Ética empresarial: estudo de caso em uma indústria de autopeças

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Ética empresarial: estudo de caso em uma indústria de autopeças Pedro Paulo de Oliveira Melo 1 e Fernando Coutinho Garcia 2 RESUMO Em uma sociedade em que as empresas cada vez mais assumem importância como agentes de controle social, sua conduta passa a ser alvo da atenção dos demais agentes e sujeitos afetados pelas atividades que realizam. Em muitos casos, essa conduta pode ser decisiva para seu sucesso. Assim, aos empresários cabe identificar o nível ético em que suas empresas se encontram, para reduzir os riscos de comportamentos aéticos Nessa direção, este artigo apresenta um estudo de caso, a partir de uma pesquisa realizada em uma indústria de autopeças, com o propósito de identificar o grau de eticidade de seus empregados e o clima ético predominante, utilizando indicadores de clima ético baseados no modelo de Arruda e Navran (2000). Este artigo comenta brevemente as pesquisas do Ethics Resource Center dos EUA e do Instituto ETHOS do Brasil. Em seu referencial teórico, trata das teorias da ética, da ética empresarial, dos climas éticos e de seus arquétipos e indicadores. Em sua conclusão, o artigo apresenta o clima ético predominante na empresa estudada, comenta o grau de eticidade encontrado e, com base na análise dos resultados, sugere melhorias para a organização estudada. PALAVRAS - CHAVE: Ética empresarial. Clima ético nas organizações. Indicadores de clima ético. ABSTRACT In a society where the companies importance are growing as social control agent, its conducts are under attention of the others affected subjects and agents, in many cases its success depends greatly on these conducts. Therefore, the businessmen have the 1 Pedro Paulo de O. Melo é engenheiro metalurgista; mestre em Administração, pela Faculdade Novos Horizontes; professor em cursos de pós graduação, da FDC do IETEC e da FGV. 2 Fernando Coutinho Garcia é geógrafo, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1973); mestre em Administração, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1975); doutor em Ciência Política, pela Universidade de São Paulo (1977); e pós-doutor em Sociologia do Trabalho, pela Università di Roma (Itália, 1997).

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Estudo de caso do prof. Pedro Paulo de Oliveira Melo, da FDC, sobre Ética Empresarial, realizado em indústrias de autopeças.

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Ética empresarial: estudo de caso em uma indústria de autopeças

Pedro Paulo de Oliveira Melo1 e Fernando Coutinho Garcia2

RESUMO

Em uma sociedade em que as empresas cada vez mais assumem importância como

agentes de controle social, sua conduta passa a ser alvo da atenção dos demais agentes e

sujeitos afetados pelas atividades que realizam. Em muitos casos, essa conduta pode ser

decisiva para seu sucesso. Assim, aos empresários cabe identificar o nível ético em que

suas empresas se encontram, para reduzir os riscos de comportamentos aéticos Nessa

direção, este artigo apresenta um estudo de caso, a partir de uma pesquisa realizada em

uma indústria de autopeças, com o propósito de identificar o grau de eticidade de seus

empregados e o clima ético predominante, utilizando indicadores de clima ético

baseados no modelo de Arruda e Navran (2000). Este artigo comenta brevemente as

pesquisas do Ethics Resource Center dos EUA e do Instituto ETHOS do Brasil. Em seu

referencial teórico, trata das teorias da ética, da ética empresarial, dos climas éticos e de

seus arquétipos e indicadores. Em sua conclusão, o artigo apresenta o clima ético

predominante na empresa estudada, comenta o grau de eticidade encontrado e, com base

na análise dos resultados, sugere melhorias para a organização estudada.

PALAVRAS - CHAVE: Ética empresarial. Clima ético nas organizações. Indicadores

de clima ético.

ABSTRACT

In a society where the companies importance are growing as social control agent, its

conducts are under attention of the others affected subjects and agents, in many cases

its success depends greatly on these conducts. Therefore, the businessmen have the

1 Pedro Paulo de O. Melo é engenheiro metalurgista; mestre em Administração, pela Faculdade Novos Horizontes; professor em cursos de pós graduação, da FDC do IETEC e da FGV. 2 Fernando Coutinho Garcia é geógrafo, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1973); mestre em Administração, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1975); doutor em Ciência Política, pela Universidade de São Paulo (1977); e pós-doutor em Sociologia do Trabalho, pela Università di Roma (Itália, 1997).

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mission to identify the ethics level on their enterprise to reduce the risk of unethical

behaviors. On this sense, this article presents a study case resulting of an exploratory

survey done in a Brazilian autoparts plant. The survey’s scope was to identify the

employees ethic conduct grade and the prevalent ethic climate using the Arruda and

Navran (2000) approach. This article comments briefly the Ethics Resource Center’s

2007 National Business Ethics Survey and some data of the Instituto ETHOS from

Brazil. This article contains a briefly theorical study including the ethics theories,

business ethics, ethical climate indicators and ethical climate archetypes. In addition,

the article comments the prevalent ethics climate and the ethic conduct grade found in

the studied organization taking in account the analysis results and finally, suggests some

ethical culture improvements to the company.

KEY WORDS: Business ethics. Organizational ethical climate. Ethical climate

indicator.

1. Introdução

Atualmente, ao mesmo tempo em que agências de controle social, como a Igreja, a

família, a escola e comunidade social perdem vigor, assiste-se ao fortalecimento de

outras agências de controle social, como a mídia, o Estado, o mercado e as empresas

(SROUR, 2003).

