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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015
Engajamento cívico e escolaridade: a formação de cidadãos engajados e o papel
da escolaridade superior
André Luiz Vieira Dias1
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar a influência da variável escolaridade sobre o comportamento político dos
brasileiros. Além de um levantamento da bibliográfica internacional e nacional sobre comportamento político,
engajamento cívico e escolaridade superior, este trabalho se dispõe a analisar os dados obtidos pelo Estudo Eleitoral
Brasileiro (ESEB) 2002, 2006 e 2010, e testar estatisticamente a independência de algumas variáveis em relação à
escolaridade. Parte-se do pressuposto de que a escolaridade é uma variável capaz de despertar um comportamento mais
interessado e participativo dos cidadãos. Todavia, ao contrário do efeito que a educação ocasiona sobre a cidadania nas
democracias avançadas, no Brasil a educação superior não exerce influência sobre o engajamento político e, portanto,
não há associação entre a escolaridade e o comportamento de cidadãos mais interessados, participativos e coerentes
sobre suas opiniões e escolhas políticas no Brasil.
Palavras-chaves: comportamento político; engajamento cívico; escolaridade superior.
Introdução
Este artigo tem como objetivo analisar a influência da variável escolaridade sobre o
comportamento político dos brasileiros. Para isso, parte-se de um levantamento da bibliografia
específica, internacional e nacional, que relaciona as temáticas comportamento político,
engajamento cívico e escolaridade superior. Busca-se aqui introduzir uma discussão sobre os
possíveis efeitos da escolaridade superior sobre o comportamento, além de analisar e testar
estatisticamente os dados obtidos pelas três ondas do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) 2002,
2006 e 20102, no intuito de identificar se a escolaridade é capaz de despertar o interesse e a
participação política entre os brasileiros.
Uma ideia convencionalmente adotada na ciência política é de que o acesso a educação
superior possibilitaria a formação de cidadãos engajados, responsáveis, conscientes e participantes
dos processos políticos de nossa sociedade. A educação teria um caráter de “solvente universal”,
uma variável que possui forte correlação sobre o comportamento político. (SCHLEGEL, 2013).
Todavia, a hipótese que orienta este trabalho é a de que no Brasil a escolaridade superior não é um
1 Doutorando em Ciências Sociais pela UNESP – FCL Araraquara, membro do Projeto Temático Organização e
funcionamento da política representativa no Estado de São Paulo (1994 e 2014) – E-mail: [email protected] -
Bolsista Capes. 2 A quarta onda do ESEB foi aplicada logo após o término das eleições de 2014, porém, seus dados ainda não estão
disponíveis para publicação.
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agente causal de uma cidadania ativa, ou seja, não exerce influência sobre o comportamento político
dos brasileiros.
Mesmo diante do quadro de tendências que apontam para a relevante influência de fatores de
curto-prazo sobre as escolhas eleitorais, tais como a imagem do candidato e posicionamento diante
questões políticas específicas, uma das questões que se apresenta é a de verificar se a educação
superior colabora para a formação de capital social e a estimula a participação política no Brasil.
A relação entre engajamento cívico e a variável escolaridade constitui um tema atual
desenvolvido por diversos grupos e centros de pesquisa vinculados a institutos e universidades,
sobretudo nas democracias industriais avançadas da Europa, América do Norte, Ásia e Oceania. Em
comparação à produção internacional, a produção científica sobre estes temas ainda é modesta no
Brasil. Em sua maioria, os núcleos de pesquisa interessados pela questão da escolaridade destacam
a perspectiva de análise de políticas públicas, as ações governamentais e organizacionais, seus
aspectos históricos, políticos, sociais e culturais.
Um grande avanço no campo das pesquisas sobre comportamento político tem sido
ocasionado pela aplicação sistemática de surveys internacionais e nacionais. Dentre os principais
surveys internacionais destacam-se o Eurobarometer, o New Europe Barometer, o
Latinobarometer, o Afrobaormeter, o East Asian Barometer, o Asianbarometer, o European Values
Studies (EVS), o International Social Survey Program (ISSP), o European Social Survey (ESS), o
Comparative Study of Electoral Systems (CSES) e o World Values Survey (WVS). No caso
brasileiro, destaca-se o Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) que, vinculado ao internacional CSES,
tem sido aplicado periodicamente logo após o término de cada período eleitoral desde 2002 até
2014. Este estudo parte do pressuposto de que os contextos sócio-políticos e os arranjos
institucionais influenciam a natureza e qualidade da democracia. Desta maneira, busca “identificar
como variáveis contextuais, especialmente as instituições eleitorais, moldam crenças e
comportamentos dos cidadãos e, através de eleições, definem a capacidade ou qualidade do regime
democrático; compreender a natureza dos alinhamentos e clivagens sociais e políticos; compreender
como cidadãos, vivendo sob distintos arranjos políticos, avaliam os processos políticos e as
instituições democráticas.” (ESEB, 2011)
Em linhas gerais, o questionário do ESEB/CSES está agrupado em blocos de questões
fechadas que visam verificar a concepção e avaliação que os respondentes possuem acerca da
democracia; o interesse em participar das eleições, seja a partir do voto ou de discussões com
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amigos, familiares, conhecidos e nas redes sociais; os meios para a obtenção de informação política;
os critérios para a definição do voto; a avaliação, confiança e satisfação em relação ao governo e
suas instituições; as formas de participação e envolvimento político; o reconhecimento e a
expectativa de mobilidade social; a participação como beneficiário de programas sociais
governamentais; o posicionamento ideológico; além das questões relativas à identificação como
faixa etária, escolaridade, renda, religião, raça e moradia.
