especímenes de um museu -...

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entre os especímenes de um museu de história natural, figuras de cera de um Madame Tussauds e uma montra de loja ou concurso de televisão. Circa 292 km: é a distância que vai de Lisboa à Oliva Creative Factory e ao encontro de Os animais que ao longe parecem moscas, ex- posição individual de João Maria Gusmão (1979) + Pedro Paiva (1977), patente de 25 de Março a 27 de Agosto de 2017, na antiga fá- brica nortenha 1 . É menos longínquo do que parece, S. João da Madeira: vivemos neste país de pequenas enormidades, onde o “lon- ge” obedece copiosamente a preconceitos psicológicos. Padece do famigerado estigma do centralismo (bicéfalo) que faz com que o trajecto Lisboa-Serralves-Lisboa seja vis- to como um “tirinho”, enquanto que a des- locação até ao Núcleo de Arte da Oliva (que é mais perto) dependa da conveniência de ficar de passagem para o Porto e não mui- to distante de Coimbra, já de volta a Lisboa. Tendo a obra desta dupla como mó- bil, quem pensa que sabe ao que vai, pres- sente que fará c. 292 km no encalço de um muito particular elemento de estranheza – o mesmo que encontrara ao fazer c. 1 km a pé até Lua Cão 2 , e o mesmo que previsivel- O celulóide noutros palcos. Os animais que ao longe parecem moscas , João Maria Gusmão + Pedro Paiva Oliva Creative Factory, S. João da Madeira DANIEL PERES O celulóide noutros palcos. / Daniel Peres mente encontraria a +/- 10.600 km na bie- nal de Gwandjiu (Coreia do Sul, 2010), se lá tivesse ido 3 . Ora, “apenas” c. 292 km percorridos, quem de mistérios e enigmas já inundara as suas mais seguras expectativas, talvez já esperasse ser surpreendido. Em primeiro lugar, pela folha de sala que nos conduz ao oriente extremado de uma China remota, por inspiração de Jorge Luís Borges – espírito que tão bem encarna na obra da dupla. É do conto “O Ideoma analítico de John Wilkins”, que Paiva + Gusmão citam o título desta ex- posição. Diz Borges que essa excêntrica ca- tegoria de classificação taxonómica do reino animal constaria duma “…ilustre enciclo- pédia chinesa…”, o “…Empório Celestial de Conhecimento Benévolo”, da qual o “…céle- bre sinólogo Franz Khun…” terá desdenhado. 4 Rapidamente extraímos daqui ingre- dientes para uma ironia epistemológica tão afim quer à obra de Borges, quer à da du- pla. A figura do especialista destaca-se ime- diatamente, com as suas láureas, negando RE • VIS • TA arte / reflexão / crítica 12. 2017 – n.º4 01/16 /

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entre os especímenes de um museude história natural, figuras de cera de um Madame Tussauds e uma montra de loja ou concurso de televisão.

Circa 292 km: é a distância que vai de Lisboa à Oliva Creative Factory e ao encontro de Os animais que ao longe parecem moscas, ex-posição individual de João Maria Gusmão (1979) + Pedro Paiva (1977), patente de 25 de Março a 27 de Agosto de 2017, na antiga fá-brica nortenha 1. É menos longínquo do que parece, S. João da Madeira: vivemos neste país de pequenas enormidades, onde o “lon-ge” obedece copiosamente a preconceitos psicológicos. Padece do famigerado estigma do centralismo (bicéfalo) que faz com que o trajecto Lisboa-Serralves-Lisboa seja vis-to como um “tirinho”, enquanto que a des-locação até ao Núcleo de Arte da Oliva (que é mais perto) dependa da conveniência de ficar de passagem para o Porto e não mui-to distante de Coimbra, já de volta a Lisboa.

Tendo a obra desta dupla como mó-bil, quem pensa que sabe ao que vai, pres-sente que fará c. 292 km no encalço de um muito particular elemento de estranheza – o mesmo que encontrara ao fazer c. 1 km a pé até Lua Cão 2, e o mesmo que previsivel-

O celulóide noutros palcos. Os animais que ao longe parecem moscas, João Maria Gusmão + Pedro Paiva Oliva Creative Factory, S. João da MadeiraDANIEL PERES

O celulóide noutros palcos. / Daniel Peres

mente encontraria a +/- 10.600 km na bie-nal de Gwandjiu (Coreia do Sul, 2010), se lá tivesse ido 3.

Ora, “apenas” c. 292 km percorridos, quem de mistérios e enigmas já inundara as suas mais seguras expectativas, talvez já esperasse ser surpreendido. Em primeiro lugar, pela folha de sala que nos conduz ao oriente extremado de uma China remota, por inspiração de Jorge Luís Borges – espírito que tão bem encarna na obra da dupla. É do conto “O Ideoma analítico de John Wilkins”, que Paiva + Gusmão citam o título desta ex-posição. Diz Borges que essa excêntrica ca-tegoria de classificação taxonómica do reino animal constaria duma “…ilustre enciclo-pédia chinesa…”, o “…Empório Celestial de Conhecimento Benévolo”, da qual o “…céle-bre sinólogo Franz Khun…” terá desdenhado.4

Rapidamente extraímos daqui ingre-dientes para uma ironia epistemológica tão afim quer à obra de Borges, quer à da du-pla. A figura do especialista destaca-se ime-diatamente, com as suas láureas, negando

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a validade do que não cabe no cômputo da sua cátedra. Como se esperaria, a relutân-cia “académica” de Khun é contraposta a um ainda mais céptico “porque não?” concedi-do a essa divisão da animalia, tão adversa às consagradas nas ciências naturais. Adianta--se que “… outras entradas haveria nesse li-vro que, sendo incontáveis, eram sempre integradas nessa categoria, na qual de lon-ge os ângulos das coisas figuram (…) mais e mais redondos e pequenos (...) formando, por fim, um ponto negro: o Tao da Mosca” 5.