As empresas, pela importância que têm na sociedade contemporânea e pelo ambiente

propício ao surgimento dos mais diversos dilemas éticos, tornaram-se alvo de estudos

éticos. Surge daí a ética empresarial, definida por Nasch (1993) como o estudo da

aplicação das normas morais das pessoas nas atividades e objetivos de empresa.

O mundo tem assistido a escândalos que envolvem, por exemplo, empresários e

executivos europeus e americanos em fraudes financeiras, sonegação de impostos,

manipulação no mercado de ações, roubo de projetos secretos, destruição de

documentos contábeis e ocultação de bilhões de dólares em perdas financeiras. Estes

dois últimos, que tiveram como protagonistas, respectivamente, a Arthur Andersen e a

Enron num mesmo caso (SROUR, 2003), contribuíram para a promulgação da Lei

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Sarbanes – Oxley, em 2002, nos Estados Unidos, e passou a exigir das autoridades

americanas maior atenção e rigor com as práticas contábeis das empresas.

Segundo o Ethics Resource Center (2008), em seu relatório de pesquisa nacional de

ética nos negócios (The 2007 National Business Ethics Survey - NBES), de 2007, nos

Estados Unidos, mais de cinco anos após o caso Enron e outros fracassos éticos,

negócios de todos os tipos e tamanhos mostram pequenas ou nenhuma redução em seus

riscos de comportamento antiético.

O clima é favorável a um novo escândalo corporativo, alerta o mesmo relatório, apesar

da nova regulação e dos recursos significativos agora dedicados à redução das falhas de

conduta e ao aumento nos registros dessas falhas. Conclui o centro de pesquisa

americano que o ambiente de risco ético nos negócios é tão preocupante quanto era

antes da promulgação da Lei Sarbanes-Oxley, em 2002, devido às altas taxas de falhas

de conduta, da baixa consciência ética na gestão e dos poucos programas de ética e

conformidade.

Para o Ethics Resource Center (2008), os principais aspectos negativos constatados na

pesquisa dão conta de que os empregados não registram as falhas de conduta, por

temerem retaliações, e que o número de empresas bem-sucedidas na incorporação de

uma forte cultura ética em seus negócios tem declinado desde 2005. Por outro lado,

apesar de ainda serem poucos, é crescente o número de programas formais de ética e

conformidade, e grande a redução nas falhas de conduta daquelas empresas

concernentes ao cumprimento das leis e regulamentações, na busca de uma cultura ética

efetiva.

Segundo Monteiro et al. (2005), a crise ética por que passa o Brasil resulta da perda dos

valores fundamentais à integridade de uma sociedade. Isso justifica, portanto, a

discussão ética como vital para que a sociedade reconheça, em toda a sua dimensão, a

crise pela qual passa, gerando a crença de que o sucesso pode ser alcançado por meio da

ação ética.

O Brasil, cada vez mais integrado à comunidade internacional, tem tido uma crescente

demanda por transparência e probidade, tanto no trato da coisa pública como no

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fornecimento de produtos e serviços. Nesse cenário é que se justificam as ações de

combate ao trabalho infantil e escravo, de proteção ao consumidor, de conservação

ambiental e de combate ao assédio moral e sexual, entre outras. Cabe às empresas

estabelecerem e praticarem algum código de conduta que esteja em congruência com

essas expectativas e que esteja conjugado com mecanismos de controle e avaliação

capazes de permitir a prevenção às transgressões (SROUR, 2003; MOREIRA, 2000).

No Brasil, os resultados consolidados de 2005 relativos aos Indicadores Ethos de

Responsabilidade Social Empresarial revelam uma crescente participação das

organizações brasileiras, evoluindo de 71 empresas em 2000 para 617 em 2005, contra

um crescimento de 40% de 2004 para 2005, devido ao aumento do número de empresas

que têm adotado esses indicadores como ferramenta de gestão e dos grupos regionais de

promoção da responsabilidade social (INDICADORES..., 2008).

Inspirado em experiências bem sucedidas, como os pactos empresariais de combate ao

trabalho escravo e à erradicação do trabalho infantil, o Instituo Ethos lançou, durante a

Conferência Internacional Ethos 2006, o Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a

Corrupção (PACTO..., 2008).

Iniciativas como essa do Instituto Ethos demonstram a importância que as questões

éticas têm assumido no ambiente empresarial e na sociedade brasileira, cada vez mais

atenta à conduta das organizações nacionais.

Ferrell e colaboradores (2000, 2001), citados por Monteiro et al. (2005), sugerem a

necessidade de monitorar o cumprimento de padrões éticos por meio de observações de

condutas, auditorias e questionários.

Dada a relevância que o tema vem apresentando para as organizações e a importância

que a conduta ética tem para o sucesso dos negócios (GODINHO et al., 2006), a

proposta deste trabalho consiste em avaliar o grau de eticidade dentro de uma indústria

de autopeças, por meio da medição de indicadores de clima ético definidos com base no

modelo de Arruda e Navran (2000), que conceituam clima ético como o conjunto de

expectativas percebidas e exigidas em relação à congruência que deve existir entre os

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valores e as crenças dos indivíduos de como o trabalho deve ser feito e o sucesso

exigido pela organização.

