Epilepsia - A Abordagem Clínica

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DOSSIER EPILEPSIA Rev Port Clin Geral 2005;21:291-8 291 A epilepsia não é uma entida- de única ou uniforme. Sendo definida como uma afecção crónica, caracterizada pela repetição espontânea de crises epilép- ticas, a epilepsia é um termo que englo- ba múltiplas manifestações anormais do comportamento cerebral, sempre sob a forma de crises epilépticas que se repetem espontaneamente. As crises de epilepsia podem ser devidas a diversas causas, desde as que têm carácter hereditário e que aparecem em indiví- duos sem qualquer outra patologia neu- rológica, às que são secundárias a prévia lesão do córtex cerebral. Esta disparidade de gravidade mani- festa-se também em termos de prognós- tico. Há epilepsias que são aparentes apenas durante determinadas fases do desenvolvimento e da maturação cere- bral para desaparecerem tempos de- pois e que raramente necessitam de ser medicadas. No outro extremo do es- pectro existem outras que são sintoma de patologia cerebral mais ou menos grave e são muitas vezes acompanha- das de outras manifestações neurológi- cas ou psiquiátricas, ocasionando, no seu conjunto, uma dificuldade, por vezes dramática, de reabilitação. O prognóstico torna-se ainda mais som- brio quando estas epilepsias são re- fractárias ao tratamento medicamen- toso. A epilepsia é uma das doenças neu- rológicas mais frequentes, conjunta- mente com a patologia vascular cere- bral, as demências e as cefaleias, e a sua prevalência oscila entre os quatro e os nove doentes com epilepsia por mil habitantes. Portugal não foge à regra e os estudos feitos 1 demonstram que a prevalência se aproxima dos cinco doentes por 1.000 habitantes, esti- mando-se cerca de 50.000 doentes com epilepsia para uma população aproxi- mada de 10 milhões de habitantes. Nesses mesmos estudos, a incidência, que mede o número de novos doentes, aproxima-se dos 50 novos doentes com epilepsia por 100.000 habitantes por ano. A finalidade do tratamento é apenas sintomática. Manter o doente sem cri- ses é conseguido, numa primeira fase, através da utilização judiciosa dos fár- macos ao nosso dispor, apelando ao doente para manter uma disciplina rigorosa na toma regular da medicação. Infelizmente, mesmo com os vários medicamentos que têm sido comercia- lizados durante os últimos anos, mais de 30% dos doentes não obtêm um con- trolo completo das crises 2 . Este contro- lo inadequado das crises acarreta uma diminuição da independência, da auto- -estima e, consequentemente, da quali- dade de vida. Alguns dos doentes refractários po- dem beneficiar de tratamento cirúrgico. Epilepsia – a abordagem clínica *Serviço de Neurologia – Hospital Geral de Santo António Porto Presidente da Liga Portuguesa contra a Epilepsia JOSÉ M. LOPES LIMA* RESUMO As epilepsias, pela sua frequência e multifacetadas apresentações, são um verdadeiro desafio à capacidade dos médicos em chegar a diagnósticos com base em metodologia clínica (quase) pura. A anamnese dirigida ao doente, às famílias e às testemunhas implica o conhecimento prévio das crises epilépticas e das doenças que cursam com crises epilépticas. Apresentam-se as principais linhas de força das classificações em uso e as perspectivas abertas por novas formas de ver os síndro- mos epilépticos. Indicam-se também as bases do processo diagnóstico nas suas implicações topográ- ficas, etiológicas e terapêuticas. EPILEPSIA – INTRODUÇÃO E CLÍNICA

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EPILEPSIA A ABORDAGEM CLINICA

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  • DOSSIEREPILEPSIA

    Rev Port Clin Geral 2005;21:291-8 291

    Aepilepsia no uma entida-de nica ou uniforme. Sendodefinida como uma afecocrnica, caracterizada pela

    repetio espontnea de crises epilp-ticas, a epilepsia um termo que englo-ba mltiplas manifestaes anormaisdo comportamento cerebral, sempresob a forma de crises epilpticas que serepetem espontaneamente. As crises deepilepsia podem ser devidas a diversascausas, desde as que tm carcterhereditrio e que aparecem em indiv-duos sem qualquer outra patologia neu-rolgica, s que so secundrias aprvia leso do crtex cerebral.

