Elsa Rocha agosto de 2017 ISCAL

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Elsa Rocha agosto de 2017 O ESTADO FISCAL E A CIDADANIA FISCAL Dissertação de Mestrado "Direito e Economia" Elsa Maria Henriques Martins da Rocha Aluna n.º: 25664

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Elsa Rocha agosto de 2017

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Dissertação de Mestrado

"Direito e Economia"

Elsa Maria Henriques

Martins da Rocha

Aluna n.º: 25664

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O ESTADO FISCAL E A CIDADANIA FISCAL

Elsa Maria Henriques Martins da Rocha

Dissertação de Mestrado

“Direito e Economia”

Orientadora: Professora Doutora Paula Rosado Pereira

agosto de 2017

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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À memória

Dos meus pais, pelo orgulho que

sempre demonstraram por mim

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

v

“O desenvolvimento é impossível sem homens rectos, sem

operadores económicos e homens políticos que sintam

intensamente em suas consciências o apelo ao bem

comum.”

Papa Bento XVI. Encíclica Caritas in veritate. Roma,

2009/06/29

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha Família e aos meus Amigos, pelo incentivo e compreensão sem

falhas nas minhas numerosas horas de estudo e de reflexão.

Uma palavra especial de gratidão à Senhora Professora Doutora Paula Rosado

Teixeira, Orientadora da presente Dissertação, pela sua disponibilidade e apoio

prestado.

Por último, agradece-se ao Centro de Estudos Fiscais e Aduaneiros da Autoridade

Tributária e Aduaneira, pela prestimosa colaboração dada.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

vii

RESUMO

Na presente Dissertação procuraremos retratar, por um lado, o papel do Estado,

como estrutura política organizacional, que exerce o poder político sobre uma

sociedade que existe em determinado território, no intuito de atingir a finalidade de

promover o bem comum e, por outro lado, o papel dos cidadãos, enquanto membros

ativos e passivos de um Estado.

Na realidade, para exercer as suas funções o Estado necessita obter de recursos

financeiros, legitimando, assim, a imposição da carga fiscal, na medida em que os

impostos constituem a principal fonte de receita estadual. Pelo que, a interferência

do Estado na económica é, assim, uma realidade incontornável.

Em concomitância, uma cidadania fiscal implica que todos suportem o Estado, isto é,

que todos tenham a qualidade de destinatários do dever fundamental de pagar

impostos na medida da respetiva capacidade contributiva.

No Estado contemporâneo, o respetivo campo de atuação foi sucessivamente

ampliado, pelo que, em face das suas inúmeras responsabilidades o Estado tem

inúmeras despesas, às quais acrescem também as responsabilidades que decorrem

da intensificação da circulação de pessoas, produtos, serviços e capitais ao redor do

mundo, que são, necessariamente, financiadas e suportadas por impostos. Por

conseguinte, os impostos, atualmente, têm em vista tanto a satisfação das

necessidades financeiras do Estado para a realização das despesas públicas, como

também são utilizados como instrumento de ação política económica.

Os impostos, no contexto atual de um Estado Social, deixaram de ser, assim, uma

mera fonte de receita para o Estado, passando a ser utilizados como instrumento de

realização de justiça, valendo-se do princípio da capacidade contributiva.

Cumpre assim, analisar algumas questões que abordam a ética fiscal dos poderes

públicos e dos cidadãos obrigados ao pagamento de impostos, refletindo sobre os

princípios ou valores que devem nortear a atuação dos poderes públicos e dos

cidadãos, bem como dos instrumentos de garantia ao seu dispor, para que a relação

fiscal possa ser considerada justa.

Palavras-chave: Estado Social, Cidadania Fiscal, Capacidade Contributiva e Justiça

Fiscal.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

viii

ABSTRACT

In the present dissertation we’ll look to portrait, on one hand, the role of the State as

a political organizational structure that exerts the political power over a society that

exists in any given territory, with the final intent of promoting the common good, and

on the other hand the role of the citizens while active and passive members of a

State.

In reality, to exercise its functions the State needs obtaining financial resources,

therefore legitimating the implementation of the tax burden, in the way that taxes

constitute the primary source of stately revenue. For which the interference of the

State in the economy is therefore an unavoidable reality.

In concomitance a tax citizenship means everyone supports the State, this is, that

everyone holds the status of holders of the fundamental duty to pay taxes within their

respective contributive capacity.

In the contemporary State the respective field of action was successfully amplified,

which, faced with its innumerable responsibilities the State has countless expenses

to which are added as well the responsibilities that come with the intensification of

circulation of people, products, services and capitals worldwide, which are

necessarily funded and supported by taxes. Consequently, taxes presently are made

for both the satisfaction of financial necessities of the State for the realization of

public expenditures, as well as being used as a tool for economical politic action.

Taxes in the present context of a Social State are therefore no longer a mere source

of revenue for the State, but are being used as an instrument of justice by means of

the principal of contributive capacity.

It therefore behooves us to observe a few matters that encompass the taxation ethics

of public powers and the citizens mandated to the payment of taxes, reflecting on the

principles or values which should guide the action of public powers and of the

citizens as well as the instruments of assurance at their disposal so that the fiscal

relation can be considered just.

Key Words: Social State, Tax Citizenship, Contributive Capacity and Tax Justice

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Índice

PRINCIPAIS ABREVIATURAS UTILIZADAS ............................................................ 1

CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO ..................................................................................... 2

1. Escolha do Tema e Metodologia Proposta ......................................................... 3

2. Âmbito e Conclusão .............................................................................................. 5

CAPÍTULO II - O ESTADO FISCAL ........................................................................... 7

1. Considerações Gerais........................................................................................... 8

2. O Estado Fiscal ................................................................................................... 10

3. O Estado e o Imposto.......................................................................................... 13

3.1 O Imposto como Realidade Jurídica ............................................................... 15

3.2 O Imposto como Realidade Económica .......................................................... 15

3.3 O Imposto como Realidade Politica ................................................................ 16

3.4 O Imposto no Absolutismo .............................................................................. 16

3.5 O Imposto nas Doutrinas Liberais ................................................................... 17

3.6 O Imposto no Estado Moderno ....................................................................... 19

4. A Evolução do Estado e o Imposto ................................................................... 21

4.1 As Reformas Fiscais dos Seculos XIX e XX em Portugal ............................... 25

i. A Constituição de 1822 .............................................................................. 25

ii. A Reforma de 1826 ................................................................................... 26

iii. A Reforma de 1922 .................................................................................. 26

iv. A Reforma de 1929 .................................................................................. 27

v. A Reforma de 1933 ................................................................................... 28

vi. A Reforma dos anos sessenta ................................................................. 28

vii. A Reforma de 1989 ................................................................................. 29

5. Justiça Fiscal ....................................................................................................... 32

5.1 Justiça ............................................................................................................. 32

i. A Conceção Liberal .................................................................................... 35

ii.A Conceção Comunitarista ........................................................................ 35

iii.A Conceção Liberal Igualitária .................................................................. 35

5.2 O Estado e a Justiça ....................................................................................... 36

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6. Alguns Problemas Atuais do Estado Fiscal ...................................................... 44

7. Princípios Estruturantes do Sistema Fiscal Português ................................... 49

7.1 Considerações Gerais .................................................................................... 49

7.2 Os Princípios Constitucionais Fiscais ............................................................. 51

7.3 Os Princípios inerentes ao Procedimento Tributário ....................................... 58

7.4 Direito Fiscal Internacional ........................................................................... 64

CAPÍTULO III - A CIDADANIA FISCAL ................................................................... 67

1. Considerações Gerais......................................................................................... 68

2. O Que é a Cidadania Fiscal ? ............................................................................. 69

3. A Ética Fiscal ....................................................................................................... 73

3.1 Ética Fiscal Privada ........................................................................................ 75

3.2 Ética Fiscal Pública ......................................................................................... 76

i.A Liberdade ................................................................................................ 76

ii.A Igualdade ................................................................................................ 78

iii.A Segurança ............................................................................................. 80

iv.A Solidariedade ......................................................................................... 83

4. O DIREITO FUNDAMENTAL DE COBRAR IMPOSTOS ..................................... 85

4.1 Relação Jurídica entre Fisco Imperfeita.......................................................... 86

4.2 Relação Jurídica entre Fisco Perfeita ............................................................. 87

5. Conceção Ético-Jurídica da Justiça Fiscal ....................................................... 87

6. Os Deveres de Cooperação ou Colaboração enquanto Obrigações Acessórias ..... 89

CAPÍTULO IV - A RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA........................................... 92

1. Elementos Estruturais da Relação Jurídica-Tributária .................................... 93

1.1 Sujeitos da Relação Jurídica Tributária .......................................................... 94

i.Os Substitutos Tributários ........................................................................... 96

ii.Os Sucessores Tributários ......................................................................... 96

iii.Os Responsáveis Tributários .................................................................... 96

1.2 Objeto e o Facto da Relação Jurídica-Tributária ............................................ 98

1.3 A Garantia da Relação Jurídica-Tributária .................................................... 100

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xi

2. A RELAÇÃO JURÍDICA-TRIBUTÁRIA .............................................................. 101

2.1 A Relação Jurídico-Tributária Obrigacional .................................................. 102

2.2 A Relação Jurídico Tributária Complexa....................................................... 103

3. A Evolução do Modelo de Gestão do Sistema Fiscal..................................... 104

CAPÍTULO V - CONCLUSÕES .............................................................................. 107

1. Considerações Finais ....................................................................................... 108

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 114

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Principais abreviaturas utilizadas

Art. Artigo

AT Autoridade Tributária e Aduaneira

CC Código Civil

CCI Código da Contribuição Industrial

CDT Convenções para evitar a Dupla Tributação

CIRC Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

CIVA Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado

CPA Código do Procedimento Administrativo

CPPT Código de Procedimento e de Processo Tributário

CPT Código de Processo Tributário

CRP Constituição da República Portuguesa

DFI Direito Fiscal Internacional

DGAIEC Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o

Consumo

DGCI Direcção-Geral dos Impostos

EBF Estatuto dos Benefícios Fiscais

IRC Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas

IRS Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

IVA Imposto sobre o Valor Acrescentado

LGT Lei Geral Tributária

N.º Número

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico

Pág. Página

RCPITA Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e

Aduaneira

RGIT Regime Geral das Infrações Tributárias

UE União Europeia

v.g. verbi gratia (por exemplo)

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CAPÍTULO I

INTRODUÇÃO

1. Escolha do Tema e Metodologia Proposta

2. Âmbito e Conclusão

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1. Escolha do Tema e Metodologia Proposta

Encontrando-nos a frequentar o Mestrado Profissionalizante em “Direito e

Economia”, e estando em causa a apresentação de uma Dissertação, parece-nos

natural eleger um tema que pudesse refletir, de alguma forma, e sobretudo

enriquecer, a modesta experiência profissional da autora no âmbito do Direito

Tributário. Foi então que chegámos à temática que envolve uma reflexão e

abordagem sobre a questão relativa à relação que se estabelece entre o Estado com

os contribuintes. Pareceu-nos pertinente a escolha do tema “O ESTADO FISCAL E

A CIDADANIA FISCAL”

O homem por natureza é um ser social, não somos apenas indivíduos, pertencemos

a um grupo, somos membros de uma sociedade e relacionamo-nos com os outros.

Ora, a vivência em sociedade implica regras, as quais têm de ser implementadas e

garantidas por uma autoridade superior, conhecida como Estado.

O conceito de Estado tem vindo, progressivamente, a alargar as suas funções e

domínios, em que a realização de um determinado nível de direitos económicos,

sociais e culturais tem por exclusivo suporte financeiro os impostos, como exemplo

no caso português a gratuitidade do ensino básico (Art. 74.º, n.º 2, alínea a) da

Constituição da República Portuguesa (CRP)), dos serviços de saúde (para

determinados pessoas em função do respetivo rendimento), da segurança social

relativamente aqueles que economicamente não podem contribuir para o sistema,

dos serviços de justiça no respeitante aos que não podem suportar a respetiva taxa,

entre outros.

Assim, em face do aumento da intervenção do Estado, tendo em vista a satisfação

das necessidades coletivas dos seus cidadãos, a consequência óbvia foi o

incremento das necessidades financeiras do Estado. Pelo que, se impôs a

implementação de um ramo jurídico dedicado em exclusivo a esta temática: o Direito

Fiscal, que constitui, atualmente, um ramo do Direito Público dotado de autonomia

própria, que regula todo o processo tributário, desde o nascimento até à extinção da

obrigação tributária, tendo como conceito nuclear o imposto.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

4

De igual modo, a complexidade fiscal dos atuais sistemas fiscais e do fenómeno

tributário, revelam, também, a necessidade de se compreender a fiscalidade, para

além da sua dimensão económica. Pelo que, é igualmente necessário compreender

a fiscalidade na sua dimensão histórica, politica, social, institucional e Humana.

Por outro lado, para que tenhamos um Estado Fiscal suportável, implica uma

cidadania cujo preço reside em sermos todos destinatários do dever fundamental de

pagar impostos na medida da respetiva capacidade contributiva.

De igual feição essa cidadania configura um direito dos cidadãos à eficácia fiscal dos

poderes públicos, ou seja, ser adequadamente informado sobre a origem e

aplicação dos recursos públicos, fiscalizando a transformação dos tributos pagos em

obras e serviços.

Em face desta dualidade fiscal, iremos, pois, desenvolver o trabalho no sentido de

fazer uma abordagem à dicotomia entre a existência e autoridade do Estado com a

liberdade e deveres dos cidadãos.

Faremos, assim, uma abordagem da questão da tributação e da relação Estado-

Contribuinte, tentando, na medida do que nos for possível, fazer algumas referências

às circunstâncias e papeis diversos que cada um deles pode assumir em momentos

e contextos diferentes da relação jurídico-tributária.

Não empreenderemos, no entanto, em propor respostas definitivas. Pelo contrário,

prestigiaremos mais as perguntas do que as respostas, no sentido de apresentar

algumas questões, ainda que implícitas, nomeadamente acerca do que exige a ética

tributária dos poderes públicos e a ética fiscal dos cidadãos obrigados ao pagamento

de tributos ?, Que princípios ou valores concludentes e razoáveis devem inspirar a

atuação dos poderes públicos e dos cidadãos tendo em vista alcançar uma relação

jurídica tributária justa ?

E sobre elas apresentar algumas reflexões e comentários.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

5

De facto, a fiscalidade nos Estados Modernos não pode fugir a estas inquietações

éticas, até porque o mundo globalizado mais do que nunca, trouxe a lume o

problema da justificação filosófica das normas fundamentais que regem a ação

humana.

O tema da nossa proposta será desenvolvido em três capítulos distintos: num

primeiro (capítulo II), procederemos ao enquadramento teórico e análise da doutrina

sobre o Estado Fiscal, onde identificaremos algumas competências, funções e meios

ao dispor da AT na prossecução do interesse público, cuidando de explanar se tais

competências ou funções poderão de alguma forma redundar numa violação dos

direitos, liberdades e garantias dos contribuintes; num segundo (capítulo III)

procederemos ao enquadramento teórico e análise da doutrina sobre a Cidadania

Fiscal, onde procuraremos refletir sobre alguns conceitos e abordar quais os

deveres e direitos dos cidadãos e num terceiro (capítulo IV) iremos abordar a

estrutura da relação jurídica tributária, onde identificaremos alguns conceitos e

terminologias, procurando assim contribuir para um melhor entendimento do

procedimento tributário.

2. Âmbito e Conclusão

Importa desde já salientar que pese embora o facto de, em termos latos, nos

referirmos ao Estado e Cidadania Fiscal, a nossa análise limitar-se-á, apenas, ao

período do Estado Moderno.

Atendendo a que a atual estrutura da AT engloba a anterior Direção-Geral dos

Impostos (DGCI) e a extinta Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos

Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), as referências a exemplos e legislação

tributária do nosso estudo dizem respeito apenas à DGCI, que faz parte da atual

estrutura orgânica da AT. 1

1 Nos termos do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 117/2011, de 15 de Dezembro, que

concretizou a Lei Orgânica do Ministério das Finanças resultou a atual AT. Tendo a sua estrutura e orgânica sido aprovada pelo DL n.º 118/2011, de 15 de Dezembro.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

6

Quanto ao âmbito territorial limitar-nos-emos à apreciação das questões suscitadas

no âmbito do direito interno, por ser esse o espaço geográfico de aplicação das

normas previstas nos diplomas em que o tema se insere.

Por questões que se prendem com o âmbito do trabalho não procederemos,

portanto, à análise comparada em sede de direito internacional.

No que concerne, às considerações de âmbito geral, restringiremos a nossa

apreciação em relação às economias de matriz ocidental.

Por último, não tendo a ousadia de pensar que esta Dissertação nos permite uma

análise completa e global de todas as questões e complexidades subjacentes e

decorrentes do tema a que nos propomos, resta-nos referir que, no que respeita à

temática propriamente dita, não se introduzirá qualquer estudo inovador sobre as

questões suscitadas.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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CAPÍTULO II

O ESTADO FISCAL

1. Considerações Gerais

2. O Estado Fiscal

3. O Estado e o Imposto

3.1 O Imposto como Realidade Jurídica

3.2 O Imposto como Realidade Económica

3.3 O Imposto como Realidade Politica

3.4 O Imposto no Absolutismo

3.5 O Imposto nas Doutrinas Liberais

3.6 O Imposto no Estado Moderno

4. A Evolução Estado e o Imposto

4.1 As Reformas Fiscais dos Seculos XIX e XX em Portugal

i) A Reforma de 1832

ii) A Reforma de 1826

iii) A Reforma de 1922

iv) A Reforma de 1929

v) A Reforma de 1933

vi) A Reforma dos anos sessenta

vii) A Reforma de 1989

5. Justiça Fiscal

5.1 Justiça

i) A Conceção Liberal

ii) A Conceção Comunitarista

iii) A Conceção Liberal Igualitária

5.2 O Estado e a Justiça

6. Alguns Problemas Atuais do Estado Fiscal

7. Princípios Estruturantes do Sistema Fiscal Português

7.1 Considerações Gerais

7.2 Os Princípios Constitucionais Fiscais

7.3 Os Princípios inerentes ao Procedimento Tributário

7.4 Direito Fiscal Internacional

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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1. Considerações Gerais

Falar de Estado Fiscal é falar de impostos, pois que neste modelo são os impostos

que financiam o Estado.

O homem não consegue viver isolado, não é um ser autossuficiente, é um ser social

que precisa relaciona-se com o seu semelhante e viver em sociedade.

Sendo natural que na vivência em sociedade haja conflitos, desentendimentos e

interesses divergentes e, uma vez que o homem sente necessidade de segurança e

busca a harmonia, para que a sociedade subsista é necessário que os conflitos

sejam resolvidos, o que implica regras, as quais têm de ser implementadas e

garantidas por uma autoridade superior, conhecida como Estado.

O Estado terá surgido, assim, da necessidade de se estabelecer um acordo entre os

indivíduos que vivem em comunidade, com o objetivo de diminuir os conflitos.

Acresce que, com o facto de os cidadãos se relacionarem entre si e viverem em

sociedade, começaram, igualmente, a surgir necessidades coletivas e, em

conformidade surgiu também a necessidade de se estabelecerem regras de

conduta.

Assim, o Estado, como estrutura política organizacional, exerce o poder político

sobre uma sociedade que existe em determinado território.

Em consequência, para atingir a finalidade de promover o bem comum, o Estado

exerce funções para as quais é preciso a obtenção de recursos financeiros.

Pelo que, a interferência do Estado na económica é, assim, uma realidade

incontornável.

Ora, como já referimos, o conceito de Estado tem vindo, progressivamente, a alargar

as suas funções e domínios, bem como, a concretização de um determinado nível

de direitos económicos, sociais e culturais tem por exclusivo suporte financeiro os

impostos. Logo, em face do aumento da intervenção do Estado, tendo como fim a

satisfação das necessidades coletivas dos seus cidadãos, que podemos considerar

de “bens públicos”, por imposição constitucional, a consequência óbvia foi o

incremento das necessidades financeiras do Estado.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

9

Duas linhas de pensamento predominam sobre a forma que o Estado deve assumir:

Por um lado, os defensores de uma forte presença do Estado na ordem económica e

por outro aqueles que que defendem que o Estado deve ter uma intervenção mínima

no mercado.

Ambas as correntes ideológicas, face às situações reais demonstram pontos frágeis.

Experiências passadas comprovam, por um lado, que o monopólio estatal dos

fatores de produção não garante o desenvolvimento económico nem a distribuição

de riqueza. Por outro lado, a ausência do Estado no mercado torna a sociedade

refém dos investimentos privados.

Contudo, quer o Estado vigoroso como o menos interventivo dependem de recursos

financeiros para custear as suas despesas.

Com efeito, o Estado contemporâneo, devido às suas inúmeras responsabilidades

ao nível da saúde, educação, cultura, previdência e assistência social, prestação de

serviços públicos e com as infra-estruturas, têm inúmeras despesas.

A par destas despesas, acrescem também as suas responsabilidades que resultam

da intensificação da circulação de pessoas, produtos, serviços e capitais ao redor do

mundo.

Assim, tendo em conta a difícil realidade orçamental dos Estados contemporâneos

para custear as suas despesas necessita de receitas que poderão ser auferidas a

partir de três fontes distintas:

(i) Patrimonial, representada pelos bens, mobiliário e imobiliário, bem como pela

exploração direta de empresas;

(ii) Crédito, através do recurso a empréstimos;

(iii) Tributária, que assenta na cobrança de impostos.

Nos Estados contemporâneos, as tarefas estaduais hão-de ser, necessariamente,

financiadas e suportadas por impostos.

Com efeito, a quase totalidade dos Estados atuais, do ponto de vista do seu

financiamento, apresentam-se como Estados Fiscais, pois que são,

fundamentalmente, financiados por impostos e não por outro tipo de receitas.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

10

2. O Estado Fiscal

O Estado Fiscal, cujas necessidades financeiras são essencialmente suportadas por

impostos, tem sido (e é) a regra do Estado Moderno.

É, pois, hoje em dia, comum afirmar que o atual Estado é, na generalidade dos

países contemporâneos, e mormente nos desenvolvidos, um Estado Fiscal.

Contudo, este nem sempre se tem apresentado como um Estado Fiscal, havendo,

pois, Estados que claramente configuraram (ou configuram ainda) verdadeiros

Estados proprietários, produtores ou empresariais.

Assim, desde logo importa distinguir o Estado Fiscal do Estado Patrimonial e do

Estado Empresarial.

O Estado Patrimonial constitui a forma característica de financiamento do Estado, na

idade média, que assenta, fundamentalmente, nos rendimentos proporcionados

pelos bens dos Monarcas ou da Coroa.

Não existia uma distinção exata entre os bens privados e os bens que pertenciam à

coroa.

O Estado era tido como propriedade do Monarca e era custeado fundamentalmente

por rendas provenientes dos bens da realeza.

Na idade média, os impostos tinham um carácter extraordinário. Os monarcas

apenas se podiam socorrer deles em situação anómalas que assim o justificassem,

sendo o suporte financeiro da coroa as receitas dos seus bens.

Acresce ainda que, a deliberação da cobrança de impostos tinha de ser aprovada

pelas Cortes, só sendo abandonada a regra de convocação das cortes para a

aprovação dos impostos, mais tarde, no âmbito do processo de reforço e

centralização dos poderes reais, e da construção do Estado Moderno dos séculos

XVI, XVII e XVIII.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Um Estado de tipo patrimonial consubstanciou, também, o Estado absoluto do

iluminismo, que foi predominantemente um Estado não fiscal. Na verdade, o seu

suporte financeiro era fundamentalmente, por um lado, as receitas do seu património

ou propriedade e, de outro, os rendimentos da atividade comercial.

No Estado empresarial, que teve alguma expressão no Estado iluminista e se

concretizou, sobretudo, nos Estados socialistas do Século XX, a forma de

financiamento principal do Estado provem de atividades económicas exercidas pelo

próprio Estado ou mesmo da exploração de matérias-primas.

A sua base financeira assenta, assim, essencialmente nos rendimentos da atividade

económica produtiva por esses Estados monopolizada ou hegemonizada, e não em

impostos lançados sobre os seus cidadãos.

Existem também certos Estados que, em virtude do grande montante de receitas

provenientes da exploração de matérias-primas (petróleo, gás natural, ouro, etc.) ou

até da concessão do jogo (como o Mónaco ou Macau), podem dispensar os

respetivos cidadãos de serem o seu principal suporte financeiro.

Todavia, tendo em conta, que o Estado absoluto foi ultrapassado com o triunfo do

liberalismo bem como os Estados “socialistas” que ainda subsistem ou os Estados

que dependem do petróleo ou do jogo têm carácter manifestamente excecional,

podemos concluir que o Estado Fiscal tem sido a característica dominante do Estado

Moderno.

No Estado Fiscal são os impostos que constituem o principal suporte financeiro do

Estado, tendo em conta a capacidade de pagar dos contribuintes por um lado e a

competência para cobrar impostos pelo Estado, por outro lado.

Posto isto, o sistema fiscal contemporâneo, deve ser eficaz, equitativo e dotado de

instrumentos de garantia.

Eficaz na ação tributária na vertente quer na inspeção, quer na liquidação e na

cobrança de impostos, bem como, no combate à fraude e evasão fiscal, tanto do

ponto de vista da prevenção, como na lógica da reação punitiva.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

12

Equitativo na distribuição dos impostos, por forma a promover a repartição justa dos

encargos tributários e uma redistribuição do rendimento e da riqueza, pela via fiscal,

sem penalizar o esforço nem induzir a ociosidade e, promovendo o investimento e

favorecendo o desenvolvimento económico.

Dotado de instrumentos de garantia, pois que, deve ser justo, no sentido dos

mecanismos ou instrumentos de restituição da legalidade violada pela administração

fiscal, estabelecendo meios de tutela que coloca à disposição dos contribuintes

como forma de reação contra comportamentos abusivos ou ilegais das entidades

administrativas, bem como, de um conjunto de direitos que têm marcada dimensão

protecionista.

A este propósito, o Professor Saldanha Sanches na obra póstuma “Justiça Fiscal”

assina, a propósito do tema da justiça e das garantias dos cidadãos, que «os direitos

e as garantias dos contribuintes, uma das contribuições históricas do Direito Fiscal,

exigem uma concordância prática entre a correcta distribuição dos encargos

tributários (interesse comunitário) e a salvaguarda dos direitos individuais de cada

contribuinte» 2.

