Ensino de Latim

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DICIONÁRIO E ENSINO DE LATIM Francisco Edmar Cialdine Arruda O ensino de língua latina nas universidades brasileiras não possui boa fama diante dos alunos que iniciam um curso superior cuja grade curricular oferece a referida matéria. As dificuldades que os aprendizes enfrentam diante das incontáveis listas e quadros de declinações e conjugações somam- se às metodologias tradicionais que priorizam a memorização; bem como a ausência de material didático que privilegie o aprendiz iniciante – destacamos, aqui, o dicionário latino, material sem o qual se torna quase impossível qualquer atividade de tradução. Nosso objetivo é apresentar um debate teórico que envolva a Lexicografia pedagogia e o ensino de latim. DA LEXICOGRAFIA PEDAGÓGICA Tradicionalmente e, de modo amplo, podemos dizer que a Lexicografia trata das questões ligadas aos dicionários: sua produção, análise, usos etc. Dentre tantas questões, há aquelas que ligam a Lexicografia ao ensino de línguas. É Lexicografia pedagógica que irá se deter às reflexões ligadas ao dicionário de uso escolar. Para Humblé (1998), citado por Pontes (2009), essa disciplina se define a partir de duas características fundamentais: a escolha de um público definido (o aprendiz de língua) e de um

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Lexicografia pedagógica e ensino de Latim

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  • DICIONRIO E ENSINO DE LATIM

    Francisco Edmar Cialdine Arruda

    O ensino de lngua latina nas universidades brasileiras no possui boa fama diante dos alunos que iniciam um curso superior cuja grade curricular oferece a referida matria. As dificuldades que os aprendizes enfrentam diante das incontveis listas e quadros de declinaes e conjugaes somam-se s metodologias tradicionais que priorizam a memorizao; bem como a ausncia de material didtico que privilegie o aprendiz iniciante destacamos, aqui, o dicionrio latino, material sem o qual se torna quase impossvel qualquer atividade de traduo. Nosso objetivo apresentar um debate terico que envolva a Lexicografia pedagogia e o ensino de latim.

    DA LEXICOGRAFIA PEDAGGICA

    Tradicionalmente e, de modo amplo,

    podemos dizer que a Lexicografia trata das questes ligadas aos dicionrios: sua produo, anlise, usos etc. Dentre tantas questes, h aquelas que ligam a Lexicografia ao ensino de lnguas. Lexicografia pedaggica que ir se deter s reflexes ligadas ao dicionrio de uso escolar. Para Humbl (1998), citado por Pontes (2009), essa disciplina se define a partir de duas caractersticas fundamentais: a escolha de um pblico definido (o aprendiz de lngua) e de um

  • fim especfico (a aprendizagem de lngua). Essas discusses ampliam a viso que temos de dicionrio escolar e seus usos em sala de aula.

    De fato, preciso ter em mente que as questes que orientam um dicionrio com finalidades didticas so complexas. De incio, o lexicgrafo pedagogo define o usurio ideal da sua obra, para tanto preciso saber seu nvel de conhecimento lingstico, comunicativo e de mundo, isso far com que o dicionarista focalize sua produo nas necessidades de aprendizagem do usurio. Definido tal ponto, o produtor do dicionrio poder trabalhar a estrutura do dicionrio a favor de seu objetivo. Percebemos, assim, a importncia do usurio diante da produo lexicogrfica.

    A ateno dada ao usurio em potencial do dicionrio influencia diretamente nas propostas de classificao de dicionrios. Pontes (2009) afirma que o usurio um elemento essencial para definir os diversos tipos de dicionrios, a partir das diferentes caractersticas formais motivadas pelos seus diversos usos e finalidades. Os aspectos que podem servir para caracterizar o usurio podem estar relacionados com questes, como, idade, competncia na lngua materna, nvel de conhecimento em lnguas estrangeiras ou a funo voltada para a produo ou para a compreenso. Por isso, dada a importncia do usurio para caracterizar um tipo dicionrio, cabe indicar informaes relacionadas s suas finalidades e a que tipo de usurio pretende atender em suas pginas iniciais. Desse modo, uma vez que, vrias so as necessidades dos usurios e uma obra lexicogrfica

  • dificilmente contemplaria todas, vrios sero os tipos de dicionrio e suas formas de classificao.

    claro que tais questes e as pesquisas ligadas a elas esto em seus primeiros passos, no entanto perceptvel que a Lexicografia pedaggica vem se desenvolvendo cada vez mais e fazendo uso de outras reas de pesquisa como, por exemplo, a Teoria da Multimodalidade.