    Esta disparidade de gravidade mani-festa-se tambm em termos de progns-tico. H epilepsias que so aparentesapenas durante determinadas fases dodesenvolvimento e da maturao cere-bral para desaparecerem tempos de-pois e que raramente necessitam de sermedicadas. No outro extremo do es-pectro existem outras que so sintomade patologia cerebral mais ou menosgrave e so muitas vezes acompanha-das de outras manifestaes neurolgi-cas ou psiquitricas, ocasionando, noseu conjunto, uma dificuldade, por

    vezes dramtica, de reabilitao. Oprognstico torna-se ainda mais som-brio quando estas epilepsias so re-fractrias ao tratamento medicamen-toso.

    A epilepsia uma das doenas neu-rolgicas mais frequentes, conjunta-mente com a patologia vascular cere-bral, as demncias e as cefaleias, e a suaprevalncia oscila entre os quatro e osnove doentes com epilepsia por milhabitantes. Portugal no foge regra eos estudos feitos1 demonstram que aprevalncia se aproxima dos cincodoentes por 1.000 habitantes, esti-mando-se cerca de 50.000 doentes comepilepsia para uma populao aproxi-mada de 10 milhes de habitantes.Nesses mesmos estudos, a incidncia,que mede o nmero de novos doentes,aproxima-se dos 50 novos doentes comepilepsia por 100.000 habitantes porano.

    A finalidade do tratamento apenassintomtica. Manter o doente sem cri-ses conseguido, numa primeira fase,atravs da utilizao judiciosa dos fr-macos ao nosso dispor, apelando aodoente para manter uma disciplinarigorosa na toma regular da medicao.Infelizmente, mesmo com os vriosmedicamentos que tm sido comercia-lizados durante os ltimos anos, maisde 30% dos doentes no obtm um con-trolo completo das crises2. Este contro-lo inadequado das crises acarreta umadiminuio da independncia, da auto--estima e, consequentemente, da quali-dade de vida.

    Alguns dos doentes refractrios po-dem beneficiar de tratamento cirrgico.

    Epilepsia a abordagemclnica

    *Servio de Neurologia HospitalGeral de Santo Antnio Porto

    Presidente da Liga Portuguesa contra a Epilepsia

    JOS M. LOPES LIMA*

    RESUMOAs epilepsias, pela sua frequncia e multifacetadas apresentaes, so um verdadeiro desafio capacidade dos mdicos em chegar a diagnsticos com base em metodologia clnica (quase) pura.A anamnese dirigida ao doente, s famlias e s testemunhas implica o conhecimento prvio dascrises epilpticas e das doenas que cursam com crises epilpticas. Apresentam-se as principais linhasde fora das classificaes em uso e as perspectivas abertas por novas formas de ver os sndro-mos epilpticos. Indicam-se tambm as bases do processo diagnstico nas suas implicaes topogr-ficas, etiolgicas e teraputicas.

    EPILEPSIA INTRODUO E CLNICA

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    Embora apenas uma pequena percen-tagem beneficie deste tratamento os re-sultados so muito bons, atingindo-seuma percentagem de 75 a 85% dedoentes sem crises. O tratamento cirr-gico implica retirar uma parte do teci-do cerebral, incluindo a zona aonde seiniciam as crises, sem retirar tecido quepossa prejudicar o funcionamento nor-mal do doente. Este tratamento pressu-pe o trabalho de uma equipa multidis-ciplinar que possa avaliar todas as con-sequncias de tal acto. Estudos feitoscom vrias metodologias so uniformesem estimar que dois a sete por cento dosdoentes com epilepsia podem ver assuas crises controladas com cirurgia,independentemente de terem ou no decontinuar com a teraputica medi-camentosa. Em Portugal3 isso equi-valeria a operar 1.000 a 3.500 doentes,da populao prevalente ou 100 a 350doentes por ano, da populao inci-dente.