À questão das garantias dos contribuintes, o legislador constitucional atribuiu-lhe,

mesmo, dignidade de elemento essencial do sistema fiscal, protegendo-o de

investidas arbitrárias do poder executivo influenciado pelas adversidades da

conjuntura económica.

Este é de facto, uma clara condição de equilíbrio entre o interesse público e os

direitos ou interesses individuais dos cidadãos, obrigados com prestações unilaterais

cujo benefício dificilmente identificam.

Neste contexto, este fator do sistema tributário destaca-se como um elemento

fundamental na aplicação do Direito Fiscal.

Parece-nos assim que, é hoje absolutamente essencial quer no domínio do

cumprimento das obrigações fiscais, quer no controle da legalidade administrativa

conhecer o sistema tributário, ter presente os poderes da administração tributária e

compreender os direitos do contribuinte, no quadro da relação jurídico tributária.

2 José Luís Saldanha Sanches, “Justiça Fiscal”, Fundação Francisco Manuel dos Santos, setembro

2010, pág. 53.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

13

De um lado, através dos princípios e normas que norteiam o procedimento

administrativo, imputando regras de controlo à administração fiscal como meio de

tutela dos direitos do contribuinte.

De outro, através de mecanismos de reação – graciosa e contenciosa – que visem

promover a reposição da legalidade violada por um qualquer ato da administração

tributária.

3. O Estado e o Imposto

Todos os direitos têm custos públicos, como observa Casalta Nabais, em alusão ao

entendimento de Sthephen Holmes e Cass R. Sunstein «Na verdade, todos os

direitos têm custos comunitários, ou seja, custos financeiros públicos. Têm portanto

custos públicos não só os modernos direitos sociais, aos quais toda a gente

facilmente aponta esses custos, mas também têm custos públicos os clássicos

direitos e liberdades, em relação aos quais, por via de regra, tais custos tendem a

ficar na sombra ou mesmo no esquecimento. Por conseguinte, não há direitos

gratuitos, direitos de borla, uma vez que todos eles se nos apresentam como bens

públicos em sentido estrito.».3

Tendo em atenção o que os impostos representam para as liberdades de que

usufruímos, levou à célebre afirmação do Juiz do Supreme Court norte-americano

Olivier Wendell Holmes em 1904: “os impostos são o que pagamos por uma

sociedade civilizada” 4

Os impostos são, assim, o preço pela nossa vida em sociedade. Odiados, mas

necessários para a concretização dos valores da democracia, igualdade e do Estado

Social.

3 José Casalta Nabais, “Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal”, Almedina 2005, pág. 21.

4 Idem, pág. 42.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

14

O conceito de imposto, como fenómeno simples, torna-o numa «prestação

patrimonial, positiva e independente de qualquer vínculo anterior, definitiva e

unilateral ou sinalagmática, estabelecida por lei a favor de entidades que exercem

funções públicas e para a satisfação de fins públicos, que não constitui sanção pela

prática de actos ilícitos» 5

Resulta, desde logo, desta definição que se trata de uma manifestação clara do

primado da lei, na medida em que nem o sujeito ativo (Estado) pode dispor

arbitrariamente do tributo e da própria relação tributária, como também o sujeito

passivo não pode furtar-se ao seu cumprimento.

Na verdade, o Estado não pode invocar critérios de oportunidade quanto ao

desenvolvimento da relação tributária, pois que em face do primado da lei, cabe a

esta definir previamente, os factos da vida real sujeitos a tributação. Despoletado o

preenchimento de uma norma de incidência, emerge um vínculo jurídico, em

conformidade com o processo formal especifico e nos limites consagrados na lei, do

qual nasce a obrigação do seu cumprimento por parte do sujeito passivo.

A doutrina tem, igualmente, considerado que as obrigações fiscais são relativamente

indisponíveis, pois que, ao contrário do que ocorre nas relações privadas, sobre as

dívidas de imposto não se pode renunciar a elas ou perdoa-las, no todo ou em parte,

nem conceder moratórias para o respetivo pagamento ou aceitar pagamentos

parcelares, exceto nos casos expressamente previstos na lei.

Na ótica do poder, em face da atual função da administração fiscal, não se

desenvolver tanto no segmento da aplicação da lei, mas na verificação e validação

da sua aplicação pelos contribuintes, parece-nos que, como firmam alguns autores,

que o Estado não pode forçar ninguém a nutrir um sentimento de devoção à pátria,

no sentido de querer servir o seu país e ser solidário com os seus compatriotas, mas

pode obrigar a pagar impostos.

5 João Ricardo Catarino, “Para uma teoria Politica do Tributo”, Cadernos de Ciência Técnica Fiscal , n.º 184, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa 2009 , 2.ª edição, págs.177.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

15

3.1 O Imposto como Realidade Jurídica

O Direito Tributário goza atualmente autonomia, em que a relação jurídica-tributária

que se estabelece entre o Estado e os seus cidadãos tem que estar normativizada

em todos os seus aspetos, desde a criação do imposto até à extinção da relação

tributária.

O Facto de o imposto ter como fonte a lei, tal não significa que apenas a sua

exigência radica na lei, mas também que é a própria lei que define os elementos

essenciais do tributo. É à lei que cabe, assim, definir a incidência, as isenções, a

taxa, os procedimentos e garantias dos contribuintes.

A vertente jurídica do imposto reflete-se também na ação tributária, na medida em

que o exercício do direito e cumprimento do estabelecido na lei processam-se, na

via administrativa, nos órgãos do Estado, devendo a respetiva conduta se desenrolar

dentro dos limites definidos na lei, com o fundamento na qual o Estado exerce a sua

autoridade.

3.2 O Imposto como Realidade Económica

O aspeto económico tem também um papel decisivo no estabelecimento das

relações jurídico-tributárias. De facto, ele constitui uma realidade que tem manifesta

importância na ideia do Estado de Direito, interagindo com a realidade política, pois

que ambos são relevantes para o fenómeno riqueza e para com critérios de

repartição, tendo em conta a posição do homem no seu meio.

Atribui-se, assim, aos impostos, uma função reguladora dos desequilíbrios sociais.

Desta forma, a realidade económica contribui, por um lado, para a formação da ideia

de Estado e, por outro, para a criação de um clima de segurança e ordem nas

relações de satisfação das necessidades dos seus cidadãos, gerando efeitos

económicos importantes no atual Estado Moderno, no plano da concorrência, nos

preços, no acesso aos bens condicionando e orientando consumos e propiciando a

redistribuição social da riqueza produzida.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

16

O fator económico influi, pois, desde o momento da produção de riqueza gerada ao

momento da sua aplicação e consumo, influenciando as opções do Estado que

agrava ou atenua a sua função tributária de acordo com a sua política social.

3.3 O Imposto como Realidade Politica

Muito embora o imposto seja, essencialmente, uma realidade jurídica e de se

projetar e assentar nas realidades económicas, é também uma realidade politica.

O imposto integra-se na organização política da sociedade na medida em que diz

respeito a uma estrutura e organização da coletividade, constituída sob a forma de

Estado e integra a própria ação do Estado, com vista à concretização dos seus fins.

Deste modo, o imposto não consiste apenas um elemento constitutivo da

organização política de uma sociedade e um meio financeiro para a prossecução

das necessidades coletivas, como também constitui um elemento instrumental do

exercício do poder.

Existe, assim, uma intima ligação entre o modelo de tributação e a conceção de

justiça dominante em determinada comunidade, que por sua vez está diretamente

ligada aos ideais políticos do Estado, em cada momento.

3.4 O Imposto no Absolutismo

O poder tem origem divina, logo não se discute. Consequentemente, o Rei tem

poder ilimitado.

O sistema financeiro público assentava fundamentalmente no património público, na

produção de riqueza que esse património gerava.

A base de incidência eram as transmissões de propriedade, as cedências de

possessões e ainda as receitas fiscais resultantes da produção agrícola.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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O princípio da comutatividade ou do imposto por cabeça, não atende à capacidade

contributiva, antes assenta no princípio de que é justo que todos contribuam de

forma igual, pois todos irão receber do Estado o mesmo.

Eram concedidas isenções ao clero e à nobreza.

Até D. José, a preocupação era o controlo das receitas, pois existiam muitas

suspeições de que o que era cobrado não entrava nos cofres do Rei.

Com D. José, a gestão dos recursos públicos, foram objeto de reformas, mas essas

reformas assentavam nos antigos conceitos, não tendo evoluído. Não havia

modernidade nos princípios, continuava a ser um Estado concentrado no antigo

conceito do Rei ter poder divino e ilimitado.

3.5 O Imposto nas Doutrinas Liberais

Com as revoluções liberais (Revolução Inglesa 1640, Revolução Americana 1779 e

Revolução Francesa 1789) passou-se de um sistema patrimonial do Estado para um

sistema assente nas transmissões.

No Estado Liberal a justiça é um principio estruturante, por um lado de carater geral

no sentido das partes para o todo, é o que o todo espera de cada cidadão, um

comportamento integrador (a tender para a agregação) 6, e, por outro lado de carater

particular, “ut des”, isto é, dou-te para que me dês (justiça comutativa).

Foram as doutrinas liberais que sustentaram amplamente a ideia de que o imposto

visava a satisfação financeiras do Estado para a realização das despesas públicas.

O imposto teria, assim, uma função meramente financeira, cabendo-lhe apenas

sustentar o erário público, defendendo-se a não intervenção de Estado na economia.

Não obstante, esta doutrina nunca logrou ser aplicada, na pureza dos seus

conceitos, pois que o Estado nunca deixou de intervir na vida económica nem o

imposto apenas teve uma função meramente financeira.

6 Condutas sociais valorizadas para a revalorização social, são desvalorizados os comportamentos centrífugos.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

18

Cumpre, contudo, esclarecer que, o papel do tributo, como instrumento do poder,

conheceu diferentes formulações.

Com as doutrinas liberais, assistimos a uma forte restrição das despesas públicas,

em virtude de se considerar que estas deviam ser reduzidas ao mínimo, ao

estritamente necessário para garantir a segurança e a liberdade.

Deste modo, no Estado Liberal, nos termos do qual se impunha a defesa rígida de

um Estado mínimo, apenas lhe compete: i) a proteção da sociedade face à violação

e invasão por outras sociedades independentes; ii) a proteção dos membros da

sociedade face às injustiças e ataques de outros membros; iii) a criação daqueles

serviços que, embora benéficas para a sociedade, não era de esperar que fossem

atrativas para a iniciativa individual, por não serem suscetíveis de gerar lucro.

Não obstante, uma ideia de moderação ou economicidade assim compreendida, que

inevitavelmente impõe e exige a neutralidade económica e social dos impostos, não

tem hoje cabimento e, é em absoluto rejeitada pela realidade, tendo também não

sido totalmente conseguido no Estado Liberal.

Inicialmente a tributação era feita de acordo com um sistema de quotidade, aferido

em função dos serviços públicos utilizados por cada cidadão individualmente ou, em

alternativa, através de uma fórmula que permitisse determinar uma relação de

equilíbrio entre os benefícios recebidos em resultado da atuação do Estado e o

contributo do cidadão para o respetivo custo.

Contudo, esta formulação veio a revelar não ser praticável a sua concretização, pois

que, na prática, não foi possível medir o consumo dos serviços públicos obtidos em

função da posse de rendimentos individuais, para assim, se poder determinar o

índice de tributação.

A doutrina liberal procurou então fixar um conceito de rendimento que, aplicado aos

impostos reais, conduzia à tributação do rendimento líquido e, nos impostos

pessoais, à isenção de um mínimo de existência, do qual viria a resultar o princípio

da capacidade contributiva.

Tinha subjacente um sentido de justiça social, contudo, conduziu também à

necessidade de se estabelecer uma justificação de ordem económica.

Esta teoria tinha, também, implícita a ideia de retribuição ou troca de valores

(medida entre o sacrifício e o benefício).

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

19

Mais tarde com o liberalismo foram, assim, adotados critérios de justiça distributiva.

Sendo certo que todos devem contribuir, só é justo se quando cada um contribuir em

função da sua “fortuna”.

Em síntese, o Estado Liberal, carateriza-se por:

● Concentração do imposto nos poderes do Estado;

● As isenções de carater subjetivo deixaram de existir;

● Nacionalização dos bens da igreja – terras das ordens religiosas e conventos;

● Cedência de títulos aos liberais para que estes possam adquirir as terras que

pertenceram à igreja

● Introdução do princípio da capacidade contributiva.

Por último, importa referir que mesmo nos Estados de matriz socialista, nos quais é,

à partida, negada a propriedade privada, atribuindo-se a qualidade de proprietário ao

Estado dos meios de produção das riquezas e dos meios de satisfação das

necessidades coletivas, o tributo continua a ter relevo, pois que nunca deixou de ser

um elemento da organização e instrumento de ação do Estado, tendo em vista os

nivelamentos das riquezas individuais.

3.6 O Imposto no Estado Moderno

Ao contrário do que sucedia com o Estado Liberal, embora não totalmente

conseguido, o intervencionismo é hoje uma das características do Estado Moderno.

Com feito, o campo de atuação do Estado foi sucessivamente alargado, quer em

relação à direção, coordenação e orientação da economia publica e privada, quer no

que respeita ao planeamento das linhas de ação do Estado, nomeadamente o

incentivo da produção, o nível de preços, condicionamento e/ou atribuição de

concessões.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

20

Ora, este aumento de funções do Estado e, em consequência, das despesas

públicas, tornou-se necessário adotar medidas tendo em vista a arrecadação de

receitas necessárias, o que foi efetuado designadamente através da criação de

novas tipologias de tributação e o agravamento de taxas.

Ainda, tendo em razões que respeitam à utilização do imposto como instrumento de

ação política económica, para estimular ou incentivar certas atividades e do

desincentivo de outras, ou em função dos resultados tidos por convenientes à

economia nacional, mas a coberto do princípio da igualdade, foram utilizados meios

como forma de estabelecer condições discriminatórias, entre outras, foram

estabelecidas isenções, exclusões, reduções, agravamentos, sobretaxas, adicionais.

Estas medidas discriminatórias, afetam quer as pessoas singulares quer as pessoas

coletivas e geram efeitos económicos relevantes, designadamente no plano da

concorrência, nos preços, no acesso a bens e na satisfação de necessidades,

condicionando e orientando consumos e proporcionando a redistribuição social da

riqueza produzida.

Assim, no plano interno, o imposto influencia desde o momento da produção da

riqueza até ao momento da sua aplicação no consumo, condicionando, assim,

opções.

No plano internacional, o papel do imposto mostra-se influente no sentido da

reafirmação de poderes soberanos, decorrentes da dupla tributação, como também

da União europeia e das situações que estejam abrangidas por mais que um

sistema tributário.

O imposto, encontra, assim, na vertente política um meio de ação por excelência, no

exercício do poder.

Em conclusão, o imposto é a principal fonte de receitas do Estado Moderno, para

fazer face às despesas com a realização dos seus fins (necessidades coletivas) e

suportar as suas estruturas.

Está, também, relacionado com a ideia de poder, sendo essencial para o Estado e

lateralmente para o poder. Poder e tributo, estão, assim, ligados, parecendo-nos

difícil a subsistência de um dissociado do outro.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Para concluir, resta-nos referir que não existem modelos puros.

Na realidade, nos Estados contemporâneos, as conceções políticas de cariz

ocidental são muito variáveis, bem como, as formas de as corporizar, porém, o

imposto constituem um instrumento de atuação do poder, tanto na vertente política

como na económica e social. Constituindo, ainda, uma realidade sociologicamente

relevante. 7

4. A Evolução do Estado e o Imposto

Pese embora, o nosso trabalho se limite à análise apenas do período do Estado

Moderno, não podemos deixar de fazer uma breve resenha da evolução do Estado e

o Imposto.

O sucessivo desenvolvimento dos modelos e fundamentos dos sistemas fiscais

resulta de um processo evolutivo, pois que as preocupações financeiras remontam

aos mais antigos eventos da civilização humana.

De facto, o imposto e a designada “alergia fiscal” é um binómio antigo.

Os testemunhos arqueológicos revelam já a existência de uma tributação regular

logo nos primórdios do período Protodinástico, na civilização egípcia, cujo início se

situa, perto de 3300 A.C.

Os hieróglifos que chegaram até nós, registam já impostos pagos em linho e azeite

há mais de 5000 anos, segundo o investigador Gunter Dreyer.

Contudo, os primeiros estudos sistematizados de teorização da realidade fiscal,

remontam ao seculo XV, situados nas Republicas Italianas.

Atribuem-se, assim, a Diomede Carafa, F. Guicciardini e Mattheo Palmieri, todos

contemporâneos, o estabelecimento de um conjunto de ideias sobre o sistema fiscal

do Estado.

7 Apenas a título de nota de rodapé, que a valia mais não consente, esclareça-se que não nos iremos

debruçar sobre a temática do Estado Social, pois que a amplitude desta constituiria, por si só, um tema de Dissertação de Mestrado.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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No antigo Egito, Assiria, Babilónia, Medo-Pérsia e Grécia, bem como a expansão

Romana, elegeram o tributo como forma de promover o desenvolvimento do poder

político e o meio de obtenção de meios para a guerra.

Porém o mau uso do tributo como instrumento do poder e da concessão de amplos

privilégios e isenções a classes privilegiadas, podem arrastar o poder em si mesmo

e enfraquece-lo.

De facto, um poder político forte cria e consagra moldes de tributo robustecido e

respetiva aplicação dos mesmos. Enquanto, num poder politico fraco temos um

sistema tributário parco suficiente de valores morais e sociais das suas populações.

Assim, com a movimentação de diversos povos nas fronteiras do Império Romano,

acompanhada da profunda depressão económica, a destruição das classes “médias”

e o agravamento da condição social dos camponeses desencadearam um processo

de desagregação que culminou com a queda do Império Romano.

Pelo que, a partir de certo período (final do Império Romano), por força da regressão

económica em face do desmembramento dos impérios, o papel do tributo

enfraqueceu.

Até à fundação da monarquia, o exercício do poder de tributar, apresentou díspares

formulações de legitimação do tributo.

A Igreja, o senhor local e o soberano disputavam a afetação dos impostos.

Em Portugal, durante a monarquia o poder de lançar impostos conheceu,

igualmente, díspares fórmulas, em função de termos um poder régio forte ou

enfraquecido.

Conhecendo-se, através de forais, avanços e recuos, de centralização do poder

politico, em que os impostos assumiam um papel importante, mas não exclusivo.

Na idade moderna, o renascimento do comércio, trouxe uma nova conceção sobre a

riqueza, o que determinou um forte impulso no plano politico, no sentido de o poder

ser mais central e absoluto.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

23

Contudo, a luta entre o poder dos soberanos e da igreja veio acentuar a fraqueza do

lado anti racionalista de ambos.

Com o Marquês de Pombal ressaltou o dogma da exclusividade e indivisibilidade do

poder do Estado.

Com o Pombalismo e o despotismo esclarecido os direitos do povo são claramente

negados.

Em Portugal, tal manifestação do poder político gerou forte contestação, não só pelo

peso que a carga tributária representava, como também pela necessidade de uma

maior estruturação jurídica.

Assim, as sucessivas crises do poder político, no plano interno, a crise financeira e

as convulsões de génese ideológica em crescendo, foram-se arrastando e

aprofundaram-se com a revolução liberal de 1820.

Assistiu-se neste período a um progressivo deslocamento dos poderes políticos e

legislativos do soberano para as designadas câmaras representativas.

No percurso para a unificação institucional do poder do Estado surge a distinção

entre Estado e imposto.

Com o liberalismo, o imposto assumiu-se como um verdadeiro direito do Estado,

tendo como contrapartida a necessária sustentação dos serviços públicos.

Este quadro propício à reforma das instituições e o sistema de controlo das receitas

e despesas do Estado, traduziu-se na racionalidade do imposto, ou seja, na criação

de impostos tendo em vista a criação de serviços públicos essenciais.

Não obstante, a ideologia liberal pretendeu recolocar o homem no centro da

atividade social e não o Estado.

Esta fação trouxe à consciência das massas ideais de liberdade e igualdade perante

as leis, incluído as tributárias e a necessidade de separação de poderes e

constituições escritas.

Em Portugal, o legado liberal, não permitiu que se chegasse até ao final do século

com uma situação clara e robusta.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Embora os ideais liberais tivessem trazido para o plano normativo o imposto para o

âmago do poder, a sua concretização prática demorou cerca de 180 anos, já na

época financeira do Presidente do Conselho, Oliveira Salazar.

Até à reforma tributária de 1922 foi dado parco relevo à fiscalidade nacional. O

direito tributário era visto como mero ramo do direito financeiro.

No Estado Moderno, o imposto integra uma realidade cultural, jurídica e económica

do poder.

A existência de um ideal de justiça constitui um aspeto fundamental do poder político

e a razão de ser do seu exercício.

A administração pública ganhou nos Estados Modernos um papel próprio,

constituindo o sujeito ativo das relações públicas, que desenvolve funções tendo em

vista a satisfação das necessidades coletivas das comunidades.

O poder político comporta limites, neles se incluindo os que se aplicam ao tributo.

O imposto não é um produto do fenómeno política, mas antes um dever de génese

inata à pessoa humana e é nela que se encontra a sua legitimação, bem como os

seus justos limites, sendo a receita que deve condicionar as despesas da

administração pública.

O tributo não pode ser instrumento de legitimação do poder político desligado da

causa dos valores que o suportam

Ora, sendo em função da valoração humana que se aufere a despesa pública. Por

conseguinte o dever de contribuir depende da capacidade contributiva.

Em Portugal, os modelos de Estado existentes, criaram fórmulas de tributação que

não prezavam suficientemente a pessoa humana, os ideais de justo e de

necessidades.

As Constituições adotaram uma formulação fortalecida do princípio da legalidade,

reforçando-o com critérios de reserva de lei absoluta e formal.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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4.1 As Reformas Fiscais dos Seculos XIX e XX em Portugal

No Século XIX a justiça já se encontrava nas mãos do Estado, contudo, as finanças

Continuavam dispersas. O Próprio Ministro não tinha as suas próprias obrigações,

competências e deveres definidos.

Existia um sistema tributário antiquado e ineficiente.

Durante este Século houve sempre uma grande instabilidade, não só a nível

nacional como internacional.

É o Século da revolução Francesa e das ideias.

Em Portugal, foram ao longo deste Século criados vários impostos em face das

conjeturas do reino, e dos problemas de “Défice Orçamental”, como é o caso, por

exemplo, do imposto avulso lançado por D. Maria II, aquando das invasões

francesas.

Nas reformas tributárias do seculo XX em Portugal, quer no contexto do Estado

Novo, quer sob os governos de matriz democrática, o tributo nunca deixou de ser

visto como um fenómeno inerente ao Estado e ao exercício do poder politico.

O Inicio do Século XX é uma época marcada pela forte instabilidade politica bem

patente no facto de entre 1910 e 1922 terem existido sessenta Ministros das

Finanças, dos quais oito apenas no ano de 1915 e cinco em 1922.

O Estado contemporâneo continua a ver o imposto como um valor seu, integrado na

sua estrutura, como um objeto e instrumento de poder e como fator de legitimação

do seu modo de agir.

i. A Constituição de 1822

A Constituição de 1822 institui pela primeira que a lei é a vontade dos cidadãos.

Pelo que, o Parlamento reúne quando os cidadãos entendem existir questões

importantes para discutir e, já não apenas quando o Rei entende reunir as cortes.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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A natureza divina do Rei, cai, assim, para os cidadãos livres, pois que apenas estes

eram esclarecidos e com quem se podia discutir. 8

À tributação do rendimento não é atribuída grande relevância, pois que havia poucos

assalariados, dado que o país não estava industrializado.

Pelo que, a tributação do património tinha mais peso.

ii. A Reforma de 1826

A Carta Constitucional de 1826 é mais retrógrada que a Constituição de 1822.

A Carta Constitucional marcou um retrocesso em relação aos princípios

democráticos da lei anterior.

O espirito da Carta pode considerar-se conservador, pese embora, se trate de um

conservadorismo esclarecido e evoluído, pois que aceita autolimitar e partilhar o

poder do Rei.

Aos três poderes – legislativo, executivo e judicial – acrescenta um quarto poder, o

moderador, que é a chave de toda organização politica e compete ao Rei.

iii. A Reforma de 1922

A reforma tributária de 1922, assente em critérios de justiça tributária, acolheu os

princípios da generalidade e da progressividade, tendo, no entanto, claudicado na

respetiva concretização e aplicação prática.

O Sistema tributário era uma “manta de retalhos” insipiente, que no fundo não era

um verdadeiro sistema, mas apenas um conjunto de impostos, cujo objetivo se

limitava a arrecadar e em que as garantias dos contribuintes praticamente não

tinham relevância.

8 Nesta época o analfabetismo era quase geral no povo.

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Foi, no entanto, uma reforma inovadora no sentido de que procura, pela primeira

vez, institucionalizar uma lógica com sentido moderno.

Pela primeira vez é contemplado o princípio da tributação real, que implicava

tributação onde houvesse capacidade contributiva, o que para a época era inovador.

Assentava nas obrigações declarativas, pois tinha por base a tributação do

rendimento real e não nos rendimentos normais.

Apesar de se tratar de uma reforma muito avançada para a época, não funcionou

em face de varias vicissitudes, a saber:

(i) A falta de cumprimento das obrigações declarativas devida, fundamentalmente,

ao facto do elevado nível de analfabetismo;

(ii) Ausência de rendimento das populações.

iv. A Reforma de 1929

A reforma tributária de 1929 inseriu-se no quadro de pensamento financeiro clássico.

Defendia o estandarte da tributação do rendimento real e efetivo.

No entanto, era à administração que se reconhecia a titularidade de verdadeiros

atributos de soberania e de poder autoritário.

O poder político invocava princípios inovadores, mas assumia moderação.

A receita veio assumir uma preocupação estruturante, em prejuízo de conferir ao

imposto uma dimensão humana, com poucas preocupações de justiça social, bem

como utilização do tributo como fator redistributivo.

Num contexto de ditadura financeira, trouxe o imposto e a receita para o vértice do

poder centralizando-o e fortalecendo-o, sendo estabelecido um claro rigor

orçamental.

É, em muitos sentidos uma reforma retrógrada em que a justiça sede terreno à

eficácia, sendo o ideal de justiça sacrificado.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Do ponto de vista da natureza do Estado, este é de estrutura e de razão, que se

relaciona com os cidadão numa posição de domínio, cabendo ao Estado tratar dos

cidadãos, pelo que estes não têm que se preocupar.