Desta maneira, a partir do banco de dados do ESEB é possível observar a evolução do
comportamento político dos brasileiros em seus diferentes níveis de escolaridade.
Comportamento político, engajamento cívico e escolaridade.
Os estudos sobre comportamento político costumam ser divididos em cinco distintas áreas
de debates: sofisticação política, processos de modernização, valores políticos, escolha eleitoral,
participação política e representação política. No geral, estas áreas buscam compreender os
impactos das mudanças sociais e políticas das sociedades democráticas contemporâneas, destacando
as relações entre os diversos sistemas políticos e seus cidadãos.
No campo das habilidades políticas do povo – seu conhecimento, compreensão e interesse
por questões políticas – compreende-se que, numa democracia, é preciso que os indivíduos
compreendam as opções políticas existentes e o modo como funciona o sistema político para que
possam tomar decisões responsáveis, influenciar e controlar as ações de seus governantes. Neste
sentido, a cognição é um elemento importante para a definição de cultura política (ALMOND e
VERBA, 1963) e, além disso, é o fator determinante para a estabilidade do debate político. (DAHL,
1989, p. 4)
Acerca da questão das habilidades políticas de um povo, vários estudos empíricos apontam
para a pequena sofisticação política dos diferentes povos. Mesmo nos períodos de eleições
nacionais, os cidadãos raramente apresentam interesse, envolvimento pelas questões políticas e
tampouco se tem a certeza de que suas decisões são tomadas baseadas em avaliações racionais dos
candidatos, partidos e suas propostas. Assim sendo, os eleitores seriam desinformados e não-
sofisticados. (Ver CAMPBELL et. al., 1960; CONVERSE, 1964; e BUTLER e STOCKES, 1969)
Uma outra leitura mais otimista é feita por estudiosos que argumentam que o povo é mais
politicamente sofisticado do que se pensava. O processo de modernização social e de emergência de
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novas formas de mensuração nos permite observar o aumento dos índices de sofisticação política
dos eleitores e do grau de envolvimento político. (KUKLINSKI e PEYTON in DALTON e
KLINGEMANN, 2007)
Nos tempos em que vivemos os indivíduos dispõem de um ambiente rico em informações e
distintas formas de obtenção de informações sobre política. Porém, mesmo assim, buscam
economizar seus investimentos para a tomada de decisões conscientes – o que nos possibilita dizer
que a informação e o engajamento político são limitados nas democracias ocidentais. (LUPIA e
McCUBBINS, 1998)
PUTNAM (2000) aponta que o desengajamento político é resultante de um processo de
deterioração e modernização que atomiza e aliena os indivíduos. Neste mesmo sentido, HIBBING e
THEISS-MORSE (2002) afirmam que o povo não possui interesse por política e não quer ser
aborrecido pelas responsabilidades relativas ao exercício da cidadania democrática.
Sob um olhar mais positivo, DALTON (2009 e 2014) sugere que, devido às diversas
transformações socioeconômicas das últimas décadas do século XXI, tem havido algumas
alterações relativas ao exercício da cidadania. Por um lado, estaríamos diante do declínio das
formas tradicionais de cidadania, suas obrigações formais, responsabilidades e direitos e, por outro
lado, da emergência de um novo modelo mais engajado de cidadania, caracterizado por um cidadão
mais assertivo, mais preocupado com as questões sociais e com o bem estar comum. Estes cidadãos
podem não votar (como nos casos de países em que o voto é facultativo), mas são mais críticos em
relação ao governo e otimistas em relação ao futuro.
Apesar dessas controvérsias, é preciso ressaltar a importância do papel dos cidadãos
enquanto agentes que regularmente tomam decisões políticas no processo democrático. Suas
expectativas e satisfação em relação à democracia são, portanto, importantes referenciais para
compreendermos seu comportamento político. Com este pressuposto em mente, DALTON e
KLINGEMANN (2007, p. 6) nos afirmam que “devemos reparar se os cidadãos são capazes de
gerenciar as complexidades da política e tomar decisões razoáveis considerando os seus interesses e
posicionamentos políticos. As pesquisas empíricas têm demonstrado ser uma forma satisfatória para
se entender o processo de tomada de decisões através de modelos que questionam quais são os
meios pragmáticos que os indivíduos utilizam para fazer suas escolhas políticas”.