    A Teoria da Multimodalidade (KRESS; VAN LEEWEN 1991) trata dos diversos modos semiticos utilizados em uma comunicao, em especial destacamos os aspectos visuais encontrados em materiais didticos como, por exemplo, dicionrios infantis. Pontes (2009) aponta para a existncia de uma gradao de recursos visuais utilizados em dicionrios. Teramos os dicionrios gerais, com quase nenhum recurso visual, de um lado e, do outro, os dicionrio ilustrados infantis. Tal como o autor, acreditamos que realmente haja essa gradao. Observemos alguns exemplos retirados de diferentes edies do dicionrio Aurlio (Ferreira, 1975, 2001, 2005a).

    Careca. S. f. 1. Calva (1). 2. Calvce, acomia. S. 2 g. 3. Indivduo calvo. S. m. 4. Bras. Pop. V. Diabo (2). Adj. 2g. 5. Diz-se de indivduo calvo. 6. Pop. Diz-se do pneu liso, com os frisos j inteiramente gastos pelo uso. Estar careca de. Bras. Fam. Estar habituadssimo a; estar cansado de: E s t o u c a r e c a d e falar dela; E s t o u c a r e c a d e ouvir aquela histria. (FERREIRA, 1975)

  • Esse exemplo foi retirado da primeira edio de um dicionrio Aurlio geral. Notemos que so poucos os recursos visuais empregados aqui. H apenas o uso de itlico, negrito, os smbolos e , alm disso, chamamos a ateno para o espaamento empregado nos exemplos de uso para dar destaque s colocaes. Todavia, o dicionarista no faz uso de cores na microestrutura dessa edio, diferentemente dos dois exemplos abaixo1:

    Em ambos os exemplos, temos uma

    maior variedade de recursos visuais em uso. H uso de cores e fontes diferentes alm dos citados no exemplo primeiro. Comparemos agora os trs exemplos j citados com outros dois retirados de

    1 O primeiro caso, Ferreira (2001), foi retirado do Mini Aurlio escolar do Sculo XXI, que, apesar do autor destacar a quantidade de 32 mil verbetes o que o classifica como tipo 3 para as sries finais do Ensino Fundamental parece-nos que seu uso se estende, tambm, ao Ensino Mdio. J o segundo exemplo, Ferreira (2005a), foi retirado do dicionrio escolar Aurlio Jnior, cuja nomenclatura, segundo o autor, comporta 30 mil verbetes e indicado para 4 a 6 ano do Ensino Fundamental I.

    ca.re.ca. subst. fem. 1. Calva. 2. Calvce. subst. 2 gn. 3. Pessoa calva. adj 2 gn. 4. Diz-se de pessoa calva. (FERREIRA, 2005a)

    ca.re.ca. Sf. 1. Calva (1). 2. Calvce. S2g. 3. Pessoa calva. Adj2g. 4. Diz-se de pessoa calva. (FERREIRA, 2001)

  • dicionrios infantis ilustrados, o Dicionrio Aurlio infantil, ilustrado pelo cartunista Ziraldo, de 1989 (Ferreira, 1989) e o dicionrio Aurelinho de 2005 (Ferreira, 2005b), respectivamente:

    Figura 02: verbete carneiro (FERREIRA, 2005b)

    Figura 01: verbete carneiro (FERREIRA, 1989)

  • Nos trs exemplos anteriores, no h uso de ilustraes diferentemente desses dois ltimos, Ferreira (1989) e Ferreira (2005b). Notemos, no entanto, que, apesar de ilustrado, Ferreira (1989), nessa obra, no faz uso de tantos recursos visuais (cores e formas) quanto Ferreira (2005b) cujas entradas e classe gramatical so destacadas em verde. Ademais, a ilustrao do segundo caso uma fotografia e no um desenho. O uso de fotografia no lugar de desenhos, aproxima a imagem de um contexto mais real.

    Por fim, ressaltamos que tais recursos visuais so de grande importncia para quaisquer obras lexicogrficas por tornarem-nas ferramentas mais eficazes para o aprendiz de lngua.