    As crises de epilepsia so caracterizadaspor uma anomalia do comportamentodo crtex cerebral que tem por subs-trato etiopatognico uma descarga an-mala de um conjunto ou da totalidadedos neurnios do crtex cerebral. estaorigem comum que faz distinguir estascrises de outras crises cerebrais isqu-micas parciais ou globais, metablicas,psicognicas, etc. mas esse conheci-mento no muito til na clnica, poisraramente temos a oportunidade deobter um electroencefalograma (EEG)durante uma crise e, portanto, de veri-ficar a existncia da tal descarga du-rante uma alterao do comportamen-to. De facto, a grande maioria dos EEGso intercrticos, isto , so obtidos elec-tivamente no laboratrio, no intervaloentre crises.

    Esta dificuldade tem como conse-

    quncia que o diagnstico da existn-cia ou no de crises de epilepsia feitopela avaliao judiciosa da descriodas crises pelo doente, acareada, quasesempre, pela descrio de um familiar,amigo ou qualquer outra testemunhafidedigna das mesmas, que possa com-pletar a informao dada pelo doentedurante o perodo em que ele tenha fi-cado confuso ou de que se tenha es-quecido.

    Isto implica que o mdico tem de terum conhecimento dos diferentes tiposde crises epilpticas, bem como ser ca-paz de as distinguir de outros tipos decrises cerebrais, com que tantas vezesse confundem.

    Apesar da diversidade semiolgicainerente s mltiplas funes do crtexcerebral que se podem manifestar comotal, as crises epilpticas tm algumascaractersticas comuns que nos permi-tem suspeitar da origem epilptica pe-rante a descrio de crises cerebrais.

    So em geral crises estereotipadas.Podem ser mais ou menos extensas oucomplicadas, mas no mesmo indivduotendem a ser do mesmo tipo e terem umincio sempre semelhante. Por exemplo,as crises parciais complexas com ori-gem no lobo temporal podem comearpor uma sensao da aflio, ascenden-te, retroesternal, a que se segue umasuspenso da conscincia com um olhar estranho, automatismos de deglu-tio ou mastigatrios, automatismosde deambulao e/ou de vocalizaoou de verbalizao, a que se pode seguiruma queda com convulso clnica ge-neralizada. Por vezes, o mesmo indiv-duo tem apenas a sensao da aflioreferida, outras tem tambm o perodode confuso mental com automatismosou mesmo a generalizao secundria.No mesmo doente as crises so este-reotipadas mas podem ter gravidadediferente de um episdio para o outro.Por outro lado, os doentes que tm epi-lepsias generalizadas tm apenas crisesgeneralizadas. Podem comear na in-

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    CLNICA AS CRISES DE EPILEPSIA CARACTERSTICAS GERAIS

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    fncia com ausncias simples e teremmais tarde tambm crises de convul-ses generalizadas tnico-clnicas. Naepilepsia mioclnica juvenil muito fre-quente que o doente tenha uma primei-ra crise tnico-clnica generalizada eque depois identifique que j h unstempos tem tido uns abalos dos mem-bros, sobretudo de manh, que facil-mente conclumos serem crises mio-clnicas.

    Outra caracterstica das crises epi-lpticas a sua curta durao. Rara-mente ultrapassam um minuto e, mui-tas vezes, no duram mais que algunssegundos. Aos familiares, sobretudoquando aparecem pela primeira vez, po-dem parecer durar uma eternidade pelaansiedade provocada mas, de facto, ascrises tm uma durao curta. Na ava-liao da durao das crises neces-srio no confundir as mesmas com operodo de recuperao, que se podeprolongar por alguns minutos ou serseguido por uma sonolncia de algumashoras.

    As crises epilpticas so tambmauto-limitadas, isto , o crebro temmecanismos de limitar as crises e de re-cuperar na totalidade aps uma crisesem qualquer interferncia exterior. H,com certeza, casos excepcionais desituaes de estado-de-mal comicial,em geral relacionados com abstinnciaabrupta da medicao ou com encefalo-patias agudas infecciosas, traumti-cas, isqumicas, etc. mas a maioriadas vezes as crises so isoladas e comrecuperao espontnea.

