Escola e a Produção Da Sociedade Civil Organizada Reflexões Em Torno Do ECA

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TEIAS: Rio de Janeiro, ano 2, nº 4, jul/dez 2001 ARTIGOS 1 A ESCOLA E A PRODUÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA – REFLEXÕES SOBRE OS CONSELHOS A PARTIR DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Estela Scheinvar * RESUMO A “sociedade civil organizada” tornou-se um conceito articulador do ideal democrático no Brasil, através da proposta da formação de conselhos paritários contida na Constituição Federal de 1988. Portanto, o estudo da sociedade civil implica a discussão da organização social na sociedade burguesa, assim como a análise dos agenciamentos através dos quais a sociedade civil se materializa. Neste debate, a escola emerge como o veí- culo formal mais coeso na institucionalização da formação cidadã e, nela, o Estatuto da Criança e do Adoles- cente é adotado como um dispositivo, por conferir concreção às análises, na medida em que trata-se de uma lei cuja implementação supõe a ação direta da sociedade civil no sentido de produzir efeitos diretos no cotidi- ano dessa população. Palavras-chave: sociedade civil, cidadania, políticas públicas. A categoria “sociedade civil” tem-se convertido em um dos fundamentos da discussão so- bre a organização política brasileira. Sua forma institucionalizada emerge com a Constituição Fede- ral de 1988, através da proposta de implantação de conselhos paritários, nos quais a sociedade civil organizada se senta à mesa com o governo para assumir a formulação e a gestão da política pública. Seguindo um discurso gramsciano – embora as práticas muito se distanciem de suas propostas – a abertura democrática posterior à ditadura militar de 1964 centra as possibilidades de um debate a- berto à comunidade, na formação de conselhos em todas as áreas: educação, saúde, orçamento, cri- ança e adolescente etc. Estes são concebidos como um mecanismo democrático de gestão, por indi- car o diálogo orgânico entre a sociedade política e a sociedade civil. No entanto, cabe problematizar conceitos como os de sociedade civil ou de cidadania, nos quais se apoia tal relação, pois longe de naturalizá-los enquanto entidades “superiores” ou por “essência” inclusivos, sua produção datada, histórica, obriga a fazer incursões nas relações instituintes que os trazem à cena política brasileira, como uma esperança para a construção de dias melhores. Sob esta perspectiva, o Estatuto da Crian- ça e do Adolescente (ECA) torna-se um valioso analisador, na medida em que estabelece a criação de Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, cuja estrutura se sustenta na relação entre os representantes da sociedade civil e do governo. 1 Para tanto, o debate sobre a cidadania é um recurso obrigatório, entendendo-se esta como uma produção que expressa a construção dos ideais hegemônicos de determinado poder político. Tais ideais são tecidos no cotidiano, através de um exército composto por equipamentos de forma- ção cívica e, nesta medida, por agentes de formação política, dentre os quais se localiza, de forma * Doutora em Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Federal Fluminense (UFF) ([email protected]). 1 Para uma análise mais detida sobre as concepções contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, ver: Scheinvar, Estela, O Feitiço da Política Pública. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado em Educação, Niterói, UFF, 2001, capítulo 3

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Relações entre a escola e sociedade civil

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  • TEIAS: Rio de Janeiro, ano 2, n 4, jul/dez 2001 ARTIGOS 1

    A ESCOLA E A PRODUO DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA REFLEXES SOBRE

    OS CONSELHOS A PARTIR DO ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE

    Estela Scheinvar*

    RESUMO

    A sociedade civil organizada tornou-se um conceito articulador do ideal democrtico no Brasil, atravs da proposta da formao de conselhos paritrios contida na Constituio Federal de 1988. Portanto, o estudo da sociedade civil implica a discusso da organizao social na sociedade burguesa, assim como a anlise dos agenciamentos atravs dos quais a sociedade civil se materializa. Neste debate, a escola emerge como o ve-culo formal mais coeso na institucionalizao da formao cidad e, nela, o Estatuto da Criana e do Adoles-cente adotado como um dispositivo, por conferir concreo s anlises, na medida em que trata-se de uma lei cuja implementao supe a ao direta da sociedade civil no sentido de produzir efeitos diretos no cotidi-ano dessa populao.

    Palavras-chave: sociedade civil, cidadania, polticas pblicas.

