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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015 Engajamento cívico e escolaridade: a formação de cidadãos engajados e o papel da escolaridade superior André Luiz Vieira Dias 1 Resumo Este artigo tem como objetivo analisar a influência da variável escolaridade sobre o comportamento político dos brasileiros. Além de um levantamento da bibliográfica internacional e nacional sobre comportamento político, engajamento cívico e escolaridade superior, este trabalho se dispõe a analisar os dados obtidos pelo Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) 2002, 2006 e 2010, e testar estatisticamente a independência de algumas variáveis em relação à escolaridade. Parte-se do pressuposto de que a escolaridade é uma variável capaz de despertar um comportamento mais interessado e participativo dos cidadãos. Todavia, ao contrário do efeito que a educação ocasiona sobre a cidadania nas democracias avançadas, no Brasil a educação superior não exerce influência sobre o engajamento político e, portanto, não há associação entre a escolaridade e o comportamento de cidadãos mais interessados, participativos e coerentes sobre suas opiniões e escolhas políticas no Brasil. Palavras-chaves: comportamento político; engajamento cívico; escolaridade superior. Introdução Este artigo tem como objetivo analisar a influência da variável escolaridade sobre o comportamento político dos brasileiros. Para isso, parte-se de um levantamento da bibliografia específica, internacional e nacional, que relaciona as temáticas comportamento político, engajamento cívico e escolaridade superior. Busca-se aqui introduzir uma discussão sobre os possíveis efeitos da escolaridade superior sobre o comportamento, além de analisar e testar estatisticamente os dados obtidos pelas três ondas do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) 2002, 2006 e 2010 2 , no intuito de identificar se a escolaridade é capaz de despertar o interesse e a participação política entre os brasileiros. Uma ideia convencionalmente adotada na ciência política é de que o acesso a educação superior possibilitaria a formação de cidadãos engajados, responsáveis, conscientes e participantes dos processos políticos de nossa sociedade. A educação teria um caráter de “solvente universal”, uma variável que possui forte correlação sobre o comportamento político. (SCHLEGEL, 2013). Todavia, a hipótese que orienta este trabalho é a de que no Brasil a escolaridade superior não é um 1 Doutorando em Ciências Sociais pela UNESP FCL Araraquara, membro do Projeto Temático Organização e funcionamento da política representativa no Estado de São Paulo (1994 e 2014) E-mail: [email protected] - Bolsista Capes. 2 A quarta onda do ESEB foi aplicada logo após o término das eleições de 2014, porém, seus dados ainda não estão disponíveis para publicação.

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I Seminário Internacional de Ciência Política Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Porto Alegre | Set. 2015

Engajamento cívico e escolaridade: a formação de cidadãos engajados e o papel

da escolaridade superior

André Luiz Vieira Dias1

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a influência da variável escolaridade sobre o comportamento político dos

brasileiros. Além de um levantamento da bibliográfica internacional e nacional sobre comportamento político,

engajamento cívico e escolaridade superior, este trabalho se dispõe a analisar os dados obtidos pelo Estudo Eleitoral

Brasileiro (ESEB) 2002, 2006 e 2010, e testar estatisticamente a independência de algumas variáveis em relação à

escolaridade. Parte-se do pressuposto de que a escolaridade é uma variável capaz de despertar um comportamento mais

interessado e participativo dos cidadãos. Todavia, ao contrário do efeito que a educação ocasiona sobre a cidadania nas

democracias avançadas, no Brasil a educação superior não exerce influência sobre o engajamento político e, portanto,

não há associação entre a escolaridade e o comportamento de cidadãos mais interessados, participativos e coerentes

sobre suas opiniões e escolhas políticas no Brasil.

Palavras-chaves: comportamento político; engajamento cívico; escolaridade superior.

Introdução

Este artigo tem como objetivo analisar a influência da variável escolaridade sobre o

comportamento político dos brasileiros. Para isso, parte-se de um levantamento da bibliografia

específica, internacional e nacional, que relaciona as temáticas comportamento político,

engajamento cívico e escolaridade superior. Busca-se aqui introduzir uma discussão sobre os

possíveis efeitos da escolaridade superior sobre o comportamento, além de analisar e testar

estatisticamente os dados obtidos pelas três ondas do Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) 2002,

2006 e 20102, no intuito de identificar se a escolaridade é capaz de despertar o interesse e a

participação política entre os brasileiros.

Uma ideia convencionalmente adotada na ciência política é de que o acesso a educação

superior possibilitaria a formação de cidadãos engajados, responsáveis, conscientes e participantes

dos processos políticos de nossa sociedade. A educação teria um caráter de “solvente universal”,

uma variável que possui forte correlação sobre o comportamento político. (SCHLEGEL, 2013).

Todavia, a hipótese que orienta este trabalho é a de que no Brasil a escolaridade superior não é um

1 Doutorando em Ciências Sociais pela UNESP – FCL Araraquara, membro do Projeto Temático Organização e

funcionamento da política representativa no Estado de São Paulo (1994 e 2014) – E-mail: [email protected] -

Bolsista Capes. 2 A quarta onda do ESEB foi aplicada logo após o término das eleições de 2014, porém, seus dados ainda não estão

disponíveis para publicação.

