ESTRATÉGIAS EDUCATIVAS PARA A PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA

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  • Estratgias Educativas paraa Preveno da Violncia

    Rosario Ortega e Rosario del Rey

    Braslia, novembro de 2002

  • As autoras so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro,bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO,nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e a apresentao do materialao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte daUNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio oude suas autoridades, nem tampouco a delimitao de suas fronteiras ou limites.

    Ttulo original: Estrategias educativas para la prevencin de la violencia:mediacin y dilogoPublicado originalmente pela Cruz Roja Juventud Espaa.UNESCO 2002UNESCO 2002 Edio brasileiraA edio brasileira foi publicada pelo Escritrio da UNESCO no Brasil

  • Estratgias Educativas paraa Preveno da Violncia

    Rosario Ortega e Rosario del Rey

  • edies UNESCO BRASIL

    Conselho Editorial da UNESCO no BrasilJorge WertheinCecilia BraslavskyJuan Carlos TedescoAdama OuaneClio da Cunha

    Comit para a rea de Cincias Sociais e Desenvolvimento SocialJulio Jacobo WaiselfiszCarlos Alberto VieiraMarlova Jovchelovitch Noleto

    Traduo: Joaquim OzrioReviso:Mirna Saad VieiraReviso Tcnica:Marlova Jovchelovitch Noleto e Maria Fernanda PiresAssistente Editorial: Larissa Vieira LeiteDiagramao: Fernando BrandoProjeto Grfico: Edson Fogaa

    Copyrigth 2002, UNESCO

    Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a CulturaRepresentao no BrasilSAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6,Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9 andar.70070-914 Braslia DF BrasilTel.: (55 61) 321-3525Fax: (55 61) 322-4261E-mail: [email protected]

    Ortega-Ruiz, RosarioEstratgias educativas para a preveno da violncia / RosarioOrtega e Rosario del Rey; traduo de Joaquim Ozrio Braslia: UNESCO, UCB, 2002.170p.

    Ttulo original: Estrategias educativas para la prevencin de laviolencia: mediacin y dilogo.

    ISBN:

    1. Problemas Sociais 2. Juventude 3. Violncia 4. Educao5. Cultura de Paz I. Del Rey, Rosario II. UNESCO III. Ttulo

    CDD 361.1

  • NOTA SOBRE AS AUTORAS

    ROSRIO ORTEGA catedrtica da Escola Universitria emSevilha e presta servios tambm como catedrtica naUniversidade de Crdoba. Alm disso, dirige o projetoAndaluca Anti-Violencia Escolar: SAVE e coordena o projetoeuropeu Tackling Violence in Schools on European-wideBasis. Em 2000, publicou Educar la Convivencia para Prevenirla Violncia e, atualmente, parceira do EuropeanObservatory of Violence in Schools.

    ROSRIO DEL REY bacharel em Pedagogia. Atualmente, professora colaboradora interina do Departamento dePsicologia Evolutiva e de Educao da Universidade de Sevilha.Alm disso, publicou diversos artigos e participou do projetode investigao Peer Support Project no Center for the Studyof Peer and Family Relationship in School of Psychology andCounseling da Universidade Survey de Londres.

  • SUMRIO

    Prefcio ..................................................................................................... 9

    Abstract ................................................................................................... 13

    Introduo .............................................................................................. 13

    1. OS PROBLEMAS DA CONVIVNCIA: FALTADE MOTIVAO, NATUREZA CONFLITUOSAE VIOLNCIA ESCOLAR ...................................................... 15Subsistemas de relaes interpessoais: a ecologiahumana do centro educacional .................................................. 20O problema da motivao para o estudo e oclima de conflito escolar ............................................................. 24O clima de conflito e o risco de violncia escolar .................. 29Trabalhar a convivncia para prevenir o clima deconflito e a violncia .................................................................... 32

    2. ENFRENTAR O CLIMA DE CONFLITO,PROJETANDO A CONVIVNCIA ..................................... 37Ensinar ou educar? ...................................................................... 39A convivncia no plana .......................................................... 42Alfabetizao emocional e vida em comum ............................ 44Como desenhar um projeto de educao paraa convivncia? ............................................................................... 48Primeira fase: anlise do contexto e avaliao prviadas necessidades ........................................................................... 48Explorando o clima de conflito escolar ................................... 51Segunda fase: compreender a situao e priorizara interveno ................................................................................. 52Terceira fase: planejamento e desenho das aesa serem desenvolvidas ................................................................. 55Quarta fase: o desenvolvimento das atividadese a seqenciao das mesmas ..................................................... 60Quinta fase: Avaliar como um processo de reflexocrtica estimula o avano ............................................................. 61

  • 8Fase Final: elaborao de um relatrio e publicaoda experincia ............................................................................... 64

    3. CONVIVNCIA E FORMAO DOS DOCENTES:O DILOGO COMO INSTRUMENTO ............................. 67O curso curto: uma estratgia de sensibilizao,iniciao e aprofundamento ....................................................... 69Atividade 1: Sentir um passo mais do que conhecer ........... 75Atividade 1: Buscando uma imagem clara de nossosistema de convivncia ................................................................ 85Atividade 2: Analisando os dados de um questionrio .......... 90Atividade 3: Hierarquizar a informao e priorizaras linhas de interveno .............................................................. 92Atividade 4: Desenhar um banco de atividades ...................... 95Para concluir ............................................................................... 102

    4. ATIVIDADES PARA MELHORAR O DILOGOE A CONVIVNCIA NA SALA DE AULA ..................... 105Atividade 1: a vida nas salas de aula ........................................ 108Atividade 2: a vida nas salas de aula II .................................... 112Atividade 3: E tu, como farias? ................................................ 116Atividade 4: Declarao Universal dos Direitos da Turma.... 119Atividade 5: O que quero ser quando crescer? Regressandoao futuro ...................................................................................... 122Atividade 6: Abusos verbais so abusos reais ........................ 125Atividade 7: Falar por falar ....................................................... 128Atividade 8: No se pode fazer nada ...................................... 131Atividade 9: melhor deixar acontecer? ................................ 133Atividade 10: Conhecidos, companheiros e amigos ............. 135

    5. APRENDER A PEDIR AJUDA: MEDIAOEM CONFLITOS ..................................................................... 139O conflito interpessoal no cenrio da escola obrigatria .... 140A mediao: uma estratgia de ajuda externa ........................ 143Quando e como implantar um programa demediao escolar? ....................................................................... 145O tempo, o espao, os papis e as condies da mediao ... 146Formao, atitudes e habilidades do mediador escolar ........ 149O desenvolvimento de um programa de mediao .............. 152Um processo de mediao ........................................................ 156

  • 9PREFCIO

    Miriam Abramovay1

    A violncia na escola um fenmeno complexo e ml-tiplo. Como aponta Debarbieux2 , existem escolas que so his-toricamente violentas e outras que passam momentaneamen-te por tais situaes. H violncias que so ocasionais, outrasque so permanentes e elas dependem tanto das condiesinternas quanto externas da escola. Por isso, o combate e apreveno violncia no podem ser feitos de maneira deter-minista nem fechada, mas requerem estratgias que modifi-quem o padro de relacionamento na comunidade escolar, aqual composta por alunos, professores, diretores e pais.

    Um aspecto fundamental para reverter um quadro deviolncia a construo de um senso de pertencimento comunidade. Na publicao Violnc ias nas Escolas3,constatou-se que este um dos fatores mais importantepara a construo de uma cultura de paz. Mas, para que essesenso de pertencimento exista, imprescindvel que a escolatenha regras claras e uma estrutura democrtica a fim de quetodos se sintam parte desta estrutura e representados no grupo.

    No entanto, no isso que tem acontecido, como sepercebeu na publicao. Em vez de ser um lugar seguro e deintegrao social, de socializao e de resguardo, a escola setornou um cenrio de ocorrncias violentas. Ela tem semostrado como um lugar onde as vrias modalidades de

    1 Professora da Universidade Catlica de Braslia.2 DEBARBIEUX, ric. La violence en milieu scolaire; la dsordre des choses.Paris: ESF diteur, 1999.

    3 ABRAMOVAY, Miriam e RUA, Maria das Graas (Coord.). Violncias nasescolas. Braslia: UNESCO, 2002.

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    violncia fsicas e simblicas - se manifestam de maneiraparticularmente intensa. Isso se deve, de um lado, ao fato deque a escola reflete tenses, frustraes e problemas queocorrem do lado de fora de seus muros e que interferemnegativamente na vida da comunidade. De outro, os grandesdiscursos sobre princpios e valores da educao j noencontram ressonncia na sociedade. A escola no preparamais para o mercado de trabalho, nem mais nica ouprincipal fonte de transmisso de conhecimentos sobre oacervo cultural da humanidade. Alm disso, a escola nocorresponde expectativa de abrir possibilidade de um futuropara os jovens.

    A percepo de que uma escola violenta manifes-tada nos discursos de alunos, professores, diretores e pais.Em seus relatos, na pesquisa citada anteriormente, os alu-nos expem, muito claramente, sua insatisfao em relao infra-estrutura dos prdios, reclamam da falta de vnculoentre o contedo das disciplinas e suas necessidades existen-ciais e profissionais e dizem que no gostam de seus profes-sores. Os docentes, de sua parte, reclamam dos alunos, queclassificam como indisciplinados e desinteressados. Cria-se,ento, um clima de conflito, transformando a escola em umlugar de sofrimento para alunos e professores. Prevalece afalta de dilogo e a convivncia se torna difcil, tensa e impe-ra nas relaes sociais a lei do silncio, to conhecida nomundo do trfico de drogas.

    Depois de muitos estudos, anlises e tentativas de com-preender os comos e os porqus da violncia nas esco-las, o momento atual o de buscar solues e alternativaspara esse problema. No Brasil e em diversas partes do mun-do, pesquisadores e estudiosos comeam a se debruar so-bre o tema, na tentativa de encontrar estratgias que sejameficazes no sentido de melhorar o relacionamento entre osatores da comunidade escolar.

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    dentro desse contexto que se insere o livro Estrat-gias Educativas para a Preveno da Violncia Mediao eDilogo. Ele se apresenta como uma ferramenta valiosa, quepermite abordar a questo de forma inovadora, pois consisteem um guia para lidar com os conflitos por meio de um con-junto de estratgias educativas e de preveno. A meta modificar o padro de relacionamento entre os atores dacomunidade escolar, visando melhoria da convivncia.

    A publicao mostra que a mudana de padro de com-portamento implica uma renovao dos relacionamentos demodo a alterar as relaes interpessoais, a fim de que todasas partes envolvidas se sintam representadas, ouvidas e par-ticipantes do ambiente no qual elas convivem. Para que issoocorra, imprescindvel fazer uma investigao e uma ob-servao crtica do processo, a fim de detectar quais so ascondies e os problemas especficos de cada estabelecimen-to, como defendem os organizadores do guia. Isso neces-srio porque, embora sejam especficos, esses problemas socomplexos e surgem em uma teia de relaes e atividadessociais que no se do no vazio. E, mais do que isso, nemsempre tudo explicitado por meio dos discursos: nas rela-es interpessoais esto envolvidos sentimentos, emoes quenem sempre so verbalizados.

