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ESTADO DE MINAS D O M I N G O , 2 4 D E J U N H O D E 2 0 1 2 POL ÍTICA EDITOR: Baptista Chagas de Almeida EDITOR-ASSISTENTE: Renato Scapolatempore E-MAIL: [email protected] TELEFONE: (31) 3263-5293 3 Relato de integrantes da comissão mineira que ouviram o depoimento da ex-militante em 2001 ilustra a emoção que tomou conta da presidente ao relembrar o sofrimento vivido no cárcere SANDRA KIEFER Para ter direito à indenização às vítimas de tortu- ra oferecida pelo Conselho de Defesa de Direitos Hu- manos de Minas Gerais (Conedh-MG), não bastava ter sido perseguido político durante o regime mili- tar. Era necessário denunciar a tortura sofrida em território mineiro, revelando as técnicas usadas pe- los algozes, pormenores do ambiente das celas e, se possível, a identidade dos torturadores. “A pessoa precisava dizer como foi torturada. É por isso que o depoimento da Dilma conta a violência que ela so- freu em Minas”, pontua Caroline Bastos Dantas, que tinha 25 anos em 25 de outubro de 2001. Ela havia sido contratada como secretária-executiva da co- missão mineira, encarregada de digitar os depoi- mentos pessoais. Trechos do testemunho de Dilma abriram a série de reportagens que o Estado de Mi- nas publica desde domingo passado sobre a tortu- ra a que a presidente foi submetida nos porões da ditadura em Juiz de Fora. Caroline não sabia que estava sendo testemunha ocular de um momento histórico, quando a então secretária das Minas e Energia do Rio Grande do Sul e futura presidente, conhecida por sua postura fir- me e decidida, deixou a emoção aflorar e chorou. Dilma já havia se emocionado em outros momen- tos da conversa, quando revelou ter sido colocada no pau de arara, levado choque elétrico e um soco no maxilar que fez o dente se deslocar e apodrecer. Mas desabou ao falar sobre o tratamento feito para conter a hemorragia no útero. “Não sei se foi pelo fa- to de ser mulher, mas nessa passagem ela não con- seguiu se segurar”, diz o filósofo Robson Sávio, en- tão com 31 anos e presidente da Comissão Especial de Indenização às Vítimas de Tortura de Minas Ge- rais (Ceivit-MG). Diante do rigor nos trabalhos da comissão minei- ra, a arredia Dilma Rousseff não teve saída. Contou, pela primeira vez, ter sido torturada nos cárceres de Minas, e não só em São Paulo e no Rio de Janeiro, co- mo se pensava antes. E mais. Depois de tirar o nó preso na garganta por 30 anos (ela havia sido tortu- rada em Juiz de Fora, em 1971), Dilma emocionou-se ao revelar ter sofrido uma hemorragia de útero, de tanto apanhar. “Na primeira vez, foi na Oban (Ope- ração Bandeirantes). Me deram uma injeção e disse- ram para não me bater naquele dia”, descreveu aquela que, nove anos mais tarde, seria a primeira mulher eleita presidente do Brasil. Dilma contou também ter feito tratamento pa- ra conter a hemorragia no Hospital das Clínicas. “Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chama- ram alguém que me deu comprimido e depois in- jeção. Mas me davam choque elétrico e depois para- vam. Acho que tem registros disso no fim da minha prisão, pois fiz um tratamento no Hospital das Clí- nicas” , revelou a ex-militante política de codinome Estela, que, apesar do medo de se tornar infértil, não teria problemas para engravidar. A presidente é mãe de Paula, 36 anos, única filha com o companheiro de militância Carlos Franklin Paixão de Araújo. Em se- tembro de 2010, tornou-se avó de Gabriel, que nas- ceu durante a campanha presidencial. O Hospital das Clínicas confirma a existência dos arquivos, mas informa que o acesso a eles é permitido apenas com autorização da paciente. Caroline ajudou a tomar o depoimento de Dilma em Porto Alegre, que foi prestado na sala da Secreta- ria de Estado de Justiça do governo gaúcho. O teste- munho durou em torno de 40 minutos e não foi gra- vado em áudio nem em vídeo, para não intimidar a vítima e impedir que o material tivesse um uso ina- dequado no futuro. Durante a madrugada, no com- putador emprestado do hotel, Caroline repassou o que havia digitado. Sem laptops (caros demais há 11 anos), o depoimento de Dilma foi transferido em an- tigos disquetes quadrados, depois reutilizados. Sagitariana convicta, Dilma