    A Liga Internacional contra a Epilepsia(LICE) desenvolveu recentemente umanova proposta de classificao das cri-ses e das epilepsias e sndromos epilp-ticos4 que se mantm em discusso. uma classificao que tem um parti-

    cular interesse para o tratamento cirr-gico, para avaliao do impacto dosdiferentes tipos de epilepsias em ter-mos de incapacidade, entre outras fina-lidades, e que pretende ser mais abran-gente e rigorosa do que as existentes,dividindo-se em cinco eixos. Um pri-meiro fenomenolgico tenta apenasdescrever as crises, mas de uma formapormenorizada, o que em geral implicao registo das crises em imagem paraavaliao rigorosa. O segundo tentarencontrar uma classificao das crisesque seja consensualmente aceite masque possa servir as diferentes finalida-des em que uma classificao de crisespode ser til (por exemplo, utilizaoem ensaios clnicos, em cirurgia ou emestudos epidemiolgicos) possivel-mente ter que haver diferentes classi-ficaes para diferentes finalidades. Oterceiro eixo uma listagem aberta desndromos epilpticos que se acrescen-taro medida que forem descritos eaceites pela comunidade cientfica (porexemplo os sndromos de West ou deLennox-Gastaut). O quarto eixo tam-bm uma listagem das doenas quecursam com crises epilpticas medi-da que forem bem identificadas, noapenas sindromaticamente, mas tam-bm do ponto de vista etiolgico (porexemplo doenas de Lafora ou de Un-verricht-Lundborg). Finalmente, o quin-to eixo pretende inserir os diversos tiposde sndromos e de doenas em gruposhomogneos de acordo com a incapaci-dade que implicam.

    Enquanto esta discusso se faz, e emtermos de prtica clnica, continua-sea utilizar as classificaes aceites pelaLICE e publicadas em 1981 e em 1989.A primeira diz respeito s crises epilp-ticas e baseada na descrio electro-clnica das mesmas. A segunda umaclassificao das epilepsias e dos sn-dromos epilpticos que tem como dico-tomias a origem local ou generalizadadas crises e a etiologia primria ou sin-tomtica das epilepsias tendo tambm

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    CLASSIFICAO DAS CRISES EPILPTICAS, DOSSNDROMOS EPILPTICOS E DAS EPILEPSIAS

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    em considerao a idade de incio dossintomas. destas classificaes quenos ocuparemos em seguida.

    Como se depreende da definio deepilepsia, as crises epilpticas dividem--se em dois grandes grupos5 de acordocom o seu incio electroclnico: as quese iniciam numa regio localizada docrtex so intituladas crises focais ouparciais, as que se iniciam por umadescarga generalizada, so as crisesgeneralizadas.

    Estas crises aparecem sobretudo emepilepsias primrias ou idiopticas,como veremos adiante, mas podemaparecer tambm em epilepsias secun-drias a leses extensas do crtex cere-bral que acompanham, por exemplo, asdoenas degenerativas da infncia ou ascrianas com atraso de desenvolvimen-to mental. So exemplos destas crises:

    Ausncias crises de suspensosbita da conscincia em que a crianainterrompe o seu comportamento nor-mal por uns momentos ficando paradasem reagir, como se estivesse distrada.Estas crises so facilmente induzidaspela hiperventilao provocada e soacompanhadas por uma descarga deponta-onda a 3 ciclos por segundo noEEG.

    Mioclonias Crises de abalos mus-culares rpidos, que aparecem sobretu-do nas transies sono-viglia e que soacompanhadas de descargas de poli-ponta onda generalizadas no EEG. Somuitas vezes despertadas pela estimu-lao luminosa intermitente.