Justifica-se o estudo realizado pela importância da avaliação do clima ético e da

identificação do grau de eticidade dos empregados capazes de contribuir para a

definição de estratégias que levem à consolidação de uma cultura ética consistente, além

da possibilidade de contribuição para organizações e pesquisadores em estudos sobre o

tema.

2. Problema de pesquisa e objetivo

Dado o caráter da organização pesquisada, estabeleceu-se o seguinte problema: Quais

são os padrões éticos institucionalizados e praticados no seu cotidiano organizacional?

O objetivo principal da pesquisa é: Identificar os padrões éticos e o grau de eticidade

dos empregados da AUTOP, independentemente de sua função, nível hierárquico, sexo,

idade etc. Definem-se como objetivos secundários: Construir os indicadores éticos

praticados na empresa; Avaliar o grau de eticidade dos empregados da empresa

pesquisada; e Identificar o clima ético predominante na empresa, a partir dos

indicadores levantados.

Na revisão bibliográfica, são abordadas as teorias da ética, a ética empresarial e as

teorias dos climas éticos, com seus arquétipos e indicadores. Na conclusão, apresenta-se

o clima ético predominante na empresa estudada, comenta-se sobre o grau de eticidade

encontrado, com base na análise dos resultados, formulam-se melhorias para a

organização estudada e propõem-se a pesquisadores trabalhos futuros relacionados ao

tema.

3 Revisão bibliográfica

3.1 Ética

O termo ética, do grego ethos, significa “modo de ser” ou “caráter”, sendo um modo de

comportamento não natural, isto é, adquirido por hábito. Tal caráter não natural da

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maneira de ser do homem foi que, na Grécia antiga, conferiu à ética sua dimensão

moral.

Neste artigo, apresentam-se as definições de diversos autores.

Vasquez (1985) explica que ética é uma teoria ou ciência que estuda o comportamento

moral dos homens na sociedade. Tal perspectiva dá à ética uma abordagem científica.

Arruda (2005) sustenta que ética é a parte da filosofia que se ocupa da moralidade das

ações humanas, sejam elas boas ou más, apoiando-se na realidade humana, em que a

razão identifica e tem o conhecimento dos princípios morais universais corretos.

Srour (2003), antes de conceituar ética, define a moral como discurso normativo que

define a maneira correta de agir, compreendendo regras de comportamento e códigos de

conduta adotados pelas coletividades. Alerta que não se deve confundir ética com

moral. Como ambos os conceitos induzem a expressões consagradas, como “ética

socialista” ou “ética católica”, é mais adequado falar em moral socialista ou moral

católica. Somente quando pesquisadores produzem estudos sobre elas é que se pode

falar de ética socialista ou de ética católica. Dessa forma, a referência à ética

empresarial só tem sentido se estiver apoiada em estudos e pesquisas que tornem

inteligível a moral vigente nas empresas. Reforça o autor que, ao mesmo tempo, a ética

é a disciplina teórica que estuda sistematicamente as morais e que, por operar no campo

da reflexão ou das indagações, assume um caráter-formal, a moral trata das

representações imaginárias, que comunicam aos agentes sociais as expectativas em

relação a seus comportamentos, quais são aceitos e quais não são. Por isso, a moral tem

um caráter histórico e natureza simbólica; é empírica e observável, constituindo-se em

“matéria prima a ser processada” (SROUR, 2003, p. 31).

Weber (2001) explica que há a ética da convicção (deontologia – tratado dos deveres) e

a ética da responsabilidade (teleologia – estudo dos fins humanos). A teoria da ética da

convicção é pautada em valores e normas previamente estabelecidas para moldar as

ações a serem praticadas. Não tolera incertezas, descarta meios-tons e tem como

máximas: “Cumpra suas obrigações” e “Siga as prescrições”. É a teoria do tudo ou

nada, do sim ou não. Possui duas vertentes: a de princípio que se apega rigidamente às

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normas morais estabelecidas e tem como máxima “Siga as regras, haja o que houver”; e

a da esperança, que se apoia em ideais e é moldada em uma fé que remove montanhas,

cuja máxima preconiza: “O sonho antes de tudo” (SROUR, 2003).

A ética da responsabilidade não se atém a normas e prescrições. Seus agentes fazem

uma análise da situação e avaliam os efeitos previsíveis que uma ação pode gerar,

buscando resultados positivos para a coletividade. Uma de suas máxima é “Fazer mais

bem ao maior número de pessoas possível”. Também possui duas vertentes: a

utilitarista, que exige ações que produzam o máximo de bem para o maior número de

pessoas; e a da finalidade, na qual a bondade dos fins justifica as ações empreendidas,

desde que seja de interesse coletivo (SEOUR, 2003).

Enriquez (1997) sustenta que há, ainda, a teoria da ética da discussão, desenvolvida por

Jürgen. Segundo Habermas, que considera essencial que os homens possam trocar

argumentos racionais relacionados a interesses individuais em ambiente público de livre

discussão, em que cada um pode fazer concessões e em que normas aceitáveis por todos

serão criadas, essa teoria pressupõe que a ética da convicção (em que cada um defende

suas posições e não muda) cederá lugar à ética da discussão.

3.2 Ética empresarial

Nasch (1993) define que a ética empresarial é o estudo da aplicação das normas morais

das pessoas às atividades e aos objetivos de empresa. Mostra, dessa forma, que a ética

nas empresas se alinha aos valores da sociedade, uma vez que as pessoas enquanto

sujeitos sociais levam para as organizações seus princípios e crenças assimilados da

sociedade na qual estão inseridos.