    Em outras palavras, as relaes pessoais no so entesabstratos, mas processos concretos em que as pessoas se vemenvolvidas, dadas as condies e formas de comunicao quesomos capazes de ativar e manter. Assim sendo, a melhoriado clima no ambiente da escola e da convivncia entre aspessoas depende das possibilidades de cada um expor o quepensa e sente, permitindo que se solucionem os problemasconforme eles surgem afinal, a comunidade e a convivn-cia escolar so dinmicas.

    nesse mbito que a proposta do guia inovadora epode funcionar como um instrumento valioso para educa-

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    dores e membros da comunidade escolar no Brasil, pois noprope frmulas prontas e acabadas: em primeiro lugar, por-que ele parte do pressuposto de que qualquer intervenodeve ser feita de acordo com o que cada unidade consideraser o seu principal problema. Segundo, porque ele propealgumas estratgias de alfabetizao emocional e de vidaem comum que so construdas e aplicadas no dia-a-dia.Finalmente, fundamental que as linhas de interveno nosconflitos e em outros incidentes violentos que ocorrem naescola envolvam a maioria dos agentes educativos e, se pos-svel, a maioria dos estudantes.

    Afinal, a forma como interpretamos os conflitos e pro-blemas que necessariamente fazem parte da vida social umdos fatores mais importantes para avanar com boas ou msrelaes sociais. E como as boas ou ms relaes no se dono plano abstrato, mas so tecidas no dia-a-dia da convivn-cia; elas so processos concretos e como tais devem (e po-dem) ser trabalhados. , portanto, um trabalho preventivoem grupo e cooperativo, de educao sentimental e moral.

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    ABSTRACT

    This book primarily aims to establish a set ofprocedures, both theoretical and practical, for the mediationof conflicts within the school environment. The authorsprovide an ecological and a community approach to analyzethe uprising of school violence. Due to its content, the bookis mainly directed to teaching staff in their daily routine.

    According to the authors, the prevention of conflictsthat arise in schools must be understood and dealt with by amulti-disciplinary approach (e.g. creating a network to supportschool activities, thus avoiding isolation).

    The book is divided in eight chapters. They focus onthe identification of conflicts; the means to overcome them;the alternatives to face and prevent them from occurring;and it contains a discussion of didactic strategies for theschool context.

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    INTRODUO

    Em uma sociedade como a atual, submetida a mu-danas tecnolgicas to aceleradas, difcil saber quais voser as necessidades imediatas para o dia de amanh; domesmo modo, difcil tomar decises sobre onde colocaro rol de aspiraes de qualidade de vida. O que aconteceno mbito das sociedades desenvolvidas que, quanto maioro estado de bem-estar, maior conscincia social se produzcom relao melhoria das condies de vida. J no casodos que vivem nas regies pobres e muito pobres, ocorrealgo diferente, ou seja, a aspirao justa costuma ser a bus-ca de um mnimo que permita ir resolvendo as necessida-des bsicas, sem a qual no ser possvel falar do respeitoaos Direitos Humanos.

    A distribuio desigual da riqueza e os nveis dedesenvolvimento to extremamente diferentes entre regiese pases que esto em permanente comunicao, mediante

    1. OS PROBLEMAS DACONVIVNCIA: FALTA DEMOTIVAO, NATUREZACONFLITUOSA E VIOLNCIAESCOLAR

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    sofisticados sistemas tcnicos de distribuio da informao,fazem com que seja muito complicado afirmar que o que bom para um lugar no seja claramente insuficiente paraoutro; ou que aquilo que imprescindvel numa localidadeno o seja em outra, por ser considerado pouco relevante egeneralizado. Contudo, em todas as comunidades, qualquerque seja sua cultura, as pessoas tm uma aspirao comum: abusca da paz, a eliminao definitiva da guerra e da violncia,e a luta diria para melhorar a prpria qualidade de vida e ados que os rodeiam.

    Esta aspirao adquire diferentes formatos, de acordocom a formulao que lhe seja dada num determinado con-texto cultural, econmico ou social, mas, em geral, versa so-bre a base da necessidade de melhorar a qualidade de vidaatual. Este conceito est relacionado a um conjunto maisamplo de fatores, alguns dos quais no dependem diretamentedas pessoas que se vem afetadas. Por exemplo, a base eco-nmica, complexa em si mesma, neste mundo globalizadoem que vivemos, no depende, quase nunca, daquelas quedesejam melhorar a qualidade de vida das pessoas. Dessemodo, preciso levar em conta todas essas variantes, pois,caso contrrio, nossos discursos e nossas prticas podempecar por ingnuos.

    O FATOR HUMANO, O NCLEO DAQUALIDADE DE VIDA

    A qualidade de vida e a aspirao pela sua melhoriadeveriam ser interpretadas como um processo, no qual, mes-mo que existam fatores de difcil alterao, h outros nosquais podemos intervir. Felizmente, nem a cultura nem asociedade so realidades fixas; so, pelo contrrio, realida-des em contnua mudana, s quais o indivduo deveria sentir

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    que tem livre acesso, ou seja, deveria sentir que pode ir mu-dando com seu esforo individual e coletivo. importanteeste ponto, porque, quando falamos de melhoria da quali-dade de vida, atravs da educao, em seu sentido maisamplo, convm saber que, ao mesmo tempo, estamos ten-tando progredir na liberdade e na autonomia. E, emboranem tudo dependa diretamente de nossos esforos, umaparte substantiva passvel de ser mudada. Assim, aindaque, nem tudo possa ser controlado, h alguns fatores im-portantes, que no sendo controlveis, podem ser modifi-cveis. Tal o caso do importante fator humano presenteem todos os sistemas de vida.

    O fator humano parece uma generalidade excessiva,mas, se for considerado como um elemento de comunida-des de convivncia e de relaes sociais, fica mais simplesde ser entendido.

    De fato, a vida sempre uma vida social, composta pordiferentes redes de relaes interpessoais, que integram os ce-nrios ordinrios em que vivemos. As condies de vida e aatividade conjunta ou dependente de uns com respeito a outrosnos proporcionam um entremeado de relaes, nas quais en-contramos no s a origem de alguns de nossos problemas, comoa possibilidade de resolv-los e melhorar nossas prprias condi-es. Ningum se desenvolve no vazio social; ningum age iso-ladamente; e as dificuldades, que, com freqncia, aparecem,no foram geradas na solido.

    Neste sentido, adotar uma posio terica comunitriano um privilgio sofisticado; arrancar de uma base ada necessidade de progresso e de melhoria da vida, em todosos cenrios e ir em busca de melhoria daquilo que, por serparte de nossa identidade pessoal e coletiva, sempre umrecurso do qual disporemos.

    Aprender a fazer uma anlise comunitria das dificulda-des que nos assolam, alm de evitar o desnimo e a culpa

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    muitas vezes paralisadoras e pouco funcionais colocam-nosnuma boa posio em direo melhoria, pois aprenderemosa ver-nos, a ns mesmos e aos demais, como potencial de trans-formao e aperfeioamento. Anlises individualistas, forte-mente psicologicistas, economicistas ou abstratamente polti-cas, muitas vezes necessrias, nem sempre nos permitem visu-alizar recursos e instrumentos de mudana. por isso quens (Ortega, 2000) adotamos uma perspectiva comunitria eecolgica em nossa anlise da convivncia escolar.

    REDES SOCIAIS, CONVIVNCIA EQUALIDADE EDUCACIONAL

    Chamaremos de redes sociais de participao o entre-meado de relaes interpessoais, em que cada um est envol-vido, ao participar de atividades, no importa de que nature-za, no somente as de carter individual, mas, tambm, aque-las que implicam compartilhar comunicao, idias, sentimen-tos, emoes e valores. As redes sociais de participao po-dem ser produzidas pela deciso livre de fazer algo com ou-tras pessoas porque o sistema institucional o que organizanormalmente as sociedades impe cenrios, nos quais serealiza uma atividade conjunta. Desde a famlia, como o gru-po mais prximo, no qual cada um nasceu, at a incluso emassociaes e partidos polticos, assim como em grupos dereferncias auto-escolhidos, os seres humanos vivem muitotempo em cenrios de convivncia.

    A ao conjunta, quando complexa e culturalmenteorganizada, ao se converter numa verdadeira atividade, pro-porciona sentido pessoal e significado social a tudo o quecada um faz, diz, pensa e expressa. A comunicao com osoutros vai estabelecendo o discurso prprio e compartilha-do e nos traz, pouco a pouco, certos sinais de nossa identi-

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    dade social. Finalmente, os conhecimentos, emoes e sen-timentos, compartilhados com os demais, permitem-nos iralimentando o processo de desenvolvimento e as aprendiza-gens que a vida nos oferece. Consideraremos aqui a aprendi-zagem e o desenvolvimento no como processos muito con-cretos e regulamentados, mas como elementos da trajetriade vida das pessoas, quando aspiram melhoria de suas con-dies de vida e, de uma ou outra forma, a busca de bem-estar e de felicidade.

    Considerando desta forma to ampla os processos de de-senvolvimento e aprendizagem, a educao pode ser vista comoo conjunto de sistemas, mais ou menos formais, dos quais nosdotamos para obter o aperfeioamento possvel de ns mesmose de nossas condies de vida. Ora, regressando ao ponto departida a educao , em grande parte, um processo que acon-tece nos mbitos de atividade e comunicao em que vivemos.mbitos esses, nos quais, alm do cenrio mais ou menos fixo,composto pelas condies que nos so dadas, como se disseantes, e que so condies determinadas por fatores econmi-cos, culturais e polticos nem sempre por ns controlados esto presentes, permanentemente, as redes de relaes interpes-soais, que compem o tecido humano no qual vivemos, e sobre oqual poderamos ter uma influncia mais objetiva. So os siste-mas de relaes entre as pessoas o ncleo bsico da convivn-cia, do qual, em grande parte, dependemos e sobre o qual pode-mos influir, medida que vamos adquirindo conscincia de comoso essas relaes e de como poderiam ser melhoradas.

    A forma com que administramos nossa relao em co-mum, com que nos dirigimos aos outros e permitimos que osoutros se dirijam a ns, como impomos nosso critrio ou des-cobrimos o critrio alheio, as expectativas que provocamos nosdemais, e as que ns fazemos de como os demais se comporta-ro ou nos trataro, constituiro um fator importante em nos-sos projetos de aprendizagem emelhoria das condies de vida.