Vários exotismos iam então conquistan-do o seu hipotético argumento no enredo de improbabilidades em que já nos constatá-vamos mergulhados, preparando-nos para o pendor especulativo do que encontraría-mos no espaço expositivo. Na última página, uma voz na terceira pessoa versa sobre a bio-grafia e obra dos autores, levantando a sus-peita de se tratar de uma primeira pessoa, auto-referencial mas camuflada. Vai tecen-do um panegírico cómico e de trato démodé, prosseguindo com novas invenções catego-riais para o “…catálogo das (…) criaturas…” que integravam a presente exposição. Entre elas, “as que se dividem (a) usando uma faca (…) (k) que sabem jogar às cartas (…) (l) fal-sos, e os incluídos nesta selecção…”, todas entradas passíveis de constar, dizem, nas “…ínfimas palavras [,] não do miolo mas da adenda ao vigésimo quinto volume [da] nos-sa Enciclopédia Luso Brasileira…”.

Nada está propriamente assinado, e é importante que não esteja. Não obstante, ressalta uma sintonia literária com o uni-verso da dupla (que tão usualmente coloca alicerces no campo de uma cultura escrita, da literatura, da filosofia, implícita ou expli-citamente), uma marca de água reforçada por alusões a onomatopeias futuristas e por

um grafismo idêntico ao selo da Sociedade Internacional de Abissologia 6.

Não parecem enunciados curatoriais, mas são. Parecem já, em parte, um objecto artístico da exposição, porque o são 7. Esta mesclagem entre arte e curadoria nem sem-pre se espera, mesmo nos casos de maior cumplicidade entre o curador e o trabalho artístico em causa8.

O curador ausenteEra assim que a folha de sala, instrumento tantas vezes relegado para acessório infor-mativo e técnico, ia revelando uma poética. Embora conservando o seu pendor museo-lógico, introduzia semblantes recorrentes da abordagem de Paiva + Gusmão – as aspi-rações do conhecimento científico, as frus-trações das suas ambições enciclopédicas, a arbitrariedade de todo o conhecimento – manobrando já o potencial ficcional, meta-fórico e mítico que daí pode brotar.

Mas não foi a espirituosidade de conte-údo o que mais nos intrigou na folha de sala, entenda-se, pois isso era parte da familiar estranheza 9 que tão seguramente já ante-cipáramos. Tampouco seria novidade este entroncamento de funções curatoriais com uma dimensão mais literária e artística. Não deixava, contudo, de nos espantar que essa confusão (tão benigna, neste caso) chegas-se, ao que tudo indica, às vias de facto de uma subtracção natural, não da curadoria, claro, mas da figura autoral do curador.

Na Oliva, o “curador ausente” dava-nos uma afinação do espaço expositivo que, por si só, arquitectava uma gramática signifi-cante. Não pela via exógena de um ponto de vista programático, historiográfico ou narra-tivo que a orientasse, mas antes por uma ar-ticulação plástica e simbólica endócrina ao

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trabalho que se apresentava. Digamos que se congeminava um limiar entre “instalação museológica” e “instalação artística”, fron-teira que tendia a desvanecer-se. Chame- -se-lhe encenação, composição ou até core-ografia, certo é que a orgânica da montagem era intrinsecamente participante na semi-ótica do projecto artístico em questão, ex-planando a sua poética na performatividade que oferecia ao espectador.

No epicentro dessa modelação exposi-tiva, quatro palcos (espécie de plintos com boca de cena) dispunham-se em redor, uns virados para os outros a três quartos. Neles eram exibidos adereços e artimanhas num total de 21 situações, acontecimentos. Eram artefactos isolados, objectos intervenciona-dos e aparatos cinéticos, que, assim reuni-dos e agrupados, ostentavam um estatuto entre os especímenes de um museu de his-tória natural, figuras de cera de um Madame Tussauds e uma montra de loja ou concurso de televisão.

Muitas dessas “criaturas” (assim deno-minadas na folha de sala) pertenciam à pa-rafernália de modelos engendrados para os filmes, fotografias e instalações da dupla. Alguns desempenhavam “ao vivo” os com-portamentos que já lhes conhecíamos do ecrã, em filmes ausentes dos projectores

que integravam a exposição. Era o caso de Pote mais pequeno que pote, 2010 [PALCO B], empilhamento invertido de louças, em que um ar espesso e sem gravidade impede que se toquem, actuantes num filme homónimo, do mesmo ano; ou Eclipse, 2008 [PALCO C], os ovos de avestruz furados do filme Eclipse ocular, 2008; ou ainda Hélice, 2017 [PALCO A], espécie de achado desgastado e corro-ído que aparenta valor arqueológico, não obstante ser reproduzida de um molde, como mostra o filme homónimo de 2007.

Outros corpos havia, que já tinham figu-rado em fotografias que não estavam expos-tas, como A Mola Paleolítica, 2006 [PALCO B], que surge numa foto homónima de 2005, entre o que aparentam ser os seus desco-bridores – “paleontólogos da banalidade” –, num cenário que parece uma pedreira. Havia ainda objectos que conservavam o carác-ter escultórico com que foram originalmente mostrados, embora agora sem a teatralida-de habitual das instalações que integraram, antes coniventes com esta encenação de arquétipos museográficos: casos de Faca meteórica, 2008, ou o frigorífico de Con-gelador descongelado, 2017, que, sendo uma camera obscura, evidenciava particularmen-te este “...estado mais ou menos sólido...” 10 partilhado com os demais.