    A categoria sociedade civil tem-se convertido em um dos fundamentos da discusso so-

    bre a organizao poltica brasileira. Sua forma institucionalizada emerge com a Constituio Fede-ral de 1988, atravs da proposta de implantao de conselhos paritrios, nos quais a sociedade civil organizada se senta mesa com o governo para assumir a formulao e a gesto da poltica pblica. Seguindo um discurso gramsciano embora as prticas muito se distanciem de suas propostas a abertura democrtica posterior ditadura militar de 1964 centra as possibilidades de um debate a-berto comunidade, na formao de conselhos em todas as reas: educao, sade, oramento, cri-ana e adolescente etc. Estes so concebidos como um mecanismo democrtico de gesto, por indi-car o dilogo orgnico entre a sociedade poltica e a sociedade civil. No entanto, cabe problematizar conceitos como os de sociedade civil ou de cidadania, nos quais se apoia tal relao, pois longe de naturaliz-los enquanto entidades superiores ou por essncia inclusivos, sua produo datada, histrica, obriga a fazer incurses nas relaes instituintes que os trazem cena poltica brasileira, como uma esperana para a construo de dias melhores. Sob esta perspectiva, o Estatuto da Crian-a e do Adolescente (ECA) torna-se um valioso analisador, na medida em que estabelece a criao de Conselhos dos Direitos da Criana e do Adolescente, cuja estrutura se sustenta na relao entre os representantes da sociedade civil e do governo.1

    Para tanto, o debate sobre a cidadania um recurso obrigatrio, entendendo-se esta como uma produo que expressa a construo dos ideais hegemnicos de determinado poder poltico. Tais ideais so tecidos no cotidiano, atravs de um exrcito composto por equipamentos de forma-o cvica e, nesta medida, por agentes de formao poltica, dentre os quais se localiza, de forma

    *Doutora em Servio de Psicologia Aplicada da Universidade Federal Fluminense (UFF) ([email protected]). 1Para uma anlise mais detida sobre as concepes contidas no Estatuto da Criana e do Adolescente, ver: Scheinvar, Estela, O Feitio da Poltica Pblica. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado em Educao, Niteri, UFF, 2001, captulo 3

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    privilegiada, a escola: espao em torno do qual a sociedade se concentra, depositando esperanas de que, da sua ao sistemtica, retornem efeitos positivos.

    Na sociedade moderna, a escola ocupa um lugar privilegiado no processo de socializao. O saber, na modernidade, passa a ser um valor que confere poder e, assim sendo, o saber escolar emerge como uma chave de acesso ao sucesso. Esta concepo se cristaliza em dois mbitos particularmente: nas referncias sobrevivncia material (possibilidade de emprego) e socializa-o (ter educao). Ambas confluem na medida em que a concepo de socializao passa a ser discutida enquanto garantia da qualificao necessria futura integrao ao processo produtivo, que colocado como garantia de acesso s condies de cidadania. Subjetiva-se a educao no mo-delo escolar e, a partir deste, educao e cidadania estabelecem uma relao ntima, onde ambas, convencionalmente, so analisadas como condicionantes. A partir desta lgica, a educao formal torna-se sinnimo de socializao da criana, passando a ser considerada como a nova atribuio deste setor da populao que, at o sculo XVI, aparecia diludo entre os grupos sociais.

    Embora seja atribuda famlia o fardo da garantia da ordem, os limites concretos para que ela realize tal princpio soberano da sociedade burguesa abrem uma interrogao em relao ao seu poder. Os limites do particular (mbito familiar) associam-se ao domnio social que, no caso dos que tm at 17 anos, se cristaliza na escola. Esta emerge enquanto instituio de seqestro2 transmissora do saber e da ordem necessrios para que tal saber seja colocado em prtica. Instruo e ordem fazem parte de uma mesma concepo que constitui a cidadania. No s a escola atua no mesmo sentido que a famlia, mas tambm atribuda primeira a responsabilidade por orient-la. A escola produzida como a instncia do saber. Independentemente das condies de trabalho dos professores, estes so chamados responsabilidade por disciplinar e instruir os filhos e, atravs destes, a prpria famlia, sob pena desta ltima ser acusada pela falta de condies de cidadania e de ser capturada por outras instituies de seqestro vigilantes da ordem, como o Juizado, o manic-mio ou os consultrios dos especialistas (...).

    Escola e cidadania um binmio do qual no se pode escapar, na medida em que inde-pendentemente dos hbitos e formas em que se expressem estes conceitos cidadania uma relao social que no natural, mas um produto histrico. A escola, de sua parte, chamada responsa-bilidade na sociedade moderna pela socializao.

    Segundo Maria Vitria Benevides, a anlise da noo de cidadania tem se pautado em dois temas correlatos:

    1. o aperfeioamento dos direitos polticos do cidado pela implementao de mecanismos de democracia direta (...) e 2. a educao poltica do povo, como elemento indispensvel tor-nando-se causa e conseqncia da democracia e da cidadania (BENEVIDES, 1994, p. 5).

