relação a si? .48
25 Nesta relação, até que ponto você dá mais do que recebe? .45
Factor 2: Conflito; Valor próprio = 4.27; Variância explicada = 17.80%
10 Quão positivo é o papel desta pessoa na sua vida? -.84
11Na sua vida, até que ponto este relacionamento é importante?
-.78
13Até que ponto sentiria a falta desta pessoa se os dois não se pudessem ver ou falar durante 1 mês?
-.62
22
exedra • nº 2 • 2009
16Até que ponto se sente responsável pelo bem-estar desta pessoa?
-.52
17 O quanto é que depende desta pessoa? -.50
12Quão próximo será o relacionamento com esta pessoa daqui a 10 anos?
-.45
Factor 3: Profundidade; Valor próprio = .94; Variância explicada = 3.93%
Para analisar a fidelidade dos resultados do IQRI bem como a capacidade
discriminativa dos itens recorreu-se ao método da consistência interna, obtendo-se as
estatísticas alpha de Cronbach, média e desvio-padrão de cada item, e as correlações
entre cada item e o respectivo score da dimensão a que pertence.
Pela análise do Quadro 3 verifica-se que nas três subescalas as correlações dos itens
com o total da respectiva dimensão revelaram valores muito adequados entre .32 (item
15) e .77 (item 20), todos superiores a .30 (Cronbach, 1984), o que confirma o poder
discriminatório dos itens.
A consistência interna das subescalas revelam índices alpha muito satisfatórios
na ordem dos .84 na dimensão Suporte, .88 na dimensão Conflito e .84 na dimensão
Profundidade.
Importa deter a atenção no item 15 que saturou na dimensão de Suporte. Como se
verifica no Quadro 3 a extracção do item apenas elevaria o alpha de Cronbach da dimensão
de .84 para .85. Atendendo ao conteúdo do item privilegiou-se a sua preservação para
futuras análises.
23
Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
Quadro 3 - Médias, desvios-padrão, correlações corrigidas dos itens e coeficiente
alfa de Cronbach do IQRI Amigo
Subescala Item M DP
r
com exclusão do
item
α
com exclusão do
item
Suporte
1 3.53 .60 .61 .80
3 3.54 .58 .69 .79
5 3.55 .62 .55 .81
8 3.60 .60 .61 .80
15 3.37 .72 .32 .85
18 3.52 .63 .70 .79
22 3.48 .58 .64 .80
Total 24.60 3.06 α=.84
Conflito
4 1.88 .65 .64 .86
6 1.82 .67 .55 .87
7 1.97 .70 .55 .87
9 1.70 .61 .56 .87
14 2.32 .72 .46 .88
19 1.70 .63 .61 .87
20 1.82 .67 .77 .86
21 1.72 .62 .66 .86
23 1.65 .60 .73 .86
24 1.51 .65 .54 .87
25 1.87 .72 .44 .88
Total 19.96 4.87 α=.88
Profundidade
10 3.48 .63 .71 .78
11 3.52 .56 .68 .79
12 3.24 .65 .60 .80
13 3.09 .81 .68 .78
16 2.87 .72 .50 .82
17 2.28 .79 .51 .82
Total 18.48 3.07 α =.84
24
exedra • nº 2 • 2009
Conforme mostra o Quadro 5, no relacionamento com o/a amigo/a os resultados
dos estudos correlacionais confirmam a forte associação entre as subescalas do IQRI
suporte e profundidade (r=.63, p≤.01). A correlação dessas mesmas subescalas com a
IQRI conflito são negativas e com valores sem significância estatística (r=-.12; r=-.07).
Os resultados do estudo da validade convergente e divergente do IQRI apresentam-
se através da análise das correlações com duas medidas de suporte social (SPS global e
SSQ6N) e uma de solidão (ES).
Relativamente aos estudo psicométrico das medidas de suporte social, os índices de consistência interna da SPS global (α=.90) e do SSQ6 número (α=.92) para a amostra em estudo são muito satisfatórios. A escala de solidão apresenta, igualmente, muito boa consistência interna (α=.89) (Quadro 4).
Quadro 4 – Estatística descritiva e índices de consistência interna da SPS Global, do
SSQ6N e da ES
Instrumentos de medida Nº de itens M DP αEscala de Provisões Sociais (SPS) Global 24 84.85 7.75 .90Questionário de Suporte Social (SSQ6) – Número
6 28.53 11.15 .92
Escala de Solidão (ES) 18 30.25 7.18 .89
No que diz respeito ao estudo da validade convergente, foram encontradas correlações
positivas entre as subescalas IQRI suporte e IQRI profundidade com o resultado global
da SPS (respectivamente, r=.41, p≤.01; r=.29, p≤.01) e com a percepção do número de
pessoas que disponibilizam suporte social (SSQ6N) (respectivamente, r=.23, p≤.01; r=.15,
p≤.05). Assim, e à semelhança dos resultados obtidos pelos autores da escala original, a
maiores níveis de suporte social e de profundidade no relacionamento com o/a amigo/a
correspondem maiores níveis de percepção do suporte social em geral (Quadro 5). Os
índices de correlação encontrados, apesar de significativos, não foram muito elevados o
que confirma a hipótese teórica de Pierce et al (1991) que considera que a percepção do
suporte social num relacionamento específico é diferente da percepção do suporte social
em geral.
Ainda analisando o Quadro 5 verificamos que as dimensões do IQRI suporte e
profundidade se correlacionam negativamente com a solidão (respectivamente, r=-
.37, p≤.01; r=-.24, p≤.01), significando que se sentem mais sós os indivíduos cujos
relacionamentos com os/as amigos/as se caracterizam por baixos níveis de profundidade
e de suporte social.
25
Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
Quadro 5 – Correlações entre as subescalas do IQRI, SPS Global, SSQ6N e a ES
IQRI
Suporte
IQRI
Conflito
IQRI
Profundidade
SPS
Global
SSQ6
NúmeroES
IQRI Suporte 1 -.12 .63** .41** .23** -.37**
IQRI Conflito 1 -.07 -.30** -.07 .25**
IQRI
Profundidade1 .29** .15* -.24**
SPS Global 1 .28** -.75**
SSQ6 Número 1 -.35**
ES 1
*p≤.05; ** p≤.01
Na literatura, a variável género é muitas vezes aplicada ao estudo do suporte social.
Assim, procedeu-se ao estudo da qualidade dos relacionamentos interpessoais em função
do género. Nas subescalas do IQRI as raparigas têm pontuações mais elevadas que os
rapazes, com diferença significativa nas subescalas de suporte (t=.037; p=.044) e de
profundidade (t=.769; p=.001). Nas relações de amizade, as raparigas percebem mais
suporte e profundidade do que os rapazes (Quadro 6).
Quadro 6 – Médias, desvios-padrão e Teste t de Student em função do género
Género Masculino Género FemininoN M DP N M DP t p
IQRI Suporte 58 23.31 3.49 189 24.84 2.88 .037 .044
IQRI Conflito 56 19.53 4.70 178 20.09 4.92 .644 .444
IQRI
Profundidade55 17.29 3.24 187 18.83 2.93 .769 .001
*p≤.05; ** p≤.01
Da análise do Quadro 7 verifica-se que, quanto maior for a percepção do suporte
social na relação com os/as amigo/as, maior é a profundidade desses relacionamentos,
os valores das correlações são mais expressivas nos rapazes (r=.68; p≤.01) do que nas
raparigas (r=.60; p≤.01).
26
exedra • nº 2 • 2009
Quadro 7 – Correlações entre as subescalas do IQRI, por género
Género Masculino Género Feminino
S C P S C P
IQRI Suporte 1 .03 .68** 1 -.18* .60**
IQRI Conflito 1 .02 1 -.12
IQRI Profundidade
1 1
*p≤.05; ** p≤.01
No que diz respeito às correlações entre as subescalas do IQRI com as medidas de
percepção de suporte social geral e a solidão (Quadro 8), verifica-se que nas raparigas a
qualidade dos relacionamentos interpessoais se associam moderadamente com os níveis
de solidão. Quanto maior o conflito percebido pelas raparigas nos seus relacionamentos
com o/a amigo/a maior o nível de solidão (r=.30; p≤.01). Por sua vez, quanto maior a
percepção do suporte social e da profundidade nas relações de amizade menor o nível de
solidão (r=-.43; p≤.01, r=-.30; p≤.01).
Relativamente à percepção de suporte social global, nas raparigas a qualidade dos
relacionamentos de amizade associa-se à satisfação das necessidades relacionais (Quadro
8). A relação entre a percepção do suporte social no relacionamento com o/a amigo/a e a
percepção do suporte disponível é mais forte nos rapazes (r=.34; p≤.05).
Quadro 8 – Correlações entre as subescalas do IQRI e a SPS Global, a SSQ6N e a ES,
por género
SPS Global SSQ6N ES
M F M F M F
IQRI Suporte .30* .47** .34* .20** -.23 -.43**
IQRI Conflito -.08 -.35** .13 -.13 .09 .30**
IQRI
Profundidade.31* .30** .18 .15* -.12 -.30**
*p≤.05; ** p≤.01
27
Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos
Discussão
Este trabalho apresenta os estudos realizados na adaptação e validação da versão
portuguesa do Quality of Relationships Inventory (QRI) (Pierce, Sarason & Sarason, 1991)
no relacionamento com o/a amigo/a.
Os resultados alcançados atribuem boas qualidades psicométricas, no que diz respeito
à validade e fidelidade do Inventário da Qualidade dos Relacionamentos Interpessoais
(IQRI) para o relacionamento em causa.
No estudo das correlações entre as subescalas do IQRI verifica-se uma forte associação
entre as subescalas do IQRI suporte e profundidade, tal sugere que, quanto mais íntima
for a relação com o/a amigo/a maior é a percepção do suporte social.
Ainda no relacionamento com o/a amigo/a registou-se o valor médio mais baixo
de conflito (m=19.96; dp=4.87), ficando abaixo do ponto intermédio da escala. Este
resultado pode interpretar-se em duas perspectivas: no momento do preenchimento do
IQRI o estudante pode ter pensado no relacionamento com um amigo que seja importante
na sua vida mas com quem não tenha conflitos (nas instruções do IQRI pedia-se ao
estudante para pensar no relacionamento com um amigo considerado como importante
na sua vida, embora esse relacionamento não tivesse de ser necessariamente positivo);
os conflitos entre amigos podem estar relacionados com aspectos que não são avaliados
por essa subescala. É possível consideramos a hipótese de que as relações com os amigos,
quando pautadas por conflitos, podem ser excluídas da rede relacional.
Os estudos em torno da validade convergente e divergente do IQRI, à semelhança
dos pressupostos teóricos de Pierce, Sarason e Sarason (1991), revelaram relações
significativas e positivas com as três medidas de suporte social geral e associações
significativas e negativas com a medida de solidão. Pode afirmar-se que as correlações
negativas entre o score global da solidão e as medidas da percepção do suporte social
mostraram que, quanto mais sozinho se sente o indivíduo menor é o suporte social por si
percepcionado. As correlações negativas entre a solidão e as dimensões do IQRI suporte
e IQRI profundidade transpareceram o sentimento de isolamento dos indivíduos cujos
relacionamentos com os/as amigos/as se caracterizam por baixos níveis de profundidade
e de suporte social. Pelo contrário, as correlações positivas obtidas entre as medidas
de conflito e de solidão revelaram que, no relacionamento com o/a amigo/a, a maiores
níveis de conflito correspondem mais elevados níveis de solidão. As correlações positivas
entre as medidas de suporte e profundidade do IQRI e as medidas do SSQ6N revelaram
que, quanto mais qualidade no relacionamento com o/a amigo/a o indivíduo sentir maior
é o suporte social percebido.
Para compreender a qualidade do relacionamento interpessoal é importante conhecer
28
exedra • nº 2 • 2009
o grau de satisfação nessa relação. Para tal, a introdução de uma questão sobre o grau
de satisfação sentido na relação específica poderá ser uma variável a incluir em futuras
investigações.
Os estudos de diferença de género realizados corroboram o pressuposto de que os
rapazes e raparigas diferem nas medidas de percepção de suporte social geral e específico
em cada relacionamento. Nas relações de amizade as raparigas percebem mais suporte
social e profundidade, a qualidade dos seus relacionamentos interpessoais relaciona-se
mais à solidão e à satisfação das necessidades relacionais. Nos rapazes, a percepção de
suporte social na relação de amizade correlaciona-se mais fortemente com a percepção
do suporte disponível. Tal foi mencionado na literatura por Bell (1981), referindo que nas
relações de amizade as raparigas valorizam mais a intimidade e a confiança, os rapazes
dão maior relevo à sociabilidade.
Assim, os resultados alcançados neste trabalho, no âmbito das relações de amizade,
incentivam à continuidade dos estudos da qualidade dos relacionamentos interpessoais
em função da variável género.
A adaptação do IQRI para a população portuguesa é o contributo fundamental para
o estudo do contexto interpessoal do suporte social no relacionamento do indivíduo com
alguém em específico.
Bibliografia
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exedra • nº 2 • 2009
Correspondência
Catarina Isabel Carvalho Neves
Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra
Praça Heróis do Ultramar – Solum,
3030-329 Coimbra, Portugal
Maria do Rosário Moura Pinheiro
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra
Rua do Colégio Novo, Apartado 6153,
3001-802 Coimbra
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Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem
e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o
Educação para a cidadania e Direitos do Homem
Fernando Sadio Ramos
Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra
Resumo
O texto que se segue efectua a apresentação de diversas componentes do Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem que vem sendo realizado na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra desde 2002. Abarca este texto os projectos realizados (ou em curso) desde 2006, dando conta das suas características principais e resultados mais relevantes.
Palavras-chave
Educação, Educação com as artes, Educação intercultural, Educação para a cidadania, Direitos do Homem
Abstract
This paper presents several components of the Project on Citizenship and Human Rights Education which is being held at the Escola Superior de Educação of the Instituto Politécnico de Coimbra since 2002. It refers to the projects completed or in course since 2006, showing their main features and most relevant results.
Key-Words
Education, Education with arts, Intercultural education, Human Rights, Citizenship education
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exedra • nº 2 • 2009
Introdução
No texto que se segue procederemos à apresentação de duas componentes do
Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem que vimos realizando na
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra. Este teve o seu início
em 2002, permitindo o desenvolvimento de inúmeras iniciativas e trabalhos de que
demos conta em trabalhos anteriores (Ramos, 2005a; 2005b). Integram-no diversas
componentes, das quais assumem um papel particularmente relevante – pela dimensão
internacional, investigadores e instituições participantes, assim como pelos meios
envolvidos – os Projectos Encontro de Primavera® e Di.C.A.D.E. – Diferencias Culturales
y Atención a la Diversidad en la Escuela: Desarrollo de la Socialización mediante actividades
de expresión artística. Este tem já em curso o seu seguimento, o Projecto Estamentos
Educativos y Diferencias Culturales del Alumnado: Diseño de Actividades para el Fomento de
la Socialización (E.E.D.C.A.).
Ambos os Projectos decorrem desde 2006, associando na sua organização e realização
docentes, investigadores, artistas e alunos da Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Coimbra, do Grupo de Investigación HUM-742 D.E.Di.C.A. – Desarrollo
Educativo de las Didácticas en la Comunidad Andaluza, da Universidade de Granada
(Espanha) e do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts.
Comportam estes projectos trabalhos de investigação, projectos de desenvolvimento
curricular, congressos internacionais de partilha de resultados de investigação,
experiências pedagógicas e trabalhos teóricos, os quais se traduzem nas correspondentes
publicações.
Têm esses trabalhos como núcleo essencial a Educação Intercultural, para a
Cidadania e Direitos do Homem, tomando como pressupostos essenciais, em primeiro
lugar, o entendimento da Educação como formação integral1 da Pessoa (entendida esta
como intersubjectividade originária) em todas as suas dimensões e, em segundo lugar,
a afirmação do papel significativo que as Humanidades e a Artes desempenham nessa
formação. A utilização da Filosofia, Música, Artes Plásticas, Literatura e Teatro tem
lugar de destaque nas propostas educativas e pedagógicas, mas também se verifica a
abertura a novas formas de expressão artística nas quais o recurso às novas tecnologias
predomina.
O projecto Encontro de Primavera® assume-se como o processo de produção, encontro
e partilha dos resultados da investigação e da docência por parte, tanto dos membros
do grupo de trabalho mais restrito, como dos convidados que se lhe juntam e permitem
alargar o alcance dos trabalhos a desenrolar. A sua designação a partir da ideia de encontro
decorre do primeiro pressuposto afirmado anteriormente, o da intersubjectividade da
Pessoa.
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Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem
O suporte financeiro e logístico tem origem, predominantemente, na Universidade
de Granada e na Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta de Andaluzía,
mas também em outras fontes, como o CIMA – Centre for Intercultural Music Arts, o
Instituto Politécnico de Coimbra e a sua Escola Superior de Educação, assim como da
Fundação para a Ciência e Tecnologia.
O Encontro de Primavera® 2
O Projecto Encontro de Primavera® tem como linhas estratégicas fundamentais a
promoção da Educação Intercultural, para a Cidadania e Direitos do Homem, numa
perspectiva de Educação Integral, para a qual as Artes, as Humanidades e a Educação
com as Artes assumem, consequentemente, um papel de relevo. Subjaz ao mesmo uma
Filosofia da Formação e da Educação que assume uma concepção de Pessoa como
intersubjectividade originária (Ramos, 2007b; 2003), da qual nasce a ideia de encontro.
Consubstancia-se numa reunião internacional anual, em que o tema articulador do
trabalho realizado anteriormente se apresenta e desenvolve, lançando-se o respectivo
livro.
Música, Artes Plásticas, Teatro e Dança, no campo das Artes, Filosofia, Literatura
(de línguas Modernas e Clássicas)3, no campo das Humanidades, constituem o eixo em
redor do qual se articula um conjunto de vontades que vêem a defesa do humano no
Homem como uma tarefa urgente do tempo presente, configuradora de uma praxis de
resistência humanista em tempos de ditadura positivista, tecnocrática4 e capitalista (Gil,
2009). Direitos do Homem e Democracia perfilam-se como conquistas árduas e frágeis,
advindas no decurso da História em resultado da praxis humana, e que dependem
estreitamente da Memória5 e do exercício atento da Liberdade e da Razão crítica para
que aquilo por que existem – a realização polifónica da Dignidade do Homem – não seja
um sonho apagado pelas forças que se lhe opõem. Esta ideia apresenta-se como uma
injunção particularmente relevante no tempo presente, uma vez que assistimos, de forma
global e universal, a um ataque feroz às realizações da Dignidade do Homem, repetindo
– a uma escala maior e inédita – as fases de desenvolvimento do ovo da serpente que
levou as sociedades europeias do século XX a defrontarem-se com o Totalitarismo, que o
revisionismo actual, de pendor economicista e de um cientismo serôdio e rançoso, tenta
reabilitar6.
Na medida em que a Formação e a Educação são um meio privilegiado de promover
a humanização do Homem, a defesa do ponto de vista referido anteriormente assume-
se como um modo de desenvolver a missão daquelas, conferindo-lhes o sentido de
Libertação que deve presidir à acção formativa e educativa.
36
exedra • nº 2 • 2009
Como tal, o Projecto Encontro de Primavera® desenvolve-se a partir de uma opção de
praxis política, entendida como uma inevitabilidade, necessária e inerente à condição
de pertença essencial do Homem à Comunidade humana, desde a inaugural pólis grega
até à comunidade contemporânea intercultural e de dimensão cosmopolita que vamos
construindo gradualmente.
A ideia de Primavera surge enquanto símbolo e promessa de futuro, essencial para
estruturar a praxis transformadora do ser no dever-ser por que a Liberdade do Homem
anseia e do qual é condição de possibilidade.
A primeira edição do Encontro de Primavera® (2006) estruturou-se a partir da noção
básica que articula os Direitos Humanos e a panóplia dos seus valores configuradores
– a Dignidade do Homem – que declinámos então de forma plural na expressão com
que o designámos: Dignidade Humana em Polifonia, e que dá igualmente título ao livro
correspondente aos trabalhos realizados (Reis; Ramos, 2007) e que saiu na colecção
Práticas – Conhecimento – Pensamento, n.º 12, do Instituto Politécnico de Coimbra. Com
ela, pretendemos dar conta do humano do Homem, articulando duas ideias essenciais.
A primeira, a de “Dignidade Humana”, enquanto valor essencial fundante e
estruturador daquilo a que se chama “Direitos do Homem”. A segunda, “(em) Polifonia”,
com a qual procurámos traduzir a diversidade e riqueza do Homem, das quais a
Música se pode assumir como um símbolo maior, prenhe de significações e respectivas
interpretações, consonantes ou conflituantes.
Correspondeu essa realização a um momento no desenvolvimento de um trabalho de
Educação Ética, Axiológica e Cidadã, de substrato filosófico, mediante o qual se procura
concretizar ao nível do Ensino Superior, em geral, e da Formação Inicial, Contínua e
Especializada de Professores, Educadores e Animadores, em particular, a formação
pessoal e social dos alunos, dotando-os de meios com os quais a possam promover
igualmente junto dos seus futuros educandos e aprendizes (Ramos, 2008a; 2008b).
Correspondeu, igualmente, a uma etapa de um já relativamente longo e frutífero
caminho de cooperação internacional da Escola Superior de Educação do Instituto
Politécnico de Coimbra com o Grupo de Investigación HUM – 742 D.E.Di.C.A, da
Universidade de Granada.
Correspondeu, ainda, a um encontro entre docentes e investigadores para quem as
dimensões artística e humanística do Currículo são assumidas como essenciais para a
promoção integral da Pessoa do Educando e como potenciadoras do desenvolvimento de
competências comunicativas interculturais.
Para a segunda edição, escolhemos a temática da Educação para a Cidadania Europeia
com as Artes. Na linha defendida pelo Conselho da Europa em relação à interculturalidade
37
Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem
(Perotti, 1994), a Arte, e em particular a Música, constitui um fundamento e um meio a
privilegiar na comunicação entre as culturas e os povos. Por muito que sejamos tentados
a afirmar a impossibilidade da poesia após Auschwitz (Theodor Adorno), ou da ineficácia
do belo perante o hediondo (Erwin Chargaff), devemos sempre retomar a ideia de Michel
Serres de que só a beleza nos pode salvar (Barlowen, 2009: 386).
A escolha desse lema assentou no seguinte conjunto de pressupostos, que passamos
a explicitar.
Partimos do entendimento da Cidadania Europeia como um constructo práxico, em
que unidade e diversidade, identidade e alteridade se cruzam e articulam de modo plural
e complexo, de acordo com as três dimensões temporais da historicidade humana. A
complexidade e a diversidade são uma constante historial do ser-europeu, presentes
nos três vectores temporais que estruturam a historicidade do Homem. Do passado,
destacamos a síntese histórica que se produziu desde a aurora inaugural na Grécia
Clássica, passando pela Roma republicana e imperial, pela Medievalidade Cristã e o
Iluminismo Moderno, inaugurador da Contemporaneidade. Razão (Filosófica, Artística
e Científica7), Cidadania, Direito, Formação e Educação, Pessoa e Direitos do Homem,
constituem aquisições maiores do percurso civilizacional Europeu.
O presente histórico surge como instância práxica de construção de uma ideia
de Europa, que apela a partir do futuro novo à herança histórica identitária que é
permanentemente desafiada a reconstituir-se para que esse futuro inédito advenha. A
organização inter-governamental Conselho da Europa, a construção da Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço, depois da Comunidade Económica Europeia, a mudança
desta para Comunidade Europeia e agora União Europeia8, a presença da forma particular
de alteridade constituída pelas populações migrantes, seus descendentes europeus e
respectivas culturas e costumes, a mobilidade das pessoas, a influência dos media, etc.,
constituem-se como elementos com que a praxis se confronta em ordem a elaborar essa
identidade de modo plural e intersubjectivo. Nessa identidade essencialmente múltipla,
assume-se como fundamental uma herança Humanista e geradora de uma cultura cujo
núcleo essencial se pode consubstanciar na noção, perenemente in fieri, de Direitos do
Homem (André, 2005; Pereira, 2003).
Desvelar tal complexidade exige uma linguagem ela mesma geradora de significados
sempre novos e não subsumíveis univocamente, de modo redutor e fechado. Ao mesmo
tempo, fiel à matriz da racionalidade da realidade e do Ser legada na palavra Lógos
(Heidegger, 1984: 294-341; 1988; 1980a: 71-157; 1980b: 124-199) pela civilização Grega
Clássica, essa linguagem deve também prestar-se à análise e à reflexão, possibilitando
a discussão e produção de novos sentidos e significados. Vemos estas características de
modo eminente na Arte e suas diversas manifestações e respectivas linguagens, sobre o
38
exedra • nº 2 • 2009
pano de fundo da ideia da Arte como um elemento decisivo na humanização do Homem,
em simbiose com a Cultura Humanística.
Deste Encontro editou-se o livro Educação para a Cidadania Europeia com as Artes
(Ramos, 2007c), o qual contou com financiamento da Universidade de Granada e do
CIMA – Centre for Intercultural Music Arts.
O III Encontro de Primavera® apontou para a questão do Diálogo e da Civilização,
possibilitados pela Arte, em geral, e a Música, em particular. Levou como lema Música.
Arte. Diálogo. Civilização, o qual se manteve no título do livro correspondente aos
trabalhos apresentados (Ortiz Molina, 2008). Correspondeu a um notável passo em
frente em termos da sua dimensão e processo de internacionalização, pois passou a estar
associado à realização da Bienal Internacional, Simpósio & Festival do CIMA – Centre for
Intercultural Music Arts (no caso vertente, a X edição da mesma)9.
Dando esta dimensão ao Projecto Encontro de Primavera®, o lema apresentado aos
participantes colocou a questão da Educação, da Educação com as Artes e da Educação
Intercultural, para a Cidadania e Direitos do Homem em termos de Civilização, oposta
à barbárie de uma sociedade da qual aquelas, e o respectivo objecto e fundamento – a
Dignidade do Homem –, estejam ausentes ou – pior ainda –, sejam aviltadas, espezinhadas
e banidas.
O valor da iniciativa foi reconhecido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia
concedendo-lhe financiamento para a sua realização e publicação do livro, no que se
associou à Universidade de Granada e ao CIMA – Centre for Intercultural Music Arts. Foi
também editado um catálogo correspondente a duas exposições de Arte Contemporânea
em que o Encontro e a Bienal se concretizaram igualmente (Ortiz Molina; Rúbio; Ramos,
2008); este último contou ainda com o apoio financeiro da Escola Superior de Educação
do Instituto Politécnico de Coimbra, além das instituições referidas atrás.
A IV edição do Encontro de Primavera® realizou-se na Facultad de Ciencias de la
Educación da Universidade de Granada. Tratou-se de um desenvolvimento natural
e esperado do Projecto e um momento assinalável da sua internacionalização, já que
o mesmo esteve desde o seu início vinculado a uma estreita cooperação da Escola
Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra com aquela Universidade,
através do Grupo de Investigación D.E.Di.C.A., como se referiu anteriomente. A
vertente relacionada com a investigação mereceu a tónica e daí o seu título: Investigación
en Educación y Derechos Humanos: Aportaciones de diferentes Grupos de Investigación. A
Junta de Andaluzia, por intermédio da Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa,
reconheceu o mérito do evento atribuindo-lhe o respectivo financiamento. Os trabalhos
do mesmo foram publicados em livro, com o título Investigación en Educación y Derechos
39
Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem
Humanos (Ortiz Molina, 2009), com financiamento da Consejería de Ciencia, Innovación
y Empresa da Junta de Andalucía, da Universidade de Granada e do CIMA – Centre for
Intercultural Music Arts.
Fruto das sinergias criadas aquando da III edição do Encontro de Primavera®, revelou-
se como pertinente a realização de um projecto que se desenvolveu acentuando o
Diálogo e a Comunicação Intercultural assim como a Educação com as Artes a partir da
ideia de Diferença. Procurámos, no mesmo, pôr em relevo as potencialidades residentes
no discurso e na prática artísticos, assim como na Educação com as Artes, para se
proceder ao desenvolvimento integral e à humanização da Pessoa. O trabalho assente
nesta perspectiva assume que a Educação deve permitir às Pessoas a descoberta da sua
capacidade de ver e expressar o Mundo segundo o seu modo único e irrepetível de ser
Pessoa e procura colocar em questão a estreiteza do Currículo vigente nas nossas escolas,
na medida em que o mesmo nunca proporcionou o devido lugar à Educação com as Artes.
Na situação presente do nosso País, essa mesma estreiteza passou a revestir um carácter
incoerente, insólito e grotesco com medidas políticas que vão no sentido de tornar a
Educação com as Artes numa mera ocupação de tempos livres e de guarda de alunos. A
tal se reduziu e perverteu o currículo definido no âmbito da Gestão Flexível do Currículo
e respectivo Decreto-Lei regulador (6/2001, de 18 de Janeiro) (Alonso; Peralta; Alaiz,
2001). Recusar isso e afirmar o valor da Educação com as Artes foi a ideia fundamental e
que teve como resultado final o livro Diálogo e Comunicação Intercultural. A Educação com
as Artes (Ramos, 2009), que – tal como o livro anterior – obteve o seu financiamento junto
da Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta de Andalucía, da Universidade
de Granada e do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts.
O ano de 2010 viu a V edição do Encontro, simultaneamente com a XI Bienal do
CIMA. Teve lugar entre 6 e 9 de Abril, na Facultad de Educación y Humanidades de
Melilla (Universidade de Granada). Seguiu a mesma linha de realizar o evento nesta
Universidade de modo a prosseguir a cooperação originária e fundante do mesmo, assim
como o desenvolvimento do seu processo de internacionalização. A temática, predefinida
já no III Encontro10, foi a seguinte: Arte e Ciência: Criação e Responsabilidade (Ortiz Molina,
2010 a; 2010b). Propusemos aos participantes o desafio de pensar a relação, articulação,
vizinhança e diferenças entre aquelas formas de produzir Mundo e Homem, enquanto
ambas se pautam – autonomamente – pelos conceitos de Criação e de Responsabilidade.
As publicações correspondentes tiveram o apoio da Consejería de Ciencia, Innovación
y Empresa da Junta de Andalucía, da Universidade de Granada e do CIMA – Centre for
Intercultural Music Arts.
Como Projecto, o Encontro de Primavera® polariza-se pelo futuro. Assim, passamos
a referir as realizações que se encontram em preparação e que continuam a projectá-lo
40
exedra • nº 2 • 2009
ainda mais em termos internacionais.
Dos eventos que estão em preparação, o primeiro a realizar-se é o Encontro de 2011,
o VI, que decorrerá, desta vez, em Málaga, no Centro Cívico da Diputación Provincial
de Málaga. Subordinar-se-á ao tema Tendiendo puentes hacia la interculturalidad. Nesse
sentido, várias reuniões de trabalho têm tido lugar, ao longo do último ano, as quais
culminaram na realização de um encontro internacional entre alguns dos elementos
que integram a sua comissão científica e organizadora, que decorreu em Coimbra.
Subordinado ao tema de 2011, traduzido para Português – Lançando Pontes para
a Interculturalidade – teve lugar nos dias 17 e 18 de Julho de 2009 e dele saíram as
linhas fundamentais da realização do congresso de 2011. Seguiram-se-lhe reuniões
efectuadas em Málaga (Outubro de 2009), Évora (Dezembro de 2009), Granada
(Fevereiro de 2010) e Melilla (Abril de 2010). O mérito da iniciativa já foi reconhecido
pela Diputación Provincial de Málaga, com o correspondente financiamento. O primeiro
livro correspondente ao Encontro foi publicado simultaneamente em Portugal e em
Espanha, sendo subsidiado pela Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta
de Andalucía e pela Universidade de Granada (Ramos, 2010a; 2010b). Em preparação,
encontra-se o segundo livro a editar com esse Encontro, Puentes hacia la Interculturalidad
e um CD Rom com outros trabalhos a apresentar no evento.
Em 2012, o VII Encontro de Primavera® e o XII SIEMAI – Simpósio Internacional
Educação Música Artes Interculturais® (refundação ibérica do CIMA – Centre for
Intercultural Music Arts) regressam a Portugal e decorrerão em Vila Nova de Foz-Côa.
Subordinar-se-ão ao lema Arte e Cultura Populares e encontra-se numa fase adiantada de
preparação, com destaque para as reuniões de discussão e debate de textos a apresentar
no evento por parte de membros da Comissão Organizadora e Científica e na publicação
de artigos em revistas especializadas Espanholas.
Ceuta acolherá o VIII Encontro de Primavera® e o XIII SIEMAI – Simpósio
Internacional Educação Música Artes Interculturais®, que terá lugar em 2014 sob o lema
Educación, Música y Arte desde la(s) Frontera(s). A preparação do evento já começou,
criando-se a respectiva Comissão Organizadora, tanto a nível internacional como local, e
que desenvolve já os primeiros trabalhos.
Educação intercultural
Neste âmbito particular do Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do
Homem, referir-nos-emos em seguida a dois Projectos de Investigação, Desenvolvimento
e Inovação do Grupo D.E.Di.C.A..
O primeiro, é o Projecto Di.C.A.D.E. – Diferencias Culturales y Atención a la Diversidad
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Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem
en la Escuela: Desarrollo de la Socialización mediante Actividades de Expresión Artística.
Este começou como um Projecto de I+D+I do Vice-Rectorado de Investigación y Tercer
Ciclo da Universidade de Granada. Decorreu ao longo dos anos de 2006 e 2007, gerando
como produto final a obra homónima: Diferencias Culturales y Atención a la Diversidad
en la Escuela: Desarrollo de la Socialización mediante Actividades de Expresión Artística
(Di.C.A.D.E.) (Ortiz Molina, 2007).
Além dos contributos de ordem teórica e fundamental, empírica e pedagógica
proporcionados pelos investigadores participantes, conta com um trabalho de
Desenvolvimento Curricular realizado por alunas do curso de Teatro e Educação da
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra (Vaz; Cúrdia, 2007),
já que as linhas de investigação dos Projectos do Grupo D.E.Di.C.A. se desenvolvem
igualmente a nível da docência efectuada pelos seus membros.
Assim, a nível da fundamentação teórica do Projecto, contamos com os seguintes
trabalhos:
a) Subsídios para uma Filosofia da Formação de um ponto de vista intersubjectivo;b) Fundamentação Psicológica da Didáctica da Educação Artística e Musical.
Seguem-se dois estudos empíricos:
i) Estudo Empírico do Projecto sobre as Diferenças Culturais e Atenção à Diversidade no Contexto Escolar;
ii) Culturas em Contacto no Âmbito Escolar: Investigação Educativa sobre o Fomento de Habilidades Linguísticas e da Socialização através da Expressão Musical.
As consequentes propostas de actividades pedagógicas incluem:
α) Os Habitantes da Rua Pentagrama;β) O Agrupamento Instrumental de Percussão na Escola, Elemento de Socialização dos
Alunos.γ) Experiências Educativas para a Socialização: Música e Pintura, uma Relação
Interdisciplinar.δ) Como se faz Cor-de-Laranja. Um Projecto de Desenvolvimento Curricular no Âmbito da
Expressão Dramática.
Com base neste trabalho inicial, a temática do projecto continuou a assumir-se como
ideia articuladora da docência da unidade curricular de Teoria e Desenvolvimento do
Currículo das licenciaturas de Teatro e Educação e de Professores de Educação Musical
do Ensino Básico, assim como de um projecto de investigação-intervenção da licenciatura
em Animação Socioeducativa daquela instituição, o qual foi igualmente publicado:
– Quando as luzes se apagam, acendem-se consciências? Animação Socioeducativa e Cinema – Perspectivas conjuntas (Silva, 2007).
O trabalho efectuado com o projecto Di.C.A.D.E. deu origem a novo projecto que se
encontra já em realização e cujo livro deverá ser editado no início de 2010.