2. Hélice, 2017 em Os animais que ao longe parecem moscas. © João Maria Gusmão + Pedro Paiva. Cortesia Oliva Creative Factory e André Cepeda.

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Na dinâmica de proxémicas e enviesa- mentos que a exposição oferecia, entravam ainda em jogo, fora dos palcos, três escultu-ras: 1E.Pneu de Inverno, 2016 – um negativo polaróide de grande formato11 emoldurado contra um fundo verde chroma key – rece-bia-nos logo à entrada, para depois ir dialo-gar com Pneu de Outono, 2017, no PALCO A; 2E.Câmera dentro de Câmera, 2012 12, peça em cera que parece maquetizar uma câmara escura; 3E.Cabeça de cavalo, 2015, a embos-car-nos numa esquina entre o PALCO A e o PALCO B. Uma outra peça, sem legenda na folha de sala, usurpava prontamente a nossa atenção, parecendo tratar-se de um modelo cinético de uma mosca – “blague” em pare-lha com o título da exposição. Era composta por uma espécie de plasticina preta agarra-da a um motor por um fio de nylon, com um prego a fazer peso. Tal como este insecto, declaradamente tão fictício e rudimentar, alguns dos modelos em palco, assim de per-to e em “carne e osso”, pareciam entregar--se à auto-denúncia, boicotar os encantado-res embustes, que nos lançam quando estão "ao longe" nos filmes, nas instalações céni-cas, nas fotografias.

IntermediaçõesNo “olho da exposição”, rodeados por aque-les enormes plintos colectivos, ouvíamos os 4 projectores de 16mm a orquestrar a sua tí-pica percussão. Por entre a assimetria rigo-rosa com que se orientavam os palcos (todos de dimensões díspares para calcular com exactidão estes desequilíbrios no espaço), espreitavam os ténues clarões das projec-ções, vindos das partes mais sombrias da sala, nas laterais e traseiras daquelas “mon-tras”. Os ecrãs contemplavam sete filmes 13. Em dois deles, desfilavam em modo cinema

alguns dos protagonistas que posavam nes-ses plateaus onde eram mais palpáveis, des-pidos das névoas do celulóide, mas ainda tão cinemáticos. Um deles era A Sopa, no PALCO D, uma panela cheia e aparentemente em ebulição, sem que se identificasse uma fon-te de calor capaz de levantar aquela fervura fria, sem vapor. É um modelo que, como ou-tros dos mostrados, foi baptizado como obra só em 2017 14, muito após a aparição num fil-me homónimo de 2009.

No filme (paródia darwiniana, talvez), chimpanzés de várias idades vão circundan-do a panela, intrigados, até que após algu-ma retinência, um deles mergulha a mão e retira uma batata, servindo de exemplo para os restantes.

Os chimpanzés, hominídeos de pleno di-reito e evolucionismo próprio, desconfiam daquele objecto, ainda assim estrangeiro à normalidade dos seus dias em anormal cati-veiro zoológico. Mas não parecem anuir tan-to ao automatismo de associar o borbulhar à alta temperatura, reflexo condicionado de outras sub-espécies de hominidae (extin-tas e por extinguir), pelo menos desde que há percepção do fogo. E é talvez devido aos 2% de logos que faltam nos 98% de anthro-pos que partilha no seu ADN, que o chimpan-zé não erra. Acerta em cheio e ganha a bata-ta, é recompensado.

O símio não se deixa enganar pela “lógi-ca da batata”. A sua esperteza não sofre do compromisso perante o erro que caracteriza a razão humana. Apoiada numa generaliza-ção da experiência fenoménica acumulada, e subsumindo abusivamente o particular do universal, a mente fabrica, de um modo ins-tintivo e quase inato, essa percepção erra-da, como se de um conhecimento racional se tratasse. Bastaria um índice minúsculo de

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raciocínio para ponderar que aquela panela jamais poderia estar a escaldar e que a “lei” empírica básica que associa a fervura ao ca-lor extremo não se aplica neste caso, embo-ra passe imediatamente essa mensagem. A não ser que... seja magia, seja paranormal, e que a nossa inteligência, afinal, ceda sem-pre o benefício da dúvida ao inexplicável que a embala, sempre à espreita para nos fazer perguntar, uma e outra vez, se os empiris-mos mais estáveis da nossa mundividência são de fiar.

Cedermos ao impulso de crer, por ins-tantes, que aquela água ferve, é comprovar o humano em nós, a vocação para estender a razão às regiões que ela não domina mas onde só ela chega. É um testemunho da ne-cessidade natural da metafísica (“recrea-tiva”, diria talvez Pessoa 15) ou até de uma patafísica 16, para qualquer compreensão ra-cional do mundo. Manifesta que nos é quase biológico essa sedução pelo incognoscível, o magnetismo de uma “abissal indiscernibi-lidade” de que também logram os mais am-biciosos desígnios da ciência.