sempre evitou expor o lado pessoal. Soube separar o privado do público, à frente de movimentos sociais e cargos de governo. Com isso, evitou reviver a tortura, mesmo antes de chegar à Presidência da República e de se empenhar pessoalmente pela instalação da Comissão Nacional da Verdade, em maio. Não consta o depoimento de- la no livro Brasil: tortura nunca mais, volumoso es- tudo sobre a repressão exercida pelo regime militar. Novamente, Dilma sairia ilesa no livro Mulheres que foram à luta armada, de Luiz Maklouf, de 1998. O repórter só conseguiria que ela lhe desse declara- ções sobre a tortura em 2003, ao ser convidada para ocupar um ministério no governo Lula. Num dos trechos de maior destaque Dilma fala sobre sangra- mentos de útero: “Hemorragia mesmo, que nem menstruação. Eles tiveram que me levar para o Hos- pital Central do Exército. Encontrei uma menina da ALN (Ação Libertadora Nacional). Ela disse: ‘Pula um pouco no quarto para a hemorragia não parar e vo- cê não ter de voltar’”. REVELAÇÕES Mas não só Dilma se abalou no depoi- mento à comissão mineira quando toca no assun- to. Os jovens contratados para ouvi-la também se renderam à emoção. Outras cinco vítimas de tortu- ra política de Minas, que haviam se refugiado em Porto Alegre para escapar da ditadura, foram ouvi- das. “Praticamente obrigávamos a pessoa a revelar, no intervalo de meia hora, uma hora, momentos da vida que ela tinha levado 30, 40 anos tentando es- quecer. Não era fácil”, lembra a ex-secretária-execu- tiva da comissão, Caroline, que só concordou em participar da reportagem depois de muita insistên- cia. “Eu tinha 25 anos e estava muitas vezes diante de um homem de 70 anos que, em determinado momento, pedia ao filho que o acompanhava para sair da sala. Ele então contava ter sofrido violência sexual durante sua juventude política. Não se trata- va de relembrar um passado heroico de militância, mas uma fase ruim”, conta a hoje advogada e pro- fessora em duas faculdades de direito. DOR DA LEMBRANÇA 341 Total de citações na imprensa brasileira e estrangeira Domingo Início da série de reportagens em que o EM revela com exclusividade o depoimento da presidente Dilma Rousseff em outubro de 2001, no qual ela relata a tortura a que foi submetida em Juiz de Fora, sob o codinome Estela. Segunda-feira Bilhetes endereçados a Dilma interceptados por agentes militares foram os responsáveis por levar a militante a novas sessões de tortura em Minas. Terça-feira Comissão da Verdade reage ao depoimento da presidente Dilma e mobiliza historiadores de Minas para analisar o testemunho. Quarta-feira Identidade do torturador mineiro que levou Dilma a vivenciar cenas de verdadeiro terror nos porões do estado ainda é mistério Quinta-feira Ao lado do depoimento da presidente estão guardados quase mil processos, em que companheiros de luta contam com detalhes técnicas de tortura adotadas pelos seus algozes Sexta -feira Inquérito militar “enquadra”Dilma como coordenadora da doutrina ideológica nas escolas. Prisão dos companheiros dela em Minas marca início do fim do Comando de Libertação Nacional (Colina), organização a que pertenciam. Ontem A presidente Dilma Rousseff fala pela primeira vez sobre as reportagens: “Não tenho pelos torturadores qualquer sentimento, nem ódio nem vingança. Tampouco perdão”. Rússia Pravda Bulgária Focus Agence Marrocos Aufait França AFP Portugal Diário de Notícias Público Alemanha Spiegel Itália Quotidiano Ansa Corriere della Sera La Stampa Il Secolo XIX Il Messagero Il Cittadino La Gazzetta del Mezzogiorno La Provincia di Varese MSN.News TM News Gionarllettismo Espanha El Mundo ABC El Financieiro Te Interessa 20 Minutos La Vanguardia El Comercio Diario vasco La Rioja Estados Unidos La Tribuna Hispana Bolívia EJU!TV México Articulo 7 Univision Noticias Argentina El Clarín El Comercial Crónica Viva El País El Liberal Página 12 RV7 Rádio Tucumán Uruguai El Esp Chile El Mercurio Cooperativa Peru 24 Horas El Comercio Cuba CubaDebate Rádio Havana Paraguai Vanguardia Venezuela El Informador Colômbia La F.M. República Dominicana El Nuevo Diario Equador El Diario El Comercio PUBLICAÇÕES QUE REPERCUTIRAM A NOTÍCIA SÉRIE DE REPORTAGENS SOBRE DILMA NO PERÍODO DA DITADURA GANHOU O MUNDO