Tem este projecto como título Estamentos Educativos y Diferencias Culturales del
Alumnado: Diseño de Actividades para el Fomento de la Socialización (E.E.D.C.A.).
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exedra • nº 2 • 2009
A sua concretização comporta uma investigação empírica e pedagógica, assim como
os produtos pedagógicos elaborados no decurso do projecto e da docência.
Três componentes integram-no, em consequência.
Uma, relativa a projectos de desenvolvimento curricular de âmbito educativo formal
e comunitário, elaborados por alunos de licenciaturas da Escola Superior de Educação do
Instituto Politécnico de Coimbra. Trata-se de dois trabalhos correspondentes a projectos
realizados entretanto e que se encontram em fase final de preparação da publicação.
Outra, diz respeito à investigação realizada por meio de um inquérito por questionário
sobre percepções da alteridade que conduzimos simultaneamente em Espanha e em
Portugal. Utiliza-se um protocolo de entrevistas semi-estruturadas que são aplicadas aos
diversos sectores da Comunidade Educativa. O protocolo já foi validado em anteriores
projectos de I+D+I realizados pelo Grupo D.E.Di.C.A. (Ortiz Molina, 2005). Dirige-
se o inquérito aos níveis de educação básica e secundária, e tem como pressuposto de
base a crescente necessidade de lidar com a diversidade e a diferença nas sociedades
contemporâneas, em particular nos contextos educativos e sociais das escolas. O
inquérito já foi realizado, encontrando-se a decorrer a fase de tratamento e análise dos
dados obtidos.
Em terceiro lugar, e uma vez terminada a fase da investigação e obtidas as conclusões
da mesma, passar-se-á à elaboração de propostas de actividades destinadas a promover a
socialização nas escolas e agrupamentos dos níveis de educação estudados.
Apresentado o relatório do projecto ao organismo financiador – o Vice Rectorado de
Política Científica e Investigación da Universidade de Granada, seguir-se-á a preparação
do livro e respectiva publicação, como referimos.
Conclusão
O Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem de que apresentámos
aqui duas das suas diversas vertentes tem como fundamento filosófico a ideia de que
a Educação não é uma realidade social neutra ou uma ferramenta social utilizável
meramente de forma técnica.
Vemo-la, antes, como uma instância de transformação social e política, que
entendemos como uma prática de libertação (P. Freire), logo comportando um projecto
de Homem, de Sociedade e de Mundo e os correspondentes valores. Nesse sentido, a
Educação nunca é axiologicamente neutra e a tarefa do Educador deve começar pela
explicitação do projecto de Homem, de Sociedade e de Mundo que a sua acção vai
realizar. Deste modo, podemos confrontar criticamente os diferentes modelos educativos
43
Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem
e respectivas possibilidades, evitando a maior tentação que se coloca aos Poderes que
utilizam a Educação: a endoutrinação e a propaganda.
Esta perspectiva parece-nos particularmente pertinente no nosso tempo, em que
o fechamento de possibilidades da praxis e o império do pensamento único são um
ingrediente assinalável da realidade educativa, social e política.
O desenvolvimento de uma cidadania crítica, mobilizando nesse projecto os
contributos inestimáveis e cada vez mais exigíveis das Humanidades e das Artes,
aparece-nos assim como um imperativo ético e político susceptível de dar à Educação
uma densidade ontológica assinalável e de potenciar o seu sentido crítico, transformador
e construtor da Liberdade.
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Notas1 - Muitas são as variações deste tema, mas refira-se a formulação pristina do tema em Coménio, na Didáctica Magna, e a ideia das escolas como Oficinas de Humanidade (Cap. X e XI), a sua encarnação na obra e prática de Henri Pestalozzi (com destaque para os institutos de Berthoud e de Yverdon) e a assumpção da ideia na Lei de Bases do Sistema Educativo Portuguesa (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, art. 1.º, n.º 2).2 - Retomamos aqui, ampliando-o, o conteúdo de “O Projecto Encontro de Primavera” (Ramos, 2007). 3 - A sequência desta enumeração não implica que não tenhamos a Literatura e a Filosofia incluídas, igualmente e segundo a idiossincrasia de cada uma, no campo da Arte, no sentido mais pleno desta, o de criação de Mundo.4 - Insistimos na ideia de poder, destacando a sua brutalidade (R. Pannikar, in Barlowen, 2009). Daí não termos referido desde logo o tecnomilenarismo (Régis Debray, in Barlowen, 2009) que confere a este exercício brutal do poder uma intenção purificadora, nomeadamente, na figura do Homem Novo desta ideologia, o Homem Avaliado, controlado, obediente e, um dia amante da servidão (Gil, 2009).5 - A Memória e o Testemunho são essenciais para a Liberdade, como nos ensinam, entre outros, Primo Levi ou Elie Wiesel. O seu desprezo marca, todavia, o projecto tecnocrático de Homem Novo, e faz parte da organização capitalista do trabalho e da sociedade. Daí, a pertinência da expressão United States of Amnesia, de Carlos Fuentes, e das críticas de Erwin Chargaff à “cultura” dos Estados Unidos (Barlowen, 2009).6 - Daí a importância de dar voz aos que denunciam este estado de coisas e se demarcam do Pensamento Único vigente na actualidade, como o faz a obra de C. v. Barloewen referida na nota anterior (Barlowen, 2009).7 - Ciência científica e sábia, não ciência tecnológica.8 - Sendo o comércio o meio por excelência de aproximar os indivíduos e as comunidades, desenvolvendo-se em consequência relações de intercâmbio que supõem o conhecimento do Outro e a Paz, entende-se a profundidade da visão dos impulsionadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e da Comunidade Económica Europeia, Jean Monnet e Robert Schuman. Já a deriva imperial a que assistimos, reeditando algo que evoca remotamente o Império Carolíngeo, não é de todo tranquilizadora e deixa muito a desejar em termos de democracia. Mas este é outro
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exedra • nº 2 • 2009
assunto e outro combate.9 - O CIMA – Centro para as Artes e Músicas Interculturais é uma Organização não-lucrativa Britânica que esteve sedeada, até Maio de 2004, no Institute of Education da Universidade de Londres. Foi criado em 1989, respondendo aos anseios de compositores e artistas que queriam explorar novas dimensões na Música conciliando e integrando elementos de culturas diferentes.Em Novembro de 2004, após a morte de R. M. Kwami, seu principal mentor e responsável, e mediante solicitação do seu Secretário à época, G. F. Welch, iniciou-se o processo de transferência do movimento para Espanha, sob a responsabilidade da Professora M.ª A. Ortiz Molina, da Universidad de Granada. Directora do Grupo de Investigación HUM-742 D.E.Di.C.A. – Desarrollo Educativo de las Didácticas en la Comunidad Andaluza, radicado no Departamento de Didáctica da Expressão Musical, Plástica e Corporal da Facultad de Ciencias de la Educación daquela Universidade, tem a mesma procedido à dinamização da principal iniciativa em que se concretiza o CIMA, a sua Bienal. Efectivamente, o CIMA orienta a sua acção predominantemente no sentido de realizar um encontro intitulado Bienal Internacional, Simpósio e Festival do CIMA. Como indica o seu nome, realizava-se de dois em dois anos, tendo tido a sua primeira edição em 1990. O Institute of Education da University of London acolheu oito edições da Bienal. A Bienal foi organizada até 2004 pelo Institute of Education da Universidade de Londres. Por sua vez, a de 2006 teve lugar em Granada, na Faculdade de Ciências da Educação da respectiva Universidade. A cooperação entre a Escola Superior de Educação de Coimbra e o D.E.Di.C.A., que se desenvolveu a partir de questões relacionadas com a Educação Intercultural, para a Cidadania e Direitos Humanos, levou à associação, em 2008, da Bienal do CIMA e do Encontro de Primavera®. Em Abril de 2010, deu-se um passo importante do desenvolvimento do CIMA, criando-se o SIEMAI – Simpósio Internacional Educação Música Artes Interculturais®, de que a primeira realização ocorrerá em Vila Nova de Foz-Côa, em 2012.10 - No sentido de prepararmos o terreno para esse desenvolvimento, tivemos como Conferência inaugural, em 2008, um contributo intitulado “Arte e Ciência como Criação”, proferida por Maria Luísa Veiga.
Correspondência
Fernando Sadio Ramos
Grupo de Investigación HUM-742 D.E.Di.C.A.
Desarrollo Educativo de las Didácticas en la Comunidad Andaluza,
Universidade de Granada
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Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo
e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o
Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo
Helena Ralha-Simões
Escola Superior de Educação e Comunicação - Universidade do Algarve
Resumo
A escolha de modelos de excelência é uma questão crucial no actual contexto da preparação de professores, problematizando questões antigas sobre as metas do poder político, que define o que é e deve ser um professor ideal. Por esse motivo, é essencial encontrar estratégias que equacionem os factores contraditórios subjacentes, nomeadamente, situando historicamente as soluções e as interrogações sobre o que deve ser a formação de professores, por oposição à mera opção por um modelo único e totalitário.
Palavras-chave
Modelos de formação, Competência, Desenvolvimento do professor, Profissionalidade
Abstract
The search for models that insure that teacher education will produce excellent professionals is a crucial issue nowadays and re-put ancient questions concerning the milestones stipulated by the political power which defines what an ideal teacher is. Therefore, we must find strategies that accept the contradictory nature of the factors wrapped in what defines “to be a teacher”. A historical overview helps to situate this issue, excluding an exclusive and totalitarian model for teacher education.
Key-words
Teacher education models, Competence, Teacher development, Professional development
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exedra • nº 2 • 2009
Introdução
A procura de um modelo ideal para formar professores que consiga prevenir e resolver
a maior parte das dificuldades com que estes se vão confrontar não é um propósito
recente, não sendo por isso de estranhar que esteja mais uma vez na ordem do dia. De
facto, com as sucessivas reformas dos ensinos básicos e secundário, com a alteração da
Lei de Bases do Sistema Educativo e em resultado dos condicionalismos introduzidos,
na sequência da Declaração de Bolonha, é necessário perspectivar criticamente as
políticas educativas que actualmente condicionam a formação de professores. Ora, a
uniformização introduzida defronta-nos com importantes dúvidas inerentes à adopção
de modelos únicos, como solução atractiva, mas equívoca, apesar dos seus eventuais
objectivos meritórios.
De facto, a adopção de perspectivas assentes em modelos restritivos, se bem que
talvez aliciante pela sua facilidade de regulação através das directrizes da política
educativa, encerra todavia muitos perigos, sobretudo se as disposições tomadas forem
insuficientemente reflectidas e não tiverem em consideração as alternativas sugeridas a
partir da criação das Escolas Superiores de Educação.
A tentação fácil em optar por um hipotético modelo “perfeito” para ensinar ou para
formar um professor, na esperança de que essa opção possa ser a solução dos principais
problemas educativos, não passa de uma ilusão; trata-se, efectivamente, de uma questão
demasiado complexa para que essa simples escolha permita uma adequada preparação
académica e profissional dos docentes, mesmo que traduzida em decisões legislativas
categóricas e claras.
Por outro lado, o desenvolvimento do professor que se caracteriza, entre outros
aspectos, pelo domínio cada vez maior, em profundidade e abrangência, de múltiplos
modelos de ensino – embora alguns considerem preferível o contrário, isto é utilizar
bem um único modelo – implica privilegiar o conhecimento de hipóteses alternativas, a
fim de ser possível seleccionar convenientemente, numa dada situação, as que melhor
permitam promover uma educação adequada.
Com efeito, o domínio de um único modelo dificilmente poderá dar conta da
multiplicidade de problemas com que se defronta o professor, em qualquer nível de
ensino, dada a dinâmica da intervenção envolvida no processo educativo, que inclui não
só os objectivos propostos e a natureza das tarefas definidas para os concretizar, mas
também o próprio educador e os alunos, que não podem ser vistos isoladamente dos
contextos sociais, familiares e escolares que os enquadram.
A própria qualificação de “adequado” quando aplicada à utilização de um modelo –
quer no quadro da intervenção educativa, em geral, quer da formação de professores, em
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Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo
particular – supõe sempre que coloquemos também, previamente, interrogações como as
seguintes: “adequado relativamente a quê?”, “adequado relativamente a que objectivos”
ou “adequado relativamente a quem?”
Na verdade, nenhuma estratégia educativa pode ser correctamente avaliada fora
do contexto, sendo sempre necessário saber quando, onde, para quê e para quem foi
enunciada e de que modo se propõe que seja levada à prática. É exemplo da complexidade
desta questão a circunstância de diversas formas de ensino eficaz poderem resultar
da opção por modelos diferentes, ao mesmo tempo que não é incomum que práticas
inspiradas num mesmo modelo assumam graus de adequação muito díspares.
Além disso, no âmbito da preparação académica e profissional de docentes, espera-se
que os modelos de formação assegurem a adequação do papel do professor, constituindo-
se como instrumentos construtores de uma capacitação pedagógica estratégica,
relativamente a um modo de intervenção em que está subjacente a necessidade de, em
qualquer situação educativa, se conseguir rentabilizar ao máximo as potencialidades
dos educandos. Por esse motivo, os diferentes contextos e modos de aprendizagem que
são determinados por diversos factores, nomeadamente pelas características individuais
dos intervenientes, implicam modos de ensino diferenciados e influenciam também,
necessariamente, o grau de adequação dos modelos de ensino que o professor tem
disponíveis para serem utilizados.
1. Os modelos de ensino e a sua utilização flexível na intervenção educativa
Joyce e Weil (1980) que, no início do seu livro clássico sobre os modelos de ensino,
preconizavam a utilização de modelos alternativos como um meio do professor obstar aos
perigos do dogmatismo, sublinham que a própria selecção do modelo apropriado a um
determinado contexto não é fácil nem linear. Na verdade, uma vez que os modelos não
são mais do que um dos muitos configuradores dos dados e das circunstâncias em que
se desenrola o processo educativo, é indispensável saber em que termos, com que meios,
com base em que objectivos e relativamente a que indivíduos é apreciada a adequação de
cada um desses modelos.
Estes autores, ao definirem modelo de ensino como um conjunto de linhas-mestras
que permitem delinear actividades e enquadramentos educativos, procuram fundamentar
este enunciado na especificação dos modos de ensino e de aprendizagem, através dos
quais se procura conduzir à consecução de certos objectivos, com base em fundamentos
teóricos e metodológicos que explicitem a lógica interna da sua aplicação.
Tais modelos correspondem, assim, a noções diferentes de aprendizagem que
permitem aos alunos adquirir conhecimentos, capacidades e valores específicos que podem
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exedra • nº 2 • 2009
ser agrupados consoante o modo como os indivíduos aprendem. Dado que, no quadro
desta intervenção, não é possível abordar todos eles, optámos por seguir a classificação
de Joyce, Weil e Calhoun (2003) que descrevem quatro tipos de modelos de ensino:
processamento de informação, desenvolvimento pessoal, sistemas comportamentais e
interacção social.
Os modelos de processamento de informação variam de uma focalização vaga na
memorização de conhecimentos a formas específicas de raciocínio indutivo, assentes
em múltiplos quadros conceptuais que focam o processamento da informação com base
na metacognição, nos processos de pensamento individual invocados pelas teorias da
aprendizagem, nos conceitos principais das disciplinas académicas e nas estratégias
conceptuais formuladas de acordo com as teorias do desenvolvimento intelectual.
Incluem a construção de conceitos, o raciocínio indutivo, o treino através da pesquisa,
os organizadores estruturados, a memorização e a pesquisa científica.
Os modelos de desenvolvimento pessoal focam as aprendizagens dos alunos como algo
conseguido a partir das experiências pessoais na situação de aprendizagem, valorizando
contextos e relações e procurando incentivar as relações interpessoais, a auto-imagem e
a auto-responsabilização, nomeadamente através do ensino não-directivo, do incentivo
da criatividade, do treino da reflexão consciente e do processo de aconselhamento em
encontros na sala de aula.
Os modelos comportamentais aplicam princípios do condicionamento operante a
situações de ensino estruturadas, recorrendo a estratégias para modificar comportamentos
observáveis em situação educativa, manipulando as condições em que estes ocorrem,
através da utilização dos reforços adequados, socorrendo-se designadamente do domínio
faseado das aprendizagens, do ensino dirigido, da aprendizagem do auto-controle, da
aprendizagem de competências e do desenvolvimento de conceitos, bem como do treino
da assertividade.
Por último, os modelos de interacção social, com destaque para a aprendizagem
cooperativa, presumem que tarefas desta natureza promovem a aprendizagem, dado que
a sociedade tem um papel determinante na educação enquanto modo de perpetuar uma
ordem social democrática. Incluem a utilização de grupos de investigação, o desempenho
de papéis, a pesquisa de estudo de caso, a identificação de situações exemplares, a
pesquisa em ciências sociais e o treino de laboratório.
Ora, de acordo com Joyce, Weil e Calhoun (2003), uma razão para não nos limitarmos
a um único modelo – por muito abrangente e bem estruturado que à primeira vista nos
possa parecer – prende-se com o facto de nenhum modelo de ensino ter sido delineado
para ser aplicado a todos os tipos de abordagem educativa. Com efeito, a propensão à
51
Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo
utilização flexível e articulada de modelos de ensino na prática educativa, por oposição à
obediência ortodoxa a um único modelo, tem de ser concebida num quadro abrangente
que, obviamente, não pode ser configurado numa perspectiva exclusivista.
2. A evolução das perspectivas sobre os modelos de formação
Se alargarmos a reflexão sobre a utilização de modelos à formação de professores,
verificamos que, também a este nível, não dispomos actualmente de um único que se
possa considerar como o mais satisfatório. Qualquer tentativa para restringir o universo
formativo, formulando decisões limitativas da liberdade, da abrangência e da diversidade,
resulta necessariamente num empobrecimento conceptual que comprometerá não só a
prática profissional mas também o próprio processo de maturação epistemológica dos
saberes relativos à intervenção educativa.
Além disso, os modelos de formação não são estáticos nem absolutos, surgindo e
desenvolvendo-se indissociavelmente do modo como os professores constroiem e
mobilizam os saberes que são ensinados. Este enfoque é ele próprio susceptível de ser
delineado segundo diferentes ângulos que podem ser situados historicamente (Monteiro,
2001; Nunes, 2001).
Traçando um breve quadro evolutivo a partir do século XX, verificamos que até ao
período logo após a segunda guerra mundial a pesquisa sobre o ensino e os professores
pouco se desenvolveu, privilegiando-se a focalização sobre o aluno em detrimento do
professor que começou a ser valorizado apenas no final deste período, mas somente
enquanto variável cujo efeito é secundário na aprendizagem. Deste ponto de vista, a
preparação do professor deveria proporcionar sobretudo uma sistematização dos
principais conhecimentos de cuja transmissão seria responsável, aceitando-se embora a
necessidade de um reduzido domínio das ciências da educação, de uma forma pragmática
e pouco aprofundada, apenas como facilitador da prática educativa (Monteiro, 2001;
Pérez-Goméz, 1992).
Na década seguinte, a partir de uma posição centrada no professor, concebe-se a
profissão docente como um “ofício sem saberes” que inclui perspectivas que valorizam a
vocação, o talento, a intuição, a experiência, a cultura ou o conhecimento dos conteúdos
a ensinar. Nesta linha, as principais concepções sobre a formação procuravam associar
a eficácia educativa a certas características pessoais dos professores na convicção de que
a identificação desses atributos estaria relacionada com um adequado desempenho dos
alunos. (Gauthier, 1998, cit. in Monteiro, 2001; Ralha-Simões, 1994).
As crises sociais e culturais do final da década de sessenta, com o consequente pôr
em causa dos paradigmas aceites, ocasionaram que a escola e os professores começassem
52
exedra • nº 2 • 2009
a revelar certa incapacidade em dar resposta aos novos desafios que se lhe colocavam.
Consequentemente, tais exigências, decorrentes da necessidade de compreender a
complexidade dos factores económicos e sociais, obrigaram a aceitar que era preciso
enveredar por diferentes alternativas, a fim de equacionar os problemas com que se
defrontava a educação. Estas perspectivas, introduzidas por enfoques de natureza
psicossociológica, privilegiaram a ideia da influência do meio social como variável
interveniente nos resultados do processo de ensino-aprendizagem.
A par das anteriores reflexões críticas, sob a influência das concepções behavioristas,
surge uma proliferação de estudos que procuravam dar respostas sobre as melhores
formas de ensinar, numa orientação de tipo “processo-produto” que pretendia entender
o desempenho, a eficácia e a eficiência do professor e a sua relação com as aprendizagens
do aluno.
Nesta altura, confundia-se ainda a escolha de determinados modelos de ensino com
a capacidade demonstrada para uma adequada utilização em termos dos resultados
dos alunos. Esta tendência – aprofundada através da investigação sobre os processos
de aprendizagem, sob influência da corrente comportamentalista – vai dar lugar ao
interesse em identificar a eficiência do professor e a eficácia do ensino, mediante o
estabelecimento de uma correlação entre as performances e as diferenças no que concerne
à aprendizagem. (Medley, 1987; Ralha-Simões, 1994).
Deste ponto de vista, presumia-se que competia ao professor dominar certas técnicas
e assegurar uma transmissão eficaz e eficiente de saberes produzidos por outros e não
construídos ou sequer reconstruídos por ele próprio, saberes esses ligados às áreas a que
se reportavam os conhecimentos a leccionar. Passava-se, assim, da concepção da profissão
docente enquanto ofício sem saberes para outra em que imperava a manipulação de
saberes sem ofício (Gauthier 1998, cit. in Monteiro, 2001).
As tendências já referidas que valorizavam os factores contextuais permitiram que,
no final da década, fosse introduzido um novo enfoque da realidade, perspectivando
uma dimensão ecológica como factor essencial da compreensão da situação educativa
e assumindo que é importante valorizar o que professores e alunos entendem ser
o significado das suas acções e o modo como são influenciados por realidades mais
abrangentes, a partir dos diversos sistemas que configuram a situação de ensino-
aprendizagem e os seus protagonistas.
As questões principais deixaram de ser apenas articuladas em torno da maior ou
menor eficiência ou eficácia do ensino, abrindo-se caminho para a problematização ou
para a crítica do próprio processo educativo. O contexto da sala de aula passou, portanto,
a ser encarado na sua complexidade e abrangência, com referência a sistemas mais
53
Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo
amplos, como a família, a comunidade e o próprio sistema educativo, assumindo-se a
escola como um ecossistema particularizado, histórica, social e culturalmente situado,
aspectos que condicionaram, obviamente, todo o processo de formação de professores
(Borges, 2001; Bronfenbrenner, 1979; Heck & Williams, 1984).
3. Novas concepções de formação: o professor competente como construtor de
conhecimentos
A partir da década de oitenta, surge uma nova perspectiva sobre a formação,
procurando compreender o que os professores sabem, seja esse um saber teórico ligado
com procedimentos ou conteúdos ou um saber construído na, pela e através da acção
eminentemente prática, embora mediada pela metacognição (Alarcão, 1991; Pérez-
Goméz, 1992; Schön, 1995).
Nesta linha, assiste-se a uma importante mudança de focalização, passando-se para
a investigação sobre os saberes dos professores, sendo estes entendidos como saberes
especializados. Além de cumprir um papel estratégico na formação de professores,
o estabelecimento de saberes próprios ligados com a construção do conhecimento
pedagógico permitiria identificar um núcleo de saberes específicos que caracterizariam
a profissão docente (Simões & Ralha-Simões, 1999).
Desenvolveu-se, assim, um novo campo de pesquisa sobre o conjunto de
conhecimentos, habilidades e atitudes, de que um professor precisa de ser detentor, uma
vez que, a partir deste novo enfoque, se podem extrair importantes ilações no sentido
de formular reformas neste âmbito. Efectivamente, o quadro de referência da nova
formação de professores passa a ser os saberes relativos à acção, os docentes experientes
e eficazes e as respectivas práticas profissionais, mais do que os conteúdos, as disciplinas
e os dados da pesquisa em educação (Borges & Tardif, 2001, Monteiro, 2001).
Considerando essencial o esclarecimento da compreensão cognitiva dos conteúdos
dos assuntos ensinados e da relação entre estes conteúdos e o ensino propriamente dito,
Shulman (1986, 1987) identifica três tipos de conhecimento que os docentes deveriam
possuir: o conhecimento do conteúdo da matéria a ensinar, o conhecimento do conteúdo
pedagógico e o conhecimento curricular. Várias focalizações desta problemática vão
dar origem a pesquisas sobre os saberes dos docentes que contribuem para dar voz aos
professores, com base naquilo que estes sabem, no modo como pensam e agem, bem
como nos significados que constroem pessoalmente sobre o seu ensino e sobre os seus
saberes profissionais (Borges, 2001; Monteiro, 2001).
Não obstante as resistências manifestadas pelos dirigentes responsáveis pelas
políticas educativas, pelos formadores e mesmo pelos próprios professores, relativamente
54
exedra • nº 2 • 2009
à implementação de modelos fundamentados nestas novas tendências, verifica-se que
estas remetem para a constatação de que a prática docente é considerada como um lugar
de produção de saberes, havendo que redefinir o seu enquadramento mediante um meta-
modelo que, nesse sentido, articule as diversas perspectivas.
É nessa medida que Medley (1987) define a capacidade potencial para ensinar como
um aspecto essencial para avaliar a competência educativa no exercício da profissão,
sendo as potencialidades do futuro professor para se revelar competente resultantes da
conjugação dos efeitos dos modelos de ensino a que esteve exposto com as características
pessoais pré-existentes ao processo de formação. Assim, não podemos esquecer que esta
dimensão é um caso particular da flexibilidade que o indivíduo necessita ter para se adequar
às circunstâncias, não podendo ser dissociada do funcionamento progressivamente mais
complexo que caracteriza o desenvolvimento humano em geral, designadamente ao nível
cognitivo, afectivo, motivacional e axiológico (Ralha-Simões, 1994).
Por esse motivo, Simões (1996, cit. in Bizarro & Braga, 2005) defende que a
competência não depende apenas de eventuais conhecimentos e técnicas, mas tem a ver
sobretudo com o modo como o professor organiza e integra as suas capacidades, além
da forma como, numa situação específica, opta por agir de uma determinada maneira.
Neste enquadramento, as dimensões ligadas com a pessoalidade e a interpessoalidade
assumem-se como um instrumento relevante da eficácia de qualquer intenvenção
educativa, pois é uma certa pessoa, num certo contexto e em interacção com outros,
que utiliza determinados saberes e os reconstrói com os alunos, sejam quais forem os
modelos adoptados (Simões & Ralha-Simões, 1997; Tavares, 1997).
2. Perspectivas actuais: profissionalidade e desenvolvimento do professor
Actualmente, o interesse pelos saberes docentes tem vindo a assumir uma importância
crescente, ocupando um lugar central nas pesquisas em educação e constituindo
um suporte sólido para a reflexão que fundamenta muitas das questões relativas à
problemática da formação de professores.
Reposicionam-se, assim, interrogações sobre o que sabem os professores, sobre quais
os saberes que estão na base da sua profissão, problematizando-se onde são adquiridos e
qual a sua relação com os saberes disciplinares.
A resposta a qualquer destas questões constitui um importante campo de estudo
que urge desenvolver, tendo em conta que ela implica a participação dos principais
protagonistas da profissionalidade docente, isto é, os professores (Borges, 2001).
Ora, a diversidade de abordagens que interferem nas concepções sobre a intervenção
55
Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo
educativa não permite descurar que o professor é um ser integral que constrói uma certa
identidade no seu percurso de vida, a qual engloba, entre outros aspectos, a esfera da
preparação e da intervenção profissional.
A este propósito, Nóvoa (1989, cit. in Bizarro & Braga, 2005), refere que precisamos
sobretudo de um professor transcultural, o qual, para além de um excelente domínio
de saberes e saberes-fazer, consiga efectivamente estar atento e compreender os novos
contextos ecológicos, o que exige construir novos modos de conceber a profissão.
Assim, para fazer face a esta necessidade emergente, é preciso que os modelos
formativos contribuam para uma nova apreensão da realidade, através da qual os
professores aprendam a pensar por si-próprios e a pensar sobre o mundo, conhecendo-se
como adultos em desenvolvimento e dando provas de uma adequada maturidade pessoal
e interpessoal.
No mesmo sentido, Simões (1996) defende que não basta assegurar que os professores
sejam detentores de eventuais conhecimentos e técnicas; é necessário incentivar os
processos através dos quais estes organizam e integram as suas próprias capacidades
como pessoas e como profissionais, de tal forma que, numa situação educativa específica,
consigam optar por agir de modo complexo e diversificado, fazendo face, adequadamente,
às necessidades inerentes a cada situação.
Demarcando-se de uma concepção baseada numa óptica de racionalidade técnica,
muito dependente dos resultados dos alunos e da aquisição de um somatório de
comportamentos educativos, o conceito de profissionalidade surge na confluência
do desenvolvimento pessoal e profissional, referindo-se à construção de uma nova
identidade, forjada desde o início da formação, em que estes dois vectores se vão
especificando mutuamente, constituindo um conjunto de estruturas internas que servem
de referencial para o professor se posicionar face à intervenção educativa, no quadro das
quais a experiência individual vai adquirindo significado.
Esta perspectiva, transcende aspectos da acção educativa observável, tanto mais que,
por um lado, envolve dimensões conscientes e inconscientes da personalidade e, por
outro, é indissociável de uma visão ecológica que integre a construção do conhecimento
pedagógico, evidenciando-se, assim, a emergência de uma orientação centrada na pessoa
do professor (Ralha-Simões, 2002).
56
exedra • nº 2 • 2009
Conclusões
Como foi sublinhado ao longo do texto, se entendermos a formação como um
processo que permite a cada professor interagir eficazmente com os outros e modificar os
contextos em que se encontra, através de uma capacidade global – por vezes denominada
competência – cuja integração possibilita diferentes índices de desempenho, torna-se,
assim, óbvio que um modelo formativo exclusivista dificilmente pode dar conta destas
exigências, sendo necessário apelar a modelos alternativos que coloquem os profissionais,
desde a formação inicial, em confronto com diferentes perspectivas, aumentando a sua
tolerância à ambiguidade e estimulando-os a evitar o raciocínio linear.
Deste ponto de vista, é indispensável sublinhar a necessidade de privilegiar as
dimensões pessoal e profissional do desenvolvimento, pois que estas permitem verificar
se o grau de maturidade de cada professor é compatível com as exigências que se lhe
colocam, designadamente no que concerne à possibilidade de funcionar não só ao
nível do real mas também do possível, formulando hipóteses em termos abstractos e
concretizando-as através dos seus saberes profissionais.
Neste sentido, é necessário dar lugar à contradição e à complexidade e contribuir
para incentivar a profissionalidade docente através de um processo formativo em que
o principal objectivo é proporcionar a todos os indivíduos um enquadramento propício
à auto-descoberta, ao surgimento do espírito crítico e da capacidade de reflexão, de
modo a contribuir para a redefinição de uma emergente identidade profissional, em que
tornar-se professor se inscreve num percurso progressivo baseado no desenvolvimento
psicológico humano (Kohlberg & Mayer, 1972, Ralha-Simões, 1994, 2002).
Neste contexto, impõe-se a necessidade de uma estratégia plural conducente a modelos
alternativos que, em oposição a um modelo de formação único e exclusivo, permitam
equacionar esta problemática, não só através de uma escolha criteriosa dos conteúdos
curriculares e das metodologias e instrumentos que lhes irão servir de suporte, assumindo
a importância de perspectivas que não se restrinjam a privilegiar estes factores, uma vez
que o professor não é apenas aquele que ensina ou que aprendeu a ensinar, mas quem
conduz o aluno e a si-próprio a níveis de desenvolvimento humano, progressivamente
mais complexos e flexíveis, dos quais depende uma adequada interacção interpessoal, no
quadro de uma sociedade solidária e aberta aos desafios do nosso tempo (Ralha-Simões
& Simões, 1991).
57
Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo
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59
Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo
Correspondência
Helena Ralha-Simões
Universidade do Algarve – Escola Superior de Educação e Comunicação.
Campus da Penha
8005-117 Faro
60
exedra • nº 2 • 2009
61
Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle
e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o
Geometric illustrations of the conjugacy principle
Fernando Martins
Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra
M. A. Facas Vicente
Department of Mathematics - University of Coimbra
Abstract
In this paper, we illustrate the use of the conjugacy principle in several geometric transformations: translations, reflections and rotations. Our context are the real spaces 2 3 and � � . The main role is played by matrices, as it is to be expected. The referred to transformations are fundamental when studying motion questions in the Mechanics, Computer Graphics, Robotics, Computer Games, etc.. Our didactical goals are focused on the acquisition and development of spatial abilities, in order to get a better perception, interpretation and forecasting of the geometrical transformations in our physical world.
Key-words
Didactics of mathematics, Geometry, Conjugacy principle, Translation, Reflection, Rotation
Resumo
Neste artigo, mostramos a utilização do princípio da conjugação na resolução de problemas usando as transformações geométricas: translações, reflexões e rotações. O nosso contexto são os espaços reais 2 3 e � � . Nesta abordagem, a teoria de matrizes, tal como esperado, desempenha um papel preponderante. As transformações geométricas referidas anteriormente são fundamentais no estudo de problemas relativos a movimento, presentes, por exemplo, em Mecânica, Computação Gráfica, Robótica e Jogos. Temos como objectivos de ordem didáctica a aquisição e desenvolvimento de capacidades espaciais, proporcionando desta forma meios de percepcionar o mundo físico e de interpretar, modificar e antecipar transformações relativamente aos objectos.
Palavras-chave
Didáctica da matemática, Geometria, Princípio da conjugação, Translação, Reflexão, Rotação
62
exedra • nº 2 • 2009
1. Introduction
The world is essentially geometric and, therefore, the study of geometry increases
its understanding.
The notion of transformation – which adds a dynamical perspective to geometry – is
a tool to study and organize geometrical concepts. The ability to understand and solve
problems in geometry is greater when geometric transformations are used. In this sense,
we can say that geometric transformations foster the increase of the ability of spatial
perception.
In geometry, there are some problems that either can not be solved by direct
application of geometric transformations or the achievement of their solutions may
become a very difficult task. The conjugacy principle helps us to find a solution to
some of these hard problems. This principle [5, vol II, p.374] can be summarized by the
following: in order to solve a difficult problem A, we obtain and solve an easier one T, by using
a transformation S and its inverse1S −
. Furthermore, the relation A=STS-1 linking A and
T is called conjugacy; it is an equivalence relation.
The plan of this paper is as follows: in Section 2 we materialize the conjugacy principle
using translations; in Section 3, to deal with reflections and rotations, the conjugacy
principle is again used.
Some abuse of notation is patent in this paper: we use the sign “:=” to identify
these situations. We consider an orthonormal referential ( ){ } 1 2 3; , ,O e e e and – under
the umbrella of adequate isomorphisms – we write points and vectors in several ways,
according to our needs in each moment.
2. Translation
A translation consists in moving every point in a constant distance in a specified
direction. It is one of the rigid motions (other rigid motions include rotation and
reflection). A translation can also be interpreted as the addition of a constant vector to
each point, or as the shifting of the origin of the coordinate system.
In a more physical approach, the translation means the motion of an object or figure
from a point to another point, along a given direction and always parallel to itself. In the
mathematics literature it is mentioned that the translation is associated to a vector, this
being a mathematical object defined by a direction, orientation and length.
In a great deal of situations we observe translation motions, for instance the earth
motion, the motion of a rolling stair, a chair lift or a lift.
63
Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle
Undergraduate Science and Engineering students at Universities (classic and
technical) are expected to deal with distance problems in space geometry – which we
include in the category of best approximation problems – using cross, × , and dot, •, products of vectors. Usually textbooks just present formulas for distances. Not much
insistence is put on exhibiting the foot of the perpendicular. When using the conjugacy
principle, we consider a translation t (which is a non linear application) defined by
3 3:
v
t
x x v
→
→ +
� �
where, of course, we have
( ) ( )−
−=
1
v vt t .