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    Isto possvel porque as relaes interpessoais tmtodas, alm de componentes que nos so alheios e que nemsempre conhecemos e tampouco dominamos, um compo-nente interpsicolgico. Ou seja, esto compostas pelos siste-mas de comunicao, poder, atividade, conhecimentos e afe-tos compartilhados, que permitem o entendimento positivoe, portanto, o progresso na percepo de satisfao pessoal,ou, pelo contrrio, podem ser foco de desencontros, confli-tos e problemas que afetaro nossa vida pessoal, dificultan-do a melhoria de bem-estar e a aspirao de felicidade. Nos-sas relaes interpessoais no so um elemento estritamenteobjetivo, ainda que sejam um elemento estritamente real econstatvel de nossa vida; nossas relaes interpessoais sevem permanentemente conotadas por sentimentos e emo-es que afetam nossa identidade subjetiva. Assim, repetiu-se at saciedade que um componente to importante, comoo a auto-estima, requer uma contnua alimentao do afetopositivo e a estima dos que nos rodeiam.

    No somos sujeitos fechados, mas em permanentecontato com os outros. Muitas vezes, somos parte da iden-tidade social daqueles com os quais convivemos emborasem a verdadeira conscincia disso. Ser membro de um pe-queno grupo ou de um coletivo nos traz caractersticas econdies que devemos aprender a integrar como uma zonaaberta de ns mesmos, porque estas no nos pertencem porinteiro. Ser membro de uma rede social bem articulada jnos garante o estmulo necessrio para enfrentarmos tare-fas difceis de executar sozinhos, mas tambm nos colocadiante da necessidade complementar de cuidar da rede, jque os problemas que a afetam terminaro nos afetandopessoalmente.

    Por sua vez, estas relaes, tanto pela prpria naturezapsicolgica dos seres humanos como porque as necessida-des individuais e os estilos prprios de ser e estar so muito

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    diversos, nunca so simples nem estticas. Conflitos de todaordem, problemas conjunturais ou permanentes, tenses, mal-entendidos, paixes pouco reflexivas, amores e dios, assimcomo amizades e altrusmos so o prprio molho onde secozinha a vida social interpessoal. A forma como interpreta-mos os conflitos e problemas, que, necessariamente, vo sur-gir em nossa vida social, ser um dos fatores mais importan-tes para ir avanando com boas ou ms relaes sociais.

    As boas e as ms relaes interpessoais no so entesabstratos, mas, sim, processos concretos nos quais nos ve-mos envolvidos, devido capacidade que tivermos de ativare de manter as formas de nos comunicar com os outros. Nestesentido, importante no esquecer que a vida em comum tam-pouco acontece no vazio, mas em cenrios concretos. Assim,ao conjunta, comunicao e vida afetiva em comum serotrs elementos que atravessam os eventos da vida de cada umnos cenrios fsicos e simblicos em que vivemos.

    Contudo, ocorre com freqncia que se encontra, nombito das instituies educacionais leia-se a famlia, a es-cola e as instituies sociais, que tm alguma funo de aju-da ou apoio social um discurso expresso sobre at que pontoa qualidade da vida um fator decisivo na obteno de ou-tras qualidades como a educacional. Pelo contrrio, no acon-tece isso nos mbitos como o da proteo sanitria ou soci-al. No recente relatrio europeu, elaborado por um amplogrupo de especialistas (Salomaki e outros, 2001) Proposalfor an Action Plan to Combat Violence in Schools, sob osauspcios da Comisso Europia e em colaborao com oCentro de Promoo da Sade da Finlndia, do qual tivemosa oportunidade de participar (Ortega, 2001), faz-se a meno,de forma clara, de que o combate da violncia escolar devecontar com instrumentos de melhoria das relaes que, atuan-do de forma preventiva no processo da convivncia escolar,terminem por evitar a violncia juvenil; ou seja, em contextos

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    de sade e de desenvolvimento social, menos especializados nainstruo e mais abertos ao modelo de anlise comunitria doque o at agora seguido na educao formal, vai-se estabelecen-do a busca do bem-estar mais como parmetro de melhoria davida de relao interpessoal do que de interveno direta.

    Entretanto, considerando que a escola , alm de umcenrio de instruo, um mbito de convivncia, cada vezmais preciso entender que seus efeitos no devem limitar-se a saberes concretos, mas que se necessita tambm estaratento para seus efeitos na formao geral da personalidadeindividual e social de seus protagonistas e agentes. Comoveremos mais adiante, estamos pensando nos estudantes, masno deixamos de pensar na trajetria profissional dos do-centes que, tambm, so afetados pela alta ou baixa qualida-de do sistema de convivncia que as escolas estabelecem.

    Aprender a conviver um seguro de habilidades soci-ais para o presente e para o futuro; , portanto, um indicadorde bem-estar social. Por sua vez, visto de seu lado negativo,o efeito de risco, situado na permanncia por tempo prolon-gado em cenrios e sistemas de convivncia muito conflitu-osos, quando no claramente violentos, aumenta, de formaimportante, outros riscos sociais, como a tendncia ao con-sumo de produtos nocivos sade, hbitos de consumo defumo e lcool, etc.

    Deste modo, retornando brevemente s orientaes depreveno do relatrio europeu, que comentamos anterior-mente, preciso resumir algumas idias e recomendaes,que aparecem em seu prembulo e que aqui vamos conside-rar decisivas. So as seguintes:

    a abordagem da preveno dos conflitos associados violncia deve ser interdisciplinar; desde os servi-os de sade mental s instituies de proteo so-cial e os centros de educao formal deveriam seenvolver na preveno;

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    todo plano de ao deve ser global e coordenado:das instituies de sade s educacionais e s de pro-teo e solidariedade;

    fundamental a formao do magistrio, em todos osnveis, para que a preveno venha includa nos planoseducacionais, diretamente vinculada ao currculo.

    Interdisciplinar, para ns, significa que, quando o as-sunto to importante e suas possveis conseqncias sobrea populao to srias e graves, como o alto grau de natu-reza conflituosa da sociedade, suscetvel de se tornar umambiente de cultivo de fenmenos de violncia, nenhum gru-po profissional ou de poder deve atribuir a si o controle totalsobre sua anlise e seus mtodos de trabalho. Nada fez maisdano escola do que seu isolamento do curso geral dos me-lhores valores sociais, como so a sensibilidade para a mu-dana, a ateno s camadas mais desfavorecidas da popula-o, o papel primordial em programas de ajuda a outros, etc.A escola no pode estar isolada, ainda que precise, em gran-de parte, de um espao prprio e de certas condies espec-ficas. A escola tem que estar aberta ajuda que lhe vem defora, de outros organismos sociais e solidrios.

    Global significa aqui que preciso considerar que to-dos os sistemas, agentes, recursos e protagonistas devem sertomados como importantes, tanto na hora do estudo do fe-nmeno como, principalmente, na hora das propostas de in-terveno. Neste sentido, preciso considerar que a escolano um limite fechado, que pertence exclusivamente aosdocentes e aos alunos; no s as famlias, mas tambm asentidades sociais, que rodeiam os cenrios educacionais, tmresponsabilidade nos fenmenos e devem ser chamadas parabuscar a solidariedade e o apoio que a escola necessita pararesolver seus conflitos.

    Finalmente, necessrio ter presente que nada podeser feito sem contar com a clara conscincia profissional dos

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    docentes, seus desejos de atuar e seu entusiasmo para mudaras coisas. Para isso, preciso que o magistrio se sinta apoi-ado pela sociedade, ajudado em suas tarefas e com recursossuficientes para atuar em planos inovadores e de progresso.

    SUBSISTEMAS DE RELAESINTERPESSOAIS: A ECOLOGIA HUMANADO CENTRO EDUCACIONAL

    A comunidade educacional est composta por um sis-tema de redes de relaes interpessoais, de diferente nature-za, que se articulam tanto aos sistemas de atividades quantoaos sistemas sociais de status, papis e funes escolares.Neste sentido, distinguimos (Ortega e Mora-Merchn, 1996)trs grupos: o composto pelos docentes e, em geral, pelopessoal do estabelecimento escolar, com responsabilidadesacadmicas, da direo, administrao, segurana, auxiliares,etc., o que poderamos chamar sistema dos adultos respon-sveis pela atividade. No nos deteremos aqui na anlise des-te importante subsistema de relaes interpessoais que, tam-bm, d lugar a um nmero considervel de conflitos, en-quanto cumpre a importante tarefa de ser a prpria via emque acontece a parte mais relevante da atividade acadmica:o planejamento e o desenvolvimento do currculo.

    O segundo o que se organiza em torno do desenvolvi-mento efetivo do currculo, onde ocorrem relaes verticais ehierarquizadas acerca do vnculo entre os(as) professores(as)e seus (suas) alunos(as). Aqui a unidade central a relaoprofessor/aluno(a). Dentro deste subsistema, altamente pre-sidido pela exigncia de se obter resultados acadmicos, as re-laes so hierarquizadas em termos de poder e comunicao,as expectativas de uns com respeito a outros esto muito co-notadas pelas convenes e normas que foram estabelecidas,

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    dada a funo instrutiva da atividade e, finalmente, os confli-tos e problemas, que possam aparecer, tendem a ser resolvi-dos, de certo modo, com procedimentos de dilogo e negoci-ao, nos quais no existe, de fato, a reciprocidade.

    O docente tem um papel de autoridade real e delega-da da sociedade e, mesmo quando a exerce com o mximorespeito ao outro, no igualitria quanto ao() aluno(a). Mui-tos conflitos e problemas vo acontecer no seio deste sub-sistema de relaes; entre eles, um dos mais importantes, doqual trataremos em seguida, o da falta de motivao para astarefas acadmicas dos estudantes e o da indisciplina escolar,mas, tambm, o desnimo profissional dos docentes sobre oque no trataremos aqui.

    Alm destes subsistemas de relaes interpessoais, aecologia social do estabelecimento escolar deve contar, cadavez mais, com o terceiro grupo, ou seja o subsistema dosiguais. Os grupos dos iguais, como agentes socializadores,no despertaram interesse at muito recentemente (Ortega,1994); contudo, os iguais so importantes como construto-res de atitudes e capacidades de relao. So os companhei-ros e companheiras, com os quais se encontram os meninose meninas nos estabelecimentos escolares e nos lugares detempo livre. Os iguais, como esperamos deixar evidente maisadiante, constituem redes sociais que, dada sua composioe tipo de sentimentos e emoes que tecem entre si, apre-sentam-se como uma das estruturas sociais de participaomais importantes na hora de se estudar e compreender osconflitos e problemas que podemos encontrar nos estabele-cimentos escolares.

    No obstante, junto aos problemas, os iguais so tam-bm a fonte de onde podem vir as respostas. Nada mais po-tente que os grupos de companheiros e companheiras em-penhados em levar adiante projetos comuns de ajuda a ou-tros. Fiel reflexo disso estamos vendo, atualmente, nos gru-

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    pos de jovens voluntrios que se apiam em atitudes, conhe-cimentos e valores compartilhados.

    A reciprocidade afetiva e a responsabilidade sobre os atosprprios so condutas que a maioria dos escolares aprendemno mbito das relaes com seus companheiros e companhei-ras. A imensa maioria aprende, de forma espontnea, na trans-formao das relaes com os outros, a compreender e a prati-car as leis da solidariedade e da amizade ou, ao menos, do res-peito ao outro, no mesmo nvel em que deseja ser respeitada.Mas uma significativa minoria no s no aprende a ser amvele solidria com seus companheiros, como pode estar aprenden-do exatamente o contrrio: a no ser amvel, a ser agressiva ouinjustificadamente cruel com seus iguais.