O Estado não discute o poder, logo também não discute o imposto.

É o Estado que fixa o valor do imposto a pagar, pelo que, o cidadão não tem de se

preocupar com o cumprimento de obrigações acessórias e declarativas, sem

preocupação com a capacidade contributiva. Optou-se pela sobrevivência do

Estado, em detrimento dos cidadãos.

v. A Reforma de 1933

Na constituição de 1933, em período de um Estado autoritário, assente na ideia de

unidade nacional e de supremacia do interesse coletivo sobre o interesse individual,

a soberania residia na nação e só tinha como limites a moral e o direito.

Num contexto de centralização das entidades públicas, o Estado era supremo,

velando pelo destino de todos de uma forma absoluta.

A administração era tida como uma realidade que definia a qualidade da situação

jurídica dos funcionários e dos fins da coletividade a que estava subordinada,

incumbindo-lhe acatar e fazer respeitar a autoridade do Estado.

O Ministro das Finanças controlava todas as medidas que envolvessem aumento

e/ou reduções das despesas e/ou arrecadação de receitas.

Tendo sido estabelecido um claro rigor orçamental.

Todos os cidadãos estavam obrigados a contribuir, «conforme os seus haveres»

para os encargos públicos.

vi. A Reforma dos anos sessenta

A reforma tributária dos anos sessenta não alterou, no essencial, o status político,

bem como não alterou a relação entre o tributo e o poder politico.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Reforçou, no entanto, o papel da receita fiscal como valor do Estado.

Com efeito, nos anos quarenta, os efeitos da Segunda Guerra Mundial e do pós

guerra, deram início a um período de crescente instabilidade, que nos anos sessenta

fizeram sentir a necessidade de modificar alguns aspetos da administração

financeira do Estado.

Em primeira linha, surge a alteração do sistema tributário com reflexo no plano das

receitas.

Não obstante, o Estado continua a surgir como um bem de natureza transcendente,

sendo o fim último e absoluto, aos quais se subordinam a pessoa humana.

É profundamente marcada já pelos conceitos de harmonização trazidos da OCDE.

Introduz o Imposto das Transações, Contribuição Industrial (dirigido às pessoas

coletivas) e Imposto Complementar (dirigido às pessoas singulares).

Foram publicados sete códigos tributários, tendo todos os impostos de grande

impacto sido estruturados em termos jurídicos, sistemáticos e uniformes, apenas não

sendo abrangido os impostos de selo.

Só com a reforma dos anos sessenta foi atribuída alguma relevância às garantias

dos contribuintes, por influência do CCI.

Foi igualmente publicado o Código de Processo das Contribuições e Impostos, que

constitui uma obra verdadeiramente pioneira na institucionalização do direito

processual tributário.

vii. A Reforma de 1989

Após a reforma do poder politico com a revolução de abril de 1974, o poder politico

deixa de olhar exclusivamente para si. Assumiu-se a realização da justiça social.

Em finais de 1979, já Sousa Franco, pela sua passagem pelo Ministério das

Finanças, intentou reestruturar profundamente o sistema tributário, visando um

Ministério moderno, progressivo e eficiente.

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30

Nesse sentido, foram apresentados relatórios preliminares a esse propósito.

Contudo, a instabilidade politica que então se vivia impediu a respetiva conclusão e

concretização.

Com efeito, a instabilidade política de então, impediu mesmo quaisquer progressos

de reformas de fundo. O que só se veio a iniciar em finais de 1985, que no entanto

só foi possível a coberto de imperativos comunitários, designadamente no que

concerne aos impostos gerais e especiais sobre o consumo.

Com a reforma tributária de 1989, como já referimos, eleva-se a justiça social, tendo

o Estado como fim a prossecução dos interesses coletivos.

A reforma de 1989, com a entrada em vigor em janeiro de 1990, trouxe consigo um

novo modelo de tributação propriamente dita, uma reforma na administração

tributária e uma reforma das mentalidades.

Ao nível da reforma da tributação propriamente dita, a par do novo modelo de

tributação geral sobre o consumo, quer no plano do comércio interno quer no

contexto intercomunitário, assentou também na unicidade do tributo ao nível do

rendimento, apoiado na capacidade contributiva.

Foram assim reformados os impostos indiretos (IVA), os impostos sobre o

rendimento (IRS e IRC), e foi criada uma lei processual tributária (CPT) e surgiu a

tributação sobre o património com o aparecimento da Contribuição Autárquica.

O reconhecimento da existência de insuficiência no funcionamento dos modelos de

tributação criados e a necessidade de prosseguir no esforço de ser reconhecido um

quadro de garantias dos contribuintes e melhorar a eficácia da administração fiscal e

alfandegária.

No sentido de modernizar e adaptar a orgânica do setor às novas exigências

tecnológicas e de contribuir para uma melhora dos serviços, nomeadamente

definindo-se objetivos e prioridades, para além da introdução de ajustamentos

legislativos aos códigos tributários já existentes, foi criada uma Lei Geral Tributária e

revisto o CPT.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

31

Com a criação da LGT, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1999, condensou-se

os princípios gerais do sistema tributário e estabeleceram-se os princípios

fundamentais do direito fiscal português.

Procedeu-se igualmente, à clarificação da posição da administração fiscal na relação

tributária e definiu-se os direitos e deveres dos contribuintes.

Finalmente, veio também definir-se os direitos e deveres da fiscalização tributária.

E, no sentido de adequar à LGT, assim como proceder à harmonização com os

diversos códigos dos impostos, foi revisto o CPT.

Contudo, com a entrada em vigor da LGT, bem como a reforma do Código de

Processo Civil, tornou-se necessário uma extensa e profunda adaptação às suas

disposições dos vários códigos e leis tributárias, nomeadamente do CPT.

Pelo que se impôs proceder à modificação da sistematização e disciplina daquele

diploma, bem como definir objetivos gerais de simplicidade e eficácia, tendo, então,

em sua substituição surgido o CPPT.

Assim, com o Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, foi revogado o CPT, a partir

da entrada em vigor do CPPT, que ocorreu em 1 de janeiro de 2000.

Visou-se, assim, alterar os mecanismos processuais, tendo em vista garantir uma

maior justiça tributária e alargar o processo tributário em todas as suas vertentes.

Com o RCPIT (atual RCPITA) e RGIT, veio reforçar-se a eficácia do processo

sancionatório fiscal e aduaneiro, pelo reforço dos meios de ação afetos à descoberta

e tratamento dos casos de infração fiscal, no sentido de combater, com celeridade,

as situações de incumprimento das obrigações fiscais consagradas na lei.

Em conclusão, verificamos que, de facto, estas reformas fiscais, vieram consagrar

significativas garantias materiais e processuais.

Não obstante, não podemos deixar de verificar que tiveram, também, na sua génese

a adoção de práticas nos moldes a que a máquina administrativa está habituada.

Assim, ao menor sinal de risco de perda ou oscilação da receita, é o próprio

legislador que, de imediato, consagra alterações no sentido do regresso à obtenção

de receitas normais, quer seja através da abertura do leque de situações que

passam a ser tributadas, quer pelo aumento de situações em que é possível o

recurso a métodos indiciários ou presunções, ou ainda através da limitação ou

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mesmo perda de benefícios fiscais até então consagrados, bem como pela

implementação de regimes de coleta mínima, pelo agravamento de taxas ou pela

criação de regimes de exceção.

Assistimos, assim, que ainda que no plano da teoria se consagrem princípios de

valoração da condição humana e importantes limites à tributação, no plano da

prática qualquer reforma tributária tem em vista um sistema tributário produtor de

receitas, pois que existe uma forte dialética entre o poder e o tributo.

Com efeito, o poder político será tanto mais forte e estável, quanto mais consiga

aplicar corretamente os recursos e promover a justiça, realizar a cobertura das

despesas do Estado e, em simultâneo, realizar a satisfação dos fins públicos e das

necessidades coletivas.

5. Justiça Fiscal

5.1 Justiça

Atento ao que se vem dizendo forçoso será tomar como ponto de partida a justiça,

começando desde logo pelo seu próprio conceito.

No entanto, tentar defini-la não é de todo uma tarefa fácil já que a sua definição varia

consoante o contexto sociocultural em que cada individuo se insere, bem como nas

suas próprias convicções individuais (sejam elas a nível cultural, moral, religioso,

moral ou filosófico). O seu significado tem sido objeto de estudo ao longo do tempo e

de debates intensos, existindo as mais variadas correntes filosóficas e doutrinárias

na definição deste conceito em si controverso. Na tentativa de estabelecer um

conceito básico de justiça, a partir do qual o debate filosófico teria lugar.

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33

Com vista a revelar um pouco desta problemática, tomemos como exemplo o

trabalho desenvolvido por Chaïm Perelman, um dos mais importantes teóricos da

Retórica no Século XX. Perelman distingue entre a “fórmula formal ou abstrata da

justiça” e as “fórmulas concretas da justiça”. Contudo, definindo-a em sentido

abstrato, como um princípio segundo o qual «os seres de uma mesma categoria

essencial devem ser tratados de uma mesma forma»9.

9 Na sua obra "Ética e Direito", Perelman debruçou-se sobre a análise do conceito de "justiça", a

partir de um ponto de vista lógico, vai examinar os diferentes sentidos da noção de justiça concreta, para deles extrair um substrato comum – a igualdade. Para o efeito, identifica seis conceções da justiça concreta (admitindo a maioria delas ainda numerosas variantes), que se afirmaram na civilização ocidental, desde a Antiguidade até nossos dias, a saber: 1) A cada qual a mesma coisa - todos devem ser tratados de igual modo, independentemente de qualquer particularidade distintiva (única concepção puramente igualitária). Perelman critica esta concepção, e, de forma irónica, assinala que, sob este prisma, o único ser perfeitamente justo seria a morte, inexorável e universal.

2) Aa cada qual segundo seus méritos – que exige um tratamento proporcional à presença e ao grau de determinada qualidade (mérito) em cada um. Não se exige, portanto, a igualdade de todos, mas um tratamento proporcional a uma qualidade intrínseca, ao mérito do indivíduo. Para Perelman, partindo-se desta conceção, pode-se chegar a resultados absolutamente distintos, bastando que não se conceda o mesmo grau de mérito aos mesmos atos dos indivíduos. Logo, o que vale é o esforço, a causa da ação e não o seu simples resultado.

3) A cada qual segundo suas obras - que requer um tratamento proporcional ao resultado das ações, sendo que o único critério do tratamento justo é o resultado da ação dos indivíduos. Esta fórmula de justiça é aplicada por exemplo para classificar candidatos num exame ou concurso.

4) A cada qual segundo suas necessidades – tem em vista diminuir o sofrimento daqueles que não têm condiçoes para satisfazer suas necessidades essenciais. Nesta conceção não é tido em consideração o mérito dos indivíduos ou da sua produção, antes visa reduzir o sofrimento daqueles que conseguem satisfazer as suas necessidades essenciais. Pelo que, devem ter um tratamento diferenciado. Para este autor a legislação dos países ocidentais, no século XX, que defendem os direitos sociais e adotaram medidas como o salário-mínimo e o subsidio de desemprego, inspirou-se nesta fórmula de justiça.

5) A cada qual segundo sua posição - a aplicação desta fórmula supõe que os individuos, com os quais se pretende ser justo, estão repartidos por regra, mas não necessariamente, em classes hierarquizadas. Esta conceção assenta na superioridade de indivíduos em resultado da hereditariedade (ou do nascimento), sendo muito usada na hierarquização social das sociedades aristocráticas e esclavagistas, onde as diferenças de tratamento são efetuadas em função de critérios como a raça, a religião e a fortuna.

6) A cada qual segundo o que a lei lhe atribui - o juiz deve aplicar uma regra pré-estabelecida. Existe um sistema pre-estabelecido de regras de direito, razão pela qual em relação aos factos se podem verificar resultados diferentes, conforme o ordenamento jurídico a ser aplicado.

Em todas essas conceções de justiça há um elemento comum: A igualdade de tratamento para seres iguais. Porconseguinte, pode-se definir a justiça formal ou abstrata como um princípio de ação segundo o qual os individuos de uma mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma.

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A discordância e confusão sobre aquilo em que a justiça consiste advêm,

justamente, da necessidade de especificar em fórmulas concretas quais são as

categorias de pessoas que devem ser tratados da mesma forma, assim como o que

significa exatamente “ser tratado da mesma forma”. Podemos considerar todos os

seres humanos como pertencendo à mesma categoria ? Ou podemos introduzir

categorias diferentes ? Podemos ainda especificar diversas modalidades de

tratamento da mesma forma: segundo o mérito, o trabalho, a necessidade, etc ?

Estas são pois algumas das questões que se levantam e cuja resposta não é

certamente fácil e muito menos consensual ou pacífica.

O tema, como assinala o Professor de filosofia política John Rawls, que se refere a

esta questão logo no início da sua obra “Uma Teoria da Justiça”, procedendo à

distinção entre o conceito e as conceções de justiça. Segundo o conceito de justiça, «as

instituições são justas quando não há discriminações arbitrárias na atribuição de direitos

e deveres básicos e quando as regras existentes estabelecem um equilíbrio adequado

entre as diversas pretensões que concorrem na atribuição dos benefícios da vida em

sociedade»10.

O conceito de justiça em Rawls assume, por isso, um conteúdo mais abrangente do

que o alcançado por Perelman. Devendo a justiça compreender instituições nas

quais não há lugar a discriminação arbitrária, mas que, a seu ver, deveriam

estabelecer um equilíbrio quanto aos benefícios, assumindo assim um caráter

institucional, um caráter público e, consequentemente, político e só depois um

procedimento individual.

A conceção contemporânea de justiça tem procurado definir o que significa

rigorosamente ser tratado como igual na atribuição institucional de direitos e

deveres, bem como, definir os aspetos segundo os quais diferentes indivíduos

devem ser tratados como iguais. Verificando-se, atualmente, quando se fala em

igualdade uma grande controvérsia quer quanto ao seu conteúdo quer quanto às

suas implicações.

10 John Rawls, “Uma Teoria da Justiça”, Lisboa, Editorial Presença, 1993, 1.ª Edição, Pág.29.

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Quanto a este tema, destacam-se três grandes correntes de conceções de justiça no

pensamento político contemporâneo11: a liberal, a comunitarista e a liberal igualitária,

que se apresentam, como se segue, em resumo útil.

i. A Conceção Liberal

De forma abreviada esta conceção é mais individualista e, por vezes, faz mesmo a

apologia do egoísmo, caraterizando-se por dar ênfase à liberdade negativa, ou de

não interferência externa e coerciva, entendida como proteção de uma esfera

individual inviolável.

A nível económico a questão essencial radica na eficiência dos mercados,

atendendo ao mercado livre e sua proteção.12

ii. A Conceção Comunitarista

Por sua vez, o comunitarismo assenta na ideia segundo a qual os indivíduos não

existem enquanto tal, ou pelo menos não se pode dar sentido à sua existência

autónoma a não ser encarados no seio das suas relações e interações sociais. Para

o comunitarismo, o todo social é real enquanto o individuo é uma construção.

iii. A Conceção Liberal Igualitária

Nesta conceção o modelo liberal igualitário defende a igualdade das liberdades

fundamentais, bem como, a relevância da igualdade de oportunidades e de

distribuição equitativa em termos económicos.

11 Uma vez que o utilitarismo não encerra em si uma conceção de justiça em sentido estrito, ou seja, uma especificação do conceito geral de justiça, não foi propositadamente incluído como uma corrente, nos termos acima citados, não obstante a sua relevância.

12 Robert Nozick, afirma que os indivíduos têm direitos e alguns tão fortes e abrangentes, que suscitam a questão do que, se é que alguma coisa, o Estado e seus funcionários podem fazer. Desta forma, para Nozick, o Estado deve ser mínimo, limitado às funções estritas de proteção contra força, roubo, fraude, imposição de contratos, etc. Para Nozick, é injusto compensar os desfavorecidos em prejuízo das trocas livres, pois que as pessoas são titulares de suas posses, desde que adquiridas justamente, e, nesse sentido, “ser titular” significa “ter um direito absoluto de dispor livremente delas como quiser, contanto que isso não envolva força nem fraude”. O indivíduo é livre para fazer o que quiser com seus recursos, e ninguém terá direito de tirá-los do indivíduo.

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Esta ideologia radica numa base individualista, pois que confere prioridade à

igualdade das liberdades, mas, também, é solidária, atendendo ao papel que

reserva à igualização do ponto de partida dos indivíduos, bem como da parte de

riqueza que lhe cabe, enquanto definida pelas regras institucionais da sociedade em

que vivem.

Na filosofia política atual esta conceção está muito associada a uma justificação

neocontratualista, assumida no pensamento de John Rawls.

5.2 O Estado e a Justiça

Em face do que já se disse, a questão da justiça fiscal é, assim, um domínio

privilegiado de juristas, de filósofos e de alguns politólogos, sendo uma questão, em

regra, menos considerada pelos economistas.

Segundo os teoremas da economia do bem-estar a partir do qual se procura definir o

objeto e método de como materializar um padrão de justiça, o mercado apenas

realiza uma afetação eficiente dos recursos. O mercado livre, do jogo da oferta e da

procura tem falhas, mas tende a ser eficiente. Dá a cada um o seu mérito, a sua

sorte.

Embora eficiente, o funcionamento do mercado não é justo. Aí surge a subjetividade

da justiça. Que padrão de justiça deve ser alcançado, o que é que é justo ?

O Contributo dos filósofos remonta, pelo menos, a Aristóteles, com a sua distinção

entre justiça comutativa e justiça distributiva.

O termo “justiça” vem do latim “justitia” que significa conformidade com o direito e

sentimento de equidade.

Aristóteles considera a justiça a maior das virtudes, pois esta visa o “bem do outro” e

como sendo única e exclusiva da sociedade. Pelo que, toda a cidadania está ligada

a um conceito de justiça.

Distingue entre justiça comutativa e justiça distributiva.

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A justiça distributiva é a que se observa na distribuição pela polis, isto é, pelo

Estado, de bens, honrarias, cargos, assim como responsabilidades, deveres e

impostos. Assim, a justiça distributiva, comparados dois sujeitos entre si e dois

objetos, será justo, se atingir a finalidade de dar a cada um aquilo que lhe é devido,

na medida de seus méritos. Por conseguinte, o critério utilizado como critério de

justa repartição aos indivíduos é o dos méritos de cada um.

Enquanto que na justiça corretiva, visa o restabelecimento do equilíbrio rompido

entre os particulares: a igualdade aritmética, isto é, desempenha função corretiva

nas relações entre as pessoas.

Segundo Aristóteles, a justiça corretiva necessitava da intervenção de uma terceira

pessoa, responsável por decidir eventuais conflitos nas relações entre as pessoas,

que ficava ao encargo do “dikastés” (juiz). Este era, para Aristóteles, a

personificação da justiça, pois, as pessoas recorrem ao do “dikastés”, como um

intermediário, que irá resolver o conflito, sendo justo para ambas as partes, tratando-

as de maneira igual.

Para John Locke (Séculos XVII-XVIII) os indivíduos no Estado natureza têm direito a

um conjunto de necessidades básicas, que não têm a ver com as liberdades

fundamentais enquanto individuo propriedade.

O que é justo que se realize no meio social para justificar um meio distributivo, para

alocar alguma riqueza e coloca-la ao serviço dos outros. Quem é rico deve pagar

mais porque é socialmente correto ajudar quem precisa, mas não porque o pobre o

mereça. Por conseguinte, é uma ajuda dada não com a perspetiva de melhorar a

condição dos outros, mas antes em proveito próprio, ou seja, como forma de

alcançar a plenitude eterna.

Para Adam Smith (Século XVIII), o pobre deve ser ajudado não porque isso seja

uma forma de realização pessoal de quem ajuda, mas porque o pobre é uma pessoa

que tem direito ao mesmo que qualquer outra pessoa.

Para este filósofo e economista britânico, nas liberdades fundamentais do Estado

natureza não há pobres. Então se no Estado Social eles existem, é porque o modelo

social funcionou mal ou não funciona. Deste modo, os pobres devem ser ajudados

por direito próprio.

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Para Kant (Séculos XVIII- XIX), considerado como o principal filósofo da era

moderna, defendeu um conjunto de princípios que legitimam a ação pública.

Segundo ele, os pobres devem gozar de algumas isenções, de tributação reduzida

ou ausência de tributação.

Para Jeremy Benthan, (Séculos XVIII- XIX), filósofo e jurista, todos devem beneficiar

de todos os bens sociais, nenhum lhe deve ser restringido.

Stuart Mill (Século XIX), vem ampliar a questão da distribuição, falando na

distribuição como algo que se impõe ao modelo social, mas que é um direito, é uma

política distributiva e não redistributiva.

Para este filósofo e economista britânico devem ser implementadas politicas para

que todos tenham um padrão de vida social comum.

Para Herbert Spencer (Séculos XIX-XX), nos modelos sociais há sempre ricos e

pobres, aptos e não aptos.

Os inaptos não devem ser ajudados, logo os pobres não devem ser ajudados, é o

chamado Darwinismo social.

Para John Rawls 13 (Século XX), procura desenvolver a teoria da justiça no sentido

do que deve ser garantido aos sujeitos, para garantir o bem social.

Rawls concebe a justiça de uma forma restrita, reservada à distribuição correta de

bens materiais e imateriais mais básicos da sociedade, ocupando-se deste modo

dos chamados bens primários: liberdades, oportunidades, rendimento e riqueza, e

também as bases sociais do respeito próprio (consequência de uma sociedade bem

ordenada).

Os bens sociais primários assumem por isso uma relevância crucial, na medida em

que são aquilo que os cidadãos livres e iguais necessitam para poderem exercer na

prática os seus dois poderes morais: a capacidade para uma conceção do bem e a

capacidade para um sentido de justiça.

13 Em face de John Rawls defender importantes princípios e teorias, e de este ter sido um filósofo influente, que contribuiu para a mudança dos sistemas políticos, e uma vez que o tema justiça é, só por si, bastante vasto, não constituindo o tema da nossa dissertação, apenas iremos abordar a conceção de justiça para este autor do século XX.

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Para Rawls a estrutura principal da sociedade é pois o objeto da justiça, sendo

constituída por um conjunto principal de instituições sociais organizadas

singularmente e em conjunto com vista à correta distribuição de direitos e deveres

entre todos.14

Para tanto, Rawls desenvolve as seguintes fórmulas: A primeira formulação de

carater geral, enraizada num princípio relativo à distribuição dos bens primários

através da estrutura básica «Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade,

rendimento e riqueza, e as bases sociais do respeito próprio – devem ser

distribuídos igualmente, salvo se uma distribuição desigual de algum desses valores,

ou de todos eles, redundar num benefício para todos»15.

A segunda formulação apresenta-se como uma extensão dos direitos individuais

básicos da primeira formulação, clarificando esses aspetos, assinalando que as

desigualdades sociais e económicas deverão estar em conformidade, com vista a

permitir que:

a) Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais extenso sistema de liberdades

básicas que seja compatível com um sistema de liberdades idêntico para as todas

as outras (Princípio da diferença);

b) As desigualdades económicas e sociais devem ser distribuídas para que,

simultaneamente, se possa razoavelmente esperar que elas sejam em benefício de

todos e, por outro lado, decorram de posições e funções às quais todas tenham

acesso.

Todavia, esta formulação não admite a possibilidade da desigualdade quanto à

distribuição do valor liberdade. Mas Rawls apresenta essa possibilidade quanto aos

aspetos económicos e sociais, pois que diversas experiências em comunidades

utópicas revelaram que ao não ser assim, isto é, não existindo essa desigualdade

como um incentivo, o sistema desmoronaria e a sociedade cairia na pobreza.

Porém, a desigualdade só é admissível caso esteja associada a posições a que

todos tenham acesso.

14 Entende Rawls que se uma estrutura básica estiver delineada de acordo com os princípios de justiça, então a sociedade é justa sejam quais forem os resultados finais obtidos por todos e cada um dos membros da sociedade. Não consistindo a justiça na afetação de bens a pessoas concretas, o que poderia ser arbitrário, mas antes na distribuição através de regras institucionais criadas de forma justa.

15 Vide John Rawls, ob. Cit., pág. 69.

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Segundo este autor, a justiça assim concebida, assente nos dois princípios

assinalados, apenas poderá ser aplicada em sociedades que não se encontrem

afetadas por condições de escassez, pois nestas a liberdade não assume uma

prioridade máxima atendendo à falta de bens de primeira necessidade.

As liberdades a que Rawls se refere são civis e políticas, compondo aquilo que,

vulgarmente se deve designar por direitos de cidadania.

Para Rawls o sujeito tem necessidades que se satisfazem através de bens. A

questão que se coloca é como regular o acesso a esses bens, para que se verifique

uma maximização da utilidade dos bens, salvaguardando os interesses dos bens.

Isto faz-se através do mercado, é nele que eu adquiro os bens, é nele que se eu

ofereço as minhas capacidades.

Partindo da ideia de sociedade como um sistema de cooperação, mas também de

conflito entre indivíduos livres e iguais, quais são os princípios da justiça que podem

estabelecer um adequado equilíbrio quanto às revindicações respeitantes às

vantagens e encargos dessa cooperação, quer em termos de direitos e liberdades

básicas, quer ainda em matéria económica e social ?

Rawls procura esclarecer o que é uma sociedade justa de pessoas livres e iguais,

fundada num sistema equitativo e de cooperação.16

Para tanto, a Teoria da Justiça liga ideias básicas de cooperação, liberdade e

igualdade a uma conceção de bens primários, a qual é construída com vista a

formular uma conceção substantiva de justiça, distribuidora de benefícios e encargos

que resulta da cooperação dos cidadãos livres e iguais de forma equitativa.17

16 O modelo societário desenvolvido por Rawls na Teoria da Justiça, tem por base sociedades democraticamente constituídas em toda sua plenitude, o que implica forçosamente tolerância a nível cultural e religioso. Ou seja, Rawls tem em mente sociedades desenvolvidas como são os casos das europeias e norte americanas.

17 Pelo que, os bens sociais incluem as liberdades, as oportunidades de acesso aos poderes e posições sociais, a riqueza e os rendimentos e também o respeito próprio, como consequência indireta de uma distribuição justa dos bens anteriores.