In this section, we state and prove the results we are going to use, by constructing
the solutions, instead of simply enunciating them, and then particularizing the results
known in Approximation Theory. In this constructive approach we present the foot of
the perpendicular in terms of dot and cross products of vectors. For computing the dot
product, •, and the cross product, ×, we use matrix computations.
Given two vectors ( )1 2 3, ,u u u u=
and ( )1 2 3, ,v v v v=
,
we have [6, p.155] [ ]1
1 2 3 2
3
vu v u u u v
v
• =
and 3 2 1
3 1 2
2 1 3
00
0
u u vu v u u v
u u v
− × = − −
.
In this section we are going to show the role of the translation, associated to the
conjugacy principle, by considering two situations:
(i) the best approximation on the line l to an exterior point P;(ii) the best approximation pair of two skew lines l
1 and l
2.
2.1. The best approximation from a point to a line
The best approximation on the line l to an external point P is the foot S, onto the line
l, of the perpendicular that passes through the point P.
In the next result, we establish a formula for the foot of the perpendicular, in terms
of the cross product.
Proposition 1 Let l be a line, which passes through the point =
:M m and is parallel
to the vector u , given by ( )× − =
0u x m . Let =
:P p
be a point such that ∉P l. Then the foot of the perpendicular S is given by the formula: ×
= −
2 ,u rS pu
with
( )= × − r u m p .
64
exedra • nº 2 • 2009
Proof: We have a pair ( ),P l formed by a point =
:P p and a
line l with equation ( )× − =
0u x m such that ∉P l . We have to displace the line l to
the origin and, for that purpose, we perform the translation = − = − = −
: :MO O M M m .
So, the pair ( )', 'P l enters into consideration, where = − = = −
' : 'P P M p p m, and
= × =
' : ' 0l u x .
We have =( , ) ( ', ')d P l d P l , as distance is invariant under translations [3].
We look for the foot =
' : 'S s of the perpendicular drawn from the point 'P onto the
line 'l .
We build this proof in two steps:
consider a plane p through the point 'P and perpendicular to the line 'l : p is given
by • =
' ' 0P X u ;
intersect the constructed plane p and the line 'l , thus obtaining the foot ', ' 'S S l p= ∩
; we have, successively:
( )( ) ( )aa a
=× = ∈ − • = − • =• =
� '' 0
or or ' 0' ' 0' ' 0
X uu xu p u
X P uP X u
, thus getting
65
Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle
a•
=•
'p u
u u.
So, we get the foot of the perpendicular
( ) ( )
( ) ( ) ( ) ( )( )
( )
• •• •= = = + − = + −
• • • •
− • − • −− • + •= − = −
• •
× −× − ×= − = − −
•
' '' '' : ' ' ' '
' '' '' '
''
u p u p u up u p uS s u p u p pu u u u u u u u
u p u p u uu p u p u up p
u u u u
u uu u pp p m
u u
( )( ) ( )( )× − × × −= − −
•
2 .p m u u m p
p mu u u
After being performed the reverse translation = − = OM M O m , we obtain the foot
of the perpendicular
( )( )× × −= + = + = −
2' : 'u u m p
S S M s m pu
.
In the case where the line l passes through the origin of the coordinates we have the
following result.
Corollary 1 Let l0 be a line [containing the origin O and which is parallel to the vector
u ]
given by × =
0u x and =
:P p be a point such that ∉ 0P l . Then the foot of the perpendicular
S is given by the formula ×= −
2 u rS pu
, with = × r p u .
2.2. The best approximation of two skew lines
In this section we present a process to determine the pair ( )1 2,S S of points ∈1 1S l and
∈2 2S l that are closest to each one. The key idea is that we invoke twice the distance from
a point to a line through the origin. We have two translation movements: each line has,
once, to be displaced to the origin. Afterwards, two corresponding reverse translations
have to be done, as well. The feet of the perpendiculars (one foot on each line) depend
on parameters. The vector whose extremities are the feet of the perpendiculars also
depends on these parameters.
Let us consider the skew lines l1 and l
2 given, respectively, by ( )× − =
0u x p ,
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exedra • nº 2 • 2009
( )× − =
0v x q , with =
:P p and =
:Q q .
We look for the foot of the perpendicular S1, onto l
1, and the foot of the
perpendicular S2, onto l
2.
Then we form a vector which achieves the distance between the two lines, for
example
1 2S S . The distance is given by =
1 2 1 2( , )d l l S S .
We may follow the next steps.
(a) Translation of the line l1 to the origin.
We translate the pair ( )1 2,l l , so obtaining the pair ( )′ ′1 2,l l , where
Figure 2: The pair ( )1 2,l l turns into the pair ( )1 2,l l′ ′ .
( )′ ′= × = = × − =
1 2: ' 0, : ' ' 0l u x l v x q , with = −
'q q p. We take the current point, b b′ ∈ �2 ( ),Q , on the line ′2l , which is
( )b b b b b′ ′= − + − + − + =
2 1 1 1 2 2 2 3 3 3 2( ) , , : ( )Q q p v q p v q p v q . Our problem, now, is to
determine the distance, ( )b′ ′2 1( ),d Q l , between the point b′2 ( )Q and the line ′1l .
Applying Corollary 1, we have b′1( )S , the foot of the perpendicular onto the line ′1l ,
1 2 2( ) ( ) u rS qu
b b×′ ′= −
, with b′= ×
2 ( )r q u .
67
Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle
Figure 3: The pair ( )1 2,l l turns into the pair ( )1 2,l l′′ ′′ .
(b) Translation of line l2 to the origin.
We do another translation of the pair( )1 2,l l , so obtaining the pair ( )′′ ′′1 2,l l where
( )′′ ′′= × = = × − =
2 1: ' 0, : '' '' 0l v x l u x q , with = −
''p p q .
The current point of line ′′1l is
( )a a a a a a′′ ′′= − + − + − + = ∈
�1 1 1 1 2 2 2 3 3 3 1( ) , , : ( ),P p q u p q u p q u p , and, applying
again Corollary 1, we obtain the foot, b′′2 ( )S , of the perpendicular onto the line ′′2l ,
a a×′′ ′′= −
2 1 2( ) ( ) v rS pv
, with a′′= ×
1( )r p v .
(c) Doing the reverse translations.
Turning back to the original pair( )1 2,l l , we have
1 - b b′= +1 1( ) ( )S S P , onto the line l
1;
2 - a a′′= +2 2( ) ( )S S Q , onto the line l
2;
3 - a a′′= +2( ) ( )P P Q , onto the line l
1;
68
exedra • nº 2 • 2009
4 - b b′= +2( ) ( )Q Q P , onto the line l
2.
The relations (1), (2), (3) and (4) form a system with six equations and two unknowns
, a b . This system is consistent, by geometrical reasons. Solving this system, we get
* and *a a b b= = .
(d) Final step.
Once we have the needed concretization, *and *a b , of the parameters
Figure 4: The best approximation pair (S1, S
2).
and a b , we obtain the feet of the perpendicular 1 1 2 2( *) and ( *).b a= =S S S S
Just for verification of the numerical results, we have, due to geometrical
considerations, 1 2( *) and ( *)a b= =S P S Q .
69
Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle
2.2.1. Algorithm
Now, let us present the four steps procedure.
1) Find the foot 1 ( )S b of the perpendicular drawn from the line l2 onto the line l1:
(i) Perform the translation associated to the vector PO
of the lines l1 and l
2, so
obtaining, respectively, the lines 1′l and 2′l ;
(ii) Find the current point, 2 ( )Q b′ , of the line 2′l ;
(iii) Obtain the foot 1 ( )S b′ of the perpendicular drawn from the point 2 2( ) : ( )Q qb b′ ′=
onto the line ′1l , using the formula
b b×′ ′= −
1 2 2( ) ( ) ,u rS qu with 2 ( )r q ub′= ×
;
(iv) Find 1 ( )S b and ( )Q b doing the inverse of the translation associated to the vector
PO
, i. e., 1 1( ) ( )S S Pb b′= + and 2( ) ( )Q Q Pb b′= + .
2) Find the foot 2 ( )S a of the perpendicular drawn from the line l1 onto the line l2:
(i) Perform the translation associated to the vector QO
of the lines l1 and l
2, so
obtaining, respectively, the lines 1′′l and 2′′l ;
(ii) Find the current point, 1 ( )a′′P , of the line 1′′l ;
(iii) Obtain the foot 2 ( )S a′′ of the perpendicular drawn from the point 1 1( ) : ( )a a′′ ′′=
P p
onto the line 2′′l , using the formula a a×′′ ′′= −
2 1 2( ) ( ) v rS pv
, with 1( )r p va′′= ×
;
(iv)Find 2 ( )S a and ( )P a doing the inverse of the translation associated to the vector
QO
, i. e., 2 2( ) ( )S S Qa a′′= + and 1( ) ( )a a′′= +P P Q .
3) Solve, for a and b , the system 1
2
( ) ( )( ) ( )
S PS Q
b a
a b
= =
.
4) Finally, find the feet S1 and S2 of the perpendiculars by entering the values of a
and b , obtained in 3), into 1 ( )S b and 2 ( )S a .
Next we prove an interesting geometrical criterium [4, p. 151] for the skewness of
two lines in 3� .
Proposition 2 The lines 1 1 1:= × =
l a x b and 2 2 2:= × =
l a x b are skew if and only if
1 2 0× ≠ a a and 1 2 2 1 0• + • ≠
a b a b .
70
exedra • nº 2 • 2009
Proof.
By hypothesis, the lines l1 and l
2 are skew. So, × ≠
1 2 0a a and ( , ) ≠1 2 0d l l .
Let us write the lines in the following form:
: : , , (1)
: : , . (2)
a a a
a a a
×= = − + = = + ∈
×= = − + = = + ∈
�
�
1 11 1 1 1 1 1 12
1
2 22 2 2 2 2 2 22
2
a bl x a x M a
a
a bl x a x M a
a
We have ( ) ( )( , )
− • ×=
×
2 1 1 2
1 2 2
1 2
m m a ad l l
a a
[6, p. 177], where :=
1 1m M and :=
2 2m M .
From ( , ) ≠1 2 0d l l and × ≠
1 2 0a a , follows ( ) ( ) .− • × ≠
2 1 1 2 0m m a a Hence,
( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )
( ) ( ) ( ) ( )
( )( )
− • × ≠ ⇔ − × • × + × • × ≠
⇔ × • × + × • × ≠
⇔ − • +
2 1 1 2 2 2 1 2 1 1 1 22 2
2 1
2 2 2 1 1 1 1 22 2
2 1
2 2
2 2 1 1 12 2
2 1
1 10 0
1 1 0
1 1
m m a a a b a a a b a aa a
a b a a a b a aa a
a b a a ba a
( )( ).
• ≠
⇔ • + • ≠
2
1 2 2 1
0
0
a
a b a b
By hypothesis, we have × ≠
1 2 0a a and • + • ≠
1 2 2 1 0a b a b . The lines l1 and l
2 are
not parallel, since to × ≠
1 2 0a a . From the relations (1) and (2), we get = ×
1 1 1b a m and
= ×
2 2 2b a m .
Hence, ( ) ( )• + • ≠ ⇔ • × + • × ≠
1 2 2 1 1 2 2 2 1 10 0a b a b a a m a a m . As
( ) ( ) ( ) ( )( ) ( ) ( ) ( ) ,
• × + • × ≠ ⇔ • × + • × ≠
⇔ • × − • × ≠ ⇔ − • × ≠
1 2 2 2 1 1 2 1 2 1 2 1
2 1 2 1 1 2 2 1 1 2
0 0
0 0
a a m a a m m a a m a a
m a a m a a m m a a
we have 1 2( , ) 0≠d l l . As a consequence, the lines l1 and l
2 are skew.
71
Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle
Remark 1 In the proof of the Proposition 2 we used two tools: vector divisions [1,
pp.34-35] and the identity ( ) ( ) • •× • × =
• •
r v u v
r u v wr w u w
[1, p.41].
3. Rotations and reflections
Mathematically, a rotation is a rigid body movement which, unlike a translation,
keeps a point fixed. This definition applies to rotations within both two and three
dimensions (in a plane and in space, respectively). A 2-dimensional object rotates around
a center (or point) of rotation. A rotation in 3-dimensional space keeps an entire line
fixed, i.e. a rotation in 3-dimensional space is a rotation around an axis. A reflection is
a map that transforms an object into its mirror image.
3.1. Rotation and reflection in 2-dimensional space
First of all, we will treat the problem of a 2-dimensional rotation and reflection.
Usually, the effect of a rotation can be obtained using a rotation matrix. For an angle
2-dimensional positive rotation (the positive side of the axis moves towards the positive
side of the axis), the generic point is transformed into P'=(x',y'), such that [6, p.277]
.
A reflection relatively to the line of equation y=x tan θ, transforms the point P=(x,y)
into P’=(x’,y’), such that
.
The above reflection matrix can be obtained using the conjugacy principle. In this
case, we consider a transformation that is given by a rotation in 2-dimensional space
R_α, defined by
72
exedra • nº 2 • 2009
where , and, of course, we have (R_α )^(-1)=R_((-α) ).
So, first we do a rotation R_((-θ) ) with angle –θ, then reflecting about the OX axis
and, finally, rotating R_θ with angle θ. So, the above reflection matrix can be given by
the following product of matrices [6, p.293]
.
3.2. Rotation in 3-dimensional space
A rotation in the 3-dimensional space (around an axis) can be described by a (real
and orthogonal) rotation matrix
,
where the unit vectors , and form the basis of the new (rotated) system of
axis. In particular, when the axis of rotation are the coordinate axis, we have the three
basic rotation matrices (respectively around the OX, OY and OZ axis):
, and
.
The direction of the rotation is determined by the right-hand rule: RX rotates the
y-axis towards the z-axis, RY rotates the z-axis towards the x-axis, and R
Z rotates the
x-axis towards the y-axis.
It can be proven that any general rotation [2, pp. 64-66] around any axis can be
73
Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle
obtained by three consecutive elementary rotations around the three coordinate axis.
3.3. Rotation of an object around a line in 3-dimensional space using the conjugacy
principle
Let us consider a 3-dimensional orthogonal and direct referential OXYZ with origin
O and basis . We pretend to rotate, by an angle Y, an object A around a line,
, , which is defined by a point Q=(xQ,y
Q,z
Q ) and a direction
given by the unit vector =(u1,u2,u3 ), .
The process we use does appeal the conjugacy principle in the following way. First we
construct a new appropriated referential associated with the line and write the line and
the object in the new referential, then we perform an elementary rotation of the object
and, finally, reverse the previous transformation, writing the rotated object in the initial
system of axis.
In this case, for using the conjugacy principle, we consider the following
transformation, consisting in a change of basis of the 3-dimensional coordinate system
(described by a rotation matrix ) and a change of origin of coordinates (defined by a
translation vector ):
,where .
Without the loss of generality, we consider that the origin of the new (orthogonal
and also direct) referential is located at the point Q of the line L and the new z-axis
has the direction of the vector . So, if (X,Y,Z) are the coordinates of any point of the
space in the initial referential, the correspondent ones (X´,Y´,Z´) in the new referential
QX´Y´Z´ are given by
, (3)
with the orthogonal matrix (because is the matrix of transformation between two
direct and orthogonal systems of axis: M-1 = MT ) defined, for example, by
74
exedra • nº 2 • 2009
,
with, without the loss of generality(1), , where X stands for
the usual cross product in , and .
Obviously, in QX´Y´Z´, the line has equation
, .
Now, let be a generic point of the object A with coordinates
XP, Y
P, Z
P, with respect to OXYZ and with coordinates
with respect to QX´Y´Z´, given by equation (3), [P and P´ represent the same point in
two different referentials]. The result of the rotation of P around the line L is a point
whose coordinates in OXYZ we are looking for. In QX´Y´Z´, the
same rotated point is given by the elementary rotation about
the QZ´ axis:
.
The legitimacy of the above rotation is due to the fact that is an invariant (its sign
and amplitude do not depend on the chosen referential).
Finally, we perform the reverse transformation, in order to obtain the coordinates of
. Those are given by applying the inverse relation of the initially used:
.
Naturally, the previous process can be applied to all the defining points of the object
A, in order to obtain its transformation by the pretended rotation.
75
Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle
O
X
Y
Z
'Y
'XQ
'Z
l
C
D
30C 30Dg
u
Figure 5: The effect of a rotation on a line segment.
More details of the change of coordinate system can be found in [2, pp. 59-64].
3.4. Example
We illustrate the described method by the following example. Let us consider a
line , , and a line segment [CD] defined by
of length . We want to obtain the image
by a positive rotation of amplitude 30 degrees around the line .
The new system of axis is obtained by a translation of the origin defined by the vector
and by a rotation matrix M which third column is the unit vector
, the first column is and the second column is
. In QX´Y´Z´, the points C and D have coordinates C´ and
D´, given by
and, by replacing the vector .
76
exedra • nº 2 • 2009
In the new referential, the line is naturally defined by
. Now, we perform the positive rotation of amplitude 30 degrees around the line
, defined by the matrix
and we obtain the points and
. Finally, we perform the reverse change of system of coordinates,
transforming , respectively. So, we obtain
and, substituting, in the above relation, we get
.
The image by the rotation around the line of the line segment
with, just for control, length , as expected.
4. Final remarks and conclusions
By invoking the conjugacy principle when dealing with geometric transformations, we
are able to solve problems of some complexity. Solving problems in the way presented in
this paper, spatial abilities are acquired and developed. Such abilities are very important
and fundamental towards the perception and understanding of day to day phenomena.
In this manner, we strengthen both the mathematical reasoning and the geometrical
thinking, so fundamental to the art of problem solving.
In this paper, we showed the application of the conjugacy principle in several
77
Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle
problems in geometry. There are also some interesting cases which were not tackled,
such as the reflection in a plane in the ordinary space. Another interesting approach
would be to establish some relation between the elementary rotations and the rotations
through the Euler angles using the conjugacy principle. We hope that these problems
might constitute a challenging problem for the reader.
Bibliography
Alves, A. S. (1988). Mecânica geral. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação
Científica.
Alves, A. S. (1996). Metrologia geométrica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Deutsch, F. (2001). Best approximation in inner product spaces. New York: Springer.
Fenn, R. (2001). Geometry. London: Springer.
Melzak, Z. A. (2007). Companion to concrete mathematics – two volumes bound as one. New
York: Dover Publications [Vol. I published in 1973 and Vol. II published in 1976
by J. Wiley].
Vitória, J. & Lima, T. P. (1998). Álgebra linear. Lisboa: Universidade Aberta.
Notas
1) If is collinear with , i.e. or , then change for .
CorrespondenceFernando MartinsEscola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar, Solum, 3030-329 Coimbra, Portugal. Project supported by Instituto de Telecomunicações, Pólo de Coimbra, Delegação da Covilhã, Portugal. [email protected]
M. A. Facas VicenteDepartment of Mathematics - University of Coimbra Apartado 3008, 3001-454 Coimbra, Portugal. Project supported by INESC-C---Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores–Coimbra, Rua Antero de Quental, 199, 3000-033 Coimbra, [email protected]
78
exedra • nº 2 • 2009
79
Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas
e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o
E-aulas na ESEC: muito para além das aulas
Carla Patrão
Dina Soeiro
Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra
Resumo
A aprendizagem acontece muito para além das aulas. Numa lógica à Bolonhesa, de tutoria, orientação, a utilização de um sistema de gestão da aprendizagem através da Internet possibilita um acompanhamento para além de limites de horários, espaços presenciais, formais, distâncias. Por isso, neste artigo, mais do que promovermos o Moodle, daremos voz a quem o utiliza e a quem dele precisa para falar do que é o E-aulas, das suas potencialidades pedagógicas por explorar, do que tem muito mais para oferecer do que apenas ser um distribuidor de conteúdos, que pode ser um promotor de contextos de desenvolvimento pessoal, social e até organizacional.
Palavras-chave
Aprendizagem, Ensino superior, Potencialidades pedagógicas, Moodle
Abstract
Learning happens beyond classes and in a Bologna Convention locus of tutoring and orientation, using a learning management system based on the Internet allows follow-up beyond schedule limits, presential spaces, formality and distance. This is why in this article we wish to do more than to promote Moodle, by giving voice to those using it and needing it, to talk about E-aulas, its pedagogical potentialities to explore, about what it has to offer, much more than a plain content distributor, as a promoter of contexts of personal, social and organizational development.
Key-words
Learning, Higher education, Pedagogical potentialities, Moodle
80
exedra • nº 2 • 2009
1. O e-aulas na ESEC
O E-aulas é um ambiente de aprendizagem virtual sócio-construtivista, ao serviço
dos estudantes e professores da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), que
funciona como complemento à formação presencial, cujo objectivo é melhorar a qualidade
da aprendizagem. É suportado pela plataforma Moodle que oferece potencialidades
pedagógicas exploradas e largamente reconhecidas por instituições de educação
portuguesas e estrangeiras de prestígio, como, por exemplo, a Open University. Para
além da qualidade pedagógica que apresenta, este sistema de gestão da aprendizagem
tem a grande vantagem de ser gratuito.
O Moodle já existia na ESEC através do espaço e-Comunicar, desde 2005, para apoiar
com sucesso os estudantes das licenciaturas de Comunicação e, mais tarde, de Animação
Socioeducativa. Alguns docentes estavam curiosos, queriam saber o que era e como
funcionava, solicitando informalmente formação e a possibilidade de o utilizar como
um meio complementar de gestão do processo de aprendizagem. Então o e-Comunicar
cresceu e deu lugar ao E-aulas, disponível para os docentes que o quisessem aproveitar.
Para apoiar a sua utilização, organizaram-se dois workshops, que permitiram a 30
docentes conhecer a plataforma, discutir as suas potencialidades pedagógicas, analisar
experiências da sua utilização na ESEC, criar as disciplinas no sistema e começar a
explorar. Observámos que existiu entre-ajuda neste processo, que foi uma forma de
também partilhar dificuldades e experiências pedagógicas, independentemente das
áreas e disciplinas. Foi uma oportunidade dos docentes abrirem as portas das suas
metodologias aos colegas.
Todavia, nem todos os professores que fizeram esta formação estão a usar e-aulas, e
há alguns que estão a utilizar e não participaram nos workshops. Alguns docentes tiveram
outras formações na ESEC, como no Projecto Formação Pedagógica para o Ensino Superior,
já dominavam por experiências anteriores ou foram descobrindo à medida que usavam e
foram aprendendo com os colegas que já utilizavam.
Actualmente a plataforma é usada em mais de 100 disciplinas, de 16 cursos,
apoiando cerca de 2750 utilizadores, professores, alunos e ex-alunos, desde o ano
lectivo 2007/2008. O E-aulas é um espaço de apoio aos estudantes das licenciaturas e
mestrados, que possibilita o seu funcionamento em regime misto, presencial e virtual,
ou seja, blended-learning (b-learning).
Desde o início do E-aulas que procuramos descrever, compreender e avaliar o processo
de adesão e adaptação dos utilizadores, o uso desta plataforma e o seu contributo para a
qualidade da formação e para a mudança pedagógica, a partir da percepção dos docentes
e estudantes, bem como da observação contínua e análise crítica da evolução do processo.
Identificar as dificuldades que encontraram, as limitações e as vantagens, recolher
81
Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas
sugestões e definir estratégias para melhorar o E-aulas e a sua utilização pedagógica
também são nosso objectivo. Porque se assume esta intencionalidade de transformação
pedagógica, a investigação-acção participativa parece-nos um tipo de metodologia
coerente com os objectivos propostos. A metodologia deste trabalho é essencialmente
qualitativa, baseada na observação e na análise de conteúdo de entrevistas, questionários,
dados da plataforma, como fóruns e estatísticas. Acompanhámos os professores de
diferentes áreas científicas e estudantes utilizadores de vários cursos e especificidades,
como trabalhadores-estudantes, estudantes surdos, alguns dos quais entrevistámos
várias vezes num percurso de formação desde licenciatura a mestrado, e em momentos-
chave como estágios e desenvolvimento de projectos de investigação.
Já é o terceiro ano lectivo e estamos a observar que, apesar do número de utilizadores,
do número de turmas, cursos e docentes ter crescido, a sua utilização fica aquém do
possível e do desejável, daí que o objectivo deste artigo seja mostrar as potencialidades
pedagógicas não exploradas, recorrendo sobretudo à voz, perspectiva e contributos dos
próprios utilizadores.
2. Potencialidades pedagógicas a explorar
Alguns professores aproveitaram o Moodle como uma boa oportunidade para mudar
as metodologias pedagógicas, tornando as suas disciplinas mais abertas à participação dos
estudantes, outros utilizaram a plataforma apenas como uma ferramenta de distribuição
de conteúdos e de recolha de trabalhos.
Para os professores, a perspectiva sobre a utilização pedagógica do Moodle é mais
optimista do que a dos estudantes, embora a destes seja positiva também, é mais crítica,
menos entusiástica. No entanto, vai ao encontro das conclusões de uma análise de
estudos portugueses sobre o ensino superior, onde Alarcão e Gil (2004) se referem a
investigações sobre as iniciativas de e-learning e afirmam que, em geral, os estudantes
avaliam positivamente esta modalidade, sobretudo os trabalhadores-estudantes. A
relação dos estudantes com as tecnologias é de familiaridade. Alguns deles tiveram até
experiências prévias de utilização de plataformas de aprendizagem. A relação com a
tecnologia é positiva, contudo como uma das professoras afirma “não é uma relação de
entusiasmo ou de paixão”, mas necessária.
A tecnologia deve estar ao serviço da aprendizagem, para de forma coerente
responder às necessidades e aproveitar as potencialidades dos contextos de formação.
“A tecnologia é uma ferramenta, a ferramenta só por si não faz nada” (Silva, 1998, p. 134).
Por isso, não adianta ter uma plataforma excelente se não for bem utilizada. Uma
tecnologia adequada não garante, por si só, o êxito da aprendizagem. Deve subordinar-se
82
exedra • nº 2 • 2009
a tecnologia aos objectivos educativos, escolher a tecnologia que seja necessária, fiável,
segura e acessível aos aprendentes (Mehrotra, Hollister e McGahey, 2001) e utilizá-la
bem pedagogicamente.
Adverte um professor, “os docentes têm de ter formação e condições para usarem
este sistema que exige grande disponibilidade física e mental”. Reconhece outro:
“qualquer ferramenta que facilite a processo de ensino aprendizagem deve ser utilizada.
No entanto, tem de haver vontade e tem de se adequar à natureza e aos objectivos da
unidade curricular”. Os docentes consideram vantajosa a generalização do E-aulas na
ESEC, mas avisam que é necessário serem apoiados para trabalharem em b-learning, com
formação pedagógica sistemática, contínua, com condições, em termos de organização,
meios e recursos, para que essa aposta seja responsabilizadora e partilhada. Os
estudantes concordam que os professores devem rentabilizar para a aprendizagem as
potencialidades da plataforma, como confirma esta estudante de mestrado que sugere
a “consciencialização dos docentes para a utilização desta ferramenta e a possibilidade
dos alunos trocarem apontamentos e ideias, discutindo temas leccionados. Um
workshop onde pudéssemos aprender a utilizar todas as ferramentas do E-aulas.”; e um
estudante de Comunicação e Design Multimédia (CDM): “considero bastante urgente
a sensibilização por parte de todos os professores em utilizar este tipo de plataforma
e ao mesmo tempo dar formação para que possam manter tudo organizado”. Assim, é
fundamental haver uma estrutura de apoio, ao serviço dos docentes e dos estudantes,
que ajude a rentabilizar a utilização da plataforma, quer do ponto de vista tecnológico,
quer do pedagógico.
Em b-learning, como a formação presencial é complementada com o contexto virtual
de aprendizagem, a carga de trabalho dos estudantes e do professor deve ser distribuída
de forma equilibrada, não deve significar uma adição, mas uma complementaridade. O
contexto virtual deve apoiar, não complicar a aprendizagem. Em b-learning, assim como
em e-learning, uma boa gestão do tempo e das actividades formativas é essencial.
Neste sentido, Ramos (2004) chama a atenção para a necessidade de encontrar formas
dignas de contabilização deste trabalho dos docentes como forma de reconhecimento
adequado do esforço dos professores que se empenham na inovação e de encorajamento
da adesão de novos docentes. O êxito e a qualidade desta modalidade dependem sobretudo
da motivação dos professores, mas esta não chega, é necessário que seja também objecto
do investimento das instituições. Esta mudança no sentido da inovação pedagógica só
é possível com a adesão e participação de todos os elementos (Simão, Santos e Costa,
2003).
Referindo-se à relação entre o Moodle e a pedagogia, diz um professor: “deve haver
uma união, de facto, tendo como padrinho o Processo de Bolonha… mas para ser
83
Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas
minimamente eficaz, exige um divórcio com a visão do passado, (professores com muitas
turmas, muitas unidades curriculares, com trabalhos académicos em mãos, sem tempo
para pensar com os alunos) corre-se o risco de baixar a qualidade das aprendizagens,
se se ficar apenas pelo folclore e não houver mais condições para se trabalhar no novo
paradigma…”.
2.1. Muito mais do que um repositório de conteúdos
No primeiro ano de utilização, a plataforma era recurso de poucos docentes, mas
no segundo ano de vida do e-aulas, os professores que já utilizavam com uma ou
duas disciplinas depois generalizaram a todas e o número de professores utilizadores
duplicou.
Uma docente de Comunicação Organizacional (CO) justifica o início da sua actividade
“com todas as cadeiras de todos os géneros, desde o início deste ano lectivo por achar que
o Moodle é muito mais interessante, menos “depósito” de conteúdos, mais interactivo.”
Todavia, pensamos que a razão que levou a este aumento de adesão não se deveu às
vantagens do Moodle, mas ao facto da plataforma MyESECweb, de gestão de conteúdos,
construída para utilização generalizada na Escola não estar operacional no início desse
ano lectivo e alguns professores, para disponibilizarem os materiais de apoio, recorreram
ao e-aulas. Como uma estudante de CDM justifica: “comecei a utilizar o e-aulas assim
que os professores nos indicaram... A utilização apenas é feita para ver que trabalhos
temos que fazer, as datas de entrega e material de apoio. Não utilizamos muito mais,
pode-se dizer que mal usufruímos do fórum...é mais utilizado como apenas uma espécie
de e-mail”. Uma professora corrobora: “para os estudantes funciona apenas como local
onde retiram materiais de apoio e onde colocam trabalhos de casa. E outra docente
confirma: “os alunos limitam-se a fazer o download dos materiais de apoio e a entregar
trabalhos”.
Sobre esta utilização pobre do E-aulas, justifica uma docente, “provavelmente será
por coabitarem dois sistemas de disponibilização de informações e por ser o Moodle o
menos escolhido, que a presença do Moodle ainda não impôs as suas vantagens”. Como
repara um estudante de CDM: “um pouco confuso ao início. Mais uma plataforma que
vem confundir ainda mais os estudantes que não sabem onde ir buscar os documentos
necessários.” Tal como diz outro colega seu: “penso que a plataforma Myesec e a E-aulas
“atropelam-se” uma à outra, pois ambas podem ter a informação referente à disciplina,
ambas podem disponibilizar material de apoio, etc. Considero a plataforma myESEC com
maior usabilidade do que o E-aulas, apenas com um inconveniente que é o de não se
poder submeter tópicos”.
84
exedra • nº 2 • 2009
De facto, existem três plataformas na ESEC: para além do Moodle no E-aulas, temos
o MyESECweb para materiais de apoio e a Secretaria Virtual para sumários e notas,
todavia só no E-aulas os estudantes podem ser produtores de conteúdos e interagir. Nas
outras duas, são apenas consumidores, numa lógica de “concepção bancária de educação”
que Freire (2006) critica, pois esta limita a educação a um acto de depósito, na qual o
aprendente, passivamente, recebe esse depósito.
O E-aulas é usado maioritariamente para colocar materiais de apoio.
Independentemente do Moodle ser potencialmente mais rico, a utilização deste foi
sobretudo a mesma que davam à MyESECweb.
Exemplo disso, são os mais de 1200 recursos lá disponíveis. Apesar de terem sido
criadas 29 salas de conversação e mais de 200 fóruns, alguns deles nunca estiveram
activos, o que sugere que, apesar do Moodle ser, para os estudantes e professores, uma
ferramenta interessante para a comunicação e interactividade, as suas potencialidades
não são rentabilizadas, como reconhece uma professora: “tenho a noção de não usar
todas as possibilidades do Moodle mas as que uso são acessíveis”.
Em relação à utilização da plataforma, diz uma estudante: “de um modo geral correu
muito bem, apesar de inicialmente haver algumas dificuldades. Importa salientar o apoio
constante da professora.” Todavia um estudante de CDM adverte: “Existem professores
que organizam os conteúdos melhor que outros, facilitando bastante ou não a tarefa por
parte do aluno”. Para os alunos, o mais fácil é ir lá buscar ou deixar documentos, utilizar
a plataforma apenas como um repositório de conteúdos.
Em relação às dificuldades, afirma uma estudante de CDM, “depois de ir explorando
(às vezes mal) é que nos fomos habituando às ferramentas.” Outro colega de CDM refere
que “o layout por vezes é confuso e a informação não está instantaneamente acessível”,
isto pode dever-se à estratégia de alguns professores que por entre mensagens de fóruns
vão anexando materiais de apoio, para assim “obrigar” os estudantes a irem aos fóruns
e participarem nas discussões. E, para os estudantes, dá menos trabalho a encontrar
se os materiais estiverem dispostos todos numa secção, sobretudo se o professor deixa
os materiais todos logo nos primeiros dias. Assim, os alunos só precisam de lá ir uma
vez e perdem-se todas as outras possibilidades. Por isso, afirma uma professora: “há
necessidade do docente desenvolver estratégias que permitam aos alunos perceber os
benefícios do uso”.
O E-aulas facilita as tarefas dos professores, sobretudo na partilha de conteúdos, na
organização dos materiais de apoio, quer produzidos pelos docentes, quer construídos
pelos estudantes, no uso de incentivos aos alunos e feedback mais eficaz. Uma professora
afirma: “tem ainda a vantagem de guardar a memória de uma cadeira, quer os conteúdos
85
Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas
que disponibilizei quer os trabalhos feitos pelos alunos”.
Para os professores, o E-aulas possibilita “um contacto mais assíduo e mais eficaz com
os/as estudantes”. Mudou a criação de materiais de apoio, tornou-os mais acessíveis, a
qualquer hora, em qualquer lugar, mas também às bolsas dos estudantes, porque gastam
menos em fotocópias. Os trabalhos são recebidos e organizados mais facilmente e a
avaliação contínua ganha com toda esta proximidade. Sublinham ainda a vantagem de
criar um espaço próprio e mais interactivo para cada turma, onde a relação estudante(s)-
professor sai beneficiada.
Um trabalhador-estudante de ASE afirma que o E-aulas mudou a formação: “sem
dúvida, a mudança deve-se ao facto de poder dar continuidade à minha formação em casa,
e de ter sempre acessível a documentação facultada pelos docentes.” Outro estudante
de ASE confirma: “de certa forma mudou um pouco. No aspecto de se poder aceder a
informações em tempo rápido e quando o aluno pode… novas formas de aprender que têm
as suas vantagens”. Opinião contrária tem um estudante de CDM, também trabalhador-
estudante: “se mudou a formação, acho que não, pois a formação será sempre a mesma,
mas tenho a certeza que facilitou o contacto entre aluno e professor, pois construiu uma
ponte para a entrega de trabalhos e a consulta de diverso tipo de material”, tal como
outra colega de Turismo, que responde: “não muito, os professores não utilizam muito
essa plataforma”.