Ao relacionar o conceito de sofisticação política a alguns aspectos de ordem psicológica e
social – tais como escolaridade, gênero, idade, o voto de classe, o grau de envolvimento político e o
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voto –, LEWIS-BECK (2008) busca verificar esta é capaz de exercer influência sobre as escolhas
políticas dos indivíduos diante de um processo de modernização e grandes transformações da ordem
social e política das sociedades contemporâneas. Em específico, a escolaridade é apontada como
uma variável que se sobrepõem a outros indicadores como classe, ocupação e renda, ao impactar
sobre o comportamento político dos cidadãos. Os indivíduos mais bem educados dispõem de mais
informação política, são mais participativos da vida política e capazes de analisar e compreender as
questões sociais mais urgentes. Portanto, quanto maior o grau de escolaridade, maior é a disposição
de influenciar o comportamentos dos demais cidadãos em relação ao voto. Ou seja, os cidadãos
mais escolarizados tendem a ter um maior senso de eficácia política e a participar mais do processo
democrático de escolha de seus representantes políticos.
Esta temática ainda é modestamente analisada pelas pesquisas científicas no Brasil. No
âmbito geral, verificamos trabalhos que destacam, sobretudo, o processo histórico das instituições
de ensino superior, suas características econômicas e políticas estruturantes, além das distinções
entre os sistemas público e privado de educação.
Um dos trabalhos que mais se aproxima desta discussão é o de SCHLEGEL (2010) que
questiona o aumento da escolaridade e seus efeitos sobre o comportamento político dos brasileiros.
Schlegel sugere que, em razão da queda da qualidade da educação que acompanhou a expansão do
sistema educacional brasileiro, a escolaridade não ocasionou o aumento do engajamento cívico e
político no Brasil.
A própria literatura sobre educação pode nos confirmar esta ideia, já que a mesma tende a
destacar, sobretudo, o histórico de sua formação, objetivos, direcionamentos, estratégias, regulação
e peculiaridades entre os setores público e privado. O ensino superior no Brasil teria surgido
tardiamente e de maneira completamente desconexa com os crescimentos econômico, político e
sociocultural. (Minto, 2011)
BROCK e SCHWARTZMAN (2005) organizam uma série de artigos de autores que versam
sobre as principais características do sistema educacional brasileiro em todos os níveis. Nesta obra,
os autores apontam para a Revolução de 30, a partir do governo de Getúlio Vargas, como o
momento histórico em que a educação tornou-se prioridade nacional. Este foi o momento em que
foi criada uma estrutura burocrática centralizada para o ensino superior, distinta dos demais níveis
educacionais que tiveram a sua gerência e administração sob a responsabilidade da iniciativa
privada ou dos governos estaduais e municipais. Em comparação aos países da Europa, Ásia e
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América, este processo de estabelecimento do sistema público de ensino no Brasil se deu forma
tardia.
DURHAM (2005), destaca o caráter tardio da educação superior no Brasil, uma vez que as
primeiras instituições foram criadas somente a partir de 1808, com a vinda da família real
portuguesa e as primeiras universidades na década de 1930, além do desenvolvimento precoce –
sobretudo a partir do final do século XIX – de um poderoso sistema privado de ensino em paralelo
ao ensino público. Este não é o caso de coexistência entre dois setores com objetivos comuns. Pelo
contrário, o que se verifica é o desenvolvimento de um sistema que subverte o caráter de um ensino
superior orientado pela associação entre ensino e pesquisa ao ser constituído por empresas de ensino
que orientam suas ações para o mercado e o lucro – o fenômeno da expansão do ensino superior a
partir do setor privado que afeta os países em desenvolvimento e periféricos.
Na América Latina, até a década de 1980, o processo de expansão dos sistemas de ensino
superior se deu, sobretudo, a partir de universidades de dois tipos: as públicas estatais, laicas
mantidas pelo Estado, e as confessionais, pelo menos parte das quais era total ou parcialmente
dependente de recursos públicos. Ainda, outras instituições privadas, de pequeno porte e pouca
importância, existiam à margem de um sistema dominado pelas universidades. (LEVY apud
DURHAM, 2005) No caso brasileiro a situação é diferente. Até a década de 1980, as universidades
constituíram uma parte pequena do sistema de ensino superior e, além disso, mesmo com a presença
de instituições confessionais e de escolas superiores sem fins lucrativos criadas por elites locais,
verificou-se a proliferação de um tipo de instituição não-confessional, não-universitário e
organizado como empresa que objetiva, implícita ou explicitamente, o lucro. (DURHAM, 2005, p.
198)
O período entre 1945 e 1964 foi caracterizado por um grande crescimento do sistema de
ensino superior no Brasil, em que o número de matrículas neste setor deu um salto de 21 mil para
182 mil estudantes, sobretudo em razão da ampliação do número de universidades públicas no país.