Perguntar-se-á o leitor, como é que então aquela água simulava os 100 ºC com tama-nhas e autênticas bolhas... E é só após um rol de deduções, que concedemos ao nosso en-tendimento – já menos perplexo – a tentativa

de compreender a mecânica (a “lei” física) subjacente ao objecto, o engenho que pre-side à sua técnica. Mas claro que, tanto o registo em filme como o objecto em palco impõem o devido afastamento, perante a câ-mara e perante o “olho nu”, para vislumbrar-mos apenas a efervescência borbulhante sem conseguir ver o fundo à panela. Lá esta-ria, arrisco dizer por puro palpite, um motor de aquário ou outra coisa com a sofistica-ção analógica “Do It Yourself” dalguns ob-jectos em redor (o metrónomo com olhos de vidro de Espectador de ténis de mesa, 2017, os projectores de slides adaptados de Pôr do sol, 2017).

Mas e se lhe víssemos o fundo, seria ca-bal o esclarecimento do truque? E se o fosse, diminuiria esse nexo causal a fantasmagoria deste e doutros seres que “fingem olhar para nós” 17 por toda a exposição? Provavelmente não, da mesma forma que não é por se con-firmar mero ilusionista que o mágico deixa de se chamar mágico.

Ao maior fantasma já estes objectos guiaram, independentemente da sua deci-fração técnica. Já salientaram que o saber não se basta a si próprio e que há sempre um homo abyssus no mais sapiens dos sa-piens sapiens.

3. Cabeça de cavalo, 2015 em Os animais que ao longe parecem moscas. © João Maria Gusmão + Pedro Paiva. Cortesia Oliva Creative Factory e André Cepeda.

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O símio não se deixa enganar pela “lógica da batata”.

EncandeamentosNa relação crítica que a obra de Paiva + Gusmão estabelece com a genealogia epis-temológica do ocidente, o recurso à came-ra obscura ocupa, naturalmente, um lugar especial. Simulacro tecnológico do olho, as raízes históricas da descoberta desse mecanismo são praticamente insondáveis. O seu domínio tecnológico está obviamente na base do advento da câmara fotográfica e dos seus preconceitos de verosimilhança óptica, tão indispensáveis à ciência. É essa veracidade, no seu estado mais agudo (em tempo real), que a dupla instrumentaliza nos diversos usos desse dispositivo, sub-vertendo a ideia de objectividade associada ao fotográfico.

Em Congelador congelado, 2017, came-ra obscura desta exposição, o espectador tinha contacto com ambos os lados – o da projecção e o do objecto projectado – como

acontece nalgumas das outras instala-ções da dupla que envolvem este mecanis-mo (Horizonte de acontecimentos, 2008, com a sua pedra colossal, é um dos mais mar-cantes exemplos, onde um massivo apara-to “backstage” também passa ambiguamen-te para a “boca de cena”). Respeitava-se, no entanto, um perímetro de segurança bas-tante inviolável, pois o frigorífico situava-se ao fundo do PALCO C, junto à parede. Esse posicionamento vedava um ângulo de visão directa para o interior do congelador. Acedia- -se-lhe apenas através da projecção que surge do outro lado da parede, quando a por-ta do electrodoméstico se abria automatica-mente e um holofote, que então se acendia, reflectia os seus raios de luz no interior da “arca”, projectando a imagem na parede por trás do palco, através de uma lente. E aí, é o desentendimento que volta a ameaçar-nos18 .

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Bastidores na boca de cenaOs animais que ao longe parecem moscas pu-nha assim em palco uma dose homeopática dos bastidores da incredulidade, minuciosa-mente gerida para nos fazer intuir uma es-tratégia: Paiva + Gusmão, salteadores dos enciclopedismos e dos seus tabus, ensaia-vam agora uma taxonomia da sua própria poética, uma “didáctica” da arte de assom-brar o Conhecimento instituído, dos truques de trocar as voltas aos racionalismos, em-pirismos e positivismos que foram inflacio-nando o Saber, formatando mundividências.

Subjacente a este exercício, estava o engodo de um efeito de causalidade (vaca sagrada da objectividade e, claro, um dos mecanismos mais alvejados pela obra da dupla), género de “comprove você mesmo”, aparentemente repleto dos desejos de cor-roboração e prova material que tanto ani-mam a jurisprudência da nossa moderna e civilizada vontade de verdade19.

Mas dirigir-se-iam aqueles modelos – seres agora um pouco mais tangíveis, outro-ra espectros – rumo a uma desmistificação? Habitualmente poços de dúvida, catalizado-res de inquietação, desvirtuariam o seu poten-cial surrealizante numa verificação empírica?

Em parte, e apenas em parte… pois num segundo relance apercebiamo-nos rapida-mente que era ainda a “paralaxe cognitiva” o que mais os alimentava. Aqueles “palan-ques” expositivos, conservavam – e quiçá reforçavam – a dimensão espectacular da “farsa”, da máscara de desmascarar verda-des que a mentira da arte pode ser. São mais uma matrioska de manobras, desta vez com o falso alibi de “pôr tudo a nu”. E lá esta-mos nós enfeitiçados, já não com o impossí-vel do filme mas com o possível por trás dele

– as manhas, os automatismos, o ilusionismo, os sinais de fumo. Pois não haverá fantasma que assombre menos ao vivo do que em fil-me, e é também assim com esta “...exposi-ção de zombies!” 20

O Decurso de um Método?Não seria a primeira vez que a dupla daria semelhante título a uma exposição: acon-tecera com Those animals that, at a distan-ce, resemble flies (Kunsthaus Glarus, Suíça, 2012), aparentemente bastante diferente desta, tendo no entanto em comum a reco- lecção de obras do percurso dos autores e este dúbio desnudamento “behind the sce-nes” 21. Há também um filme homónimo, do mesmo ano, que não marcou presença em S. João da Madeira. É ele o gatilho de con-siderações em Teoria Extraterrestre, que interrogam novamente a capacidade de dis-cernir as coisas do mundo quando, ao longe – numa (des)medida que pode ser física mas também metafísica – todos os fenómenos se indistinguem num derradeiro ponto incog-noscível (precedente directo do nada). Quase tudo na obra de Paiva + Gusmão fantasia à lupa estas longínquas especulações teo-réticas. Aproxima-nos de momentos aporé-ticos que espelham a faculdade de conhecer como uma areia demasiado movediça.