Já a estudante do mestrado tem outra perspectiva: “permitiu um acesso mais
rápido à informação e, por sua vez, a troca de experiências. Para além disto, é uma
ferramenta, que, actualmente, utilizo no emprego, e foi uma mais-valia para a minha
contratação.” Que vem dar razão a uma sua afirmação feita no ano anterior, enquanto
finalista de licenciatura: “A utilização da plataforma E-aulas foi uma experiência de
bastante importância. Por um lado, o E-aulas permitiu-me iniciar e desenvolver os
meus conhecimentos e competências no domínio de plataformas e-learning, até agora
quase nulo. Se tivermos em conta que para a nova etapa que se aproxima, no meu caso
o mercado de trabalho, a utilização desta ferramenta é uma mais-valia, então, cada vez
mais é de aproveitar a possibilidade de utilização que nos deram. Aliás, uma vez que
estamos a pagar propinas é de valor aproveitar tudo o que a escola nos pode oferecer.”
Os estudantes consideram que o E-aulas apoiou e complementou a formação presencial
e por isso reivindicam a generalização do E-aulas a outras disciplinas.
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exedra • nº 2 • 2009
2.2. Diversidade na sua aplicação
A ESEC tem cursos de natureza muito diversa e a utilização do E-aulas é também
espelho dessa diversidade. Assim, há cursos que estão a utilizar muito mais do que
outros. Contudo, a natureza das próprias disciplinas e cursos não é determinante para
a dimensão da utilização do E-aulas, embora seja um factor a considerar, como na
licenciatura em Teatro e Educação que utiliza pouco e em Arte e Design que nem sequer
usa. Esta dimensão depende mais do envolvimento e entusiasmo dos professores, que vão
contribuindo para motivar outros colegas. Exemplo disso, as licenciaturas em Animação
Socioeducativa (ASE) e Comunicação Organizacional são os cursos que utilizam mais,
sendo que, curiosamente, a licenciatura em Comunicação e Design Multimédia é dos
cursos que utiliza menos.
A plataforma também está a ser utilizada no Mestrado em Educação Musical do
Ensino Básico e no Mestrado de Educação de Adultos e Desenvolvimento Local, com
disciplinas partilhadas por vários docentes, e neste caso, o E-aulas facilita o trabalho em
equipa.
O processo de interacção, à luz do paradigma construtivista, seria promotor de
construção dialógica do conhecimento. É da interacção que nasce o conhecimento.
Todavia, grande parte dos alunos não são muito participativos e só utilizam a plataforma
quando têm uma tarefa estipulada e um prazo a cumprir. Desculpam-se com a falta
de tempo, com o excesso de trabalhos noutras disciplinas ou com a dificuldade em
acederem a um computador, tal como confirma um estudante de ASE: “a participação
foi pouca devido ao pouco tempo disponível, e na dificuldade de acesso à Internet”. Diz
também uma estudante de CDM “se não fosse obrigatório entregar trabalhos através da
plataforma posso dizer que nem a utilizava”. Aqui está um testemunho que exemplifica
a resistência geral das turmas de CDM à utilização da plataforma, o que é uma surpresa,
uma vez que as tecnologias são uma ferramenta essencial e familiar neste curso. Esta
aluna explica: “E é uma óptima ferramenta para estudantes-trabalhadores ou alunos
que residam longe da faculdade. Mas também não vi mais nenhum lado bom da sua
utilização. O professor continuava a ser o professor (a receber trabalhos e avaliá-los) e
o aluno continuava a ser aluno (a entregar trabalhos) e através do E-aulas era como se
tivéssemos um professor virtual, aquele que nem fala! Em vez de nos fazer comunicar
mais até parece que cortou as relações, porque nem comentários “ouvíamos””.
Este silêncio do professor cala todas as possibilidades que este recurso oferece. Por
isso, um trabalhador-estudante finalista de ASE refere a necessidade de um “compromisso
de ambas as partes de consultar e de acompanhar o que se vai sucedendo no E-aulas”.
O professor é sobretudo um facilitador, animador, moderador. Exige que ele dê feedback
rápido. Importa, pois, definir com os estudantes um prazo realista e razoável para esse
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Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas
feedback (normalmente entre 24 a 48 horas), para que eles não estejam à espera de
feedback imediato, mas também não desesperem ou desanimem. É, de facto, importante
que o professor dinamize o espaço formativo. Se os estudantes sentirem que o professor
não se envolve, também não participam. Para motivar os estudantes e para valorizar
a sua participação, é também necessário avaliá-la. Contar para nota é um incentivo à
participação.
No que diz respeito às dinâmicas de interacção no E-aulas entre estudantes, chamamos
a atenção para o que diz uma estudante de CDM: ”Expondo certos trabalhos e trocando
comentários com o professor à vista de todos faz, muitas vezes, com que essa pessoa seja
deixada de parte ou ela pode ouvir comentários como “´tás a engraxar?”. Num mundo
adulto ainda se pode ver muita criancice. O E-aulas pode ser uma boa ferramenta mas
há maus utilizadores.”
A utilização da plataforma, segundo os docentes, foi variável, dependendo dos
estudantes, das turmas e cursos. “A experiência foi bastante positiva, a todos os níveis.
Contudo, a turma do 3º ano do Curso de ASE, foi bastante mais participativa do que
a turma do 2º ano da mesma disciplina, do mesmo curso. Terá a ver com uma maior
maturidade académica e científica que mais um ano de trabalho confere?”, interroga-
se um docente. Pensamos que esta é uma variável a considerar, mas também há outras
como a novidade e o entusiasmo dos estudantes do 1.º ano.
Na nossa experiência observámos que o e-aulas facilita a integração dos trabalhadores-
estudantes nas turmas, uma vez que a sua frequência às aulas é muitas vezes comprometida
por causa da sua situação. Apesar de muitas vezes não se encontrarem nas aulas, estão
juntos no E-aulas, e aí, até podem trabalhar de forma colaborativa, por exemplo, em
wikis, workshops. Um professor sugere uma estratégia criativa: fóruns aos quais chamou
“café”, que são espaços informais, de conversa livre, que contribuem para fortalecer a
relação entre estudantes e até com o professor.
Sobre a relação estudantes-professor, conta uma estudante de CDM: “conheço casos
em que melhorou a relação aluno-professor na medida em que o aluno era tímido e
prefere comentar através da Net em vez de expor as dúvidas na aula.” Todavia os
estudantes referem a importância da relação presencial, da qual não abdicam. Apesar
de Joyes (2000), nas suas investigações, concluir que os estudantes consideraram que
o feedback face-a-face não trouxe vantagens significativas para a sua aprendizagem, a
falta de contacto presencial é naturalmente uma limitação dos sistemas de gestão da
aprendizagem através da Internet.
A plataforma tem aproximado os alunos, em especial aqueles que estão ausentes
da escola. A distância é superada no caso dos trabalhadores-estudantes, dos alunos do
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exedra • nº 2 • 2009
programa Erasmus e estagiários. Um professor reconhece: “É uma mais valia quando
aliada à presencial – fundamental nalgumas etapas”, como os estágios e projectos de
investigação.
O trabalho de orientação de estágios pode ser facilitado através da plataforma,
porque mantém um contacto mais próximo e sistemático com os alunos. O glossário
de termos técnicos pode ser uma ferramenta preciosa para os alunos, que enfrentam o
novo desafio do mercado de trabalho. O blog também é uma ferramenta interessante,
assim como o portfolio, que sendo personalizado, poderá cumprir uma função académica
de acompanhamento e avaliação, mas também profissional. A utilização constante do
fórum, por parte dos alunos, permite aos orientadores o acompanhamento assíduo do
trabalho desenvolvido diariamente. Os fóruns e os chats, permitem ainda resolver todas
as dúvidas, de forma imediata. Para além do relato do trabalho realizado, os alunos
podem partilhar as experiências, os anseios e as expectativas em relação ao mercado de
trabalho.
Como explica, uma trabalhadora-estudante de ASE: “Temos a oportunidade de
ter o nosso Professor ou Professora do outro lado, a tirar as nossas dúvidas, a dar-nos
alento (que é tão importante!!!), a dar-nos sugestões,… enfim uma série de coisas que
só quem trabalha, estuda e quer ser alguém na vida é que dá valor e importância a esta
Plataforma.”
Simão, Santos e Costa (2003) advertem que as instituições não podem ignorar a
necessidade de acolhimento ajustado a novos públicos, numa perspectiva de «educação
e formação ao longo da vida», e nesse sentido, acolhendo os estudantes maiores de 23
anos, predominantemente trabalhadores, a ESEC tem de oferecer soluções alternativas
e flexíveis. O uso pedagógico do e-aulas é uma solução, especialmente eficaz para os
estudantes-trabalhadores, porque o b-learning permite a flexibilidade e autonomia.
Contudo, no que diz respeito aos estudantes adultos não tradicionais, tem de se ter
algum cuidado, porque pode existir “um desfasamento geracional em relação às novas
tecnologias” (Correia e Mesquita, 2006, p. 96) o que implicará disponibilizar formação e
apoio específico.
Outra questão a ter em consideração é que os alunos revelam preocupações com a
exposição pública da plataforma, isso é notório nas participações dos fóruns que têm
uma escrita mais cuidada, dada a vinculação do discurso escrito. Parece ser esse o motivo
pelo qual alguns alunos não participam muito nos fóruns.
No caso dos estudantes surdos, embora a ferramenta lhes possa ser útil se for bem
explorada pedagogicamente, a maioria não está à vontade para participar, uma vez que
não querem expor aos colegas (sejam eles surdos ou ouvintes) e até aos professores as
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Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas
dificuldades na escrita, pois preferem comunicar gestualizando apenas. A utilização de
vídeo iria ao encontro deste desejo, todavia, sem abdicar da exigência da escrita que é
essencial, ainda mais porque têm dificuldades.
2.3 - Perspectivas diferentes, contributos diferentes, mas complementares
Para melhorar o e-aulas, os docentes sugerem tornar a plataforma visualmente
mais apelativa, tal como os estudantes. Como sugestões, uma estudante de
CDM propõe: “deveriam deixar textos de apoio ou de acordo com os temas
abordados na aula, (deixar resumos já é pedir demais mas também ajudava),
podiam deixar links para sites de interesse, realizações de workshops que
tenham conhecimento, nomes de livros interessantes... Quanto ao E-aulas em
si, penso que o layout deveria melhorar um pouco, pois ao fim de uns minutos já temos
vontade de abandonar o sítio.” Todos os estudantes de CDM referem que era necessário
melhorar o layout, o que nos indica mais um factor que possa justificar a resistência dos
estudantes de CDM na utilização da plataforma.
É interessante verificar que as perspectivas dos estudantes sobre o E-aulas dependem
das suas áreas, destacando os de CDM que chamam a atenção sobretudo para a necessidade
de melhorar o layout e os de ASE que valorizam as potencialidades de interacção, partilha
e colaboração. Por isso, propomos que os estudantes pudessem trabalhar em projectos
que melhorassem o E-aulas e a sua utilização, tornando a plataforma também fruto do seu
investimento reconhecido academicamente. Os de CDM poderiam trabalhar o layout e os
de ASE a exploração das potencialidades de interacção, partilha e colaboração. Podiam
até trabalhar em conjunto, com projectos de vários cursos, de forma interdisciplinar.
Conclusão
Partimos da ideia de que muito para além das aulas, o E-aulas é um espaço de múltiplos
contextos de aprendizagem que nasceu e continua a crescer pelo empenhamento dos
professores e pelas dinâmicas que os estudantes lhe conferem. E tal como as aulas são
muitos diferentes ou muito iguais, também no E-aulas se pode limitar a reproduzir ou
pode inovar. E é a inovação pedagógica, a criatividade e o envolvimento dos que aprendem
através do E-aulas, estudantes e professores, que responde aos desafios que todos os dias
no ensino superior abraçamos.
O MyESECweb é uma plataforma que gere conteúdos, poder exclusivo do professor
e o estudante apenas consome, não contribui, não transforma, enquanto que o Moodle
permite que os estudantes consigam gerir a aprendizagem, participem na construção dos
contextos dessa aprendizagem.
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exedra • nº 2 • 2009
O Moodle é normalmente utilizado em contexto pedagógico, mas a nossa proposta
ultrapassa esta dimensão, apesar de ser para nós a mais importante, por isso lhe dedicámos
o artigo. Todavia não queríamos deixar de apontar algumas pistas para rentabilizar o
Moodle também do ponto de vista organizacional.
Assim, sugerimos que o Moodle seja também um contexto de comunicação e
proximidade institucional que, naturalmente, contribui para a qualidade da formação.
Explorar não só as potencialidades pedagógicas, mas também as de comunicação e
de interacção úteis aos professores, ao seu trabalho de interdisciplinaridade e até ao
trabalho organizacional e de gestão, uma vez que a escola se encontra num processo
de reorganização, no qual foram criados departamentos. A utilização do Moodle pode
permitir a comunicação intra e inter-departamentos. Cada departamento pode ter o seu
espaço e nele comunicar através de fóruns, salas de conversação, partilhar documentação
e ficheiros, notificar as actualizações, desenvolver propostas, criar documentos em
colaboração através dos wikis, construir bases de dados, realizar referendos e criar um
histórico. Com estas possibilidades a organização do trabalho pode ser mais aberta,
transparente, democrática e participativa.
Caminhamos para plataformas que gerem comunidades, ao mesmo tempo que
possibilitam a colaboração e participação, permitem a personalização, ou seja,
a adequação dos conteúdos ao perfil do utilizador, o que, por exemplo, pode ser
importante para ir ao encontro do estilo de aprendizagem do estudante. Deste ponto de
vista, as ferramentas colaborativas da WEB 2.O podem ser muito úteis do ponto de vista
pedagógico e organizacional numa instituição de Ensino Superior.
Bibliografia
Alarcão, I., & Gil, V. (2004). Teaching and learning in higher education in Portugal: an
overview of studies in ICHED. In V. Gil, I. Alarcão & H. Hooghoff, (Eds.), Challenges
in teaching & learning in higher education (pp. 195-214). Aveiro: Universidade.
Correia, A. M., & Mesquita, A. (2006). Novos públicos no ensino superior: desafios da
sociedade do conhecimento. Lisboa: Edições Sílabo.
Freire, P. (2006). Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra.
Joyes, G. (2000). An evaluation model for supporting higher education lecturers in the
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Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas
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Silva, J. C. (1998) A tecnologia, as imagens e o currículo. In Conselho Nacional de
Educação, A sociedade da informação na escola (pp. 133-139). Lisboa: Ministério
da Educação.
Simão, V., Santos, S., & Costa, A. (2003). Ensino superior: uma visão para a próxima década.
Lisboa: Gradiva.
Correspondência
Escola Superior de Educação
Praça Heróis do Ultramar – Solum,
3030-329 Coimbra, Portugal
Carla Patrão
Dina Soeiro
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Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual
e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o
Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual
Ricardo José Espírito Santo de Melo
Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra
Resumo
Este artigo tem como principal objectivo realizar uma reflexão crítica em torno do conceito de “Desportos de Natureza”. Explicaremos a necessidade de estabelecer o debate teórico sobre este conceito, tendo em conta a indispensabilidade de delimitar o campo de análise de investigações científicas que tenham estas actividades como objecto de estudo. De seguida, procuraremos responder aos principais desafios teóricos que nos são levantados relativamente a esta questão conceptual: a) Poderão estas práticas corporais desenvolvidas em meio natural ser consideradas desportos?; b) Como enquadrar numa só definição um conjunto de termos que sugerem a prática de actividades distintas em meio natural?; c) Qual o significado de Natureza na perspectiva das práticas corporais em meio natural? Apresentamos, por fim, , uma proposta conceptual fundamentada, que permite uma definição integrada das actividades que o conceito de Desportos de Natureza abrange.
Palavras-chave
Desportos de Natureza, Desporto, Natureza, Lazer
Abstract
The aim of this article is to perform a critical reflection about the concept of Nature Sports. We will start by explaining the need to establish the theoretical debate about this concept, keeping in mind the requirement for limiting the field of analysis of the scientific research developed with these activities as main subject. Next, we will try to answer to the main theoretical challenges which are raised upon this conceptual question: a) Can these body practices in natural environment be considered as sports?; b) How can we include, in only one definition, the group of terms suggesting the practice of distinct activities in the natural environment?; c) What is the meaning of Nature in the perspective of the body practices in the natural environment? In the end we will present a reasoned conceptual propose, which allows an integrated definition of the activities that the concept of Nature Sports enclose.
Key-words
Nature sports, Sport, Nature, Leisure
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exedra • nº 2 • 2009
1. Notas iniciais sobre as práticas corporais em meio natural
O desporto é hoje considerado como um dos maiores e mais importantes fenómenos
sociais. Por um lado (…) tem sido influenciado pela dinâmica social, a partir da comunicação
global iniciada, fundamentalmente com as novas tecnologias, por outro, o próprio desporto,
numa espécie de regresso ao passado, começou também a influenciar a própria sociedade, não
só a partir dos padrões de moda que impõe, como também pelos estilos de vida que organiza
para a sociedade actual, sobretudo naquilo que diz respeito à gestão do tempo livre (Pires,
1995: p. 29).
De certa forma, novos hábitos e valores associados ao desporto surgem a partir da
campanha internacional lançada pelo Conselho da Europa em 1966, denominada por
“Desporto para Todos”, consolidado mais tarde pela Carta Europeia do Desporto (1992),
cujo enunciado expõe e define a prática desportiva como um direito fundamental de
todos os cidadãos. Este documento torna-se, aliás, num instrumento político-ideológico
e um marco extremamente importante neste movimento, que origina o desenvolvimento
de um novo paradigma, especialmente na Europa, e que torna o desporto, para além da
vertente competitiva, num espaço de satisfação das novas necessidades sociais, de fuga à
rotina, de procura da evasão, da aventura e do risco (Marivoet, 2002; Gomes, 2008).
Associado à crescente democratização da prática desportiva operada por este
movimento, mas também através do aumento das preocupações com a sustentabilidade
do planeta, têm sido gerados novos hábitos e comportamentos de consumo (Dias, Melo &
Júnior, 2007), o aumento significativo da prática de actividade física desportiva, associada
quer à valorização do tempo de lazer, quer à busca de actividades de ar livre (Costa,
2007) e o crescimento, valorização e difusão dos desportos praticados na natureza (Dias,
Melo & Júnior, 2007). Estas actividades praticadas em contacto com a natureza estão
a consolidar-se desde há 30 anos como um dos grupos mais sólidos e com mais futuro
no âmbito da nova cultura corporal (Bétran & Bétran, 1995a), pois cada vez existe uma
maior necessidade de contacto com a natureza, de procura de sensações e emoções numa
sociedade demasiado rotineira e controlada, de procura de novos estados de consciência
numa sociedade dessacralizada e laica, e um novo modo de viver o tempo livre (Miranda,
Lacasa & Muro 1995).
A crescente procura deste tipo de actividades desportivas apresenta, também,
novos desafios à investigação na tentativa de explicar este fenómeno nas suas diversas
dimensões (Dias, Melo & Júnior, 2007), reflectindo-se no aumento considerável de
trabalhos de índole académico realizados no âmbito deste tema. Todavia estes têm, no
entanto, levantado alguns problemas aquando da delimitação conceptual do seu campo
de investigação, pois têm proliferando diversos termos distintos entre si, cada qual com
um conjunto de pressupostos teóricos subjacentes, e que, geralmente, não têm sido alvos
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Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual
de atenção (Dias, 2007).
Algumas reflexões e conclusões desenvolvidas no campo desportivo aplicam-se,
também, a estas novas modalidades, embora tenham vindo a introduzir, simultaneamente,
novos problemas e desafios a essas teorizações, das quais se destacam os problemas
conceptuais. De facto, concordamos com Dias & Júnior (2006) quando afirmam que as
problemáticas conceptuais dos desportos, quer seja nas suas novas adjectivações, quer
seja nas definições sociais e academicamente estabelecidas, mostram que esta discussão
é insuficiente, ainda mais quando nos referimos às recentes práticas realizadas na
natureza, cujo tempo e esforço dedicados têm sido insuficientes para a sua compreensão.
Acresce, a isso, o carácter eminentemente polissémico, inerente ao próprio conceito de
desporto. Procuraremos assim, ao longo deste artigo, reflectir sobre as práticas corporais
realizadas na Natureza, tentando clarificar e defini-las conceptualmente.
2. Desportos de Natureza: um problema conceptual
Ao iniciarmos o debate em torno desta problemática conceptual teremos que
considerar algumas dificuldades que nos apresenta a sua delimitação teórica. Em
primeiro, as práticas corporais em meio natural, pelo carácter de ruptura que assumem
em relação aos desportos tradicionais, pelas motivações, modelos, objectivos, condições
e espaços bastante distintos, levam ao questionamento da utilização do termo desporto
para as definir. As próprias ambiguidades e contradições do conceito de desporto
dificultam a definição deste campo, impedindo uma aceitação de um fenómeno que
compõe uma mesma categoria de análise (Dias, Melo & Júnior, 2007). Neste sentido
parece-nos claro que, antes de podermos afirmar que estas actividades se possam inserir
no campo desportivo, seja importante começarmos por debater o próprio conceito de
desporto, para estabelecer as categorias conceptuais a serem analisadas. Gustavo Pires
(1994: p. 43) refere-nos que é (…) absolutamente necessário sermos possuidores de uma
ideia esclarecida sobre aquilo que entendemos por desporto, na medida em que o cumprimento
deste objectivo, facilita-nos, em qualquer momento, a compreensão da problemática da
organização e gestão das práticas desportiva, bem como do seu processo de planeamento (…),
ao que acrescentamos também, a uma melhor compreensão do campo de análise em
investigações e estudos científicos.
As actividades desportivas são referidas por alguns autores, na linha de pensamento
de Jean Marie-Brohm (1976), que de forma intransigente e sem a pluralidade de
manifestações que se devem admitir, como actividades corporais de movimento com um
carácter de competição, guiada pelos princípios do rendimento e pelas características
formais e ocupacionais do campo desportivo, conduzem ao risco de tornar o desporto
uma reprodução fiel do mundo do trabalho, eliminando por completo os elementos
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exedra • nº 2 • 2009
lúdicos, onde não seriam claramente enquadráveis as práticas corporais que ocorrem
em meio natural.
O Desporto deve ser entendido como um fenómeno social mais amplo que acompanha
os novos valores e tendências da sociedade, não significando que se deva negar a ideia
de competição no desporto, mas sim, não menosprezar o seu carácter lúdico (Dias, Melo
& Júnior, 2007).
Pelo contrário, também não podemos incorrer no erro de reduzir a compreensão
das práticas corporais em meio natural numa vertente de carácter exclusivamente
cooperativista, oposto à competição, pois o carácter competitivo está presente, pelo
deslocamento do elemento competitivo com o adversário para si mesmo, pelos desafios
pessoais que se colocam, ou para o próprio meio ambiente, pelo carácter imprevisível e
pelos obstáculos que encerra. O desporto não pode ser considerado uma prática cultural
com sentido unívoco e compartimentado, por um lado como uma manifestação do
espectáculo e do rendimento, ou por outro, como uma expressão do lazer e do lúdico, ou
seja, não existe um desporto exclusivamente competitivo ou unicamente cooperativista.
Na nossa opinião, deveremos compreender o fenómeno desportivo como uma
visão multidimensional que nos permita entender a complexidade dos vários aspectos
que a compõem, tendo em conta as questões económicas, pedagógicas, culturais,
organizacionais e políticas, tal como o Modelo Pentadimensional de Geometria Variável.
Este modelo considera o conceito de desporto como uma estrutura aberta, de acordo com
as diversas componentes de cinco elementos (jogo, movimento, agonística, instituição,
projecto) considerados de forma a que cada um deles, de acordo com a geometria
conveniente, por si, e em conjunto, possam interagir de acordo com os objectivos que se
pretendem atingir, as metodologias a empregar e os destinatários a considerar. Tal como
afirma Pires (1994: p. 60), (…) só assim o desporto está ao serviço das pessoas e não estas ao
serviço do desporto.
Para definir o conceito de desporto podemos, ainda, salientar o contributo dado
pela Carta Europeia do Desporto (1992: p. 3) que o define como (…) todas as formas de
actividades físicas que, através de uma participação organizada ou não, têm por objectivo a
expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica, o desenvolvimento das relações
sociais ou a obtenção de resultados na competição a todos os níveis. Entendemos assim
que, tal como Pires (1994: p. 60), (…) na realidade, o desporto é uno mas não é unicitário,
pois pode ser desenvolvido através de uma enorme e inesgotável multiplicidade de práticas
desportivas, de acordo com a vontade, os gostos e os desejos de cada um.
Desta forma, discordamos daqueles que denominam as práticas corporais em meio
natural de outra designação que não a de desporto pois, de acordo com Dias, Melo &
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Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual
Júnior (2007), podemos classificá-las e enquadrá-las claramente nesse campo, como
uma sub-cultura deste fenómeno, integrando uma área desportiva mais ampla, ainda
que cada modalidade específica possa ser apreendida de forma diferente, mas sempre
com referências comuns.
Esclarecidas e fundamentadas as dimensões do desporto que actualmente se admitem
e que nos levam a considerar tais práticas desportivas de natureza como modalidades
desportivas, dois problemas conceptuais importam explorar. Por um lado, considerar
a existência de diversos termos utilizados que denominam um conjunto de actividades
como o montanhismo, o “surf”, o parapente e a canoagem, cada qual com um conjunto
de pressupostos teóricos distintos (Dias, 2007) e, por outro lado, considerar um conceito
que permita abranger uma diversidade de modalidades tão díspares.
Justificando esta problemática, Dias & Júnior (2006: p. 141) referem que os
termos utilizados para designar e caracterizar essas práticas são difusos, imprecisos e
pouco consensuais, pois, (…) a dificuldade de se elaborar um conceito que possa definir e
caracterizar com alguma precisão essas práticas acaba por criar uma dificuldade adicional
para as suas investigações (…). De facto, é frequente serem apresentados muitos conceitos
para designar um mesmo objecto de estudo.
Diversas propostas têm sido apresentadas na tentativa definir as práticas corporais
em meio natural, das quais salientamos:
1) Actividades de ar livre – “Plein Air”: esta proposta surgiu na segunda metade
do século XIX, tendo como principal ideia a actividade física em meio natural,
num ambiente saudável (Bessy & Mouton, 2004);
2) Movimentos Naturalista de Hébert e Escutista de Baden-Powell: estes movimentos
surgem no final do século XIX e início do século XX, respectivamente. O pilar
básico destes movimentos é a defesa do retorno à natureza como forma de
contrariar a decadência moral e física dos europeus, em contraste com o
vigor dos povos de outros continentes (Vigarello, 1983; Sobral, 1985; Bessy &
Mouton, 2004).
3) Desportos Californianos: esta designação deve-se à origem geográfica e cultural
destes desportos, que surgem nos anos 60, do século XX, na Califónia - EUA;
mas também devido à sua “estrutura motriz” e a uma “estilo” particular das
práticas: surf, windsurf, voo-livre, skate-board, freesbe, etc. (Pociello, 1986).
Estes desportos são encarados como uma filosofia pacifista e ecologista, onde
os praticantes procuram uma harmonia com a natureza, através de uma prática
livre e emocional, que se opõe à perspectiva competitiva (Pociello, 1986;
Vigarello, 1986; Bessy & Mouton, 2004).
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exedra • nº 2 • 2009
4) Actividades de Ar Livre e Exploração: preconizado por Araújo (1983), esta
designação surge em Portugal, no início da década de oitenta, sob a ideia de
um conjunto de actividades que estabelecem o contacto entre o indivíduo, a
natureza e os seus elementos naturais.
5) Actividades Físicas de Natureza – “Activités Physiques de Plein Nature”: esta
proposta surge entre a década de oitenta e noventa, através do desenvolvimento
de actividades com o objectivo de progredir (com ou sem engenho) na natureza,
estando presente um risco relativo, associado à incerteza do meio (Bessy &
Mouton, 2004). Nesta perspectiva, o praticante não pretende integra-se no
meio, sendo este apenas o local de prática das actividades (Moreira, 2007).
6) Desportos de Aventura – “Adventure”/”Aventure”: esta denominação engloba as
actividades físicas, praticadas em meio natural, que respeitam um conjunto de
regras e são praticadas com o constante aparecimento de situações imprevistas
(Vanloubbeeck, 2000) e conotados com um forte sentido de risco e incerteza
(Betrán, 2003).
7) Desportos Radicais: esta designação abrange as modalidades que configuram uma
grande descarga de adrenalina, na tentativa de alcançar objectivos exigentes
aos quais estão, normalmente, associados factores de risco. Estas práticas
estão relacionadas com habilidades “radicais” que dependem de engenhos (e.g.
prancha de “surf”, tábua de “snowboard”, etc.), que permitem utilizar a força
da gravidade para proporcionar o maior número de soluções possíveis, e que
possam superar as forças da natureza: o ar, o solo e a água (Tomlinson, 1997).
8) Desportos Extremos – “Extreme Sports”: este termo foi generalizado a partir
dos anos 80, associado às actividades relacionadas com feitos grandiosos,
excessivos ou imoderados, que são levadas ao extremo para atingir os limites
(Le Scanff, 2000).
9) Desportos de deslize – “Sports de Gliss”: são as actividades que recorrem à utilização
das energias da natureza como um meio de propulsão, que proporciona o
deslizamento na água no ar ou na terra (Lacroix, 1985; Pociello, 1986).
Betrán & Betrán (1995b) apresentam um termo e uma sigla para designar estas
práticas: Actividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN). Tais práticas referem-
se segundo os autores, a actividades que se fundamentam no deslizamento sobre
superfícies naturais, nas quais o equilíbrio dinâmico para evitar as quedas e a velocidade
de deslocamento, aproveitando as energias da natureza (eólica, da ondas, das marés, dos
cursos fluviais ou a força da gravidade), constituem os diversos níveis de risco controlado
nos quais a aventura se baseia. Desta definição fica claro que algumas das actividades que
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Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual
consideramos enquadráveis neste tipo de práticas, ficam de fora deste conceito, como o
caso da escalada, do pedestrianismo e do montanhismo (Villaverde, 2007).
De todas estas definições destacamos as suas diferenciações semânticas, pois, apesar
de procurarem expressar um significado semelhante, poderão apresentar significados
distintos (Dias, 2007). Debruçando-nos sobre a análise conceptual dos diversos termos
utilizados, e de acordo um estudo elaborado por Dias (2007) sobre a nomenclatura
utilizada pelos praticantes deste tipo de actividades, quando convidados a comentar
o termo Desportos Radicais, os praticantes de montanhismo referem que este termo
contraria a posição assumida pelos montanhistas, pois na sua opinião, esta modalidade
assumiria o carácter de competição desportiva como qualquer outra, com vencedores,
perdedores, prémios e recordes, criando um conjunto de crenças e valores (competição,
regulamentação, comercialização, etc.) que contraria a perspectiva tradicional e as
convicções hegemónicas estabelecidas entre a sua comunidade.
Por outro lado, o termo Desportos de Aventura assume um carácter vinculativo
a termos como o risco e o perigo. Considerando esta perspectiva, alguns praticantes,
citados por Dias (2007), negam este termo contrapondo que os riscos existem em todas
as modalidades desportivas, e que a taxa de acidentes em modalidades desportivas
tradicionais é bastante superior. A exposição ao risco é inerente aos locais de prática de
tais desportos, pela sua exposição às intempéries da natureza, decorrendo daí a aventura
e o risco que se procura, consumando-se no enfrentar dos desafios naturais, tais como
eles se apresentam, e, tal como Dias (2007), consideramos uma redundância encarar tais
práticas de aventura.
O termo Desportos de Natureza surge, de acordo com Bessy & Mouton (2004), só no
final do século vinte, associado ao aparecimento de novos espaços desportivos na natureza
e ao aumento do número de praticantes que, consequentemente, proporcionaram uma
maior organização, estruturação e segurança das práticas. Estamos, assim, perante um
processo de urbanização da natureza e de naturalização da cidade (Moreira, 2007).
A relação com a natureza é de facto o elo fundamental que caracteriza os praticantes
destas modalidades numa espécie de imaginário de retorno à natureza, na busca da
liberdade e integração na e com a natureza. Estas modalidades estabelecem relações
com temas como a natureza e a ecologia, pois entre os praticantes e a imagem pública
surge a ideia de associar estas práticas à preservação da natureza e ao ambientalismo.
Desta forma, a natureza contempla as características de aventura e de risco, dimensões
definidas pelos praticantes como os principais factores de motivação para a prática
(Dias, 2007). Associado ao termo desporto, optamos por utilizar o termo natureza para
designar as práticas corporais que decorrem em meio natural, pois entendemos que é
aquele que poderá delimitar todas as suas dimensões, agrupando numa só definição este
100
exedra • nº 2 • 2009
conjunto de modalidades desportivas.
A natureza é apresentada como uma proposta que pretende envolver o desporto
como uma prática que estabelece relações intersubjectivas com os praticantes, com a
finalidade de eles poderem extrair prazer dessa interacção, e na medida em que a própria
natureza é apontada como uma das suas motivações principais, onde os seus simbolismos
são permeados por uma espécie de mitologia do reencontro com a natureza selvagem.
A relação com a natureza poderá ter, na opinião de Moreira (2007), duas vertentes:
a) uma de interesse ecológico, com a descoberta, identificação, análise do envolvimento
natural, tendo como objectivo a conservação e o equilíbrio da mesma e; b) a actividade
física, onde o confronto com a natureza e a sua exploração é efectuada através do
domínio de diferentes técnicas.
Em relação ao termo natureza, utilizado para designar estas práticas, não poderemos
deixar de considerar, pelo menos, as seguintes dimensões: 1) o seu maior ou menor
grau de aventura pela exposição aos riscos objectivos, consoante o local de prática; 2) a
modalidade praticada e o grau de experiência dos praticantes; 3) o carácter ecologista
que está presente nestas modalidades e; 4) as características de evasão presentes na
maioria das modalidades, a procura da emoção, a fuga à rotina e ao stress do dia a dia.
Os espaços ao ar livre em contacto com a Natureza são, de facto, o cenário comum a
estas práticas, normalmente em zonas rurais ou em áreas protegidas, próximas dos locais
habituais de residência ou em locais mais afastados, onde se tenha a necessidade de
realizar deslocações turísticas. Tais práticas associadas ao lazer, assumem-se como um
potencial factor de desenvolvimento do turismo, constituindo uma das modalidades do
Turismo de Natureza e um dos 10 produtos estratégicos do turismo em Portugal (PENT,
2006) e é, muitas das vezes, um dos principais garantes de sustentabilidade, em especial
nas zonas rurais deprimidas.
As práticas de Desportos de Natureza actuam, em especial no âmbito do lazer turístico,
como um agente de mudança, trazendo inúmeros impactos às condições económicas
regionais, às instituições sociais e à qualidade ambiental (Mings & Chulikpongse, 1994).
Estes impactos resultam de um processo complexo de interacção entre os praticantes e
os destinos de prática, incluindo as comunidades receptoras, e resultam das diferenças
sociais, económicas e culturais entre a população residente e os praticantes (WTO, 1993).
Por vezes, tipos similares de práticas podem originar impactos diferentes. A extensão
destes impactos depende não só da quantidade, mas também do tipo de praticantes que
se deslocam a esse destino (Mathieson & Wall, 1996) e da natureza das sociedades em
que ocorrem (Rushmann, 1999).
O desenvolvimento dos Desportos de Natureza, com um carácter sustentável, é um
101
Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual
processo com tripla acção (WTO, 1993): i) a sustentabilidade sociocultural, que permite
que o controle e a gestão dos recursos disponíveis sejam efectivados localmente pelas
populações autóctones, de acordo com os traços culturais e os padrões valorativos
de referência; ii) a sustentabilidade ecológica, que garante a adequação entre o
desenvolvimento e a preservação ambiental e; iii) a sustentabilidade económica, que
permite a eficiência económica sem ameaçar o crescimento futuro.
De acordo com Brito (2004: 122), (…) a relação entre as três dimensões é conseguida,
através da garantia de preservação ambiental, atribuindo autonomia às comunidades
locais, respeitando a cultura e os valores de origem, reforçando a identidade comunitária,
salvaguardando o desenvolvimento económico mediante a gestão dos recursos disponíveis,
assegurando a sua utilização pelas gerações futuras.