    Quando se produz um forte desequilbrio na distribui-o do poder social dos iguais, que, teoricamente pelo me-nos, deveria estar regido por pautas de equidade e sentimen-tos de fraternidade, comea um processo que pode terminarem obscuros fenmenos de assdio, hostilidade e maus tra-tos, que convertem o conflito entre iguais num problemamuito mais srio do que imaginamos.

    Assim, um olhar ao contexto e s atividades que aconte-cem no microssistema dos iguais nos mostra, junto com umazona difana, uma zona muito obscura, caracterizada pela apa-rio e manuteno de graves problemas de violncia interpes-soal, dos quais trataremos mais adiante.

    Em todo o caso, o que no podemos esquecer que,entre os(as) companheiros(as) escolares, do mesmo modo queentre os docentes e entre estes e os estudantes, surgem confli-tos, e deve-se aprender a resolv-los no dia-a-dia em que apa-recem. Assim, vai depender do xito na resoluo dos con-flitos para que a ecologia do centro seja equilibrada e avancede forma satisfatria para todos(as), ou que apaream sinais,mais ou menos evidentes, de clima de conflito, ms relaesou violncia escolar.

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    Contudo, a percepo do tipo de problemas sociais, quesurgem na convivncia diria, no homognea. Enquanto osestudantes podem estar sentindo que sua vida est sendo afeta-da mais pelas relaes com seus iguais, os docentes podem estarinterpretando que est havendo um problema de falta de moti-vao, ausncia de disciplina ou rejeio geral vida acadmica.

    A partir deste marco conceitual bsico, entendemos ofenmeno do clima de conflito como um processo reversvel,ou seja, como um problema complexo, que nos mostra atonde as ms relaes interpessoais podem nos levar quandono se est consciente da natureza social, cultural e psicolgi-ca das relaes interpessoais. Porm, por sua vez, um fen-meno suscetvel de sofrer interveno com estratgias educa-cionais no alheias prpria cultura escolar. Um bom exem-plo desta forma de ver as coisas observar como os conflitosque, em si mesmos, no deveriam ser considerados um pro-blema fixo, podem dar lugar a verdadeiros fenmenos de vio-lncia, quando no se dispe de instrumentos de anlise e deatuao para desativar as zonas escuras em que acontecem.Um exemplo do que consideramos complementar observarcomo a interveno, que melhora a resoluo de conflitos, con-seguindo que as pessoas aprendam a resolv-los de forma di-alogada, pode melhorar o clima na rede de convivncia e, as-sim, prevenir os fenmenos violentos.

    O PROBLEMA DA MOTIVAO PARA OESTUDOEOCLIMADECONFLITOESCOLAR

    Infelizmente, a pesquisa (Defensor del Pueblo, 2000)nos mostra que o que mais preocupa o magistrio a origemdo conflito escolar e suas diferentes causas. Assim, diante dafalta de motivao para o estudo e para as tarefas escolares,vista como um dos problemas atuais dos estabelecimentos

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    escolares, especialmente os de ensino mdio, podemos cons-tatar que se escondem processos um pouco mais complexos,que se fazem menos presentes como explicao. Analisemosum deles, o problema da falta de motivao dos estudantes,como causa do clima de conflito na escola, considerando que,em outras ocasies, a falta de motivao tambm pode serconsiderada como problema de ambiente escolar conflituo-so, ou seja no sentido contrrio.

    A motivao para o estudo e o respeito s normas soconstitudos de atitudes sociais, que fincam suas razes em pro-cessos psicolgicos nada fceis de serem explicados, porque,por sua vez, tambm se apiam em outros processos, dos quaisa cultura escolar no tem estado, de hbito, muito consciente.Estar atentos s explicaes do professor, tratar de compreen-der contedos acadmicos, que esto quase sempre acima doque a ateno do(a) aluno(a) pode captar sem esforo, estudar eresolver conflitos cognitivos requerem um esforo intelectualque significa dominar, ao mesmo tempo, muitas coisas.

    A motivao para o esforo intelectual sempre umamotivao intrnseca, gerada no entusiasmo, e as atitudes po-sitivas, quando se percebe que o esforo a ser feito ter umarecompensa, alcanaro sucesso. Deve haver um mnimo deauto-estima para poder perceber que o benefcio do estudo,sempre a longo prazo, ser algo que redundar numa melho-ria da prpria identidade pessoal. Assim, considerando queos benefcios diretos nem sempre podem ser vistos, muitosalunos, que no recebem apoio externo de suas famlias oude seus professores, no podem encontrar essa motivaointerna que se exige. A motivao para o estudo brota comoconseqncia do xito prvio. Contudo, o sistema de trabalhoescolar, particularmente tendente para os resultados diretos,deixa alguns meninos e meninas por vezes muitos mar-gem do fluxo da estima acadmica e do benefcio direto doxito escolar, que o que alimenta a auto-estima.

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    A estima acadmica supe o reconhecimento social deque o esforo do estudante em seu trabalho foi reconhecidopela sociedade como um esforo que importante, quandose mostra positivo, atravs de boas notas, o que inclui umaespcie de mensagem simblica de que tudo vai bem e queesto sendo cumpridas as expectativas que nele foram deposi-tadas. Contrariamente, o fracasso acadmico alimenta a sensa-o de fracasso geral, de queda da auto-estima pessoal; condi-es em que a motivao interna falha e o desnimo impera.

    Muitos meninos e meninas, que no encontram nasatividades e tarefas escolares sentido prtico e que tampou-co dispem da pacincia e necessrio controle de seu pr-prio projeto vital para esperar uma demorada recompensa,entram num processo de rejeio das tarefas, de tdio diantedas iniciativas dos professores ou de claro afastamento. Tra-ta-se de um tipo de atitude de rejeio aos valores escolares,que no tem sempre as mesmas causas, mas que visto pelosprofessores como desnimo e falta de aceitao de suas pro-postas. Diante dos alunos, parece causa suficiente de expres-so de desnimo e confuso, o que d lugar a fenmenos deafastamento, rebeldia injustificada, falta de ateno e de res-peito, quando no de clima de conflito difuso e permanenterejeio ao estilo das relaes que se estabelece.

    Muitos dos conflitos interpessoais dos docentes com seusestudantes tm uma origem no mal entendido sobre expecta-tivas de rendimento acadmico, formas de apresentao dasatividades, avaliaes mal interpretadas, quando no direta-mente no desprezo de uns para com os outros, consideradosseus respectivos papis no processo de ensino.

    Tudo isso no significa que a escola deva deixar de ava-liar e proporcionar a cada estudante a valorizao que mere-ce seu esforo; contrariamente, significa que esta operaotem que ser feita com elevado respeito ao esforo que o es-tudante realiza, fazendo-o ver o que est executando bem e

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    o que tem que mudar e, sobretudo, inform-lo dos recursose instrumentos de que dispe para que melhore seu rendi-mento, sem que sua estima pessoal seja abalada.

    difcil no estar de acordo com os docentes, quan-do se queixam da falta de motivao e de interesse de umconjunto, s vezes muito numeroso, de meninos e meni-nas, que adotam uma atitude passiva e pouco interessadadiante do trabalho escolar. De fato, este um dos proble-mas mais freqentes com os quais os profissionais tmque lidar. Contudo, paradoxal a escassa conscincia que,freqentemente, ocorre sobre a relao entre a falta demotivao estudantil e os sistemas de atividade acadmi-ca. como se fosse difcil reconhecer, por um lado, que aaprendizagem uma atividade muito dura, que exige n-veis de concentrao altos e condies psicolgicas id-neas e, por outro, que o ensino, igualmente, uma tarefacomplicada, que precisa ser planejada de forma amena,interessante, variada e atrativa.

    No se trata, pois, de responsabilizar um ou outroplo do sistema relacional professores/alunos/currculo,mas de compreender que estamos diante de um processomuito complexo, cujas variveis no s precisam ser co-nhecidas, porm, manipuladas de forma inteligente e cria-tiva. fcil culpar o estudante que no estuda, to fcilcomo culpar de incompetente o profissional do ensino; odifcil, mas necessrio, no culpar ningum e comear atrabalhar para eliminar a falta de motivao e os conflitosque esta traz consigo.

    Ainda que a motivao para o estudo e para as ativida-des escolares no possa ser, ou no deveria ser, em si mesma,fator desencadeante de conflitos sociais, j que, como vimos,mais que problemas so assuntos de competncia e comple-xidade profissional, o certo que muitos problemas no cli-ma de conflito incluem o assunto da motivao.

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    As iniciativas de melhoria da convivncia, quando tmxito, provocam melhoria nas atitudes, mas no necessaria-mente incrementam a motivao de xito acadmico nosalunos, que no a tinham antes. Na cultura escolar, muitosprocessos esto articulados, mas no tanto para que a atua-o redunde em efeitos diretos em todos eles. Com isto,queremos dizer que no se pode esperar dos programas demelhoria da convivncia o milagre de que resolvam o dfi-cit no planejamento e desenvolvimento da instruo e, por-tanto, no xito acadmico de quem no tem interesse pelasatividades escolares, ou no suficientemente estimuladopara elas.

    Em resumo, ainda que a falta de motivao dos alu-nos para assumir o esforo intelectual, que a vida acadmi-ca exige, no tenha por que ser mais problemtica do queoutros assuntos difceis do ensino e da aprendizagem, ter-mina sendo um problema de relaes porque cria um per-verso sistema de culpabilidades no reconhecidas, no as-sumidas e no eliminadas. Consideraremos, pois, a falta oua queda da motivao como um dos fatores que incide, ne-gativamente, no clima social do estabelecimento escolar eque torna mais agudos os problemas de maus relaciona-mentos em todos os sentidos, mas, especialmente, na rela-o entre professores e alunos.

    A DISCIPLINA ESCOLAR E O CLIMA DECONFLITO

    A disciplina se refere ao sistema de normas que umaorganizao se proporciona a si mesma e obrigatoriedade,ou no, de que cada membro do grupo social cumpra algu-mas convenes que, para que sejam passveis de serem as-sumidas, devem ter sido democraticamente elaboradas e

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    revisadas criticamente por todos os membros da comunida-de. Ocorre isto com as normas disciplinares da escola? Nemsempre, e no em todos os seus aspectos, nem em todos osestabelecimentos. Commais freqncia do que reconhecemos,os alunos no participaram na elaborao dos cdigos de con-duta da escola, nem nos sistemas de agrupamento, nem nodesenho das atividades, nem so conhecedores dos problemasfuncionais que o cumprimento das normas implica, nem selhes mostrou o caminho adequado e democrtico para resol-verem os conflitos que a dinmica da convivncia produz.

    Trata-se de uma forma de exerccio do poder que, nosendo democrtico, provoca disfunes no reconhecimentoda identidade social dos que dele participam. Se o que estbem ou est mal, o que se pode ou no se pode fazer no pdeser discutido, difcil assumi-lo como prprio. Quando os alu-nos se sentem sujeitos passivos em assuntos que os afetam,no se identificam com o esforo que preciso fazer para ocumprimento de normas que vem como alheias.