    Abordando o segundo elemento a educao poltica e seguindo a concepo da autora, cabe analisar a produo de condies para o exerccio da democracia direta e, nesta medida, para a

    2Michel Foucault define a instituio de seqestro como aquela que: se encarrega, de certa forma, de toda a dimen-so temporal da vida dos indivduos (...), ao mesmo tempo que controla seus corpos pois, embora cada instituio seja especializada hospital, escola, fbrica etc. (...) seu funcionamento supe uma disciplina geral da existncia que supera amplamente as finalidades para as que foram criadas. Atravs destas funes, opera-se, ainda, uma ter-ceira, que a do poder poltico. De acordo com este autor, as pessoas que dirigem estas instituies se arvoram o direito de dar ordens, estabelecer regulamentos (...). O micro-poder que funciona ao interior destas instituies ao mesmo tempo um poder judicirio (1984, p. 129-134).

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    condio de cidadania. Interessa, ento, realizar esta anlise a partir do processo educativo oficial pautado em verdades cientficas sustentadas na neutralidade e em sua apoliticidade. Tal pers-pectiva foi historicamente recrudescida medida em que os menores de 18 anos no detinham direi-tos cidados e, portanto, viviam sob tutelas totalitrias, sem ter o direito a qualquer tipo de contesta-o. O ECA abre este debate quando cidadania deixa de ser atributo dos maiores, para se tornar um bem social generalizado.

    Se entendida a cidadania como um contrato, uma relao jurdica, desde a gnese das prticas que estabelece esta relao at as formas para seu cumprimento tornam-se matrias peda-ggicas. Neste sentido, pode-se afirmar que cidadania no um atributo natural, mas uma relao construda sob bases histricas localizveis socialmente.

    O ECA apresenta uma contradio com as condies de socializao tradicionais da socie-dade brasileira. Por um lado, historicamente, a famlia emerge como responsvel por oferecer con-dies de cidadania para seus filhos, em nome do livre acesso propriedade privada. Por outro, re-conhecendo as condies de pobreza do Brasil, o Estatuto chama mobilizao da sociedade civil atravs dos Conselhos, no sentido de que sejam garantidos os direitos que conferem a condio de cidadania. Transparece, ento, o carter contraditrio da liberdade enquanto garantia de cidadania e torna-se evidente a relao direta entre propriedade privada e excluso social. A relao de cida-dania um analisador das relaes sociais de maneira geral, na medida em que a condio cidad uma produo histrica que implica em condies concretas atravs das quais esta seja engendra-da. O espao privado da famlia passa a se reconhecer no espao pblico, na medida em que as rela-es familiares j no se circunscrevem a quatro paredes, mas a uma comunidade, a um Estado que, em vez de cassar os direitos familiares e confinar seus membros, tem que construir novas formas de interveno preservando o espao familiar, o espao privado, precisamente por ser percebido em seu mbito pblico. A construo desta nova relao proposta atravs dos Conselhos. Porm, a relao sociedade civil-governo implicada nos Conselhos no natural nem espontnea, supe pr-ticas de interveno nos modelos hegemnicos totalizadores que se pautam na obedincia mecnica e no na produo crtica e participativa.

    Se a cidadania uma construo histrica, se a educao poltica um elemento na produ-o desta relao, se a cidadania supe uma materialidade e se a detentora do saber, da socia-lizao a escola, cabe discutir a escola enquanto um espao de construo da cidadania.

    Clia Linhares denuncia com veemncia a escola que se amplia em termos de possibilida-des de acesso, ao mesmo tempo que se afirma enquanto mecanismo de excluso social. Por oposi-o s propostas das polticas oficiais, segundo a autora, o que interessa populao que freqenta a escola :

    (...) fazer do saber escolar algo vivo, para ser refeito, que lhes ajude a entender mais de si mesmos, entendendo mais os movimentos que o Brasil vem produzindo; um saber escolar que contribua na ampliao de escolhas, um saber aberto a virar ferramenta em suas mos (...) Uma escola que cons-trua a cidadania e no aquela que atravs da (...) fora da hegemonia vai confirmando medrosos, fracassados e revoltados: uns e outros marcados por um espelho que os reflete no que eles tm de possibilidades, as mais negativas, devolvendo-lhes assim uma imagem autodesprezvel (LINHARES, 1997, p. 67-68).

    O conceito liberal de cidadania redimensiona o indivduo. A consolidao dos Estados Democrticos implica formas participativas como a democracia semidireta na qual (...) o cidado

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    passa a ser titular de uma funo ou poder pblico, com o que a distino entre Estado e sociedade civil esbate-se (BENEVIDES, 1994, p. 9). Poltica uma prtica para polticos: afirmao perma-nente numa sociedade que se estrutura politicamente a partir da participao cidad. Contraditria construo histrica. A concepo do indivduo constituinte de uma sociedade civil diretamente articulada com o Estado estabelece o espao para a discusso desta contradio. O Estatuto da Cri-ana e do Adolescente traz elementos ricos na medida em que os Conselhos se do em todos os n-veis administrativos (Federal, Estadual e Municipal) e dependem da articulao governamental (so-ciedade poltica) com as organizaes no governamentais (sociedade civil).