3. Desportos de Natureza: uma definição para as práticas corporais em meio natural
Após esta reflexão pretendemos assim designar as práticas corporais que decorrem
em meio natural como “Desportos de Natureza”. Para a compreensão deste conceito
em muito contribuiu a definição estabelecida pela legislação em vigor que considera
actividades de Desportos de Natureza como todas as que sejam praticadas em contacto
directo com a natureza e que, pelas suas características, possam ser praticadas de forma não
nociva para a conservação da natureza (Decreto-Lei n.º 47/99, de 16 de Fevereiro, Alterado
pelo Decreto-Lei n.º 56/2002, de 11 de Março), e aquelas cuja prática aproxima o homem
da natureza de uma forma saudável e seja enquadrável na gestão das áreas protegidas e numa
política de desenvolvimento sustentável. Constituem actividades e serviços de desporto
de natureza as iniciativas ou projectos que integrem: pedestrianismo, montanhismo,
orientação, escalada, rappel, espeleologia, balonismo, parapente, asa delta sem motor,
bicicleta todo o terreno (BTT), hipismo, canoagem, remo, vela, surf, windsurf, mergulho,
rafting, hidrospeed, e outros desportos e actividades de lazer cuja prática não se mostre
nociva para a conservação da natureza (Decreto-Regulamentar nº 18/99, de 27 de
Agosto).
Face à reflexão apresentada, propomos que a definição de Desportos de
Natureza considere que estes sejam:
- todas as actividades físicas e corporais que se realizam em contacto directo
com a natureza, apresentando um formato organizado ou não, que tenham
por objectivo a expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica,
o desenvolvimento das relações sociais, o intuito de recreação e lazer ou a
obtenção de resultados na competição a todos os níveis, e que contribuam
para a sustentabilidade do desenvolvimento local, nas dimensões ambiental,
102
exedra • nº 2 • 2009
económica e sociocultural.
Esta nossa definição e este debate conceptual não terminam aqui. A necessidade de
aprofundamento da nossa reflexão causada por uma limitação temporal, mas também
pela necessidade de uma plural confrontação ideológica que contribuirá, por certo, para
a construção de novas dimensões de análise deste novo fenómeno desportivo em tão
vertiginosa e acelerada mudança.
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Correspondência
Ricardo José Espírito Santo de Melo
Escola Superior de Educação Coimbra
Praça Heróis do Ultramar – Solum,
3030-329 Coimbra, Portugal
105
Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o
Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação para a promoção do bem-estar nos contextos educativos
Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral
Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra
Resumo
A violência em contexto escolar e os problemas a ela associados afectando o desempenho escolar e o relacionamento e integração social, alertam-nos para a necessidade da formação em educação facultar a aquisição e desenvolvimento de competências facilitadoras de ambientes harmoniosos e de sã convivência entre os membros da comunidade educativa. Os profissionais da educação, pela posição privilegiada que ocupam no sistema educativo, devem reflectir e questionar constantemente a realidade social e educativa que constituem, para, assim, melhor se reverem enquanto membros activos de mudança e desenvolvimento.
Palavras–chave
Formação em educação, Sociologia do actor, Violência escolar, Bem-estar escolar, Sentido do trabalho escolar
Abstract
School violence and associated phenomena which affect school performance and social integration/relationships alert to the need of teacher training to allow acquisition and development of skills to facilitate a harmonious environment and healthy relationship among educational community members. Education professionals, due to their privileged position in the educational system, analysing and questioning educational and social reality they are part of, can see themselves as active members of change and development.
Key-Words
Teacher training, Sociology of the actor, School violence, School well-being, Feeling of school work
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exedra • nº 2 • 2009
“Há formas de pensar, falar, agir, que nos ajudam a estar bem connosco e com o mundo. Outras que provocam e efeito contrário ...”
(Mª José Costa Félix, 2002)
Introdução
A violência, não sendo um fenómeno novo nem tão pouco recente, tem suscitado
grande interesse, pela forma como se manifesta nas nossas vidas, pela maneira como
agora nos é apresentada e pelo modo como nós a vivenciamos. Diariamente as notícias
sucedem-se, ao mesmo tempo que aumenta a preocupação da opinião pública e dos
responsáveis ao mais alto nível. A esta escalada de preocupação alia-se um generalizado
sentimento de insegurança, que parece estar a tornar-se num fenómeno, que
aparentemente se apresenta pela singularidade de momentos, mas que se tem tornado
numa verdadeira “bola de neve”.
Revendo a literatura sobre esta temática, verificamos como é que o conceito de
violência se tem revelado, remetendo-nos para domínios muito variados e para uma
grande diversidade de perspectivas. No entanto, comum a todas elas é o recurso à força
para atingir o outro na sua integridade física e/ou psicológica.
Etimologicamente, a palavra violência deriva do latim vis, que significa força. Neste
sentido, a violência é uma forma particular da força – “a forma forte da força” (Dufrenne,
1976 citado por Fisher, 1992, p.18) – que se caracteriza muitas vezes pelo recurso a meios
físicos para atingir outrem ou para atingir os seus objectivos à custa de outrem. Além
disso, ela pode exercer-se de forma directa ou indirecta e comportar vários graus: matar,
ferir ou simplesmente ameaçar e assentar em níveis diversos como a fé, a liberdade ou
a integridade física1.
A violência em contexto escolar, por sua vez, ocorrendo essencialmente entre
crianças e jovens, assume redobrada preocupação. Entre outras, à escola são conferidas
as funções de educar para normas e valores de relação e de respeito pelo outro -
“outro” pessoa e “outro” materializado nos bens e propriedades alheias. No entanto,
os preocupantes episódios de violência e os sentimentos de insegurança em alunos,
professores e auxiliares de acção educativa justificam a crescente necessidade de tornar
este problema num objecto de estudo, reconhecido nas palavras de Carra & Sicot (1997,
p. 61) como “problema social”, na sua global dimensão.
Face às mudanças da vida moderna, as instituições que compõem a sociedade
107
Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
contemporânea, entre elas a escola, devem compreender e aceitar os desafios que a nova
realidade lhes coloca. E, a formação de professores e educadores, não se alheando de
toda esta metaforfose que, a vários níveis e nos diferentes sectores, se tem manifestado
e caracterizado a actual sociedade, designada da globalização e interdependência, do
conhecimento e inovação, deve contemplar (tanto na formação inicial como na contínua)
um alargado conhecimento da realidade das nossas escolas.
Nas palavras de Augusto Cury (2004, p.62) “Educar é ser um artesão da personalidade,
um poeta da inteligência, um semeador de ideias”, no entanto deparamo-nos, cada vez mais,
com uma realidade que não mais descreve a educação, e o acto de educar daquela forma
honírica. De facto, “somos cada vez mais criadores e vítimas de um sistema social que valoriza
o ter e não o ser, a estética e não o conteúdo, o consumo e não as ideias” (Idem, 2004, p. 67).
E constatamos que a violência é uma característica social dominante, que se manifesta,
cada vez mais, nos mais diversos contextos sociais (ruas, meios de comunicação social,
em casa, na escola ...) constituindo, por isso, uma preocupação para toda a comunidade
e para a comunidade educativa em especial.
A opinião pública tem-se manifestado mais atenta relativamente a este fenómeno
social, que se tem revelado cada vez mais complexo e com consequências, por vezes
graves, ao nível de um ajustamento social, emocional e escolar, de grande parte das
nossas crianças e adolescentes. Reparamos no largo destaque que a imprensa falada
e escrita por vezes lhe confere, nas medidas administrativas2 e pedagógicas3 que são
tomadas pelo Ministério da Educação e pelas escolas, na frequência com que ocorrem os
chamados conselhos disciplinares, no policiamento da escola, nos protocolos especiais
de segurança celebrados entre os Ministérios da Educação e da Administração Interna4,
no reforço das estruturas físicas de protecção em torno da escola e, noutro plano, na
organização de encontros, seminários, conferências, acções de formação e iniciativas
congéneres que se vão realizando, um pouco por todo o lado, tendo este tema como
referência5.
Assim, propomo-nos aqui alertar para a necessidade de nos consciencializarmos da
responsabilidade dos educadores em geral (e não apenas dos profissionais mas também
da família e doutros membros da comunidade) em todo o processo de mudança de
atitudes e de comportamentos, levando a que todos os alunos se desenvolvam equilibrada
e saudavelmente, assegurando, em simultâneo, um ambiente harmonioso e de sã
convivência entre todos os membros da comunidade educativa.
Neste texto, após apresentarmos o elenco das várias razões que justificam esta nossa
reflexão, avançamos, num segundo ponto, com algumas clarificações, que consideramos
importantes, quanto ao conceito de violência escolar. De seguida exploramos de que
forma a escola pode ser um factor de risco de violência nas crianças e adolescentes e
108
exedra • nº 2 • 2009
terminamos com algumas implicações que, reflexões deste tipo podem ter a nível
político-educacional e pedagógico.
1. Porquê reflectir sobre a violência escolar?
De entre as razões possíveis de enumerar, sublinhamos, antes de mais, a relevância
em se ter cada vez mais oportunidades de análise e discussão para, passando a prestar
mais atenção, sermos efectivamente capazes de querer agir no sentido de gerar uma
humanidade mais saudável.
Mas, várias outras razões são relevantes de considerar.
Primeiramente, salientamos alguns motivos de ordem clínica. E podemos referir que
a violência na escola anda associada a fenómenos como o medo, insegurança, ameaça e
intimidação, humilhação, perseguição, provocação, solidão, baixo auto-conceito, e tem
repercussões mais ou menos graves no desenvolvimento pessoal, social e académico
das crianças e adolescentes, bem como no surgimento de problemas de relacionamento
e de integração social futuros. Saber como agir é o que os professores e educadores
ambicionam os quais, pela posição privilegiada que ocupam no sistema educativo,
necessitam de estar munidos de saberes e saberes-fazer que possibilitem a acção mais
adequada e eficaz na resolução (minorando e/ou prevenindo) de tais problemas.
Relembrando que nem tudo se aprende nos livros, manuais ou compêndios e nem
sempre as directrizes emanadas do poder central se adequam e se podem aplicar às
realidades locais. Consideramos que um bom profissional não pode contar apenas com
a formação adquirida (ou por adquirir) para superar os seus problemas mas deve estar
em constante aquisição de novos saberes (formação contínua/permanente), procurando
estar sempre atento para analisar, reflectir e questionar a própria realidade social e
educativa de que faz parte para, assim, melhor se rever nela enquanto membro activo de
mudança e desenvolvimento.
Em segundo, sublinhamos razões de ordem científica, e alegamo-las porque, por
um lado, continuamos a não conhecer muito bem a realidade das nossas escolas e, por
outro lado, no nosso país, são escassos os estudos sobre os seus problemas e exíguos os
instrumentos adaptados, válidos e fidedignos, destinados a medi-los. Desconhecendo-se,
também a existência de meios de prevenção e intervenção, bem como de resultados em
relação a experiências de grande fôlego que tenham sido levadas a cabo nesse sentido6.
Apenas podemos referir que, em Portugal, existem duas abordagens diferentes na
investigação sobre a violência na escola. Na primeira, enquadram-se os estudos sobre
a indisciplina, tomando como objecto as diferentes situações e comportamentos (sejam
violentos ou não) que não estão em conformidade com as regras de carácter escolar e
109
Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
social vigentes em cada escola (Estrela, 1992; Amado, 1989, 2000; Freire, 1995; Veiga,
1995, 2007; Parreiral, 2003; Veiga Simão, Freire & Sousa Ferreira, 2004). Na segunda
abordagem, foca-se a violência como um fenómeno específico, realçando o seu carácter
social e psicológico (Costa & Vale, 1998; Pereira, Almeida, Valente & Mendonça, 1996;
Pereira, 2002; Carvalhosa, Lima & Matos, 2001; Carvalhosa & Matos, 2004, 2005; Seixas,
2006).
Além disso, são várias as restrições que podemos encontrar nos estudos portugueses
sobre os problemas da violência entre colegas. Encontramos limitações decorrentes da
natureza da amostra, não permitindo o levantamento da situação em todos os níveis de
escolaridade, centrando-se ou no primeiro e segundo ciclos ou só no terceiro ciclo e no
secundário. E, limitações de natureza conceptual7 e metodológica8, que têm implicações
directas na operacionalização dos comportamentos avaliados, tornando muitas vezes
difíceis as análises comparativas com estudos de outros países.
Por isso, relembramos os cuidados a ter na interpretação dos resultados que os
diversos estudos portugueses têm apresentado. Cuidados em termos comparativos, por
questões de natureza conceptual e metodológica e em termos explicativos, pela exigência
de uma leitura abrangente e multifacetada desses mesmos resultados.
Por fim, referimos algumas razões de ordem pedagógica que, por sua vez, também
justificam esta nossa reflexão. Entre tais razões alertamos, mais uma vez (e nunca é demais)
para a necessidade de se conhecer melhor as nossas escolas, bem como os problemas
que as caracterizam; chamamos à atenção dos profissionais da educação em geral
(professores e educadores) para que tomem maior consciência da sua responsabilidade
em todo o processo activo de mudança de atitudes e de comportamentos, contribuindo
para que todos os alunos se desenvolvam equilibrada e saudavelmente, assegurando, em
simultâneo, um ambiente harmonioso e de sã convivência entre todos os membros da
comunidade educativa.
Sabendo o quanto é, muitas vezes, difícil avaliar os comportamentos ocorridos na
escola, perceber o seu significado e, principalmente, questionar as suas motivações,
não podemos deixar de questionar (a nós próprios e à própria escola) sobre a situação
que actualmente se vive nos contextos escolares. Ou seja, não podemos deixar que a
dificuldade nos mova para uma leitura sistematicamente acusatória das crianças e
jovens, esquecendo qualquer tentativa de compreensão do problema.
Perante tal necessidade e tendo presente o panorama que se tem vindo a assistir nas
nossas escolas, pareceu-nos pertinente a realização deste texto, uma vez que o bem-estar
e o desenvolvimento de um ambiente de tolerância e de apoio afectivo dentro das nossas
escolas poderão ser metas ainda a atingir.
110
exedra • nº 2 • 2009
Assim, julgamos haver casos que mereçam uma atenção e um enquadramento especial,
bem como um acompanhamento a cargo de profissionais especializados, no entanto,
esses não parecem reflectir a maioria das situações ocorridas nas escolas portuguesas. É
a pensar na maioria das situações que apontamos a importância e necessidade urgentes
de uma atitude diferente, que passa, antes de mais, por uma leitura mais alargada das
situações e pelo recurso a uma metodologia e instrumentos mais eficazes.
Agindo desse modo, seremos capazes de desenvolver uma abordagem global do
problema da violência/segurança nas escolas considerando não apenas o contexto em
que ocorre e a especificidade de cada escola, mas também a sua globalidade. Onde
a solução do problema tem de ser pensada a diferentes níveis, desde o individual ao
comunitário, passando pelos vários vectores ou sistemas intermédios e incluindo as
relações entre eles. Isso ajudar-nos-á a compreender melhor o interesse actual pela
abordagem multissistémica no tratamento do comportamento anti-social e violento dos
jovens (Henggeler; Schornwald; Borduin; Rowland & Cunningham, 1998).
Relativamente a isso, e à semelhança de Mooij (1997), podemos identificar o que
consideramos serem duas abordagens gerais do problema da violência na escola: a
primeira, designada de “tratamento e prevenção dos comportamentos anti-sociais dos
alunos”, que engloba acções directas por parte dos membros da comunidade escolar
e também acções desenvolvidas pela escola, no âmbito do seu funcionamento e que
incluí a actuação nas situações concretas; a segunda, orientada para a “promoção dos
comportamentos sociais positivos dos alunos”, tem como principal alvo os alunos
considerados mais frágeis, ou seja, potenciais vítimas, embora também englobe todo o
tipo de actuações desenvolvidas pela escola, incluindo o aproveitamento do espaço da
sala de aula e as intervenções baseadas no currículo.
Concretizar tais orientações gerais de intervenção, pode conduzir a uma grande
variedade de estratégias e de acções, mais ou menos localizadas no tempo e desenvolvidas,
e implementadas por um maior ou menor número de intervenientes.
O tipo de intervenção depende, não só das determinantes contextuais já referidas, da
especificidade das situações de violência em si mesmas, da própria política de ensino em
vigor, do estado da investigação neste domínio, e, consequentemente, do conhecimento
concreto existente sobre o fenómeno em questão. São estes factores que se encontram
na base da determinação de prioridades e da adequação das orientações e estratégias
apontadas, na procura de uma maior eficácia, seja “curativa” seja preventiva.
2. Algumas clarificações quanto ao conceito de violência escolar
A existência de um alargado conjunto de situações que designamos globalmente
111
Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
por violência na escola tem dado origem, nos anos mais recentes, a diversos debates
públicos e a numerosas referências nos meios de comunicação social. Paralelamente
temos assistido a um aumento significativo do sentimento de insegurança no seio das
comunidades educativas e à crescente exigência de tomada de medidas políticas e
disciplinares mais severas. A proliferação destas concepções de senso comum aumentou
no obscurecimento da problemática em análise, passando-se de um quadro em que
raramente se falava de violência, sendo por vezes utilizada a noção de indisciplina, para
o seu uso generalizado e indistinto. Gerou-se, então, um conjunto de equívocos que
achamos importante referir.
Um primeiro elemento diz respeito ao carácter desviante que é atribuído ao
fenómeno. Na argumentação presente nessas concepções, as situações violentas
constituiriam, no essencial, a expressão de personalidade patológicas, individuais ou
colectivas, ou portadoras de quadros culturais e de valores delinquentes. Tais concepções
escondem/ocultam que a violência, nas mais variadas formas, pode ser hoje considerada
um elemento estrutural das sociedades industrializadas ocidentais, já que se encontra
presente de forma persistente no seu quotidiano (violência intrafamiliar, delinquência
e criminalidade, guerra, violência no desporto, nos media, etc…). A violência na escola,
com as suas especificidades, faz parte integrante desse fenómeno, e não será facilmente
compreendida se ignorarmos os laços que ligam ambas.
Em segundo lugar, trata-se de questionar o alegado carácter recente do fenómeno.
De facto, não se pode dizer que seja um fenómeno novo, já que as situações de violência
na escola possuem uma longa história. As praxes violentas na Universidade de Coimbra
já no século XIX; o uso da palmatória, elemento ainda hoje presente no imaginário
educativo dos portugueses; as cargas da polícia de choque durante o Estado Novo; a
violência política entre grupos de estudantes após o 25 de Abril; entre outros, constituem
elementos históricos que nos ajudam a relativizar os discursos sobre a irrupção súbita
de uma epidemia de violência nas escolas. Assim sendo, se a violência não constitui um
facto novo nas escolas, quais as razões para que se difunda numa parte significativa
da comunidade educativa, de forma por vezes intensa, um sentimento de forte
insegurança?
Uma parte da resposta poderá ser encontrada nas alterações profundas que se
produziram na estrutura, métodos e públicos dos sistemas educativos. Se a massificação
trouxe consigo um conjunto de consequências genericamente analisadas na literatura
sociológica, já no que diz respeito à violência na escola importa analisar algumas
particularidades desse processo.
No caso português, o início efectivo da massificação do acesso à escola coincidiu com
a democratização política, facto que resultou em contextos escolares mais conflituais
112
exedra • nº 2 • 2009
e no acesso a níveis de escolarização cada vez mais elevados de grupos sociais deles
até aí afastados. A diversificação dos públicos escolares, originalmente como resultado
da massificação, posteriormente devida aos processos migratórios de variados tipos,
que têm contribuído para transformar a sociedade portuguesa, traduziu-se ainda pelo
desencadear de situações conflituais no sistema educativo, resultantes da manutenção
de métodos organizacionais e pedagógicos típicos da escola de elites; e resultantes do
acréscimo da presença na escola de grupos portadores de quadros culturais e valores
conflituais com os dominantes na instituição escolar.
De uma escola cujos objectivos se limitavam, para a maioria da população, a uma
educação circunscrita nos objectivos e no tempo, passou-se para uma escolaridade
em alargamento progressivo9. A transição de um modelo de escola de elites para um
de massas trouxe consigo alterações no papel e estatuto dos professores. A defesa da
democratização do acesso à escolarização foi acompanhada por movimentos que
defendiam processos educativos menos autoritários, em que a participação dos alunos
passou a ser incentivada. Este processo não se fez sem dificuldades, criando-se a ideia de
desorganização e perca de autoridade dos docentes.
Em terceiro lugar, podemos falar de um fenómeno de naturalização das situações
violentas, já que é frequente confrontarmo-nos com o argumento de que o sentimento
de insegurança e a exposição à violência (delitos e incivilidades) se verificam, sobretudo,
em escolas inseridas em contextos sociais desfavorecidos. As conclusões de algumas
investigações já realizadas permitem-nos questionar estas concepções (Debarbieux,
Dupuch & Montoya 1997; Sebastião, 2001; Debarbieux, 2007). É que, ainda que o
sentimento de insegurança e/ou os delitos e incivilidades possam ser mais frequentes
nas escolas integradas em meios sociais mais desfavorecidas, nada nos pode levar a
concluir que os alunos destas escolas são “por natureza” mais violentos. O que pode
ajudar a explicar esta situação de “maior violência” é o facto de em escolas de meios
desfavorecidos se tornar mais evidente o contraste/confronto entre quadros culturais e
organizacionais da escola e as heranças culturais e trajectórias escolares dos alunos. A
aceitação de que os alunos de meios sociais mais desfavorecidos são “por natureza” “mais
violentos”, permite justificar uma outra noção, de senso comum, que perspectiva a escola
como sendo incapaz de desenvolver estratégias face à violência, sendo esta vista como
algo inevitável face ao contexto social em que se insere. O que surge como uma ameaça
incontrolável – por essa razão indutora do aumento do sentimento de insegurança – é
o seu carácter anómico. Este tipo de violência surge sem qualquer razão aparente, sem
reivindicações particulares nem objectivos visíveis, tornando-se assim diferente daquela
que em outros momentos históricos era associada às chamadas classes perigosas, embora
não menos perturbadora.
113
Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
Por último, verificamos que, apesar das mudanças radicais introduzidas com a
democratização política da sociedade portuguesa, variadas pesquisas têm mostrado, nas
últimas décadas, a permanência e importância de um vasto conjunto de factores de inércia
do sistema educativo, e a sua centralidade na reprodução de desigualdades estruturais no
acesso à escolaridade por parte das crianças oriundas de grupos sociais desfavorecidos.
Um núcleo muito importante de elementos centrais do processo educativo quotidiano
resistiu à sua transformação – modelos de gestão e hierarquização interna; organização
das turmas e elaboração dos horários; construção de projectos educativos alargados e
avaliados na sua eficácia; modelos de trabalho docente; promoção de mecanismos de
aprendizagem e acesso ao saber por parte dos alunos com dificuldades de aprendizagem;
actualização científica e pedagógica dos docentes como elemento central da qualidade
do ensino --, facto que tem posto em causa a efectiva democratização dos processos
de aprendizagem, conduzindo, muitas vezes, e como iremos ver de seguida, a situações
preditoras de violência.
3. A escola como factor de risco de violência nas crianças e adolescentes
Alguns autores tem referido factores de vária ordem - ambientel, familiar, cognitivo-
social, de personalidade – possíveis de favorecerem o desenvolvimento da agressividade
na infância e na adolescência (Ramirez, 2001; Fonseca, 2002, 2003; Seixas, 2006), entre
os quais salientamos os factores ligados à escola.
A escola constitui um espaço privilegiado para o estabelecimento de numerosas
relações interpessoais positivas e/ou negativas, longe da supervisão e controlo das
famílias. Aí se fazem, muitas vezes, os primeiros contactos com grupos de indivíduos da
mesma idade ou um pouco mais velhos, que funcionam como substitutos da família no
processo de socialização da criança e do jovem.
Vários estudos demonstram que o sistema escolar pode exercer, de várias maneiras, a
sua influência sobre o comportamento anti-social dos jovens: através das características
e das experiências dos alunos, as quais podem ser anteriores à entrada para a escola;
através das características e da actuação dos professores; através do ambiente e da cultura
que se respira em cada escola; e através do tipo de comunidade em que a escola se situa
ou a área geográfica a que pertence (Pereira, 2002; Amado & Freire, 2002; Seixas, 2006;
Veiga, 2007; Rodriguez, 2007). Uma parte considerável dessas investigações tem incidido
sobre as características (ou variáveis) dos alunos em contexto escolar e a sua relação com
o comportamento anti-social ou com a delinquência juvenil. Nesse âmbito, tem merecido
particular destaque a questão das dificuldades de aprendizagem dos alunos.
Numa revisão de literatura sobre o tema, Maguin & Loeber (1996, citados por
114
exedra • nº 2 • 2009
Fonseca, 2003, p.17) verificaram que o fraco rendimento escolar aparece associado
com a idade do começo, a frequência e a gravidade do comportamento anti-social.
Numa pesquisa em curso na região de Coimbra, obteve-se um efeito claro do insucesso
escolar e das dificuldades de aprendizagem no comportamento anti-social referido pelos
próprios jovens (self report). Em particular verificou-se aí que os alunos que já tinham
uma repetência no 2º ano de escolaridade apresentavam, quatro anos mais tarde, níveis
de comportamento anti-social mais elevados do que os seus colegas não-repetentes
(Fonseca; Simões & Formosinho, 2000).
Além das dificuldades de aprendizagem e do insucesso escolar, outras características
dos alunos podem contribuir para explicar os comportamentos anti-sociais dos
adolescentes. É o caso das atitudes negativas, da ausência de vinculação ou da falta
de empenho na escola. No essencial, defende-se que o respeito das normas sociais
depende antes de mais de uma vinculação (forte) aos pais, professores e escola. A falta
de vinculação a essas figuras ou instituições dificultará a interiorização das normas e
valores sociais, bem como o desenvolvimento de sentimentos de empatia relativamente
às outras pessoas (Fonseca, 2002).
Ou seja, tem-se concluído que as atitudes negativas e em especial a fraca vinculação
à escola andam associadas ao comportamento anti-social e à delinquência.
Perante tais dados, parecem justificados os programas de combate à delinquência
que visam aumentar o sucesso escolar e o interesse ou motivação dos alunos (e dos seus
pais) pela escola (Fonseca, 2003; Alexander, 2007). Do mesmo modo, é de esperar que
as escolas com uma política bem definida de combate ao absentismo dos alunos possam
contribuir para uma maior redução da delinquência juvenil e dos comportamentos anti-
sociais em geral.
Em síntese, há indicações de que numerosas características e experiências dos
alunos podem ajudar a explicar as diferenças entre várias escolas que respeita aos
comportamentos anti-sociais (Alberto; Fonseca; Albuquerque; Ferreira & Rebelo, 2003).
Embora em menor número, alguns investigadores têm-se preocupado também em
saber se a escola exercerá um efeito específico para além do efeito dos alunos ou para além
da comunidade em que se situam. Ou seja, a maneira como as escolas estão organizadas
e funcionam também afectará o comportamento anti-social (e pró-social) dos alunos ou,
ao contrário, serão as diferenças frequentemente observadas entre escolas no domínio da
delinquência explicadas simplesmente pelas características que aqueles trazem consigo,
inicialmente, quando entram para a escola? (Ramirez, 2001; Rodriguez, 2007)
Resultados de investigações têm mostrado que há diferenças entre as escolas a
nível da delinquência e que essas diferenças não podem ser explicadas simplesmente
115
Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
por variáveis de natureza individual (Q I, competências verbais) que os alunos trazem
consigo quando entram para a escola. Pelo contrário, tais diferenças estão relacionadas
com o funcionamento da escola, enquanto instituições sociais. Em particular, verifica-
se que as escolas com menos delinquência, melhor rendimento, menos absentismo e
com menos problemas de disciplina são as escolas com bom ethos, ou seja, escolas com
padrões de exigência elevados, as escolas em que os professores fornecem aos alunos
bons modelos de conduta e onde os alunos são reforçados positivamente, as escolas que
inculcam o sentido de responsabilidade, as escolas com regras bem definidas para toda
a gente e que, de modo geral, têm boas condições e onde as aulas são bem preparadas e
administradas (Ramirez, 2001; Rodriguez, 2007).
Alguns estudos têm prestado grande atenção a aspectos muito específicos da
escola: a existência de bandos ou culturas delinquentes entre os alunos, a distribuição
ou concentração dos alunos problemáticos em turmas especiais, o envolvimento das
famílias nas actividades da escola, os modelos pedagógicos (mais ou menos directivos)
utilizados, a formação dos professores ou o desenvolvimento de uma cultura ou sentido
de “comunidade” na própria escola. (Sebastião, 2001; Veiga, 2002, 2007). Qualquer
destes aspectos parece desempenhar um papel importante no (bom) funcionamento
escolar dos alunos e na prevenção ou redução do seu comportamento anti-social e
também da delinquência. De facto, vários estudos têm posto em evidência que programas
de intervenção centrados nas regras da escola, no controlo dos comportamentos ou
disciplina e nos prémios reservados aos comportamento positivos na sala de aula levaram
à redução dos comportamentos anti-sociais (Gottfredson, 2001, citado por Fonseca,
2003, p.20). A escola é, pois, uma instituição que, pela maneira como está organizada
e funciona, pode promover o desenvolvimento social ou delinquente dos seus alunos10.
Assim, diversos factores da escola podem afectar negativamente o desempenho escolar
dos alunos, originar conflitos com colegas e professores, aumentar os riscos de abandono
escolar, facilitar o aparecimento de uma cultura desviante e consequente envolvimento
na delinquência juvenil, dificultar a entrada no mundo do trabalho e reproduzir outras
manifestações de inadaptação social (Gottfredson, 2001, citado por Fonseca, 2003,
p.21).
Naturalmente as implicações destes estudos para a intervenção são consideráveis,
deslocando o centro das atenções do aluno para a própria instituição escolar. De referir o
número crescente de programas de intervenção baseados na escola sobretudo a nível de
prevenção (Fonseca; Simões; Rebelo; Ferreira & Cardos, 1995; Gottfredson, 2001, 2002,
citado por Fonseca, 2003, p.22; Costa & Vale, 1998; Pereira, 2002).
Um destes programas foi levado a cabo por Hawkins e colaboradores (1991, 1992,
citados por Fonseca, 2003, p.22) em Seattle nos EUA e envolveu várias centenas de alunos
116
exedra • nº 2 • 2009
do primeiro ano de várias escolas distribuídos por um grupo experimental e por um grupo
de controlo. O tratamento dado às turmas do grupo experimental era destinado não só
aos alunos, mas também aos pais e aos professores e incluía uma componente importante
de treino de competências. Por exemplo, treinar os pais para reconhecer e reforçar os
comportamentos adequados dos alunos, treinar os professores para organizar bem as
aulas e a disciplina na sala, bem como a ensinar aos alunos competências de resolução
de problemas, utilização apropriada de reforços, etc. Esse treino era ministrado tanto em
casa como na escola. O objectivo era desenvolver e fortalecer a vinculação dos alunos à
escola e à sociedade em geral, na expectativa de que esse vínculo os protegesse das suas
tendências anti-sociais.
Os resultados mostraram que, 18 meses após o fim do programa, os alunos do grupo
experimental eram classificados pelos professores como significativamente menos
agressivos do que os do grupo de controlo. Mas este efeito aparecia apenas no grupo
de rapazes. Além disso, verificou-se que, quatro anos mais tarde, os alunos do grupo
experimental se envolviam menos frequentemente em actividades delinquentes ou no
consumo de droga.
Em Portugal, à excepção de alguns casos pontuais, de algumas experiências de
intervenção e de foro mais preventivo dos comportamentos anti-sociais, em crianças
e jovens em contexto escolar, que têm sido levadas a cabo a nível de escola, poucos
resultados têm sido divulgados. Esta situação deve-se ao facto de, este ser um campo
de análise que em Portugal está agora a começar a conquistar algum terreno a nível da
investigação.
Nos trabalhos que têm sido realizados e publicados sobre o problema da violência nas
escolas, faz-se referência, apenas, a indicações a ter em conta para a implementação de
programas de intervenção e/ou prevenção, como é o caso do trabalho desenvolvido por
Costa & Vale (1998) que, de modo geral, aponta para a necessidade de levar a cabo uma
intervenção bem sucedida e pensada, em função de três níveis relevantes. O primeiro,
diz respeito a cada escola em particular, sendo esta concebida como um contexto (físico,
psicológico e social), com uma vida muito própria e povoada de membros que na sua
diversidade dão uma identidade a esse contexto, que partilham. Assim, a identificação
com esse espaço partilhado deve ser o primeiro passo a dar. Isso passa, por exemplo,
pela distribuição das turmas pelas salas, de modo que cada sala seja sempre ocupada
pela mesma turma; pelo envolvimento dos alunos na definição de regras e na tomada
de decisões respeitantes à vida escolar. O segundo, prende-se com as relações escola-
família e com o envolvimento dos pais na vida escolar. Sendo membros integrantes deste
contexto, podem criar uma forma de reforçar e credibilizar as actuações no seio da escola,
evitando inconsistências que desautorizem qualquer atitude vinda da escola. O terceiro
117
Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
nível centra-se nos professores e funcionários, que deverão ser considerados, aquando da
ocorrência de qualquer intervenção, em resposta às suas necessidades e rentabilizando o
seu papel privilegiado no contacto com os aluno, englobando-se aqui, modalidades tais
como a consultadoria ou a formação, bem como outras estratégias desenvolvidas em
função de situações particulares.
Podemos também referir o estudo levado a cabo por Pereira (2002)11 que apresenta
um programa de intervenção que foi aplicado em duas escolas, uma do 1º ciclo (223
alunos, com idades compreendidas entre os 6 e os 14 anos, distribuídos por 12 turmas)
e outra do 2º ciclo (520 alunos, com idades entre os 9 e os 17 anos, distribuídos por 22
turmas), com o objectivo de reduzir as práticas agressivas. Este programa foi definido a
nível do Projecto Educativo e apresentou características próprias em conformidade com
cada escola, sendo uma proposta que centra a intervenção em três linhas coordenadoras:
a) sensibilização/formação da comunidade educativa; b) melhoramento e diversificação
dos espaços e c) atendimento aos alunos.
Para efeitos de comparação dos resultados obtidos foram avaliadas duas escolas de
controlo, respectivamente do 1º e 2º ciclos, em dois momentos, com um intervalo de
dois anos, os mesmos em que foi implementado o programa nas escolas de intervenção
e usando a mesma metodologia. A autora procurou perceber como é que as escolas
evoluíram da primeira para a segunda avaliação, tendo como referência as escolas de
controlo. Isto é, avaliou qual a tendência registada nas práticas agressivas, dois anos mais
tarde, e o que é que as escolas aproveitaram com a intervenção. Os resultados mostraram
ter havido um sucesso moderado da intervenção, não expresso na redução da vitimação
e da agressão, mas na contenção e na prevenção do aparecimento de novos casos.
Para além destes trabalhos aqui referidos, em Portugal não são conhecidas outras
propostas, nem mesmo outros resultados (positivo ou não) da implementação de medidas
interventivas ou preventivas da violência, entre colegas nas escolas.
4. Possíveis implicações deste tipo de reflexões
Pela necessidade de uma reorganização do modo de funcionamento e da gestão das
escolas, implementando eficazmente medidas de acção, intervenção e prevenção contra
todos aqueles problemas que, na verdade, não se podem ignorar porque persistem no
nosso sistema educativo, pensamos relevante referir algumas implicações politico-
educacionais que, o desenvolvimento de reflexões deste género podem desencadear.
Por outro lado, sendo necessário fomentarem-se formas práticas de, no dia a dia,
no contexto escolar, e de forma continuada, intervir prevenindo situações concretas
de violência, agressão e intimidação entre colegas (resolver problemas já existentes e
118
exedra • nº 2 • 2009
prevenir futuros agravamentos), consideramos também importante nomear algumas
implicações pedagógicas.
