Entrevista.G.monceau

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 DEPOIMENTOS

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Entrevista G. Monceau

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  • DEPOIMENTOS

  • Fractal Revista de Psicologia, v. 20 n. 1, p. 309-318, Jan./Jun. 2008 311

    ENTREVISTA COM GILLES MONCEAU+Entrevistadores: Eduardo Passos++ Estela Scheinvar+++

    Marisa Rocha++++ Maria Lvia do Nascimento+++++Silvia Tedesco++++++ Teresa Cristina Carreteiro+++++++

    Traduo: Maria Lvia do Nascimento e Teresa Cristina Carreteiro

    Rio de Janeiro, 24 de abril de 2006.

    Entrevistadores: Voc prope o tema da profi ssionalizao quando discute os conceitos de implicao e sobreimplicao. No fi nal da dcada de 1980, o tema da implicao modula e aparece o de sobreimplicao. Parece que voc est pro-pondo uma outra modulao, que seria de uma implicao universitalizante. En-tendi que voc est introduzindo uma nova idia, que a de sobreimplicao refl exiva, que se faz atravs do discurso, uma modulao do conceito do abstrato, do discursivo universitalizante, que se d no espao da universidade, obrigando todas as profi sses a passar no pelo fazer, mas pelo falar. Esse tipo de mais valia produz, exige uma nova forma de resistncia. Gilles Monceau: Acredito que a conexo entre sobreimplicao e refl exibilidade particularmente muito interessante. Dizer sobreimplicao refl exiva concentra quase todas as contradies desse processo de profi ssionalizao Por defi nio se eu estou sobreimplicado eu no estou refl exivo. A refl exibilidade que eu falo se vincula sobreimplicao. Posso simplesmente considerar os dispositivos de anlise nos quais os profi ssionais esto convidados a trabalhar as suas difi cul-dades prticas pelo discurso, com a idia que a anlise discursiva da prtica vai permitir fazer evoluir a prpria prtica. Esses dispositivos de anlise da prtica

    + Professor do Departamento de Cincias da Educao da Universidade de Paris 8 e coordenador do LAxe socio-clinique institutionnel de lquipe de recherche ESSI da mesma universidade.

    ++ Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente professor Associado I da Universidade Federal Fluminense.

    +++ Doutora em Educao pela Universidade Federal Fluminense. Professora adjunta do Departamento de Educao da Faculdade de Formao de Professores e do Programa de Ps-Graduao em Polticas Pblicas e Formao Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Sociloga do Servio de Psicologia Aplicada da Universidade Federal Fluminense.

    ++++ Doutora em Psicologia (Psicologia Clnica) pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo e Ps-doutorado em Filosofi a e Histria da Educao pela Unicamp. Atualmente professor adjunto do Departamento de Psicologia Social e Institucional e pesquisadora no Programa de Ps-Graduao em Psicologia Social na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

    +++++ Doutora em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, pos-doutorado pela Universite de Paris VIII. Atualmente Professor Adjunto 4 da Universidade Federal Fluminense.

    ++++++ Doutora em Psicologia (Psicologia Clnica) pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Atualmente coordenadora da ps-graduao da Universidade Federal Fluminense e Professor Adjunto IV da Universidade Federal Fluminense.

    +++++++ Doutora em Psicologia Social Clnica - Universite de Paris VII. Pos-doutorado em Sociologia. Professor Titular da Universidade Federal Fluminense.

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    Entrevistadores: Eduardo Passos; Estela Scheinvar; Marisa Rocha;Maria Lvia do Nascimento; Silvia Tedesco; Teresa Cristina Carreteiro

    podem ser considerados como mquinas de produzir novas subjetividades profi s-sionais e ao mesmo tempo uma sobreimplicao nessa profi sso, porque acreditar que vamos ultrapassar essas difi culdades prticas atravs do discurso, pela troca do discurso , ao mesmo tempo, uma maneira de ser sobreimplicado na profi sso. Ento, essa sobreimplicao refl exiva tem uma contradio em um nvel e uma grande complementaridade em outro nvel. Racionalmente uma contradio, mas institucionalmente bastante complementar. Isso vai se vincular idia de transduo e de individuao.