    Desta forma, a elaborao das normas e convenesque devem ser assumidas, e que constituem a base da disci-plina escolar, converte-se num problema que gera um climade conflitos difcil de se definir, mas muito bem percebidocomo uma deteriorao da convivncia. Os docentes sen-tem que, sem um mnimo de ordem e aceitao de certasnormas, no possvel trabalhar, enquanto que os alunos,por no terem participado da elaborao das regras e con-venes, no reconhecem como prprias as obrigaes e res-ponsabilidades que lhes cabe assumir.

    Assim, a compreenso da natureza do tecido social,que compe o ecossistema humano escolar, no fcil; re-quer o aprendizado da descrio e a anlise das estruturas departicipao assim como as dinmicas de poder, comunica-o, sentimentos, emoes e valores que se desencadeiamno dia-a-dia da convivncia escolar

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    Compreender que nem todos os problemas tm um fun-do idntico, mas que muitos deles se cruzam e se alimentamentre si, permite-nos a adoo de uma posio multicausal, semque isso signifique confuso. Compreender que o clima de con-flito, que deriva da falta de motivao para a tarefa, a ausnciade normas claras e democraticamente elaboradas, j um avan-o; entretanto, preciso analisar, tambm, outros fenmenosque acontecem no convcio escolar e que podem ir alm doclima de conflito inespecfico, que at agora descrevemos.

    O CLIMA DE CONFLITO E O RISCO DEVIOLNCIA ESCOLAR

    A partir do exposto, queremos concentrar-nos, agora,em um dos fenmenos mais srios que pode aparecer noestabelecimento escolar, quando no se planeja e no se dateno convivncia, no se abordam os conflitos de for-ma dialogada e democrtica, ou se desconhecem tais chavesocultas, que, s vezes, o microssistema de relaes interpes-soais dos alunos entre si encerra.

    Muitas vezes, por diferentes razes, o sistema de rela-es dos iguais se configura com uma certa estabilidade mi-crocultural, sob um esquema de domnio-submisso, que in-clui convenes moralmente pervertidas e injustas, em que opoder de uns e a obrigao de obedecer de outros constitu-em esquemas rgidos de pautas a seguir.

    Protegidas pelo isolamento, estas rgidas pautas de po-der e controle adotam formas variadas, mas, em seu conjun-to, so caractersticas, porque nelas uma pessoa dominantee outra dominada, uma controla e outra controlada, umaexerce um poder mais ou menos abusivo e a outra deve sub-meter-se a normas que no compartilha, das quais no parti-cipou e que a prejudicam claramente.

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    Trata-se do problema do abuso ou da prepotncia so-cial; um tipo de vinculao interpessoal evidentemente per-verso, que freqente em instituies fechadas, que se do-tam de disciplinas muito rgidas e de modelos gerais de atitu-des sociais baseadas no exerccio injusto do poder. Esta aforma mais grave de clima de conflito que, contudo e porsorte, s afeta um nmero reduzido de alunos (Ortega yMora-Merchn, 2000).

    Esta relao asfixiante entre os iguais pode terminarconduzindo, em pouco tempo, a uma relao de violncia emaus tratos sustentados. Trata-se de um tipo de rede social,caracterizado em seu foco central pelo par agressor-vtima, erodeado por um conjunto de papis complementares, que otornam um fenmeno complexo, de natureza scio-culturale com efeitos perversos para todos os que dele participam.So vtimas agressores e espectadores mais ou menos ativos,j que uns animam o(s) agressor(es), outros tratam de ajudara vtima, nem sempre com xito, e outros, finalmente, ficaminibidos num tipo de perplexidade moral que, com o tempo,provoca dano ao desenvolvimento e ao aprendizado de valo-res de sociabilidade e atitudes morais necessrias.

    O(a) menino(a) que prepotente com o companheiroou companheira mais fraco, ou com menor capacidade deresposta a suas agresses, apresenta a justificativa com a acu-sao de que foi provocado pela vtima, ou afirmando que setrata apenas de brincadeira. Este(a) menino(a) busca a cum-plicidade de outros e, em certas ocasies, consegue a tole-rncia dos adultos, mediante a minimizao da intencionali-dade de ferir. Mas no devemos esquecer que o que agrideimpunemente o outro, o que abusa de seus iguais, atuando margem do respeito s normas de convivncia, est-se soci-alizando com uma conscincia de clandestinidade, que afetagravemente seu desenvolvimento social e pessoal; vai-se con-vertendo, pouco a pouco, num(a) menino(a) que acredita que

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    as normas esto para serem infringidas e que, no cumpri-las, pode chegar a proporcionar um certo prestgio social.Tudo isso se torna prejudicial para sua auto-imagem e suacapacidade de valorao moral; assim, vai-se deteriorandoseu desenvolvimento moral e aumentando o risco de aproxi-mao pr-criminalidade, se no forem encontrados emtempo elementos educacionais de correo que redirecionemseu comportamento anti-social.

    Algumas vtimas de maus tratos de seus iguais, quandose percebem sem recursos para sair dessa situao, terminamaprendendo tambm se aprende o que mau que a nicaforma de sobreviver a de converter-se em violentos e de-senvolver atitudes de maus tratos para com outros. Os vio-lentos, diante da falta de defesa da vtima e da passividadedos espectadores, reforam suas atitudes abusivas e transfe-rem tais comportamentos a outras situaes sociais. O pro-blema se agrava e adquire uma dinmica de incontrolabilida-de, surgindo a falsa crena da inevitabilidade da violnciaque, a partir de uma posio terica, devemos negar.

    Por outro lado, a escassez de habilidades sociais da v-tima e/ou a brutalidade dos agressores so responsveis porque alguns alunos permaneam numa situao social que ter-mina sendo devastadora para ambos, mas, tambm, tremen-damente negativa para os espectadores. Os espectadores va-lorizam o problema como muito mais grave e freqente doque os prprios afetados o consideram, o que nos faz pensarque esta relao social prejudicial provoca escndalo e medonos(as) menino(as) que esto com melhor disposio psico-lgica para dela escapar.

    Aprender que a vida social funciona com a lei do maisforte pode ser muito perigoso, tanto para os que se colocam nolugar do forte como para os que no sabem como sair do papelde fraco, que a estrutura da relao lhes atribui, especialmente,se isto ocorre quando se est construindo a personalidade social,

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    que uma das finalidades da escolaridade obrigatria. Aspesquisas (Olweus, 1993; Smith e outos, 1999; Ortega y Mora-Merchn, 2000) indicam que o abuso e a vitimizao podem terefeitos a longo prazo. Este tipo de problema um dos fatoresmais relevantes na deteriorao da convivncia e uma das causasdo clima de conflito escolar que estamos aqui analisando.

    TRABALHAR A CONVIVNCIA PARAPREVENIR O CLIMA DE CONFLITO E AVIOLNCIA

    De nossa parte (Ortega, 1997; Ortega e Del Rey,2001), consideramos que a interveno deve estar ligada pesquisa e observao crtica do processo. Considerandoque este um problema complexo, impe-se uma reflexoterica a partir da qual pode-se interpret-lo; e esta refle-xo pode indicar seus fatores, suas formas e elaborar hip-teses sobre suas causas e suas conseqncias; e, em segun-do lugar, impe-se o estabelecimento de programas educa-cionais escolares, de carter preventivo, que evitem a apari-o de problemas de violncia.

    Ao longo do texto, expusemos a compreenso de queexistem trs fenmenos, que precisam ser interpretados deforma diferente, ainda que estejam inter-relacionados: as msrelaes ou problemas de convivncia, os conflitos interpes-soais e a violncia escolar. Esta forma de ver o clima de con-flito escolar e o risco da apario de fenmenos de violncianos permitem uma leitura que estimula a busca de estratgiasde interveno, de acordo com o que, em cada estabelecimen-to escolar, seja considerado o problema principal, sabendo quea atuao, em qualquer dos nveis indicados, pode ter um efei-to positivo e secundrio nos outros, focalizando, porm, aateno no que se valorize como mais importante e urgente.

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    De nosso ponto de vista, o primeiro passo para a abor-dagem educacional do clima de conflito na escola deve sera explorao; depois disso, poderemos aspirar que sejamimplementados projetos de estabelecimentos escolares decarter global, que incluam vrias linhas de interveno eque envolvam a maioria dos agentes educacionais e, sendopossvel, a maioria dos alunos. As linhas de interveno,que propusemos ao longo deste livro, partem da experin-cia acumulada no desenvolvimento de dois projetos prvi-os: o Proyecto Sevilla Antiviolencia Escolar (SAVE) e omais aberto e amplo, Proyecto Andaluca Antiviolencia Es-colar (ANDAVE), os quais desenvolvemos entre 1996 e1999, o primeiro, e entre 1997 e 2001, o segundo.

    Nestes projetos, propusemos (Ortega e colab., 1998;Ortega e Del Rey, 2001) a adoo de duas linhas de traba-lho. A linha de ao preventiva, que trataria de melhorartanto o sistema geral de convivncia, estabelecendo pro-gramas de gesto democrtica da convivncia, trabalho emgrupo cooperativo e educao sentimental e moral, e a li-nha de atuao direta, onde a interveno est sustentadano tempo e convenientemente avaliada, tendo em vistaaqueles(as) meninos(as) que esto numa situao de risco,ou que j esto implicados em situaes de violncia comovtimas, agressores ou espectadores diretos. No este olugar de estender-nos nestes programas; basta dizer, con-tudo, que requerem um certo grau de treinamento, devemser privilegiados quanto a recursos para que sejam susten-tados no tempo sem segregar ou se impor de forma diretaaos envolvidos. Trata-se sempre do que se chamou de umaaproximao sem culpa (Cowie, 1999).

    O projeto de convivncia, que agora apresentamos,est focalizado no conflito interpessoal e sua dissoluo di-alogada tem como foco de ateno qualquer dos subsiste-

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    mas de relaes sociais que distinguimos no contexto edu-cacional. Nele valorizamos a aprendizagem da resoluo deconflitos como a meta principal medida que considera-mos o conflito como um dos problemas ocultos dentro dossubsistemas de relaes no estabelecimento escolar. Maisconcretamente, estamos sugerindo a implantao de umprograma de mediao de conflitos como estratgia privi-legiada para todos os que sintam no conseguirem, por seusprprios meios, enfrentar a resoluo espontnea de seusconflitos interpessoais.

    Mas esta proposta no uma linha de trabalho isoladanem uma estratgia independente de outras. Tem em comum,com os projetos anteriores de nossa equipe, tanto a filosofiaglobal e ecolgica como a ateno para a atividade instrucio-nal e para as relaes interpessoais, como a incluso de li-nhas de explorao, avaliao em processo, objetivao dedados e resultados, autoformao do magistrio, inovaoeducacional, etc. Consideramos, e cremos que assim vimosdemonstrando neste material, que o magistrio deve decidira implementao de um processo educacional desta nature-za, e que cada centro deve assumir, de forma colegiada, seuprprio projeto de trabalho, do mesmo modo que assume,em geral, seu prprio plano educacional.