4.1. Implicações político-educacionais
De um vasto número de factores possíveis de considerar, advogamos, primeiramente,
uma revisão legislativa no sentido de, respeitando os direitos constitucionais de
todos e induzindo um enquadramento e um valor educativo às medidas de natureza
disciplinar, combater a deriva burocrática e administrativista, permitindo actuações
rápidas e adequadas em caso de transgressão e reforçando nelas o papel do professor,
permitindo-lhe reconquistar algumas das características e mesmo alguns “poderes”
(sociais, profissionais, científicos) que o caracterizavam anteriormente. Embora
estas preocupações estejam contempladas no conjunto de disposições legais em vigor
(expostas no Decreto Lei nº 270/98 e na Lei nº 30/2002), o certo é que, segundo nos
diz Rebelo (2000), o “procedimento disciplinar” destinado a implementar as “medidas
educativas disciplinares” para a “correcção do comportamento perturbador e o reforço
da formação cívica e democrática dos alunos ...”, continua a demonstrar-se ineficaz e
algo inoperante.
Embora o sistema de recrutamento e de colocação de professores contemple já a
permanência dos professores na mesma escola, pelo menos durante três anos, o facto é
que, e em segundo lugar, os professores continuam a estar sujeitos a um certo nomadismo
profissional (que lhes exige uma grande capacidade de saber gerir o cansaço físico e
psicológico que se repercute a nível pessoal, social, afectivo, emocional e profissional)
que não lhes permite satisfazer as necessidades das escolas e das comunidades educativas
em geral.
Em terceiro, e relativamente à formação inicial de professores, importa promover o
desenvolvimento de competências profissionais, pessoais e sociais, através de um plano
curricular específico, que permita a aquisição de noções teóricas e práticas necessárias
à detecção, gestão e resolução de problemas de comportamento, tais como a indisciplina
e a violência interpessoal, que podem estar (normalmente estão) na base de outros
problemas que surgem durante os anos escolares ou, posteriormente, na juventude e
adultez (v.g. problemas de relacionamento social).
O professor (nomeadamente do 1º CEB) tem a responsabilidade acrescida de promover
nas crianças, o mais cedo possível, valores e princípios importantes no relacionamento
interpessoal saudável, prevenindo situações futuras graves. Tem a possibilidade de levar
a cabo importantes programas integradores de mudança, pela sua posição central na
escola. Mas deverá ter a consciência de que não está sozinho e deve manter um trabalho
119
Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
de equipa, em que o Conselho de Turma (que inclui a presença dos delegados de pais
e dos alunos) é o espaço próprio para identificar e resolver larga parte dos problemas.
Colaboração de técnicos treinados/formados (v.g. animadores socioeducativos, psicólogos
escolares, assistentes sociais) que possibilitam meios para que o professor no seu dia
a dia, consiga resolver determinadas situações menos fáceis e saiba a quem recorrer
quando necessário.
Mas, Imprescindível é que os professores e educadores enraízem a ideia de que,
perante determinados problemas, a atitude a tomar é consciencializar-se de que lhes
deve dar toda a atenção possível.
Em quarto, e ainda no plano da organização escolar, salientamos o facto de, uma
escola que apela à colaboração na tomada de decisões estratégicas, para a qualidade
do ambiente interpessoal, respeitando as esferas de competência de cada um (v.g.
Associações de Pais, Associação de Estudantes, representação sindical ou profissional
dos docentes e não docentes e outros parceiros), está mais preparada para lidar com os
problemas.
Uma escola que tem um regulamento interno claro, que responsabiliza cada um pelas
consequências dos seus actos e pelo espírito que deve à comunidade a que pertence, e
que também evidencia e premeia os contributos, mesmo que pequenos, porque valoriza
cada um por tudo o que acrescenta a si próprio e à comunidade a que pertence, é uma
escola mais bem preparada para a educação.
A maior aposta, não apenas na formação inicial dos professores/educadores, mas
também na formação contínua ao longo da sua vida enquanto profissionais da educação,
permite um espírito de maior profissionalismo, que deve ser também promovido nos
professores.
Em quinto, consideramos todos aqueles alunos que se caracterizam por um percurso
escolar de insucesso, desmotivação, faltas às aulas, comportamento indisciplinado e
que, dada a obrigatoriedade escolar, têm de lá permanecer. De facto, apesar das várias
iniciativas em curso, e dos seus resultados positivos, pensamos ser ainda necessário
continuar a propor vias de formação que valorizem mais as diferentes potencialidades
oficinais, laboratoriais, artísticas, desportivas e, inclusivamente, profissionalizantes, dos
alunos, despertando-os para as suas vontades, gostos e necessidades fazendo com que se
possam rever e se sintam valorizados e reconhecidos pela escola. Aprendendo a criar, a
produzir e, acima de tudo, a tirar mais partido da sua passagem pela escola, tornando-se,
inclusivamente, mais capazes de lhe atribuir um outro sentido, o que não acontece nos
moldes actuais da escolaridade obrigatória.
Em sexto lugar, também referimos a importância de, nas escolas, haver mais
120
exedra • nº 2 • 2009
equipamentos, mais espaços renovados e de qualidade e uma adequada dotação do
pessoal não docente, bem como uma reorganização dos espaços escolares que poderá
ajudar a um melhor controlo de movimentos e actividades dos alunos. Tanto que é nos
recreios que ocorre o maior número de episódios de violência entre colegas.
Reconhecemos, então, que todos estes factores, tornar-se-iam mais positivos na
criação de ambientes de trabalho mais harmoniosos e no aumento do amor-próprio e
de amor ao bem comum. E, concluindo este primeiro leque de implicações percebemos
que, por um lado, a aplicação plena de um regime de gestão escolar, com o reforço da
liderança e das margens de liberdade de cada escola na gestão do currículo, ajudará e
estará na base de um bom clima de relações interpessoais saudáveis e harmoniosas; por
outro lado, a criação e a prática de políticas claras de anti-violência proporcionam o
desenvolvimento de um clima de escola saudável e positivo.
4.2. Implicações pedagógicas
Este tipo de implicações resulta do conjunto de situações que no dia a dia e nos
contextos concretos das salas de aula, corredores, recreios, etc..., requerem uma acção
mais ou menos imediata, por parte dos professores, auxiliares e administrativos.
Assim, em primeiro, salientamos que é essencial que as escolas deixem de mostrar
desconhecimento voluntário e involuntário da realidade e falta de investimento no
estudo da questão da violência no seu contexto. Só assim é possível avançar com modelos
de acção prática, com estratégias adequadas, capazes de superar todas as questões que
lhes estão ligadas.
Chamamos a atenção para a importância em ver a escola, cada vez mais, como
um objecto de estudo, considerando a possibilidade do seu papel de moderador ou de
desencadeador de fenómenos de violência. Aqui reconhece-se que é fundamental que
se desenvolva e promova um ethos de escola e uma organização que repudie a violência,
implicando, como já referimos, um clima e uma política de anti-violência claramente
definidas.
Em segundo, apelamos a que os planos curriculares reservem algum espaço para
a execução de projectos e actividades do agrado dos alunos que contemplem os seus
interesses, gostos e ambições. Levando-os a que se sintam emocionalmente mais ligados
à escola e portanto, menos dispostos a envolverem-se em comportamentos negativos ou
anti-sociais. Com o reforço das ideias, valores e princípios que conduzam a um mais fácil
acolhimento deles, por parte dos alunos, passando a ser tidos em conta nas avaliações e
percepções do seu dia a dia.
Em terceiro, a necessidade de se abordarem as questões da violência na escola,
121
Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
entre colegas, contra professores e funcionários, contra a propriedade da escola, etc.
quer de forma natural ou espontânea, quer por meio de medidas curriculares pensadas,
organizadas e lavadas a cabo nesse sentido.
Considerar, portanto, nos currículos escolares a discussão do problema da violência
e das estratégias a adoptar, promovendo uma maior comunicação (entre colegas,
alunos e professores, professores e pais) e uma convivência mais saudável nas escolas,
é proporcionar aos alunos estratégias e formas de pensar o problema, prevenindo ou
minimizando situações problemáticas.
Concluindo salientamos, que qualquer que seja a estratégia adoptada e qualquer que
seja o método a seguir, as escolas e os professores, em conjunto com todas as instâncias,
possivelmente implicadas, devem ter em conta alguns princípios fundamentais:
1º - focar a atenção na resolução do/dos problema(s) (deixando de os evitar e deixando de
pensar que esse é um problema que apenas diz respeito aos outros), sem punições e sem
atribuir culpas a alguém, pois isso poderia avivar a chama da violência;
2º - encorajar as próprias crianças e adolescentes a propor soluções possíveis para o
problema que as afecta (ou seja, em que estão envolvidas), enquanto vítimas ou
agressores;
3º - promover e usar formas de comunicação assertivas, mais do que agressivas ou mesmo
passivas;
4º - assegurar outras iniciativas ou acções imediatas a curto prazo, para resolver o problema
a longo prazo e de forma mais duradoura.
Conclusão
Terminando esta nossa reflexão queremos apenas salientar alguns pontos. Antes de
mais é fundamental conhecer exaustivamente a realidade das nossas escolas, só assim
podemos pensar em formas de agir perante situações que se apresentam com uma certa
incidência e que afectam um número considerável de crianças e adolescentes, com
repercussões académicas, psicológicas e sociais. E, neste âmbito a informação fornecida
pelos próprios alunos pode ser de importância primordial (Parreiral, 2003).
De seguida referimos que não cabe somente à escola (embora esta tenha um papel
importante e interesse primordial) o papel de implementar mudanças nos comportamentos
e nas atitudes das crianças e adolescentes, relativamente à vitimação, agressão e
intimidação. Tratando-se de um fenómeno complexo que necessita de acções mais
eficazes, requer uma acção multivariada com o contributo de diferentes intervenientes
no processo educativo – uma rede alargada de parceiros locais (organizações para jovens,
serviços de cuidados de saúde, polícia, autarquias, tribunais,...) que, em cooperação com
a escola e com a família permite educar, formar e socializar as crianças, adolescentes e
122
exedra • nº 2 • 2009
jovens, e lutar contra a violência na escola.
Conscientes das dificuldades práticas, resultantes de diferentes interesses, objectivos
e/ou métodos de trabalho, de diferentes tradições e mesmo de alguns preconceitos
que têm de ser superados para viabilizar a cooperação de forma regular, referimos a
necessidade de uma legislação que defina claramente onde se deve agir, a quem compete
essa acção e qual o melhor modo de conseguir resultados válidos.
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Notas:
1 Desde o início do século XX que o comportamento agressivo tem sido estudado e tem recebido diversas interpretações teóricas. Entre elas podemos assinalar pelo menos três concepções do ser humano determinado, quer por factores biológicos (v.g. considerando a agressão como um acto instintivo – Lorenz, 1966), quer pela estrutura psicológica e emocional da sua personalidade (v.g. a agressão como uma pulsão de destruição dirigida para o exterior contra outrem – Freud, 1924; a agressão como uma reacção instrumental à frustração – Dollard, Dodo, Miller, Mower & Sears, 1939; e agressão enquanto resultante de diferentes formas de activações emocionais), quer ainda pela aprendizagem e a modelação social (um comportamento agressivo aprende-se como os outros comportamentos sociais, na medida em que ele pode ser objecto de um apoio social ou reforço positivo (aprendizagem instrumental) e de uma valorização da imagem de si (aprendizagem social, porque determinada pela relação a um modelo social que valoriza a conduta agressiva) – Bandura, Ross & Ross, 1961.(Cfr. Fischer, 1992).
2 Entre tais medidas referimos a Lei nº 30/2002 relativa à revisão do Estatuto do
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Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
Aluno, reforçando a autoridade dos órgãos de gestão das escolas e dos professores na tomada de medidas disciplinares de carácter educativo. Implicando a desburocratização dos procedimentos associados à gestão da indisciplina, que são hoje largamente codificados, desvalorizados da autoridade do professor, comprometendo a eficiência educativa. Além disso também reforça a responsabilidade das famílias pela assiduidade e participação efectiva dos alunos na escolaridade obrigatória.
3 A este nível destacamos a edição pelo Ministério da Educação e pela Direcção-Geral da Inovação e de Desenvolvimento Curricular, em Dezembro de 2007, do Módulo Curricular Cidadania e Segurança, que deve ser obrigatoriamente inserido no 5º ano de escolaridade, preferencialmente na área de Formação Cívica, visando assegurar a todas as crianças, num determinado momento do seu percurso escolar, o contacto com as temáticas básicas da segurança e da não violência. Além disso, consideramos também a criação de programas como a escola a tempo inteiro e a ocupação plena dos tempos escolares, a Educação para a Cidadania, a Educação para a Saúde, o Desporto Escolar, entre outros, visando proporcionar às escolas instrumentos de prevenção e plena integração dos alunos no projecto escola.
4 Aqui mencionamos o Programa Escola Segura, cujo regulamento foi aprovado pelo Despacho nº 25650/2006, o Decreto-Lei nº 117/2009 referente à criação do Gabinete Coordenador da Segurança Escolar que, em articulação com o Observatório da Segurança na Escola e com o Programa Escola Segura, concebe, coordena e executa as medidas de segurança no interior das escolas e no perímetro interior da vedação, incluindo a formação de pessoal docente e não docente
5 Podemos considerar que o problema da violência em contexto escolar é mundial e, como prova disso referimos:
a) o 1º Colóquio Mundial sobre Violência Escolar ocorrido em Março de 2001, na sede
da UNESCO, em Paris e que reuniu a participação de investigadores de mais de 26
países europeus, americanos (norte e sul), asiáticos, africanos e do médio oriente e foi
organizado por Eric Debarbieux, sociólogo francês.
b) a 1ª Conferência Mundial sobre a Violência na Escola realizada em 2001, em
Paris. O sucesso representado pela reunião de investigadores e profissionais de 27
países, levou às conferências do Québec (2003) e Bordéus (2005). Esta última acolheu
participantes oriundos de 35 países dos hemisférios norte e sul. Estas conferências
internacionais são o resultado duma federação de investigadores oriundos de
áreas tão diversas como a Psicologia, Sociologia, Ciências da Educação, Criminologia,
etc. A continuidade das Conferências ilustra também o sucesso desta federação.
c) por sua vez, a 4.ª Conferência Mundial sobre “Violência na Escola e Políticas Públicas”,
organizada pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa
e o Instituto de Apoio à Criança, em colaboração com o Observatório Europeu e
Internacional da Violência Escolar, teve lugar nos dias 23, 24 e 25 de Junho de 2008, na
Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
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exedra • nº 2 • 2009
6 Excepção é o estudo de Pereira, Almeida, Valente & Mendonça, 1996, inserido no projecto: “O projecto bullying – a agressividade entre crianças no espaço escolar, onde foram inquiridos 6.197 alunos com idades entre os 6 e os 17 anos e que teve como principais objectivos diagnosticar os níveis de agressão e de vitimação; perceber a influência de factores determinantes das práticas de agressão e vitimação (nível de ensino, sexo, posição social dos alunos) e identificar os tipos de agressões sofridas e os locais onde ocorrem.
Outra excepção é o Inquérito Escola, Família e Amigos (Sampaio, 1996), no âmbito do Programa de Promoção e Educação para a Saúde, que teve como principal objectivo conhecer o que pensavam e sentiam os adolescentes portugueses integrados no Sistema Educativo, onde foram inquiridos 10.095 alunos, com idades entre os 13 e 19 anos a frequentarem o 8º, 9º, 10º e 11º anos de escolaridade. Pela extensão da amostra e pelo seu carácter nacional, o estudo revelou-se importante para o melhor conhecimento da população que frequenta as escolas portuguesas, no que diz respeito, não só a variáveis demográficas, mas também à sua vivência pessoal, de modo generalizado, e à vivência escolar, de modo particular.
Outro trabalho realizado em Portugal foi o de Costa & Vale (1998), essencialmente de carácter exploratório, incidiu numa amostra nacional de 142 escolas dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, num total de 4925 alunos, distribuídos pelos 8º e 11º anos de escolaridade. E teve como objectivos caracterizar e compreender os factores envolvidos da génese e manutenção do que é considerado violência nas escolas portuguesas.
Por fim referimos os estudos de Carvalhos, Lima & Matos (2001) e Matos & Carvalhosa (2004, 2005) que, com amostras nacionais representativas nos mostram que, nas escolas portuguesas, existem taxas elevadas de comportamentos de Bullying, fenómenos que continuam a ser, muitas vezes, despercebidos na sua verdadeira extensão e expressão.
7 Limitações que se prendem com uma certa dificuldade em definir o objecto de estudo, uma vez que não é fácil diferenciar os vários conceitos possíveis de estar numa mesma área de estudo (comportamento agressivo, violência, ameaça e intimidação, comportamento disruptivo ou outros).
8 Dificuldades resultantes de uma certa confusão de conceitos (mesmo a nível do senso comum), da difícil transformação desses conceitos em unidades observáveis e da consequente dificuldade na recolha de dados.
9 Concretizada com o sucessivo alargamento da escolaridade obrigatória que passou de 4 para 6 anos de escolaridade e, mais tarde para 9 anos, com obrigatoriedade de frequência da escola até aos 15 anos de idade, passando a ser a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro) que estabelece o novo quadro geral do sistema
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Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...
de ensino português. Além disso, no passado dia 23 de Abril de 2009, foi aprovada em Conselho de Ministros uma proposta de lei que consagra o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos e a idade de frequência de instituições de ensino ou formação até aos 18 anos, bem como a universalidade e gratuitidade da educação pré-escolar para crianças com 5 anos de idade.
10 Numa síntese da literatura recente sobre esse tópico, Gottfredson (2001, citado por Fonseca, 2003, p.21) conclui que as escolas com mais problemas de insucesso e/ou com mais problemas de comportamento ou indisciplina se caracterizam, entre outras coisas, por regras pouco claras, injustas e sem consistência na sua aplicação; respostas ambíguas ou contraditórias às transgressões; descoordenação das reacções a essas transgressões por parte dos professores; desinteresse dos docentes face à indisciplina; percepção das regras como injustas pelos professores; falta de cooperação entre o corpo administrativo e o corpo docente bem como certas características de natureza mais estrutural, tais como grandes dimensões da escola; ratio professor/alunos; e falta de recursos materiais e educativos .
11 Este estudo decorreu de um projecto português que tem vindo a estudar os comportamentos agressivos no meio escolar (Pereira; Almeida; Valente & Mendonça 1996), integrado num projecto bilateral, Portugal/Reino Unido, que em Portugal assumiu a designação de “Projecto bulling, a agressividade entre crianças no espaço escolar”, o qual já foi referido nesta dissertação.
Correspondência
Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral
Escola Superior de Educação de Coimbra
Praça Heróis do Ultramar – Solum
3030-329 Coimbra, Portugal
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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o
Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
Vera do Vale
Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra
Resumo
A educação de infância surge como uma importante estratégia de prevenção ao ajudar as crianças a desenvolver com segurança as suas competências sociais e emocionais. Por seu lado os educadores devem estar conscientes da importância da competência social e dos comportamentos interpessoais como requisito essencial para uma boa adaptação da criança, tanto no presente, como no seu desenvolvimento futuro.
Este artigo desenvolve-se em torno da reflexão acerca do desenvolvimento das competências sociais e emocionais das crianças em idade pré-escolar.
Palavras-chave
Competência emocional, Competência social, Educação de infância
Abstract
In this article, we present a reflection about the development of social and emotional competence in preschool age. Research provides extant evidence of the relation between social competence, mental health and academic success. The interpersonal contributors and the relational context in which socialization takes place is also considered. Finally, extant information is detailed on the modeling, contingency and teaching mechanisms of socialization of emotions.
Key-words
Emotional competence, Social competence, Early childhood education
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1. A Educação socio-emocional no jardim de infância
A instituição Escola tem tido a seu cargo a tarefa de desenvolver nas crianças mais
novas competências ao nível da leitura, da escrita e da matemática. Mas é também missão
da escola preparar as crianças para desempenharem com sucesso os múltiplos papéis que
as esperam no futuro. Com esta carga acrescida, a escola tem que alargar o seu âmbito
de esforços para incluir outra gama de competências, como seja ajudar as crianças a
desenvolverem atitudes pessoais, valores, competências interpessoais que sirvam, então,
de sustentáculo para os papéis que elas irão ter que assumir: serem estudantes, colegas,
amigos, membros de uma comunidade, pais. De entre estas competências prefiguram-se
as competências socio-emocionais.
Saarni (1999, p. 57) define a competência emocional como a “demonstração da
eficácia pessoal nos relacionamentos sociais que evocam emoção”. Esta definição
desmistifica um pouco a complexidade da competência emocional, e fala da eficácia
pessoal aplicada aos relacionamentos sociais, como sendo a capacidade de alcançar um
resultado desejado. Quando a eficácia pessoal é aplicada aos relacionamentos sociais, a
pessoa pode, ao mesmo tempo que reage emocionalmente, aplicar os seus conhecimentos
e a sua significação sobre as emoções. Fica assim implícito que as reacções emocionais
estão imbuídas de um significado social: “a competência emocional é inseparável do
contexto cultural” (Saarni, op. cit, p. 58). Toda a nossa relação social influencia as nossas
emoções e, por sua vez, as nossas emoções influenciam os nossos relacionamentos.
Saarni defende ainda que como a competência emocional está ligada a conceitos como
compaixão, autocontrolo, justiça e senso de reciprocidade, também não se pode separar
competência emocional do senso moral.
A principal tarefa que se impõe a uma criança que entra no jardim de infância é
precisamente a competência emocional para gerir as suas emoções que, por sua vez, se
encontra directamente relacionada com as interacções sociais, as quais são fundamentais
para o aumento da capacidade de relacionamento com os outros (Saarni, 1990).
Para maximizar a competência social é necessário perscrutar cuidadosamente
como é que a competência emocional permite à criança mobilizar recursos pessoais e
ambientais, para se relacionar com os seus pares. Sabe-se que, se uma criança mostrar
determinados padrões de expressividade ela é provavelmente mais pró-social do que
outra que esteja sempre triste ou zangada, pois provavelmente esta estará mais sozinha.
As crianças que percebem melhor as emoções têm mais relações positivas nas suas
interacções com pares. Os que percebem as emoções dos outros, interagem com mais
sucesso, quando um amigo se magoa ou está zangado. A criança que consegue falar das
suas emoções é também melhor a negociar as disputas entre os seus pares (Denham,
1998). Esta percepção emocional ajuda a criança a reagir adequadamente, e a capacidade
131
Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
de regular as emoções ajuda-a a ter mais sucesso junto dos pares.
A educação pré-escolar surge, então, como uma importante estratégia de prevenção
para ajudar as crianças a desenvolverem com segurança as suas competências sociais e
emocionais. Estas competências incluem a auto-consciência, o controlo dos impulsos, a
empatia, a escolha de perspectiva, a cooperação, a resolução de conflitos, e tornam-se
ferramentas-chave quando a criança na adolescência tem que fazer face a apelos, por
exemplo, ao uso de substâncias ou à violência.
Analisando alguns dos programas dedicados à educação socio-emocional (Bisquerra,
2000; Goleman, 1997; Vallés & Vallés, 2000) encontrámos objectivos gerais recorrentes
que agrupámos em cinco categorias:
1. Auto-consciência emocional: adquirir um melhor conhecimento das próprias emoções, reconhecer as diferenças entre sentimentos e acções e compreender as causas dos sentimentos;
2. Gestão das emoções: desenvolver habilidades para controlar as próprias emoções, prevenir os efeitos prejudiciais das emoções negativas (por exemplo, melhorar a capacidade para expressar verbalmente a ira sem lutar), desenvolver habilidades de resistência à frustração, desenvolver habilidades para gerar emoções positivas;
3. Controlar produtivamente as emoções: desenvolver habilidades de auto-motivação, maior capacidade de concentração nas tarefas e maiores responsabilidades, desenvolver a capacidade de saber esperar por recompensas a longo prazo em detrimento de recompensas imediatas;
4. Empatia: desenvolver a capacidade de aceitar a perspectiva do outro, desenvolver sentimentos de empatia e sensibilidade com os outros, e desenvolver a capacidade de escuta;
5. Gerir relacionamentos: desenvolver competências para resolver conflitos e negociar acordos, desenvolver a capacidade de cooperação, de partilha e de ajuda.
Todos estes objectivos têm como convergência o aumento das capacidades sociais
e de relações inter e intrapessoais satisfatórias, melhor adaptação escolar, social e
familiar, bem como a diminuição de pensamentos auto-destrutivos e violentos, o que
ajuda a construir uma boa auto-estima na criança. Assim, a educação socio-emocional
toma a forma de prevenção primária para uma conduta anti-social, tentando minimizar
a vulnerabilidade às disfunções.
Mas uma questão se impõe: É a educação emocional mais uma área de conteúdo a
somar às já existentes na educação pré-escolar? Apesar de termos tido acesso a vários
programas de educação emocional, que se encontram implementados sobretudo nos
132
exedra • nº 2 • 2009
EUA, e com ganhos positivos em termos de resultados, defendemos que os conteúdos da
educação emocional devem ser integrados, de forma transversal, nas práticas curriculares
para a educação pré-escolar. Se a educação socio-emocional é vista como um processo
contínuo e permanente, não pode ser determinado um horário durante a semana para
ensinar às crianças a gestão emocional. Até porque no seio de um grupo de crianças,
as emoções são transmitidas tanto do adulto para a criança, como da criança para o
adulto, como de criança para criança. Muitos educadores não se dão conta, por vezes,
dos sinais aos quais as crianças são mais susceptíveis, muito menos das circunstâncias
que provocam respostas emocionais nas crianças. O próprio ambiente físico (estrutura
da sala, mobiliário, luz, acústica, ventilação) pode estimular emoções de prazer ou de
raiva. O mesmo se passa em termos da atmosfera da sala, do tom de voz do educador,
do barulho, do tamanho do grupo, das informações ou das pistas visuais que o educador
transmite.
Por outro lado, as crianças acreditam que o educador sente aquilo que demonstra e
é no seu comportamento que elas se vão concentrar. Até ao período da adolescência as
crianças não compreendem situações emocionais complexas, nem tão pouco percebem
as explicações que se possam dar sobre determinadas intenções que não são visivelmente
explícitas. É na primeira infância que as crianças aprendem a rotular as emoções, mas só
muito mais tarde aprendem a distinguir as manifestações emocionais comportamentais.
Se alguém assume um tom de voz assustador, a criança interpreta isso como uma emoção
de raiva, por mais explicações que se possa dar em contrário.
Também as investigações longitudinais que têm vindo a ser feitas demonstram que
existe uma relação entre a competência social na infância e o posterior desenvolvimento
psicológico e académico. As relações interpessoais são a mais importante fonte de
gratificação e prazer para a maioria das pessoas de todas as idades, traduzindo-se em
solidão e angústia a incapacidade de iniciar e manter essas relações (Ladd, 1990, citado
por Katz & MacClellan, 1997).
2. O educador e o desenvolvimento de competências socio-emocionais na criança
É fundamental que os currículos destinados à educação pré-escolar contemplem
o desenvolvimento das competências socio-emocionais e que os educadores se
consciencializem da sua importância vital e criem um ambiente propício à sua
implementação.
O desenvolvimento de competências socio-emocionais no pré-escolar é vital para as
crianças por várias ordens de razões: 1º porque é na infância que as crianças se encontram
mais permeáveis a este tipo de aprendizagens; 2º porque as crianças passam muito do
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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
seu tempo diário em contextos de atendimento à infância; 3º porque os educadores
podem evitar problemas de comportamento antes de eles aparecerem e estimular, assim,
o crescimento social saudável das crianças, mesmo daquelas com menor habilidade ao
nível do desenvolvimento social.
Um bom programa ao nível do desenvolvimento das competências sociais deve
permitir às crianças um alto grau de liberdade, ao mesmo tempo que mantém um certo
controlo por parte do educador (Marison, 1990, citado por Spodek & Saracho, 1998),
pois a forma de disciplina usada com a criança influencia o tipo de pessoa em que
ela se vai tornar. Os educadores que sistematicamente colocam limites às crianças e
dizem como elas se devem comportar, sem explicarem o porquê desse comportamento,
transmitem unicamente que o bom comportamento radica na aceitação das ordens e da
autoridade. Por outro lado, as crianças a quem não são postos limites podem ser levadas
a pensar que apenas os seus desejos determinam o que é o comportamento adequado.
“O desenvolvimento de um comportamento disciplinado requer o uso de habilidades
intelectuais” (Spodek & Saracho, 1998, p. 157). Por outras palavras, as crianças devem
usar as competências cognitivas para perceber o mundo social, ter consciência dos
padrões sociais aceitáveis e do seu uso nas diferentes situações. Só assim se podem
desenvolver como indivíduos autónomos e conscientes das liberdades e dos limites.
Os autores citados apontam, mesmo, algumas directrizes que os educadores de
infância devem observar numa abordagem disciplinar baseada no uso da razão. Assim,
é importante que as crianças saibam que comportamentos são esperados delas. Um
comportamento inadequado pode resultar do desconhecimento da regra, pelo que as
instruções a dar à criança devem ser claras e repetidas em vários contextos, para que ela
as perceba. Depois, e não menos importante, as crianças necessitam saber o porquê dessas
regras, mesmo que não as percebam na sua totalidade e de imediato. É também necessário
que as crianças possam ter oportunidades de observar e praticar o comportamento
adequado pois, como referimos, esta faixa etária é permeável à aprendizagem por
imitação. Outra das directrizes apontada alerta para o facto de as crianças não serem
adultos, o que, sendo embora óbvio, não é muitas vezes suficientemente considerado
pelos educadores, que tendem a esperar da criança comportamentos que ultrapassam as
suas possibilidades. Na verdade, os educadores devem desenvolver expectativas razoáveis
quanto ao comportamento das crianças, e também não esperar que elas se portem
adequadamente o tempo todo. Os educadores, por seu turno, devem ser coerentes no
seu próprio comportamento, pois transmitem, mesmo inconscientemente, mensagens
às crianças sobre o que é aceitável ou não.
Holtz (1972, citado por Spodek & Saracho, 1998) refere três tipos de disciplina que
pode ser encontrada pela criança: disciplina da natureza, em que as crianças aprendem
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exedra • nº 2 • 2009
como as coisas funcionam; disciplina da sociedade, em que as crianças aprendem como
os adultos se comportam nos ambientes sociais; e disciplina coerciva, que é imposta
pelos adultos para proteger as crianças das consequências dos seus actos que ainda não
podem antecipar.
3. Implementação de uma disciplina positiva
A problemática apresentada leva-nos à questão de saber qual deve ser a actuação
do educador numa perspectiva de disciplina positiva. O estilo e a actuação do educador
devem pautar-se pela sua forma de agir e pela sua moral, em consonância com as
estratégias de gestão de comportamento por si implementadas. Entende-se aqui a moral
como o sentimento que o educador tem sobre a sua dedicação profissional, baseado
na percepção que tem de si mesmo e na sua capacidade de organização (Washington &
Watson, 1976).
Posada e Pires (2001) definem o “professor positivo” como alguém que espera que os
seus alunos consigam altos objectivos, proporcionando-lhes oportunidades significativas
para resolverem os seus próprios conflitos e levando-os a reconhecer as suas condutas
positivas. Gardner (1993) acrescenta que os professores deveriam tomar consciência que
o ponto de partida para o processo de aprendizagem não deve ser tanto o currículo, mas
sim a experiência e a complexidade das estruturas conceptuais que os alunos trazem
para a sala de aula.
Um estudo levado a cabo por Stipek, Daniels, Galguzzo e Milburn (1992, citados
por Formosinho, Katz, MacClellan & Lino, 1996), em que analisaram programas com
crianças pobres e de classe média, permitiu classificar esses programas com base em
duas dimensões: clima social positivo e directividade do professor. Os dados deste estudo
mostraram que os programas com cotações mais elevadas na directividade do professor
são aqueles que têm mais baixas cotações no clima social positivo, sugerindo que a
tónica colocada nas aprendizagens académicas e na directividade do professor parece
impedir um clima social positivo. Por outras palavras, quanto maior for a ênfase posta na
instrução académica, menor será a ênfase nas relações sociais positivas entre professores
e crianças.
Grande parte dos estudos efectuados nesta área apela para a importância do
estilo de interacção do professor, pois o estilo de interacção faz-se sentir ao nível do
desenvolvimento e das várias aprendizagens da criança.
Na verdade, para implementar uma disciplina positiva é fundamental que o
educador se questione acerca das suas práticas educativas, do seu sentido de autoridade,
da sua segurança e capacidade de gerir e controlar problemas de comportamento na
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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
sua sala, e que reflicta, inclusivamente, sobre a sua auto-estima. É importante que o
educador procure criar uma atmosfera educativa positiva, pois a criança constrói a
sua personalidade através da imitação e das vivências que lhe são proporcionadas. “O
ambiente positivo tem o seu enfoque no nível de coesão da relação entre o educador
e a criança” (Rutter, Maughm, Mortimor, Ouston & Smith, 1979, citados por Posada
& Pires, 2001, p. 201). O educador é, assim, o modelo por excelência no contexto de
jardim de infância, sendo muitas vezes a segunda figura de vinculação. Logo, o ambiente
é um factor por excelência, para que a criança se sinta bem consigo própria, seja aceite
e estabeleça relações de empatia com os outros, o que contribuirá decisivamente para a
consolidação de uma auto-estima positiva. Assumindo uma postura flexível e dialogante,
ajudando as crianças a exprimirem as suas emoções, dando relevância às opiniões das
próprias crianças e fomentando momentos de partilha de vivências e experiências, o
educador estará a contribuir para a maturação da criança e para a construção do seu
controlo interno.
3.1. Atitudes do educador positivo
Para Posada e Pires (2001), o educador positivo é aquele que compreende e aceita
as razões que a criança manifesta através do seu comportamento sem as sancionar, mas
fazendo com que a criança entenda, se for caso disso, que a sua forma de agir não foi a
mais correcta. Deve ter uma atitude de orientador, indicando o caminho a seguir, mas
respeitando a liberdade de cada um, tendo a consciência que é também um modelo para
as crianças, mas não no sentido de imposição de condutas. É no entanto fundamental
estabelecer limites à liberdade, ajudando a criança a desenvolver a capacidade de se
colocar no papel do outro. Esta atitude em concreto permite à criança desenvolver a
sua consciência social. Saber esperar é uma das regras vitais, tanto do ponto de vista
cognitivo como emocional. A espera facilita o pensamento e a reflexão, além de promover
a interiorização dos sentimentos e a sua adequada exteriorização.
O educador, na opinião dos mesmos autores (op. cit.) deve ter uma atitude positiva
na interacção com as crianças, não fomentando a crítica, evitando as acusações e todo
o tipo de comportamento vexatório ou que, de alguma forma, possa contribuir para a
sinalização individual de uma criança, quer seja de forma directa, mediante insultos
ou humilhações frente ao grupo, quer de forma dissimulada, através de linguagem não
verbal. Mantendo uma atitude positiva, o educador pode contribuir para que as crianças
desenvolvam uma imagem positiva de si próprias, estimulando uma atitude cooperativa
entre elas. É ainda fundamental que o educador apresente alternativas às suas negações,
além das possíveis explicações, pois ensina também às crianças quando dizer “não”.
Um dos objectivos fundamentais que preside à actuação do educador prende-se com
136
exedra • nº 2 • 2009
a promoção da motivação intrínseca. É crucial que, desde cedo, se fomente na criança
a capacidade de tomar decisões e assumir as consequências das decisões tomadas. É
necessário criar um clima emocional adequado que permita que as crianças exprimam
as suas emoções, ajudando-as também a expressá-las, pois daí deriva uma melhor
compreensão das crianças, uma melhor integração do grupo, uma melhor predisposição
para a aprendizagem, uma maior harmonia ao nível do sistema de relacionamentos,
um crescimento da auto-estima e o bem-estar geral. É necessário que o educador seja
sempre claro e mostre firmeza (não confundir com rigidez) e decisão na transmissão de
mensagens, e prepare as crianças para as transições que ocorrem ao longo da actividade
educativa, promovendo também momentos de busca e descoberta por parte das crianças,
pois, desta forma, está a contribuir para a autonomia e independência das crianças como
pessoas e como alunos que têm ainda que percorrer uma longa vida académica.