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Os bens sociais primários são distribuídos por uma estrutura básica da sociedade,

constituída por um conjunto de instituições sociais, as quais funcionam de modo

coordenado entre si. Sendo disso exemplo a constituição politica, os tribunais, as

formas de reconhecimento da sociedade, a natureza da família, a regulação dos

mercados, etc. A estrutura básica assume assim um papel preponderante na sua

teoria, sendo ela o objeto da justiça.18

Cabe ainda, nesta fase, abordar os princípios enformadores dos bens sociais

primários na estrutura básica. Temos assim:

O primeiro dos princípios diz respeito às liberdades de distribuição igualitária, como

sejam o direito de votar, de ser eleito, liberdade de expressão e pensamento,

reunião e associação, direito à liberdade e integridade física e os direitos e

liberdades que especificam o “Domínio da lei”: deve ainda ser garantido de forma

plena, e não apenas formal, o acesso a cargos políticos, condição basilar ao

exercício da cidadania.

O segundo é referente às oportunidades, rendimentos e riqueza subdividindo-se em

duas categorias:

1.ª - Igualdade de oportunidades em sentido liberal, intimamente ligada a um

princípio não discriminatório de acesso a funções e posições na sociedade, em

virtude da “lotaria natural” que cabe a cada individuo em função do nascimento ou

outro qualquer critério. 19

O individuo havia de querer que todos tivessem a mesma medida de direitos e

deveres. Todos devem ter o mesmo conjunto de direitos, o mesmo conjunto de

liberdades, direitos e deveres.

Todos são iguais no merecimento, iguais aos olhos do modelo social.

18 A aplicação da estrutura básica às instituições assenta em regras de âmbito geral, em detrimento de interesses particulares enquanto tal. A formação da justiça na estrutura básica está, assim, intrinsecamente, ligada ao domínio político. O qual compreende as relações entre as pessoas, as famílias, as associações e, ainda, as comunidades específicas mas com objetivos gerais idênticos. Por fim, o domínio político é também o domínio do Estado e como tal do poder coercivo.

19 Neste repto, Rawls, contrariamente a Adam Smith, de modo a poder satisfazer a igualdade

equitativa de oportunidades, determina que haja correções a nível da estrutura básica e não apenas uma simples aplicação de não discriminação, com vista a evitar a concentração de riqueza e propriedade, bem como o acesso à educação, independentemente, do rendimento familiar.

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2.ª – O princípio da diferença, pelo qual se requer que sejam criadas ao nível da

estrutura básica as condições necessárias tendentes a que as diferenças de

rendimento e riqueza sejam usadas para melhorar a situação dos mais

desfavorecidos (aqui se incluem não só aqueles que se encontram diminuídos pela

sua condição económica de nascimento, mas também critérios de outra índole,

como a saúde física e psíquica, a inteligência, a perseverança, os talentos naturais,

etc., os quais não devem reverter apenas para os seus detentores).

Para consagração desse princípio, o Estado deve atuar através de um mecanismo

de incidência negativa de impostos, procedendo, posteriormente e equitativamente,

à sua distribuição em função das necessidades e à correção das assimetrias

assinaladas.

As desigualdades económicas e sociais só se justificam se resultarem vantagens

para todos ou decorram de posições ou funções às quais todos tenham acesso.

É possível que as distribuições nos meios sociais sejam diferentes, se aqueles que

recebem mais têm mais aptidões e as alcançam em condições iguais para todos.

É a designada teoria de “chão comum para todos”. Existem diferenças, mas

alcançadas em pé de igualdade à partida.

As posições mais favoráveis são alcançadas em regime de “concorrência aberta” e

não motivadas por razões de ascendência social ou privilégios de família por

exemplo. Assim, alguns vão ter menos e outros vão ter mais, mas isso é justificado

e, por isso, de acordo com a ação pública, os que têm menos devem ser ajudados.20

20 No que concerne ao princípio da diferença, cabe ainda que tecer as seguintes apreciações. Para

este princípio, o benefício de todos atinge-se mediante a maximização da posição daqueles que estão pior colocados à partida (grupos específicos étnicos, mulheres, crianças, etc.), o que, inevitavelmente, conduz a uma aproximação entre os extremos ou uma igualização existencial, atendendo à sua característica distributiva. Rawls manifesta assim uma preocupação social no sentido de corrigir “a lotaria social”, ao não excluir nenhum indivíduo em função das contingências do seu nascimento. Manifestando, deste modo, uma clara uma preocupação em estender o direito à vida não só ao campo biológico (a nascer) mas também incluindo um nível de vida próprio consentâneo com a dignidade humana. Para tanto, defende correções ao nível da estrutura básica da sociedade com vista a garantir a igualdade de oportunidades para todos, distinguindo-se assim, nesta parte, do princípio de Pareto, o qual nada faz para compensar aqueles que são menos beneficiados em função da “lotaria natural”. Conclui este autor que as desigualdades económicas e sociais devem satisfazer duas condições: ser consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos em circunstâncias de igualdade equitativa de oportunidades, bem como ser para o maior benefício dos membros menos favorecidos da sociedade.

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É desta conjugação resultante entre o princípio da diferença e a igualdade equitativa

de oportunidades que surge a “igualdade democrática”.

Rawls, no entanto, hierarquiza os princípios quanto ao âmbito da sua aplicação. 21

Por último, importa abordar o Princípio do pluralismo

Os modelos, as redes sociais são extremamente pluralistas.

As pessoas desenvolvem-se nas redes. Pelo que, o modelo social desenvolveu-se

imenso, pois que hoje fazemos parte de grupos muito heterogéneos, que interagem

entre si.

Este pluralismo gera um conflito social que é saudável, pois cada grupo tenta

maximizar os sues interesses.

Neste sentido, a ação pública é necessária para acautelar o interesse de cada

grupo, para que uns não absorvam outros, ou seja, para que não façam desaparecer

os mais fracos.

Questiona, assim: Quais seriam as bases de uma politica social ?; O cidadão

comum, o homem médio colocado fora do seu meio social (chamada posição

original), qual seria o padrão que iria escolher ?; Que princípios seriam escolhidos

para regular o meio social do qual vão fazer parte ? 22

21 Estabelecendo prioridades e coloca no topo o primeiro princípio, o da liberdade, o qual só poderá

ser objeto de restrições, exclusivamente, em casos muito especiais de fome generalizada, excluindo, assim, a possibilidade deste princípio ceder perante necessidades como o aumento do bem-estar, da eficiência ou sequer em função da melhoria da igualdade de oportunidades ou da maximização das expetativas dos mais desfavorecidos, valores estes que integram o segundo princípio e surgem hierarquicamente logo abaixo da liberdade. Por fim, surge o princípio da diferença, cuja aplicação deve surgir através de um enquadramento institucional que garanta o respeito pelas liberdades e pela igualdade equitativa de oportunidades, tendo em vista manter a primazia dos plenos direitos de cidadania que os princípios da justiça fundamentam.

22 Rawls, com forma de concretização e aplicação da justiça nos termos por si pré concebidos propõe,

na sua obra, como ponto de partida a colocação dos representantes da sociedade numa posição ficcionaria designada por “posição originária”, que se traduz num status quo em que os indivíduos, representantes de uma sociedade livre e democrática, são colocados em pé de igualdade de direitos no procedimento de escolha de princípios que irão nortear a sociedade a integrar. No leque de soluções que lhes é apresentado e onde assentaram as suas escolhas, consta a conceção de justiça oferecida por Rawls, aqui anteriormente desenvolvida. Isto é, nos princípios morais que tornam uma sociedade justa. Assim, cada indivíduo pode escolher de maneira autónoma os princípios da justiça da futura sociedade política, desde que obedecendo aos critérios de justiça na forma previamente consagrada por Rawls. Logo de seguida, partindo da posição originária, surge a grande inovação trazida por Rawls na sua teoria, a qual o destaca em relação a outros autores e que se traduz no facto de para excluir que as partes contratantes procurem vantagens unilaterais e ajuízem com parcialidade, pois que as concebe

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

44

6. Alguns Problemas Atuais do Estado Fiscal

O Estado Fiscal está hoje confrontado com alguns problemas, aos quais iremos em

seguida fazer referência.

Desde logo, no atual contexto de globalização em que a atividade económica é cada

vez mais complexa, acompanhada de um desenvolvimento tecnológico altamente

sofisticado, é cada vez mais visível o afastamento entre o universo dos cidadãos de

um Estado e o universo dos contribuintes que suportam financeiramente esse

mesmo Estado, como é o caso daqueles que não dispõem de capacidade

contributiva.

A par desta questão, verificamos, igualmente, em Portugal, relativamente ao imposto

sobre o rendimento, que a tributação tende a concentrar-se nos rendimentos do

trabalho, pois que a existência de rendimentos que estão sujeitos IRS, que se

apresenta como imposto real, proporcional e de taxa ou alíquota moderada, temos

uma tributação do rendimento pessoal que, na prática, acaba por ser suportada

basicamente pelos trabalhadores dependentes. Donde, a distribuição de

rendimentos que uma tributação pessoal e progressiva do rendimento devia

proporcionar acaba por operar dentro de universo bastante limitado, ou seja, que a

tributação pessoal e progressiva do rendimento se restringe aos rendimentos dos

trabalhadores por conta de outrem, os quais estão longe de espelhar o conjunto de

rendimentos que compõem o rendimento nacional.

sob o “véu da ignorância”. Inspirado na filosofia contratualista (este, importante filosofo, é marcadamente contratualista) mas apenas num contexto hipotético, que impede os representantes de conhecer, restringido o seu conhecimento a uma teoria limitada do bem e à ideia de bens sociais primários. Estas restrições, previamente colocadas pelo “véu da ignorância”, garantem a razoabilidade na escolha de um sentido de justiça na forma como é concebida por Rawls. Com efeito, ao serem colocados na posição originária, os representantes são cautelosos nas suas escolhas, optando pela oferta que melhor lhes permite maximizar o mínimo de bens sociais primários a atribuir a cada cidadão inserido numa sociedade organizada, ajuizando segundo um critério de razoabilidade. O que Rawls visa é assegurar um sistema organizado em que ninguém cai ou fica abaixo de um nível mínimo daquilo que se deve entender como sendo o limiar da dignidade humana, a que cada cidadão deve ter direito desde que nasce. Contudo, não limita aquilo que são as livres aspirações ou possibilidades naturais e económicas de cada um. Para tanto, deixa um espaço bastante vasto ao desenvolvimento dessas capacidades, mas tendo sempre como pano de fundo os princípios elencados. Deste modo, As escolhas efetuadas pelos representantes, colocadas em prática através da intervenção do estado na vida social e económica da sociedade, enformam o contrato social, servindo a base e limite positivado através acento constitucional.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

45

Ao facto de nem todos os cidadãos serem contribuintes acresce o facto do número

dos contribuintes “nómadas”, isto é, empresas e profissionais que facilmente se

deslocam a sua sede ou residência para países ou territórios com uma carga fiscal

menos gravosa. Razão pela qual, os impostos indiretos começaram de novo a

ganhar a simpatia do legislador e da doutrina.

É que, em virtude dos contribuintes “nómadas” se subtraírem aos impostos diretos,

não resta outra alternativa, senão a de sujeitar aos impostos que incidem sobre o

consumo (indiretos), pese embora, o agravamento destes impostos vá afetar

também os mais desprotegidos.

Outro problema atual do Estado Fiscal prende-se com a resposta que ao aumento

da carga fiscal. De facto, em face do aumento da intervenção do Estado, com o

propósito de realização de fins públicos, que visam a satisfação das necessidades

coletivas dos seus cidadãos, a consequência óbvia foi o incremento das

necessidades financeiras do Estado.

Por um lado, a nível interno, devido ao facto dos Estados atingiram níveis de carga

fiscal elevados, fez com diversos países apostassem claramente na diminuição de

impostos, tendo para o efeito, encetado reformas fiscais orientadas para a

diminuição da carga fiscal.

Por outo lado, a globalização, a começar pela globalização económica, em vez de

abrir caminho a que todos os países tenham livre acesso a tudo, conduz, ao inverso,

a que alguns, os países mais poderosos, se apropriem tendencialmente de tudo.

Pelo que, não se assiste, por conseguinte, à disponibilização crescente de tudo a

favor de todos, mas sim à reserva de quase tudo a cada vez menos.

De facto, a nível económico, assistimos ao facto de os Estados entrarem numa

concorrência fiscal sem precedentes. Concorrência essa que, numa primeira fase,

foi vista como benéfica e, consequentemente, acolhida com simpatia pela doutrina.

Contudo, a manutenção e aceleração dessa concorrência, não tardou a dar-nos

conta que a concorrência fiscal pode ser prejudicial e comprometer as receitas

fiscais dos Estados.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

46

Com efeito, a par de afetar a mobilidade dos fatores de produção, leva, igualmente,

como já referimos à deslocação da tributação do capital para o trabalho, um

fenómeno, de resto, já visível hoje em dia, uma vez que as empresas e os

profissionais altamente qualificados circulam com grande facilidade.

Coloca-se então o problema já não da dimensão máxima do Estado Fiscal, mas

antes o da sua dimensão mínima, ou seja, do mínimo de existência estadual.23

Outro fenómeno contemporâneo, que vem desequilibrar o Estado Fiscal prende-se

com o poder da administração fiscal. Ou seja, a crescente deslocação do poder em

sede fiscal da administração, pois que, tradicionalmente, lhe competia proceder à

liquidação e cobrança da generalidade dos impostos, e atualmente desempenha o

papel de uma administração de controlo, limitada basicamente ao controlo e

fiscalização da gestão dos impostos, levada a cabo predominantemente pelos

contribuintes, através da autoliquidação. Mesmo em sede de IRS a liquidação tem

por base a declaração dos contribuintes, limitando-se a administração fiscal a

realizar operações meramente matemáticas.

23 Em face desta problemática, assinala o Professor Casalta Nabais in “Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal”, editora Almedina, pags.66 e 67: «Daí a tomada de posição sobre uma tal concorrência fiscal tanto pela OCDE como pela União Europeia. O que se traduziu, em sede da OCDE, na aprovação em 1998 de um Relatório sobre a concorrência fiscal prejudicial como problema mundial e, em sede da União Europeia, a aprovação de um Código de Conduta relativo à fiscalidade das empresas. Documentos que são a expressão mais visível do início do estabelecimento de uma disciplina a nível internacional tendencialmente global, ou seja, ao nível a que a concorrência fiscal se verifica. Uma ideia sobre cada um destes documentos. O Relatório da OCDE criou um Forum para as práticas fiscais prejudiciais, que foi encarregado de identificar os regimes fiscais preferenciais potencialmente prejudiciais dos países membros e, bem assim, os países que, de acordo com os critérios definidos no Relatório, configurem paraísos fiscais. Para além disso, definiu os princípios directores relativos ao tratamento dos regimes preferenciais prejudiciais dos 29 países membros, adaptou uma série de 19 recomendações dirigidas à luta contra as práticas fiscais prejudiciais e fixou um calendário para os países membros identificarem, declararem e suprimirem as características prejudiciais dos seus regimes preferenciais. Por seu turno, o Código de Conduta da União Europeia relativo à fiscalidade das empresas é uma espécie de gentlemen’s agreement, integrado por um compromisso político, que visa combater a concorrência fiscal prejudicial através de medidas que sejam susceptíveis de ter incidência sensível na localização das actividades económicas na Comunidade Europeia, sejam estas levadas a cabo por empresas diferentes, sejam exercidas dentro de um grupo de sociedades. Quanto às medidas fiscais abrangidas, devemos considerar como tal todas as medidas fiscais que afectem a localização das actividades económicas, qualquer que seja a sua base jurídica ou forma de concretização (disposições legislativas, disposições regulamentares e simples prática administrativas, que possam ser consideradas como potencialmente prejudiciais. Nestas se integram, designadamente as que se traduzam num nível de tributação efetivo, incluindo a taxa zero, significativamente inferior ao normal aplicado no Estado-membro em causa. Resulte isto quer da taxa nominal do imposto, quer do processo de determinação da matéria coletável, quer de qualquer outro factor pertinente, como isenções ou deduções à colecta».

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

47

Significa isto que a administração fiscal desempenha sobretudo uma função de

controlo ou fiscalização.

Esta questão levanta problemas, principalmente no que diz respeito ao reforço do

poder da administração face à responsabilidade na luta conta a fraude e evasões

fiscais.

Ora, uma luta eficaz contra as múltiplas e variadas formas de evasão fiscal, constitui,

nos dias de hoje, uma tarefa, nas palavras do Casalta Nabais uma luta

“verdadeiramente titânica”, em especial para os governos com suporte democrático.

Com efeito, é insustentável a situação a que uma parte considerável e crescente de

contribuintes que se consegue furtar ao cumprimento das suas obrigações fiscais,

fugindo com assinalável sucesso aos impostos. Insustentável quer pela receita

perdida quer pela discriminação fiscal que provoca.

Na verdade, uma vez que os impostos reduzem o rendimento disponível ou a

riqueza detida, verifica-se, logo à partida, um motivo de ordem económica para que

os contribuintes busquem alternativas de reduzir ou evitar os tributos. Contudo, tais

procedimentos são ilegais e prejudiciais, tanto para o Estado, como para os

restantes contribuintes.

Com efeito, atendendo a que a evasão fiscal provoca uma diminuição de receitas

nos cofres do Estado, resulta, em consequência, num prejuízo para a economia

nacional, bem como, para os contribuintes cumpridores.

Um fenómeno que como observa Casalta Nabais «coloca a questão de saber se,

através desta via, não estamos de algum modo a regressar à situação que com algumas

excepções se manteve até ao triunfo do estado constitucional, em que certas classes,

ou seja, o clero e a nobreza, estavam excluídos da tributação que, assim, incidia apenas

sobre os membros do terceiro estado.

Naturalmente que a fuga aos impostos aparentemente nada traria de mal ao mundo se

todos os contribuintes estivessem em condições de fugir e de fugir em condições de

igualdade. Ou seja, se o exercício dessa fuga operasse no quadro de uma concorrência

perfeita» 24

24 José Casalta Nabais, “Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal”, editora

Almedina, pags. 71 e 72.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Relativamente a esta questão, importa ainda referir que os contribuintes que confiam

na administração fiscal estão menos predispostos para se furtar às suas obrigações

fiscais do que aqueles que não confiam. Pelo que, é essencial minimizar a tendência

de evasão e aumentar o cumprimento fiscal voluntário, tendo papel importante nesta

tarefa a promoção de uma imagem de uma administração honesta. Para o efeito, a

administração fiscal deverá, igualmente, tornar o seu sistema mais eficaz e mais

célere.

Posto isto, torna-se de facto forçoso uma luta adequada e eficaz contra a evasão

fiscal, em claro respeito pela Constituição e a lei e respeito com e as liberdades que

decorrem de um Estado Fiscal.

Ora, no que concerne a esta questão, foi entendido, durante muito tempo, a

administração fiscal impedida de intervir na luta contra a evasão aos impostos, por

força desta se situar no âmbito do legislador e não da administração.

Contudo, em face do insucesso da luta contra a evasão fiscal, que a partir de certo

momento se começou a verificar, devido à impraticabilidade das soluções legais

preconizadas, impos que se optasse por outra via, concretizada pela função

administração fiscal, mormente através fiscalização, o que veio colocar exigências

relativas aos meios à disposição dessa atividade administrativa.

Em face do considerável e crescente número de contribuintes que se consegue

furtar ao pagamento de impostos, bem como, em virtude da crescente

internacionalização das empresas, na luta contra a evasão fiscal tem, igualmente um

papel, preponderante as designadas “cláusulas anti-abuso”.

Contudo, as múltiplas formas, que a evasão e fraude fiscais apresentam, dificilmente

poderão encontrar-se previstas nos diversos Códigos de cada imposto todas as

situações. Pelo que, relativamente a esta temática o legislador português veio,

através Lei n.º 30-G/2000 de 29 de Dezembro, introduzir uma cláusula geral de luta

contra a evasão e fraude fiscais 25, o que foi concretizado através do aditamento do

nº 2 ao Art. 38.º da LGT. 26

25 Relativamente aos ordenamentos onde são reportadas cláusulas (ou doutrinas judiciais) gerais anti-abuso assinala Gustavo Lopes Courinha, “A Cláusula Geral Ati-abuso no CAAD: a Insustentabilidade de uma Jurisprudência Contraditória – Comentário às Decisões dos processos 47/2013, 51/2014 e 131/2014” in “Desafios Tributários”, com coordenação de Nuno Barroso e Pedro Marinho Falcão, Vida Económica, 2015, págs. 99 e 100 que «…o elemento normativo desempenha, assim, uma função de garantia da aplicação coerente do sistema, auxiliando o aplicador na obtenção de soluções teleologicamente consideradas. Deste modo, a CGAA funciona como instrumento de aperfeiçoamento do sistema e impedimento de contorno da lei Fiscal, por ser, desde logo, uma manifestação da teoria da fraude à lei». 26 «2 - São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução,

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Por último importa referir que, na luta contra a evasão fiscal tem, igualmente um

papel, preponderante o acesso à informação bancária.

Com efeito, para desempenhar a sua função de fiscalizar e inspecionar se os

contribuintes desempenharam corretamente a sua tarefa, tendo em vista a

liquidação do imposto a entregar nos cofres do Estado, é necessário, igualmente

dispor do meio que lhe permita ter acesso à informação bancária, pois que na atual

economia, generalizaram-se as relações bancárias tanto em relação aos

contribuintes singulares como quanto às empresas.

E esse acesso à informação bancária deverá sê-lo no sentido de ser excluído ou

dificultado de tal modo que redunde na impossibilidade prática de a administração

desempenhar a sua função fiscalizadora ou inspetiva.

Em Portugal o Acesso a informações e documentos bancários encontra-se previsto

no Art. 63.º-B, da LGT.

Relativamente a esta questão importa ainda referir que o levantamento

administrativo do sigilo bancário é, atualmente, um problema que ultrapassa o estrito

domínio do direito fiscal e os próprios espaços nacionais, pois que a globalização, é

um fenómeno que se verifica em todos os domínios e não apenas no domínio fiscal.

7. Princípios Estruturantes do Sistema Fiscal Português

7.1 Considerações Gerais

Em face do que temos vindo a dizer, o tributo, tem no Estado Moderno, um papel

essencial.

É, hoje, unanimemente reconhecido que à administração pública, a qual engloba a

administração fiscal, a qualidade institucional e orgânica do próprio Estado, com o

objeto direto e imediato de prossecução de fins públicos.

eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.».

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50

Como é, hoje também, reconhecido que a administração tributária deixou de ocupar

a posição de omnipresença e monopólio da relação tributária. Assim, não podemos

olhar o contribuinte como detendo na relação jurídico tributária um estatuto menor e

de mera passividade. Antes, requer-se que, nos tempos de hoje, este ocupe uma

posição atuante e colaboradora.

Assim, a relação existente entre o Estado e os contribuintes gera um vínculo

estabelecido pela ordem jurídica. Com efeito, a relação jurídica tributária, que se

estabelece entre a administração fiscal por um lado, e o contribuinte por o outro,

implica regras.

Pelo que, no exercício dos poderes fiscais o Estado tem que atuar de acordo com os

princípios e normas jurídicas que o disciplinam.

Destarte, cabe-nos agora abordar alguns dos princípios, embora de forma sintética,

que devem nortear a atuação da administração, importando desde logo referir o que

se entende por “princípios”.

Relativamente a esta temática, assinala Paula Rosado Pereira que «Os princípios

constituem traves mestras que dão à ordem jurídica uma ideia de unidade e uma

lógica própria. Permitem uma sistematização, uma ordenação e uma ponderação

dos aspectos valorativos subjacentes aos regimes consagrados na ordem jurídica

em causa. Deste modo, os princípios de direito fornecem uma justificação para as

normas concretas, constituído a sua base e explicando as razões da sua existência

e do seu teor.

Sintetizando as características dos princípios de direito que nos parecem mais

relevantes, salientamos que estes são abstractos (ou seja, dotados de um nível de

abstracção superior ao das normas), têm um peso significativo e um papel

estruturante fundamental na ordem jurídica a que pertencem. Os valores essenciais

e as orientações gerais que veiculam concretizam-se em regras aplicáveis aos casos

particulares, às quais servem de fundamento. Os princípios de direito exprimem,

pois, os valores nucleares e as traves mestras estruturantes de uma área de direito

(ou, nalguns casos, do sistema jurídico como um todo).» 27

27 Paula Rosado Pereira, “Lições de Fiscalidade – Volume II – gestão e Planeamento Fiscal Internacional”, no Capitulo 6 “Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional”, Almedina, 2015, págs. 201 e 202.

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51

No Direito Fiscal podemos identificar dois grupos de diretrizes orientadoras: os

princípios de raiz constitucional e os princípios inerentes ao procedimento tributário.

No que aos princípios de raiz constitucional diz respeito, temos o princípio da

legalidade, o princípio da segurança jurídica, o princípio da proteção jurídica, o

princípio da igualdade e o princípio do Estado Social.

No que concerne aos princípios inerentes ao procedimento tributário, encontram-se

desde logo definidos no Art. 55.º da LGT, que estabelece que “A administração

tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo

com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da

imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e

demais obrigados tributários”

7.2 Os Princípios Constitucionais Fiscais

É através da arrecadação de impostos que o Estado exerce as atividades públicas

com objetivo de alcançar o bem comum. Todavia, essa arrecadação não pode ser

exercida de forma arbitrária. Pelo que, o legislador constitucional, com intuito de

proteger a sociedade da criação excessiva e arbitrária de impostos, limitou o poder

de tributar.

Os princípios constitucionais fiscais desempenham, assim, uma função relevante na

criação, orientação e entendimento na aplicação das normas jurídicas fiscais.

Deste modo, os princípios constitucionais fiscais que regem a tributação vêm

estabelecer limites de natureza formal (relativos a que e como se tributa), e de

natureza material (relativos ao que e ao quanto se tributa), na criação e aplicação

das normas jurídicas fiscais.

Princípio da Legalidade

O princípio de legalidade, expresso no artigo 103.º n.º 2 da CRP impõe que os

impostos e os seus elementos essenciais, ou seja a incidência, a taxa, os benefícios

fiscais e garantia dos contribuintes, bem como, a definição dos crimes fiscais e

regime geral das contra-ordenações fiscais, têm que obrigatoriamente de ser criados

por lei.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

52

O princípio da legalidade, no ordenamento jurídico português é, assim, acolhido no

sentido de exigência de lei em sentido formal. Isto é, a matéria tributária relativa aos

elementos essenciais dos impostos, é da competência “relativamente reservada” da

Assembleia da República (Art. 165.º, nº 1, alínea i) e nº 2 da CRP).