    Neste documento, destinado a apoiar, com sugestese exemplos, as iniciativas de melhoria da convivncia, apren-dendo a resolver os conflitos de forma dialogada, vamosfocalizar o conflito e a estratgia de mediao, mas semesquecer que o clima de conflito tem muitas facetas, desdea mais genrica, vista, por exemplo, como indisciplina, fal-ta de motivao, etc., at a mais concreta e obscura: a vio-lncia interpessoal.

    No abordaremos aqui, porque j o fizemos anterior-mente (Ortega, 1997; Del Rey e Ortega, 2001), a interven-

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    o em problemas de violncia, mas devemos deixar regis-trado que isso requer tratamentos especficos. Por saber-mos que no se trata de conflitos entre as pessoas, que tmentre si relaes de homogeneidade quanto a seu status so-cial e, portanto, esto em condies de abordar o conflitomediante o dilogo, mas, ao contrrio, que se trata de pes-soas, cujo vnculo inclui o abuso, o assdio e os maus tra-tos, nossas estratgias de interveno no deveriam con-tornar esta diferena.

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    2. ENFRENTAR O CLIMA DECONFLITO, PROJETANDO ACONVIVNCIA

    Parece uma opinio generalizada considerar que o cli-ma de conflito, nos estabelecimentos escolares, provm daobrigatoriedade de freqentar o colgio ou instituto, inter-pretando-se como uma espcie de rebeldia frente a uma nor-ma que se costuma, deste modo, colocar no subentendido.Entretanto, no existem dados que provenham de pesquisasconfiveis, que nos faam pensar que uma parte da popula-o escolar quer vingar-se dos legisladores que os obrigam air dois anos mais a um estabelecimento escolar. Em nossopas, felizmente, a maioria dos jovens entre 14 e 16 anos fre-qentou algum tipo de estabelecimento educacional nos l-timos decnios. Qual , pois, o problema? A resposta com-plexa. Os problemas so mltiplos e diversos, mas, dentreoutros, preciso indicar, como origem da impresso de cli-ma de conflito, o descuido em que, at agora, esteve o plane-jamento da educao para a convivncia.

    As pesquisas revelam que os meninos e meninas, nosanos de escolaridade primria, so mais suscetveis de se ve-rem envolvidos em problemas de ms relaes, intimidaese maus tratos (Ortega e Mora-Merchn, 2000); contudo, a

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    crena geral a de que os estabelecimentos de ensino mdioso mais problemticos. No h dvidas de que, quando amaioria das pessoas assim o interpreta, alguma razo haver,mas cabe a pergunta sobre o que se faz para evitar esse climaconflituoso em suas mltiplas facetas.

    Muitos docentes esto reclamando ajuda neste senti-do. Em nosso caso (Ortega, 1997; Ortega e colab. 1998;Ortega e Del Rey, 2001), temos feito a sugesto da realiza-o de projetos educacionais como linhas de trabalho de in-terveno e pesquisa para a preveno da violncia e melho-ria do clima social de convivncia escolar. Trata-se de fugirdas receitas e assumir que a complexidade da vida escolarexige que a equipe docente assuma, como parte do trabalhoprofissional, o desenho e a realizao de seu prprio projetode convivncia. Esta uma frmula um pouco mais ampla emais difcil que a aplicao de medidas concretas, urgentesou maravilhosas. uma frmula que consiste em ajudar osdocentes a compreender que o trabalho sobre convivncia,mesmo sendo difcil, pode resultar num desafio apaixonan-te, caso seja assumido como um processo de pesquisa.

    Assumir-se como um profissional reflexivo, que enfren-ta a tarefa educacional a partir da indagao sobre as condi-es de seu trabalho a partir da compreenso das necessida-des concretas dos(as) alunos(as), da utilizao de recursos eprocedimentos inovadores, e da tomada de decises negoci-adas e valorizadas como interessantes, no contexto da equi-pe docente, tem alguns benefcios que no foram ainda sufi-cientemente divulgados. Efetivamente, s com uma atitudepesquisadora e um esprito crtico diante da realidade e dasprprias opinies, possvel se fazer frente aos fenmenosde um clima conflituoso, atualmente presentes nas salas deaula e nos contextos educacionais.

    Neste captulo, trataremos de oferecer uma orientaobsica para colocar em prtica um projeto de trabalho no

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    qual a educao para a convivncia ocupe um lugar central,sem que isso implique desviar a ateno daquilo que para acultura escolar essencial: a construo de conhecimentos eo progresso geral dos alunos. Trata-se de assumir que a convi-vncia o ar psicolgico, social e moral que se respira e, dar-lhe, portanto, a necessria ateno, sem que seja preciso seesquecer das tarefas intelectuais e formadoras que o currculoexige. Um projeto educacional de melhoria da convivnciapoderia, se feito com cuidado, converter-se no motor de mu-dana que afetar, no s e diretamente o que se busca aqualidade nas relaes interpessoais mas, possivelmente, astarefas acadmicas e, previsivelmente, a preveno de fen-menos de violncia.

    ENSINAR OU EDUCAR?

    Ao longo de um curso acadmico, a equipe docente eos alunos compartilham muitas horas, muitas atividades ecomplexos processos destinados, formalmente, ao progressointelectual dos escolares e ao desenvolvimento profissionaldos professores. A imensa maioria das atividades e tarefastem um formato e derivam de objetivos cognitivos; contu-do, as grandes finalidades educacionais se referem forma-o da personalidade social e moral dos alunos. evidenteque algo preciso ser pensado a esse respeito: se o quebuscamos s o rendimento acadmico e se no prestamosateno ao desenvolvimento social, no temos razes paranos queixar da escassa riqueza ou at da pobreza do com-portamento e das atitudes dos(as) alunos(as). Isso se reco-nhece em muitos setores profissionais, de mltiplas formas.Uma delas costuma expressar-se em termos de preocupa-o pela escassa ateno dimenso humana ou humansti-ca da educao.

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    Como j indicamos anteriormente, a dimenso maishumana da educao tem sido um pouco esquecida duranteos ltimos decnios, possivelmente porque temos sido parti-cularmente respeitosos da liberdade de cada um na hora deescolher atitudes e valores. Fugindo de ser excessivamentenormativos, quem sabe nos descobrimos agora rfos de cri-trios claros sobre a necessidade de regular nossos prpriossistemas de relaes de vida em comum. A ausncia de com-preenso do papel das normas, democraticamente elabora-das e estabelecidas, produz sensao de confuso, insegu-rana e, s vezes, medo de no saber at onde ir com o con-trole prprio e alheio de tudo aquilo que, evidentemente,observamos como melhorvel ou mau.

    Porm, pouco a pouco, especialmente nestes ltimosanos, e certamente como conseqncia da visibilidade dosconflitos internos e externos no sistema educacional, pareceque se vai abrindo passagem para uma conscincia mais cla-ra de que preciso aceitar que a vida em comum necessita deuma regulao, para o qu imprescindvel dedicar tempo eespao real, alm de trabalho profissional e ateno social.

    Sem estar conscientes de que a escassa ateno presta-da ao clima social, em seu sentido mais amplo, tem efeitosnegativos tanto no desenvolvimento social como nos pro-cessos de ensino e aprendizagem, no se pode avanar nacompreenso da natureza e dos problemas da convivncia.Como afirmamos no captulo anterior, impossvel ensinaralunos e alunas sem que eles queiram e tenham interesse emaprender, porque aprender no tarefa fcil, mas requer umesforo para o qual preciso dispor de um certo nvel deentusiasmo e de bons motivos. Mas, para que os estudantesestejam motivados e invistam entusiasmo na tarefa, neces-srio que o estabelecimento escolar, ou seja, os professores eo prprio sistema de atividades e tarefas, faa com que elescompreendam que suas necessidades so levadas em conta,

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    suas atitudes observadas e respeitadas, quando no so per-niciosas, seus desejos aceitos, quando so respeitveis e suaspreocupaes e problemas considerados como prprios.

    Algum poderia replicar estar afirmaes, argumentan-do que se vai escola para aprender; uma coisa no s certa,mas bsica. No devemos esquecer, contudo, que o aprendi-zado e o ensino se produzem num cenrio institucional, re-gulado por convenes e regras sociais, que assinalam quaisso os papis que cada um tem que desempenhar. Ser pro-fessor ou professora, como ser aluno ou aluna, algo maisque ser a gente mesmo(a); desempenhar um papel no mar-co de uma instituio que tem uma funo social muito cla-ra, mas no to fcil de abordar: o progresso e o desenvolvi-mento dos alunos, seguindo as diretrizes marcadas pela soci-edade. Compreender e praticar diariamente as diretrizes es-tabelecidas fora do contexto escolar no coisa fcil paraprofessores(as) e alunos(as), que devem enfrentar sua tarefaem cenrios recheados de mais responsabilidades e obriga-es do que de ajudas e compreenso.

    Deste modo, parece claro que os(as) professores(as)compreendam e assumam ser preciso realizar um trabalhodirio, que se apresenta como obrigaes para alunos e alu-nas, sob a suposio implcita de que tal atividade e esforoso bons, ou o sero no futuro. No obstante, estes nem sem-pre tm bem claro o interesse sobre o que devem aprender epor que esforar-se. Devido a isso, as relaes interpessoaisentre os professores e os alunos esto, com freqncia, atra-vessadas por um conflito comum, que no outra coisa se-no a compreenso do sentido e da idoneidade das ativida-des escolares e, por outro lado, o nexo que os une e o qued razo sua relao. Alm disso, os professores, freqen-temente, observam tais fenmenos sob o prisma de seus pr-prios objetivos e finalidades profissionais, sempre louvveis,mas nem sempre bem expressos e bem compreendidos pe-

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    los alunos que, tambm, tendem a interpretar os aconteci-mentos no tanto como parte do desenvolvimento curricu-lar, mas como eventos quotidianos, nos quais se sentem pro-tagonistas, de algum modo.

    Poder-se-ia dizer que difcil levar tantas coisas em con-ta. Certamente! Mas, considerando que todas so importantes,ter-se- primeiro que saber quais so, e logo aprender a dar aprioridade justa a cada uma delas. O que no possvel conse-guir, sem esforo, a existncia de nveis timos de motivao einteresses escolares, particularmente se os estabelecimentos es-colares e suas estruturas s os observam e tratam dos mesmosem sua dimenso cognitiva, por ser esta muito importante. Osjovens pr-adolescentes e adolescentes tm necessidades afeti-vas, emocionais e sociais que preciso levar em conta; igual-mente, os professores e professoras tm necessidades pessoaise profissionais que no devem deixar de exigir e que, quandoentram em coliso com as dos estudantes ou de suas famlias, importante resolv-las. No se trata de sobrecarregar as costasnem as conscincias dos(as) professores(as), mas trata-se de as-sumir que a tarefa complexa e que nela preciso empregaresforo, porm sem exageros.