    Convulses tnico-clnicas Como onome indica estas crises iniciam-se poruma contraco macia de toda a mus-culatura, que se mantm uns momen-

    tos e constitui a fase tnica, a que sesegue uma contraco peridica espa-ada por um perodo de relaxamentocada vez mais prolongado, fase clnica,at que o relaxamento se mantm numafase ps-crtica que pode durar unsminutos at recuperao final. Du-rante esta fase a respirao estertorosasubstitui a apneia sustentada inicial ea cianose consequente, que vai desa-parecendo. Se a bexiga estiver cheiapode ento haver uma incontinnciaurinria e esvaziamento da mesma. Amordedura da lngua acontece logo noincio da contraco tnica e pode pro-longar-se por toda a fase clnica. Porvezes a fase inicial pouco perceptvelou mesmo inexistente e as criseschamam-se ento de crises clnicas.

    Convulses tnicas Em determina-das situaes, em geral relacionadascom epilepsias generalizadas secun-drias a leses corticais generalizadas,apenas se verifica uma contraco tni-ca a preceder a fase ps-crtica.

    Crises atnico-astticas Como asanteriores, so crises que aparecem emcrebros anormais por uma encefalopa-tia generalizada e que se manifestampor uma queda sbita com perda deconscincia e perda sbita do tnusmuscular que leva queda. Estas crisespodem confundir-se facilmente comcrises mioclnicas de maior intensidadeou com crises tnicas de curta durao,ambas tendo como consequncia amesma queda sbita do doente. Estesdois ltimos tipos de crises as crisestnicas e as crises atnico-astticas,bem como algumas ausncias menos t-picas so tambm, muitas vezes, re-fractrias ao tratamento medicamen-toso.

    As crises parciais, por sua vez, apare-cem como consequncia de uma des-carga anmala e sncrona de um con-

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    CLASSIFICAO DAS CRISES EPILPTICAS

    CRISES GENERALIZADAS

    CRISES PARCIAIS OU FOCAIS

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    junto, ou foco, de clulas corticais quequando atingem um limiar mnimo dolugar a um comportamento anmalo,que a crise epilptica. A sintomatolo-gia resultante vai ser muito variada edepender da funo que tenha a zonacortical influenciada pelo foco epilpti-co. Clinicamente separam-se estascrises em trs grupos:

    Crises parciais simples so crisesem que no existe uma suspenso ouperturbao da conscincia ou damemria e durante as quais o doentetem plena conscincia do que lhe esta acontecer. A sintomatologia localizabem a zona da descarga epilptica epode ser:

    Motora devida a contraco clnicaou tnica da extremidade de um mem-bro, traduzindo a descarga da regio dacircunvoluo frontal ascendente cor-respondente, ou a uma contraco maispostural e envolvendo a musculaturaproximal, em posio de esgrimista oudo boxeur, traduzindo a descarga daregio suplementar motora correspon-dente.

    Sensitiva se o foco se situar maispara trs, na circunvoluo parietal as-cendente, a sintomatologia ser prepon-derantemente sensitiva, mais ou menoscomplexa, dependendo de abranger ouno reas de associao parietais.

    Sensoriais as reas da viso, da au-dio ou mesmo do olfacto podem tam-bm ser inicialmente atingidas e darsintomatologia correspondente.

    Psquicas ou dismnsicas No rarasvezes os doentes tm sensaes maiscomplicadas e que atingem a memria fenmenos de dj vu, dj vcu oujamais vu e jamais vcu ou a esfe-ra afectiva crises de medo ou de pra-zer, por exemplo.

    Crises parciais complexas estas ca-racterizam-se por uma suspenso sbi-ta da conscincia, durante a qual odoente fica com olhar estranho. Estascrises podem confundir-se com asausncias embora sejam devidas a uma

    descarga localizada e no generalizadacomo estas. Clinicamente so muitodiferentes pois nem o incio nem o finalso to abruptos e, sobretudo este, podeprolongar-se por alguns minutos.Aparecem pela primeira vez em qual-quer idade e no apenas na infncia ouadolescncia e so acompanhadas porautomatismos muito tpicos de deglu-tio ou de mastigao, automatismosmotores de deambulao ou de mexerna roupa de forma pouco sistemtica,ou mesmo de automatismos de voca-lizao com ou sem verbalizao. Estascrises so, provavelmente, as mais fre-quentes de todas as crises epilpticas epodem ou no ser precedidas de crisesparciais simples, com sintomatologiade que o doente ainda se apercebe eque reflecte o atingimento inicial dazona responsvel.