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agente causal de uma cidadania ativa, ou seja, não exerce influência sobre o comportamento político

dos brasileiros.

Mesmo diante do quadro de tendências que apontam para a relevante influência de fatores de

curto-prazo sobre as escolhas eleitorais, tais como a imagem do candidato e posicionamento diante

questões políticas específicas, uma das questões que se apresenta é a de verificar se a educação

superior colabora para a formação de capital social e a estimula a participação política no Brasil.

A relação entre engajamento cívico e a variável escolaridade constitui um tema atual

desenvolvido por diversos grupos e centros de pesquisa vinculados a institutos e universidades,

sobretudo nas democracias industriais avançadas da Europa, América do Norte, Ásia e Oceania. Em

comparação à produção internacional, a produção científica sobre estes temas ainda é modesta no

Brasil. Em sua maioria, os núcleos de pesquisa interessados pela questão da escolaridade destacam

a perspectiva de análise de políticas públicas, as ações governamentais e organizacionais, seus

aspectos históricos, políticos, sociais e culturais.

Um grande avanço no campo das pesquisas sobre comportamento político tem sido

ocasionado pela aplicação sistemática de surveys internacionais e nacionais. Dentre os principais

surveys internacionais destacam-se o Eurobarometer, o New Europe Barometer, o

Latinobarometer, o Afrobaormeter, o East Asian Barometer, o Asianbarometer, o European Values

Studies (EVS), o International Social Survey Program (ISSP), o European Social Survey (ESS), o

Comparative Study of Electoral Systems (CSES) e o World Values Survey (WVS). No caso

brasileiro, destaca-se o Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB) que, vinculado ao internacional CSES,

tem sido aplicado periodicamente logo após o término de cada período eleitoral desde 2002 até

2014. Este estudo parte do pressuposto de que os contextos sócio-políticos e os arranjos

institucionais influenciam a natureza e qualidade da democracia. Desta maneira, busca “identificar

como variáveis contextuais, especialmente as instituições eleitorais, moldam crenças e

comportamentos dos cidadãos e, através de eleições, definem a capacidade ou qualidade do regime

democrático; compreender a natureza dos alinhamentos e clivagens sociais e políticos; compreender

como cidadãos, vivendo sob distintos arranjos políticos, avaliam os processos políticos e as

instituições democráticas.” (ESEB, 2011)

Em linhas gerais, o questionário do ESEB/CSES está agrupado em blocos de questões

fechadas que visam verificar a concepção e avaliação que os respondentes possuem acerca da

democracia; o interesse em participar das eleições, seja a partir do voto ou de discussões com

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amigos, familiares, conhecidos e nas redes sociais; os meios para a obtenção de informação política;

os critérios para a definição do voto; a avaliação, confiança e satisfação em relação ao governo e

suas instituições; as formas de participação e envolvimento político; o reconhecimento e a

expectativa de mobilidade social; a participação como beneficiário de programas sociais

governamentais; o posicionamento ideológico; além das questões relativas à identificação como

faixa etária, escolaridade, renda, religião, raça e moradia.

Desta maneira, a partir do banco de dados do ESEB é possível observar a evolução do

comportamento político dos brasileiros em seus diferentes níveis de escolaridade.

Comportamento político, engajamento cívico e escolaridade.

Os estudos sobre comportamento político costumam ser divididos em cinco distintas áreas

de debates: sofisticação política, processos de modernização, valores políticos, escolha eleitoral,

participação política e representação política. No geral, estas áreas buscam compreender os

impactos das mudanças sociais e políticas das sociedades democráticas contemporâneas, destacando

as relações entre os diversos sistemas políticos e seus cidadãos.

No campo das habilidades políticas do povo – seu conhecimento, compreensão e interesse

por questões políticas – compreende-se que, numa democracia, é preciso que os indivíduos

compreendam as opções políticas existentes e o modo como funciona o sistema político para que

possam tomar decisões responsáveis, influenciar e controlar as ações de seus governantes. Neste

sentido, a cognição é um elemento importante para a definição de cultura política (ALMOND e

VERBA, 1963) e, além disso, é o fator determinante para a estabilidade do debate político. (DAHL,

1989, p. 4)

Acerca da questão das habilidades políticas de um povo, vários estudos empíricos apontam

para a pequena sofisticação política dos diferentes povos. Mesmo nos períodos de eleições

nacionais, os cidadãos raramente apresentam interesse, envolvimento pelas questões políticas e

tampouco se tem a certeza de que suas decisões são tomadas baseadas em avaliações racionais dos

candidatos, partidos e suas propostas. Assim sendo, os eleitores seriam desinformados e não-

sofisticados. (Ver CAMPBELL et. al., 1960; CONVERSE, 1964; e BUTLER e STOCKES, 1969)

Uma outra leitura mais otimista é feita por estudiosos que argumentam que o povo é mais

politicamente sofisticado do que se pensava. O processo de modernização social e de emergência de

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novas formas de mensuração nos permite observar o aumento dos índices de sofisticação política

dos eleitores e do grau de envolvimento político. (KUKLINSKI e PEYTON in DALTON e

KLINGEMANN, 2007)

Nos tempos em que vivemos os indivíduos dispõem de um ambiente rico em informações e

distintas formas de obtenção de informações sobre política. Porém, mesmo assim, buscam

economizar seus investimentos para a tomada de decisões conscientes – o que nos possibilita dizer

que a informação e o engajamento político são limitados nas democracias ocidentais. (LUPIA e

McCUBBINS, 1998)

PUTNAM (2000) aponta que o desengajamento político é resultante de um processo de

deterioração e modernização que atomiza e aliena os indivíduos. Neste mesmo sentido, HIBBING e

THEISS-MORSE (2002) afirmam que o povo não possui interesse por política e não quer ser

aborrecido pelas responsabilidades relativas ao exercício da cidadania democrática.