Será também para a inquirição desse solo pantanoso que tem surgido recorren-temente este confronto entre objectos re-ais e a sua real imagem virtual. Já acontecia em Para uma ciência transitória do indiscer-nível: a Abissologia, na Cordoaria Nacional, em 2008 – ocasião charneira para este mo-dus operandi que envolve os modelos tridi-mensionais 22 (a peça Hélice, 2006, presen-te na Oliva, foi lá mostrada, naquele caso, em confronto com o filme correspondente).

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Uma outra exposição deu-lhe seguimento: Articulações, intervenção nas Minas de Sal-Gema em Loulé, igualmente de 2008 23, que é apontada como antecedente directo de toda desta estratégia. Também lá, Paiva + Gusmão presentificavam 24 a matéria que povoa os seus filmes, fotografias, insta-lações e ensaios literários, montando um “...Museu Abissológico, (…) de objectos re-colhidos e produzidos no âmbito (…) do pro-jecto Abissologia, (...) filmes em 16mm e (...) instalações (…) concebidas para [este] espaço” 25.

No entanto, o que distancia essa expo-sição de Loulé desta em S. João da Madeira parece ser tão significativo como o que as aproxima. Nas minas, explorava-se um ce-nário pré-existente fazendo das suas espe-cificidades geológicas, arquitectónicas e in-dustriais, uma extensão para as ambiências vaporosas da imagética da dupla. O mes-mo acabava por acontecer em Lua Cão, com a antiga serração penumbrosa a ser cortada pela luz encantada das projecções, embora sem fantasmas de corpo presente.

Mas em Os animais que ao longe pare-cem moscas, esta dialéctica entre fantas-magorias interiores e exteriores ao meio audiovisual muda bastante. Pois a Oliva Creative Factory, embora uma antiga fábri-ca, foi remodelada para funções museoló-gicas. De resto, isso é algo que a encenação desta exposição hiperboliza, com aqueles curiosos palcos museográficos. Ao contrário do que se dera nas Minas de Sal-Gema, esta exposição suscitava uma outra ironia muse-ológica, não pela deslocação do museu para um palco que não é o dele, mas assumindo o próprio museu, in loco, como mais um dos sistemas clássicos de validação e legitima-ção epistemológica com que a obra da dupla

tanto interfere criticamente. Depois do Modernismo, será ainda o

museu uma tômbola Iluminista obediente a essa cristalização categórica do mundo, frágil e quebradiça como todos os cristais?

Simbolicamente, os palcos museográ-ficos, satirizando, em certa medida, direc-tivas mais arcaicas ou obsoletas da muse-ografia, permitem que o trabalho da dupla auto-questione a categoria de arte con-temporânea que se lhe acopla, alastran-do essa inquirição à actual conjuntura dos museus enquanto terreno institucional de oficialização de conhecimento e valor cul-tural. Há, com efeito, um lastro recente des-tes questionamentos no percurso de Paiva + Gusmão: a exposição The sleeping eskimo (Aargauer Kunsthaus, Aarau, Suíça, 2016) é um exemplo, com palcos semelhantes, bem como The missing Hipoppotamus (Köl-nischer Kunstverein, Colónia, Alemanha, 2015), com imensas das “boçais” esculturas em cera negra dispostas num emaranhado de plintos brancos, testando desproporções e incompatibilidades.

Nos dispositivos que estas exposições encenavam, era também, em parte, para a sua própria circunstância museológica que os objectos pareciam fortemente remeter (alguns deles comuns a esta exposição como Máquina de lavar roupa com leopardo, 2016, no PALCO C , modelo que de repente se acti-vava por ciclos, e que já fora central em fotos e filmes de anos anteriores).

É nesse espaço museografado – arquéti-po de saber arquivado – que, para nosso en-gano, claro, os objectos parecem querer des-velar-se. Naqueles estrados professorais, parecem ministrar um corte com a “fantas-magoria do celulóide” em que muitos deles foram gravados. É de cima destes palan-

4. Máquina de lavar roupa com leopardo, 2016 em Lua Cão. © João Maria Gusmão + Pedro Paiva.Cortesia Galeria Zé dos Bois e Lais Pereira.

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ques que parecem desejar uma decifração do ilógico (mas nunca irreal) que costumam protagonizar. No final, com espanto modera-do – como se as nossas reacções incompre-ensíveis fossem o mais expectável de tudo isto –, sentimos que alguns modelos são mais “reais” em filmes, fotos e instalações sombrias, pois aparecem ainda mais espec-trais aqui. Outros, caem redondamente do seu pedestal de mistérios para entrarem no reino da engenhoca, com um humor que pa-rece quase imprevisto, em que a aura que de-tinham se transforma em algo pueril e cómi-co, frívolo até, mas sempre com um absurdo reforço do seu carácter enigmático.