Assim, os impostos apenas podem ser criados e regulamentados pelo órgão que

representa diretamente o povo soberano, isto é, a Assembleia da República. De

facto, o Art. 165.º, n.º 1, alínea i) estabelece que as matérias relativa a impostos são

da reserva relativa da Assembleia da República. Dito de outo modo, os impostos

apenas podem nascer ou de uma lei da Assembleia da República ou de um Decreto-

Lei autorizado pelo Governo, desde que devidamente habilitado por uma lei de

autorização legislativa, conforme dispõem os n.os 2, 3 e 4 do Art. 165.º, da CRP.

Se este pressuposto formal não se verificar, os impostos serão ilegais.

Assim, desta regra constitucional resultam, claramente dois limites, um para o órgão

legislador obrigado a legislar em matéria tributária nos termos de rigorosa reserva

absoluta; outro para o órgão aplicador do direito, na medida em que exclui o

subjetivismo na sua aplicação, o que pressupõe a proibição da analogia e da

discricionariedade, ou seja, na determinação do sentido das normas fiscais e na

qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam dever ser observadas as regras

e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis. Assim, na interpretação não

se deve “cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento

legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as

circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em

que é aplicada.” (n.º 1 do Art. 9.º do CC). É, pois, forçoso recorrer ao elemento

sistemático e também à ratio legis.

Princípio da Segurança Jurídica

O princípio constitucional da segurança jurídica está inerente ao postulado que

prevê um sistema jurídico estável e previsível, de modo a que o cidadão saiba a todo

o momento quais as regras jurídicas que determinam a sua vida quotidiana.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Com efeito, em Direito Fiscal, facilmente se alcança a importância da necessidade

de determinação e precisão das normas fiscais, para um sadio desenrolar das

atividades económicas, sendo essencial que os cidadãos e a comunidade possam

depositar confiança na ordem jurídica.

De facto, o princípio do Estado de Direito democrático postula uma ideia de proteção

da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na ação do Estado,

o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas

expetativas que lhe são juridicamente criadas. Visa-se, assim, proteger a segurança

jurídica dos cidadãos, sendo que a respetiva salvaguarda opera em dois planos: no

da estabilidade do direito e no da proteção da confiança.

O primeiro pressupõe que o direito não esteja em permanente mutação, levando a

que possa haver algum grau de certeza quanto às normas legais em vigor, encargo

que nos dias de hoje não se afigura fácil para os juristas, quanto mais para o comum

dos cidadãos.

O segundo pressupõe que as normas tributárias sejam elaboradas com clareza e

rigor, no sentido de permitir aos cidadãos compreender o respetivo alcance, e

determinar as suas condutas.

No que concerne ao à atuação dos legisladores, este princípio ínsito na ideia de

Estado de Direito democrático, limita-o em dois sentidos: proibição de normas

retroativas e exclusão da livre revogabilidade e alteração das leis fiscais.

O primeiro sentido encontra-se expresso no Art. 103.º, nº 3 da CRP e o segundo tem

expressão principalmente na limitação ou exclusão da “livre revogabilidade”, pois

que está em causa a tutela dos direitos adquiridos ou dos direitos subjetivos,

essencialmente que merecem especial proteção.

Na LGT a questão da retroatividade está expressa no Art. 12.º.

Outra dimensão do princípio da segurança jurídica ocorre com a obrigação de

qualquer decisão da administração fiscal ter de ser comunicada ao seu destinatário,

devendo esta ser devidamente fundamentada e conter a indicação taxativa das

disposições legais aplicáveis, conforme n.º 3 do Art. 268.º, da CRP e Art. 77.º da

LGT.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Princípio da Igualdade e Princípio da Capacidade Contributiva

O princípio da igualdade é um princípio jurídico-constitucional, transversal a todo o

ordenamento jurídico.

Em sede do Direito Fiscal expressa-se na obrigação universal de todos os cidadãos

se encontrarem sujeitos ao pagamento de impostos.

Ora, uma das dimensões do princípio da igualdade é a proibição do arbítrio, ou seja,

devem ser tratadas de forma igual as situações iguais, e de forma desigual as

situações desiguais. Neste sentido, a obrigação do pagamento de impostos é

efetuada em função da capacidade contributiva, isto é, através de uma justa

repartição dos encargos fiscais, permitindo, assim, que todos contribuam de acordo

com as suas possibilidades, para a realização do bem comum.

Dentro deste princípio da igualdade tributária enquadra-se, assim, ainda outro

subprincípio: o da uniformidade, no âmbito do qual se sustenta que a repartição dos

impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério, idêntico para todos. E, esse

critério reside no facto que a incidência e a repartição dos impostos fiscais se deve

fazer segundo a capacidade económica ou de riqueza.

Por conseguinte, para aferir da capacidade contributiva estabelece-se três critérios

de riqueza relevantes que demonstram a capacidade económica do contribuinte: o

rendimento, enquanto riqueza que o contribuinte obtém; o património, enquanto

riqueza que possui, e o consumo, enquanto riqueza que gasta – Art. 104.º da CRP.

Implica, assim, igual imposto para aqueles que dispõem de igual capacidade

contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto para aqueles que dispõem de

diferente capacidade contributiva, na proporção desta diferença (igualdade vertical).

A capacidade contributiva tem, igualmente, uma vertente negativa ligada ao princípio

da igualdade (Art. 13.º da CRP), em que não poderão ser valorados no tipo legal de

imposto (agravamento ou desagravamento) fatores como o sexo, raça, língua,

território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação

económica, condição social ou orientação sexual.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

55

E, tem, também, uma vertente positiva em que o tipo legal de imposto só deve

referir-se a elementos económico-financeiros, isto é, atender ao rendimento líquido

de encargos, à utilização que dele se faça e ao património. São estes elementos que

devem ser tidos em consideração para a fixação da prestação contributiva.

Deste modo, se cada contribuinte paga na medida das suas possibilidades, o

princípio da capacidade contributiva representa um pressuposto de justiça fiscal no

que respeita à distribuição dos impostos pelas pessoas.

Com efeito, ao estabelecer-se um critério de pagamento tendo em conta a

capacidade contributiva de cada um, supõe que os contribuintes com maior

capacidade económica venham a pagar um imposto mais elevado e que os

contribuintes com menor capacidade económica, suportem um imposto mais

reduzido.

Este princípio, também, se expressa na obrigação de existirem medidas

diferenciadoras de modo a obter uma igualdade entre contribuintes.

É o que ocorre, por exemplo, com a discriminação positiva da família, ou as

deduções à coleta em sede de IRS em função do número de filhos.

Princípio da Proteção Jurídica

No que concerne ao princípio da proteção jurídica, consagra o direito dos

contribuintes poderem recorrer à justiça tributária para fazer valer os seus interesses

legítimos.

Neste sentido, todos os atos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses

legalmente protegidos, são impugnáveis ou recorríveis nos termos definidos na lei.

Este princípio encontra-se expresso no Art. 20.º da CRP e no Art. 9.º da LGT.

As garantias previstas aplicam-se quer a favor dos particulares quer a favor da

administração pública.

Bem como, o direito de acesso à justiça e de recurso aos tribunais engloba, nos

termos do Art. 20.º da CRP, o direito à informação jurídica e o patrocínio jurídico.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

56

Princípio do Estado Social

Como manifestações do princípio do Estado Social refere a alínea b) do Art. 81.º , da

CRP, que “Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:

Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as

necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do

rendimento, nomeadamente através da política fiscal;”, e no n.º 1 do Art. 103.º, nº1

“o sistema fiscal visa (…) uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”.

Assim, são definidas orientações para que a tributação se faça através da

progressividade das taxas dos impostos e pela tributação do capital, bem como da

não tributação das prestações sociais e dos mínimos de existência e tendo em conta

os rendimentos gastos com as despesas com a habitação, saúde, educação,

segurança social.

Os limites constitucionais para o sistema fiscal têm, assim, em conta dois momentos:

a) Finalidades do sistema: finalidade financeira, que que se visa a satisfação das

necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e finalidade extra-

fiscal, na medida em que se visa repartição justa dos rendimentos e da riqueza fiscal

(Art. 103.º CRP);

b) Contornos do sistema fiscal: imposto único e progressivo sobre o rendimento

pessoal, tributação real como regra da tributação do rendimento das empresas;

tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos;

tributação do consumo adaptada ao desenvolvimento económico e à justiça social

(Art. 104.º CRP).

Princípio da Proporcionalidade

Em obediência ao princípio da proporcionalidade a administração fiscal deve

escolher, dentro dos diversos meios ou medidas idóneas e congruentes, de que

disponha a menos gravosa ou causem menos danos. Deve intervir para que se

consiga compatibilizar o interesse público e os direitos dos particulares, sendo aqui o

princípio da proporcionalidade um fator de equilíbrio, garantia e controlo dos meios e

medidas a praticar.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

57

O princípio da proporcionalidade, surge, assim, como um dos limites do poder

discricionário em prol dos direitos fundamentais.

A administração não tem, pois, que ater-se apenas na lei formal, mas também a

outros conceitos, normas e princípios, que devem ser observados em cada caso

concreto, ponderando para encontrar a melhor solução ao interesse público e em

respeito pelos direitos dos particulares.

No princípio da proporcionalidade, como é adotado na doutrina e jurisprudência

moderna, cuida-se, fundamentalmente, de aferir a compatibilidade entre meios e

fins, de molde a evitar restrições desnecessárias ou abusivas contra os direitos

fundamentais.

Assim, nos atos a praticar a administração terá que ter em conta, as seguintes

diretrizes: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Em primeiro, deve proceder a uma avaliação, para que o ato a praticar se revele, na

utilização da medida adequada e idónea para atingir o fim pretendido (conformidade

do ato praticado com os fins a realizar).

No que diz respeito à necessidade, caracteriza-se na ideia de que a medida a adotar

é necessária para atingir o fim proposto, não podendo ser utilizada uma medida

menos lesiva, sendo que uma medida será exigível ou necessária quando não for

possível escolher outro meio igualmente eficaz e menos lesivo.

Dito de outro modo, consiste em verificar a necessidade ou exigência dos atos que

se pretende praticar, pois que, o Estado deve empregar as medidas menos lesivas

ou onerosas para o cidadão. Exige-se, portanto, uma ponderação entre a medida

adequada e outras, igualmente adequadas para atingir o mesmo fim, para que se

possa optar pela menos lesiva.

Quanto à proporcionalidade em sentido estrito este realça a ideia de equilíbrio entre

valores e bens (princípio da justa medida).

Distingue-se da proporcionalidade em sentido lato na medida em que esta envolve

considerações sobre a adequação entre meios e fins e a utilidade de um ato para a

proteção de um determinado direito, enquanto a proporcionalidade em sentido estrito

apenas envolve a relação concertina entre duas grandezas.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

58

No Direito português, refere o Professor Gomes Canotilho que o princípio da

proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido como princípio da proibição

do excesso, se encontra previsto na CRP nos artigos 18.º, n.º 2; 19.º, n.º 4 e 266.º,

nº 2.

7.3 Os Princípios inerentes ao Procedimento Tributário

Tendo em vista a regulamentação da relação jurídica tributária, no âmbito do

procedimento e processo tributário, são estabelecidas normas legais que conferem à

Administração Tributária um poder dever administrativo, que se carateriza pelos

poderes que lhe são atribuídos e pela obrigatoriedade do seu exercício.

Acresce que, os poderes conferidos à Administração Tributária conducentes à

realização dos seus fins, enquanto sujeito ativo da relação jurídica tributária, têm,

também, de ser exercidos com respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes,

enquanto sujeitos passivos.

A atuação da Administração Tributária encontra-se, assim, regulada por lei que lhe

atribui poderes e, também, deveres.

Princípio da Decisão e da Celeridade

O princípio da decisão e da celeridade está expresso nos artigos 56.º e 57.º da LGT.

O Art. 56.º expressa o dever da administração tributária se pronunciar sobre todas

as questões da sua competência que lhe sejam apresentados pelos contribuintes.

A expressão “da sua competência”, é utilizada no sentido global, isto é, não do órgão

em concreto, mas sim da administração tributária, pelo que, não afasta o dever de

pronúncia na eventualidade de o assunto não ser apresentado ao órgão ou

autoridade competente para a pronúncia.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

59

Está, assim, implícito que, nos casos em que a entidade da administração tributária

a quem for apresentado a questão não for competente, material ou territorialmente,

para se pronunciar sobre aquela, mas se trate de matéria da competência de um

órgão ou autoridade da administração tributária, o documento apresentado deverá

ser enviado oficiosamente à entidade competente, para que esta se pronuncie, como

resulta, aliás, do disposto no n.º 2 do Art. 61.º da LGT.

Já, no caso no caso de a administração tributária não ter competência material para

se pronunciar sobre o assunto que lhe seja apresentado, não há lugar a pronúncia

nem de decisão da administração tributária, devendo, no entanto, que dar

cumprimento ao preceituado no Art. 41.º do CPA 28.

No n.º 1 deste Art. 56.º da LGT indicam-se vários meios através dos quais devem

ser apresentadas as pretensões dos interessados, como sejam as reclamações,

recursos, representações, exposições e queixas, mas inclui-se também uma

referência genérica a “quaisquer outros meios previstos na lei”. Assim, o que releva

é o que pretende o interessado, sendo indiferente a designação que se possa

considerar mais adequada ao meio através do qual a apresenta.

No n.º 2 encontram-se estabelecidos, os casos em que não existe o dever de

decidir, a saber:

“a) A administração tributária se tiver pronunciado há menos de dois anos sobre

pedido do mesmo autor com idênticos objeto e fundamentos;

b) Tiver sido ultrapassado o prazo legal de revisão do ato tributário.”

O Art. 57.º da LGT estipula que o procedimento tributário deve estar concluído em

quatro meses, devendo os atos do procedimento administrativo ser praticados no

período de oito dias.

A exigência de celeridade é suportada pela definição de prazos de caducidade e

prescrição bem como para que a sua atuação seja eficaz.

28 “Artigo 41.º - Apresentação de requerimento a órgão incompetente

1 - Quando seja apresentado requerimento, petição, reclamação ou recurso a órgão incompetente, o documento recebido é enviado oficiosamente ao órgão titular da competência, disso se notificando o particular. 2 - Nos casos previstos nos números anteriores, vale a data da apresentação inicial do requerimento para efeitos da sua tempestividade.”

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

60

Os órgãos administrativos devem, pois, providenciar pelo rápido e eficaz andamento

do procedimento, quer seja recusando e evitando tudo o que for impertinente ou

dilatório, como ordenando e promovendo tudo o que for necessário ao seguimento

do procedimento, com vista a uma justa e oportuna decisão.

Não obstante, a par desta vertente negativa, de proibição da prática de atos inúteis,

o princípio da celeridade tem um conteúdo positivo, na medida em que impõe à

administração tributária que providencie pelo rápido andamento do procedimento e

pela eficácia das diligências efetuadas.

Neste sentido, a administração tributária deve, realizar todas as diligências

necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material,

como lhe é imposto pelo disposto no Art. 58.º da LGT, pelo que não pode, invocar

razões de celeridade, para deixar de averiguar factos cujo conhecimento seja

relevante para a decisão.

Por último importa referir que, pese embora, a abstenção da prática de atos inúteis

ou dilatórios constituir um dever que é imposto à administração tributária, não se

prevê diretamente, para os casos de violação de tais deveres, sanções, quer de

carácter processual ou quaisquer efeitos a nível dos direitos em causa no

procedimento.

Princípio da Justiça

É corolário de um Estado Social Democrático, consistindo na faculdade de cada um

em ter aquilo que lhe é devido, devendo a administração agir visando a equidade do

caso concreto.

Para o Professor Freitas do Amaral, o princípio da justiça traduz-se num conjunto de

valores que impõem a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido, em função da

dignidade humana, distinguindo justiça coletiva da justiça individual. A primeira,

corresponde ao respeito dos direitos humanos, e a justiça individual, que remete

para a ideia de igualdade, proporcionalidade e a boa-fé.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

61

O princípio da justiça envolve uma dimensão procedimental, isto é, projeta-se sobre

o modo ou os termos da prossecução da decisão, na medida em que a própria

exigência da dignidade de cada pessoa implica a presença do princípio da justiça na

atuação da administração.

Este princípio vem, desde logo, enunciados no n.º 2, do Art. 5.º da LGT não

constituindo, portanto, um fim da tributação, um objetivo a prosseguir por ela, mas

antes um limite fundamental que a mesma deve respeitar na prossecução dos seus

fins.

Encontra-se igualmente enunciado no Art. 55.º da LGT.

Princípio da Imparcialidade

O sistema jurídico português assenta também no conteúdo da imparcialidade

administrativa em normas de proibição de privilégios e de discriminação.

A materialização e o desenvolvimento da imparcialidade do sistema jurídico e fiscal

é efetuado numa estreita conexão com o princípio da igualdade, mas não a ponto de

torná-los sinónimos. A imparcialidade será uma vertente do princípio da igualdade.

Neste sentido, como já referimos, o princípio da igualdade é norteador de toda a

atividade administrativa e constitui um limite ao seu modo de atuar.

Pela ligação do princípio da igualdade, quanto à imparcialidade pode-se dizer que,

pelos mesmos motivos, a administração tributária deve ser transparente e neutral,

pelo que na sua atuação deve ser objetiva, isenta e ponderada quer estejam em

causa interesses públicos ou privados.

Trata-se de um princípio que limita o exercício do poder discricionário, cuja violação

gera a invalidade dos atos praticados e, consequente violação da legalidade

administrativa.

Não obstante, o decisor deve ter em consideração todos os interesses relevantes

para a decisão, excluindo todos aqueles que se revelarem inapropriados à situação

concreta.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

62

Nesta perspetiva, este princípio comporta uma vertente positiva, a imparcialidade

determina parâmetros racionais, com o objetivo de se ter em consideração todos os

fatores ou elementos que relevam para a decisão.

Este princípio proíbe, ainda, que o agente que decida ou participe na decisão,

quando tenha algum interesse próprio, intervenha no respetivo procedimento.

A imparcialidade envolve, assim, uma exigência de isenção entre quem decide e o

objeto ou o destinatário da decisão.

Assim, o princípio da imparcialidade comporta uma vertente negativa (Art. 69.º do

CPA), para que se verifique a imparcialidade, tem que existir uma neutralidade

administrativa em relação aos interesses alheios, salvaguardando-se, deste modo, a

independência e isenção do decisor.

Princípio do Inquisitório

Quanto ao princípio do inquisitório, expresso no Art. 58.º da LGT, impõe no âmbito

do procedimento tributário o dever da administração efetuar todas as diligências

necessárias à satisfação do interesse público, na procura da verdade tributária, não

devendo esta ficar subordinada à iniciativa do autor do pedido.

Ora, o princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do

interesse público imposta à atividade da administração – Art. 266.º, n.º 1 da CRP, e

é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade – Art. 266.º,

n.º 2 da CRP.

Deste modo, à luz do princípio supra, a administração tributária deve realizar todas

as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da

verdade. Para essa averiguação pode utilizar todos os meios de prova admitidos em

direito, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido, em conformidade

com o Art. 58.º da LGT.

Relativamente à apresentação de provas em processo tributário cumpre ainda

informar que, nos termos do disposto pela alínea f) do Art. 69.º do CPPT, os meios

probatórios no procedimento tributário de reclamação graciosa são limitados à forma

documental e aos elementos oficiais que os serviços disponham, sem prejuízo do

órgão instrutor poder ordenar outras diligências indispensáveis à descoberta

material.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

63

Assim, apesar desta limitação dos meios de prova nada obsta à realização de

diligências complementares que o órgão instrutor ordenar, o que está em sintonia

com o princípio do inquisitório, que impõe no âmbito do procedimento tributário o

dever da administração efetuar todas as diligências necessárias à satisfação do

interesse público, na procura da verdade tributária, não devendo esta ficar

subordinada à iniciativa do autor do pedido (Art. 58.º LGT).

Este dever imposto à administração tributária de averiguar a verdade material não

dispensa, no entanto, os interessados particulares da obrigação de colaborarem na

produção de provas, como se prevê no Art. 59.º da LGT.

Princípio da Colaboração

Um dos princípios fundamentais do procedimento tributário é o princípio da

colaboração, tipificado no Art. 59.º da LGT.

O objetivo deste é promover a colaboração entre a administração fiscal e os

cidadãos.

Relativamente a este princípio, cujas atuações quer da administração tributária quer

dos contribuintes, se encontram elencadas, de uma forma não taxativa, nas alíneas

do n.º 3.º, do Art. 59.º, da LGT, importa destacar que a colaboração que a

administração tributária pode impor aos sujeitos passivos deve ser adequada e

proporcional aos objetivos a atingir, como deriva do princípio constitucional da

proporcionalidade que deve limitar toda a atividade administrativa a que já aludimos.

Princípio da Participação

A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito

pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso.

A CRP, no seu Art. 267.º, n.º 5, reconhece, também, aos cidadãos o direito de

participação na formação das decisões e deliberações.

No procedimento tributário o direito de audição encontra-se expressamente

consagrado no Art. 60.º da LGT, apenas podendo ser dispensado, nos casos

previstos naquela disposição.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

64

E, o direito de participação dos interessados na formação das decisões que lhes

digam respeito encontra-se também consagrado no CPA ( Art.os 121.º a 124.º),

sendo que, nos termos da alínea c) do Art. 2.º da LGT, aquele diploma é

expressamente aplicável às relações jurídico-tributárias.

Assim, para determinação do âmbito do Art. 60.º da LGT deve, também, atender-se,

embora subsidiariamente, ao regime decorrente daquelas normas.

7.4 Direito Fiscal Internacional

Pese embora, termos referido que na presente dissertação que nos iremos limitar à

apreciação das questões suscitadas no âmbito do direito interno sem proceder à

análise em sede de direito internacional, não podemos deixar de, genericamente,

referir, que o sistema fiscal português tem por objetivo cumprir os princípios de

direito fiscal, e uma vez que Portugal é membro da UE, também, os princípios, em

regra, seguidos pelos Estados-Membros da UE. 29

Bem como, a existência de relações económicas entre entidades situadas em

diferentes jurisdições, pode implicar que os sujeitos passivos fiquem, muitas vezes,

total ou parcialmente, sujeitos a uma dupla tributação, uma vez que estes ficam

sujeitos a tributação no país da fonte dos rendimentos e no país de residência.

Pelo que se levantam a questões de saber onde se consideram localizadas as

operações que dão origem aos rendimentos auferidos e, consequentemente, quem

tem responsabilidade para tributar tais rendimentos, se o Estado da fonte onde

foram gerados esses rendimentos, se o Estado de residência do beneficiário efetivo

desses mesmos rendimentos, ou se ambos.

Assim, para além, dos princípios já abordados, constituem ainda princípios

enunciados pela doutrina e jurisprudência nacional, internacional e europeia, cujo

impacto nos regimes fiscais dos Estados-Membros da EU não deve ser subestimado

os princípios da neutralidade, equidade, não discriminação, territorialidade

residência, transparência, reciprocidade, simplicidade, princípio da nacionalidade e

princípio da eficiência.

29 Sem, contudo, se proceder à análise dos princípios de per si.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

65

Os Princípios de Direito Internacional vêm permitir que se apreenda melhor a lógica

e os valores subjacentes à ordem jurídico-tributária internacional e às respetivas

normas. Podendo ser considerados dois tipos distintos de princípios fundamentais,

em face das suas características e do papel que desempenham no contexto do

Direito Fiscal Internacional: os princípios estruturais e os princípios operativos.

Os princípios estruturais assentam em valores de justiça, equidade e eficiência e

definem a estrutura e características fulcrais, bem como, os valores fundamentais da

ordem jurídico-tributária internacional. Nesta medida, constituem a base da ordem

jurídica, norteando a organização entre os Estados.

No que diz respeito, ao facto de os sujeitos passivos poderem ficar, total ou

parcialmente, sujeitos a tributação em diferentes jurisdições, estes princípios visam

prevenir ou eliminar a dupla tributação internacional.

São considerados como princípios estruturais do Direito Fiscal Internacional o

Princípio da soberania, o Princípio da equidade e o Princípio da neutralidade.

No que concerne aos princípios operativos refere Paula Rosado Pereira que

«referem-se a aspectos substanciais da repartição entre os Estados do poder de tributar

e da eliminação da dupla tributação. Estes princípios têm um grau de abstracção inferior

ao dos princípios estruturais, sendo maior a sua proximidade relativamente às normas.

Por tal motivo, os seus reflexos ao nível das regras jurídicas (tanto do direito interno dos

Estados como das CDT por estes celebradas) são mais concretos do que os dos

princípios estruturais.

Nestes termos, os princípios operativos norteiam as soluções concretas e os regimes

consagrados no âmbito do DFI, no que toca ao tratamento fiscal das situações

tributárias internacionais»30

São menos abstratos que os princípios estruturais, tendo contudo, de ser coerentes

com o conteúdo destes e espelhar os valores por estes definidos.

Podem ser identificados os seguintes conteúdos, tendo em conta a respetiva em

funcionalidade:

(i) Quanto à repartição entre os Estados do poder de tributar: Princípio da

Residência, Princípio da fonte e Princípio do estabelecimento estável;

30 Paula Rosado Pereira, “Lições de Fiscalidade – Volume II – gestão e Planeamento Fiscal Internacional”, no Capitulo 6 “Em Torno dos Princípios do Direito Fiscal Internacional”, Almedina, 2015, pág. 204.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

66

(ii) Quanto á amplitude do poder de tributar dos Estados: Princípio da Universalidade

e Princípio da limitação Territorial

(iii) Outros aspetos substanciais da tributação: Princípio da eliminação da dupla

tributação no Estado da residência, Princípio da tributação como entidades

independentes, Princípio da tributação distinta e sucessiva de sociedades e sócios e

Princípio da não-discriminação tributária.

No âmbito da UE, como corolário do mercado europeu, assumem especial

importância os princípios da proporcionalidade e da não discriminação, pois que os

países da UE têm que conciliar as suas políticas fiscais internas com os princípios

comunitários fundamentais, em face das liberdades fundamentais do tratado, a

saber: livre circulação de pessoas, livre circulação de bens, livre circulação de

serviços e livre circulação de capitais, bem como, o direito de estabelecimento no

espaço da União.