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E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 2 4 D E J U N H O D E 2 0 1 2

POLÍTICA E D I T O R : B a p t i s t a C h a g a s d e A l m e i d a

E D I T O R - A S S I S T E N T E : R e n a t o S c a p o l a t e m p o r e

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Relato de integrantes da comissão mineira que ouviram o depoimento da ex-militante em 2001ilustra a emoção que tomou conta da presidente ao relembrar o sofrimento vivido no cárcere

SANDRA KIEFER

Paraterdireitoàindenizaçãoàsvítimasdetortu-raoferecidapeloConselhodeDefesadeDireitosHu-manos de Minas Gerais (Conedh-MG), não bastavater sido perseguido político durante o regime mili-tar. Era necessário denunciar a tortura sofrida emterritório mineiro, revelando as técnicas usadas pe-los algozes, pormenores do ambiente das celas e, sepossível, a identidade dos torturadores. “A pessoaprecisava dizer como foi torturada. É por isso que odepoimento da Dilma conta a violência que ela so-freuemMinas”,pontuaCarolineBastosDantas,quetinha 25 anos em 25 de outubro de 2001. Ela haviasido contratada como secretária-executiva da co-missão mineira, encarregada de digitar os depoi-mentos pessoais. Trechos do testemunho de Dilmaabriram a série de reportagens que o Estado de Mi-nas publica desde domingo passado sobre a tortu-ra a que a presidente foi submetida nos porões daditadura em Juiz de Fora.

Carolinenãosabiaqueestavasendotestemunhaocular de um momento histórico, quando a entãosecretária das Minas e Energia do Rio Grande do Sule futura presidente, conhecida por sua postura fir-me e decidida, deixou a emoção aflorar e chorou.Dilma já havia se emocionado em outros momen-tos da conversa, quando revelou ter sido colocadano pau de arara, levado choque elétrico e um socono maxilar que fez o dente se deslocar e apodrecer.

Mas desabou ao falar sobre o tratamento feito paraconter a hemorragia no útero. “Não sei se foi pelo fa-to de ser mulher, mas nessa passagem ela não con-seguiu se segurar”, diz o filósofo Robson Sávio, en-tão com 31 anos e presidente da Comissão Especialde Indenização às Vítimas de Tortura de Minas Ge-rais (Ceivit-MG).

Diantedorigornostrabalhosdacomissãominei-ra, a arredia Dilma Rousseff não teve saída. Contou,pela primeira vez, ter sido torturada nos cárceres deMinas, e não só em São Paulo e no Rio de Janeiro, co-mo se pensava antes. E mais. Depois de tirar o nópreso na garganta por 30 anos (ela havia sido tortu-radaemJuizdeFora,em1971),Dilmaemocionou-seao revelar ter sofrido uma hemorragia de útero, detanto apanhar. “Na primeira vez, foi na Oban (Ope-ração Bandeirantes). Me deram uma injeção e disse-ram para não me bater naquele dia”, descreveuaquela que, nove anos mais tarde, seria a primeiramulher eleita presidente do Brasil.

Dilma contou também ter feito tratamento pa-raconterahemorragianoHospitaldasClínicas. “EmMinas, quando comecei a ter hemorragia, chama-ram alguém que me deu comprimido e depois in-jeção. Mas me davam choque elétrico e depois para-vam. Acho que tem registros disso no fim da minhaprisão, pois fiz um tratamento no Hospital das Clí-nicas” , revelou a ex-militante política de codinomeEstela, que, apesar do medo de se tornar infértil, nãoteriaproblemasparaengravidar.Apresidenteémãe

dePaula,36anos,únicafilhacomocompanheirodemilitância Carlos Franklin Paixão de Araújo. Em se-tembro de 2010, tornou-se avó de Gabriel, que nas-ceu durante a campanha presidencial. O HospitaldasClínicasconfirmaaexistênciadosarquivos,masinforma que o acesso a eles é permitido apenas comautorização da paciente.