    Crises parciais secundariamente ge-neralizadas tanto as crises parciaissimples como as complexas podem se-cundariamente dar lugar a uma con-traco tnico-clnica generalizada peloatingimento progressivo de todo o cr-tex, a partir do foco inicial. Qualquercaminho possvel, incio parcial sim-ples seguido de crise parcial complexae de generalizao secundria, ou a ge-neralizao pode seguir-se a uma criseparcial simples ou a uma crise parcialcomplexa. Todas tm contudo o mesmosignificado, so devidas a uma descar-ga localizada, reflexo da existncia deum foco epilptico, a maior parte dasvezes sintomtico de uma alterao lo-cal da rede neuronal.

    A classificao dos sndromos epilpti-cos e das epilepsias6 considera quatrograndes grupos:

    Epilepsias localizadas so epilep-sias em que exclusivamente existemcrises que se iniciam num foco, inde-

    CLASSIFICAO DOS SNDROMOSEPILPTICOS E DAS EPILEPSIAS

  • DOSSIEREPILEPSIA

    pendentemente de serem simples oucomplexas, com ou sem generalizaosecundria. Estas epilepsias subdivi-dem-se em:

    Epilepsias localizadas secundriasou sintomticas de uma leso focal quepode estar presente em qualquer dosquatro lobos em que se divide o crtexfrontal temporal, parietal ou occipital.A grande maioria das epilepsias se-cundrias exprime-se desta forma.

    Epilepsias localizadas idiopticas ouprimrias que, como o nome indica, soepilepsias que aparecem em crebrossem leso. So, em geral, epilepsias be-nignas, que aparecem em determinadasfases do amadurecimento cerebral paradesaparecerem mais tarde, de formaespontnea. A forma mais frequente e,consequentemente, mais relevante, aepilepsia com paroxismos fronto-tem-porais que aparece na infncia comcrises de contraco tnica da face, tipi-camente durante o sono, mas tambmpode dar origem a crises parciais com-plexas ou mesmo com generalizao se-cundria. Tm um curso benigno, amaior parte das vezes, pois desapare-cem com a puberdade.

    Epilepsias generalizadas as epilep-sias generalizadas so epilepsias queso formadas exclusivamente por crisesgeneralizadas devidas a descargas gene-ralizadas desde o incio.

    Epilepsias generalizadas primriasou idiopticas contrariamente s epi-lepsias localizadas, as epilepsias gene-ralizadas so preponderantementeprimrias ou idiopticas e so diferen-tes nas diferentes idades de apareci-mento:

    A epilepsia de ausncias da infncia,ou picnolepsia, formada por crises deausncias que aparecem entre os qua-tro e os dez anos e que tendem a desa-parecer a partir da adolescncia.

    A epilepsia de ausncias juvenisaparece um pouco mais tarde e temtendncia a um prognstico pior.

    A epilepsia mioclnica juvenil

    caracterizada por crises de miocloniasmatinais.

    A epilepsia das crises de grande maldo acordar caracterizada por crises t-nico-clnicas que aparecem ao acordarou durante a primeira hora da manh.

    Existem outras formas menos tipifi-cadas de epilepsias generalizadasprimrias e casos em que qualquer dostipos acima descritos pode ser compli-cado por outras formas de epilepsiasgeneralizadas primrias.

    Epilepsias generalizadas secund-rias so epilepsias em que aparecemcrises generalizadas mas que so sin-tomticas de leses extensas estticasou progressivas do crtex cerebral,como os sndromos de West e de Len-nox-Gastaut e o grupo das EpilepsiasMioclnicas Progressivas, respectiva-mente. Representam um pequenogrupo das epilepsias generalizadas masque muito importante devido fre-quente resistncia ao controlo medica-mentoso das crises, que se adiciona aosrestantes problemas de reabilitaoneurolgica.