Sob um olhar mais positivo, DALTON (2009 e 2014) sugere que, devido às diversas

transformações socioeconômicas das últimas décadas do século XXI, tem havido algumas

alterações relativas ao exercício da cidadania. Por um lado, estaríamos diante do declínio das

formas tradicionais de cidadania, suas obrigações formais, responsabilidades e direitos e, por outro

lado, da emergência de um novo modelo mais engajado de cidadania, caracterizado por um cidadão

mais assertivo, mais preocupado com as questões sociais e com o bem estar comum. Estes cidadãos

podem não votar (como nos casos de países em que o voto é facultativo), mas são mais críticos em

relação ao governo e otimistas em relação ao futuro.

Apesar dessas controvérsias, é preciso ressaltar a importância do papel dos cidadãos

enquanto agentes que regularmente tomam decisões políticas no processo democrático. Suas

expectativas e satisfação em relação à democracia são, portanto, importantes referenciais para

compreendermos seu comportamento político. Com este pressuposto em mente, DALTON e

KLINGEMANN (2007, p. 6) nos afirmam que “devemos reparar se os cidadãos são capazes de

gerenciar as complexidades da política e tomar decisões razoáveis considerando os seus interesses e

posicionamentos políticos. As pesquisas empíricas têm demonstrado ser uma forma satisfatória para

se entender o processo de tomada de decisões através de modelos que questionam quais são os

meios pragmáticos que os indivíduos utilizam para fazer suas escolhas políticas”.

Ao relacionar o conceito de sofisticação política a alguns aspectos de ordem psicológica e

social – tais como escolaridade, gênero, idade, o voto de classe, o grau de envolvimento político e o

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voto –, LEWIS-BECK (2008) busca verificar esta é capaz de exercer influência sobre as escolhas

políticas dos indivíduos diante de um processo de modernização e grandes transformações da ordem

social e política das sociedades contemporâneas. Em específico, a escolaridade é apontada como

uma variável que se sobrepõem a outros indicadores como classe, ocupação e renda, ao impactar

sobre o comportamento político dos cidadãos. Os indivíduos mais bem educados dispõem de mais

informação política, são mais participativos da vida política e capazes de analisar e compreender as

questões sociais mais urgentes. Portanto, quanto maior o grau de escolaridade, maior é a disposição

de influenciar o comportamentos dos demais cidadãos em relação ao voto. Ou seja, os cidadãos

mais escolarizados tendem a ter um maior senso de eficácia política e a participar mais do processo

democrático de escolha de seus representantes políticos.

Esta temática ainda é modestamente analisada pelas pesquisas científicas no Brasil. No

âmbito geral, verificamos trabalhos que destacam, sobretudo, o processo histórico das instituições

de ensino superior, suas características econômicas e políticas estruturantes, além das distinções

entre os sistemas público e privado de educação.

Um dos trabalhos que mais se aproxima desta discussão é o de SCHLEGEL (2010) que

questiona o aumento da escolaridade e seus efeitos sobre o comportamento político dos brasileiros.

Schlegel sugere que, em razão da queda da qualidade da educação que acompanhou a expansão do

sistema educacional brasileiro, a escolaridade não ocasionou o aumento do engajamento cívico e

político no Brasil.

A própria literatura sobre educação pode nos confirmar esta ideia, já que a mesma tende a

destacar, sobretudo, o histórico de sua formação, objetivos, direcionamentos, estratégias, regulação

e peculiaridades entre os setores público e privado. O ensino superior no Brasil teria surgido

tardiamente e de maneira completamente desconexa com os crescimentos econômico, político e

sociocultural. (Minto, 2011)

BROCK e SCHWARTZMAN (2005) organizam uma série de artigos de autores que versam

sobre as principais características do sistema educacional brasileiro em todos os níveis. Nesta obra,

os autores apontam para a Revolução de 30, a partir do governo de Getúlio Vargas, como o

momento histórico em que a educação tornou-se prioridade nacional. Este foi o momento em que

foi criada uma estrutura burocrática centralizada para o ensino superior, distinta dos demais níveis

educacionais que tiveram a sua gerência e administração sob a responsabilidade da iniciativa

privada ou dos governos estaduais e municipais. Em comparação aos países da Europa, Ásia e

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América, este processo de estabelecimento do sistema público de ensino no Brasil se deu forma

tardia.

DURHAM (2005), destaca o caráter tardio da educação superior no Brasil, uma vez que as

primeiras instituições foram criadas somente a partir de 1808, com a vinda da família real

portuguesa e as primeiras universidades na década de 1930, além do desenvolvimento precoce –

sobretudo a partir do final do século XIX – de um poderoso sistema privado de ensino em paralelo

ao ensino público. Este não é o caso de coexistência entre dois setores com objetivos comuns. Pelo

contrário, o que se verifica é o desenvolvimento de um sistema que subverte o caráter de um ensino

superior orientado pela associação entre ensino e pesquisa ao ser constituído por empresas de ensino

que orientam suas ações para o mercado e o lucro – o fenômeno da expansão do ensino superior a

partir do setor privado que afeta os países em desenvolvimento e periféricos.