    Se eu falo de implicao profi ssional porque eu considero que a indivi-duao do profi ssional se faz transdutivamente em relao individuao da pr-pria profi sso. As profi sses esto se individuando no tempo, em uma sociedade poltica que no qualquer uma, mas naquela na qual o poder neoliberal triunfou. Essas profi sses vo se apoiar muito sobre o modelo das profi sses liberais, nas quais os indivduos so tidos como autnomos e responsveis. Ele deve, livre-mente, ser o sujeito da sua profi sso e deve faz-lo de forma inteligente, porque deve mobilizar o saber universitrio que est sua disposio. O indivduo e a profi sso vo se individuar pelo mesmo processo.

    Isso pode ser claramente visto quando pensamos sobre a tica. Em todas as profi sses que eu analisei, se fala de tica profi ssional. Anteriormente, falava-se da moral profi ssional. A moral deve ser respeitada por aquele que exerce uma atividade profi ssional. Ela coloca uma estrutura de trabalho. Sabe-se o que se pode e o que no se pode fazer. Com a idia de uma tica profi ssional muda-se de sistema. a profi sso que deve elaborar permanentemente uma tica, que deve levar em conta as evolues cientfi cas, por exemplo, na medicina. Deve levar em conta, tambm, as evolues polticas e ideolgicas. Por exemplo, para os educa-dores se levar em conta a idia que se tem sobre criana Essa tica no esttica, como a moral podia ser. Ela dinmica, ela se individua no tempo, num processo que ao mesmo tempo coletivo e individual. A profi sso vai sendo construda pe-los profi ssionais da profi sso, mas com uma interferncia permanente com outras profi sses, com a universidade, com a poltica, com os saberes, etc. O indivduo que pertence a essa profi sso participa, pois, dessas novas elaboraes, mas ele tambm o sujeito. Ele deve se inscrever numa dinmica permanente, suas refe-rncias vo se modifi car continuamente. isso que vai perturbar muito os profi s-sionais que se formaram h 20, 30 anos.

    A refl exibilidade considerada como um conceito mgico, que permite ao indivduo permanecer em permanente interao com a sua profi sso. Ele deve analisar continuamente sua prtica, que evolui porque seu pblico (alunos, do-entes etc.) evolui. As prticas, as tcnicas evoluem cada vez mais rapidamente, o contexto de sua prtica tambm evolui. Por exemplo, no contexto jurdico as crianas tm novos direitos e muitos profi ssionais se sentem confusos com esses novos direitos. Em suma, a prtica se movimenta, o contexto das prticas se mo-vimenta e a capacidade universitria do profi ssional lhe deve permitir analisar es-sas mudanas contnuas, mas ele deve faz-lo no interior de sua prpria profi sso, de maneira que possa se benefi ciar do suporte da sua profi sso. Ele vai utilizar o saber profi ssional da sua profi sso na sua prpria prtica individual e vai benefi -

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    Entrevista com Gilles Monceau