    Epilepsias de classificao indefinida Neste terceiro grupo incluem-se asepilepsias e os sndromos epilpticosque no tem uma posio definidaquanto natureza localizada ou genera-lizada da respectiva etiopatogenia. Porum lado os sndromos raros que tmcaractersticas localizadas e genera-lizadas como, por exemplo, as afasiasadquiridas da infncia ou sndromo deLandau-Kleffner, e, por outro, as situa-es em que no se sabe com rigor seso crises secundria ou primaria-mente generalizadas como, por exem-plo, doentes que s tm convulses du-rante o sono e que tanto podem sergeneralizadas desde o incio ou teremum incio parcial a que ningum assistee que o doente no sente ou, simples-mente, no se lembra.

    Outros sndromos epilpticos Nesteltimo grupo incluem-se situaes cl-nicas que cursam com crises epilpti-

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    cas mas que no correspondem definio de epilepsia. So exemplos asconvulses febris das crianas ou ascrises de abstinncia alcolica, quesendo caracterizadas pela repetio dascrises, o aparecimento destas sempresecundrio a um estmulo e nuncaespontneo. Incluem-se tambm osepisdios epilpticos isolados, as crisesnicas e tambm os estados de mal ni-cos, sem crises isoladas subsequentes.

    Uma vez estabelecido o diagnstico deepilepsia, pela identificao de crisesepilpticas que se repetem esponta-neamente, o passo que se segue ten-tar identificar o tipo de crises e o tipo deepilepsia ou de sndromo epilptico.

    O electroencefalograma, mesmo in-tercrtico, tem aqui uma grande utili-dade dada a probabilidade de apare-cerem alteraes significativas que nosajudam a confirmar, ou a negar, a ori-gem focal ou generalizada das crises.

    Segue-se a identificao da etiologiaprovvel da epilepsia. As epilepsias ge-neralizadas idiopticas so, em geral,facilmente identificadas e no necessi-tam de exames de imagem para a suaconfirmao. A estratgia a seguir en-to , to-somente, tentar controlar ascrises com o tratamento adequado.

    Contudo, se houver qualquer suspei-ta de que a epilepsia em causa possa sersecundria a qualquer leso neurolgi-ca no identificada pela anamnese, foroso recorrer a exames de imagemcomo a ecografia transfontanelar nosbebs ou a tomografia computadoriza-da, mais barata e mais acessvel, ou aressonncia magntica, mais rigorosa.

    Todos estes aspectos sero discuti-dos em outros artigos deste nmero.

    A suspeita de uma etiologia secun-dria, que no seja aparente pelaanamnese, deve ser levantada em todosos doentes que, pelo menos, preencham

    uma das seguintes caractersticas:A epilepsia tenha incio antes dos

    dois anos ou depois dos vinte anos, da-do que neste intervalo que as epilep-sias generalizadas idiopticas se ini-ciam.

    No esteja claramente identificadoque as crises so todas de incio genera-lizado, dado que as epilepsias comcrises focais so, quase sempre, se-cundrias a leses corticais respon-sveis pelo foco epilptico.

    O doente no apresente qualqueroutra alterao neurolgica alm dascrises, nomeadamente sinais neu-rolgicos focais, atraso de desenvolvi-mento ou deteriorao cognitiva.

    Os diferentes electroencefalogramasno mostrem um foco consistente.

    Qualquer destas situaes, mesmoisolada, suficiente para forar a umainvestigao etiolgica mais rigorosa.Em caso de dvidas como, por exem-plo, em doentes com crises convulsivasaparentemente generalizadas, que sapaream durante o sono, com incio naadolescncia, com exame neurolgiconormal e electroencefalograma ino-cente, no devemos excitar e investigara possvel etiologia de crises possivel-mente focais, pois no est identificadoque todas as crises so generalizadasdesde incio.

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    O PROCESSO DE DIAGNSTICO

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    Endereo para correspondnciaProf Dr Jos M. Lopes LimaServio de NeurologiaHospital Geral de Santo AntnioLargo Prof. Abel Salazar4099-001 PortoTelef: 222 077 500Fax: 222 002 479E-mail: [email protected]

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