    A CONVIVNCIA NO PLANA

    A convivncia comunitria no plana; criam-se con-flitos que precisam ser resolvidos; a dinmica de apario edissoluo de conflitos entre as pessoas, entre as pessoas esuas atividades e tarefas, entre as metas e as condies e re-cursos para abord-las; o que proporciona a rede social departicipao em que se inscrevem a vida quotidiana das salasde aula e o estabelecimento escolar. A instituio escolar,como mbito de convivncia e atividade, est cheia de difi-culdades. A prpria atividade escolar, tomada em seu con-

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    junto, cria um contnuo fluir de exigncias pessoais e gru-pais, que se tornam conflitos aos quais preciso atender,utilizando saberes e habilidades, que se mostram, s vezes,ineficazes diante de problemas que surgem sempre como algonovo, algo diferente.

    O fato de viver e de trabalhar juntos cria um mundosocial, cuja natureza ultrapassa o mbito da deciso indivi-dual, para converter-se num mbito comunitrio. Docentes,alunos, famlias, orientadores e conselheiros escolares com-pem unidades de convivncia com objetivos educacionais;mas, ainda que todo mundo compreenda isto, quando se ex-plica em detalhe, fica muito difcil manter um critrio comu-nitrio para se interpretarem, no dia-a-dia, os processos derelaes sociais que acontecem no mbito da vida escolar.

    Por tudo isso, a convivncia se v submetida a diver-sos tipos de problemas, que nem sempre podem ser resol-vidos por si mesmos, nem de forma imediata, porque apa-recem como dificuldades novas, para as quais nem a tradi-o nem a formao pedaggica parecem ter receitas. Asequipes docentes enfrentam, por vezes, dificuldades que,ainda que no necessariamente geradas na escola, afetam odesenvolvimento normal das tarefas educacionais. Assim, agesto da convivncia, que no est sendo uma rea priori-tria do trabalho escolar, e nem se encaixa bem no desen-volvimento clssico do currculo, converte-se, pela efetivi-dade dos fatos, em uma necessidade urgente.

    Abrir-se caminho na anlise da convivncia sempre difcil. Contudo, a urgncia dos problemas obriga os docen-tes a ter que tomar decises muito concretas, que no costu-mam ser planejadas. preciso estabelecer e saber sustentarum estilo de relao democrtica e justa. necessrio exibiruma atitude compreensiva e solidria, mas tambm firme eafetivamente coerente. Urge assumir que o comportamentoadulto um espelho, no qual se miram nossos(as) alunos(as),

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    o que produz tenses entre a auto-imagem que todo docentedeve ter de si mesmo, como profissional, e a que projeta, sempoder control-la, diante de seus alunos e alunas. O professorno s responsvel pelo que ensina, mas tambm pelos pro-cessos ligados ao exerccio do poder que exerce diante dos(as)alunos(as). neste n de atuaes que preciso entender opapel do docente para compreender at que ponto sua ativi-dade complexa e tem efeitos na convivncia.

    Tudo isso num contexto em que, alm do mais, o as-sunto principal outro ou, pelo menos, visto como diferen-te: conseguir que os estudantes cheguem a dominar os con-tedos curriculares. Uma espcie de espada de Dmocles pa-rece pairar sobre a atividade profissional dos docentes; nestesentido, sem um mnimo nvel de qualidade nas relaes inter-pessoais, a tarefa principal se torna muito difcil e, sem queesta se realize com um certo xito, espalha-se o desnimo e seempobrecem as relaes, porque se tem a impresso de queno se faz o que se tem que fazer; o que leva ao fracasso norendimento acadmico, falta de motivao, indisciplina e atudo o que parece estar sob o clima de conflito. No deestranhar que seja a profisso docente uma das reas profissi-onais mais afetadas pela sndrome da ansiedade profissional.

    ALFABETIZAO EMOCIONAL E VIDA EMCOMUM

    J dissemos antes que, para avanar neste caminho,devemos ter bem definidos quais so os componentes daconvivncia, como se articulam entre si e que resultados tmas formas em que estes fatores interagem. Hbitos, atitudes,estilos afetivos, domnio e equilbrio emocional so elemen-tos psicolgicos a serem levados em conta, ainda que a cul-tura escolar esteja pouco habituada a contar com eles; ou

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    no os considere relevantes ou, quando o faz, no os inter-preta em sua justa medida. Trata-se de componentes psico-lgicos pessoais, mas que exercem uma grande influncia nacomposio e no desenvolvimento da vida dos grupos.

    Tampouco se trata de que a escola precise de trata-mento psiquitrico, mas de que os docentes disponham deuma certa alfabetizao afetiva, social e de atitude. Isso per-mitiria fazer leituras das situaes de conflito, sabendo dis-tinguir as coisas que, num determinado momento, cada indi-vduo pode controlar, quais os fenmenos internos do gru-po e quais esto to conotados emocionalmente que podemser estmulo para comportamentos violentos ou muito pre-judiciais para as pessoas. Essa alfabetizao emocional, afe-tiva e social no , por outro lado, muito complicada nemrequer grandes treinamentos; s vezes, basta tomar consci-ncia de que a vida afetiva e social um fenmeno que nascee cresce no grupo e que, com freqncia, no conhecemosos cdigos da formao e desenvolvimento dos grupos; es-pecialmente, se estes so de pr-adolescentes e adolescentes.

    Nem sempre os professores podem penetrar nos sis-temas de relaes que os alunos estabelecem entre si, muitasvezes repletos de pequenos ou grandes conflitos, conside-rando o conjunto de crenas, hbitos e atitudes que se cons-troem e aos quais o docente no tem acesso de forma direta.J vimos at que ponto estamos lidando aqui com um mun-do social complexo. Sempre difcil saber qual a causa daescassa informao que os docentes costumam ter sobre avida afetiva dos alunos, sobre suas atitudes e valores, masuma origem possvel teria que ser buscada na crena culturalgeneralizada, que tem considerado, tradicionalmente, o mun-do das emoes e dos sentimentos mais como um obstculopara o rendimento intelectual, do que como um estmulo ouum impulso para o esforo cognitivo.

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    Nos ltimos anos, estas crenas populares esto semodificando e, finalmente, parece que se comea a assumiro importante papel da vida afetiva, no s no bem-estar dosindivduos, mas tambm como condio prvia e necessriano enfrentamento das tarefas e das atividades.

    A gesto da convivncia se apresenta, quando se acei-ta que se deve ir alm da organizao de agrupamentos deestudantes, como um desafio que exige o domnio dos cdi-gos referidos de como as emoes e os sentimentos se en-volvem com as estruturas formais da comunicao, na for-mao de amizades que a apiam e a facilitam ou na estrutu-rao de desafeies e rivalidades, que a entorpecem e a tor-nam conflituosa. Trata-se de saber buscar, com frmulas sim-ples de explorao, a construo de esquemas descritivossobre o que relevante em termos da estrutura social departicipao dos estudantes e o que secundrio. Trata-sede aprender a encontrar, nos formatos dos agrupamentos,os elementos um pouco mais ocultos, que compem a vidaafetiva do grupo e, portanto, encontrar justificao concei-tual para a exibio de valores e atitudes que, ainda que pare-am estranhos, aparecem sob as formas superficiais da es-truturao formal que se impem para a realizao da ativi-dade instrucional em geral.

    A gesto da convivncia requer pensar nos formatosde atividades e tarefas e no esquecer que, por debaixo des-tas, na comunicao formal e informal, esto-se produzindoafetos e emoes, que conotam, com diversos matizes, a vidados que trabalham juntos. Trata-se de compreender que, alionde se trabalha e se permanece muito tempo com os de-mais, est-se desenvolvendo um cenrio compartilhado, po-voado de vnculos positivos, mas tambm de vnculos nega-tivos, que provocaro mais de um conflito.

    J na escola de educao primria e, em seguida, nocolgio de educao mdia, preciso levar em conta este

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    tipo de necessidade, ainda que, para isso, seja essencial umacerta formao tcnica de seus agentes de interveno psi-copedaggica. No se trata de fazer um curso sobre a vidaemocional, que, s vezes, preciso, mas de saber utilizar taisconhecimentos para ter representaes funcionais de seu efei-to no desenvolvimento curricular. Igualmente deve-se des-cobrir a necessidade de se empregarem instrumentos de ex-plorao para se dispor de uma imagem adequada do queest acontecendo na realidade da convivncia.

    Neste sentido, o difcil no s lev-lo prtica, umavez descoberto, mas compreender que preciso contar comisso, no dia-a-dia. Muitos docentes se sentem aliviados, quan-do descobrem a natureza complexa dos conflitos e se sen-tem liberados, quando tomam conscincia de que no faltade habilidade sua ou escassa preparao profissional o queest interrompendo o desenvolvimento das tarefas acadmi-cas, mas a prpria articulao da rede social de participa-o dos estudantes, ou a que estes estabelecem com os(as)professores(as) nas tarefas e atividades que se propem.

    Ensinar convivncia no um tema, mas uma prtica,uma lio viva e diria; por isso, o nico caminho a coope-rao, o dilogo e a confrontao crtica e respeitosa de idi-as. Tudo isso se consegue melhor quando se trabalha em gru-po e em cooperao. O trabalho em grupo cooperativo su-pe partir de que o pensamento individual, mas se constrino dilogo; que a responsabilidade individual, mas s seexercita em cooperao; que o esforo individual, mas oxito compartilhado. A cooperao , por definio, moral-mente boa e a competio, ocasionalmente, bem sucedida,mas no necessariamente proveitosa. No se trata de dissol-ver o indivduo num ente desconhecido, chamado grupo, masde tomar conscincia de que a vinculao ao grupo nos aporta verdadeira dimenso social e ao nico referencial real so-bre nosso comportamento intelectual, afetivo e moral.

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    Trabalhar em grupo cooperativo, sem que isso signifi-que perder o prprio estilo e a individualidade, que acompa-nham a participao pessoal numa tarefa comum, a nicavia de se aprender a fundo os benefcios da convivncia pa-cfica e democrtica. Tudo isso requer o desenvolvimento deum processo no qual, passo a passo, vamos avanando naqualidade das relaes interpessoais em nosso estabelecimen-to escolar. Em nossa opinio, nada disso se improvisa nempode ser reduzido a uma receita de comida rpida, mas, possvel faz-lo, sempre que planejarmos cuidadosamente. por isso que nossa proposta tem sido o convite equipedocente, como gerente da comunidade educacional, para quedesenhe e desenvolva um projeto de convivncia.

    COMO DESENHAR UM PROJETO DEEDUCAO PARA A CONVIVNCIA?

    A partir daqui, apresentaremos alguns recursos e es-tratgias organizacionais para desenhar, desenvolver e avali-ar um projeto de melhoria da convivncia, com o objetivode aprender a resolver pacfica, dialogada e democraticamenteos conflitos e prevenir os fenmenos de violncia. Ainda queagora ns o apresentemos de forma sinttica, iremos nos re-metendo a outros pargrafos deste livro, nos quais encontra-remos exemplificaes e recursos para cada um dos grandespassos ou fases em que nos propomos atuar.