    Tradicionalmente, a participao social localizada no campo da assistncia social, por ser esta uma rea produzida como o campo da benevolncia, da caridade, da piedade. Assim, ao se falar em sociedade civil remete-se a uma produo histrica que no Brasil tem-se circunscrito ao campo da doao individual e sentimental. No entanto, se se pensa a formao poltica de outra maneira, cabe problematizar os espaos onde a cidadania e, como uma de suas formas organizadas, a socie-dade civil, se produzem, para pensar outras formas de participao poltica. Neste contexto, o espa-o comunitrio mais orgnico que a sociedade moderna produziu foi a escola. ele que atravessa toda a populao, ao qual todas as crianas em tese teriam que freqentar e que, com todas as suas deficincias, recebe enorme contingente da populao brasileira, pelo menos em um ou dois anos de suas vidas.

    Embora a trajetria da assistncia social tenha impregnado a mobilizao popular de um contedo benevolente e at condescendente, a sociedade civil expressa relaes de poder. Portanto, a ao dos grupos sociais, se bem produzam descontinuidades, tambm tm efeitos disciplinarizado-res. Nesse sentido, a ao da sociedade civil organizada sempre uma ao poltica; uma ao pro-dutora de movimentos mltiplos capitalizados ou no, por um poder dominante. Seguindo o pensa-mento de Gramsci, pode-se afirmar que est na relao da sociedade civil o impulso necessrio para a realizao da funo tica e educativa que produzam a elevao intelectual e moral. Sobre esta base, entende o autor que a sociedade civil se autoregula e influencia o Estado quando seus interes-ses entram no jogo do poder de forma ativa, despotencializando o poder coercitivo. Com a interven-o da sociedade civil, Gramsci fala de uma sociedade regulada, onde a pluralidade de interesses se enfrentam, obrigando o dilogo e a luta entre correlaes de foras explcitas que disputam a hege-monia. A busca do consenso, em Gramsci, um exerccio que provm das relaes localizadas na sociedade civil. Para atingi-lo, investe-se na conscincia, na noo de real, que se define de acordo com a insero de classe dos diferentes grupos.

    No entanto, com esta idia de consenso, parece que os interesses em pugna na sociedade civil se dividem de acordo com a insero econmica e cultural de forma hermtica. Embora a con-cepo de sociedade civil de Gramsci reconhea a pluralidade cultural e poltica dos diferentes gru-pos sociais, recorta tais posies a partir da classe social. Esta perspectiva abre uma polmica com a concepo de produo de subjetividades, na medida em que esta ltima entende a apropriao do mundo de forma transversalizada, sem sedimentar por classe a produo das formas de pensar e agir. A anlise da produo de subjetividades recorre s prticas nas quais a heterogeneidade de idias se apresenta em todos os segmentos, sem se fragmentar de acordo com a insero econmica. Assim, sob este ponto de vista, as classes no tm vises necessariamente diferentes das reconheci-das como sendo do poder dominante; so parte deste. O poder atravessa a todos. A produo de subjetividades um processo histrico que se expressa na atuao dos grupos, em suas posies, desejos, aspiraes, os quais transcendem a dimenso material/racional de modelos ticos. Insistir

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    na busca do real, da verdade de acordo com a insero de classe, implicaria na naturalizao de uma produo histrica. Como no se trata de um convencimento formal, mas de concepes de vida, a anlise sobre as concepes vividas pela sociedade civil no pode cair, de forma romntica, em armadilhas mecnicas.

    Se, como afirma Gramsci, o processo coercitivo do Estado est condicionado por uma re-lao de afirmao da sociedade civil (no sentido desta apoiar e legitimar sua ao), ser a produo de subjetividades as prticas materiais e cotidianas seja no mbito do pensamento ou da ao que manifesta os espaos dos poderes em luta. O movimento de organizao e articulao da socie-dade civil, como coloca Gramsci, bem pode produzir novas relaes que intervenham de forma in-cisiva nas relaes cotidianas, o que no necessariamente significa uma elevao cultural e poltica dos excludos como ele sugere , na medida em que o processo de agregao e mobilizao no pode ser sublimado a partir de certa positividade. Se bem que, como diz Gramsci, a hegemonia um movimento permanente, que avana at a posse real e completa de uma concepo de mundo coerente e unitria (GRAMSCI, ap. SEMERARO, 1998, p. 74), tambm verdade que ela produto de relaes tensas que se do sob presses histricas. A construo da democracia um processo, s vezes contestado por diversos setores da sociedade civil. Sociedade civil, portanto, um espao pedaggico, tico, poltico, sempre articulado, cuja potencialidade, no entanto, no pode ser natura-lizada.