Com efeito, na EU a política fiscal é abordada com a preocupação principal de

proibir que os Estados utilizem, os seus ordenamentos tributários, para a colocação

de entraves às quatro liberdades fundamentais.

Pretende-se, assim, essencialmente, garantir aos agentes económicos que poderão

atuar em iguais condições em qualquer local dentro do espaço comunitário.

Os artigos 110.º a 113.º do e do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

dão corpo ao princípio de não discriminação no comércio entre os Estados-

Membros.

Apesar deste capítulo do Tratado especificamente dedicado à fiscalidade se reduzir

aos quatro artigos, outras disposições do mesmo podem servir, e têm servido, de

base à atuação das instituições comunitárias em matéria fiscal.

Bem como existe uma diversidade de disposições legais, regulamentares e

administrativas entre os Estados-Membros, que visam impedir que os Estados-

Membros adotem medidas que falseiem ou ameacem falsear a concorrência,

favorecendo certas empresas ou certas produções.

De igual modo vários estudos foram sendo elaborados, tendo a evolução da política

fiscal da UE sido sempre encarada numa perspetiva de harmonização das

legislações dos Estados.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

67

CAPÍTULO III

A CIDADANIA FISCAL

1. Considerações Gerais

2. O que é a Cidadania Fiscal ?

3. A Ética Fiscal

3.1 Ética Fiscal Privada

3.2 Ética Fiscal Pública

i. A Liberdade

ii. A Igualdade

iii. A Segurança

iv. A Solidariedade

4. O direito fundamental de cobrar impostos

4.1 Relação Jurídica entre Fisco Imperfeita

4.2 Relação Jurídica entre Fisco Perfeita

5. Conceção Ético-Jurídica da Justiça Fiscal

6. Os Deveres de Cooperação ou Colaboração enquanto Obrigações

Acessórias

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

68

1. Considerações Gerais

Ser cidadão implica antes de mais o reconhecimento de importantes direitos civis,

políticos e sociais.

Porém, o papel social e regulador do Estado tendo em vista a garantia dos direitos

dos cidadãos exige avultados investimentos públicos, justificando, assim, a

imposição da carga fiscal, pois que os impostos constituem a principal fonte de

receita estadual.

Pelo que, o pagamento de impostos não deve ser considerado apenas como uma

obrigação imposta pela lei, como também, como um dever fundamental de todos os

cidadãos.

No atual Estado de Direito, a simbiose entre a cidadania e a democracia comporta a

afirmação da responsabilidade comunitária dos cidadãos contribuintes para a

realização das tarefas fundamentais do Estado (Art. 9.º da CRP). Em consequência,

o dever fundamental de pagar impostos constitui o preço da nossa cidadania,

enquanto afirmação de um dever de todos, assente no princípio da capacidade

contributiva, e configurando igualmente um direito dos cidadãos à eficácia fiscal dos

poderes públicos.

Assim, para que o cidadão possa exigir os seus direitos dos entes públicos, os seus

deveres deverão ter sido observados.

Neste sentido, afirma Diogo Freitas Do Amaral «a cidadania não é só fonte de

privilégios: também é fundamento de obrigações cívicas. Todo o cidadão está sujeito

aos chamados “deveres de cidadania” - nomeadamente, o dever de acatar a

Constituição e as leis do país, o dever de participar na defesa da Pátria, o dever de

votar, o dever de pagar impostos» 31

31 Diogo Freitas do Amaral, 2007, Apud Paulo Marques, em “O elogio do imposto”, Wolters Kluwer Portugal sob a marca Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2010, pág. 22.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

69

Assim, é de acentuar a inevitabilidade dos impostos como meio de alcançar a

capacidade financeira para satisfação das necessidades coletivas que incumbem ao

Estado, uma vez que os direitos dos cidadãos implicam a existência de custos cuja

sustentação não pode ser conseguida apenas com base no funcionamento normal

do mercado, nomeadamente respetivo preço, antes necessitando dos mecanismos

exclusivos do ius imperii do Estado Fiscal de Direito.

Com efeito, o preço fixado pelas entidades públicas pode não corresponder ao valor

que se formaria livremente no mercado, como são por exemplo os casos dos preços

públicos fixados relativamente às tarifas dos serviços públicos em que o preço fixado

não chega a cobrir o custo total da produção.

Em síntese, no atual Estado de Direito, os impostos constituem um preço: o preço

que pagamos por termos a sociedade que temos, ou seja, por dispormos de uma

sociedade assente na liberdade.

Pelo que, no atual Estado Fiscal, os impostos constituem inevitavelmente um dever

de cidadania, cujo cumprimento a todos nos deve honrar.

2. O que é a Cidadania Fiscal ?

Não ousaremos aqui propor respostas definitivas mas antes prestigiaremos as

perguntas às respostas, partindo, deste modo, de algumas questões tais como: que

exige a ética fiscal dos poderes públicos e dos cidadãos obrigados ao pagamento de

impostos ? Ou que princípios ou valores devem inspirar a atuação dos poderes

públicos e dos cidadãos para que a relação fiscal possa ser considerada justa ?

Sem nos esquecermos que o princípio da capacidade contributiva constitui um pilar

central da estrutura jurídico-fiscal portuguesa, como claramente se encontra

consagrado nos n.os 1 e 2 do Art. 104.º da CRP.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

70

Como refere Casalta Nabais “«A ideia de cidadania fiscal. A cidadania pode ser

definida como a qualidade dos indivíduos que, enquanto membros activos e

passivos de um estado-nação, são titulares ou destinatários de um determinado

número de direitos e deveres universais e, por conseguinte, detentores de um

específico nível de igualdade». 32

Por um lado, uma cidadania implica que todos suportem o Estado, isto é, que todos

tenham a qualidade de destinatários do dever fundamental de pagar impostos na

medida da respetiva capacidade contributiva (Art. 4.º, n.º 1, da LGT).

Por outro lado, os cidadãos têm o direito de ser adequadamente informados sobre a

origem e aplicação dos recursos públicos, fiscalizando a transformação dos tributos

pagos em obras e serviços de qualidade. O que implica que tenhamos um sistema

que se encontre balizado por estritos limites jurídico-constitucionais.

Para tanto, torna-se necessário sensibilizar a população para a função socio-

económica dos impostos e criar condições para uma relação harmoniosa entre o

Estado e o cidadão, de modo, a que seja dado a conhecer aos cidadãos sobre

administração pública bem como os incentivar a acompanhar a aplicação dos

recursos públicos.

Para o efeito, mostram-se fundamentais atividades de formação e educação, quer

no sentido moral, quer no sentido prático no sentido de ensinar os procedimentos

associados ao cumprimentos das obrigações fiscais, que visem transmitir a

mensagem de que os impostos são necessários para o bem comum, sendo

condenável evitar o pagamento dos mesmos.

De facto, a relação do Estado com a sociedade vem sendo edificada juntamente

com a história da própria humanidade. Analisar esta relação é, pois, falar sobre o

poder e sobre a vida em sociedade, como se organiza de forma a proporcionar aos

seus cidadãos o acesso aos recursos básicos que lhes possibilitem viver com

dignidade.

32 José Casalta Nabais, “Por um Estado Fiscal Suportável - Estudos de Direito Fiscal”, Almedina

2005, pág. 93.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

71

Na base dos conflitos entre o Estado e o contribuinte temos por um lado, a relação

entre a carga fiscal suportada e os serviços públicos prestados à população, e por

outro lado, a corrupção, o desvio de verbas públicas, a má aplicação dos dinheiros

públicos, o descuido com o património público, que não estimula o pagamento

voluntário dos impostos, antes, serve de pretexto para justificar a fuga e a fraude

fiscal.

Administração e a sociedade devem, assim, pugnar pela proteção das receitas

públicas, por forma a contribuir para uma tributação mais justa e para uma gestão

administrativa participativa e de efetividade no cumprimento das necessidades da

população.

E, o relacionamento dos contribuintes com a administração tributária,

nomeadamente no que diz respeito ao cumprimento das suas obrigações fiscais,

deve pautar-se por princípios de economia de custos, acessibilidade, simplicidade e

celeridade de resposta, prevenindo-se e sancionando as condutas de evasão e de

fraude fiscais.

Esta dualidade fiscal exprime mesmo uma ideia de alcance mais vasto, uma vez que

tem subjacente a primazia da liberdade.

Ainda na esteira de Casalta Nabais, na obra supra citada nas págs. 34 e 93, uma

noção de cidadania comporta três elementos constitutivos:

1) A titularidade de um determinado número de direitos e deveres numa sociedade

específica;

2) A pertença a uma determinada comunidade política (normalmente o Estado), em

geral vinculada à ideia de nacionalidade;

3) A possibilidade de contribuir para a vida pública dessa comunidade através da

participação.

Afirma ainda este autor que, «a cidadania traduz um determinado nível de igualdade

de todos os pertencentes a uma comunidade humana, concretizado num conjunto

de direitos e deveres universais.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

72

Conjunto este que, ao fim de uma bem conhecida evolução, se concretizou em

direitos e deveres de natureza pessoal (cidadania pessoal), direitos e deveres de

natureza política (cidadania política) e direitos e deveres de carácter social

(cidadania social). Com efeito, com o fim da distinção entre cidadania activa e

cidadania passiva ou, o que vem dar no mesmo, com a universalidade do direito de

voto, foi estendida a cidadania plena a todos os membros da comunidade.

Pelo que o estado passou a ter por suporte activo todos os membros da respectiva

comunidade. Ou seja, a existência e o funcionamento do estado passou a ser

assunto de todos.». 33

Pelo que, defende ainda este autor que, com a universalidade do direito de voto, foi

estendida a cidadania plena a todos os membros da comunidade todos os membros

da comunidade são, por um lado, suportes económicos do Estado, bem como

constituem, por outro lado, os seus suportes políticos. Verificando-se, por

conseguinte, que todos temos simultaneamente o dever de suportar financeiramente

o Estado e o direito e dever de ter uma palavra a dizer sobre os impostos que

estamos dispostos a pagar.

Relativamente, à questão em apreço, não podemos também de deixar de aludir a

posição de Eduardo Paz Ferreira, quando observa que «Estamos a assistir, de um

modo muito nítido, ao nascimento de uma nova cultura de cidadania fiscal. Há uns

anos, a fraude e a evasão fiscais eram encarados com muita tolerância na

sociedade portuguesa, aliás à semelhança de muitos países do sul da Europa, como

a Itália e a Espanha. Mais recentemente, tem emergido uma maior consciência

cívica por parte dos cidadãos. Aquilo a que os americanos chamam o tax payer, ou

seja, o contribuinte, pretende saber, com exactidão, se está a ser tratado como os

outros que fogem ao fisco. Essa fuga, por exemplo, em matéria empresarial, traduz-

se na criação de condições especialmente favoráveis para certas empresas que

escapam às obrigações tributárias relativamente às suas congéneres que cumprem

com o estipulado fiscalmente.». 34

33 José Casalta Nabais, “Por um Estado Fiscal Suportável - Estudos de Direito Fiscal”, Almedina 2005, págs. 34 e 35.

34 Eduardo Paz Ferreira, in Entrevista, Revista TOC, n.º 105, Lisboa, Dezembro 2008, pág. 8.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

73

Ainda na senda de Eduardo Paz Ferreira, defende aquele autor que, «Ultrapassados

os tempos em que os tributos eram considerados como uma punição imposta aos

vencidos da guerra, os impostos são, como todos sabemos, um dever de cidadania

e, também – perspetiva menos sublinhada-, um direito de cidadania. Ao pagarmos

impostos estamos a decidir em que modelo de sociedade queremos viver e que

meios estamos dispostos a proporcionar ao Estado.»35

Prosseguindo aquele autor que, «A nossa perceção da bondade da aplicação do

dinheiro que a este fim sacrificamos condiciona, de forma decisiva, a nossa atitude

em face da carga fiscal e da sua legitimidade. Pagamos impostos porque queremos

ter o direito de exigir ao estado que ele faça a melhor utilização destes recursos para

a otimização do bem-estar social e económico.

O crescente preço que pagamos para ter a sociedade civilizada, de que nos falava

Wendell Holmes, levou-nos, por outro lado, a ser cada vez mais exigentes no

escrutínio e análise daquilo que é feito com o nosso dinheiro…». 36

3. A Ética Fiscal

O dever de contribuir não é ainda alheio à tensão entre o interesse individual e o

interesse coletivo

Com efeito, pensar o direito fiscal atual e a ética que deve norteá-lo implica que se

reflita sobre questões que envolvem uma sociedade pluralista, desigual, injusta e

que se constitui a partir de um confronto permanente de distintas visões do mundo.

Neste sentido, a ética, perante uma sociedade marcada pelo individualismo, onde as

pessoas aparecem cativas dos seus próprios interesses e impulsos, e a vida social

não passa de uma associação de indivíduos que prosseguem fins individuais, tem

dificuldades de legitimação.

35 Eduardo Paz Ferreira, “Inspeção Tributária e Justiça Fical”, in “Desafios Tributários”, com coordenação de Nuno Barroso e Pedro Marinho Falcão, Vida Económica, 2015, pág. 68.

36 Idem, págs. 68 e 69.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

74

Não obstante, por outo lado, assistimos também à superação deste individualismo

que marca esta modernidade, na medida em que se verifica um avanço na

consciência e no apelo à defesa dos direitos que efetivam a dignidade da pessoa

humana.

É, pois, a partir dos novos desafios que se colocam ao homem contemporâneo que

devemos repor a pergunta dos fins últimos, quer na nossa dimensão individual, quer

quanto à nossa atuação coletiva.

A fiscalidade, enquanto atividade humana, implica a exigência ética da construção

de uma sociedade justa do ponto de vista dos sacrifícios de cada um deve, em

ordem a um bem maior do ser comum.

É, assim, impossível pensar a fiscalidade fora de uma perspetiva ética de justiça e

cidadania fiscais.

O ser humano é ético ou não. Um dos sentidos desta afirmação é que o ser humano

pode optar pelo rumo que imprimir às suas decisões e ações ao longo da sua vida.

É aqui que intervém a ética como orientação da vida, quer em relação aos seus

comportamentos pessoais quer em relação às ações coletivas, como é o caso do

poder de tributar conferido ao Estado.

Destarte, a ética propõe um estilo de vida visando a realização do individuo, em

conjunto com os outros, no âmbito de uma comunidade sociopolítica.

A ética fiscal, neste contexto, é um decisivo princípio mediador entre a necessidade

de recursos por parte do Estado e a liberdade de cada cidadão relativamente ao seu

comportamento em face dessa necessidade potestativa.

A ética fiscal revela-se, por conseguinte, numa profunda dialética entre a

individualidade e a comunidade e num equilíbrio entre lei e liberdade. Pelo que,

neste sentido, podemos afirmar que ética fiscal é justiça.

De facto, na fiscalidade nas sociedades modernas podemos descortinar duas

dimensões: a das situações concretas dos indivíduos, das famílias dos grupos, ou

seja dos contribuintes singulares ou coletivos, residentes e não residentes e não

residentes (dimensão micro) à da relação das grandes instituições, das nações, ou

seja, da relação entre o Estado enquanto titular de soberania e, em consequência,

do poder ou não tributar os seus cidadãos (dimensão macro).

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

75

Considerando que o pagamento de impostos implica uma diminuição da capacidade

financeira do cidadão e, em consequência, uma menor capacidade financeira para

este adquirir os bens e serviços que ambiciona, o imposto terá sempre para quem

paga um aspeto negativo, o que desde logo, desponta um motivo económico para o

seu não pagamento.

Pelo que, se torna imprescindível que esse aspeto negativo seja colmatado com os

benefícios que o cidadão recebe por viver numa sociedade organizada, que nunca

lograria atingir se vivesse isolado, nomeadamente no acesso saúde, educação,

infra-estruturas.

A cidadania, não é assim, uma fonte só de privilégios, mas também um fundamento

de obrigações cívicas. Todo o cidadão é sujeito de deveres de cidadania enquanto

membro de um Estado, devendo respeitar a Constituição e as leis. É, assim, titular

ou destinatário de um conjunto de direitos e deveres.

É, pois, necessário olhar o pagamento de impostos como um dever cívico, um dever

de cidadania, que todos têm a obrigação de observar.

A ética fiscal desdobra-se, assim, em duas vertentes distintas mas não

necessariamente antagónicas: ética fiscal privada e a ética fiscal pública.

3.1 Ética Fiscal Privada

Trata-se de uma ética de condutas que norteia o cidadão-contribuinte que tem o

dever fundamental de pagar impostos de acordo com a sua capacidade contributiva.

Assim, o dever de pagar o imposto não é tido como um castigo, mas antes como

contribuição. Sendo a capacidade contributiva considerada a capacidade de pagar o

imposto enquanto soma da riqueza disponível, depois de satisfeitas as necessidades

elementares de existência, sem reduzir injustamente o padrão de vida do

contribuinte e sem prejudicar as suas atividades económicas, sob pena de configurar

situações de confisco.

Pelo que, para o cidadão-contribuinte não é ético contribuir a menos para o

montante da riqueza social, em proporção daquilo que suas faculdades lhe

permitiam pagar, ou seja, o contribuinte não pode contribuir menos do que lhe

permite a sua capacidade contributiva, sob pena de saírem prejudicados outros

concidadãos com menos recursos.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

76

3.2 Ética Fiscal Pública

A ética fiscal pública é enformada por quatro valores superiores: a liberdade, a

igualdade, a segurança e a solidariedade.

i. A Liberdade

Que consiste na aceitação da opção fiscal a ser adotada pelo contribuinte, desde

que respeitada a sua capacidade contributiva.

As condutas ilegítimas que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da

prestação tributária bem como a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos

ou outras vantagens patrimoniais suscetíveis de causarem diminuição das receitas

tributárias, em Portugal encontram-se tipificadas nos art.os 103.º e 104.º do RGIT.

Por outro lado, à AT cabe aceitar, como regra, a liberdade de gestão fiscal dos

agentes económicos. A iniciativa económica privada deve exerce-se livremente, em

conformidade com o estabelecido pela Constituição e pela lei e tendo em conta o

interesse geral, nos termos do disposto pelo n.º 1 do Art. 61.º da CRP.

Na opinião conceituada de Casalta Nabais «A ideia de estado fiscal, vista pelo

prisma dos indivíduos — que o mesmo é dizer pelo prisma dos suportes passivos

dos contribuintes dum tal estado —, significa o reconhecimento da livre

disponibilidade económica dos particulares». 37

Entende-se que, no atual contexto de um mundo globalizado, em que as pessoas,

as mercadorias, os serviços e os capitais circulam livremente, o desenvolvimento

económico de um país não pode depender só do Estado. A iniciativa privada tem

também um papel relevante, devendo haver plena liberdade de escolha, cabendo a

cada um investir onde, quando e como lhe convier, e deve contribuir para o aumento

da competitividade.

37 José Casalta Nabais, “O Dever Fundamental de Pagar Impostos”, Colecção Teses, Almedina, Coimbra 1998, pág. 204.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

77

Aos Estados cabe criar condições de atração para captar o investimento,

nomeadamente através do sistema fiscal.

Assim, a par de se estabelecerem benefícios fiscais o legislador fiscal deve permitir

a chamada poupança fiscal, sendo lícitos certos negócios fiscalmente menos

onerosos, no intuito a minimizarem os custos fiscais que resultam das atividades

desenvolvidas pelos contribuintes, que a doutrina designa por planificação fiscal (tax

planning).

Um dos elementos essenciais da liberdade económica dos contribuintes constitui

justamente a gestão fiscal e as operações de planeamento tributário.

A este respeito assinala Joaquim Cardoso Da Costa que «ninguém sustentará que

não seja lícito aos contribuintes — cidadãos e empresas abster-se de praticar actos

que constituam pressupostos de determinados tributos, ou praticar outros que, por

exemplo, dêem azo a deduções na matéria colectável. Dito de um modo mais geral:

que lhes não seja lícito conduzir a sua vida, os seus negócios, os seus

investimentos, tentando escolher um “caminho” fiscalmente isento ou menos

pesado. Têm os cidadãos, em virtude da liberdade de escolha de que usufruem, a

possibilidade de efectuar, legalmente, o melhor planeamento fiscal da sua vida que

conseguirem». 38

Não obstante, o exercício dos direitos dos contribuintes no âmbito da gestão fiscal

(tax planning) tem que ser conforme à Constituição e à lei bem, bem como não pode

exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou

económico desses direitos (Art. 334.º do CC). Ou seja, a chamada poupança fiscal,

que visa minimizar os custos fiscais dos cidadãos e das empresas, não pode efetua-

se através do que se designa por evasão fiscal.

38 Joaquim Pedro Formigal Cardoso da Costa, “A evasão e fraude fiscais face à teoria da interpretação da lei fiscal” — Fisco n.º 74/75, Ano VIII, Lisboa, Janeiro-Fevereiro 1996, págs. 41 e 42.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Neste sentido, o Conselheiro Freitas Ferreira «a diminuição dos impostos a pagar

efectua-se através do que se designa por evasão fiscal (“tax avoidance”) e que outros

apelidam de elisão fiscal, que se traduz na prática de actos ou negócios lícitos mas que

a lei fiscal qualifica como não sendo conformes com a substância da realidade

económica que lhes está subjacente ou serem anómalos, anormais ou abusivos. Nesta

qualificação detecta-se, ao contrário do que sucede na gestão fiscal, a intenção do

legislador de abranger tais actos ou situações pela tributação e de acordo com os

padrões ditos normais para a realização de tais actos ou operações. Estar-se-ia, assim,

perante uma poupança fiscal realizada através de factos ou situações que o legislador

tem a intenção de cobrir mas que, por esta ou aquela razão, não se encontram

expressamente previstos pela lei fiscal ou, se nela previstos, são realizados em

condições diferentes das normais, e que a lei fiscal, através de normas gerais ou

especiais anti-abuso, combate, promovendo as correcções de impostos a que haja lugar

tomando por referência os factos, situações ou condições que são escolhidos como

referência».39

ii. A Igualdade

No sentido de que todos que estiverem na mesma situação devem ser tratados de

forma igual.

O princípio da igualdade é um princípio jurídico-constitucional, transversal a todo o

ordenamento jurídico.

A nível do Direito Fiscal, expressa-se na obrigação universal de todos os cidadãos

terem o dever de pagar de impostos. Consistindo, uma das dimensões do princípio

da igualdade a proibição do arbítrio. Assim, deve ser tratada de forma igual as

situações iguais, e de forma desigual as situações desiguais.

A este respeito assinala Sérgio Vasques «Em primeiro plano, o princípio da igualdade

tributária exige a generalidade do imposto, exige que todos o sofram sem privilégio ou

exceção — todos os cidadãos, todos os residentes ou todos os sujeitos de direito. Em

segundo plano, o princípio da igualdade tributária exige a uniformização do imposto. O

mesmo é dizer, exige que se trate o que é igual de modo igual, o que é diferente de

modo diferente e na medida exata da diferença».40

39 Manuel Henrique de Freitas Ferreira, 2005, Apud Paulo Marques in “O elogio do imposto”, Wolters Kluwer Portugal sob a marca Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2010, pág. 37.

40 Sérgio Vasques, “Globalização e Igualdade Tributária, Colóquio: Os efeitos da globalização na

tributação do rendimento e da despesa”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 188, Centro de Estudos e Apoio

às Políticas Tributárias, Administração Geral Tributária, Lisboa, 2000, pág. 433.

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79

Destarte, em termos fiscais, a obrigação do pagamento de impostos é mediada em

função da capacidade contributiva, ou seja, os encargos do Estado Social de Direito

devem ser repartidos equitativamente por todos os contribuintes, em conformidade

com o princípio da igualdade dos sacrifícios patrimoniais, decorrendo a aplicação

dos critérios da capacidade contributiva e do rendimento real.

Na esteira de Vítor Faveiro salientava-se que «como indivíduos, os contribuintes

diferem entre si quanto aos graus de capacidade contributiva, obviamente que, em tal

plano, o princípio de igualdade tem por objecto, quanto às pessoas; o tratamento igual

de todos os que tenham igual capacidade contributiva segundo os critérios tomados pela

lei na tipificação das realidades de incidência; e, quanto às coisas — objecto de

impostos reais ou bases reais da capacidade em impostos pessoais —, devem estas ser

tomadas pelo legislador em tratados em termos de igualdade pelo aplicador da lei de

incidência».41

Nos termos do Art. 13.º da CRP todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e

são iguais perante a lei. Assim, nas palavras dos constitucionalistas Gomes

Canotilho e Vital Moreira «A proibição do arbítrio constitui um limite externo da

liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da

igualdade como princípio negativo de controlo. Nesta perspetiva, o princípio da

igualdade exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um

tratamento diverso de situações de facto diferentes».42

Na Constituição, o princípio da legalidade do imposto, conjugado com o da

anualidade, reflete-se também nos preceitos contidos nos artigos 103º, n.º 2, 104º,

n.º 1 e 165º, n.º 1 alínea i).

Resulta assim que, no âmbito da fiscalidade o legislador não tem em vista a

igualdade estática ou redutora, mas antes que se iguale o que deve ser igualado e

se diferencie o que deve ser diferenciado.

A este propósito não podemos deixar de referi a o que refere o constitucionalista

Jorge Bacelar Gouveia «O ponto de viragem que se estabelece é a ideia de que a

igualdade, mais do que a dimensão estática da lei, seja positiva ou negativa, propicia

por parte da própria lei uma busca activa da mesma, que passa a ser uma igualdade,

não da lei, mas através da lei.

41 Vítor Faveiro, “O Estatuto do Contribuinte — A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito”,

Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pág. 831. 42 J. J. Gomes Canotilho, & Vital Moreira, “Constituição da Republica Portuguesa, Anotada”, 4.ª Edição Revista, Volume I, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pág. 339.