4. Os problemas emocionais e o comportamento anti-social
4.1. As dificuldades sociais
Como já referimos, a aceitação e a popularidade parecem jogar um papel importante
na socialização infantil. As capacidades sociais proporcionam às crianças uma forma
de dar e receber recompensas sociais positivas, as quais vão, por sua vez, aumentar a
interacção social.
Um leque variado de estudos tem vindo a demonstrar, no entanto, que há crianças
que não conseguem atingir uma competência satisfatória nas suas relações sociais, ou
porque não adquiriram competências ou porque simplesmente não as conseguem usar
com confiança, o que as vai tornar socialmente retraídas ou mesmo rejeitadas.
Um estudo levado a cabo por Corsaro (1985, citado por Katz & MacClellan, 1997)
concluiu que no jardim de infância uma grande percentagem da interacção social que
as crianças estabelecem entre si diz respeito à tentativa de entrar em grupos de jogos
apelando a que a criança faça, assim, uso das suas capacidades de participação e sucesso
social. Há, no entanto, outros comportamentos ligados com a capacidade social e com
a aceitação, como o dar atenção aos outros, o solicitar informações, ou até o contribuir
para uma discussão em grupo (Bierman & Furman, 1984; Coie & Krehbiel, 1984; Gottman
& Schuler, 1976; Mize & Ladd, 1990; todos citados por Katz & MacClellan, op. cit.).
Algumas crianças entram no jardim de infância desprovidas deste repertório de
capacidades e vão sentir grandes dificuldades. Por vezes, a causa pode encontrar-
se ao nível do controlo dos impulsos, que ainda é feita deficientemente, o que leva a
que não sejam bem sucedidas nas interacções respeitantes à resolução de conflitos.
Outras crianças desconhecem, ou não experienciaram ainda, interacções sociais com
137
Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
pares. Há crianças que têm o seu primeiro relacionamento com outras crianças só no
jardim de infância, e que por isso desconhecem estas estratégias. No entanto, outras há
que apesar de já terem adquirido determinadas capacidades sociais não as usam com
confiança a fim de serem bem sucedidas. Mas a causa pode ficar a dever-se, também, à
falta de capacidade para exprimirem os seus sentimentos e desejos ou à dificuldade em
explicar as razões das suas preferências. Por fim, há crianças que são tão dependentes do
adulto que interrompem constantemente qualquer brincadeira para pedir ajuda (Katz &
MacClellan, op. cit.).
Todas estas causas podem repercutir-se no comportamento da criança, e encontramos
crianças que sistematicamente se recusam a cumprir rotinas ou que rejeitam normas do
jardim de infância. Estes comportamentos não cooperativos, podem, no entanto, ter uma
explicação que pode ser exterior à vida no jardim de infância, sintoma de que existe uma
perturbação emocional, ou podem derivar de um desajuste entre a própria criança e a
instituição pré-escolar.
Mas outras razões poderemos elencar como estando directamente ligadas com a
forma de organização e gestão do processo educativo que se desenvolve dentro do jardim
de infância. Senão vejamos. O próprio clima que aí é vivido, quer seja autoritário, quer
seja permissivo, pode levar a comportamentos pouco colaborativos das crianças ou até a
manifestações de problemas sociais entre elas. O ambiente pode ser mesmo considerado
como um segundo educador. Montessori (1964, citada por Katz & MacClellan, op. cit.)
defendia que se devia preparar o ambiente, pois as crianças respondem em função
do meio que as rodeia, o que pode ter importantes efeitos no seu desenvolvimento
intelectual, social e espiritual. Barker (n.d., citado por Posada & Pires, 2001), um dos
pioneiros da psicologia ambiental, refere que os ambientes são “sinomórficos”, assumem
a personalidade das pessoas que os constroem, pelo que o clima afecta as condutas dos
sujeitos. O mesmo se passará em relação às normas. Se a criança não tiver participado na
sua discussão e elaboração, elas poderão não ter qualquer significado para ela, podendo
ocasionar a manifestação de comportamentos disruptivos. As próprias actividades podem
não ter qualquer relevância para a criança, podendo ser tão rotineiras que não despertam
qualquer interesse, ou estarem tão desfasadas do seu nível de desenvolvimento que
geram perturbações. As transições entre as actividades podem ainda não ser perceptíveis,
gerando confusão. Outro factor pode estar ligado à falta de respeito pelas diferenças
individuais, nomeadamente no que se refere às crianças que necessitam de mais tempo
para realizar as tarefas. Mas, o facto de surgirem dificuldades sociais na sala pode também
indiciar que as crianças são novas demais para passarem um tão grande número de horas
num contexto onde existem mais crianças. Caberá ao educador procurar minimizar o
stress que as crianças possam sentir quando estão em grupos de pares durante muito
tempo (Katz & MacClellan, 1997).
138
exedra • nº 2 • 2009
A investigação sugere ainda que com a idade não melhora a falta de competência social
de muitas crianças. As crianças não assertivas mantêm os seus défices de habilidades
sociais na vida adulta. Michelson, Sugai, Wood e Kazdin (1997) falam em dois tipos
de défices sociais. Por um lado, temos as crianças passivas, com um comportamento
tímido, isolado e quase letárgico, que não estabelecem interacção com os companheiros,
podendo essas respostas passivas provocar sentimentos de insuficiência, depressão e
incompetência, resultando num baixo nível social. Ora parece provado que a popularidade
está associada ao êxito escolar, bem como ao desenvolvimento cognitivo e emocional
(Hartup, 1970). Vários estudos, analisados por Gottman, Gonso e Rasmussen (1975,
citados por Michelson, Sugai, Wood, & Kazdin 1997), levaram à conclusão de que havia
uma estreita relação entre a popularidade e o posterior funcionamento na vida adulta,
sendo as crianças pouco populares as que mais recorriam ao apoio psiquiátrico na vida
adulta. Encontra-se, assim, uma correlação entre o comportamento passivo e processos
de má adaptação na vida futura. No outro extremo dos défices sociais, encontram-se as
crianças que apresentam um comportamento dirigido ao exterior e que são, tipicamente,
agressivas e não cooperativas. Estas crianças fracassam quando tentam demonstrar
capacidades sociais para levar a cabo interacções sociais efectivas. Comportam-se de
uma forma que é reprovada pelos outros, e que conduz à humilhação e à baixa auto-
estima. Estas crianças apresentam dificuldades escolares, obtendo níveis mais baixos do
que os colegas, manifestando, na vida adulta, uma maior incidência de comportamento
anti-social.
4.2. O comportamento anti-social
O comportamento anti-social é entendido como um padrão de violações dos direitos
dos outros ou das normas de uma determinada sociedade (Fonseca, 2001). Vários estudos
longitudinais apontam para uma continuidade intergeracional dos comportamentos
anti-sociais e algumas das explicações que têm sido avançadas estão ligadas com a
modelação de comportamentos, influência genética, atitudes dos pais em relação a esses
comportamentos e influências do meio partilhado.
As consequências negativas do comportamento anti-social da criança não se
expressam na sua vida futura apenas sob a forma de agressividade, delinquência ou
criminalidade. Elas podem tomar formas mais diversificadas, como o abuso físico dos
filhos e dos cônjuges, a instabilidade no emprego, o abuso de drogas, a propensão
para acidentes, a promiscuidade sexual, entre outras. Zoccolillo (1992, citado por
Fonseca, 2001) verificou que uma grande percentagem de indivíduos com distúrbios
de comportamento na infância apresentava, mais tarde, problemas de adaptação social,
como sejam as dificuldades de relacionamento interpessoal, de adaptação ao trabalho e
139
Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
conflitos na família. Já Gluek e Glueck (1950) haviam verificado, através de um estudo
longitudinal, o comportamento anti-social na criança se revelava um bom preditor do seu
estatuto educacional, económico, profissional e familiar 18 anos mais tarde. Constata-
se, assim, que a ideia generalizada de que o comportamento anti-social é um fenómeno
típico da adolescência e se resolve com o tempo, não é tão linear quanto isso.
Estes estudos permitiram também chegar à conclusão de que há vários factores que,
de modo directo ou indirecto, contribuem para o aparecimento e a continuidade dos
problemas anti-sociais. Fonseca (2001) apresenta-os classificados em três categorias:
factores individuais (micro-sistemas); factores psicossociais (mesosistema) e factores da
comunidade ou sócio-culturais (exosistema).
Iremos, resumidamente, fazer alusão a estas três categorias, que têm estado, de
alguma forma, presentes ao longo deste artigo.
4.2.1. Factores individuais
Durante muito tempo a tónica foi posta nos factores de ordem social e cultural, mas
actualmente, fruto das recentes investigações, regista-se uma viragem para os factores
de natureza individual, os quais apresentam uma imensa diversidade que tem levado a
várias propostas de classificação. Nas últimas décadas, os factores que têm suscitado
mais investigações têm sido o temperamento, a hiperactividade, e a idade precoce dos
primeiros comportamentos anti-sociais.
No que se refere ao temperamento, Caspi (2000), baseando-se em estudos
longitudinais de Dunedin, chegou à conclusão que, comparadas com colegas sem
problemas de temperamento, as crianças com temperamento difícil tinham 2.9 vezes
mais probabilidades de terem um diagnóstico de personalidade anti-social, 2.2 vezes mais
a probabilidade de se tornarem criminosos reincidentes e 4.5 vezes mais a probabilidade
de serem condenados por crimes violentos. Entre as características ou dimensões do
temperamento que se encontram associadas a futuros problemas do comportamento
encontram-se a emocionalidade, a resistência ao controlo, a fraca auto-regulação e a
impulsividade (Sanson & Prior, citados por Fonseca, 2001).
No que se refere à hiperactividade, a posição dominante aponta para que ela constitui
um dos factores de risco mais importantes do comportamento anti-social. Satterfield
(1987) verificou que um grupo de crianças diagnosticadas como hiperactivas apresentava
mais tarde, aos 17 anos, taxas significativamente mais elevadas de comportamento anti-
social do que indivíduos de um grupo de controlo normal. Moffitt (1990) verificou que
a hiperactividade aparecia associada às formas mais graves de comportamento anti-
social.
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exedra • nº 2 • 2009
Quanto aos problemas de cognição social, existe também um conjunto de
investigações recentes que mostram que os indivíduos agressivos se diferenciam dos seus
pares bem adaptados na maneira como processam e utilizam a informação relativa às
outras pessoas, pois têm tendência, por exemplo, na fase de codificação, a terem mais
sensibilidade aos sinais de agressão, na interpretação, a atribuírem intenções hostis, na
procura de eventuais respostas, acesso mais fácil a respostas agressivas, na escolha de
um determinado tipo de respostas, consideram como aceitável uma resposta anti-social
e finalmente, na execução dessa resposta, a incapacidade de utilizar respostas verbais
e problemas de auto-controlo (Fonseca, 2001). Mas, as diferenças não se reportam só à
fase inicial do processamento de informação, pois estes indivíduos também apresentam
um repertório reduzido de estratégias de resolução de conflitos.
No que se refere à idade precoce do aparecimento dos primeiros comportamentos
anti-sociais, os estudos apontam para que se trata de um bom preditor da continuidade
desses comportamentos através da infância e adolescência. Loeber e Southamer
(1986, citados por Fonseca, 2001) referem como preditores da delinquência juvenil os
distúrbios de comportamento da criança e White, Moffitt, Earls, Robins, e Silva (1990)
verificaram que os problemas avaliados pelos pais, entre os 3 e os 5 anos, discriminavam
bem os indivíduos delinquentes aos 11 anos. Com base nos estudos realizados nesta área,
foi proposta uma classificação dos comportamentos anti-sociais que aponta para duas
categorias: uma com início precoce, com comportamentos mais graves e mais resistentes
à intervenção, e outra de início tardio ou durante a adolescência (Hinshaw et al. 1993;
Moffitt; 1993, citados por Fonseca, 2001).
4.2.2. Factores psicossociais
No campo dos factores psicossociais têm tomado particular relevo as variáveis ligadas
à família, à escola e aos colegas.
Na família, as características que têm sido identificadas prendem-se com o baixo
nível económico, o baixo nível escolar dos pais, os lares desfeitos, a falta de competências
educativas dos pais, a hostilidade, os estilos coercivos, conflitos no casal, modelos
criminosos na família, e a psicopatologia dos pais, entre outros. Contudo, desta panóplia
de variáveis as que se têm revelado mais determinantes têm sido a falta de competências
parentais, as interacções hostis e coercivas com a utilização inconsistente de prémios
e castigos, as falhas de comunicação entre pais e filhos e a existência de modelos anti-
sociais na família (Fonseca, 2001).
Outra das variáveis que tem sido objecto de bastantes estudos é a escola. Rutter e
colaboradores (1979, citados por Fonseca, op. cit.) mostraram que a escola, através do
141
Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
seu funcionamento, contribui efectivamente para a ocorrência de comportamentos anti-
sociais no aluno. Vários aspectos têm sido considerados responsáveis pelo despoletar de
comportamentos anti-sociais, desde o recurso a estratégias pedagógicas e disciplinares
demasiado coercivas ou demasiado laxistas face aos alunos, baixas expectativas em
relação aos progressos dos alunos, até à falta de motivação dos professores.
A influência dos colegas é outro dos factores psicossociais que tem influência no
agravamento dos comportamentos anti-sociais. No entanto, a questão que se coloca é a de
saber se de facto há uma influência dos pares delinquentes na origem do comportamento
anti-social, ou se em primeiro lugar os indivíduos procuram colegas delinquentes de
acordo com as suas próprias tendências. Thornberry (1993, 1998, citado por Fonseca,
op. cit.) mostrou que a entrada num gang aumenta efectivamente a probabilidade de
cometer actos delinquentes, e o seu abandono leva à diminuição do crime violento. Esta
influência do grupo pode exercer-se através de um aumento na auto-estima, partilha de
valores anti-sociais, pressão dos colegas, conquista de um estatuto superior dentro do
grupo ou benefícios da actividade do grupo.
4.2.3. Factores sociais e culturais
Os factores sociais e culturais mais referidos na literatura são a pobreza, a violência,
o desemprego, a insegurança na comunidade e de uma forma geral a desorganização
social na comunidade. Na verdade, encontram-se taxas mais elevadas de comportamento
anti-social nas zonas desfavorecidas das grandes cidades, particularmente quando há
falta de coesão e controlo social (Sampson et al.,1997, citados por Fonseca, op. cit.).
Outro factor sócio-cultural, que tem originado muitos estudos nas últimas décadas, tem
sido a influência dos mass média, sobretudo da televisão. Huesman e Eron (1984, citado
por Fonseca, op. cit.) mostraram a existência de um efeito estatisticamente significativo,
ainda que modesto, da violência filmada no aumento do comportamento anti-social e do
crime.
5. A prevenção dos problemas emocionais
Quando as emoções não se expressam, não se dominam, ou não se adequam às
situações, podem aparecer as disfunções. As disfunções emocionais infantis revelam-se
quando uma criança demonstra falta de adequação das suas reacções face às situações ou
quando faz má interpretação das emoções dos outros.
Os pais são quem melhor pode ajudar a prevenir (expressão latina “prevenire”, que
significa “antes de vir”) os problemas emocionais. São os pais que estabelecem mais
estreitamente relações afectivas com a criança e, presumivelmente, são quem melhor
142
exedra • nº 2 • 2009
a conhece, e nos primeiros anos de vida são também quem passa mais tempo com ela.
A teoria de vinculação de Bowlby (1982) situa-se precisamente à volta da importância
destas relações precoces, assim como do papel que as mesmas desempenham no
desenvolvimento posterior da criança. Um estudo efectuado por Soares (1996) procurou
constatar se havia concordância entre o estilo de vinculação da mãe e a representação
sobre ele que o filho ou filha tinham na adolescência. A autora concluiu existir uma
concordância na representação da vinculação mãe-filho “a representação segura da
mãe pode constituir em si mesma uma referência ou uma base segura a partir da qual
o(a) filho(a) pode organizar internamente as suas experiências de vinculação de modo
seguro” (Soares, op. cit., p. 304).
Qualquer pessoa que mantenha este tipo de relação pode assumir também, e com
êxito, o papel preventivo. Estamo-nos a referir aos educadores de infância, que na maior
parte das vezes são a segunda figura de vinculação das crianças. Sabemos que o que
caracteriza a vinculação é o comportamento que promove uma proximidade ou um
contacto da criança com uma ou mais figuras a que ela se encontra vinculada (Ainsworth
et al., 1978, citado por Moreira, 2001) e que lhe transmitem segurança. Classicamente, a
função social e emocional era atribuída aos pais, e aos professores a função intelectual.
Hoje em dia essas fronteiras encontram-se diluídas, e pais e educadores entram por
vezes em conflito no que diz respeito aos sistemas de valores. Uma prevenção que
realmente previna fundamenta-se numa educação emocional adequada, precoce e
concertada entre pais e educadores. Deve acabar-se com o mito de que é muito pequeno
para aprender, tem tempo, e ainda está longe de qualquer situação problemática, pois como
já vimos anteriormente, o desenvolvimento emocional é fortemente influenciado pelos
primeiros anos de vida, sendo precisamente nas etapas mais precoces que se inicia toda
a organização em relação ao ambiente que rodeia o bebé e da qual vão depender as
organizações posteriores.
Por outro lado, muitas vezes só se reconhece a necessidade de intervir quando a
criança começa a apresentar comportamentos desajustados. Uma investigação levada a
cabo por Kochanska (1987, citado por Barrio, 2002) mostrou que mães que iniciaram a
educação emocional dos seus filhos entre os 15 e 30 meses, tiveram mais êxito na gestão
da raiva, do que as que apenas iniciaram essa educação entre os 30 e os 42 meses, usando
as mesmas técnicas.
Outro ponto fundamental a ter em conta, e reforçando a ideia que temos vindo a
expor ao longo deste artigo, é o de que a vida emocional da criança é o trampolim de
integração no mundo, visto que a sua evolução emocional é muito mais precoce do que a
sua maturação mental: “as razões do coração são as únicas que uma criança abaixo dos
seis anos entende verdadeiramente” (Barrio, op. cit. p. 173).
143
Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
De acordo com Denham (1998), a educação emocional fundamenta-se em três pilares:
os modelos, o treino de competências e a adequação às contingências.
4.1. Os modelos
Até aos seis anos de idade o método de aprendizagem mais forte é a imitação. A
criança copia as acções que observa. Não serve de nada dar conselhos verbais de auto
controlo a uma criança, se os adultos de referência na sua frente são agressivos, não
respeitam as normas ou impõem a sua vontade arbitrariamente e perdem o controlo
facilmente. A criança imitará o que vê, em vez de seguir o que escutou. O mesmo se passa
quando se pede à criança, gritando, que deixe de gritar. Prevalecerá sempre a acção em
detrimento do conteúdo verbal. Mas, se solicitarmos ideias e informação às crianças,
poderemos modelar nelas um estilo interactivo de relacionamento com os outros, e a
busca activa de soluções para os problemas.
“Os modelos emocionais proporcionam à criança uma gestalt ou forma de
entendimento da situação que configura as tendências de acção” (Barrio, 2002, p. 175).
Por outras palavras, os modelos emocionais configuram-se como guiões que orientam
o comportamento, por isso, pais e educadores têm que ter presente o modelo que estão
a transmitir e o modelo que são, uma vez que a modelação é uma forma poderosa de
aprendizagem.
5.2. O treino de competências
Além de aprender por imitação, a criança aprende também por repetição da acção.
O treino de competências está principalmente a cargo dos pais e traduz-se em coisas tão
simples como dar nome às emoções, expressá-las e controlá-las e assumir as regras de
comportamento que são aceitáveis pela sociedade de referência.
As etiquetas verbais, ou rótulos, começam a adquirir-se através de pequenas
conversas com a criança. Brown e Dunn (1991, citados por Barrio, 2002) afirmam que
as primeiras conversas emocionais entre mães e filhos se situam, em média, por volta
dos 18 a 36 meses de idade e incluem questões tão simples como perguntar-lhes por
que estão tristes ou zangados. A conversação entre o adulto e a criança além de gerar
hábitos de comunicação em torno destes problemas, ajuda a criança a generalizar a
conduta a outras situações, e evita a acumulação de tensões e mal entendidos que pode
desencadear violência.
Outro aspecto que se torna relevante para ensinar as crianças a gerir as suas emoções
é ensiná-las a lidarem com a frustração. Todos temos consciência que, no mundo
ocidentalizado onde vivemos, a maioria das crianças pode realizar quase todos os seus
144
exedra • nº 2 • 2009
desejos, mas também é verdade que à medida que a criança cresce essa realização
torna-se mais difícil. Se a criança foi adquirindo hábitos de não-frustração é portadora
de níveis baixos de frustração, o que se pode tornar intolerável. Assim, deve-se treinar
precocemente competências de resistência à frustração, para que a criança possa pôr
em marcha mecanismos de resistência, que lhe irão permitir fazer face às adversidades,
sem recorrer, por exemplo, a substâncias aditivas para o seu alívio. Patterson et al.
(1992, citados por Barrio, op. cit.) recomendam que para gerir e controlar as emoções
das crianças se usem estratégias como imposição de uma disciplina consistente, uso de
reforços positivos e aquisição de habilidades de resolução de problemas.
5.3. Adequação às contingências
O que a autora (Denham, 1998) quer dizer com a adequação às contingências é que
qualquer conduta produz determinadas consequências, quer positivas, quer negativas,
e que se torna fundamental que, quer os pais, quer os educadores, saibam manejar
adequadamente essas consequências de modo a que a criança aprenda a manter e
consolidar as que podem trazer-lhe benefício e a extinguir as que não são benéficas.
Quando uma criança tem uma conduta inconveniente, como insultar ou bater, isto
deve ter para ela um certo “custo” de resposta, como por exemplo uma consequência.
Mas esta consequência tem que ser bem escolhida, sempre que possível decidida
previamente com a criança, para que se consiga ter algum resultado. Se a consequência
não é adequada à conduta, além de não surtir efeito, pode levar à revolta.
Conclusão
Em jeito de conclusão podemos reconhecer que é fundamental o educador ser
disponível e responsivo face às necessidades de todas as crianças da sua sala. Quando o
educador responde de forma consistente a uma criança ele está a ajudá-la a desenvolver
pontos de vista alternativos face aos relacionamentos. Quando o educador é confiável e
responsivo ensina às crianças que a experiência emocional não precisa de ser opressiva,
pode ser controlada e com o tempo as crianças aprenderão a gerir as suas emoções com
pouca ou até nenhuma ajuda.
Também a prevenção não pode ser vista como um conjunto de estratégias que se
implementam de um momento para o outro, em módulos pré-fabricados, prontos a
usar e de tamanho único, e que, no final, como por magia, fazem com que todos os
factores de risco se diluam. Uma verdadeira prevenção deve ser transversal e ecológica
e deve começar na primeira infância, senão em vez de tecermos corremos o risco de só
remendarmos. Para atingir estes objectivos é necessário que os currículos de formação
145
Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional
dos educadores incluam o desenvolvimento de competências socio-emocionais, para
que eles possam providenciar métodos e estratégias apropriados para a socialização
emocional.
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Correspondência
Vera do Vale
Escola Superior de Educação de Coimbra
Praça Heróis de Ultramar-Solum,
3030-329 Coimbra
147
Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico
a r t e s e h u m a n i d a d e s
Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico: alguns princípios orientadores
Pedro Balaus Custódio
Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra
Resumo
Os manuais escolares constituem hoje um lugar de referência no panorama dos materiais didácticos. Todavia, eles não são instrumentos exclusivos de ensino-aprendizagem e, como tal, os professores de todos os graus de ensino, sentem cada vez mais a necessidade de produzir materiais originais, de acordo com a especificidade das turmas em que leccionam, dos alunos a quem se dirigem e da rede de conteúdos e de competências que pretendem desenvolver.
Esta reflexão, breve a preambular, tece algumas linhas de orientação capazes de guiar os professores dos 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico na produção de materiais didácticos de Português.
Palavras-chave
Materiais didácticos, Manuais escolares, Ensino do português
Abstract
Nowadays, school handbooks are a reference in the overview of didactic materials. However, they are not the only instruments of the teaching-learning process and, frequently, the teachers of all the education degrees feel that it is very important to produce original materials, related to the kind of groups where they teach, according to the pupils with they work and also connected with the table of contents and abilities that they plan to reach. We intend to detail, briefly, some aspects that could guide the teachers in the production of didactic materials for 1st and 2nd Cycles of Basic Education.
Key-words
Didactic materials, School handbooks, Portuguese teaching
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1. Conceito de material didáctico
Genericamente, a história dos materiais didácticos remonta à própria história do
livro e ao surgimento dos materiais impressos. Em Portugal, está por fazer uma história
do material didáctico e, qualquer que seja o rumo desse trabalho no âmbito específico do
Português, ele passará de modo obrigatório pelo indispensável papel das gramáticas e
pelas cartilhas de leitura que deram forma ao ensino da Língua por mais de um século.
Os capítulos recentes da história destes materiais serão preenchidos, necessariamente,
pelos manuais escolares que, enquanto instrumentos de recontextualização pedagógica se
assumem como protagonistas no sistema de ensino-aprendizagem. São estas ferramentas
de trabalho que têm hoje uma maior projecção nas actividades quotidianas dentro e fora
da sala de aula, e em contexto multidisciplinar.
A sua importância é de tal forma decisiva que, entre nós, por exemplo, o Ministério
da Educação produziu legislação específica no sentido de acreditar as entidades que
avaliam os manuais escolares e de certificar estes utensílios pedagógicos.
A Lei n.º 47/2006 de 28 de Agosto, bem como outros diplomas posteriores, definem
o regime de avaliação e adopção dos manuais escolares dos ensinos Básico e Secundário,
com o objectivo de garantir a sua qualidade científica e pedagógica nos estabelecimentos
de ensino e de assegurar a sua conformidade com as finalidades e conteúdos do currículo
nacional e dos programas ou orientações em vigor. Em última instância, estas medidas de
análise e de certificação visam testar a adequabilidade destes instrumentos e promover,
de forma rigorosa e contextualizada, o sucesso educativo nas matérias para as quais
estão destinados.
Esse enquadramento traduz-se num conjunto de regras que normativizam o processo
de acreditação, e inclui uma moldura legal, prazos, critérios de validação, procedimentos
de candidatura e formulários. Esta avaliação e certificação de manuais escolares, que
pode ser prévia e/ou direccionada a textos já adoptados e em utilização nas escolas,
implica a adopção de metodologias que permitam operacionalizar um determinado
conjunto de procedimentos.
As preocupações em torno da regulação da qualidade dos produtos pedagógicos
denotam a indisfarçável centralidade que estes instrumentos de navegação didáctica
assumem no seio das actividades de aprendizagem. Também por essa razão, existem hoje
importantes linhas de investigação que se debruçam sobre os papéis, funções e estatutos
dos manuais escolares no sistema de ensino. Em Portugal, para além de inúmeros estudos
pontuais, é de realçar o trabalho rigoroso e sistemático levado a cabo pelo Instituto de
Educação e Psicologia da Universidade do Minho sobre todas as questões que orbitam
a esfera dos manuais escolares e, especificamente, as que dizem respeito ao ensino do
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Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico
Português.
O conceito de material didáctico tenderá, naturalmente, a evoluir e a acompanhar
os novos dispositivos de ensino e os recursos que a Escola disponibiliza e, sobretudo,
a integrar os contributos que as T.I.C estão prontas a dar-lhe. Um material didáctico
será, cada vez mais, um produto destinado ao ensino-aprendizagem, elaborado de acordo
com princípios, critérios e finalidades que visam a facilitação e a eficácia pedagógica
de conteúdos e a aquisição de novas competências. É também compreensível que as
fronteiras deste conceito se dilatem, substancialmente, sendo consensual que a noção
de material didáctico se aplique, cada vez mais, a um conjunto alargado de suportes,
recursos e dispositivos capazes de mediar as actividades de ensino-aprendizagem.
2. Os manuais escolares: um suporte de conhecimentos
Por entre a quantiosa produção teórica respeitante aos manuais escolares, é obrigatório
destacar-se o nome de Choppin (1992) cujos estudos sobre esta matéria, estabelecem
quatro dimensões principais, à luz das quais se podem analisar estes produtos.
A primeira dimensão é enquanto produto de consumo, dependente das políticas
educativas, da evolução demográfica e da capacidade de produção e difusão das
empresas, dos contextos económicos, políticos e legislativos; a segunda, como suporte de
conhecimentos escolares, emanados de um programa oficial, uma vez que ele se constitui
como fiel depositário de «connaissances et des techniques dont la societé juge l’acquisition
nécessaire a la perpétuation de ses valeurs et qu’elle souhaite en conséquence transmettre
aux jeunes générations».
Uma terceira perspectiva diz respeito ao manual enquanto veículo ideológico e
cultural, que transmite um sistema de valores, uma ideologia e uma cultura determinada
e, finalmente, uma quarta dimensão, enquanto instrumento pedagógico, o qual se
apresenta «(...) dans son élaboration comme dans son emploi, inséparable des conditions
et des méthodes de l’enseignement de son temps» (pp. 18-20).
Esta concepção do livro escolar enquanto dispositivo pedagógico central no processo
de escolarização (Magalhães, 1999) está patente em vários documentos que regulam as
suas funções. A própria Lei de Bases do Sistema Educativo, no artº 41º-2, confere-lhe o
relevante estatuto de «recurso educativo privilegiado».
Ora, o documento emanado pelo Ministério da Educação e que contém os critérios
de apreciação/planos de análise dos manuais escolares portugueses1, integra alguns
dos princípios enunciados por Choppin (1992), nomeadamente quanto à organização,
método, informação e comunicação. De facto, critérios como por exemplo: “2- Desenvolve
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uma metodologia facilitadora e enriquecedora das aprendizagens; 3- Estimula a autonomia
e a criatividade; 4- Motiva para o saber e estimula o recurso a outras fontes de conhecimento
e a outros materiais didácticos; 6- Contempla sugestões de experiências de aprendizagem
diversificadas, nomeadamente de actividades de carácter prático/experimental; 7- Propõe
actividades adequadas ao desenvolvimento de projectos interdisciplinares”, vão ao encontro
da primeira dimensão enunciada por Choppin (1992), uma vez que pressupõe que este
produto de consumo é orientado por políticas educativas definidas previamente, e onde
se incluem os próprios conceitos de educação, de ensino-aprendizagem, de metodologia
de trabalho, de valoração das componentes práticas e do envolvimento em projectos
interdisciplinares.
Por outro lado, aspectos respeitantes à Informação, tais como: “1- Adequa-se ao
desenvolvimento das competências definidas no Currículo do respectivo ano e/ou nível de
escolaridade; 5- Promove a educação para a cidadania; ou 6- Não apresenta discriminações
relativas a sexos, etnias, religiões, deficiências...”, apelam visivelmente à terceira dimensão
ou seja, àquela que diz respeito ao manual enquanto veículo de um sistema de valores, de
uma ideologia e de uma cultura.
A análise destes materiais didácticos obedece, como é observável, a distintos
critérios previamente definidos e considerados fundamentais. Por essa razão, uma parte
substancial dos estudos produzidos neste âmbito tenta compreender como interagem
esses materiais específicos, enquanto principal recurso didáctico, junto de quem com
ele mais de perto trabalha: professores e alunos e, ainda, enquanto veículos com uma
determinada função e intencionalidade educativa.
Na realidade, este é um dos materiais didácticos de maior duplicidade, uma vez que é
válido para alunos e para professores, cumprindo assim diferentes objectivos, consoante
se trate do ponto de vista de um e/ou de outro.
3. A produção de outros materiais didácticos de Português
Todavia, a noção de material didáctico não se deve circunscrever nem reduzir ao
manual escolar. A maioria dos professores do Ensino Básico vai sempre mais além e
sente, cada vez mais, a necessidade de produzir novos materiais que traduzem de forma
reflectida e consistente as suas exigências didácticas. Infelizmente, o ritmo de trabalho
a que os professores estão hoje sujeitos e as solicitações de uma escola a tempo inteiro,
retiram-lhes o tempo indispensável para desenvolverem materiais mais consentâneos
com as suas experiências lectivas.2 Alguns estudos sobre a utilização dos livros escolares
revelam-nos que muitos docentes, perante a impossibilidade de produzirem materiais
originais, recorrem, amiúde, a outros manuais para além do adoptado pela escola, numa
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espiral interminável de reprodução de práticas e de rotinas pedagógicas.
Não obstante essas limitações, há um número crescente de professores que insiste
em produzir os seus próprios materiais. Ora, é no seguimento dessa preocupação que
gostaria de enunciar, concisamente, alguns critérios adicionais e/ou específicos no
tocante à produção de materiais escolares de Português para o Ensino Básico.
As pistas a seguir enunciadas são, pois, resultantes do manejo de materiais didácticos
destinados aos 1º e 2º ciclos do Ensino Básico e devem, portanto, ser perspectivadas neste
âmbito mais restrito. Estas propostas constituem, tão-somente, uma sinopse preambular,
estando, pois, incompletas quer quanto à estrutura, quer quanto à composição.
Eis, pois, alguns princípios básicos que julgo serem indispensáveis à produção de
materiais escolares de Português, entendendo-se por material o vasto conjunto de
recursos disponibilizados aos alunos, (para além do manual escolar, dos dicionários,
prontuários, gramáticas, etc.), e onde se contam as fichas de trabalho, os guiões de
leitura, as actividades de compreensão de texto, de interpretação, de análise, de resumo,
de reconto, e outras que povoam as práticas didácticas quotidianas dos professores destes
ciclos de ensino.
Por razões de coerência, e seguindo de perto a divisão adoptada pelo Ministério da
Educação para os livros escolares, sugiro a seguinte tripartição dos critérios, em:
A – Estrutura e opções didácticas
B – Conteúdo
C – Forma
Assim, cada um destes domínios que compõem o material didáctico contém
internamente um conjunto de critérios que importa cumprir no momento da selecção
das pistas de trabalho e das opções didácticas: São eles, entre outros, os seguintes:
A – Estrutura e opções didácticas
Estrutura da unidade;1)
Conexões explícitas ao: Programa de Português; ao 2) corpus representativo de leituras da Literatura para a Infância e Juventude; ao Plano Nacional de Leitura;
Selecção e/ou adopção de procedimentos didácticos facilitadores de: critérios 3) de progressão; coerência da rede de conteúdos;
Natureza das actividades de incidência prática e/ou conceptual: desenvolvimento 4)
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de estratégias de compreensão / análise / inferência / activação de conhecimentos / antecipação de conteúdos / pesquisa de conteúdos / tratamento, selecção e organização da informação, reprodução, produção, mobilização de conhecimentos prévios, localização, recolha, selecção, interpretação, etc.