Na América Latina, até a década de 1980, o processo de expansão dos sistemas de ensino

superior se deu, sobretudo, a partir de universidades de dois tipos: as públicas estatais, laicas

mantidas pelo Estado, e as confessionais, pelo menos parte das quais era total ou parcialmente

dependente de recursos públicos. Ainda, outras instituições privadas, de pequeno porte e pouca

importância, existiam à margem de um sistema dominado pelas universidades. (LEVY apud

DURHAM, 2005) No caso brasileiro a situação é diferente. Até a década de 1980, as universidades

constituíram uma parte pequena do sistema de ensino superior e, além disso, mesmo com a presença

de instituições confessionais e de escolas superiores sem fins lucrativos criadas por elites locais,

verificou-se a proliferação de um tipo de instituição não-confessional, não-universitário e

organizado como empresa que objetiva, implícita ou explicitamente, o lucro. (DURHAM, 2005, p.

198)

O período entre 1945 e 1964 foi caracterizado por um grande crescimento do sistema de

ensino superior no Brasil, em que o número de matrículas neste setor deu um salto de 21 mil para

182 mil estudantes, sobretudo em razão da ampliação do número de universidades públicas no país.

Na contramão deste processo, o governo militar, de 1964 a 1985, caracterizou-se pela reforma do

modelo de universidade e pelo desenvolvimento acelerado do sistema privado de ensino superior.

Com maiores recursos, as universidades federais puderam gozar de uma prosperidade que não

voltariam a experimentar nos anos seguintes. Neste período não houve uma privatização do setor,

mas uma expansão mais rápida no setor privado, que cresceu 512%, ou seja, de 142.386 para

885.054 estudantes. O setor privado atingiu 50% de participação em 1970 e superou os 60% ao final

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daquela década. Em vinte anos, o número de matrículas no ensino superior aumentou de 95.691, em

1960, para 1.345.000, em 1980. Para DURHAM, tal crescimento está associado ao milagre

econômico da década de 1970 que beneficiou a classe média brasileira que expandiu, enriqueceu e

alimentou a demanda pelo ensino superior.

A década de 1980, marcada pelo processo de redemocratização gradual do país, pela crise

econômica e inflação crescente, foi para o ensino superior um período de estagnação. Claro, a crise

econômica explica, em parte, tal fenômeno. No entanto, outros aspectos também nos auxiliam a

compreender as razões para a estagnação do sistema, são eles: os índices elevados de analfabetismo

e baixo percentual de crianças entre 7 e 14 anos matriculadas na educação básica; altíssimos índices

de repetência e evasão no ensino básico; baixo índice de jovens em faixa etária correspondente

matriculados no ensino superior; obstáculos estruturais do ensino superior associados às

desigualdades sociais; alta porcentagem de cursos noturnos em instituições privadas direcionados

aos egressos do ensino médio que já atuavam no mercado de trabalho, que vislumbravam a

oportunidade de ascensão ocupacional e contavam com um sistema menos exigente em termos de

rendimento escolar; resistência do setor público, sobretudo das universidades federais, em oferecer

cursos noturnos; e a ausência de número de candidatos suficientes para preencher as vagas

existentes no setor privado. (DURHAM, 2005)

A Constituição de 1988 e a implementação do Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da

Educação, em 1996, são instrumentos que tornaram possíveis importantes transformações políticas,

econômicas e educacionais no país3. Em relação ao sistema de ensino superior4, a década de 1990

3 Segundo Durham (2005), o período que coincide com os dois governos de Fernando Henrique Cardoso foi o que

houve, além das mudanças substanciais das políticas econômicas e sociais, o de importantes reformas no setor

educacional. Dentre as principais reformas estão a transformação do sistema de financiamento do ensino fundamental, o

qual praticamente se universalizou; a implantação de uma reforma curricular dos níveis fundamental e médio; a

modernização de todo o sistema de estatísticas educacionais; o aperfeiçoamento do sistema de avaliação do desempenho

escolar; e a ampliação dos programas de capacitação docente.

4 A LDB de 1996 também introduziu algumas inovações no sistema de ensino superior, tais como: “a definição da

posição das universidades no sistema superior de ensino, exigindo a associação entre ensino e pesquisa, com produção

científica comprovada como condição necessária para seu credenciamento e recredenciamento; a exigência de

condições mínimas de qualificação do corpo docente e de regime de trabalho, sem as quais a pesquisa não poderia se

implantar: um mínimo de um terço do quadro docente constituído por mestres e doutores e de um terço de docentes em

tempo integral; a exigência de recredenciamento periódico das instituições de ensino superior, precedida de um

processo de avaliação, o que tornou possível corrigir as distorções e as deficiências do sistema existente, ameaçando a

situação das universidades que não passavam de grandes unidades de ensino, as quais não mais estavam imunes a um

controle periódico por parte do poder público. Às universidades foi dado um prazo de oito anos para que cumprissem as

exigências da lei; a renovação periódica do reconhecimento dos cursos superiores; o reconhecimento da

heterogeneidade do sistema, no qual coexistem as universidades onde se realizam pesquisas e outros tipos de instituição

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caracterizou-se pela retomada do crescimento do número de matrículas. Segundo o Censo do

Ensino Superior de 2012, em 1990, o número de estudantes matriculados foi de 1.540.080 e, em

1999, esse número aumentou para 2.369.945, representando, assim, um crescimento de 54% no

período. Esses números continuaram a crescer de forma vertiginosa ao longo da década de 2000.