    DO ENSINO DE LATIM

    De incio, importa-nos ressaltar que os

    estudos latinos tm passado por modificaes no decorrer dos ltimos anos. Na dcada de 60, observamos o fim de sua obrigatoriedade no currculo escolar e a reduo da carga horria de disciplinas de estudos clssicos nos cursos de Letras. Sobre isso, Oliveira (2004) afirma:

    A partir da segunda metade do sculo XX comeam a aflorar as tendncias para as mudanas que vinham latentes ao longo de dcadas. A dcada de 60 foi um perodo de verdadeira exploso, um momento de revelao da crise fazendo eclodir um processo acelerado de mudanas que at

  • hoje no encontramos seu ponto de equilbrio. (OLIVEIRA, 2004, p. 249. grifo nosso)

    Boa parte desse referido desequilbrio

    ocorre por incertezas quanto aos objetivos do ensino das lnguas clssicas, conseqncia das crenas existentes a partir de um ensino tradicional prescritivista. Nbrega (1962) apud Mioti (2006), apresenta, dentre os objetivos de ensino de latim, aqueles de carter disciplinar, isto , que fazem uso do raciocnio de maneira bastante acentuada, a ponto de ser o latim considerado a matemtica das lnguas, ao propiciar o desenvolvimento da inteligncia (MIOTI, 2006, p. 13). No entanto, a prpria Mioti, que critica tal viso, justifica o posicionamento de Nbrega, uma vez que a obra deste data de um perodo cuja educao se pautava por uma concepo tecnicista que sobrepunha as matrias tidas como mais humanistas (Mioti, 2006, p. 14).

    De fato, no podemos ignorar as peculiaridades prprias das lnguas clssicas em relao s lnguas modernas das quais podemos destacar a inexistncia de falantes nativos sob pena de tomarmos atitudes, por vezes, questionveis, como utilizar metodologias de ensino de lnguas modernas, sem qualquer adequao, no ensino de lnguas clssicas. Tais iniciativas podem estimular o debate sobre a importncia do latim na atualidade, mas devem ser vistas com cuidado sob pena de

  • cairmos em inadequaes. Sobre o tema, destacamos Moita Lopes (1996). O autor faz uso de modernas teorias de ensino de lnguas, mais especificamente das teorias interacionistas da leitura, como forma de alavancar o ensino das lnguas e ele usa como exemplo o ensino de latim.

    Assim, vrios podem ser os objetivos que orientam os estudos da lngua latina. Muitos livros e cursos de ensino de latim, em suas introdues, defendem que seu objetivo central possibilitar ao aluno capacidade de ler os originais de textos literrios de autores latinos como Ccero, Ovdio, Virglio etc. Mioti (2006) defende que, atravs desses textos, poderamos ter contato com os aspectos culturais que circundam a antiguidade clssica. Ademais, h questes relativas ao aprimoramento da lngua portuguesa, isto , a lngua portuguesa, como uma lngua neolatina, guarda, em sua estrutura lingstica, resqucios da estrutura latina. Assim sendo, muitos estudiosos tradicionais como, por exemplo, Nbrega (1962 apud Mioti, 2006) e Mello (apud Oliveira, 2004) defendem que o conhecimento da lngua latina auxilia no domnio da lngua portuguesa. Furlan (2006 p. 16), na introduo de sua obra, cita o relatrio da Comisso Nacional para o Aperfeioamento do Ensino/ Aprendizagem da Lngua Materna, de 1986, cujo texto defende a re-introduo do latim no ensino mdio objetivando um conhecimento mais profundo da lngua portuguesa.

  • Apesar das crticas traadas a tal objetivo, no podemos negligenciar a importncia do estudo do latim para a lngua portuguesa. Ter uma base latina necessrio para estudos diacrnicos da lngua. Estes, por sua vez, acabam por complementar as lacunas deixadas por uma concepo estritamente sincrnica da lngua, dando um suporte ainda mais slido para o professor de lngua portuguesa.

    Em nosso trabalho, procuramos adotar uma concepo de ensino que abrangesse tanto a leitura de textos clssicos, quanto os aspectos lingsticos. Tal posicionamento nos parece coerente com as dificuldades apontadas por Moita Lopes (1996) sobre o ensino de lnguas clssicas. No referido captulo, o autor defende um ensino interacionista da leitura, como j afirmamos, que se baseia no uso conjunto do conhecimento sistmico (conhecimento da estrutura lingstica) e do conhecimento esquemtico (conhecimento de mundo do leitor). Ele sinaliza que o foco dado pelos professores de lnguas clssicas aos aspectos sistmicos acaba por comprometer o ensino de tais lnguas por deixar de lado os aspectos esquemticos, que so cruciais no ato da compreenso escrita e que podem at minimizar a falta de conhecimentos sistmicos por parte do aluno (MOITA LOPES, 1996, p. 150). De fato, o autor justifica essa prtica comum dos professores de enfatizar a lngua por conta dos pouco conhecimento sistmico e esquemtico dos alunos, ele afirma:

  • Depreende-se da concepo interacionista de leitura que ensinar a ler ensinar o leitor-aprendiz a relacionar os conhecimentos sistmico e esquemtico atravs de procedimentos interpretativos. Note-se, antes de mais nada, que o aluno de LCs [Lnguas Clssicas] j est familiarizado com o ato de ler em sua LM [lngua materna] e, por vezes, em uma ou mais LEs [lnguas estrangeiras. Portanto, o que ele tem a fazer aprender a ler uma LC. Todavia, devido falta dos conhecimentos sistmico e esquemtico por parte do aluno, esses procedimentos no podem ser ativados, por assim dizer, pelo leitor-aprendiz. O professor tem, ento, de facilitar a utilizao desses procedimentos interpretativos atravs de artifcios pedaggicos adequados. (MOITA LOPES, 1996, p. 152. grifo nosso)

    Desse modo, podemos dizer que o

    problema no est em se trabalhar os aspectos lingsticos do latim, mas sim, tornar tais aspectos seu foco (Furlan 2006).

    Acreditamos que unir objetivos como: a leitura de textos clssicos e o conhecimento profundo da estrutura da lngua (seja como suporte para o desenvolvimento do conhecimento sistmico, seja como base de estudos diacrnicos) pode vir a contribuir para a formao do profissional da linguagem.

  • DOS DICIONRIOS LATINOS EM GERAL Sob vrios aspectos, a lexicografia latina

    est pautada na viso tradicional de ensino de latim. Raras so as obras que fazem uso de teorias lingsticas, de teorias de ensino de lngua ou mesmo da lexicografia moderna:

    A descrio do lxico latino nos dicionrios, como no poderia de ser, segue a descrio da gramtica. As formas eleitas para figurar nas entradas dos verbetes tm a finalidade de remeter ao paradigma [sic], entendido tradicionalmente como conjunto descrito pela gramtica que serve de modelo declinao ou conjugao. Essa soluo s faz sentido como parte de uma abordagem que prev a assimilao mnemnica dos dados, j que torna problemtica a localizao da entrada de qualquer variante nominal que no seja o nominativo singular, ou verbal que no seja a primeira pessoa do singular do presente do indicativo. (LONGO, 2006, p.43)

    Como conseqncia, no raro, deparamo-nos com situaes como a apontada por Torro (1997): alunos que, mesmo j estando no quarto ano de latim, insistiam em procurar no dicionrio o significado da palavra erat. Com isso, o dicionrio, ferramenta essencial segundo os autores citados acima e tantos outros, acaba por se tornar prejudicial ao aluno iniciante de latim. fato que Torro (op. cit)

  • assinala possveis vantagens e desvantagens no uso do dicionrio. Para ser mais exato, o autor se detm s questes de aquisio de vocabulrio sugerindo, inclusive, alguns meios que poderiam auxiliar nesse processo. Destacamos algumas sugestes que poderiam ser aproveitadas na composio de um dicionrio:

    1. A reunio de palavras em famlias, que vir permitir ao aluno utilizar em simultneo a memria, mas tambm o raciocnio para progredir neste campo (TORRO, 1997, p. 3); 2. A explorao etimolgica cuja vantagem de permitir que o aluno enriquea o vocabulrio de lngua clssica e de outras lnguas modernas; 3. A explorao de vocbulos compostos atravs do conhecimento de prefixos e sufixos produtivos da lngua.

    Tais tpicos podem auxiliar o lexicgrafo

    ao tomar decises sobre a macroestrutura como, por exemplo, a existncia ou no de uma lista de palavras cognatas, a incluso ou no de prefixos e sufixos mais produtivos como entradas e a relevncia de informaes etimolgicas no corpo da microestrutura.

    No que se refere ao uso de dicionrio em si, o autor afirma que a escolha do momento de

  • iniciar o aluno no uso do dicionrio, se cedo ou mais tardiamente, possui suas conseqncias e, por conseguinte, o professor deve faz-lo no momento que notar sua necessidade; contudo, ao decidir introduzir o uso do dicionrio s aulas, de extrema importncia que o professor reserve o tempo que for necessrio para esclarecer ao aluno sobre como encontrar as informaes contidas no corpo da obra lexicogrfica. Salientamos a importncia de tal atitude, principalmente, por notarmos que os dicionrios latinos comumente carecem de explicaes sobre seu uso, cabendo ao consulente perceber, na prtica, como as informaes esto dispostas na sua nomenclatura.