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Nisto consiste o princípio da igualdade social como correcção e adequação do princípio

da igualdade desenvolvido em ambiente de Estado Social, o qual se ergue ao nível das

opções do Estado, que deixa de ser neutro, para assumir este programa de

transformação da realidade constitucional. A aplicação do princípio da igualdade social,

como aspecto nuclear do princípio social, especifica-se por intermédio da adopção de

mecanismos mais cogentes de discriminação positiva, abstractamente concedendo

vantagens a certos grupos de pessoas em situação de perda inicial, que de outra forma

não poderiam beneficiar da lógica do princípio da igualdade. Daí que se possa falar hoje

de um Direito da Igualdade Social, que tem precisamente por objecto espelhar todas as

transformações que ao nível do Direito — embora esta temática em muito o ultrapasse

— acontecem com o fito de alcançar essa preocupação social, essencialmente através

de esquemas de discriminação positiva».43

No que concerne à questão da discriminação positiva dos contribuintes salientamos

o facto de nos casos dos benefícios fiscais, permanentes ou temporários

dependentes de reconhecimento da administração tributária, quando o sujeito

passivo beneficiário, tenha deixado de efetuar o pagamento de qualquer imposto

sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao

sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento, o ato

administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos, nos termos do disposto pela

alínea a), do n.º 5 do Art.14.º, do EBF.

iii. A Segurança

Que pugna pela não tributação desconforme com a Constituição e a lei. Evitando-se,

assim, a tributação-surpresa dos contribuintes.

Assim, tal como se encontra consagrado no n.º 3, do Art. 103.º da CRP «Ninguém

pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da

Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não

façam nos termos da lei».

43 Jorge Bacelar Gouveia, “Manual de Direito Constitucional”, Volume II, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 941 e 942 .

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Pelo que, o legislador está impedido de criar ou aumentar impostos retroativamente.

Com efeito, no que concerne à aplicação da lei tributária no tempo, dispõe o Art. 12.º

da LGT que as normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada

em vigor, não sendo permitida a criação de impostos retroativos.

Acresce que, a lei só dispõe para o futuro, ainda que lhe seja atribuída eficácia

retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos

que a lei se destina a regular (Art. 12.º do CC).

A Constituição da República Portuguesa estabelece no nº 2 do Art. 103.º que

“Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos

termos da Constituição, que tenham natureza retroativa…”

Pelo que o disposto no Art. 12.º da LGT deverá ser aplicado em conformidade

aquela norma constitucional.

Este princípio postula, deste modo, uma ideia de proteção da confiança dos

cidadãos e da comunidade na estabilidade da ordem jurídica e na constância da

atuação do Estado.

E, para que exista essa confiança é necessário que as normas jurídicas gerem nos

cidadãos expetativas de continuidade do comportamento estadual.

Em matéria de impostos uma norma é retroativa quando se refere a factos ocorridos

anteriormente à sua entrada em vigor, tenham tais factos o valor de factos tributários

ou de factos impeditivos.44

Assim, a lei fiscal apenas rege para o futuro, não sendo permitido a aplicação da lei

nova a factos anteriores à sua entrada em vigor.

Segundo Lima Guerreiro, nos termos deste preceito legal é a lei em vigor no

momento da sua emissão que afere a validade dos atos da administração

tributária.45

44 Neste sentido Alberto Xavier, “Manual de Direito Fiscal I”, Manuais da faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa 1974, págs. 196 e 197.

45 António Lima Guerreiro, “Lei Geral Tributária — Anotada”, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 2001, pág. 89.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Para os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira perante imposições

fiscais retroativas, parece existir, para além de uma ofensa ao princípio geral de

irretroatividade das obrigações públicas em geral, como também ao princípio do

Estado de direito democrático (Art. 2.º), naquilo em que este pressupõe a

salvaguarda de um mínimo de confiança e segurança dos cidadãos, que os ponha a

salvo de inesperadas e arbitrárias imposições de novas obrigações.46

Como refere Vítor Faveiro, uma vez que as leis que criam impostos ou agravam as

taxas, restringem os direitos individuais de disposição plena e livre dos próprios

haveres, para este autor, a publicidade que a CRP é essencial, pois que as torna

suscetíveis de ser conhecidas por todos os cidadãos, em tempo de estes, por efeito

da prática de certos atos que podem limitar os seus direitos de livre disposição dos

seus bens, poderem optar livremente antes de esses atos serem praticados.

Prossegue ainda Vítor Faveiro, no sentido de que a admissão da retroatividade das

leis tributárias constituiria a mais grave e ostensiva negação do próprio Direito, e na

confiança dos cidadãos na ordem jurídica.

De facto, violar-se-ia o mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem

poder depositar na ordem jurídica, o que ofende de modo ostensivamente

inaceitável e intolerável, claramente o princípio da segurança jurídica e da confiança

dos cidadãos e da comunidade que hão de poder depositar na ordem jurídica.

Por último, entendemos ainda ser relevante referir que para Clotilde Palma «Um dos

elementos essenciais do Estado de Direito é a certeza ou segurança, que, atenta a

peculiaridade do Direito Fiscal, assume especial relevância neste domínio,

concretizando-se, designadamente, na previsibilidade e calculabilidade da

tributação. De facto, o Direito Fiscal é de todos os ramos de Direito aquele onde a

segurança jurídica mais releva, porquanto, atentos os valores em causa, os

cidadãos não podem estar sujeitos a decisões imprevisíveis, destituídas de regras

que lhes atribuam a previsibilidade e transparência desejáveis. Em suma, a

realidade fiscal deve poder ser controlada pelos contribuintes a quem devem ser

46 J. J. Gomes Canotilho, & Vital Moreira, “Constituição da Republica Portuguesa, Anotada”, 4.ª Edição Revista, Volume I, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, págs. 1092 e 1093.

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dadas a conhecer e a computar, de forma clara, precisa e antecipada, as respetivas

obrigações fiscais. O princípio da confiança na lei fiscal, um dos princípios

informadores do Estado de Direito, implica precisamente a previsibilidade e a

mensurabilidade ou calculabilidade dos encargos fiscais».47

iv. A Solidariedade

Enquanto prestação pecuniária, coativa, unilateral, definitiva e sem carácter de

sanção, o imposto pago ao Estado ou outros entes públicos, tem em vista a

satisfação de fins públicos, ou seja a realização de bens e serviços que, pelas suas

características, podem ser utilizadas simultaneamente por todos.

Pelo que, o pagamento de impostos assente essencialmente na capacidade

contributiva, está estreitamente conexo com o princípio da solidariedade social.

Efetivamente, pagar os impostos constitui uma obrigação que tem como objetivo

custear as despesas coletivas, nomeadamente com saúde, educação, segurança,

saneamento, transporte e cultura.

Sem a intervenção pública que as receitas provenientes do pagamento de impostos

permite, ficaria certamente comprometido o nível mínimo de satisfação coletiva de

bens e serviços essenciais à dignidade humana.

Aqueles que têm maior capacidade contributiva têm, pois, o dever de solidariedade

obrigatória de contribuir em maior proporção para a realização das tarefas

fundamentais do Estado.

A justiça tributária está, assim, também ligada com o ser solidário, na medida em

que os desprotegidos e carentes, que não podem suportar o ónus fiscal do Estado,

vão beneficiar dos bens e serviços coletivos, por força dessa solidariedade tributária,

mediante a arrecadação e distribuição das receitas provenientes do pagamento de

impostos dos cidadãos-contribuintes, com capacidade para tanto.

47 Clotilde Celorico Palma, 1995, Apud Paulo Marques, em “O elogio do imposto”, Wolters Kluwer Portugal sob a marca Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2010, pág. 54.

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Com efeito, muitos fins humanos só podem ser alcançados desde que os indivíduos

se associem e partilhem entre si esforços ou meios de ação. Só assim, é que se

torna possível realizar empreendimentos superiores às forças individuais.

A este propósito, importa referir que assinala Vítor Faveiro que «O tributo e mais

designadamente o contributo fiscal de ordem pecuniária para a satisfação financeira das

necessidades colectivas ou para a realização de fins públicos equiparados, é, assim, um

elemento inato e inerente à qualidade de socialidade da pessoa humana: Se o homem

não pode viver ou realizar-se, como tal, senão em sociedade, é obviamente, a pessoa

humana, como ser social, que, por um lado, participa da existência de necessidades

colectivas para se realizar como ser social e, por outro lado, tem de contribuir para a sua

satisfação e para a realização de todos. De onde resulta que é da pessoa-cidadão que o

Estado recebe a legitimidade de estabelecer e exigir impostos».48

Poderão os defensores da liberdade económica questionar este papel do Estado

Social em garantir a solidariedade entre todos os cidadãos por via do tributo.

Contudo, a este propósito, perfilhamos o entendimento de Marco Aurélio Greco, o

qual evidencia que «Não se trata de a liberdade valer mais que a solidariedade ou a

solidariedade mais que a liberdade. Não há predomínio de um sobre o outro. Há, isto

sim, necessidade de compor liberdade com solidariedade e solidariedade com

liberdade. Vale dizer: um não pode aniquilar o outro, não é por levantar a bandeira

da capacidade contributiva que isto pode levar a um aniquilamento da liberdade

individual de agir e de escolher os seus caminhos; também não é a bandeira da

liberdade que pode atropelar a capacidade contributiva pura e simplesmente

escapando da tributação que deveria haver se e na medida em que ocorrer

manifestação de capacidade contributiva».49

O Estado de John Rawls é, igualmente, muito útil para esta reflexão.50

48 Vítor Faveiro, “O Estatuto do Contribuinte — A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito”, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pág. 186.

49 Marco Aurélio Greco, 2004, Apud Paulo Marques in “O elogio do imposto”, Wolters Kluwer Portugal sob a marca Coimbra Editora, 1.ª Edição, 2010, págs. 60 e 61.

50 Parece-nos, pois, mais uma vez oportuno seguirmos alinhavando alguns apontamentos sobre a

justiça tributária, tendo como pano de fundo a visão filosófica de John Rawls.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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4. O Direito Fundamental de Cobrar Impostos

A cidadania além da relação do cidadão com o poder comporta uma ligação entre o

reconhecimento de importantes direitos e a afirmação da responsabilidade

comunitária dos cidadãos-contribuintes.

No Moderno Estado Fiscal de Direito, o dever fundamental de pagar impostos

constitui, como já vimos, um dever ético-social de todos, sendo esta uma importante

manifestação da cidadania fiscal.

Neste sentido, a conceção de Casalta Nabais «o estado fiscal implica uma cidadania

de liberdade cujo preço reside em sermos todos destinatários do dever fundamental

de pagar impostos».51

Em Portugal, a conceção de cidadania adquire consistência jurídica na própria CRP

que, logo na sua Parte I, enumera, define e garante os direitos e deveres

fundamentais, começando por estabelecer alguns princípios, passando depois aos

direitos, liberdades e garantias pessoais, de participação política e dos trabalhadores

e concluindo com os direitos e deveres económicos, sociais e culturais.

Este autor defende a liberdade do individuo em escolher a sua posição económica e social numa sociedade democrática. Ora, melhores condições de vida, mais acesso aos bens de consumo, mais renda, no modelo de Rawls implica maior pagamento de impostos, contribuindo assim para o aumento da poupança colectiva, ou seja, produzindo mais receita tributária em benefício daqueles que não alcançam igual posição económica. Para Rawls, sonegar tributos é sonegar a receita dos mais pobres, portanto, é tornar ilegítima a riqueza particular e o sistema jurídico que a fomenta: injusto. Numa sociedade democrática há bens primários, cuja característica principal é a de serem essenciais à sobrevivência digna de todos os indivíduos. Assim, falar em justiça social, versa-se sobre a necessidade de aproximar as pessoas, de se cuidar pela redução das desigualdades. Tarefa que alberga todas as esferas sociais, e que deve ser compreendido em sentido amplo, de modo a acolher desde as normas de tutela laboral àquelas relacionadas à oferta de educação, segurança, cultura, informação etc. Pelo que, a todos os cidadãos devem ter acesso obrigatório a uma casa, escola, saneamento básico, alimentação, saúde, salários dignos, cultura. E, a oferta dos bens desta natureza é de obrigação do poder público. No campo da tributação estes bens primários hão-de ser protegidos da tributação, e é justamente em nome desta proteção que os governos democráticos estão legitimados à coleta de tributos. Nesse sentido, a teoria desenvolvida por John Rawls vê nas instituições básicas da sociedade o enfoque principal da justiça. Para ele, os sistemas sociais devem ser estruturados de maneira que a distribuição resultante seja justa, para que se possa falar em justiça fiscal.

51 José Casalta Nabais, “Por um Estado Fiscal Suportável — Estudos de Direito Fiscal”, Almedina, Coimbra, 2005, p. 34.

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Assim, por ser tratar de um direito fundamental, a ideia jurídica de cidadania

repercute-se em todos os quadrantes do direito.

No que concerne à cidadania fiscal, uma reflexão sobre o tema envolve aspetos

relacionados com a ética fiscal, como já atrás afirmamos e, por conseguinte,

enformada por o valor solidariedade.

Deste modo, a melhor doutrina refere a existência de uma relação procedimental

entre dois sujeitos (ativo e passivo) não necessariamente antagónica, mas

sobretudo de colaboração recíproca (Art.os 59.º da LGT e 9.º do RCPITA).52

A relação tributária que se estabelece entre o fisco e o cidadão deve ser, segundo

alguma doutrina, contemporaneamente pensada sob dois prismas, a saber: Perfeita

e Imperfeita:

4.1 Relação Jurídica entre Fisco Imperfeita

Do ponto de vista dos efeitos desta relação, podemos afirmar que ela é imperfeita.,

uma vez que o cidadão-carente é protegido, tem apenas a posição de sujeito credor

da solidariedade do Estado e, o Estado, por sua vez, tem meramente a posição de

sujeito devedor desta solidariedade.

Neste sentido, estes cidadãos desprotegidos têm o direito à não tributação do

mínimo de existência, pois que são apenas credores da solidariedade.

A sua cidadania fiscal constitui esse direito à não tributação do mínimo de

existência, ou mínimo social, índice considerado justo de bens e serviços de primeira

necessidade, abaixo do qual as pessoas simplesmente não podem participar da

sociedade como cidadãos livres.

Porém, a questão da cidadania fiscal não se esgota, aqui. Para que se verifique uma

proteção fiscal aos cidadãos desprotegidos, terá que existir, recursos disponíveis

para uma atuação solidária e justa por parte do Estado.

52 Nesta linha, Lima Guerreiro refuta “a imagem de uma Administração Tributária toda poderosa perante um contribuinte em posição de mera sujeição. O procedimento tributário desenvolve-se em estrita e constante cooperação entre o contribuinte e a administração tributária” , in “Lei Geral Tributária — Anotada”, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 2001, pág. 268.

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4.2 Relação Jurídica entre Fisco Perfeita

Aquela em que a relação jurídica entre fisco e cidadão-contribuinte, quanto aos seus

efeitos, é perfeita, ou seja, há obrigações mútuas e recíprocas.

A ideia de cidadania fiscal, defendida por Casalta Nabais, deixa antever que a

existência de uma cidadania fiscal em que relação jurídica entre fisco e cidadão-

contribuinte, quanto aos seus efeitos, é perfeita, pois que pressupõe que os

cidadãos que têm o dever de suportar o ónus financeiro do Estado, ou seja, têm o

dever fundamental de pagar tributos na medida da respetiva capacidade

contributiva. O que permite que o contribuinte tenha uma margem de liberdade para

atuar, desde que não viole expressa e diretamente os a Constituição e a lei. Essa

liberdade dos cidadãos-contribuintes tem, portanto, limites.

Pelo que, para além de se verificar sobre a licitude ou ilicitude da conduta do

contribuinte, isto é, a de saber se a conduta se materializou antes ou depois do facto

económico, cabe também verificar se o contribuinte adotou uma forma ética para

pagar o tributo, proporcional e razoavelmente de acordo com a sua capacidade

contributiva. Isto é, se o fez valendo-se dos meios jurídicos de forma adequada ou,

pelo contrário, se abusou dos meios jurídicos para sofrer carga fiscal inferior à sua

capacidade económica.

5. Conceção Ético-Jurídica da Justiça Fiscal

A teoria da justiça do pensador americano John Rawls tornou-se uma das obras

centrais da filosofia política contemporânea, sendo ainda hoje alvo de muitos

comentários, críticas, aperfeiçoamentos ou desdobramentos.

John Rawls representa o empenho da filosofia política em estabelecer parâmetros

éticos para a redefinição do modelo de justiça distributiva.

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É evidente o carácter ético da sua teoria, na medida em que a sua visão filosófica se

materializa nas seguintes pretensões morais de validade:

a) a pretensão de tratamento igual entre as pessoas;

b) a pretensão de consistência entre discurso e ações;

c) a pretensão de adoção de perspetivas.

Para falarmos em Justiça Fiscal numa sociedade democrática é necessária uma

forte regulação na distribuição de bens na estrutura básica da sociedade, bem como

a existência de cidadãos-contribuintes que contribuem para o fundo comum público

destinado a garantir a oferta de bens e de serviços impossíveis de serem

assegurados, com equidade, a todos os cidadãos, se apenas fossem assegurados

pelo mercado.

A garantia da oferta básica de tais bens e serviços passa pela não tributação dos

desfavorecidos, pois que se assim não o fosse redundaria na perda da dignidade no

âmbito económico, político, social e jurídico-fiscal.

Como já referimos, o pensador americano John Rawls pugna pela liberdade do

indivíduo em escolher a sua posição económica e social numa sociedade

democrática a saber, melhores condições de vida, mais acesso aos bens de

consumo, mais rendimento. Defendendo este autor a contribuição dos mais

afortunados, em termos económicos, deve ser maior, produzindo receita fiscal em

benefício daqueles que não desfrutam igual posição económica, contribuindo, assim,

para o cumprimento dos princípios de igualdade e proporcionalidade na distribuição

da carga fiscal.

Dito de outro modo, pode-se enriquecer, é certo, mas, todavia, em nome do ideal de

justiça tributária, paga-se mais impostos sobre a riqueza acumulada.

Numa sociedade há bens e serviços indispensáveis à sobrevivência digna de todos

os indivíduos, a eles todos devendo ter acesso. Sendo a sua prestação compete ao

poder público, ainda que o Estado se possa socorrer do mercado para os garantir.

Tanto mais evoluída será, pois, a sociedade democrática, do ponto de vista da

tributação, quanto mais ela garantir a prestação daqueles bens e serviços primários

e outros que, igualmente, possam contribuir para o padrão de dignidade humana dos

seus cidadãos, sem o recurso ao mercado.

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6. Os Deveres de Cooperação ou Colaboração enquanto Obrigações Acessórias

Nos termos do disposto pelo Art. 59.º da LGT a relação jurídica tributária pauta-se

pelo dever de colaboração, recíproco, entre os órgãos da administração tributária e

os contribuintes.

Conforme já referimos, nem sempre os particulares tiveram tanta intervenção e,

mesmo, poder no seio da relação jurídica-tributária, como têm hoje em dia. Ora, as

várias fases que se foram desenvolvendo, relativas ao procedimento de

determinação, liquidação e cumprimento das obrigações fiscais para os particulares,

fizeram despoletar a criação de um conjunto de normas com características próprias,

cujos destinatários são os próprios sujeitos passivos.

O cumprimento destas normas está assegurado por díspares tipos de sanções

administrativas ou penais, sanções essas que podem mesmo ser aplicadas ainda

que não exista uma dívida de imposto.

A criação de tais normativos tem como fim definir, delimitar e regulamentar os

deveres de cooperação e de colaboração, enquanto deveres de prestar não-

pecuniários, ou seja, autênticas obrigações de conduta, que têm uma importância

significativa na relação jurídico-tributária.

Podemos afirmar que deveres de cooperação ou deveres de colaboração são, pois,

como assinala Saldanha Sanches que, o conjunto de deveres de comportamento

que resultam das obrigações que têm por objeto prestações de facto e de conteúdo

não diretamente pecuniário, com o objetivo de permitir à administração fiscal

investigar e determinar os factos fiscalmente relevantes.

Assim, a par das prestações fiscais pecuniárias, existem também as prestações não-

pecuniárias, que possibilitam a determinação exata das primeiras.

Por conseguinte, os deveres de colaboração granjearam um grande protagonismo

nos nossos dias, acompanhando as reformas que foram sendo empreendidas no

âmbito da gestão tributária.

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Tais deveres de cooperação que temos vindo a falar, são designados pelo sistema

fiscal português por obrigações acessórias ou obrigações declarativas acessórias.

Todavia, alguma doutrina não acolhe de bom grado o caráter de acessoriedade que

o legislador português adotou para qualificar estas obrigações.

Relativamente a estas obrigações o Prof. Saldanha Sanches defende que ao

atribuir-lhes esta terminologia, estar-se-á a relativizar a importância que a mudança

de paradigma do processo de gestão fiscal trouxe consigo.

Com efeito, ao contrário do que sucedia anteriormente, em que os contribuintes se

limitavam ao pagamento do imposto, a evolução do ordenamento jurídico tributário

trouxe a necessidade do aparecimento de inúmeros deveres de conduta em face

dos contribuintes passarem a assumir um papel principal em todo o processo de

autoliquidação.

Defende ainda aquele autor que os códigos dos diferentes impostos denominam

legalmente por “obrigações acessórias” refere-se ao «conjunto de novos deveres

integrados em obrigações de facere e cuja existência deixou de estar dependente da

verificação da obrigação de dare.». Ou seja, estes deveres ocorrem quer haja ou

não uma obrigação principal de pagamento de imposto, não correspondendo assim

aos “deveres acessórios” das obrigações tal como conceptualizados pela doutrina

civilista, facto que, por si só, basta para fundamentar que têm uma autonomia e uma

existência própria.53

Por essa razão, não parece sensato designar estas obrigações por acessórias,

tendo em conta o fim as mesmas assumem atualmente no ordenamento jurídico-

tributário.

Acresce que, como já vimos, o eventual incumprimento dos deveres de cooperação,

independentemente do pagamento ou não da obrigação principal, por configurar

uma violação de uma imposição legal, poderá gerar a responsabilidade contra-

ordenacional do sujeito passivo infrator.

53 José Luís Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação,

Autoavaliação e Avaliação Administrativa”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, N.º 173, Lisboa: Centro de Estudos Fiscais, 1995, págs. 70 a 87.

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Num primeiro plano temos aqueles deveres de cooperação que têm uma ligação

estreita com os deveres de prestação pecuniária do sujeito passivo. Nesta situação,

temos o caso em que os sujeito passivo, pelo facto de preencher uma determinada

norma de incidência, nos termos da qual é devedor de imposto, e está,

simultaneamente, sujeito a um dever de declarar. Contudo, esta obrigação de

declarar é autónoma na medida em que a lei prevê sanções para o seu não

cumprimento, sanções essas que existem por si só, independentes do dever de

prestação.

De igual modo, a mera constituição de uma sociedade para o exercício de uma

atividade económica no intuito de obter lucro, gera o cumprimento de um dever

declarativo, que é alheio ao principal motivo da sua constituição. Sendo o momento

de cumprimento deste dever, anterior ao início da atividade da sociedade, ele não

depende, como é evidente, da efetiva existência de rendimentos, ou sequer da

expetativa da sua produção. O dever existe desde logo, no momento em que se

forme a intenção de início de uma atividade.

Com a declaração em causa pretende-se dar a conhecer à administração fiscal a

existência de um sujeito passivo que pode potencialmente auferir rendimentos

sujeitos a tributação.

Assim, no caso do nosso exemplo, para que exista o dever de pagamento de IRC é

necessário, desde logo, que exista uma sociedade comercial. Num segundo

momento, para que se constitua uma dívida de IRC, é necessário que essa

sociedade obtenha lucro ou que a administração esteja legalmente na posse de

elementos que permitam que tal lucro se presuma.

Todavia, para que exista um dever de declarar, quer o início de atividade (Art. 118.º

do CIRC), quer a declaração periódica de rendimentos (Art. 120.º do CIRC), quer a

declaração anual de informação contabilística e fiscal (Art. 121.º do CIRC), é

suficiente que essa sociedade exista, ao preencher na totalidade a previsão legal

que está ligada aos deveres declarativos.

Pelo que, a norma de incidência da factualidade que origina o nascimento do dever

de uma prestação pecuniária não é a mesma que torna obrigatório o cumprimento

de deveres declarativos ou outros deveres de cooperação.

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CAPÍTULO IV

A RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

1. Elementos Estruturais da Relação Jurídica-Tributária

1.1 Sujeitos da Relação Jurídica-Tributária

i. Os Substitutos Tributários

ii. Os Sucessores Tributários

iii. Os Responsáveis Tributários

1.2 Objeto e o Facto da Relação Jurídica-Tributária

1.3 A Garantia da Relação Jurídica-Tributária

2. A Relação Jurídica-Tributária

2.1 A relação jurídico-tributária obrigacional

2.2 A Relação Jurídico-Tributária Complexa

3. A Evolução do Modelo de Gestão do Sistema Fiscal

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1. Elementos Estruturais da Relação Jurídica-Tributária

Em Sentido lato, relação jurídica é qualquer relação da vida social que seja

juridicamente relevante, isto é, a que o direito atribua efeitos.

Em sentido restrito é a relação da vida social que o direito regula mediante a

atribuição a uma pessoa de um direito e a imposição a outra pessoa de um dever

jurídico ou de uma sujeição.

A doutrina analisa a relação nos seguintes elementos: sujeitos, objeto, facto e

garantia.

O n.º 2, do Art. 1.º da LGT estabelece que “Para efeitos da presente lei, consideram-

se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária,

agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente

equiparadas a estas.”

A relação jurídica tributária, por ser espécie de relação jurídica, tem a mesma

estrutura. Contudo, há certas peculiaridades da relação jurídica tributária que devem

ser levadas em consideração.

Desde logo a relação jurídica é regulada pelo Direito Tributário, que é ramo do

Direito Público e, por isso, as respetivas normas são coercivas e estando o Estado,

no âmbito do seu poder de autoridade, investido do ius imperii.

Este vínculo é, assim, enformado pelos poderes que o credor detém com os

correspondentes deveres impostos ao sujeito passivo da relação e forma o núcleo

central da obrigação.

Além disso, a relação jurídica tributária está diretamente fundamentada sempre na

lei, por força do consagrado no n.º 3, do Art. 103.º da CRP, nos termos do qual

“Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos

termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e

cobrança se não façam nos termos da lei.”

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São, assim, em resumo útil, os seguintes os elementos estruturais da relação

jurídica tributária:

1.1 Sujeitos da Relação Jurídica Tributária

A disciplina dos impostos dá origem a um conjunto de relações de carácter jurídico

que se estabelece entre o credor tributário e o contribuinte.

Este vínculo é enformado pelos poderes que o credor detém com os

correspondentes deveres impostos ao sujeito passivo da relação.