Houve um salto de 3.036.113 matrículas, em 2001, para 6.379.299, em 2010. Em 2012, o número

total de alunos matriculados chegou a 7.037.688, sendo 73% em instituições privadas e 27% em

instituições públicas.

Segundo CARMO et. al. (2014), a expansão do sistema de ensino superior nos últimos anos

se deve ao crescimento econômico do país. Isto pois, de um lado, milhares de pessoas que antes

eram impedidas de dar continuidade aos estudos após a conclusão do ensino médio devido ao

afunilamento de vagas nas instituições públicas e por conta do alto valor das mensalidades nas

instituições privadas, passaram a ter a oportunidade de alcançar uma renda que lhes permitem

concretizar tal objetivo. De outro lado, as exigências do mercado de trabalho por profissionais

qualificados com formação superior, capazes de dominar novos conhecimentos, técnicas e

tecnologias aplicadas, levaram novas parcelas da população às instituições de ensino.

CARMO et. al. (2014), relaciona as ações do Estado em respostas às exigências do mercado

e da sociedade, os incentivos ao acesso e permanência no ensino superior. Dentre as principais

iniciativas destacam-se o Programa Universidade para Todos (ProUni), o Programa de Apoio a

Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e a ampliação de

abrangência de programas já existentes, como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Além

desses, também merece destaque o programa de avaliação do ensino médio e de seleção à admissão

no ensino superior, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que surgiu em 1998 e que se

popularizou em 2004. Neste mesmo ano, foram adotadas algumas medidas no intuito de

democratizar a participação em massa como a inscrição gratuita de alunos de escolas públicas, a

instituição do ProUni e a vinculação da concessão de bolsas de estudos em instituições privadas à

nota obtida neste exame. De 2005 à 2012, várias universidades públicas passaram, gradativamente,

a utilizar a nota do Enem como critério total ou parcial de seleção, substituindo o vestibular

tradicional ou em paralelo a este. Assim, em 2005, cerca de 3 milhões e, em 2012, 5.791.290

estudantes se inscreveram no Enem – 73,4% que frequentaram o ensino médio regular. A criação do

voltados para o ensino; a flexibilidade para a formação de currículos a partir da implementação de diretrizes curriculares

gerais; e a possibilidade de cursos sequenciais de curta duração para a formação básica ou complementar.

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Sistema de Seleção Unificada (Sisu) também foi um incentivo importante uma vez que consiste

num programa informatizado de classificação dos candidatos paras as instituições públicas que

oferecem vagas aos participantes do Enem. Ainda outra medida de democratização do acesso ao

ensino superior é a reserva de vagas em universidades públicas para estudantes oriundos de escolas

públicas, além das cotas raciais e étnicas.

Na perspectiva de MARTELLI (2013, p. 159-160), a partir dos anos 1990, as reformas do

Estado e da educação superior tiveram como referência as orientações do plano liberal ortodoxo do

Banco Mundial. Já nos anos 2000, a maior inspiração para a reforma universitária foi o Processo de

Bolonha – um movimento de reforma da educação superior, calcada no reconhecimento da

necessidade de se aprofundar a integração dos sistemas educacionais dos países europeus num

único espaço educacional.

O Processo de Bolonha tem dentre os seus objetivos facilitar a mobilidade de alunos e

docentes, promover a empregabilidade dos cidadão europeus, promover o desenvolvimento

econômico, social e humano na Europa, consolidar e enriquecer a cidadania europeia e aumentar a

competitividade com outros sistemas de ensino, tais como o dos Estados Unidos e o do Japão. No

entanto, há muitos críticos que apontam para o caráter economicista das medidas de Bolonha no

sentido de priorizar a eficiência e competitividade em detrimento dos aspectos democráticos que

deveriam nortear as ações dos sistemas de ensino superior. Além disso, na tentativa de

homogeneizar os sistemas, não seriam levadas em consideração as peculiaridades, o contexto e as

condições iniciais das instituições de ensino superior. De maneira geral, o processo de Bolonha

propõe um modelo de conhecimento escolar internacional que parece exercer pressão junto aos

Estados nacionais no sentido de implementar medidas que atendam às novas demandas

transnacionais colocadas às universidades.

Na concepção de KRAWCZYC (2005), o caso brasileiro, assim como o de alguns países da

América Latina, expõem a consolidação de uma nova organização e gestão do sistema educativo e

da escola. Tal modelo pressupõe uma forma de regulação que altera a categoria “sociedade civil” e

“cidadania”. Seguindo a lógica da modernização, a educação e o Estado adaptaram-se às mudanças

econômicas e à concorrência internacional e estabeleceram novas parcerias com a sociedade civil.