    Primeira fase: anlise do contexto e avaliaoprvia das necessidadesAntes de abordar qualquer tipo de interveno educacio-

    nal, necessrio conhecer a realidade global em que vamos in-tervir. No caso de um estabelecimento educacional, e pensandona interveno em convivncia, necessrio conhecer as carac-

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    tersticas sociais, culturais e psicolgicas em que nos movere-mos. Trata-se de explorar para dispor de informao objetiva as condies econmicas e culturais da populao com quemtrabalhamos, ainda que no se faa uma pesquisa exaustiva detodos os fatores, mas se consiga uma imagem aproximada, comdados que a apiem, das condies de vida e do desenvolvi-mento social dos alunos. Mas, alm desta imagem sociolgica, necessrio o aprofundamento no que chamaremos de leiturapsicolgica, ou seja a anlise de como as condies de vidavm influindo em nossos alunos e suas famlias, para que sepossa estabelecer um certo quadro geral das caractersticas dasrelaes interpessoais que ali acontecem.

    Finalmente, ter que ser explorado, com algum deta-lhe, o formato que adquirem as relaes no estabelecimentoescolar / famlias e sociedade. Como so os encontros entreambas as instituies, quando e como se comunicam, quecrenas e expectativas tm uns dos outros, so informaessobre as possibilidades que teremos para que as mudanasprojetadas sejam ou no efetivas. Sem a famlia, entendidaesta de forma concreta a famlia dos(as) meninos(as) comos(as) quais trabalhamos de forma geral a famlia como aoutra grande instituio educacional a potencialidade demudana da escola muito menor.

    Uma explorao sobre o contexto pode ser feita deformas diferentes, mas, em todo caso, convm saber qual ocaminho escolhido. Desde a entrevista espontnea, com umnmero significativo de pessoas, at o trabalho em questio-nrios ou outros instrumentos exploratrios so procedimen-tos teis. Em todo caso, convm saber que a informao pre-cisa ser selecionada e ordenada, ou seja, saber qual a quenecessitamos e para que preciso registr-la, ou ainda en-contr-la e dispor dela num formato de fcil acesso para quan-do for necessria; e preciso elabor-la para que os dadosapresentem o conhecimento requerido. Quando se faz uma

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    explorao de qualquer fenmeno, mas muito mais se se re-fere ao escorregadio assunto da dinmica de relaes inter-pessoais, imprescindvel esta ltima fase de ordenamentoda informao. Sem ela, corremos o risco de interpretar malinformaes parciais e aumentar a confuso.

    Do mesmo modo, antes de comear a desenvolver umprograma de interveno, devemos conhecer a histria do es-tabelecimento escolar; ainda que acreditemos que hoje come-a tudo, deveremos estar conscientes de que j havia comea-do algo um tempo antes. As instituies parecem dispor deuma cultura histrica que, muitas vezes, vista por seus atuaismoradores como um passado do qual sentem orgulhoso e sau-dade e tratam de rivaliz-lo, ou como um problema que searrasta tanto tempo, que impossvel se encontrar uma solu-o. O fato de conhecer, anotar e valorizar, na devida medida,o passado da instituio, as crenas que sobre ela se tm e opeso dos valores acrescentados tudo isso nos permitir com-preender o ecossistema social em que vivemos. Saber se jhouve intervenes anteriores, na mesma linha, e como funci-onaram, se o estabelecimento escolar tem uma tradio inova-dora ou conservadora, tambm sero aspectos importantes,no pelo dado em si mesmo, mas porque nos permitiro situ-ar de que ponto poderamos partir.

    Finalmente, recordar que, considerando que o objeti-vo trabalhar com alunos e alunas muitas vezes imersosem problemas srios de relaes interpessoais e que poderi-am estar psicologicamente abalados muito necessrio sa-ber at que ponto a instituio dispe de recursos humanossuficientes para abordar trabalhos que vo exigir uma certaestabilidade do sistema. melhor fazer um pequeno estudoda realidade de nosso estabelecimento escolar em relao vida social e conhecer, com um pouco de detalhe, quais soos pontos fortes e quais no o so, para com eles poder con-tar na hora de desenhar nossas intervenes.

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    EXPLORANDO O CLIMA DE CONFLITOESCOLAR

    Uma vez explorado o sistema, necessrio explorar anatureza do clima de conflito com a qual parece que nosdefrontamos. J escrevemos (Ortega, 1998) que no bomconfundir entre si os diferentes problemas de relaes in-terpessoais que podem acontecer no estabelecimento edu-cacional. Saber que estamos diante de uma situao de faltade interesse e de falta de motivao para o estudo, e queisso tem grande influncia no clima social do estabeleci-mento escolar, diferente de saber que existe uma falta deateno real e uma falha na gesto da organizao socialque interage com problemas de disciplina.

    Tudo isso , por sua vez, diferente de reconhecermosque se trata do surgimento de srios problemas de violnciainterpessoal ou de problemas de ruptura e agresso culturaescolar por parte de um grupo localizado interno ou exter-no de pessoas, sejam estas estudantes ou no.

    Igualmente, pode ser esclarecedor saber que o mais re-levante no nem o dficit de organizao nem os proble-mas de violncia, mas a ausncia de vias razoavelmente bemdesenhadas para que as pessoas, alunos e professores, resol-vam, de forma pacfica, dialogada e democrtica, seus con-flitos. Em resumo, preciso estudar as tendncias do climade conflito e buscar um certo quadro do que mais impor-tante no momento em que se aborda o tema, o que com-plementar e o que, ainda que seja muito grave, no podere-mos, por nossos prprios meios, abordar de imediato. Esta-mos propondo realizar um estudo de diagnstico prvio que,numa primeira impresso, teramos denominado clima deconflito ou problemas de convivncia.

    J propusemos, em outro lugar (Ortega, 2000),procedimentos de pesquisa para a realizao de estudos gerais

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    sobre o estado da convivncia. No presente material,apresentamos um conjunto de instrumentos simples e de fcilinterpretao, que poderiam ser utilizados, fundamentalmente,para estabelecer at que ponto o clima de conflito, queobservamos em nosso estabelecimento escolar, inclui, de umaforma predominante, redes de participao deterioradas pelosproblemas de falta de motivao e de indisciplina ou falta deorganizao das normas. Ou se se trata, pelo contrrio, deculturas escolares que no assumem a natureza dos conflitos eque no aprenderam a resolv-los de forma satisfatria, ouque, infelizmente, a convivncia se deteriorou tanto que osurgimento de fenmenos de violncia j um fato.

    Segunda fase: compreender a situao e priorizara intervenoUma vez recolhida, codificada e analisada convenien-

    temente a informao e tendo transformado-a em conheci-mento claro, simples e discutvel, preciso decidir o quefazer, para conseguir destacar, entre todos os processos, osque se apresentem como mais globais, por um lado, e comomais urgentes, por outro. Para os mais globais, deveramoster medidas gerais de carter preventivo e, para os mais ur-gentes, medidas muito especficas, que eliminassem logo oproblema. Um exemplo de medidas globais a deciso dese estabelecer uma poltica geral (whole policy) nova paraatuar em todas as frentes. Um exemplo de medidas concre-tas, quando se tenha detectado que existe um dficit de pro-cedimentos dialogados de resoluo de conflitos, a im-plantao de um programa de mediao, como veremos maisadiante (ver cap. 5).

    A informao que saiu dos membros da comunidadeeducacional deve retornar a eles, agora enriquecida pela an-lise e elaborao que a equipe do projeto realizou. precisoquestionar como transmitir a informao, para que ela che-

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    gue a todos e sirva para que todos tenham um melhor nvelde conscincia sobre a vida social do centro. Pequenos e cla-ros relatrios, acompanhados de grficos daqueles dados maisrelevantes, podem servir para preparar reunies de trabalho,atividades de sala de aula, palestras e conferncias que pro-voquem um estado de opinio interessante e estimulante so-bre a atividade que est sendo realizada no projeto.

    Esta fase de trabalho social e comunicativo com a in-formao obtida deve ser muito bem planejada, utilizando-se todo o tempo necessrio para que todos os membros dacomunidade se percebam convenientemente informados arespeito de algo que partiu deles(as). O efeito que a tomadade conscincia tem a sobre as pessoas, a respeito do que cadaum pensa, sente e opina to positivo como a prpria inter-veno. Mais ainda o numa matria onde o que se deveestudar e conhecer no algo alheio, mas algo que faz parteda vida de cada um(a).

    Com respeito prpria equipe docente, o acima ex-posto aumenta ainda mais seu aspecto positivo. por issoque proporemos (ver cap. 3) um processo paralelo de forma-o permanente. Fazer um projeto de convivncia requerincluir uma atitude de mudana, tambm, por parte dos pro-fessores; uma atitude de mudana que, para os profissionaisda docncia, s pode ser realizada com sua colaborao sin-cera, retroalimentada com a anlise do que se descobre comoprogresso e o que se detecta como intil ou difcil. porisso que termina sendo muito interessante uma linha de for-mao permanente, do tipo seminrio de aprofundamento,que mais adiante abordaremos (ver cap. 3).

    Os dados obtidos devem ser convertidos, com a parti-cipao de todos, num discurso no derrotista, mas estimu-lante; no esqueamos que, em qualquer momento, nossacapacidade de reflexo colorida de emoes, provocadaspelo que descobrimos. Sabemos at que ponto elas influem

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    nas atitudes e comportamentos, o que termina se conver-tendo numa espcie de estado de opinio. preciso re-conhecer, pois, quais so as tendncias desse novo estadode opinio e saber como isto retroalimenta, estimula ou de-tm o processo. Necessitaremos de um discurso que reco-lha a opinio dos diferentes grupos, voltado realizao deum trabalho novo: a interveno.

    Um recurso interessante fazer uma lista dos pontosfortes e fracos de nossa convivncia para podermos decidirem que focos vamos intervir. muito importante ter presenteque a interveno deste tipo muito onerosa e os resultadosso vistos a mdio e longo prazos. Os pontos fortes nos seroteis para desenharmos as linhas de interveno.

    Deve-se assumir que a interveno no pode abordartudo ao mesmo tempo. preciso estabelecer prioridades,ou seja, saber o que deve ocupar o primeiro, o segundo e oterceiro lugar de atuao; uma escolha que deve ser feitacom critrios claros, os quais a equipe de trabalho tenhadecidido, e que sejam os mais relevantes no momento.

    Priorizar significa saber que no poderemos fazer tudoo que consideramos necessrio, mas que sero estabeleci-das as aes em relao a uma ordem lgica, baseada notanto no mais grave ao que se deve atender de formaurgente, concreta e curta no tempo mas no que convm amdio prazo e naquilo que avaliamos que ter efeitos dire-tos positivos e efeitos indiretos, igualmente interessantespara mudanas futuras.

    importante, tambm, pensar em atuaes em umnvel diferente, em diferentes cenrios e com diferentes ob-jetivos, sempre sobre um esquema de hierarquizao dasnecessidades que vo sendo vistas e aprovadas por todoscomo as mais c