A empresa ética é aquela que motiva seus empregados a se comportarem de modo ético

no ambiente de trabalho. Diversos problemas de natureza ética são evitados em função

da habilidade das pessoas em considerar os interesses de todas as partes afetadas para as

suas ações e decisões (AGUILLAR, 1996).

Srour (2003) formula que as empresas inseridas nas economias competitivas estão

submetidas a um jogo de forças entre os vários stackeholders (acionistas, clientes,

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fornecedores, gestores e pessoal qualificado) com os quais interagem, dispensando a

estes tratamento diferenciado, em função de sua importância, traduzido em sua

capacidade de retaliar ou agregar valor. Dependendo do peso que têm, são tratados de

formas diferentes.

Os empresários dividem-se em duas categorias: a) agentes a quem não convém

manipular com riscos elevados, capazes de comprometer a sobrevivência dos negócios

(aliados); e b) agentes que, com riscos calculados, assumem que poderiam ser

envolvidos em manobras que trariam vantagens para as empresas, as quais lançam mão

da moral da parcialidade do setor empresarial, adotando normas mistas de conduta

segundo suas conveniências oportunistas.

Defende o autor que a moral da parcialidade é um discurso permissivo, exclusivista, que

se restringe ao setor empresarial. Nesse sentido, tal qual a moral do oportunismo

brasileira, a moral da parcialidade prospera à margem das duas teorias éticas. Portanto, é

oficiosa e antiética.

Srour (2003) explica que não há apenas parcialidade na conduta das empresas brasileiras.

Com sua exposição à concorrência internacional, vêm experimentando um processo de

transição, que também ocorre na sociedade brasileira, que tem abandonado antigos hábitos.

Por exemplo, o “jeitinho” tem deixado de ser celebrado com a ênfase de outrora. Assim,

emerge nas empresas brasileiras a moral da parceria, resguardada pela ética da

responsabilidade, enquanto que a moral da integridade torna-se difícil de ser adotada,

devido ao rigor decorrente da ética da convicção.

Também sob o guarda-chuva da ética das responsabilidades, animadas pelos ganhos sociais,

as empresas passam a adotar práticas de responsabilidade social que, a partir de seu

compromisso com o bem-estar social, convertem parte de seus lucros em ganhos sociais

(SROUR, 2003).

3.3 Clima ético

Dentre as abordagens de clima ético, a mais comum é a que cruza três critérios éticos e

três referenciais de análise, tendo como resultado nove arquétipos de climas

(VICTOR; CULLER, 1987, citados por REGO, 2002, p. 53):

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a) Cruzamento de um critério egoísta com o referencial “indivíduo”. O arquétipo

é o autointeresse, no qual prevalecem as necessidades e preferências individuais,

como o ganho pessoal e a autodefesa. Já com o referencial “local”, são

enfatizados os interesses da organização, como lucro e vantagem estratégica, ao

passo que cruzamento deste critério com o referencial “cosmopolita” resulta no

arquétipo “eficiência”, que realça o interesse da sociedade e do sistema

econômico.

b) Cruzamento de um critério benevolente com o referencial “indivíduo”. É de

se esperar que as pessoas considerem umas às outras independentemente de

pertencerem à organização em que o clima de amizade e reciprocidade, por

exemplo, estejam presentes. Se o referencial é local, a consideração estará

voltada ao coletivo organizacional, num arquétipo de clima caracterizado por

cooperação, espírito de equipe e unidade da equipe. Quando o referencial for

cosmopolita, é de se esperar que a consideração esteja dirigida a entidades

exteriores à organização, por exemplo, responsabilidade social.

c) Cruzamento envolvendo critério deontológico. É o referencial da análise que

define as fontes dos princípios que se espera das pessoas. Portanto, se o

referencial for individual, é de se esperar que as pessoas ajam de acordo com

seus próprios valores éticos. Se o referencial for local, espera-se que o arquétipo

resultante seja caracterizado pela adesão das pessoas às regras, procedimentos e

diretrizes organizacionais. Se o referencial é cosmopolita, isto é, as fontes dos

princípios são externas à organização como sistema legal, conselhos e

associações profissionais, o arquétipo resultante é caracterizado pela obediência

à legislação ou ao código deontológico que rege o exercício da profissão do

indivíduo.

Rego (2002) explica que, em relação a essa tipologia de arquétipos, as pesquisas

empíricas não têm obtido evidências desses nove climas éticos; se não, entre cinco e

seis.

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3.3.1 Modelos de mensuração de clima ético nas organizações

Diversos modelos de mensuração do nível ético das organizações têm sido propostos.

Na década de 1970, Ackerman e Bauer (1976)3 apud Arruda e Navran (2000)

propuseram uma matriz de auditoria social capaz de avaliar o grau de seriedade com o

qual a empresa considerava as consequências de suas ações. Zadek (1994) propôs um

modelo de auditoria social cujo objetivo era observar e registrar medidas de

comportamento ético relacionados aos objetivos da organização em face de seus

stackeholders. Outro modelo é a norma internacional Social Accountability 8000

(SA8000), baseada em convenções de direitos humanos desenvolvida pelo Council on

Economic Priorities Accreditation Agency (CEPAA), dos Estados Unidos, que tem sido

implementada por empresas de todo o mundo (ARRUDA; NAVRAN, 2000).