Rebobinar a históriaA acção de Paiva + Gusmão perante o ci-nemático – o seu derradeiro medium, que não inclui apenas os filmes, mas é sintoma nas restantes idiossincrasias do seu “ge-noma” autoral – não está, de todo, alheada do caudal de consumo da película analógi-ca e dos seus derivados mais directos, com os revezes económicos e mercantis que vêm sofrendo. São vicissitudes que conotam au-tomaticamente as texturas do celulóide ao passado, a um pedaço de história – com ris-cos, poeiras, grão. A dupla explora esse vício de apreensão colado aos valores plásticos da película e aos valores estéticos e simbó-licos da imagem que através dela se projec-ta. E exploram-no, justamente, creio, porque o conhecimento, a episteme humana – e a sua institucionalização oficializada (que não é de somenos importância) é um dos principais focos da sua obra (e não há ambiente onde a Epistemologia, com os seus equívocos e esperançosas certezas, se sinta melhor do que na História…).

O seu trabalho acaba por tirar partido

da facilidade da imagética do filme analó-gico passar por anacrónica e até “bafienta” (como, de resto, o são algumas das concep-ções que ludibriam). O facto do seu trabalho ter no conhecimento humano uma profunda interrogação, faz com que esse automatis-mo estético de conotação com um passado ultrapassado atinja um reverso crítico mui-to directo e sensorial. Pois o ar tecnologica-mente “obsoleto” da película funde-se às representações e temas que ela transpor-ta, e ao elã desactualizado que afecta, mais cedo ou mais tarde, qualquer História do Conhecimento (e da ciência em especial, nas suas indispensáveis mudanças de paradig-ma). É dessa História que sai o turbilhão te-órico que a obra de Paiva + Gusmão perscru-ta, denunciando que todos os sistemas de crenças acerca do mundo fenoménico – dos mais axiomáticos aos mais insólitos – estão em boa parte ancorados a elementos imate-riais e muitas vezes incorroboráveis.

É então por contraste que a “intri-ga” epistemológica que enleiam, aparen-temente tão etérea, ganha força adicional ao materializar-se em meios extremamen-te corpóreos. Pois onde é que os artistas questionam os primados da nossa filoso-fia científica? Onde é que torcem os alicer-ces da experiência cognitiva do mundo fe-noménico, das leis da física, da química? Privilegiam uma dimensão extremamente material dos meios de imagem onde finali-zam o mirabolante, desde a camera obscu-ra – com a luz reiterando o seu carácter fí-sico – ao celulóide, suporte analógico por excelência da imagem em movimento. Por vezes, dão-nos a entender que o chamado “audiovisual” é tão mais mágico quanto mais aparentemente “primitivos” forem os seus meios (por “primitivo”, refiro-me à genealo-

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gia dos meios tecnológicos, não a qualquer espécie de falta de sofisticação e complexi-dade dos velhos meios por comparação aos novos). Mas por trás de toda essa porosida-de táctil estão artifícios (bastante legítimos em arte), que tanto podem sair do baú do esquecimento tecnológico (tão mais inova-dores quanto mais arcaicos), como recorrer a arsenal de ponta da era digital, que a prá-tica de Paiva + Gusmão também domina com a mestria adicional de os ocultar (ocultação dos subterfúgios da técnica e dos vestígios do instrumento: eis um “magistério” de ar-tistas de todos os tempos).

Para que o processo fosse completa-mente analógico, seria necessária uma gi-gante multiplicação física de fotogramas por segundo, o que implicaria que a fita rodas-se a uma rapidez mecanicamanente impos-sível de obturar pelas câmaras de película. É essa elevadíssima cadência do frame rate da captação que permite tanta consistência no atraso para o baixo frame rate da repro-dução no projector. Em edição estritamente analógica, tudo isso se traduziria num acres-cento de metros e metros aos rolos, que dei-xariam sequer de ser suportados pelos ta-buleiros de loop dos projectores que exibem estas deleitosas lentidões, em bobines tão curtas e concisas. Para além disso, caso a produção se cingisse ao filme de pequeno formato com que chega a público, e que é um aspecto determinante para a imagética da dupla, seria demasiado improvável atingir o recorte fotográfico que ainda espreita por detrás das "névoas" de pós-produção des-tas slow-motions. Os eventuais milhares de frames por segundo das câmaras digitais de alta velocidade parecem, de facto, fazer-se sentir, mas soterrados por maquilhagens di-fusas e pelos ruídos concretos que adquirem

na transferência para película.Parte do encantamento que estas câ-

maras-lentas geram, deve-se justamente a não ser “suposto” haver tanta precisão na captação e retardação da turbulenta pe-lícula de 16mm que nos é dada a visionar. É em parte esta conjugação de tecnologias supostamente antagónicas que nos side-ra, pois transmite uma imagem de qualida-de pouco vista – espécie de “celulóide 4K” –, onde convivem subliminarmente estes dife-rentes estádios da história do medium foto-gráfico e cinematográfico.

O filme Glossolalia (Good Morning) 26, 2014 (ausente na Oliva, mas presente em Lua Cão), que capta a dança muda de duas ara-ras diante da câmara, aparecendo e desa-parecendo, ora mais estáticas, ora esvoa-çantes, é um dos mais fascinantes exemplos deste concílio de anacronismos. Tal como o é Entrar na cama, 2011, no Projector 4 da presente exposição, onde é um plano ligei-ramente instável a trazer-nos a sólida lenti-dão locomotiva da mulher que se deita. Os li-geiros tremores do enquadramento, aliados a uma superfície ainda mais poluída e difu-sa da imagem, chocam com a continuidade constante e inabalável do fluxo da câmara lenta. A extrema dilatação temporal incre-menta a densidade do corpo nu e voluptu-oso da modelo, ao mesmo tempo que ate-nua a gravidade de cada passo até à cama, e do levitar do lençol sobre a massa carnal que comprime o colchão, como se nele ape-nas poisasse. É explorando estes paradoxos sensoriais entre peso e leveza, que o filme vai evocando a sensualidade – “inesperada”, talvez, mas não “acidental” – da sequência cronofotográfica de motivo idêntico da au-toria de Muybridge (1830-1904), o inventor do zoopraxiscope, cujas famosas fototipias

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(por vezes tão “inusitadamente” eróticas) contribuíram para o estudo científico do mo-vimento e para a invenção do cinema 27.