Na contramão deste processo, o governo militar, de 1964 a 1985, caracterizou-se pela reforma do
modelo de universidade e pelo desenvolvimento acelerado do sistema privado de ensino superior.
Com maiores recursos, as universidades federais puderam gozar de uma prosperidade que não
voltariam a experimentar nos anos seguintes. Neste período não houve uma privatização do setor,
mas uma expansão mais rápida no setor privado, que cresceu 512%, ou seja, de 142.386 para
885.054 estudantes. O setor privado atingiu 50% de participação em 1970 e superou os 60% ao final
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daquela década. Em vinte anos, o número de matrículas no ensino superior aumentou de 95.691, em
1960, para 1.345.000, em 1980. Para DURHAM, tal crescimento está associado ao milagre
econômico da década de 1970 que beneficiou a classe média brasileira que expandiu, enriqueceu e
alimentou a demanda pelo ensino superior.
A década de 1980, marcada pelo processo de redemocratização gradual do país, pela crise
econômica e inflação crescente, foi para o ensino superior um período de estagnação. Claro, a crise
econômica explica, em parte, tal fenômeno. No entanto, outros aspectos também nos auxiliam a
compreender as razões para a estagnação do sistema, são eles: os índices elevados de analfabetismo
e baixo percentual de crianças entre 7 e 14 anos matriculadas na educação básica; altíssimos índices
de repetência e evasão no ensino básico; baixo índice de jovens em faixa etária correspondente
matriculados no ensino superior; obstáculos estruturais do ensino superior associados às
desigualdades sociais; alta porcentagem de cursos noturnos em instituições privadas direcionados
aos egressos do ensino médio que já atuavam no mercado de trabalho, que vislumbravam a
oportunidade de ascensão ocupacional e contavam com um sistema menos exigente em termos de
rendimento escolar; resistência do setor público, sobretudo das universidades federais, em oferecer
cursos noturnos; e a ausência de número de candidatos suficientes para preencher as vagas
existentes no setor privado. (DURHAM, 2005)
A Constituição de 1988 e a implementação do Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da
Educação, em 1996, são instrumentos que tornaram possíveis importantes transformações políticas,
econômicas e educacionais no país3. Em relação ao sistema de ensino superior4, a década de 1990
3 Segundo Durham (2005), o período que coincide com os dois governos de Fernando Henrique Cardoso foi o que
houve, além das mudanças substanciais das políticas econômicas e sociais, o de importantes reformas no setor
educacional. Dentre as principais reformas estão a transformação do sistema de financiamento do ensino fundamental, o
qual praticamente se universalizou; a implantação de uma reforma curricular dos níveis fundamental e médio; a
modernização de todo o sistema de estatísticas educacionais; o aperfeiçoamento do sistema de avaliação do desempenho
escolar; e a ampliação dos programas de capacitação docente.
4 A LDB de 1996 também introduziu algumas inovações no sistema de ensino superior, tais como: “a definição da
posição das universidades no sistema superior de ensino, exigindo a associação entre ensino e pesquisa, com produção
científica comprovada como condição necessária para seu credenciamento e recredenciamento; a exigência de
condições mínimas de qualificação do corpo docente e de regime de trabalho, sem as quais a pesquisa não poderia se
implantar: um mínimo de um terço do quadro docente constituído por mestres e doutores e de um terço de docentes em
tempo integral; a exigência de recredenciamento periódico das instituições de ensino superior, precedida de um
processo de avaliação, o que tornou possível corrigir as distorções e as deficiências do sistema existente, ameaçando a
situação das universidades que não passavam de grandes unidades de ensino, as quais não mais estavam imunes a um
controle periódico por parte do poder público. Às universidades foi dado um prazo de oito anos para que cumprissem as
exigências da lei; a renovação periódica do reconhecimento dos cursos superiores; o reconhecimento da
heterogeneidade do sistema, no qual coexistem as universidades onde se realizam pesquisas e outros tipos de instituição
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caracterizou-se pela retomada do crescimento do número de matrículas. Segundo o Censo do
Ensino Superior de 2012, em 1990, o número de estudantes matriculados foi de 1.540.080 e, em
1999, esse número aumentou para 2.369.945, representando, assim, um crescimento de 54% no
período. Esses números continuaram a crescer de forma vertiginosa ao longo da década de 2000.
Houve um salto de 3.036.113 matrículas, em 2001, para 6.379.299, em 2010. Em 2012, o número
total de alunos matriculados chegou a 7.037.688, sendo 73% em instituições privadas e 27% em
instituições públicas.
Segundo CARMO et. al. (2014), a expansão do sistema de ensino superior nos últimos anos
se deve ao crescimento econômico do país. Isto pois, de um lado, milhares de pessoas que antes
eram impedidas de dar continuidade aos estudos após a conclusão do ensino médio devido ao
afunilamento de vagas nas instituições públicas e por conta do alto valor das mensalidades nas
instituições privadas, passaram a ter a oportunidade de alcançar uma renda que lhes permitem
concretizar tal objetivo. De outro lado, as exigências do mercado de trabalho por profissionais
qualificados com formação superior, capazes de dominar novos conhecimentos, técnicas e
tecnologias aplicadas, levaram novas parcelas da população às instituições de ensino.