3.3.2 O modelo de Arruda e Navran (2000)

Arruda e Navran (2000) sustentam que o modelo de Navran, baseado na congruência ou

consistência ética, tem por objetivo identificar a consistência ética de uma organização,

considerando dez indicadores de clima ético, quais sejam:

1º) Sistemas formais

Navran define que os sistemas formais de uma organização são constituídos pelos

métodos, políticas e procedimentos que definem claramente o seu negócio: como, onde

e por que ele se realiza. Quando tais sistemas apresentam um direcionamento ético

claro, os empregados têm uma compreensão correta das expectativas e exigências em

relação ao seu trabalho. Na ausência de tais sistemas formalizados, buscam na liderança

as orientações; na falta de um padrão ético, tornam-se dependentes de seus próprios

valores ou do comportamento observável dos outros.

2) Mensuração

Navran mostra que a congruência ética tem a contribuição dos sistemas formais até que

se mostrem confiáveis para representar as reais expectativas da organização. Regras e

3ACKERMAN, Robert; BAUER, Raymond.Corporate social responsiveness. Reston/Virginia: Reston Publishing/Prentice Hall,1976, p.15.

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normas claramente definidas contribuem para evitar a cumplicidade entre gerentes e

empregados. Assim, procedimentos de avaliação podem assegurar maior grau de

eticidade à organização. Dessa forma, as pessoas passam a prestar mais atenção àquilo

que é avaliado e medido, pois as recompensas são resultantes das avaliações.

.

3) Liderança

Segundo Navran, a liderança é crítica para o sucesso de organizações que buscam

aumentar a consistência ética. Mais que as palavras e políticas estabelecidas pelos

líderes, suas ações e comportamentos têm impacto significativamente maiores. A união

de todos é conseguida por meio do respeito à singularidade, garantindo maior satisfação

e qualidade no trabalho. O sentido de unidade favorece acordos em situações de

mudança e em ambiente de opiniões divergentes, tornando-se a base dos processos de

negociação que levam às melhores soluções, em vez de uma competição que resulta em

perdedores e ganhadores.

4) Negociação

Ensina que em toda organização os empregados lançam mão de estratégias de

negociação para solucionar conflitos. O sentido de unidade no local de trabalho, de

difícil mensuração, estimula a pontualidade, evita o distanciamento entre as pessoas e

favorece acordos em situações de mudança. Em ambiente de opiniões divergentes,

tornam-se a base dos processos de negociação que levam às melhores soluções, em vez

de uma competição que resulta em perdedores e ganhadores.

5) Expectativas

Segundo Navran, as exigências formais e informais de uma organização para atingir

resultados de sucesso se constituem nas expectativas que ela estabelece para seus

empregados. Quanto mais explícitas e congruentes elas forem, maior facilidade terão os

empregados em compará-las com seus valores e crenças sobre o que é certo e errado.

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6) Consistência

Navran esclarece: “a consistência ética ocorre quando todas as palavras e ações da

organização levam as pessoas a concluir que o mesmo conjunto de valores éticos é

válido a qualquer momento” (ARRUDA; NAVRAN, 2000, p. 31). A lealdade, o apoio e

a confiança no líder que dá exemplos de conduta e que é humilde ao corrigir seus erros

fortalecem a consistência ética. A ausência de consistência ética na organização leva o

empregado, por medo de cometer erros, a comportamentos de autoproteção, e a atitude

de evitar erros, muitas vezes, leva à redução do desempenho.

7) Chaves para o sucesso

Navran adverte que as chaves do sucesso, de modo geral, não estão limitadas à

automotivação, ao trabalho intenso e à excelência dos resultados. Em muitas

organizações, elas podem ser específicas e podem estar associadas a um novo produto,

ao apoio de um mentor ou a competências em áreas-chave. Quando apenas poucos na

organização têm acesso a estas chaves, quando há conflito de seus membros com as

posições éticas declaradas pela organização ou com valores pessoais amplamente

aceitos pelos funcionários é que emergem os conflitos éticos.

8) Serviço ao cliente

Navran explica que problemas podem surgir quando as organizações estabelecem um

padrão ético para seus clientes e outro para seus empregados. Se tais expectativas não

forem coerentes ou congruentes, surge na organização uma tensão que, muitas vezes,

resulta no mau tratamento do cliente pelos empregados, pois dificilmente os

empregados tratarão os clientes melhor do que a organização os trata.

9) Comunicação

Afirma Navran: quando as empresas não comunicam de forma eficaz o que esperam de

seus empregados, a probabilidade de alcançar resultados almejados é reduzida. Além de

orientação e reforço, as informações precisam ser bem disseminadas. A empresa deve

assegurar a seus empregados o conhecimento de seus padrões éticos, de suas posições e

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do que se considera uma conduta correta nas diversas situações do seu cotidiano. Estes,

por sua vez, precisam sentir-se coerentes com as exigências da empresa e saberem a

quem dirigir-se para obter respostas a suas preocupações éticas diante de situações

inusitadas.

10) Influência dos pares

Navran, diante da inegável influência dos colegas, mostra que quando as organizações

falham na comunicação de seus padrões éticos é de se esperar que os empregados

busquem neles reforço e orientações. Assim, a empresa pode influenciar o apoio dos

colegas, utilizando-os efetivamente como parte de um sistema informal de comunicação

e educação.