    Quando discute a conquista do poder por parte da sociedade civil, Gramsci reconhece que h de se abordar o campo da gesto do Estado, o que implica na articulao entre os diferentes gru-pos da sociedade civil e destes com a sociedade poltica, em um exerccio concreto de tomada e de manuteno do poder. Cabe deter-se em suas palavras quando diz que:

    A supremacia de um grupo social se manifesta de duas maneiras: como dominao e como dire-o intelectual e moral. Um grupo social dominante dos adversrios que tende a liquidar ou a submeter, tambm, com a fora armada; e dirigente dos grupos afins ou aliados (GRAMSCI, ap. SEMERARO, 1998, p. 74).

    Para tanto, a sociedade civil se afirma enquanto instncia de poder, utilizando-se das mais diversas estratgias polticas na luta pela hegemonia. No entanto, h uma produo a partir da qual a sociedade civil naturalizada como democrtica por excelncia. Esta idia est contida na concep-o de participao da sociedade civil organizada formulada na poltica social brasileira de hoje. Parte-se da concepo gramsciana de que ao construir uma outra hegemonia, a sociedade civil tam-bm constri outras formas de fazer poltica hegemonia poltica e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade (...) (GRAMSCI, ap. SACRISTAN, 1980, p. 290) , fundamentalmente ampli-ando a esfera da participao, socializando o poder, na luta pela hegemonia. A mudana do poder poltico por novos grupos, segundo esta viso, revela uma postura tica que se difunde e, nesta me-dida, educa de outra forma os demais segmentos aos quais se abre a possibilidade de participar da atividade poltica. Desta perspectiva, o movimento democrtico retrai as prticas coercitivas, trans-formando as relaes polticas no sentido de se autoregularem. Semeraro sintetiza a idia de Gramsci, quando este afirma que:

    (...) ao tornar-se Estado as classes subalternas no devem reproduzir as estruturas vigentes de poder e seus mecanismos de dominao, mas so chamadas a reinventar uma nova maneira de fazer pol-tica e de viver em sociedade. Em seu processo de formao, de fato, a nova hegemonia, construda

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    sobre o consenso e a participao ativa das massas, passa a ser entendida como gesto democrtica e popular do poder (...) (SEMERARO, 1998, p. 74).

    Este pensamento conduz naturalizao da interveno da sociedade civil, pois o fato dela ser uma fora poltica no implica que seus mtodos sejam inovadores ou que leia de forma crtica a prtica de grupos que lhe antecederam no poder. Pensamento que tambm se aplica rea da edu-cao, onde o ideal iluminista prevalece com uma pretenso de verdade que naturaliza seus ideais ao defini-los como vetores transformadores. No tocante discusso da sociedade civil propriamente dita, Hegel coloca-se de forma oposta a Gramsci, pois a v como responsvel pela desigualdade, j que no seu entendimento, o individualismo prevalece no terreno da propriedade privada. Ou seja, no atribui poderes transformadores sociedade civil, colocando-a de forma esttica como uma re-produtora das bases de uma sociedade determinada pois, ao contrrio de Gramsci, v nesta relao social a expresso ntida das bases burguesas e no a construo de novos horizontes. De fato, se analisadas muitas das relaes polticas produzidas a partir dos movimentos sociais, Hegel parecer um cronista dos dias de hoje, quando se apela conscincia individual para se enfrentar a pobreza estrutural do pas. Mas, para no cair em simplismos, importante ler Marx, que oferece um grande aporte quando critica o mecanicismo de Hegel, por entender que embora a sociedade civil participe da estruturao e da manuteno do Estado, no a responsvel por este. A partir desta idia, Gramsci aponta para o carter histrico da organizao da sociedade civil e para a potencialidade de seu poder poltico, quando intervm diretamente nas relaes com o Estado, medida em que as classes subalternas sejam capazes de se constituir em sujeitos conscientes e ativos. O risco desta concepo o de entender que, ao se dar abertura diversidade cultural na luta por novas foras hegemnicas, naturalmente se esteja compartilhando o poder com grupos que historicamente tm prticas diversas, de acordo com os contextos em que atuem.

    Naturalizar o lugar de transformadores ou democratas partir de uma concepo de essncias, onde h uma conscincia dada pela clarividncia certeira que une de forma universal interesses econmicos, morais e ticos, deixando de questionar as tenses e os paradoxos que atra-vessam as relaes sociais. Por oposio, como diz Guattari,

    (...) uma prtica poltica que persiga a subverso da subjetividade de modo a permitir um agencia-mento de singularidades desejantes deve investir o prprio corao da subjetividade dominante, produzindo um jogo que a revela, ao invs de denunci-la. Isso quer dizer que, ao invs de preten-dermos a liberdade (noo indissoluvelmente ligada conscincia), temos de retomar o espao da farsa, produzindo, inventando subjetividades delirantes que, num embate com a subjetividade capi-talstica, a faam desmoronar (GUATTARI e ROLNIK, 1996, p. 30).