Qualquer que seja a tecnologia hi-tech subjacente às produções de Paiva + Gusmão, certo é que o seu rasto tende a escamotear--se, desvanecendo-se o estereótipo do ar-tista como guru da tecnologia de ponta. O que persiste é antes o romantismo do artista como um mago, qual “druida do audiovisual”. Vêm-nos à ideia estatutos dessincronizados com o presente, oriundos do berço ainda in-génuo da modernidade, em que o cinemató-grafo era um passo de magia e mágicos eram os seus cultores. O tom mais geek da dupla desempoeira esses clichés da História, pro-blematizando a contemporaneidade em con-fronto com a memória desse legado.

Como muitos dos pensadores que inter-ceptam, Paiva + Gusmão pressentem que é nos pontos cegos da lógica e da lingua-gem que se situam as origens, para sempre perdidas, dessa fábula real e em constan-te carburação que é o sentido do universo. É essa constelação de sumarentos nadas o radical das suas expedições pelo indis-cernível, o improvável, o ilógico. Delas leva--se uma única certeza: a de que, num ápice, o homo sapiens passa de incrédulo a cré-dulo e vice-versa (máxima que o feiticeiro sabe por facto e é o que tem mais em comum com o cientista).·

5. Glossolalia (Good Morning), 2014 em Lua Cão. © João Maria Gusmão + Pedro Paiva. Cortesia Galeria Zé dos Bois e Lais Pereira.

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NOTAS:

1. Na Oliva, a exposição teve a vizinhança de Arte Bruta – História de mitologias individuais. Obras da coleção Treger/Saint Silvestre e As leis do número de ouro -“Arquitectos” na Arte Bruta, esta última com curadoria de Antónia Gaeta.

2. Exposição conjunta com Alexandre Estrela e curadoria de Natxo Checa, que ocupou uma antiga serrralharia desactivada em Lisboa. Patente em simultâneo com esta mostra na Oliva.

3. Pelo caminho, os c. 2.385 km até à Bienal de Veneza de 2009, onde JMG + PP foram a mais jovem representação portuguesa de sempre, os +/- 7.960 km até à Bienal de S.Paulo, em 2006, entre outras rotas de um dos percursos mais internacionais da arte contemporânea portuguesa. Recentemente, destaca-se a aclamada Papagaio no Camdem Arts Centre, em Londres, 2015, ou One month without filming, no REDCAT, Los Angeles, no mesmo ano. v., p. ex., http://galleriazero.it/en/node/120 [consultado a 28/09/2017].

4. Eis a citação completa: “ Nas suas remotíssimas páginas está escrito que os animais se dividem em: (a) os do imperador, (b) embalsamados, (c) amestrados, (d) leitões, (e) sereias, (f) fabulosos, (g) cães vadios, (h) incluídos nesta classificação, (i) que se agitam como loucos, (j) incontáveis, (k) desenhados com um pincel finíssimo de pêlo de camelo, (l) etc…, (m) que acabam de quebrar o jarrão, (n) que ao longe parecem como moscas.”, da folha de sala, adaptado a partir do conto “El idioma analítico de John Wilkins” in BORGES, J.L., Otras Inquisiciones (1952), disponível em http://www.ccborges.org.ar/constelacionborges/enciclopedia/El%20idioma%20analitico%20de%20john%20wilkins.pdf [consultado a 16/09/2017].

5. Da folha de sala.

6. Uma associação verídica “criada em 2009 por JMG + PP, Francisca Bagulho e alguns patafísicos conhecidos (…) plataforma de base para a produção, edição e promoção da investigação Abissológica e seus associados.”, traduzido de https://vimeo.com/user12395579/about [consultado a 27/09/2017].

7. Há inclusivamente ocorrências que deixam dúvida se serão lapsos, como a duração de Onça Geométrica, 2013, grafada assim: «?’??”». Este filme em particular apresenta um padrão hipnótico onde, de facto, a noção do tempo tende a esfumar-se. No terreno fértil à suspeita que é todo este corpo de trabalho, é inevitável que a especulação deambule por este cepticismo intuitivo.

8. Leia-se, por exemplo, o texto de Natxo Checa para Lua Cão. Toca pontos fundamentais que só um “compadrio” de longa data substanciaria. Mas até que ponto participa artisticamente das obras que apresenta? Não seria sequer esse o seu fito. Antes tentava contextualizar factores circunstanciais, por vezes de índole pessoal, das parcerias por trás de Lua Cão.

9. Usar “familiar” e “estranho” num único paradoxo é, inevitavelmente, pensar em Freud e no seu Das Unheimliche [1919] (palavra intraduzível, como o sentimento a que diz respeito, adaptável para “estranhamente familiar” e “esteticamente inquietante”), v. FREUD, S., The Uncanny, in http://web.mit.edu/allanmc/www/freud1.pdf [consultado a 22/09/2017].

10. Da folha de sala.

11. Uma polaróide, uma escultura. É essa a classificação na folha de sala como “1E.” (“E” de “escultura”, depreende-se). A moldura em caixa reforçava a presença objectual que os negativos fotográficos já de si têm sempre e para a qual não será alheia a inversão do espectro lumínico.