    ciar sua profi sso com as suas anlises. Ento, existe uma dinmica permanente que sem dvida uma revoluo na maneira de considerar a prtica. A implicao profi ssional , pois, essa relao entre um indivduo, cuja prtica est evoluindo, e uma profi sso que tambm est evoluindo. Tudo isso, no interior de um contex-to scio-econmico poltico que igualmente evolui. Quando falamos da extrao da mais valia, podemos notar que mais refl exibilidade no vai ser acompanhada necessariamente de mais anlise crtica, porque o indivduo profi ssional vai pen-sar e analisar no interior do limite de sua prpria profi sso. Profi sso que vai se tornar uma instituio, no interior da sua instituio profi ssional. Quanto mais essa profi sso se individua mais se torna forte e vai ser difcil para o profi ssional pensar fora dessa profi sso. A anlise institucional, ento, torna-se urgente, mas os diferentes tipos de clnicos so, eles prprios, profi ssionais e esto, tambm, capturados por suas sobreimplicaes. Entrevistadores: O encontro de Lourau com Simondon permitiu que ele pudesse fazer essa clnica do conceito de implicao, que para ele tinha sido capturado. Ele se refere a um sentido devocional, teologal desse conceito: implique-se, eu me implico, voc est implicado, no estamos implicados... Ele vai mostrar como isso se tornou, nas mos do capitalismo, uma forma de extrao de mais valia, exigindo o que vai chamar de sobreimplicao. No incio dos anos de 1990, Lou-rau encontra com Simondon, l Simondon, pega o conceito de transduo, de in-dividuao para falar de uma dinmica contnua, e falando da dinmica contnua est querendo salvaguardar o conceito de implicao Quando ele usa Simondon e a idia de um processo de individuao, um processo dinmico transdutivo, para falar da implicao e se afastar da sobreimplicao. O que voc est nos mostrando que esse processo transdutivo foi capturado pelo capital. Ele j est submetido a uma nova forma. Entrevistadores: Algo que me chama a ateno nesse processo de universita-lizao pensar na refl exibilidade como algo que harmonizasse ou pudesse de alguma forma trazer progresso ou, portanto, trouxesse uma harmonia entre o fa-zer e o dizer, a prtica do fazer e a prtica do dizer. Como se elas se colassem, e na verdade elas no se colam nunca. H sempre uma perturbao entre esses dois planos, que s ilusoriamente se tocam. Talvez essa incompatibilidade entre o fazer e o dizer, tambm contribua para essa sobreimplicao. Essa perturbao do profi ssional que no consegue dizer sobre o que faz. Ele faz, mas o dizer sobre o fazer muitas vezes perturba o profi ssional. Ento, a refl exibilidade no um esclarecimento sobre o que se faz, uma perturbao. Produz perturbao. Gilles Monceau: No conjunto dos discursos sobre a profi ssionalizao h, efeti-vamente, uma reduo, uma tendncia diminuio da distancia entre a prtica e da teoria. Esta aposta no desaparecimento da distncia entre a prtica e a teoria necessria para o desenvolvimento desse processo de profi ssionalizao. Entre-tanto, atualmente, comeamos a identifi car srios limites nessa aposta. Nas intervenes que realizo, encontrei profi ssionais que consideram que apenas o discurso no sufi ciente. Consideram que o discurso, a anlise discursiva lhes permite a anlise de suas prticas, mas sabem que isso no vai necessariamente

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    lhes fornecer os meios para transformar a prtica. Por exemplo, nos institutos de formao de professores encontramos muitos professores jovens que so refl e-xivos, que tm grande destreza nos conceitos, no discurso, na escrita, mas suas prticas no tm grande qualidade. Alguns daqueles que formam esses profes-sores estimam que eles possam ser at mesmo um pouco perigosos. Parece que querendo aproximar a teoria e prtica, para evitar uma hierarquia entre a teoria e a prtica talvez tenhamos nos privado da singularidade da prtica. Alm disso, atualmente, certos socilogos do trabalho ou psiclogos do trabalho produzem pesquisas que se interessam pelos atos e pelos gestos e procuram o sentido e o valor escondido nos atos e nos gestos profi ssionais. Inversamente, me parece que querendo confundir teoria e prtica, a teoria interroga cada vez menos a prtica. Quanto mais tentamos articul-las, menos a distncia que pode existir entre elas vai poder produzir anlise. Entretanto essas palavras so um pouco ardilosas, porque ao mesmo tempo em que podemos seguir esse raciocnio anterior, posso dizer tambm que a teoria pode se confundir com a prtica, pois existe uma teoria na prtica e a prtica uma teoria. Por isso, afi rmo que as palavras so ardilosas. O que certamente perigoso confundir teoria com universidade, pois os univer-sitrios no so certamente aqueles que ento no melhor lugar para elaborar uma teoria da prtica de certa profi sso. por isso que participo de um movimento que visa reconhecer o lugar do profi ssional pesquisador. Oriento estudantes que j so profi ssionais, no setor da educao, no trabalho social, que vm universidade para refl etir, analisar suas prticas profi ssionais. Eles vm busca metodologias e meios de teorizar, mas no vm procurar uma teorizao que j esteja completamente feita e no esperam que os professores da universidade faam uma teorizao da prtica que eles j tm. Quando isso acontece muito alienante para esses profi ssionais. Entrevistadores: Penso que atualmente, em funo do alto nvel de desempre-go, estamos criando a categoria do estudante profi ssional. Estudantes que vo fi cando na universidade por muitos anos, fi nanciados por bolsas, e ao sarem no tm uma prtica como profi ssional, apenas como pesquisadores. Ns, for-madores universitrios, temos que pensar nisso. A mquina universitria est criando esse tipo de modelo.Entrevistadores: O produtivismo que temos hoje na universidade se produz junto com o tarefi smo do professor. Cada vez mais as turmas esto cheias. As mudanas vem da administrao, Muda o governo mudam as diretrizes educacionais. Nas nossas escolas existe um grande tarefi smo e na universidade tambm. Quando fao pesquisas nas escolas vejo que os professores querem pensar, refl etir sobre o que est ocorrendo. Eles querem refl etir sobre como fazer, mas isso difcil para eles porque falta tempo. Acredito que a administrao no se est vivendo o mesmo tempo que os professores. So coisas diferentes. Trabalhar na escola muito difcil, pois preciso criar dispositivos de contra movimento, para criar espaos de pensamento, para produzir anlises de implicaes, para analisar as instituies, para transformar as experincias em conhecimento. Acho que a luta tentar conseguir espaos e tempos dentro da escola, onde a experincia vivida, at mesmo o que no d certo, possa ser um dispositivo de mudana. So as coi-