    Intervir na cena poltica no implica, necessariamente, opor-se a ela. Porm, conquistar es-paos para participar diretamente na tomada de decises de maneira efetiva, abre novas perspectivas tanto para propor iniciativas como para perceber os mecanismos atravs dos quais se consolidam modelos hegemnicos. A atuao da sociedade civil no uma frmula, um espao dinmico por sua pluralidade, onde o inusitado convidado por protagonizar uma aventura sempre indesejada pelo poder dominante. A experincia relativa participao da sociedade civil no Brasil tem res-pondido dicotomia entre sociedade civil-sociedade poltica, que opera atravs da transferncia sociedade civil de espaos construdos sem sua participao e, ainda, sem que esta conte com os recursos necessrios para a ao, quando convocada. A forma de participar tende a ser ditada por

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    um poder estatal que se apropriou dos mecanismos e busca encaixar grupos organizados, sem ofere-cer recursos para que garantam o encaminhamento de suas decises.

    A histria registra a atuao de grupos de extermnio, de assistncia social, de adeso a po-lticas autoritrias ou de luta pelas liberdades democrticas, entre muitos outros. Todos revelam formas de organizao da sociedade civil que no podem ser tomadas como consensuais ou alterna-tivas por sua pluralidade. Sequer pode-se afirmar que tenham uma provenincia econmica. A he-gemonia poltica a expresso do debate, da diferena e da permanente luta, como afirma Gramsci. Nesta medida, todas as foras e relaes sociais esto implicadas neste tipo de tenses, o que se contrape idia de que o Estado-coero se extingue medida em que a sociedade se torna mais regulada. Este pensamento faz um recorte socioeconmico da sociedade civil, fundado nas relaes de classe e confere, ainda, sociedade civil, uma dimenso de superioridade em relao ao prprio Estado: superioridade que se sustenta na idia da educao transformadora para o novo projeto de sociedade, que h de contar com novos agentes sociais, em favor de seus interesses histricos.

    Insiste-se na concepo de essncia, segundo a qual os interesses das classes trabalhadoras no so os interesses da burguesia. Isto, na prtica, no uma questo mecnica, mas de luta de for-as, opes polticas e produo de subjetividades. Neste sentido, no se trata de construir um ideal utpico, mas de intervir nas brechas cotidianas sem referncias universais, para construir parme-tros contextuais que bem podem aderir ao discurso dominante ou produzir outras prticas. Eis um debate que se coloca entre conscincia e produo de subjetividades.

    Uma expresso deste debate a discusso que traz o Estatuto da Criana e do Adolescente ECA, em um momento de abertura poltica cristalizado na Constituio Federal de 1988. Consti-tuio que prope a criao de Conselhos paritrios como forma de encaminhar as mais diversas problemticas do Brasil, visando abrir o leque de foras que intervm na tomada de decises polti-cas. O que se prope, em suma, que a sociedade civil ao sentar-se nos Conselhos junto com o go-verno conquiste espaos, estruture mecanismos e intervenha para transformar as relaes histricas do pas.

    Longe de ser um ideal romntico, a proposta de mobilizao da sociedade civil para defen-der direitos e, dentre eles, o de crianas e adolescentes, uma plataforma poltica que mantm a viso predominante no Estado brasileiro de articulao da sociedade poltica com a sociedade civil. uma proposta de interveno poltica sustentada no ideal de mobilizao de diferentes setores, no momento em que, de fato, a sociedade civil est sendo convocada para assumir inmeras atribuies que o Estado incorporou durante o sculo XX.

    Este movimento poltico se d no contexto do movimento da Nova Repblica, que reivin-dica outras formas de gesto poltica perante a tradio corrupta e corporativa do Estado brasileiro. No entanto, um movimento que sublima a sociedade civil, basicamente por sua atuao na luta contra a ditadura, sem perceber que esta tambm participou do processo de gesto clientelstico e autoritrio da poltica social. Carlos Nelson Coutinho fala do maniquesmo com que empregado o conceito, ao anotar que:

    (...) nessa nova leitura, ao contrrio do que dito por Gramsci, tudo o que provinha da sociedade civil era visto de modo positivo, enquanto tudo o que dizia respeito ao Estado aparecia marcado com sinal fortemente negativo (COUTINHO, ap. SEMERARO, 1998, p. 10).

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    Sem dvida, no se trata de uma questo de retrica conceitual, mas do uso poltico de re-laes que vo sendo incorporadas juridicamente em uma nova ordem poltica nacional. E como assinala o autor,

    (...) esse deslizamento conceitual muitas vezes apresentado como a verdadeira teoria gramsciana no provocou, no momento da transio, maiores estragos, embora tenha contribudo para obscu-recer o carter contraditrio das foras sociais que formavam a sociedade civil brasileira, as quais, apesar dessa contraditoriedade, convergiam objetivamente na comum oposio ditadura; esse obscurecimento, decerto, facilitou a hegemonia das foras liberais no processo de transio. (...) Mas as coisas se complicaram decisivamente quando, a partir do final dos anos 80, a ideologia neo-liberal em ascenso apropriou-se daquela dicotomia maniquesta para demonizar de vez tudo o que provm do Estado (...) e para fazer apologia acrtica duma sociedade civil despolitizada, ou seja, convertida num mtico terceiro setor falsamente situado para alm do Estado e do mercado (COUTINHO, ap. SEMERARO, 1998, p. 10).