Ao adotarem o princípio do mercado como indicador das realizações em todas as esferas sociais e

ao ressignificar o conceito de cidadania enquanto consumidor, definiram formas quase mercantis de

delegação de poderes e de relação com a demanda educacional. (KRAWCZYC, 2005, p. 803)

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Este fenômeno é evidenciado, em partes, pela expansão do ensino superior privado no Brasil

em que mesmo com a abertura de novas universidades federais e cursos através do Reuni e do

aumento de alunos nas instituições públicas, o número de instituições do setor privado deu um salto

substancial entre 2001 e 2010, de 1.208 para 2.100 instituições, respectivamente – um crescimento

de 74% no período.

Esse crescimento se deu, sobretudo, a partir da década de 1990, durante o governo de

Fernando Henrique Cardoso, incentivado por uma medida que autorizava a abertura de novas

instituições de ensino superior (IES), sobretudo faculdades, enquanto o crescimento de

universidades e centros universitários não foi tão significativo. Em linhas gerais, essa medida

permitiu a redução da demanda e cobrança por vagas nas instituições federais, porém, ocasionou o

crescimento da oferta do ensino sem o acompanhamento das atividades de pesquisa e extensão, não

obrigatórias em faculdades. (CARMO et. al., 2014, p. 310)

Embora tenha havido um aumento do número de matrículas em IES públicas federais5,

proporcionalmente maior que nas IES privadas, percebe-se que, devido a ampliação de políticas

públicas de democratização do acesso do ensino superior, o número de IES em 2012 era de 2.416,

sendo 87,4% privadas e 12,6% públicas. Do total de alunos matriculados, 73% estão no setor

privado e 23% em instituições públicas de ensino. (Brasil, Inep, 2012)

A expansão do ensino superior a partir do setor privado enfrenta alguns problemas e

desafios a serem superados principalmente no que diz respeito a sua quantidade e qualidade.

Segundo CASTRO (2005), ainda contamos com uma baixa cobertura do sistema – uma das mais

baixas da América Latina; com uma forte expansão das matrículas em instituições particulares que

não acompanha os índices de conclusão dos cursos (ainda baixos); além das avaliações dos cursos

nada animadoras, tanto para o setor público quanto para o setor privado (com raras exceções no

setor público).

Este é o quadro que nos incentiva a questionar os efeitos políticos da educação sobre o

comportamento do brasileiro. É possível inferir, portanto, que a escolaridade tem ocasionado uma

cidadania mais ativa, com indivíduos mais interessados e participativos, ou seja, cívica e

politicamente engajados?

5 Em 2010, 2.182.229 novos alunos se matricularam em cursos de graduação em instituições de ensino superior

federais, o que corresponde a um aumento de mais de 100% em relação ao ano 2000. Proporcionalmente, o número de

matrículas em universidades federais aumentou 140%, enquanto nas IES privadas o aumento foi de 115% no mesmo

período. (Carmo et. al., 2014, p. 310)

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Escolaridade e comportamento dos brasileiros nas eleições de 2002, 2006 e 2010.

Para responder as questões propostas para este artigo nos valeremos da análise da relação

entre a escolaridade e outras variáveis agrupadas em três categorias, são elas: a) aspectos

socioeconômicos; b) interesse e informação política; c) participação nas eleições e em outras

atividades políticas. Estas categorias de análises nos permitirão observar se existe associação

significativa entre variáveis relacionadas capaz de explicar o interesse e a participação política dos

cidadãos mais escolarizados. Por tratarmos de variáveis categóricas, a associação entre elas será

verificada a partir do teste estatístico qui-quadrado χ2. A partir deste poderemos testar a hipótese

nula de independência entre a escolaridade e as demais variáveis.

Em 2002, o ESEB entrevistou 2511 pessoas, sendo 25,8% de analfabetos ou com o primário

incompleto, 10,2% com o primário completo, 25,8% com o ginásio completo ou incompleto, 26,9%

com o colegial completo ou incompleto, 4,5% com o ensino superior incompleto e 6,7% com o

ensino superior completo. Em 2006, numa versão simplificada, foram 1000 pessoas entrevistadas,

sendo 22,7% de analfabetos e com o primário incompleto, 13,0% com o primário completo, 26,5%

com o ginásio completo ou incompleto, 26,9% com o colegial completo ou incompleto, 5,8% com o

ensino superior incompleto e 4,1% do ensino superior completo. Em 2010, dos 2000 respondentes,

15,7% era de analfabetos ou com o primário incompleto, 17,3% com o primário completo, 23,6%

com o ginásio completo ou incompleto, 30,8% com o colegial completo ou incompleto, 6,5% com o

ensino superior incompleto e 6,3% com o ensino superior completo6. A tabela 1 apresenta a

frequência absoluta e os percentuais de entrevistados segundo o grau de escolaridade.

6 A nomenclatura adotada para discriminar os diferentes níveis de escolaridade segue a versão antiga aplicada pelo

sistema educacional brasileiro. A partir da Lei Federal nº 11274 regulamenta e estabelece os diferentes níveis em ensino

fundamental (primário e ginásio), ensino médio (colegial) e ensino superior. Para fins analíticos, optou-se pelo modelo

antigo, já aplicado pelo ESEB desde 2002.