Identificação das fontes de autoria do texto; obra; casa editora; integridade 5) do texto (versão completa vs. adaptações); uso contextualizado de glossário; adequação do texto ao tema da unidade;
Objectivos específicos do material: ligação e/ou cruzamento entre as actividades 6) propostas e as finalidades a atingir;
B – Conteúdo
1) Equilíbrio dos domínios nucleares da disciplina e desenvolvimento das competências
de:
Compreensão do oral; •
Expressão do Oral; •
Leitura, •
Escrita; •
Conhecimento explícito da língua;•
2) Tipos e actividades de leitura e de escrita; géneros textuais;
2) Desenvolvimento da consciência linguística dos alunos;
3) Informações biográficas e bibliográficas;
4) Cotejo das experiências pessoais dos alunos com o universo textual;
5) Estímulo à autonomia, criatividade e recurso a estratégias de
interdisciplinaridade;
6) Intertextualidade;
C – Forma
Correcção didáctica das actividades e tarefas: modos de formulação de •questões; competências envolvidas nas perguntas; riqueza das sugestões de compreensão de texto; natureza das propostas relacionadas com o CEL;
Correcção linguística dos enunciados;•
Clareza, concisão e adequação das perguntas, tarefas e propostas de •trabalho;
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Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico
As linhas de análise aqui expostas não assumem, obviamente, um carácter cumulativo,
uma vez que a distinta natureza de cada um dos materiais didácticos depende dos
objectivos, das competências a desenvolver e dos desempenhos que se pretendem atingir
com as actividades sugeridas. Assim, nenhum material didáctico poderá ser tão compósito
que englobe todas as sugestões e/ou opções metodológicas e conteúdos à disposição do
professor.
Uma das principais tarefas de quem elabora um material didáctico principia por
uma selecção rigorosa e contextualizada dos aspectos que, de acordo com as finalidades,
devem presidir à sua produção. Só desse modo se garante que esse recurso reúne um
conjunto significativo de características que o tornam apelativo, estruturado, funcional
e, sobretudo, adequado às exigências da unidade didáctica em estudo numa determinada
etapa das aprendizagens.
Assim, e quanto à Estrutura e opções didácticas, considera-se que nenhuma
actividade elaborada pelo professor se deve abster de preocupações respeitantes à ligação
ao Programa da disciplina e ao corpus de leitura consignado pelo mesmo.
Este aspecto, embora consensual, não está isento de algumas imprecisões uma vez
que, por vezes, os professores (por razões distintas) elaboram alguns materiais tendo
como campo de referência outros já existentes, emulando a sua estrutura sem, todavia,
prestarem atenção mais detalhada ao documento orientador que regula e orienta as
práticas: o Programa de Português. Este dado é tanto mais relevante quanto sabemos
os perigos em que a navegação pedagógica incorre quando o trabalho de orientação é
realizado através da aproximação exclusiva aos manuais e do afastamento das linhas
programáticas, como referem Zabalza (1992) e Aran (1996).3
É por essa razão que a produção de qualquer material de Português está sempre
dependente da consulta prévia do documento matricial que estabelece as competências,
os objectivos e os conteúdos para determinado ano de ensino.
É ainda essencial que o professor se deixe conduzir por critérios de elevada qualidade
na selecção dos textos que servem de suporte aos materiais didácticos, devendo escolher,
sempre que as finalidades assim o exijam, enunciados representativos da literatura para
a infância e juventude e outros textos de reconhecido mérito literário, por entre a vasta
oferta de clássicos portugueses e/ou estrangeiros. Parte substancial dessa tarefa está
hoje bastante facilitada pela base de dados disponibilizada pelo Plano Nacional de Leitura
que, sem dúvida alguma, constitui uma acervo valioso e imprescindível a professores,
alunos e encarregados de educação.
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De igual modo, parece-me relevante que o professor principie por um trabalho de
planificação, ainda que básica e sucinta, permitindo assim que o material produzido
siga orientações precisas relativamente às metodologias de estudo e de trabalho, aos
procedimentos didácticos que põe em jogo, como é o caso, por exemplo, de critérios de
progressão nas actividades de compreensão de texto, de interpretação, de desenvolvimento
das competências e/ou de conhecimento explícito da língua, de coerência e de adequação
dos conteúdos declarativos em causa, e mesmo da tipologia das actividades sugeridas,
quer se trate de inferências, de conclusões, de comentários, de interpretação, de análise,
de reprodução, etc.
Outro aspecto primordial que durante muitos anos foi, não raro, negligenciado (por
desconhecimento e/ou descuido ou, ainda, por pretensa comodidade didáctica) diz
respeito a questões de identificação de autoria dos textos transcritos, e à sua integridade,
por vezes muito truncada e/ou adaptada. Esse desvirtuamento, para além de fragilizar
a integridade textual, adultera também os níveis de compreensão dos enunciados e
estrangula a sua coesão interna, retirando-lhe e/ou comprometendo, tantas vezes de
modo severo, as suas identidade e/ou estrutura e intencionalidade comunicativa. Essas
amputações contribuem ainda para a opacidade dos esquemas narrativos e estruturais
que os textos encenam e inviabilizam, consequentemente, a construção de sentidos por
parte dos alunos.
Esta inquietação está hoje, aliás, manifestamente presente nos Programas de Português
do Ensino Básico que, sobre esta matéria, aconselham o uso de versões integrais4,
desaconselham as adaptações e prescrevem critérios de rigor na adopção, escolha e
selecção de textos de autor.
Creio ainda que muitos textos, sejam eles ponto de partida ou de chegada para as
actividades desenvolvidas, carecem por vezes de pequenos glossários que devem ser
encarados pelos professores como preciosos auxiliares didácticos não apenas do seu
trabalho mas, sobretudo, do desenvolvimento e enriquecimento lexical dos alunos, em
especial junto das faixas etárias mais jovens.
Esta opção metodológica não invalida outros procedimentos de trabalho igualmente
legítimos, como é o caso da consulta de dicionários, de prontuários, e/ou a realização
de outras tarefas que envolvam maiores componentes de pesquisa de informação, como
por exemplo, o uso das tecnologias de informação e de comunicação. Mais uma vez,
essas decisões didácticas estão nas mãos do professor e devem ser tomadas em função das
finalidades e das metodologias que melhor servem o material em causa.
Por último, e ainda sobre este aspecto, importa salientar que a harmonização interna
do próprio material ganha também com a adequação do tema do texto à unidade e/ou ao
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conteúdo em apreço. Convém, portanto, (salvo excepções noutro sentido) um assinalável
padrão de coerência entre os temas do texto, as actividades propostas, as sugestões
temáticas no domínio da produção escrita, de modo a que se efectivem realmente as
aprendizagens essenciais. Só dessa forma o professor terá garantias de que as actividades
que propõe estão em sintonia com os descritores de desempenho previstos e em
alinhamento com as competências que pretende fomentar com os referidos exercícios.
No que toca ao plano do Conteúdo, merece redobrada atenção o equilíbrio das
competências nucleares da disciplina que constituem, por assim dizer, as traves-mestras
de todas as actividades de ensino-aprendizagem: a Compreensão do oral; a Expressão do
Oral; a Leitura, a Escrita e o Conhecimento explícito da língua.
Com a finalidade de produzir materiais de estrutura e composição diversificadas
convém que o professor enriqueça as propostas, lançando mão de actividades diversas e
pertencentes a domínios e competências distintas, possibilitando, assim, o enriquecimento
das tarefas que os alunos levam a cabo.
Outro lugar de destaque vai para os tipos de actividades que os materiais solicitam,
nomeadamente as de leitura e de escrita que devem assumir uma inquestionável
centralidade, primando pelo justo equilíbrio e concorrendo para o desenvolvimento da
consciência linguística dos alunos e para o reforço das estratégias de enriquecimento
vocabular, entre outras finalidades.
Julgo ser também relevante nestes dois ciclos de ensino a familiarização gradual com
aspectos (breves mas elucidativos) de natureza biobibliográfica dos autores em estudo,
bem como de sugestões de outros textos e/ou obras por eles produzidos. Este hábito,
simples e didacticamente apurado, incutirá nos alunos, de modo gradual, a noção de
património literário e cultural - um valor de referência capital em qualquer sistema de
ensino.
Por fim, importa mencionar ainda um outro critério de presença obrigatória e que
diz respeito à autonomia dos alunos. Visando esse objectivo, os professores devem
incentivar a realização de tarefas que apelem à criatividade, ao cotejo do mundo do aluno
com as referências textuais e, obrigatoriamente, ao cruzamento com outros saberes
disciplinares.5
Esse desígnio, de que o Programa de Português faz particular eco, comporta uma
opção didáctica de enorme rentabilidade, uma vez que permite um alargamento de
competências que ultrapassam, significativamente, a rede de conteúdos e de desempenhos
no âmbito do Português.
É conveniente, pois, que o professor habitue os seus alunos a actividades de índole
comparativa, a tarefas que envolvam raciocínios lógicos mais elaborados, a empreitadas
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de crescente complexidade intertextual, dando assim os primeiros passos para um
trabalho que conhecerá outras etapas nos ciclos de ensino seguintes.
No plano da Forma, convém realçar o cuidado e o rigor que devem presidir
à elaboração destes materiais e onde pontificam, certamente, o aperfeiçoamento
didáctico das tarefas, a correcção linguística dos enunciados, a precisão terminológica,
a objectividade, a concisão e a clareza das questões formuladas, a ausência de sentidos
dúbios, de formulações equívocas, e outras imprecisões que afectam a comunicação
pedagógica e podem comprometer seriamente a nitidez dos materiais escritos.
Nunca poderemos perder de vista que há diferentes competências que estão envolvidas
em cada uma das perguntas e que elas se traduzem numa pluralidade de registos que
importa respeitar, como é o caso das que tocam a compreensão de texto, a produção
escrita ou o desenvolvimento de conhecimento explícito da língua.
A terminar, convém ressalvar três aspectos importantes: o primeiro é que as sugestões
aqui enunciadas devem ser tidas como meros contributos para a produção de materiais
didácticos e, sobretudo, como pontos de partida para estudos mais aprofundados que
tipifiquem, num registo de maior detalhe, as componentes necessárias à organização,
elaboração e produção destes utensílios.
A especificidade, os objectivos e as competências envolvidas em cada um deles ditarão,
sem dúvida, o modo como são estruturados. O próprio género textual condicionará os
respectivos estudos e abordagens, bem como a maturidade de leitura e de escrita dos
alunos a que se destinam os referidos materiais.
A segunda ressalva diz respeito à avaliação. Como se conclui destas palavras, excluí
intencionalmente destas considerações os efeitos e os propósitos que muitos dos materiais
cumprem neste aspecto. É consabido que uma parte substancial destes instrumentos visa
finalidades respeitantes à avaliação das aprendizagens, quer em modelos formativos, quer
finais e, desse modo, fornecem dados cruciais a professores e a alunos sobre a aquisição
e desenvolvimento de competências e de desempenhos. Todavia, e dada a especificidade
dessas metas e atendendo ao facto dessa componente envolver considerações que orbitam
outras esferas de análise - que fogem ao âmbito restrito destas reflexões - optei por não
as ponderar neste sucinto artigo.
Por último, não foram contempladas as preocupações com aspectos gráficos dos
materiais, nomeadamente o uso de ilustrações que, neste ciclo de ensino, se reveste de
particular importância. As apreciações sobre a natureza e as funções desses componentes,
apesar de relevantes, desbordavam também os limites estreitos desta breve análise.
A finalizar, convém destacar que, cada vez mais, a produção de materiais didácticos será
uma prioridade em todos os níveis de escolaridade, e no Básico em particular, não só pela
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Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico
eficácia que eles podem trazer ao ensino-aprendizagem, mas também pela possibilidade
de personalização que confere às estratégias e tarefas didácticas do professor.
A estrutura, composição e opções metodológicas adoptadas nos materiais conhecerá
sempre remodelações constantes, não só pela multiplicidade de literacias envolvidas
actualmente no ensino mas, também, pelas potencialidades dos novos suportes
electrónicos, como é o caso do software educativo que, a breve trecho poderá revolucionar
a forma como encaramos e produzimos materiais escolares.
Numa época em que se começam a dar os primeiros passos nos manuais em linha6,
a produção de materiais didácticos enveredará por novos caminhos e abraçará desafios
que, como habitualmente, deverão ser percorridos quer por alunos, quer por professores.
Ora, ambos os intervenientes no processo educativo constituem parte interessada e são,
em simultâneo, os que mais podem beneficiar com a rentabilidade destes recursos de
estudo e de aprendizagem.
Bibliografia
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de classe e de género na educação. Lisboa: Didáctica Editora.
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In R. V. Castro et al. (orgs.). Manuais escolares, estatuto, funções, história. Actas
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Dionísio, M. T. (2000). A construção escolar de comunidades de leitores. Leituras do manual
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Magalhães, J. (1999). Um apontamento para a história do manual escolar – entre
a produção e a representação. In R. V. Castro et al. (orgs.). Manuais escolares,
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Braga: Instituto de Educação e Psicologia, Universidade do Minho.
Ministério da Educação, (2009). Programas de português do ensino básico. Lisboa: M. E.
Raduan, M. & Trindade, C. (2007). The internet meets the classroom. New Routes. São
Paulo: Disal. p.26-27.
Soares, M. B. (1996). Um olhar sobre o livro didático. Belo Horizonte: Presença
Pedagógica
Tormenta, J. (1996). Manuais escolares. Inovação ou tradição? Lisboa: Instituto de
Inovação Educacional.
Zabalza, M. (1992). Planificação e desenvolvimento curricular na escola. Porto: Asa.
(Notas)
1Vd. Grelha do Ministério da Educação
1) Organização e Método
Apresenta uma organização coerente e funcional, estruturada na perspectiva •do aluno;
Desenvolve uma metodologia facilitadora e enriquecedora das •aprendizagens;
Estimula a autonomia e a criatividade;•
Motiva para o saber e estimula o recurso a outras fontes de conhecimento e •a outros
materiais didácticos;•
Permite percursos pedagógicos diversificados;•
Contempla sugestões de experiências de aprendizagem diversificadas, •nomeadamente
de actividades de carácter prático/experimental;•
Propõe actividades adequadas ao desenvolvimento de projectos •interdisciplinares.
2) Informação
Adequa-se ao desenvolvimento das competências definidas no Currículo do •respectivo
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ano e/ou nível de escolaridade;•
Responde aos objectivos e conteúdos do Programa/Orientações •Curriculares;
Fornece informação correcta, actualizada, relevante e adequada aos alunos •a que se
destina;•
Explicita as aprendizagens essenciais;•
Promove a educação para a cidadania;•
Não apresenta discriminações relativas a sexos, etnias, religiões, deficiências, •...
3) Comunicação
A concepção e a organização gráfica (Caracteres tipográficos, cores, •destaques,
espaços, títulos e subtítulos, etc.) do manual facilitam a sua utilização e •motivam o
aluno para a aprendizagem;•
Os textos são claros, rigorosos e adequados ao nível de ensino e à diversidade •dos
alunos a que se destinam;•
Os diferentes tipos de ilustrações (Fotografias, desenhos, mapas, gráficos, •esquemas,
etc.) são correctos, pertinentes e relacionam-se adequadamente com o •texto.
4) Características materiais
Apresenta robustez suficiente para resistir à normal utilização;•
O formato, as dimensões e o peso do manual (ou de cada um dos seus •volumes) são
adequados ao nível etário do aluno;•
Permite a reutilização.•
2 Cf. Apple (2002): “(...) o trabalho da classe docente está a tornar-se, cada vez mais,
naquilo que os estudiosos do processo laboral denominam intensificado. Cada vez mais
obrigações a cumprir, cada vez menos tempo para o fazer. Deste modo, existem poucas
hipóteses para além de escolher material já preparado (...).
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3 Este aspecto tem sido frequentemente referido em estudos sobre os manuais
escolares, como é o caso, por exemplo, de Zabalza (1992) que concluiu que, quando
planificam, os professores não trabalham directamente com os programas mas sim com
os manuais. São eles que procedem à estruturação das aulas.
Aran (1996) afirma mesmo que «se estima que los libros de texto llegan a condicionar
de manera importante el tipo de enseñanza que se realiza, ya que muchos enseñantes lo
utilizan de manear cerrada, sometiéndose al currículum específico que se refleja
en él, tanto en lo que se refiere a los contenidos de aprendizaje como a la manera de
enseñarlos» (p. 35).
4 Ministério da Educação, (2009), Programas de Português do Ensino Básico.
Lisboa:M.E., pp.62.
5 idem, pp. 68-69: “Os professores deverão aproveitar as outras áreas para, numa
perspectiva transversal, trabalhar a língua portuguesa. Os enunciados matemáticos, os
textos expositivos da área de estudo do meio, entre outros, são exemplos excelentes para
desenvolver competências de leitura e escrita”.
6 Veja-se a iniciativa recente do grupo editorial Leya que desafiou os professores
a participarem na elaboração de quatro manuais escolares através de um portal na
Internet. O projecto, designado «Manual Escolar 2.0» visa a criação em linha de quatro
livros escolares que serão editados para o ano lectivo 2010/2011, com o contributo dos
professores. No portal www.manualescolar2.0.sebenta.pt estão disponíveis quatro áreas
distintas correspondentes aos manuais escolares de Matemática, Ciências da Natureza,
História e Geografia de Portugal, todos do 5º ano de escolaridade, e Português, do 7º
ano.
Correspondência
Pedro Balaus
Escola Superior de Educação de Coimbra,
Praça Heróis do Ultramar – Solum
3030-329 Coimbra
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Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees
c o m u n i c a ç ã o e c i ê n c i a s e m p r e s a r i a i s
Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees
Cláudia Andrade
College of Education - Polytechnic Institute of Coimbra
Marisa Matias
Faculty of Psychology and Education - University of Porto
Abstract
Challenging the assumption that work and family are incompatible, a growing body of studies focuses the positive relationships between these two roles. The present research is an exploratory study aimed at examining whether work characteristics (flexible supervision, job-loss risk and work satisfaction) are associated with work-family facilitation (WFF) and enable positive family outcomes (couple constructive problem solving and lower levels of family stress). Using data from the EU FamWork Project (Portuguese Employees N = 306), this study examined work-family facilitation models in male and female full-time employees with young children.
Results indicated that flexible supervision has a direct effect on work-family facilitation and job security has an indirect effect (via work satisfaction) on work-family facilitation, only for female employees. Results also offered support for the relation between work-family facilitation and positive familial outcomes (couple constructive problem solving and lower levels of family stress) for women. Men´s model was very modest and only flexible supervision was a predictor of work-to-family facilitation. Furthermore, no relations between work-to-family facilitation and positive individual outcomes were found in men´s group. Gender variations in the models suggest the importance of this variable for future work-to-family facilitation research agenda.
Key-Words
Work-to-family facilitation, Gender, Employees
Sumário
Apesar da maioria dos estudos sobre as relações trabalho-família centrar a sua análise nas interferências negativas entre o papel profissional e o papel familiar, cada vez mais estudos têm vindo a focar os aspectos positivos que podem advir da participação nas duas esferas. Este estudo, de carácter exploratório, procura analisar em que medida os aspectos associados ao papel profissional (flexibilidade na supervisão, ameaça de perda de emprego e satisfação profissional) contribuem para a ocorrência da facilitação trabalho-família. Procura-se também analisar em que medida a facilitação trabalho-família tem
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um impacto no indivíduo ao nível do exercício do seu papel familiar (capacidade de resolução construtiva de problemas no casal e redução do stress familiar). Partindo dos dados da amostra portuguesa (n=306, profissionais a tempo inteiro com filhos em idade escolar) do Projecto Europeu Famwork este estudo analisou, separadamente para homens e mulheres, os modelos de facilitação trabalho-família.
Os resultados indicam que tanto para homens como para mulheres, a flexibilidade na supervisão tem um efeito directo na facilitação trabalho-família e que a ameaça de perda de emprego tem um efeito indirecto (via satisfação profissional), embora apenas para o grupo feminino. Os resultados também apoiam a relação entre a facilitação trabalho-família e efeitos positivos ao nível familiar, mas apenas para o grupo feminino. O modelo masculino apresenta resultados bastante modestos: por um lado, a flexibilidade na supervisão é o único antecedente da facilitação trabalho-família; por outro lado, a facilitação não está associada a qualquer efeito nas variáveis familiares. Não obstante, as variações em função do género nos modelos de facilitação trabalho-família reforçam a importância de se considerar esta variável na investigação sobre as relações positivas entre papéis profissionais e familiares.
Palavras-Chave
Facilitação trabalho-família, Género, Trabalhadores
Conceptual background
Work and family represent two of the most central roles of an adult life. Therefore,
work-family relations have been identified as a priority area of research with direct links
with both policies and practice (Gutek, Searle & Klepa, 1991; Grzywacz & Marks, 2000).
The ability to balance work and family life is related with work and non-work demands,
with the availability of resources to deal with this balance and with the flexibility of these
two areas of life. Research, in recent years, has suggested that work-family relations may
be moderated by factors associated to “family friendly” workplaces as well as strategies
used by individuals to cope with work and non-work demands.
The most frequently used concept to describe the interface between work and family
is work-family conflict or negative spillover. In fact, work-family literature has been
dominated by the role strain perspective. This perspective assumes that the demands
from different and separate domains compete with each other in terms of time, physical
energy, and psychological resources (Greenhaus & Beutell, 1985). In this line of reasoning,
spillover literature often focus on negative work-to-family spillover, such as the transfer
of bad moods, low energy and fatigue from the work environment to the family (work-
to-family spillover) or, in turn, examines negative family-to-work spillover, where
family problems interfere with work performance (Frone, Russel & Cooper, 1992; Frone,
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Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees
Yardley & Markel, 1997). However, spillover is not necessarily a negative phenomenon.
A growing body of studies is focusing on the positive relationships between paid work
and family life, challenging the assumption that these roles are irreconcilable.
These studies suggest that work and family domains may enhance one another and
lead to positive outcomes, especially if one domain provides resources such as social
support and skills that can be used to address demands in the other domain (Sieber, 1974;
Tompson & Werner, 1997). This process has been labelled as work-family facilitation
(Frone, 2003). Work-family facilitation highlights the role of experiences, skills and
opportunities driven or developed at workplace that enhance home life (Frone, 2003;
Grzywacz & Marks, 2000; Voydanoff, 2004). Grzywacz & Marks´ (2000) model of work-
family facilitation is grounded on ecology theory (Brofenbrenner, 2005), which states that
facilitation occurs due to both contexts and individual characteristics. As far as context
is concerned, Grzywacz & Butler (2005) found that work-family facilitation is enabled
by environmental resources, more precisely by individual’s work arrangements. Thus,
family friendly policies and supervisor support at workplace can promote organizational
resources such as time, flexibility and recognition of family needs, as well as psychological
resources such as self-acceptance (Grzywacz & Butler, 2005). Therefore, in line with Hill
(2005), both a general supportive organizational environment and supervisor support
may increase the amount of resources available for positive spillover between work and
family. Despite work-family research primary focus on contextual and environmental
factors, individual differences in the way people balance work and family cannot be
ignored (Parasuraman & Greenhaus 2002). Namely, satisfaction with work performance
is a key variable in the analysis of work and family relations. Work satisfaction is
commonly typified as an outcome of the spillover process. However, individuals who
are satisfied with their professional role perceive it as meaningful for their self esteem
and may, therefore, assign resources from this role to the family. Moreover, individuals
satisfied with their professional role may feel positively energized and transfer more
often their skills and humour in a positive way to the family role.
In sum, both contextual and individual factors play a role in the work-family
facilitation process. This exploratory study aims to test the influence of the organizational
contextual factors such as flexible supervision and individual factors, such as work
satisfaction and perception of work strain, in the prediction of work-family facilitation.
Moreover, work-family facilitation will be considered as a mediator variable between
work and family variables. Therefore, outcomes associated to the family role are also
considered, such as constructive problem solving and perception of family stress.
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Gender influences
Work and family are two domains with strong gender connotations. Thus, men
and women may perceive and react differently to the work-family interface. Gender
role ideology often assigns family responsibilities to women and ascribe men to the
breadwinner role. Nevertheless, work to family negative spillover is usually stated as a
women’s concern. Women’s wide integration in the labor market carried them more role
overload, since they are expected to add their family responsibilities to their professional
role. As a result, it is more difficult for them, than for men, to reconcile work and family
life (Milkie & Peltola, 1999). These gender differences on inter-role conflict may also
be expected regarding facilitation. However, studies focused on gender differences in
the work-family facilitation process are scarce and present inconsistent findings: some
studies find that women perceive more inter-role positive transfers than men (Aryee,
Srinivas & Tan, 2005; Grzywacz & Marks, 2000; Grzywacz, Almeida & McDonald,
2002; Marshall & Barnett, 1993) and others do not find any gender differences (Hill,
2005; Kirchmeyer, 1992). Additionally, some other studies have found that workplace
resources are related to work-family facilitation for both, men and women (Grzywacz &
Butler, 2005). To sum up, the differential impact of gender on work-to-family facilitation
process is not well established.
In our theoretical model (Figure 1), based on Voydanoff’s (2004a) approach, work
variables are expected to have indirect effects on individual outcomes and a direct effect
on the perception of work- to-family facilitation. Thus, our aim is to test whether work
characteristics (flexible supervision and job security) and work satisfaction are associated
with work-family facilitation (WFF) and if WFF enables positive family outcomes (couple
constructive problem solving and lower levels of family stress).
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Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees
Figure 1: Theoretical model to be tested
We consider gender as a social category that may have effects on work-family
facilitation. Thus separated models for men and women will be tested.
Each hypothesized relationship is represented by an arrow in the model and the
direction of the relationship is shown by the sign. The entire model is one system, and the
path coefficients will show the relative strength and significance of each hypothesized
relationship.
Method
Sample and procedure
The sample is composed of Portuguese dual-earner couples that took part in ‘‘FamWork
- Family Life and Professional Work: Conflict and Synergy,’’ an European Research Project
carried out between 2003 – 2005 2.
Several criteria were set up prior to recruiting the couples: (1) both partners should
be willing to participate in the study, (2) both partners should be living together, (3) both
partners should work at least 15 hours per week, (4) the partners should have at least
one child in the age of one to five, and (5) the oldest child in the family should not be
older than 12 years.
Respondents filled in a questionnaire at their homes and delivered it directly
or by e-mail to the research team. The sample used in this study is composed by 306
individuals, with a mean age of 35 years and a relationship mean duration of 12 years.
The maximum number of children is 4 (just one case) and the modal number is 2. The
modal level of education was an university degree (67,8%). Individuals work, in average,
49 hours per week, including overtime and commuting time. Men work in average more
9 hours than women.
Measures 3
Work to family facilitation (WFF) is the extent to which an individual’s participation
in the family life is made easier by the skills, experiences, affects and opportunities
gained through the participation in the professional role. It was assessed using Grzywacz
& Marks (2000) 3 items scale: a) “The things you do at work help you deal with personal
and practical issues at home.”; b) “The things you do at work make you a more interesting
person at home.”; c) “The skills you use on your job are useful for things you have to do
at home” (α=.58). The subject has to rate each item on a 5-point rating scale.
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Constructive problem solving refers to a positive style of marital conflict resolution.
The participants are given a list of behaviour patterns and are asked to estimate how
their partner is behaving in conflict laden situations. The scale is composed by 4 items
assessed in a 6 point rating scale ranging from “never” to “ever”. (sample item: “He is
negotiating and makes compromises”) (α=.64).
Family stress reflects strains associated to the familial role, namely regarding
parent-child relationship. The scale is composed by 4 items on a 6-point rating scale
with the two end poles “ever” and “very often”. (sample item: “Difficulties in coming to
terms with each other”) (α=.69).
Work satisfaction reports to positive experiences in the participants’ work life. It
is composed by 3 items on a 6-point rating scale ranging from “not at all applicable”
to “absolutely applicable” (sample item: “My professional work adds to my personal
fulfilment.”) (α=.84).
Flexible supervision addresses how individuals perceive their workplace as family
friendly with a focus on the supervisor support. The scale includes 3 items on a 6-point
rating scale with the two end poles “not at all applicable“ and “absolutely applicable“.
(sample item: “My supervisor is considerate and understanding concerning my family
situation (e.g. when splitting up work or vacations times, etc.)”) (α=.82).
Job-loss risk is assessed by an item that refers to the degree of work strain associated
to the threat of loosing the job.
Results
Descriptive analyses
Descriptive analyses and significant differences between the groups according to
gender are presented in Table 1.
Men and women differ in their level of work satisfaction (F(1,305)=6,78; p<.01) and
in their perception of family stress (F(1,305)=10,53; p< .01). Men feel more satisfied
with their professional role while women perceive themselves as being more burdened
with family strains. There were no gender differences in the degree of work-family
facilitation. It is interesting to note that the majority of the individuals in our sample do
not perceive a higher level of facilitation between their work and their family role (mean
value, for both men and women, is below scale midpoint - mean <3).
The remaining variables, flexible supervision, perception of job-loss risk, and
constructive problem solving do not present any significant difference according to
gender.
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Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees
Table 1: Descriptive statistics for all variables
Women (n=153) Men (n=153) Total sample (306)
Variables M SD M SD M SD1. Work satisfaction** 4,25 1,01 4,54 0,96 4,40 1,002. Flexible supervision 3,30 1,42 3,32 1,40 3,31 1,413. Job-loss risk 1,86 1,31 2,13 1,47 1,99 1,404. Work-family facilitation 2,43 0,81 2,53 0,82 2,48 0,825. Couple problem solving 3,65 0,98 3,63 0,90 3,64 0,946. Family stress** 3,17 0,94 2,83 0,84 3,00 0,91
Note: ** p<.01
Path analyses
The software AMOS (version 7.0) was used to estimate the causal model as a
saturated design with all early variables modelled (flexible supervision, job-loss risk
and work satisfaction) as having effect on all variables found on the second stage of
the model (work-family facilitation, couple problem-solving and family stress) (see
Figure 1). All measurement and structural parameters were estimated using maximum
likelihood method. The fit of the hypothesized theoretical model to the observed data
was tested with four indices, including the chi-square statistic (χ 2), the goodness-of-fit
index (GFI); the adjusted goodness-of-fit index (AGFI); the comparative fitness index
(CFI) and the root mean square error of approximation (RMSEA). The results indicate
that the overall model fit indexes are satisfactory (table 2).
Table 2: Fit indices for Women´s and Men´s models of work to family facilitation
χ 2 /df p GFI AGFI CFI RMSEA
Model
Men 1.581 .136 .97 .94 .87 .06
Women 1.418 .165 .97 .94 .91 .05
Note: χ 2/df, chi-square/degrees of freedom ratio; GFI, goodness of fit index; AGFI, adjusted goodness-of-fit index; CFI, comparative fit index; RMSEA, root mean square error of approximation.
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Both men’s and women’s models fit the data well (χ 2 /df value is considered as
good) and the indices of adjustment are also satisfactory.
Men’s model clearly separates the work and family domain. Thus, WFF did not
showed a mediation effect between work and family, contrarily to what was expected.
Furthermore, only two direct paths were found between flexible supervision and work
satisfaction and flexible supervision and WFF.
In women’s model, flexible supervision has a direct influence on WFF and low job-
loss risk has an indirect effect on WFF through work satisfaction. Additionally, it was
found a direct effect of WFF on couple constructive problem solving which, in turn, has
a direct effect on family stress. For women’s model, the WFF hypothesized meditational
effect was found.
Discussion and implications
This exploratory study, aimed to have a better understanding about work-family
facilitation by analyzing how work experiences facilitate family performance among
Portuguese employees and to compare this experience in men and women.
A first remark must be drawn about the small prevalence of work-family facilitation
in our sample. It seems that individuals do not perceive their work as a facilitator of
their family performance. In fact, family and work issues addressed at a policy level have
mainly focused on the minimization of negative influences that one domain can exert in
the other. As a consequence, there has been a limited focus on factors that can promote
positive relations between work and family. Thus, this preliminary result points out that
work-family policies and programs should address more how work can benefit family
life and foster more supportive and positive work environments.
The finding that flexible supervision contributed to work-to-family facilitation and
to work satisfaction is consistent with previous research (Grzywacz & Marks, 2000; Hill,
2005). Supervisory support is positively related to work-family facilitation because it
enhances a family supportive work environment or culture (Kossek and Ozeki, 1998). As
a consequence, it might help individuals cope better with family issues (Voydanoff, 2004).
If we take into account that women are the major responsible for childcare and family
tasks, it may help explain why this resource (supervisor support) was only relevant for
them. In fact, women are usually the ones that have to cope with the majority of family
responsibilities (the mediation effect of work-to-family facilitation was only found for
the women’s model).
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Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees
Another environmental feature of the workplace was the strain associated to the
threat of losing the job that showed a negative path to work satisfaction. In fact, it seems
that the more women perceive their job is at stake, the less satisfaction they derive from
it. This result can be easily understood if we consider that being emerged in an insecure
work environment impacts individual’s sense of personal fulfilment and, therefore
reduces work satisfaction. Surprisingly, this result was only found for women. Somehow
it seems that women are more sensitive to the risk of losing their jobs. Statistically, when
it comes to unemployment, women tend to lose their jobs more often than men and tend
to be in that situation for a longer time (women have higher long term unemployment
rates than men) (Guerreiro & Abrantes, 2007). In spite of this fact, a methodological
reason should also be considered. The work-family facilitation scale presented a low
reliability coefficient that could have limited its power to assess the facilitation process
on men.
Women’s model showed a direct effect of work-family facilitation and familial
outcomes. Furthermore, work family facilitation had a direct effect in positive conflict
resolution styles which, in turn, buffered the family stress levels. Following Edwards &
Rothbard (2000), we could argue that positive moods (like work satisfaction) enhance
cognitive functioning, increase task activity, and promote positive interactions with
others, each of which facilitates role performance. Furthermore, this relationship can
be explained via the main processes of self-concept formation, where occupational
achievements enable favorable appraisals from others that can impact positively in the
couple dynamics (Gecas, & Seff, 1990). Nevertheless, since work-family facilitation and
familial characteristics were not related in the men’s subsample, it remains unknown
whether these work experiences can be gained by Portuguese men and how they affect
their individual and family performance. The result that work-family facilitation was a
mediator variable only for women seems to suggest that men tend to segment their role
engagements more than women. Women’s work force participation does not imply that
they are less involved with their family. In fact, it is often expected that they are able to
integrate work and family participation. As a consequence the process of transferring
resources from work to the family may be more easily done by women than by men.
Despite its exploratory nature some limitations of this study should be mentioned.
The associations between the predictors and work-family facilitation were not very
strong, may be due to a low reliability coefficient of the work-family facilitation scale.
According to Hill (2005), measures of work-family facilitation are not as well developed
or tested as the ones for work-family conflict. Thus, an obvious research implication is
the need to develop strong measures of work-family facilitation.
Conceptually, while the present study included only work characteristics as predictors
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of work-family facilitation, there are a number of other variables that could influence
this process, namely family related ones. Work-family relations can, indeed, benefit
from a sense of fulfilment with the familial roles. In fact, most of the analyses focused
on the work domain tend to ignore outside forces or extra-organizational factors that
can have an impact on the performance of the professional role. Moreover, individual,
familial and organizational outcome variables such as well-being, marriage satisfaction,
satisfaction with the parental role, organizational commitment and performance should
also be considered. Hence, future research is encouraged to test a more complete
model, namely using data from EU FamWork Project. Finally, in-person semi-structured
interviews may help investigate how men think about their workplace arrangements in
order to have a better understanding of the unpredicted results.
In spite of these limitations, the goal of this study was to test whether work
characteristics’ were associated with work-family facilitation and if facilitation worked as
a mediating variable between the work and family sphere. The results found, encourage
future research using larger samples and bidirectional models of influence in order to
have a better knowledge of this process.
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Notes
An early version of this paper was presented in the 1) Conference of the Institute of Work Psychology, Work, Well-being and Performance: New Perspectives for the Modern Workplace, University of Sheffield, 19-20 of June 2008, Sheffield, UK,
with a grant support from ESEC. This grant is gratefully acknowledged.
EU Famwork Project2) was developed within a consortium of 9 European countries (Austria, Belgium, Finland, France, Germany, Italy, Portugal, Switzerland, The Netherlands).
All measures were developed by 3) EU Famwork Research Teams, unless referred otherwise.
Correspondência
Claudia Andrade
Escola Superior de Educação de Coimbra,
Praça Heróis do Ultramar – Solum
3030-329 Coimbra, Portugal
Marisa Matias
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto
Dr. Manuel Pereira da Silva,
4200-392 Porto, Portugal
Nº 2 - 2009