Segundo Arruda e Navran (2000), ao modelo de Navran, constituído dos dez

indicadores anteriormente descritos, foi incluído mais um, o de consciência ética, como

resultado de um trabalho conjunto de Frank Navran e o Centro de Estudos de Ética nas

Organizações / Escola de Administração de empresas de São Paulo / Fundação Getúlio

Vargas (CENE/EAESP/FGV). Nesse modelo, também foi incluída a corrupção, para

avaliar questões características do Brasil.

11) Consciência ética

Arruda e Navran (2000) explicam que nas empresas, às vezes, têm mais valor a

influência política e as relações pessoais do que a capacitação técnica e profissional de

seus empregados. São frequentes os casos de assédio sexual decorrentes do abuso de

autoridade na relação chefe–subordinado, além de desvios como sonegação fiscal,

suborno, propinas e presentes, que, muitas vezes, passam a ser entendidos como um mal

necessário à sobrevivência e à competitividade das empresas, não sendo considerados

como falta de ética dessas empresas.

Em organizações cuja imagem é de invulnerabilidade e onisciência, um gerente, por

exemplo, pode se sentir forçado, por medo, a esconder informações relacionadas a

situações que embotam a consciência pessoal e que possam evidenciar seu erro. Para

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Nasch, (1993), quanto mais baixo o nível hierárquico de um gerente, maior será a

tendência de ocultar fatos e informações que possam denunciar suas falhas.

4 Metodologia

Esta pesquisa pode ser considerada um estudo de caso quantitativo-descritivo.

O método de pesquisa é um estudo de caso, pois o alvo da análise é uma indústria de

autopeças Segundo Vergara (2003, p. 49), “estudo de caso é o circunscrito a uma ou

poucas unidades, entendidas essas como pessoa, família, produto, empresa, órgão

público, comunidade ou mesmo país. Tem caráter de profundidade e detalhamento”.

Trata-se de um estudo quantitativo, na medida em que os dados coletados por meio de

questionários serão tratados de forma quantitativa, isto é, utilizando-se procedimentos

estatísticos (VERGARA, 2003).

A pesquisa a ser realizada pode ser classificada como descritiva, que, segundo Vergara

(2003), é um tipo de pesquisa que mostra as características e opiniões de uma dada

população ou as características de determinado fenômeno, além de estabelecer

correlações entre variáveis e definir sua natureza.

4.1 Unidade de análise

Neste estudo de caso, a unidade de análise é a AUTOP, nome fictício de uma empresa

pertencente a um grupo multinacional do setor automobilístico, com várias unidades no

País e no exterior, Suas instalações industriais estão localizadas na região Metropolitana

de Belo Horizonte.

Em janeiro de 2008, a empresa contava 320 empregados. Seus produtos são

componentes de fundamental importância para a segurança dos veículos. Sua produção

diária atende às necessidades de montagem diária de cerca de 3.000 veículos, por meio

de uma linha de produção com elevado índice de automatização, que inclui robôs

utilizados na execução de atividades de elevada periculosidade e alta produtividade.

Seus sistemas de gestão da qualidade e ambiental são certificados. A empresa investe na

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qualificação de seu pessoal, em programas de desenvolvimento de lideranças,

programas de recompensas e programas de socialização dentre outros. Destaca-se entre

as empresas do grupo pelo alto nível de qualidade de seus produtos.

Desde 1993, a empresa possui um código ético, redenominado “Código de Conduta”,

em 2003, que estabelece regras relacionadas a:

� políticas de conduta nos negócios – conflito de interesses, sigilo, etc.;

� empregados – regras contra a discriminação nas oportunidades de trabalho,

discriminação, perseguição etc.;

� relacionamento com ambiente externo – boa fé, lealdade, honestidade, e

transparências com clientes, fornecedores e comunidade;

� saúde, segurança e meio ambiente – não poluir, o empregado do grupo não deve

expor os outros e a si a riscos que possam provocar danos à saúde e integridade

física;

� contabilidade e controle interno.

O grupo do qual faz parte a AUTOP realiza auditorias periódicas das normas do Código

de Conduta e protege os empregados que denunciam a violação do código.

4.2 Unidade de observação

Neste estudo de caso, a unidade de observação é constituída pelos empregados da

empresa, independentemente de seu cargo, posição hierárquica, idade, sexo, etc.

4.3 Coleta dos dados

Solicitou-se à empresa pesquisada, seguindo a trilha de Arruda e Navran (2000, p. 34),

que enviasse, no mínimo, 50 questionários respondidos, ficando a critério dela a escolha

dos respondentes em termos de composição interna, posições hierárquicas e funções,

filiais, idade, sexo, escolaridade, etc. A unidade de observação ficou constituída por 59

empregados da empresa, o que corresponde ao número de questionários respondidos.

Page 16: Ética empresarial: estudo de caso em uma indústria de autopeças

16

INDICADOR MEDIDAS

1. Sistemas Formais 1. Existe um código de ética na sua organização.

2. Existe uma política na organização que assegure que os funcionários estão cumprindo esse código

2. Mensuração 3 .Existe um sistema formal de avaliação de desempenho.

4. Liderança é a integridade pessoal e instintivamente buscar conhecer e agir de forma certa

5. Liderança é a forte confiança no trabalho em equipe, no poder do relacionamento horizontal

não vertical, realçando os pontos fortes dos demais e não sabendo todas as respostas

6. Liderança é compreender que o sucesso pessoal só pode vir do trabalho do grupo e atribui a todos

o crédito que lhes é devido.