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Tabela 1 – Relação entre Escolaridade e ano de aplicação do ESEB (2002, 2006 e 2010)

ANO

Total 2002 2006 2010

Escolaridade Analfabetos / Primário

incompleto

649 227 313 1189

25,8% 22,7% 15,7% 21,6%

Primário completo 255 130 345 730

10,2% 13,0% 17,3% 13,2%

Ginásio incompleto e

completo

649 265 472 1386

25,8% 26,5% 23,6% 25,1%

Colegial incompleto e

completo

676 279 616 1571

26,9% 27,9% 30,8% 28,5%

Superior incompleto 113 58 129 300

4,5% 5,8% 6,5% 5,4%

Superior completo 169 41 125 335

6,7% 4,1% 6,3% 6,1%

Total 2511 1000 2000 5511

100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: ESEB 2002, 2006 e 2010.

A tabela 2 apresenta todas as três categorias, a relação de variáveis e os testes estatísticos

para cada uma delas. A primeira das categorias é a dos aspectos socioeconômicos. Para esta foram

selecionadas as variáveis sexo, faixa etária, renda familiar e região do país. A ideia é testar a

independência destes aspectos em relação à escolaridade. É preciso deixar claro que para todos os

testes adotou-se o grau de significância de 0,05, o mais indicado e convencionalmente aceito para

este tipo de análise estatística.

Acerca dos aspectos de ordem socioeconômica, os dados nos permitem inferir que as

variáveis renda familiar, faixa etária e região do país são dependentes em relação à escolaridade. Ou

seja, existe associação entre escolaridade e tais variáveis. O exemplo mais comum de associação se

dá entre escolaridade e renda, em que verifica-se que quanto mais elevado o nível de escolaridade

maior também é a probabilidade de se ter maior rendimento familiar. Em todas as relações

observamos que o valor χ2 relacionado ao grau de liberdade é maior que o seu p-valor e menor que

o 0,05 de grau de significância, o que indica a dependência entre as variáveis. Exceto a variável

sexo demonstra independência em relação à escolaridade.7

7 A questão sobre renda familiar no ESEB de 2002 foi aberta e espontânea e não foi elaborada uma classificação da

mesma por faixa de renda familiar, o que dificulta a sua visualização gráfica neste trabalho.

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Figura 1 – Relação entre escolaridade e faixa de renda familiar em 2006 (%) Fonte: ESEB 2006

Figura 2 – Relação entre escolaridade e faixa de renda familiar em 2010 (%)

Fonte: ESEB 2010

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A associação entre faixa etária e escolaridade se dá no sentido de identificar, no período de

2002 a 2010, a tendência da parcela da população mais jovem se tornar mais escolarizada que as

parcelas mais velhas. Já a associação entre região do país e escolaridade é revelada ao notarmos a

tendência de os mais escolarizados estarem mais concentrados nas regiões sudeste e sul e os menos

escolarizados nas regiões norte e nordeste. Apesar da diminuição do percentual de analfabetos no

país, ainda há uma maior concentração destes nas regiões norte e nordeste do país.

Figura 3 – Relação entre escolaridade e faixa etária segundo o ano de aplicação do ESEB (%)

Fonte: ESEB 2002, 2006 e 2010

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Figura 4 – Relação entre escolaridade e região do país segundo o ano de aplicação do ESEB Fonte: ESEB 2002, 2006 e 2010

Outra categoria de variáveis que nos dispomos a analisar é a que diz respeito ao interesse e

informação política. Foram selecionadas questões fechadas das três ondas do ESEB que identificam

se os respondentes possuem o hábito ler jornais e o seu interesse por política. Todavia, como é

possível perceber na tabela 2, essas questões não se repetem nas três aplicações do ESEB. Por esta

razão, ao invés de uma análise da evolução dos percentuais, nos valeremos do conjuntos dos testes

de significância. Desta maneira, percebemos que, no geral, encontramos associação entre a variável

escolaridade e as variáveis “lê jornal”, “interesse por política” e “acompanhamento da campanha

eleitoral”. Esta última variável, vale especificar, equivale à variável “interesse por política”, uma

vez que buscar verificar o grau de proximidade que o respondente acompanhou a campanha

eleitoral, se de maneira muito próxima, próxima, distante ou muito distante. Em todas estas relações

o grau de significância esteve abaixo de 0,05, o que indica a associação entre as variáveis. Em

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linhas gerais, a escolaridade exerceu alguma influência sobre a obtenção de informação e o

interesse por política. Ou seja, podemos compreender que os mais escolarizados tendem a ser mais

bem informados e interessados por política. Apenas a variável “votaria se o voto não fosse

obrigatório” demonstrou uma leve independência em relação à escolaridade no ESEB de 2010, o

que corresponde dizer que, no geral, naquele ano os indivíduos, independentemente do nível de

escolaridade, manifestaram que votariam mesmo se o voto não fosse obrigatório.

A terceira categoria de análise, a das variáveis relativas à participação política, pode ser subdividida

entre as variáveis que se referem ao voto nas eleições anteriores e atuais e as variáveis que dizem

respeito à filiação à instituições e/ou participação em outras atividades políticas, tais como: filiação

à partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, associações profissionais, associações

empresariais e comerciais, participação em abaixo assinados, greves, manifestações e protestos. Em

relação ao voto, todas as relações indicam forte associação entre as variáveis, já que em todas elas o

grau de significância foi de 0,000. As relações entre as variáveis correspondentes à filiação à

instituições e participação em outras atividades políticas apresentam alguns dados importantes.