12. Respeita-se aqui a grafia “câmera”, da folha de sala.

13. Projector 1: Casuar, 2010, 16mm, 4’37’’; Três albinos a contar histórias junto à fogueira, 2013, 16mm, 2’48’’; Triângulos e Quadrados, 2013, 16mm, 1’25’’. Projector 2: Onça Geométrica, 2013, 16mm, ?’??’’. Projector 3: A Sopa, 2009, filme 35mm transposto para 16mm, 3’35’’. Projector 4: Entrar na cama, 16mm, 2011, 2’45’’; Mão, mais pequena que mão, 2009, 35mm transposto para 16mm, 1’48’’. [cor, sem som, todos eles].

14. A ideia de um “rebaptismo” como premissa subjacente a toda a exposição é bem salientada no texto de Sara Castelo Branco, in Contemporânea, Maio-Junho, 2017, p.24.

15. “Metafísica recreativa” é uma expressão das meditações sobre ciência e religião de Pessoa/Ricardo Reis, uma das referências em trânsito na obra da dupla. v. http://arquivopessoa.net/textos/751 [consultado a 26/10/2017].

16. Na base da Sociedade Internacional de Abissologia, o termo é de Alfred Jarry, dramaturgo de Ubu Rei (1896) que, à semelhança de Pessoa, é equacionado frequentemente no contexto da obra da dupla. v., p. ex.., Pedro LAPA, “Will and Affirmation” in Intrusão: The Red Square, catálogo da exposição individual da dupla no Museu Nacional de Arte Contemporânea, em 2005, momento inicial de consagração institucional.

17. Formulação usada na folha de sala.

18. Nas camerae obscurae de JMG + PP, o espectador, habituado a colar o arquétipo da lente ao gesto de conhecer pelo olhar, cumpre a atitude natural de espreitar pelo pinhole luminoso, como se fosse um óculo, invertendo o mecanismo. Embora encandeando-se, acede também desta forma ao remanescente backstage oculto do dispositivo, enxergando motores e roldanas que se conservam misteriosos.

19. É caso para lembrar palavras de Wittgenstein no 5.1361 do Tractatus (1922): “... O nexo de causalidade é a superstição”, observando as falências da lógica para inferir verdades (in WITTGENSTEIN, L., Tratado Lógico-Filosófico, Lisboa: F.C.G., 5.ª ed., 2011, p.85). Seguramente que isso é relevante para a Vontade de Verdade que Nietzsche problematizara.

20. Como prometia o texto mais jocoso da folha de sala.

21. Quando se tem projectores ruidosos assumidos no espaço, camerae obscurae e negativos fotográficos como obra final, parte dos bastidores passam logo para primeiro plano. Mas essa tendência tem-se tornado uma premissa mais fulcral nos projectos expositivos de JMG + PP.

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22. Consistiu também numa das primeiras divulgações da Sociedade Internacional de Abissologia, a já referida associação que apropria o seu conceito base de “La Grande Beuverie”, de René Daumal. v. Press Release dessa exposição in http://www.artecapital.net/recomendacoes.php?ref=77 [consultado a 22/09/2017].

23. Curadoria de Nuno Faria e produção do Museu de Serralves para a 2ª ed. do ciclo Allgarve.

24. A actualidade destes objectos, na presença exterior ao filme, por oposição à virtualidade que detêm enquanto presenças imagéticas no ecrã, é bem apontada por Sara Castelo Branco, in op. cit. Contemporânea. Mas é preciso salvaguardar – em especial diante de um gerador de imagem tão corpóreo como o celulóide – que virtual não significa irreal, nem actual é sinónimo de real. Pois “imagem”, “ilusão”, “magia”, são instâncias da realidade do objecto fílmico – fictícias, talvez, mas inscritas no “materialismo” da película.

25. In http://geopedrados.blogspot.pt/2008/07/mina-de-sal-gema-de-loul-visita-no.html [consultado a 31/10/2017].

26. O título segue as referências esotéricas reforçadas na exposição Papagaio, 2015. Em religião, o termo “glossolalia” define-se como o dom divino das línguas, derivando para o ocultismo sobrenatural de falar uma língua desconhecida e de origem mística – um fenómeno paranormal, enquadrável no espiritismo de diversas religiões, cultos e credos. Em Psiquiatra, pode adquirir contornos de patologia.

27. Para acompanhar esta relação, v. op. cit., Teoria extraterrestre, p.73. O filme dialoga, especificamente, com a “Plate 264” do álbum MUYBRIDGE, Eadweard, Animal locomotion: an electro-photographic investigation of consecutive phases of animal movements. 1872-1885 (Filadélfia:1887).

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1. A Sopa em Os animais que ao longe parecem moscas. © João Maria Gusmão + Pedro Paiva. Cortesia Oliva Creative Factory e André Cepeda.

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6. Vista da exposição - [PALCO A] e [PALCO C] - Os animais que ao longe parecem moscas. © João Maria Gusmão + Pedro Paiva. Cortesia Oliva Creative Factory e André Cepeda.

7. Vista da exposição - [PALCO D] - Os animais que ao longe parecem moscas. © João Maria Gusmão + Pedro Paiva. Cortesia Oliva Creative Factory e André Cepeda.

8. Vista da exposição - [PALCO A] - Os animais que ao longe parecem moscas. © João Maria Gusmão + Pedro Paiva. Cortesia Oliva Creative Factory e André Cepeda.

9. Vista da exposição - [PALCO B] - Os animais que ao longe parecem moscas. © João Maria Gusmão + Pedro Paiva. Cortesia Oliva Creative Factory e André Cepeda.

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