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    sas que no funcionam muito bem que podem nos dar a oportunidade de pensar, mas se no h tempo para pensar as escolas vo acumulando fracasso escolar. O fracasso escolar impossibilita pensar sobre as experincias, sobre as coisas que no funcionam muito bem. No adianta o pesquisador fi car em sua sala, na uni-versidade, produzindo inmeras teorias sobre como vamos acabar com o fracasso escolar. preciso sair desse espao, no adianta fi car pensando o fracasso escolar de fora preciso entrar nas escolas para poder pens-lo. Gilles Monceau: Sabemos que, atualmente, as coisas no vo indo bem nos estabelecimentos educativos, mdicos ou sociais. Os profi ssionais se queixam da violncia, os administradores se queixam de problemas de gesto, os que fa-zem a gesto se queixam dos educadores e os educadores se queixam dos que gerenciam, e todos se queixam do Estado. Acredito que essas queixas no so novas. Tais questes sempre foram objeto de atuao da Anlise Institucional e da Psicossociologia. Quando algo no funciona bem, quando h sofrimento, ns chegamos como abutres. Isto um elemento constitutivo da anlise de nossas implicaes. Ver que prosperamos e trabalhamos com o sofrimento, mas esse so-frimento tambm para nos uma oportunidade de produzir novas anlises sobre o estado das instituies e ao mesmo tempo, trabalhando com as pessoas que esto nesse estado de sofrimento, tentar buscar vias alternativas. No existe fatalismo. Realizei uma interveno em um grande estabelecimento educativo onde os pro-fessores se queixavam da violncia das crianas. Aps um ano de trabalho e com um dispositivo bem complexo, constatamos junto com os profi ssionais que a difi -culdade mais importante no era as crianas. A grande difi culdade e o sofrimento vinham das novas tcnicas de educao e tambm das tcnicas psicolgicas. O ttulo do nosso relatrio fi nal foi O limite da individualizao. Porque constata-mos, junto com os profi ssionais, que havia para eles uma urgncia em reconstruir outras prticas de educao mais coletivas e que integrassem dispositivos de an-lise poltica, em particular as que fi zessem compreender as evolues.

    Outro elemento se refere prtica do pesquisador. Algo que faz parte de meus pequenos combates, o pesquisador ou o professor que est na univer-sidade tambm um prtico. Ele tem uma prtica profi ssional, uma tcnica profi ssional, ele tambm tem uma alienao que ocorre em seu gabinete. Os professores universitrios no esto fora das instituies, se no a vida seria bem mais fcil e ns poderamos pretender a objetividade quando trabalhsse-mos na escola, mas no o caso.Entrevistadores: A universidade uma mquina que produz diplomas. No exis-te tempo para outras coisas.Gilles Monceau: O que voc est dizendo tambm uma contradio das novas formas de formao profi ssional. A questo que voc coloca para a psicologia, na Frana, encontramos na formao de professores. Falo de uma maneira rpida e tcnica. Hoje, na formao de um professor da escola primria, na formao inicial existem 150 horas de anlise de prtica, mas esses estudantes no tm pr-tica. Isso um problema. Ento, no interior dessas 150 horas vo ser inventadas algumas coisas. Existem mesmo estgios aonde os estudantes vo s escolas.