7. Liderança é exigir subordinados fortes e sucessores potenciais, sem atropelá-los.

3. Liderança 8. Liderança é conquistar continuamente a confiança das pessoas.

9. Liderança é o desejo de assumir riscos e a fortaleza de não temer o fracasso.

10. Liderança é a contínua busca de educação: para o desenvolvimento próprio, a expansão

e a renovação.

11. Liderança é a contínua insatisfação com "as coisas como elas são", provocando mudanças para

melhor

12. Liderança é a habilidade de ouvir e aceitar más notícias e então ir para frente usando

a experiência como ferramenta de futuro desenvolvimento.

13. Liderança é o talento de às vezes rejeitar o lógico e decidir em função do instinto e do coração

14. Liderança é criar a percepção e a realidade de que o líder é visível e tocável.

4. Negociação 15. Em sua organização todos os funcionários, rotineiramente, engajam-se em uma negociação

como estratégia para resolver um conflito.

5. Expecttaivas 16. Existem critérios formais para seleção e promoção de empregados.

6. Consistência 17. Existe um sistema formal de punição para os funcionários que não cumprem os princípios éticos

7. Chaves para o 18. Existe, entre os funcionários, um clima amigável e harmonioso nas atitudes de cada

Sucesso dia, com consistência, respeito, iniciativa e reconhecimento.

19. Os funcionários que se sentem honradamente tratados tendem a transmitir a mesma honra e o

mesmo

8. Serviço ao cliente respeito em seus contatos com clientes atuais e potenciais, fornecedores e consumidores

20. Conheço minuciosamente o manual de normas da organização.

21. Todo empregado recentemente contratado tem acesso ao manual de normas da organização

9. Comunicação 22. Existe um sistema formal de punição aos funcionários que transgridem o manual de normas

da organização.

23.Existe uma política deliberada de disseminação de informações via INTRANET.

10. Influência dos

pares 24. A organização influencia seus funcionários a terem um comportamento cooperativo,

democrático e respeitoso para com seus pares.

25. Na organização as relações pessoais ou a influência política são muito mais valorizadas

que o preparo técnico-profissional dos funcionários.

26. Você já tomou conhecimento de que a sua organização não cumpre ou manipula informações

contábeis e financeiras.

27. Na sua organização o "suborno" junto ao poder público é usado para garantir a competitividade

11. Consciência ética ou a sua sobrevivência.

28. O assédio moral ocorre com freqüência na sua organização.

29. Quem pratica o assédio moral na organização é exemplarmente punido.

30. Quem pratica o assédio sexual na organização é exemplarmente punido.

Quadro 1 – Indicadores e medidas de clima ético

Fonte: Arruda e Navran (2000, p. 33), adaptado pelos autores

Page 17: Ética empresarial: estudo de caso em uma indústria de autopeças

17

O questionário utilizado para a coleta dos dados foi adaptado e tomou por base o

modelo de Indicadores de Clima Ético, de Navran, adaptado por Arruda e Navran

(2000). Compõe-se de questões que englobam os 11 indicadores apresentados por

Arruda e Navran (2000). O Quadro 1 apresenta as assertivas empregadas no

questionário utilizado na pesquisa.

O questionário contém 30 perguntas para os 11 indicadores. As assertivas relativas a

cada indicador foram expressas em termos de concordância. O respondente assinalou

sua resposta numa escala Likert de 1 a 5. Os critérios para a análise foram assim

estabelecidos: 1 e 2 foram considerados de baixa concordância; 3, de média

concordância; e 4 e 5, alta concordância. Cada um dos onze indicadores representa a

média dos valores indicados pelos respondentes para as respectivas assertivas.

5 Análise dos resultados

Para efeito deste estudo, a análise dos dados se ateve apenas aos dados relacionados aos

indicadores de clima ético, não contemplando dados demográficos. Foram respondidos

59 questionários, cujo resultado da tabulação dos dados é apresentado na TAB.1.

Tabela 1 – Estatísticas descritivas das questões do questionário

Indicador de Clima Ético Média

Desvio

Padrão Mediana

1 Sistemas formais 4,3 1,1 5,0

2 Mensuração 3,3 1,2 4,0

3 Liderança 4,2 1,1 5,0

4 Negociação 3,5 1,2 4,0

5 Expectativas 4,1 1,3 4,0

6 Consistência 3,9 1,3 4,0

7 Chaves para o sucesso 4,1 1,0 4,0

8 Serviço ao cliente 4,6 0,7 5,0

9 Comunicação 3,6 1,3 4,0

10 Influência dos pares 4,4 0,9 5,0

11 Consciência ética 3,0 1,7 3,0

Fonte: Dados da pesquisa

Page 18: Ética empresarial: estudo de caso em uma indústria de autopeças

18

Na análise dos indicadores apresentados na TAB. 1, a única variável apontada na

amostra como situação de baixo grau de concordância corresponde a consciência ética,

que obteve mediana igual a 3. Todas as demais variáveis apresentaram medianas

maiores ou iguais a 4, configurando situações de concordância em relação a tais pontos.

Cabe observar, que as assertivas referentes a consciência ética, ao contrário dos demais

indicadores, ao apresentarem baixo grau de concordância, revelam alto grau de

eticidade, tendo em vista que foram formuladas com ênfase em situações de má

conduta.