    J Lima (1995 apud Longo, 2006), ao tratar da questo, assinala trs pontos tidos como essenciais para um dicionrio latino feito a partir de uma perspectiva lingstica: o vocbulo, a significao lxica e o valor. Diante de uma teoria lexicogrfica moderna, parece-nos que os respectivos termos equivalem a: a entrada, o enunciado definitrio e exemplos de uso. Assim sendo, neste trabalho usaremos os termos equivalentes j consagrados pelos estudos lexicais modernos. Importante salientar que daremos especial destaque entrada.

    A principal problemtica, apontada por Longo (2006), sobre as entradas em dicionrios latinos gira em torno do grupo de palavras flexionveis: substantivos, adjetivos e verbos. De

  • fato, palavras como o advrbio hodie ou a preposio inter no se configuram problemas para um consulente iniciante. Todavia, se a palavra for, como no exemplo de Torro (1997), erat e o aluno buscar exatamente essa palavra, ele dificilmente encontrar seu significado, uma vez que as formas lematizadas dos verbos iniciam com estes na primeira pessoa do singular do presente do indicativo ativo seguida das demais formas primitivas, a saber: sum, es, esse, fui. O mesmo pode ser dito sobre substantivos e adjetivos cuja entrada privilegia o caso nominativo que, no raro, possui uma forma completamente diferente dos demais casos. Sobre esta questo, Longo (op. cit) aponta uma possvel explicao:

    Um dos argumentos usados para defender a apresentao do nominativo, na entrada dos verbetes nominais dos dicionrios, pode ser o de que esse o caso que mais deformaes sofreu em decorrncia do uso. De fato h situaes em que, sincronicamente, impossvel inferir o nominativo a partir do tema. Como, por exemplo, prever gurges a partir de gurgit-? Certamente, as leis da fontica histrica do latim que explicam os fenmenos evolutivos podem justificar tal irregularidade. (LONGO, 2006, p.50. Grifo nosso)

    Realmente, para um aluno iniciante, como

    nossa prpria experincia docente de latim aponta,

  • traduzir um enunciado com o vocbulo gurgitem exige um conhecimento da lngua que ele ainda est em vias de aprender. Uma possvel soluo defendida por Longo (op. cit) o uso do tema. Atravs dele torna-se possvel criar oposies com a flexo de caso, j que os temas so unidades virtualmente presentes em todas as manifestaes latinas. Ainda assim, h o problema dos itens lexicais cujo nominativo difere do tema. Para solucionar tal questo, a autora advoga a favor da identificao dos temas atravs de palavras cognatas, como, por exemplo, das palavras corpreo, corporal, corporao para apresentar ao aluno o tema latino corpor- e o nominativo corpus. Mais do que simplesmente apresent-los, importante, segundo a autora, deixar claro para o aluno que ambos os itens lexicais acima so variantes de um mesmo tema.

    A despeito do que a autora defende, acreditamos que uma alternativa seria apresentar a entrada a partir de uma base comum entre ambos, isto , de corpor- e corpus, a base corp- como entrada para o que um dicionrio tradicional poderia trazer como corpus, oris. Tal deciso acreditamos tornar o dicionrio latino mais funcional para o aprendiz iniciante.

    CONSIDERAES FINAIS A despeito de tudo, procuramos

    colaborar para o desenvolvimento de um dilogo

  • interdisciplinar entre diferentes campos de estudos. Na verdade, h muito a se considerar no que tange Lexicografia latina. Chamamos a ateno dos professores e pesquisadores latinistas para a os estudos lexicogrficos modernos. Todavia, no fcil falar sobre dicionrios, essa obra cuja fama o torna algo inviolvel e incontestvel. De fato, tal crena se espalha por todas as instncias dos estudos lexicais. Muito embora as pesquisas crescentes dentro desse campo de estudo busquem desenvolver uma viso cientfica sobre os dicionrios, estudar essa temtica ainda requer um processo de garimpagem, por vezes, cansativo. O que se dir, ento, da produo de um dicionrio de cunho pedaggico? Por tal razo, procuramos elucidar nossa perspectiva acerca da Lexicografia pedaggica e como os estudos feitos, hoje, podem contribuir para seu desenvolvimento, em especial, os estudos ligados Teoria da Multimodalidade. Realmente, acreditamos que essa teoria seria um acrscimo salutar lexicografia latina. No toa, os dicionrios para aprendizes, cada vez mais, fazem uso de recursos visuais cores, ilustraes etc. em sua estrutura. O uso de ilustraes em dicionrios de lnguas clssicas poderia elucidar o consulente a cerca da realidade social, histrica e cultural que permeia a antiguidade clssica. Podemos exemplificar com imagens de carter mitolgico, obras de arte, gravuras com lugares, bustos de personagens histricos, desenhos

  • representativos de situaes, como um teatro romano da poca.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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