CARMO et. al. (2014), relaciona as ações do Estado em respostas às exigências do mercado
e da sociedade, os incentivos ao acesso e permanência no ensino superior. Dentre as principais
iniciativas destacam-se o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e a ampliação de
abrangência de programas já existentes, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Além
desses, também merece destaque o programa de avaliação do ensino médio e de seleção à admissão
no ensino superior, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que surgiu em 1998 e que se
popularizou em 2004. Neste mesmo ano, foram adotadas algumas medidas no intuito de
democratizar a participação em massa como a inscrição gratuita de alunos de escolas públicas, a
instituição do ProUni e a vinculação da concessão de bolsas de estudos em instituições privadas à
nota obtida neste exame. De 2005 à 2012, várias universidades públicas passaram, gradativamente,
a utilizar a nota do Enem como critério total ou parcial de seleção, substituindo o vestibular
tradicional ou em paralelo a este. Assim, em 2005, cerca de 3 milhões e, em 2012, 5.791.290
estudantes se inscreveram no Enem – 73,4% que frequentaram o ensino médio regular. A criação do
voltados para o ensino; a flexibilidade para a formação de currículos a partir da implementação de diretrizes curriculares
gerais; e a possibilidade de cursos sequenciais de curta duração para a formação básica ou complementar.
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Sistema de Seleção Unificada (Sisu) também foi um incentivo importante uma vez que consiste
num programa informatizado de classificação dos candidatos paras as instituições públicas que
oferecem vagas aos participantes do Enem. Ainda outra medida de democratização do acesso ao
ensino superior é a reserva de vagas em universidades públicas para estudantes oriundos de escolas
públicas, além das cotas raciais e étnicas.
Na perspectiva de MARTELLI (2013, p. 159-160), a partir dos anos 1990, as reformas do
Estado e da educação superior tiveram como referência as orientações do plano liberal ortodoxo do
Banco Mundial. Já nos anos 2000, a maior inspiração para a reforma universitária foi o Processo de
Bolonha – um movimento de reforma da educação superior, calcada no reconhecimento da
necessidade de se aprofundar a integração dos sistemas educacionais dos países europeus num
único espaço educacional.
O Processo de Bolonha tem dentre os seus objetivos facilitar a mobilidade de alunos e
docentes, promover a empregabilidade dos cidadão europeus, promover o desenvolvimento
econômico, social e humano na Europa, consolidar e enriquecer a cidadania europeia e aumentar a
competitividade com outros sistemas de ensino, tais como o dos Estados Unidos e o do Japão. No
entanto, há muitos críticos que apontam para o caráter economicista das medidas de Bolonha no
sentido de priorizar a eficiência e competitividade em detrimento dos aspectos democráticos que
deveriam nortear as ações dos sistemas de ensino superior. Além disso, na tentativa de
homogeneizar os sistemas, não seriam levadas em consideração as peculiaridades, o contexto e as
condições iniciais das instituições de ensino superior. De maneira geral, o processo de Bolonha
propõe um modelo de conhecimento escolar internacional que parece exercer pressão junto aos
Estados nacionais no sentido de implementar medidas que atendam às novas demandas
transnacionais colocadas às universidades.
Na concepção de KRAWCZYC (2005), o caso brasileiro, assim como o de alguns países da
América Latina, expõem a consolidação de uma nova organização e gestão do sistema educativo e
da escola. Tal modelo pressupõe uma forma de regulação que altera a categoria “sociedade civil” e
“cidadania”. Seguindo a lógica da modernização, a educação e o Estado adaptaram-se às mudanças
econômicas e à concorrência internacional e estabeleceram novas parcerias com a sociedade civil.
Ao adotarem o princípio do mercado como indicador das realizações em todas as esferas sociais e
ao ressignificar o conceito de cidadania enquanto consumidor, definiram formas quase mercantis de
delegação de poderes e de relação com a demanda educacional. (KRAWCZYC, 2005, p. 803)
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Este fenômeno é evidenciado, em partes, pela expansão do ensino superior privado no Brasil
em que mesmo com a abertura de novas universidades federais e cursos através do Reuni e do
aumento de alunos nas instituições públicas, o número de instituições do setor privado deu um salto
substancial entre 2001 e 2010, de 1.208 para 2.100 instituições, respectivamente – um crescimento
de 74% no período.