O indicador consciência ética é o que apresenta maior variabilidade (maior desvio

padrão), indicando heterogeneidade de opiniões, o que se explica pelo fato de que para

duas das cinco assertivas, 29 e 30 (Quadro1), o valor médio encontrado foi de 3,4 e 3,2,

respectivamente, indicando concordância média com falta de punição para assédio

sexual e assédio moral, enquanto que para as assertivas 25, 26, 27 e 28 (Quadro 1) as

médias indicaram baixo nível de concordância, com médias iguais a 2,1, 1,5, 1,8 e 1,8,

respectivamente, o que se traduz em alto grau de eticidade em relação aos aspectos

tratados nessas assertivas, quais sejam: valorização da competência técnica em vez da

política, manipulação de dados contábeis e financeiros, suborno e assédio moral.

Convém destacar os indicadores sistemas formais, liderança, serviço ao cliente e

influência dos pares, que alcançaram mediana 5 e representaram os pontos de maior

concordância. Destes, indicador serviço ao cliente foi o que apresentou a maior média e

a menor variabilidade, com desvio padrão de 0,7, o que, além de indicar o alto grau de

eticidade nas relações com o cliente, confirma o alto nível de disseminação e

consolidação da cultura da qualidade na empresa.

O alto de grau de concordância com os indicadores sistemas formais, liderança,

influência dos pares e chaves para o sucesso se explica pela existência de um código de

conduta amplamente conhecido e de avaliações periódicas, por meio de um programa de

desenvolvimento de lideranças de longo percurso, de incentivo e valorização de

comportamentos cooperativos, de programas de socialização e do fortalecimento do

relacionamento interpessoal.

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19

Quanto aos indicadores mensuração, consistência e comunicação, apesar de

apresentarem valores de mediana que indicam alto grau de concordância, suas médias e

desvios padrão indicam necessidades de melhoria em seu sistema de avaliação de

desempenho, na disseminação de informações, inclusive do próprio Código de Conduta

e dos instrumentos de punição a ele associados.

De modo geral, os resultados indicam que a AUTOP possui elevado grau de eticidade

entre seus empregados.

Com o objetivo de comparar as médias encontradas na pesquisa realizada na AUTOP

com os valores das médias das empresas participantes do painel de indicadores de clima

ético, apresentado por Arruda e Navran (2000), seus dados foram convertidos para uma

mesma base, isto é, da escala Likert 5 para a escala Likert 7, por meio de regra de três

simples, como mostra a TAB. 2.

INDICADORES

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Média

AUTOP

Likert 5 4,3 3,3 4,2 3,5 4,1 3,9 4,1 4,6 3,6 4,4 3,0 3,9

AUTOP

Likert 7 6,0 4,6 5,9 4,9 5,7 5,5 5,7 6,4 5,0 6,2 4,2 4,9

Empresas

4,6 4,8 4,8 5,2 5,0 5,2 5,1 5,5 5,2 4,9 5,0 4,6 Likert 7

Tabela 2 - Indicadores de Clima Ético das empresas participantes do painel ético e da AUTOP

Fonte: Arruda e Navran (2000, p. 35) e dados da pesquisa.

Comparando os dados da TAB. 2, na média geral, a empresa AUTOP apresentou grau

de eticidade de seus empregados mais elevado – 4,9, contra uma média de 4,6 das

empresas participantes do painel –, enquanto para os indicadores mensuração (2),

negociação (4), comunicação (9) e consciência ética (11) seu desempenho se mostrou

inferior ao das empresas participantes do painel, como revelam os valores grafados em

negrito na TAB.2.

Page 20: Ética empresarial: estudo de caso em uma indústria de autopeças

20

6 Considerações finais

O estudo realizado alcançou os objetivos propostos, na medida em que permitiu a

identificação dos padrões éticos da empresa pesquisada, caracterizados pelo elevado

grau de eticidade de seus empregados, até mesmo quando comparado com outras

organizações.

Predominam na organização: clima de cooperação, amizade, respeito ao cliente e

fornecedores, comprometimento com a qualidade dos produtos, respeito às normas de

conduta e a noção clara do papel das lideranças na organização, como demonstram os

elevados índices de concordância com os indicadores de serviço ao cliente, liderança,

influência dos pares, chaves para o sucesso e sistemas formais.

Essa percepção remete aos arquétipos de clima resultantes do cruzamento do critério

benevolente com os referenciais: indivíduo, local e cosmopolita, e do critério

deontológico com o referencial local, este último arquétipo relacionado ao alto nível de

concordância com o indicador sistemas formais.

Recomenda-se à organização pesquisada reforçar a consciência ética, especificamente

no que diz respeito aos instrumentos de punição ao assédio moral e sexual, e

implementar melhorias em seu sistema de avaliação de desempenho e na disseminação

de informações, inclusive do próprio código de conduta como pode ser constatado na

análise dos resultados.

Sugere-se, a partir deste trabalho, realizar pesquisas que avaliem a influência do clima

ético nas relações de trabalho, seu impacto na qualidade de vida no trabalho, a pressão

dos negócios sobre o grau de eticidade das organizações e a relação entre indicadores de

clima ético e outros indicadores de desempenho organizacional.

Portanto, a medição do clima ético nas organizações possibilita avaliar o grau de

eticidade, permitindo nortear ações estratégicas voltadas ao fortalecimento de uma

cultura ética. Num momento em que sociedade e governos se tornam mais rigorosos em

relação às condutas das empresas, a ética empresarial se consolida como ciência e as

empresas cada vez mais se fortalecem como agentes de controle social.

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21

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