Aquelas que se referem à participação em abaixo-assinados, greves e manifestações e protestos, por

terem sido questionadas apenas na onda de 2002, não nos permite observar a evolução do

comportamento. No entanto, vale destacar que os dados apontam para dependência das variáveis em

2002.

As variáveis sobre filiação à instituições políticas nos revelam todas uma oscilação entre forte e

moderada associação com a escolaridade. Com exceção à filiação à associações profissionais, as

demais variáveis – filiação à sindicatos, movimentos sociais e associações empresariais e

comerciais –, parecem demonstrar uma leve dependência em relação à escolarida de. Talvez este

seja o indício de declínio dos vínculos dos cidadãos com os meios tradicionais de exercício da

cidadania, tal como aponta DALTON (2009 e 2014).

O ESEB de 2014 retoma algumas das questões que foram aplicadas nas versões anteriores e

inclui outras que são consideradas importantes para compreender o cenário político atual. Todavia,

seus dados ainda não foram divulgados, o que nos impossibilita de aferir se outras formas de

participação política estão em emergência no país. Somente a partir da aplicação sucessiva e

sistemática deste survey é que poderemos tecer considerações mais consistentes.

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Tabela 2 - Teste qui-quadrado entre a variável resposta "Escolaridade" e outras variáveis

Categorias Variáveis 2002 2006 2010

χ2 gl teste z sig χ2

gl teste z sig χ2 gl teste z sig

Aspectos

socioeconômicos

Sexo 58,592 18 28,87 0,000 2,072 5 11,07 0,839 13,782 9 16,92 0,130

Faixa etária 795,169 72 90,53 0,000 390,762 28 41,34 0,000 581,246 54 67,50* 0,000

Renda 5589,755 3582 >200 0,000 140,434 40 55,76 0,000 544,224 63 79,08* 0,000

Região 206,111 72 90,73 0,000 44,773 21 32,67 0,002 124,903 36 50,998 0,000

Interesse

Lê jornal 626,217 18 28,87 0,000 -- -- -- -- 333,047 9 16,92 0,000

Votaria se não fosse obrigatório 243,381 36 43,77 0,000 29,365 21 32,67 0,000 46,743 36 50,998 0,108

Interesse por política 333,765 36 43,77 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --

Como acompanhou a campanha

política 53,975 35 43,77* 0,021 134,385 45 55,76* 0,000

Participação

Votou na eleição anterior 556,56 162 124,3* 0,000 174,906 49 67,50* 0,000 174,432 72 90,53* 0,000

Votou na eleição atual 310,915 162 124,3* 0,000 138,262 35 43,77* 0,000 127,456 45 55,76 0,000

Participação em abaixo-assinado 342,578 18 28,87 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --

Participação em manifestações e

protestos 288,983 18 28,87 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --

Participação em greves 193,844 18 28,87 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --

Filiação à sindicato 72,881 18 28,87 0,000 31,904 21 32,67 0,060 50,788 36 50,998 0,052

Filiação à partido político 50,948 18 28,87 0,000 -- -- -- -- -- -- -- --

Filiação à associação profissional 34,003 36 50,99 0,564 83,874 21 32,67 0,000 161,850 36 50,998 0,000

Filiação à movimentos sociais -- -- -- -- 39,726 28 41,34 0,070 45,875 36 50,998 0,125

Filiação à associação empresarial ou

comercial -- -- -- -- 29,721 28 41,34 0,377 55,515 36 50,998 0,020

Fonte: ESEB 2002, 2006 e 2010

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Considerações finais

A partir do levantamento e análise da literatura sobre comportamento político e engajamento

cívico evidenciou-se aqui a relevância da escolaridade enquanto uma variável capaz de exercer

influencia sobre o comportamento político dos cidadãos. Vários estudiosos têm destacado o efeito

positivo desta variável sobre a formação de uma cidadania ativa, interessada, participativa e

coerente, sobretudo nas democracias avançadas. Todavia, este trabalho lançou dúvidas acerca do

efeito da escolaridade sobre o comportamento dos cidadãos brasileiros.

Ao considerarmos as especificidades históricas, sistêmicas e culturais do Brasil, é possível

sugerir que a escolaridade pode não ocasionar um engajamento cívico e político significativo, com

cidadãos mais bem informados, interessados pela política, participativos e coerentes em suas

escolhas. A análise estatística dos dados obtidos pelo ESEB nos anos de 2002, 2006 e 2010, apesar

de demonstrar forte associação entre a escolaridade e outras variáveis relacionadas ao

comportamento e atitudes políticas, nos aponta alguns indícios, ainda não tão consistentes, de

possíveis alterações do padrão de exercício da cidadania no Brasil. Para que isso possa ser

confirmado, ainda são necessárias novas pesquisas que abordem de maneira mais sistemática a

questão do engajamento cívico e político e suas novas formas de ação política, tal como sugere

alguns estudos internacionais.

Esta pesquisa continua em andamento e seus resultados poderão ser compartilhados numa

próxima oportunidade.

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