Esse crescimento se deu, sobretudo, a partir da década de 1990, durante o governo de
Fernando Henrique Cardoso, incentivado por uma medida que autorizava a abertura de novas
instituições de ensino superior (IES), sobretudo faculdades, enquanto o crescimento de
universidades e centros universitários não foi tão significativo. Em linhas gerais, essa medida
permitiu a redução da demanda e cobrança por vagas nas instituições federais, porém, ocasionou o
crescimento da oferta do ensino sem o acompanhamento das atividades de pesquisa e extensão, não
obrigatórias em faculdades. (CARMO et. al., 2014, p. 310)
Embora tenha havido um aumento do número de matrículas em IES públicas federais5,
proporcionalmente maior que nas IES privadas, percebe-se que, devido a ampliação de políticas
públicas de democratização do acesso do ensino superior, o número de IES em 2012 era de 2.416,
sendo 87,4% privadas e 12,6% públicas. Do total de alunos matriculados, 73% estão no setor
privado e 23% em instituições públicas de ensino. (Brasil, Inep, 2012)
A expansão do ensino superior a partir do setor privado enfrenta alguns problemas e
desafios a serem superados principalmente no que diz respeito a sua quantidade e qualidade.
Segundo CASTRO (2005), ainda contamos com uma baixa cobertura do sistema – uma das mais
baixas da América Latina; com uma forte expansão das matrículas em instituições particulares que
não acompanha os índices de conclusão dos cursos (ainda baixos); além das avaliações dos cursos
nada animadoras, tanto para o setor público quanto para o setor privado (com raras exceções no
setor público).
Este é o quadro que nos incentiva a questionar os efeitos políticos da educação sobre o
comportamento do brasileiro. É possível inferir, portanto, que a escolaridade tem ocasionado uma
cidadania mais ativa, com indivíduos mais interessados e participativos, ou seja, cívica e
politicamente engajados?
5 Em 2010, 2.182.229 novos alunos se matricularam em cursos de graduação em instituições de ensino superior
federais, o que corresponde a um aumento de mais de 100% em relação ao ano 2000. Proporcionalmente, o número de
matrículas em universidades federais aumentou 140%, enquanto nas IES privadas o aumento foi de 115% no mesmo
período. (Carmo et. al., 2014, p. 310)
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Escolaridade e comportamento dos brasileiros nas eleições de 2002, 2006 e 2010.
Para responder as questões propostas para este artigo nos valeremos da análise da relação
entre a escolaridade e outras variáveis agrupadas em três categorias, são elas: a) aspectos
socioeconômicos; b) interesse e informação política; c) participação nas eleições e em outras
atividades políticas. Estas categorias de análises nos permitirão observar se existe associação
significativa entre variáveis relacionadas capaz de explicar o interesse e a participação política dos
cidadãos mais escolarizados. Por tratarmos de variáveis categóricas, a associação entre elas será
verificada a partir do teste estatístico qui-quadrado χ2. A partir deste poderemos testar a hipótese
nula de independência entre a escolaridade e as demais variáveis.
Em 2002, o ESEB entrevistou 2511 pessoas, sendo 25,8% de analfabetos ou com o primário
incompleto, 10,2% com o primário completo, 25,8% com o ginásio completo ou incompleto, 26,9%
com o colegial completo ou incompleto, 4,5% com o ensino superior incompleto e 6,7% com o
ensino superior completo. Em 2006, numa versão simplificada, foram 1000 pessoas entrevistadas,
sendo 22,7% de analfabetos e com o primário incompleto, 13,0% com o primário completo, 26,5%
com o ginásio completo ou incompleto, 26,9% com o colegial completo ou incompleto, 5,8% com o
ensino superior incompleto e 4,1% do ensino superior completo. Em 2010, dos 2000 respondentes,
15,7% era de analfabetos ou com o primário incompleto, 17,3% com o primário completo, 23,6%
com o ginásio completo ou incompleto, 30,8% com o colegial completo ou incompleto, 6,5% com o
ensino superior incompleto e 6,3% com o ensino superior completo6. A tabela 1 apresenta a
frequência absoluta e os percentuais de entrevistados segundo o grau de escolaridade.
6 A nomenclatura adotada para discriminar os diferentes níveis de escolaridade segue a versão antiga aplicada pelo
sistema educacional brasileiro. A partir da Lei Federal nº 11274 regulamenta e estabelece os diferentes níveis em ensino
fundamental (primário e ginásio), ensino médio (colegial) e ensino superior. Para fins analíticos, optou-se pelo modelo
antigo, já aplicado pelo ESEB desde 2002.
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Tabela 1 – Relação entre Escolaridade e ano de aplicação do ESEB (2002, 2006 e 2010)
ANO
Total 2002 2006 2010
Escolaridade Analfabetos / Primário
incompleto
649 227 313 1189
25,8% 22,7% 15,7% 21,6%
Primário completo 255 130 345 730
10,2% 13,0% 17,3% 13,2%
Ginásio incompleto e
completo
649 265 472 1386
25,8% 26,5% 23,6% 25,1%
Colegial incompleto e
completo
676 279 616 1571
26,9% 27,9% 30,8% 28,5%
Superior incompleto 113 58 129 300
4,5% 5,8% 6,5% 5,4%
Superior completo 169 41 125 335
6,7% 4,1% 6,3% 6,1%
Total 2511 1000 2000 5511
100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
Fonte: ESEB 2002, 2006 e 2010.