CarolineajudouatomarodepoimentodeDilmaem Porto Alegre, que foi prestado na sala da Secreta-ria de Estado de Justiça do governo gaúcho. O teste-munhodurouemtornode40minutosenãofoigra-vado em áudio nem em vídeo, para não intimidar avítima e impedir que o material tivesse um uso ina-dequado no futuro. Durante a madrugada, no com-putador emprestado do hotel, Caroline repassou oque havia digitado. Sem laptops (caros demais há 11anos),odepoimentodeDilmafoitransferidoeman-tigos disquetes quadrados, depois reutilizados.

Sagitarianaconvicta,Dilmasempreevitouexporo lado pessoal. Soube separar o privado do público,àfrentedemovimentossociaisecargosdegoverno.Com isso, evitou reviver a tortura, mesmo antes dechegar à Presidência da República e de se empenharpessoalmentepelainstalaçãodaComissãoNacionalda Verdade, em maio. Não consta o depoimento de-la no livro Brasil: tortura nunca mais, volumoso es-tudo sobre a repressão exercida pelo regime militar.

Novamente, Dilma sairia ilesa no livro Mulheresque foram à luta armada, de Luiz Maklouf, de 1998.O repórter só conseguiria que ela lhe desse declara-

ções sobre a tortura em 2003, ao ser convidada paraocupar um ministério no governo Lula. Num dostrechos de maior destaque Dilma fala sobre sangra-mentos de útero: “Hemorragia mesmo, que nemmenstruação.ElestiveramquemelevarparaoHos-pital Central do Exército. Encontrei uma menina daALN (Ação Libertadora Nacional). Ela disse: ‘Pula umpouco no quarto para a hemorragia não parar e vo-cê não ter de voltar’”.

REVELAÇÕES Mas não só Dilma se abalou no depoi-mento à comissão mineira quando toca no assun-to. Os jovens contratados para ouvi-la também serenderam à emoção. Outras cinco vítimas de tortu-ra política de Minas, que haviam se refugiado emPorto Alegre para escapar da ditadura, foram ouvi-das. “Praticamente obrigávamos a pessoa a revelar,no intervalo de meia hora, uma hora, momentos davida que ela tinha levado 30, 40 anos tentando es-quecer. Não era fácil”, lembra a ex-secretária-execu-tiva da comissão, Caroline, que só concordou emparticipar da reportagem depois de muita insistên-cia. “Eu tinha 25 anos e estava muitas vezes diantede um homem de 70 anos que, em determinadomomento, pedia ao filho que o acompanhava parasair da sala. Ele então contava ter sofrido violênciasexual durante sua juventude política. Não se trata-va de relembrar um passado heroico de militância,mas uma fase ruim”, conta a hoje advogada e pro-fessora em duas faculdades de direito.

DOR DA LEMBRANÇA

341Total de citações na imprensa

brasileira e estrangeira

DomingoInício da série de reportagens em que o EM revela comexclusividade o depoimento da presidente Dilma Rousseffem outubro de 2001, no qual ela relata a tortura a que foisubmetida em Juiz de Fora, sob o codinome Estela.

Segunda-feiraBilhetes endereçados a Dilma

interceptados por agentes militares foramos responsáveis por levar a militante a

novas sessões de tortura em Minas.

Terça-feiraComissão da Verdade reage ao

depoimento da presidente Dilmae mobiliza historiadores de Minas

para analisar o testemunho.

Quarta-feiraIdentidade do torturador mineiroque levou Dilma a vivenciar cenas

de verdadeiro terror nos porões doestado ainda é mistério

Quinta-feiraAo lado do depoimento da

presidente estão guardadosquase mil processos, em que

companheiros de lutacontam com detalhes

técnicas de tortura adotadaspelos seus algozes

Sexta -feiraInquérito militar “enquadra”Dilma comocoordenadora da doutrina ideológica nas escolas.Prisão dos companheiros dela em Minas marcainício do fim do Comando de Libertação Nacional(Colina), organização a que pertenciam.

OntemA presidente Dilma Rousseff fala pela primeira vez

sobre as reportagens: “Não tenho pelostorturadores qualquer sentimento, nem ódio nem

vingança. Tampouco perdão”.

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