    Estado e sociedade civil so duas expresses de poderes polticos, de uma pluralidade de in-teresses, embora um desses poderes conquiste uma posio de domnio. Nesse sentido, de uma parte o Estado contm os pensamentos, opes, interesses, formaes que esto na sociedade civil e, de outra, esta ltima por mais plural que seja tambm contm formulaes, propostas, prticas identificadas no interior dos aparelhos do Estado. O questionamento de Carlos Nelson Coutinho sobre a constitui-o de um terceiro setor crucial, pois a sociedade civil organizada no apenas a constituio de grupos que renem idias, mas , sobretudo, a constituio de grupos que penetram nas redes polticas e intervm diretamente. Sua fora est dada por sua posio em relao ao Estado e ao mercado. Por isto, tal debate extremamente oportuno no advento da poltica neoliberal, que usa o linguajar civil como se sugerisse um espao democrtico de crtica ao Estado burgus.

    A poltica neoliberal de retirada do Estado atravs do discurso da participao orgnica da sociedade civil se d em todos os nveis. Sua presena clara e contundente tambm na rea da cri-ana e do adolescente. Ao defender a privatizao, o Estado neoliberal se retira das escolas, embora reconhea neste equipamento o lugar em que se cimentam as bases oficiais do pensamento que na sociedade liberal se caracteriza por ser o pensamento de um cidado individualizado. Cabe ento analisar, por um lado, a produo de subjetividade que permite a formulao de uma proposta sus-tentada na participao e no respeito, no contexto de subjetividades hegemnicas opostas ao que prega a lei. Por outro lado, importante rastrear os mecanismos atravs dos quais prope-se a trans-ferncia de atribuies do Estado para a sociedade civil quando esta no s no detm os recursos, mas quando o Estado tampouco os prov para que possam ser geridos coletivamente.

    Trata-se de uma incurso pela histria recente do Brasil, o que implica situ-la no contexto do processo de globalizao que atravessa o mundo, no qual a sociedade civil um agente privile-giado da cena poltica. No entanto, tal agente no um produto natural, silvestre, mas um produto histrico construdo atravs de prticas orgnicas. Para tanto, fala-se em formao social e recor-re-se sempre educao que acaba sendo situada no mbito da escola como o veculo atravs do qual os projetos sociais ho de realizar-se. Sociedade civil, deste ponto de vista, um dispositivo que vai sendo produzido em um cenrio internacional caracterizado pela retrica do direito, que porm, adquire uma face local de acordo com as relaes concretas nas quais se veja imersa.

    Assim sendo, analisar o contexto em que o ECA proposto para ento discutir os conse-lhos uma proposta que sugere inmeras abordagens. No obstante, se considerado o conceito de

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    sociedade civil como eixo articulador para novas formas de gesto da poltica pblica, fundamen-tal buscar alguns dos fios que tecem sua configurao. As salas de aula podem parecer um estranho percurso pela distncia entre seu cotidiano e a prtica constante das organizaes civis. No entanto, na sala de aula onde o discurso da cidadania, da sociedade civil organizada e da participao cons-titui a tnica cotidiana e , a sala de aula, uma relao formal que atravessa os sujeitos alvo da lei (seja por freqent-la ou por no poder faz-lo).

    A escola no alheia misria, como no alheia falta de participao poltica direta em uma sociedade que se estrutura sob princpios democrticos. Porm, a preocupao com as proble-mticas sociais atribuio da escola na perspectiva de construir sociedades crticas e participati-vas, onde a assistncia seja um recurso e no um fim que sequer vem sendo efetivamente realizado. Apesar da escola pblica e da educao de maneira geral expressar concepes estticas, apticas, mecnicas, onde no melhor dos casos os alunos podem perguntar sobre o programa e professores podem influir nas formas de ensinar certos contedos estabelecidos, a escola um espao privilegi-ado na construo da cidadania. Enquanto espao construdo nas comunidades, potencializado em todos os meios sociais. No se trata de abandon-la, mas de potencializar os espaos de resistncia e, assim, intervir nela para transform-la. Frigotto mostra como o capital age atravs da escola no sentido de subordinar o trabalhador e controlar a qualidade de sua formao. Contedo e gesto so noes intimamente relacionadas e, nessa medida, afirma o autor que no campo da educao e formao, o processo de subordinao busca efetivar-se mediante a delimitao dos contedos e da gesto do processo educativo (FRIGOTTO, 1996, p. 155). Ambos elementos esto correlacionados na perspectiva de colocar em anlise a escola, pois sua transformao implica em novas bases na relao entre sociedade poltica e sociedade civil.