A tabela 2 apresenta todas as três categorias, a relação de variáveis e os testes estatísticos
para cada uma delas. A primeira das categorias é a dos aspectos socioeconômicos. Para esta foram
selecionadas as variáveis sexo, faixa etária, renda familiar e região do país. A ideia é testar a
independência destes aspectos em relação à escolaridade. É preciso deixar claro que para todos os
testes adotou-se o grau de significância de 0,05, o mais indicado e convencionalmente aceito para
este tipo de análise estatística.
Acerca dos aspectos de ordem socioeconômica, os dados nos permitem inferir que as
variáveis renda familiar, faixa etária e região do país são dependentes em relação à escolaridade. Ou
seja, existe associação entre escolaridade e tais variáveis. O exemplo mais comum de associação se
dá entre escolaridade e renda, em que verifica-se que quanto mais elevado o nível de escolaridade
maior também é a probabilidade de se ter maior rendimento familiar. Em todas as relações
observamos que o valor χ2 relacionado ao grau de liberdade é maior que o seu p-valor e menor que
o 0,05 de grau de significância, o que indica a dependência entre as variáveis. Exceto a variável
sexo demonstra independência em relação à escolaridade.7
7 A questão sobre renda familiar no ESEB de 2002 foi aberta e espontânea e não foi elaborada uma classificação da
mesma por faixa de renda familiar, o que dificulta a sua visualização gráfica neste trabalho.
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Figura 1 – Relação entre escolaridade e faixa de renda familiar em 2006 (%) Fonte: ESEB 2006
Figura 2 – Relação entre escolaridade e faixa de renda familiar em 2010 (%)
Fonte: ESEB 2010
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A associação entre faixa etária e escolaridade se dá no sentido de identificar, no período de
2002 a 2010, a tendência da parcela da população mais jovem se tornar mais escolarizada que as
parcelas mais velhas. Já a associação entre região do país e escolaridade é revelada ao notarmos a
tendência de os mais escolarizados estarem mais concentrados nas regiões sudeste e sul e os menos
escolarizados nas regiões norte e nordeste. Apesar da diminuição do percentual de analfabetos no
país, ainda há uma maior concentração destes nas regiões norte e nordeste do país.
Figura 3 – Relação entre escolaridade e faixa etária segundo o ano de aplicação do ESEB (%)
Fonte: ESEB 2002, 2006 e 2010
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Figura 4 – Relação entre escolaridade e região do país segundo o ano de aplicação do ESEB Fonte: ESEB 2002, 2006 e 2010
Outra categoria de variáveis que nos dispomos a analisar é a que diz respeito ao interesse e
informação política. Foram selecionadas questões fechadas das três ondas do ESEB que identificam
se os respondentes possuem o hábito ler jornais e o seu interesse por política. Todavia, como é
possível perceber na tabela 2, essas questões não se repetem nas três aplicações do ESEB. Por esta
razão, ao invés de uma análise da evolução dos percentuais, nos valeremos do conjuntos dos testes
de significância. Desta maneira, percebemos que, no geral, encontramos associação entre a variável
escolaridade e as variáveis “lê jornal”, “interesse por política” e “acompanhamento da campanha
eleitoral”. Esta última variável, vale especificar, equivale à variável “interesse por política”, uma
vez que buscar verificar o grau de proximidade que o respondente acompanhou a campanha
eleitoral, se de maneira muito próxima, próxima, distante ou muito distante. Em todas estas relações
o grau de significância esteve abaixo de 0,05, o que indica a associação entre as variáveis. Em
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linhas gerais, a escolaridade exerceu alguma influência sobre a obtenção de informação e o
interesse por política. Ou seja, podemos compreender que os mais escolarizados tendem a ser mais
bem informados e interessados por política. Apenas a variável “votaria se o voto não fosse
obrigatório” demonstrou uma leve independência em relação à escolaridade no ESEB de 2010, o
que corresponde dizer que, no geral, naquele ano os indivíduos, independentemente do nível de
escolaridade, manifestaram que votariam mesmo se o voto não fosse obrigatório.
A terceira categoria de análise, a das variáveis relativas à participação política, pode ser subdividida
entre as variáveis que se referem ao voto nas eleições anteriores e atuais e as variáveis que dizem
respeito à filiação à instituições e/ou participação em outras atividades políticas, tais como: filiação
à partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, associações profissionais, associações
empresariais e comerciais, participação em abaixo assinados, greves, manifestações e protestos. Em
relação ao voto, todas as relações indicam forte associação entre as variáveis, já que em todas elas o
grau de significância foi de 0,000. As relações entre as variáveis correspondentes à filiação à
instituições e participação em outras atividades políticas apresentam alguns dados importantes.