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    Entretanto, o que esse estudante pode fazer nesse estgio, se ele no tem real-mente a responsabilidade da classe o ano todo. Isso no corresponde verdadei-ramente ao que seria sua prtica profi ssional. Sua relao com a instituio radicalmente diferente. toda uma questo de analisar essa prtica, construir essa refl exo quando na verdade ele no tem uma prtica. Ento, no discurso ofi cial isso existe. Diz-se que essa refl exo uma competncia, que o estudante vai se formar mesmo sem ter a prtica e que depois ele a ter. uma maneira de treinar a refl exo. Existem, pois, muitas contradies nesse sistema. A mquina no funciona sempre muito bem.Entrevistadores: Essa lgica se d na escola, mas tambm na universidade. A universidade analisa os equipamentos sociais, mas no analisa suas prprias pr-ticas e no as analisa porque vai aos equipamentos sociais para produzir textos, para no refl etir sobre sua prtica na universidade. Na verdade, uma prtica que segue a mesma forma presente na escola ou no hospital. Trabalho numa faculdade de formao de professores. O grande modernismo formar professores refl exi-vos. Isso o que existe de mais moderno no discurso pedaggico, coletivamente, institucionalmente falando. Os alunos vo l para se tornarem refl exivos. Uns j trabalham, outros no. Quem vai formar esses alunos refl exivos uma pessoa que nem conhece necessariamente, intimamente o campo de trabalho. s vezes tm menos intimidade que o aluno. muito interessante trabalhar com as ferramentas da Anlise Institucional porque ela leva a uma produo coletiva e eu acho im-portante o que voc traz sobre a anlise de implicao. O fato de que ela sem-pre coletiva e para ela acontecer tem-se que produzir anlises internamente, no lugar onde ela est e necessariamente do lugar de onde se vem. Acho que uma tenso e um paradoxo, porque a Anlise Institucional acaba sendo uma proposta, uma metodologia de trabalho que vem da academia e uma academia que no se discute, no se analisa sistematicamente, institucionalmente. Ento, eu acho que h sempre uma tenso. Uma tenso que eu vejo que alguns grupos mais crticos nos cobram. Quem so vocs? Vocs se analisam? De que lugar vocs falam? Na minha experincia no Conselho Tutelar, eles fazem esse tipo de pergunta.Gilles Monceau: Para mim o conceito de resistncia um muito importante e foi sobre ele que eu fi z minha tese de doutorado. Parecia-me que esse conceito poderia ser muito til para a anlise, mas lendo pesquisas da rea das Cincias Humanas, percebi que muitas vezes as resistncias eram consideradas numa pers-pectiva negativa. De forma resumida, aquele que resiste pode ser considerado um insensato. Ele resiste porque no compreende. Operrios resistem porque no compreendem a nova forma de organizao, no compreendem que preciso que a produo aumente. Os alunos que recusam a escola so insensatos porque no compreendem que da escola dependem seus destinos social e profi ssional. Pode-ria multiplicar esses exemplos Em todas essas resistncias, quer seja no espao do trabalho industrial, na escola ou em outros, os socilogos, os clnicos de todo tipo, muitas vezes, no vem a potencialidade existente nas prticas de resistn-cia. Quando estou trabalhando em uma interveno scio-clnica, uma questo crucial para mim saber o que querem aqueles que no querem. Aqueles que resistem a novas transformaes, a um discurso, onde eles querem ir? Ou mais

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    simplesmente, onde eles esto indo? sobre esse ponto preciso que a implicao do pesquisador, do clnico importante. Se eu, enquanto pesquisador, penso que essas pessoas devem adotar o que est sendo proposto, devem obrigatoriamente ser escolarizados, no caso da escola, por exemplo, eu no posso compreender nada do que se passa nessa situao, porque a idia que a anlise vai emergir nessa perturbao. Ento, as resistncias so analisadores. Elas ativam contradi-es institucionais. Quando os educadores no querem adotar as novas modalida-des de pensar, eles esto defendendo outras coisas, outros valores, outras prticas. Posso estar ou no de acordo com elas, mas, alm disso, existe a anlise. Eu no vou aos estabelecimentos para ter colegas, no vou l para encontrar camaradas de luta. Eu vou buscar camaradas de anlise. Podemos ter confl itos.