    Num projeto onde o aluno um cidado, tem direitos e tem espaos a ocupar em sua co-munidade para materializar seus direitos, suas preocupaes so as preocupaes de sua comunida-de. A escola autoritria, fechada, ignorante, no tem espao para a discusso da cidadania, mas para a reproduo do menor. A cidadania uma construo que no se concebe de forma fragmentada. No se pode construir espaos de cidadania apenas fora da escola. O processo pedaggico implica na produo de espaos onde se aprenda a pensar sobre as prticas, sobre outras prticas, sobre a construo histrica das relaes a partir das quais se pensa o cidado. Nesta dinmica se pensa o quotidiano, se pensa a escola. Tampouco ela pode ser naturalizada.

    Problematizar a escola, as relaes sociais, um exerccio concreto que produz efeitos concretos nas diversas escalas. Interessante, pois, pensar a interveno nas prticas tradicionais a partir dos micro-espaos, sempre desprezados nas formulaes polticas, embora, sem eles, seja im-possvel concretizar transformaes. A histria da poltica social e da poltica da educao, de ma-neira geral, rica em exemplos onde grandes projetos se perdem em percursos que os deixam longe das salas de aula. Talvez o mais claro deles seja o Estatuto da Criana e do Adolescente. Orientado populao que freqenta a escola (alunos, professores, pais e comunidade vinculada infncia e juventude), esta no s o desconhece, mas de maneira geral, o rechaa.

    O desconhecimento do ECA induz a pensar que os agentes da sociedade civil que com-pem os Foros dos Direitos da Criana e do Adolescente e os Conselhos dos Direitos da Criana e do Adolescente, no circulam no espao da escola. Raciocnio que leva a supor que: aqueles que formal e privilegiadamente lidam no cotidiano com esses segmentos, nada tm a ver com a formu-lao poltica orientada para a criana e o adolescente, que se prope democrtica.

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    O que se assiste, de fato, um uso poltico do ECA, que vem colocando a poltica de direi-tos como um aniquilador do espao pedaggico. Manejo que se torna possvel pelo desconhecimen-to de um instrumento de cidadania, embora ela seja a temtica central dos planos pedaggicos. As-sim, vo sendo produzidas formas de fazer poltica que usam mecanismos participativos para isolar, ideais igualitrios para excluir e a garantia de direitos para criminalizar.

    A gesto da poltica pblica est implicada no cotidiano. No cotidiano que se inicia ao nas-cer uma criana e que atravessa todas as relaes que passam a ser sintetizadas no qualificativo formao. Trata-se de produes: de produes datadas, localizadas, nomeadas, nas que vo sen-do delineados atalhos de fuga que propiciam outras produes.

    Elementos no faltam para se parar e se pensar em novos caminhos na implicao dos alu-nos na construo da relao de cidadania. Sem naturalizar o lugar da sala de aula, cabe deter-se em sua produo, no contexto das relaes polticas em que ocorrem as prticas pedaggicas, no senti-do que vai sendo imprimido aos cidados que constituem a sociedade civil. Colocar a escola na po-sio de um caleidoscpio, muito alm de contribuir com um olhar para o seu cotidiano, permite ler os mecanismos de resistncia que vo sendo produzidos e vo penetrando nas redes, cujos fios car-tografam o nosso pas atravs das tramas de suas polticas pblicas.

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    ABSTRACT

    The organised civil society has become the concept that articulates the democratic ideal in Brazil, through the parity of the councils, as they are conceived in the Federal Constitution of 1988. In such a way, the study of the civil society implies in the debate of the social organisation in the bourgeois society, as well as in the analysis of the agencyments through which the civil society becomes materialised. In this debate, the school emerges as the most cohesive formal vehicle in the institutionalisation of the citizenship relation and, in it, the Child and Adolescent Statute is adopted as a device that gives concretion to the analysis, since its a law whose implementation supposes the direct action of the civil society for producing direct effects in the quotid-ian of that population.

    Keywords: civil society, citizenship, public policies. RESUMEN

    La sociedad civil organizada se ha convertido en un concepto articulador del ideal democrtico en Brasil, a travs de la propuesta de formacin de consejos paritarios contenida en la Constitucin Federal de 1988. Por lo tanto, el estudio de la sociedad civil implica la discusin de la organizacin social en la sociedad burguesa, as como el anlisis de los agenciamentos a travs de los cuales la sociedad civil se materializa. En este deba-te, la escuela emerge como el vehculo formal ms coheso en la institucionalizacin de la formacin ciudadana y, en ella, el Estatuto del Nio y del Adolescente es adoptado como un dispositivo, por conferir concrecin a los anlisis, pues es una ley cuya implementacin supone la accin directa de la sociedad civil en el sentido de producir efectos directos en la vida cotidiana de esta poblacin.

    Palabras-clave: sociedad civil, ciudadania, polticas pblicas.