Aquelas que se referem à participação em abaixo-assinados, greves e manifestações e protestos, por
terem sido questionadas apenas na onda de 2002, não nos permite observar a evolução do
comportamento. No entanto, vale destacar que os dados apontam para dependência das variáveis em
2002.
As variáveis sobre filiação à instituições políticas nos revelam todas uma oscilação entre forte e
moderada associação com a escolaridade. Com exceção à filiação à associações profissionais, as
demais variáveis – filiação à sindicatos, movimentos sociais e associações empresariais e
comerciais –, parecem demonstrar uma leve dependência em relação à escolarida de. Talvez este
seja o indício de declínio dos vínculos dos cidadãos com os meios tradicionais de exercício da
cidadania, tal como aponta DALTON (2009 e 2014).
O ESEB de 2014 retoma algumas das questões que foram aplicadas nas versões anteriores e
inclui outras que são consideradas importantes para compreender o cenário político atual. Todavia,
seus dados ainda não foram divulgados, o que nos impossibilita de aferir se outras formas de
participação política estão em emergência no país. Somente a partir da aplicação sucessiva e
sistemática deste survey é que poderemos tecer considerações mais consistentes.
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Tabela 2 - Teste qui-quadrado entre a variável resposta "Escolaridade" e outras variáveis
Categorias Variáveis 2002 2006 2010
χ2 gl teste z sig χ2
gl teste z sig χ2 gl teste z sig
Aspectos
socioeconômicos
Sexo 58,592 18 28,87 0,000 2,072 5 11,07 0,839 13,782 9 16,92 0,130
Faixa etária 795,169 72 90,53 0,000 390,762 28 41,34 0,000 581,246 54 67,50* 0,000
Renda 5589,755 3582 >200 0,000 140,434 40 55,76 0,000 544,224 63 79,08* 0,000
Região 206,111 72 90,73 0,000 44,773 21 32,67 0,002 124,903 36 50,998 0,000
Interesse
Lê jornal 626,217 18 28,87 0,000 -- -- -- -- 333,047 9 16,92 0,000
Votaria se não fosse obrigatório 243,381 36 43,77 0,000 29,365 21 32,67 0,000 46,743 36 50,998 0,108
Interesse por política 333,765 36 43,77 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --
Como acompanhou a campanha
política 53,975 35 43,77* 0,021 134,385 45 55,76* 0,000
Participação
Votou na eleição anterior 556,56 162 124,3* 0,000 174,906 49 67,50* 0,000 174,432 72 90,53* 0,000
Votou na eleição atual 310,915 162 124,3* 0,000 138,262 35 43,77* 0,000 127,456 45 55,76 0,000
Participação em abaixo-assinado 342,578 18 28,87 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --
Participação em manifestações e
protestos 288,983 18 28,87 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --
Participação em greves 193,844 18 28,87 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --
Filiação à sindicato 72,881 18 28,87 0,000 31,904 21 32,67 0,060 50,788 36 50,998 0,052
Filiação à partido político 50,948 18 28,87 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --
Filiação à associação profissional 34,003 36 50,99 0,564 83,874 21 32,67 0,000 161,850 36 50,998 0,000
Filiação à movimentos sociais -- -- -- -- 39,726 28 41,34 0,070 45,875 36 50,998 0,125
Filiação à associação empresarial ou
comercial -- -- -- -- 29,721 28 41,34 0,377 55,515 36 50,998 0,020
Fonte: ESEB 2002, 2006 e 2010
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Considerações finais
A partir do levantamento e análise da literatura sobre comportamento político e engajamento
cívico evidenciou-se aqui a relevância da escolaridade enquanto uma variável capaz de exercer
influencia sobre o comportamento político dos cidadãos. Vários estudiosos têm destacado o efeito
positivo desta variável sobre a formação de uma cidadania ativa, interessada, participativa e
coerente, sobretudo nas democracias avançadas. Todavia, este trabalho lançou dúvidas acerca do
efeito da escolaridade sobre o comportamento dos cidadãos brasileiros.
Ao considerarmos as especificidades históricas, sistêmicas e culturais do Brasil, é possível
sugerir que a escolaridade pode não ocasionar um engajamento cívico e político significativo, com
cidadãos mais bem informados, interessados pela política, participativos e coerentes em suas
escolhas. A análise estatística dos dados obtidos pelo ESEB nos anos de 2002, 2006 e 2010, apesar
de demonstrar forte associação entre a escolaridade e outras variáveis relacionadas ao
comportamento e atitudes políticas, nos aponta alguns indícios, ainda não tão consistentes, de
possíveis alterações do padrão de exercício da cidadania no Brasil. Para que isso possa ser
confirmado, ainda são necessárias novas pesquisas que abordem de maneira mais sistemática a
questão do engajamento cívico e político e suas novas formas de ação política, tal como sugere
alguns estudos internacionais.
Esta pesquisa continua em andamento e seus resultados poderão ser compartilhados numa
próxima oportunidade.
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