Assim, ao dever jurídico imposto ao sujeito passivo (devedor) corresponde um direito

subjetivo do sujeito ativo (credor).

O artigo 18.º da LGT dá-nos as noções de sujeito ativo e sujeito passivo da Relação

tributária.

Nos termos do n.º 1 do Art. 18.º da LGT, designa-se por sujeito ativo da relação

tributária a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das

obrigações tributárias, quer diretamente quer através de representante.

E, nos termos do n.º 3 da mesma disposição legal o sujeito passivo «é a pessoa

singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos

termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como

contribuinte direto, substituto ou responsável».

Podemos ter, assim, como sujeito passivo da relação jurídica tributária uma pessoa

singular ou coletiva bem como entidades ou situações de facto a que o legislador

fiscal atribui relevância, sem que estas se tratem de uma pessoa jurídica, como por

exemplo é o caso do agregado familiar ou das sociedades irregulares.

A crescente importância dos substitutos ou responsáveis nas relações tributárias

determinou a sua inclusão naquela definição.

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Para além de figurarem como intervenientes tradicionais deste vinculo o sujeito ativo

e o sujeito passivo, surge também a figura de um terceiro, que será também ele um

sujeito desta relação.

A fim de tornar mais seguros e mais fáceis o lançamento e a cobrança dos impostos,

a lei fiscal, para além da imposição da conduta específica de prestar ou pagar uma

soma em dinheiro, a administração pode impor igualmente a pessoas que não são,

originariamente, as vinculadas ao dever da prestação tributária, outros deveres de

prestação de facto, conexos com a situação de facto ou de direito que dá lugar à

tributação.

Nesses casos, estamos perante condutas de facere, meramente acessórias da

conduta principal.

Com efeito, por vezes, estes deveres recaem sobre pessoas ou entidades, que tanto

podem ser privadas como públicas, em relação às quais se verificam os factos ou

situações típicas de determinado imposto independentemente de vir a ter lugar

quanto a elas uma efetiva obrigação tributária.

Estas pessoas ou entidades, apesar de estranhas à obrigação fiscal, estão ligadas

aos factos ou situações tributárias, encontrando-se em posição de prestar à AT uma

colaboração fundamental para a descoberta e fixação concretas das várias

situações passíveis de imposto, bem como no despiste de eventuais fraudes.

Por conseguinte, temos assim, em primeiro lugar, a figura do sujeito passivo

originário (direto), em relação à qual se verifica o facto tributário e, em segundo

lugar, a figura do sujeito passivo não originário (indireto), que sem ter uma relação

pessoal e direta com o facto tributário, ainda assim, é chamado, por outros motivos,

ao cumprimento de obrigações tributárias, geralmente relacionadas com outros.

Nestes casos, existem três categorias diferentes: os substitutos tributários, os

sucessores tributários e os responsáveis tributários.

Note-se que não cabem neste elenco as situações de representação legal voluntária

(Art. 16.º da LGT) e de gestão de negócios (Art. 17.º da LGT), pois que a qualidade

de sujeito passivo continua a pertencer aos representados e donos de negócios.

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i. Os Substitutos Tributários

Nos termos do n.º 2 do Art. 20.º da LGT a «substituição tributária é efetivada através

do mecanismo da retenção na fonte do imposto devido»

A substituição tributária verifica-se quando a lei determina que um sujeito ou uma

entidade se substituam àquele relativamente ao qual se verificou o facto tributário,

ocupando o seu lugar na obrigação de imposto.

Relativamente à substituição tributária, refere Ana Paula Dourado que: “A retenção

na fonte aparece como um novo sistema de liquidação do imposto na Grã-Bretanha,

no início do séc. XIX («stoppage at source»), relacionado com a introdução do

imposto sobre o rendimento, e foi generalizado após a segunda Grande Guerra o

método designado por «pay-as-you-earn». A este novo sistema são atribuídas

muitas vantagens, designadamente, por facilitar a cobrança do imposto, antecipar a

entrada das receitas no Estado, reduzir os comportamentos de evasão fiscal, e, do

ponto de vista do devedor originário, diminuir-lhe os esforços fiscais” 54

ii. Os Sucessores Tributários

Nos termos do disposto no n.º 2, do Art. 29.º «As obrigações tributárias originárias e

subsidiárias transmitem-se, mesmo que não tenham sido ainda liquidadas, em caso

de sucessão universal por morte, sem prejuízo do benefício do inventário».

Destarte, a dívida de imposto não se extingue com a sua morte.

Os herdeiros, aceitando a quota da herança, sucedem ao falecido no seu património

ativo e no passivo. Respondem também pelas dívidas fiscais, sem prejuízo de a sua

responsabilidade estar limitada, nos termos gerais ao valor dos bens recebidos,

como resulta das regras do direito das sucessões.

iii. Os Responsáveis Tributários

Nas palavras de Ana Paula Dourado, «[a] responsabilidade carateriza-se pela

acessoriedade, porque depende da existência de uma relação tributária obrigacional

principal» 55

54 Ana Paula Dourado, “Caracterização e Fundamento da Substituição e da Responsabilidade

Tributárias”, Ciência e Técnica Fiscal n.º 391, Centro de Estudos Fiscais, julho-setembro de 1998, págs. 39 e 40.

55 Idem, pág. 55.

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Dependendo do tipo de relação existente entre os devedores originários e os

devedores não originários, a responsabilidade tributária pode ser solidária ou

subsidiária.

A responsabilidade diz-se solidária nos casos em que o credor tributário pode optar

entre exigir a prestação integral àquele responsável ou ao sujeito passivo originário,

sendo que a prestação por parte de um liberta o outro, sem prejuízo do direito de

regresso, de natureza civil, do pagador sobre o outro.

É o caso, nos termos do n.º 1, do Art. 21.º da LGT, da responsabilidade de cada

contribuinte na pluralidade de contribuintes por força do mesmo facto tributário, salvo

disposição em contrário (comunhão ou de contitularidade de rendimentos), a

responsabilidade dos sócios de sociedades de responsabilidade ilimitada e dos

membros de entidades com igual regime de responsabilidade civil, nos termos do n.º

2, do Art. 21.º da LGT) e a responsabilidade dos gestores de bens ou direitos de não

residentes sem estabelecimento estável em território português relativos ao

exercício do seu cargo nos termos do Art. 27.° da LGT.

A responsabilidade é subsidiária verifica-se se o terceiro responsável apenas

responde depois de verificada a insuficiência patrimonial do devedor originário, para

o efeito.

Nos termos do disposto no n.º 1, do Art. 23.º da LGT a «responsabilidade subsidiária

efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal». Assim, com a reversão

contra o responsável subsidiário, relativamente à execução fiscal que corria contra o

sujeito passivo originário, passa o património daquele sujeito passivo não originário

a responder pela dívida.

Por último importa afastar do âmbito da sujeição tributária, o estipulado no Artigo

18.º, nº 4 da LGT.

Em conformidade com o estabelecido naquela disposição legal, não é considerado

sujeito passivo quem suporte o encargo do imposto por repercussão legal (alínea

a)), nem, nos termos da alínea b), quem deva prestar informações sobre assuntos

tributários de terceiros (por exemplo bancos ou advogados), exibir documentos (por

exemplo repartições públicas, conservatórias ou notários), emitir laudo em processo

administrativo ou judicial ou permitir o acesso a imóveis ou locais de trabalho.

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1.2 Objeto e o Facto da Relação Jurídica-Tributária

Tratando-se de relação jurídica, obviamente haverá sempre necessidade de

uma lei ou de um contrato estabelecendo um elo entre duas ou mais pessoas, com

referência a um determinado objeto.

Assim o objeto da relação é aquele que é constituído pelo próprio conteúdo do

vínculo, ou seja, pelos direitos e deveres que nele se integram. Por conseguinte,

como cada direito de um dos sujeitos encontra-se por contrapartida um dever do

outro.

A relação jurídica tributária tem como objeto principal a obrigação do sujeito passivo

proceder ao pagamento do imposto. Contudo, a relação jurídica tributária não

comporta apenas esta obrigação do pagamento do imposto. Ela comporta também

as designadas prestações acessórias: as prestações positivas (de fazer) e negativas

(de não fazer), bem como o direito a juros compensatórios e indemnizatórios e o

direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto (Art. 30.º da LGT).

Como já referimos a relação tributária que se estabelece entre Administração e o

contribuinte tem como finalidade a arrecadação de receitas para os cofres do Estado

para a prossecução e a concretização de bens do interesse público. Como tal, o

pagamento de impostos é, por excelência, a obrigação principal (n.º 1, do Art. 31.º

da LGT).

A obrigação de pagamento do imposto constitui-se quando se verifica algum dos

factos previstos nas normas de incidência do respetivo imposto. Uma vez nascida a

obrigação do imposto, torna-se então necessário torna-la líquida e exigível. Isto é,

liquidar o montante de imposto a pagar e efetuar a respetiva notificação ao

contribuinte.

A par da obrigação principal, existem ainda outras obrigações com natureza

secundária mas que, sem elas, a obrigação principal careceria de toda a sua eficácia

e suporte sobre o sistema fiscal. Falamos, portanto, das chamadas obrigações

acessórias. A maior parte dos deveres tributários acessórios implicam um

comportamento positivo por parte do contribuinte, tratam-se, assim, das chamadas

prestações acessórias de facere.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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Tratam-se de obrigações que englobam um conjunto de deveres que têm por objeto

prestações de facto com vista a permitir à AT a determinação e a inspeção de factos

fiscalmente relevantes sobre a situação tributária dos sujeitos passivos de imposto.

Nos termos do disposto no n.º 2 do Art. 31.º da LGT “ São obrigações acessórias do

sujeito passivo as que visam possibilitar o apuramento da obrigação de imposto,

nomeadamente a apresentação de declarações, a exibição de documentos fiscalmente

relevantes, incluindo a contabilidade ou escrita, e a prestação de informações”

Assim, as obrigações ou acessórios têm por base o dever geral de colaboração

relativo à relação entre os órgãos da AT e os contribuintes, previsto no artigo 59.º da

LGT, onde se exige que seja uma cooperação de boa-fé de ambas as partes.

Resulta assim do exposto, que, tal como na teoria geral da relação jurídica civil, em

sede fiscal também se torna relevante fazer a distinção entre o objeto imediato da

relação de imposto e o objeto mediato da relação de imposto.

Nesta matéria cumpre destacar as considerações do Professor Braz Teixeira, para o

qual o objeto da relação fiscal é realidade distinta do objeto do imposto com a qual

não deve ser confundido.

Enquanto o objeto do imposto é o bem, a situação de facto ou a atividade sobre que

incide a tributação, o objeto da relação corresponde, quer, ao conjunto dos poderes

do sujeito ativo e dos correlativos deveres do sujeito passivo, e, como, à prestação a

que está obrigado.

Para este autor, o objeto da relação fiscal engloba, assim, duas realidades distintas:

A primeira, geralmente designada por objeto imediato, que constituem os direitos e

deveres de que são titulares os sujeitos da relação; a segunda, conhecida na

doutrina pela designação de objeto mediato, que é como que a concretização

desses direitos e deveres, isto é, aquilo sobre que incidem.

A questão é ilustrada tomando como exemplo o caso do IRS. De acordo com este

autor, o objeto do imposto serão os rendimentos do trabalho em dinheiro ou em

espécie e o objeto imediato da relação serão os poderes e deveres que, uma vez

verificados os pressupostos de facto da relação, a lei atribui ao sujeito ativo ou

impõe ao sujeito passivo e, por fim, o objeto mediato, serão as prestações que

constituem objeto daqueles direitos e deveres.56

56 António Braz Teixeira, “A Relação Jurídica Fiscal”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, N.º 4, Centro de Estudos Fiscais, 1962, pág. 75 .

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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1.3 A Garantia da Relação Jurídica-Tributária

No que diz respeito às garantias, existem normas tributárias que regulam o

cumprimento e fiscalização relativas à obrigação de pagar impostos e asseguram a

coercibilidade do sistema tributário e dos créditos tributários ou que respeitam às

garantias dos contribuintes.

As que regulam as obrigações relativas ao cumprimento da obrigação principal de

pagar imposto constam, em particular, dos códigos do respetivo imposto, incluindo

as chamadas obrigações acessórias. Ou seja, tratam-se de normas que,

designadamente, regulam as obrigações de declaração, contabilização, escrituração

e comunicação.

As normas relativas à fiscalização são aquelas que regulam a atividade inspetiva da

AT, que estão, na sua generalidade, previstas no RCPITA.

Existem, ainda, normas sancionatórias do incumprimento dos deveres tributários por

parte dos contribuintes, incluindo as obrigações acessórias, que estão, na sua

generalidade, previstas no RGIT.

As normas relativas aos créditos tributários são aquelas que garantem qualquer

forma ou modo de assegurar a efetividade do crédito. Isto é, reforçam a crédito no

sentido de lhe conferir a certeza de que o seu direito será satisfeito.

Desde logo, o direito do credor o património do devedor constitui a garantia geral

dos créditos tributários, dispondo ainda a AT dos privilégios creditórios previstos no

CC ou nas leis tributárias, bem como do direito de constituição, nos termos da lei, de

penhor ou hipoteca legal e do direito de retenção de quaisquer bens sujeitas à ação

fiscal de que o sujeito passivo seja proprietário, nos termos previstos na lei.

De igual modo, havendo fundado receio de frustração da cobrança dos créditos ou

de destruição ou extravio de documentos ou outros elementos necessários ao

apuramento da situação tributária dos contribuintes, a AT pode requerer

providências cautelares para garantia dos seus créditos (arresto e arrolamento).

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

101

As normas relativas às garantias dos contribuintes são aquelas que lhe atribuem

direitos gerais (v.g. o direito à informação, fundamentação, notificação,

indemnização) e de deveres que são impostos à AT (v.g. decisão, celeridade,

colaboração).

Constitui, ainda, garantias dos contribuintes o direito a impugnar os atos praticados

pela AT quer pela via administrativa, nomeadamente através da reclamação

graciosa, revisão oficiosa e recurso hierárquico, quer pela via judicial,

designadamente, com a impugnação judicial, oposição à execução fiscal e ação

administrativa.

2. A Relação Jurídica-Tributária

O que gera a relação existente entre credor e devedor é o vínculo estabelecido pela

ordem jurídica.

Este vínculo é composto pelos poderes que o credor detém com os correspondentes

deveres impostos ao sujeito passivo da relação e forma o núcleo central da

obrigação.

A relação jurídica tributária carateriza-se numa autêntica relação obrigacional

complexa que se traduz numa obrigação principal, em deveres secundários e em

deveres acessórios de conduta que gravitam, na maioria das vezes em torno do

dever principal.

Uma relação nestes moldes, como temo vindo a analisar, só foi possível através de

um processo de transformação do sistema tributário, que veio trazer uma maior

intervenção do administrado.

Para que entendermos melhor os contornos estruturantes desta relação jurídica,

enquanto relação obrigacional complexa, apresentamos numa primeira parte, a

relação jurídico-tributária obrigacional e, numa segunda parte, a relação jurídico-

tributária complexa.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

102

2.1 A Relação Jurídico-Tributária Obrigacional

A obrigação fiscal corresponde, no seu conteúdo, ao conceito característico de

obrigação do direito civil, ou seja, o respetivo vínculo é composto em duas faces: ao

dever jurídico imposto ao sujeito passivo (devedor) corresponde um direito subjetivo

do sujeito ativo (credor), sendo que o vínculo que os une constitui a chamada

relação de obrigação, relação obrigacional, ou apenas obrigação.

A obrigação fiscal é, como a obrigação civil, um vínculo jurídico pelo qual alguém

fica adstrito a entregar a outrem uma prestação, porém, com características que o

diferenciam dos vigentes no direito civil.

Desde logo, a obrigação fiscal, em face da necessidade que o Estado tem de obter

meios para que possa satisfazer a realização de determinadas tarefas que se

predem com as necessidades coletivas dos seus cidadãos (fins públicos), têm a sua

origem e conteúdo definidos na lei. Enquanto, as obrigações civis têm a sua fonte

nos contratos, nos negócios jurídicos unilaterais, na gestão de negócios, no

enriquecimento sem causa, ou seja, na norma individual que os sujeitos

interessados autonomamente definem para si, a obrigação fiscal.

Outra característica que o diferencia a obrigação fiscal da obrigação civil, é que

enquanto esta ultima tem a natureza de obrigação de direito privado – “inter partes” -

a obrigação fiscal é uma obrigação de carácter misto. Predominante, tem origem no

Direito Público do Estado, na medida, como observa o Professor Braz Teixeira, é

uma obrigação em sentido verdadeiro e próprio, a qual nasce com a verificação dos

pressupostos que integram a previsão do “tipo” legal, mas depende do

comportamento dos particulares quanto à causa real da constituição do vínculo

jurídico, do qual nasce o dever de prestar.

Assim, a relação jurídica fiscal estrutura-se nos moldes dum vínculo obrigacional, por

força do qual o contribuinte fica sujeito ao dever de efetuar uma prestação

pecuniária ao Estado, prestação essa que o Estado tem o direito de exigir.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

103

Contudo, a posição jurídica dos contribuintes não se esgota apenas no dever de

efetuar uma prestação, pois que, os protege. Com efeito, no exercício dos poderes

fiscais o Estado tem que atuar de acordo com as normas jurídicas que o disciplinam,

ou seja, que os órgãos da administração atuem conformemente à lei. E, esta tutela

é-lhes conferida através de adequados meios da defesa da legalidade, quer de

carácter contencioso, quer de carácter gracioso.

Na verdade, por força das normas que regulam as obrigações tributárias surgem,

entre o Estado e os contribuintes, direitos e deveres recíprocos que formam o

conteúdo de uma relação especial: a relação jurídica tributária. Verifica-se assim que

do ordenamento jurídico-tributário não surge apenas a obrigação de pagar e o

correspetivo direito de exigir o crédito por parte da administração fiscal, mas também

um conjunto de direitos e deveres tanto da entidade pública como dos sujeitos

passivos, que têm um conteúdo e natureza diferentes.

2.2 A Relação Jurídico Tributária Complexa

Para a doutrina maioritária além da relação jurídico tributária se configurar como

uma relação obrigacional, é também uma relação complexa.

Complexa na medida em que para além de ter como objeto a prestação de imposto,

a lei fiscal impõe ainda, por vezes, a outras pessoas que se encontram ligadas aos

pressupostos que dão origem ao vínculo tributário, mas que são estranhas à

obrigação de imposto, determinados deveres jurídicos, positivos ou negativos,

destinados a possibilitar o conhecimento do imposto, ou seja, a facilitar uma

aplicação tanto quanto possível rigorosa das normas de incidência dos impostos –

as designadas obrigações acessórias da relação jurídica tributária.

Desta forma, a relação jurídica tributária engloba a totalidade do conjunto de deveres

e direitos subjetivos de natureza fiscal, mesmo que não se traduzam em quaisquer

deveres de prestação pecuniária, nomeadamente os deveres acessórios da

obrigação fiscal que constituem autênticos deveres.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

104

3. A Evolução do Modelo de Gestão do Sistema Fiscal

A relação contribuinte – Estado, no âmbito fiscal, não foi sempre configurada da

forma hoje em dia existente.

No modelo de gestão do sistema fiscal atual o Estado, através da Administração

enquanto órgão executório, aplica a lei fiscal através do lançamento, da liquidação e

da cobrança dos impostos.

Ao invés, no passado estas atividades eram realizadas com o propósito de localizar

os sujeitos passivos para depois se determinarem os factos tributáveis que lhe

poderiam ser imputados. De seguida, procedia-se ao cálculo do imposto devido e

assim se conseguir o cumprimento da prestação devida. Os deveres dos sujeitos

passivos consistiam em meros deveres de prestação pecuniária com algumas,

poucas, obrigações de conduta.

Era diminuta a relevância atribuída às declarações do contribuinte, apesar de

constituírem um dever jurídico quanto à sua prestação e quanto ao respetivo

conteúdo, já sendo previstas sanções para eventuais infrações tributárias como a

recusa de entregar declarações ou a prestação de declarações inexatas.

O ato tributário era, assim, tido como o modo de determinação da dívida fiscal no

qual a Administração assumia um papel soberano.

Por um lado, o ato tributário traduzia-se num modo de exercício dos poderes do

Estado, através da Administração, que procedia à criação de um dever de prestação

pecuniária a cargo do cidadão. Por outro lado, o ato tributário que intervinha em

situações que, à partida, seriam de exceção, constituindo a reação do ordenamento

jurídico a comportamentos ilícitos por parte dos sujeitos passivos.

Todavia, tal como começamos por referir, ao longo dos tempos, o modelo das

tarefas financeiras de arrecadação de meios financeiros para o Estado evoluiu ao

longo dos tempos, levando a uma gradual redução do papel desempenhado pela

Administração e o consequente aumento da participação dos particulares nos

procedimentos de aplicação da lei fiscal.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

105

Na base para a mudança do modo de gestão do sistema fiscal esteve a elevada

complexidade de quantificação da obrigação tributária que recaía sobre a atividade

da Administração, bem como assenta em assunto de tal importância assenta num

pressuposto basilar, segundo o qual melhor do que ninguém, são os contribuintes

que se encontram em posição de conhecer, da forma mais profunda e rigorosa, uma

matéria que pertence à sua esfera patrimonial.

Acresce que, supor um Estado que toma sobre si o encargo de detetar as realidades

sujeitas a imposto, sem intervenção do contribuinte, implicaria que a máquina do

Estado fosse dotada de um serviço vasto e perfeito que envolveria naturalmente

uma enorme despesa e que dificilmente seria capaz de detetar todos os factos

tributáveis, designadamente aqueles que são produzidos em condições suscetíveis

de serem ocultados.

Por outro lado, o isolamento do Estado em relação ao contribuinte poderia causar

neste um sentimento de desconfiança e de permanente autodefesa, podendo

mesmo conduzir à eliminação do sentido de responsabilidade moral ou da própria

reprovação ética da fuga ao imposto.57

O primeiro passo que marca o atual sistema vigente de repartição de funções entre

administração e o contribuinte surge com o disposto no Art. 84.º do Código da

Contribuição Industrial (1963), em que a competência para a liquidação da

contribuição industrial que sempre pertenceu às então denominadas repartição de

finanças, passou a ser efetuada pelo próprio contribuinte que auferia rendimentos do

grupo A. Consequentemente, nestes caso, a liquidação deixou de ser uma

competência da Administração para se tornar num dever do contribuinte.

57 Neste sentido Domingos Martins Eusébio, “A declaração tributária de rendimentos”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, N.º 75, Centro de Estudos Fiscais, 1968, pág. 23. «Sem abdicar da autoridade que lhe advém da função administrativa, escreve o Dr. Vítor Faveiro, o Estado deve facilitar a intervenção do contribuinte no processo de liquidação, em todos os atos ou por todas as formas de que possam advir os seguintes resultados: melhor conhecimento da matéria coletável com o mínimo dispêndio do serviço de fiscalização, maior facilidade, para o contribuinte, de conhecer os termos em que é definida a sua obrigação de pagar o imposto; maior fomentação do espírito de compreensão do dever cívico de se sujeitar à justa tributação e da consequente noção de responsabilidade pela intervenção em atos vinculativos (Boletim da DGCI, de 1959, I semestre, p.143).».

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

106

Acresce que, o atual Art. 59.º, nº 2 do CPPT e Art. 75.º, n.º 1 da LGT refletem,

também, a preocupação do legislador em limitar o poder administrativo de que

anteriormente a administração estava investida, ao atribuir, no atual sistema, efeitos

jurídicos às declarações e aos comportamentos declarativos do sujeito passivo, as

quais se presumem verdadeiras, deveres esses que a lei lhe confere.

Aliás, o método da declaração do sujeito passivo constitui uma prática corrente nos

sistemas fiscais modernos, que pode ser aplicado a qualquer tipo de matéria

tributável, tendo por objetivo o seu valor real e não uma simples aproximação a esse

valor.

A intervenção subsidiária da Administração reflete-se, igualmente, no facto de a

autoliquidação, a substituição tributária e o pagamento por conta em sede de IRC

serem comportamentos do contribuinte que lhes são atribuídos pela lei.

O tipo de imposto em que a administração tem menor interferência que se reflete um

pouco por todas as fases da relação jurídica tributária, é o IVA. Com efeito, o sujeito

passivo de IVA está vinculado a uma série de deveres de cooperação e de direitos,

nomeadamente, entregar o imposto que o próprio liquida, declaração de início, de

alteração e cessação de atividade, organização de contabilidade, emissão de faturas

e entrega da declaração periódica, como resulta dos artigos 27.º a 52.º do CIVA,

tendo, em consequência, a administração um papel secundário e complementar.

Para além disso, o sujeito passivo do IVA ao proceder à determinação do montante

de imposto que é exigível a um determinado sujeito passivo, pelas vendas que lhe

efetuou ou pelos serviços que lhe prestou, tem também o direito de poder deduzir o

imposto que havia pago na compra de bens e serviços necessários ao exercício da

sua atividade (Art. 22.º, nº 1 do CIVA), tendo apenas que entregar a diferença entre

estas duas quantias.

Verificamos, assim, que no IVA é ao sujeito passivo a quem cabe a realização de um

conjunto de tramitações equivalentes aos passos tradicionalmente dados pelas

entidades públicas: o lançamento, a liquidação e a cobrança do imposto.

Por conseguinte, neste caso, a Administração só é chamada a atuar quando o

contribuinte não cumpra com os seus deveres ou os cumpra de forma imperfeita.

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CAPÍTULO V

CONCLUSÕES

1. Considerações Finais

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1. Considerações Finais

Ao modelo de Estado Social vem associado a utilização do imposto como

instrumento de política quer social quer económica.

Como princípio do Estado Fiscal surge a forma jurídica de constituir, organizar e

limitar o poder de tributar, pelo que o Estado Fiscal torna-se, assim, o aspeto

financeiro do Estado, isto é, a condição necessária ao seu funcionamento, não só

como forma de obter recursos para o seu financiamento, como também num modo

de atuação pública.

Na realidade, no Estado contemporâneo, todos os fins públicos são suportados por

meios financeiros públicos, ou seja, todos os direitos têm por suporte

essencialmente a figura dos impostos. Pelo que, dever-se-á olhar para a tributação,

não como mero instrumento de manter a máquina fiscal, mas antes, como um

instrumento fundamental da concretização dos direitos fundamentais, e, por

conseguinte, um contributo para o princípio da dignidade da pessoa humana.

É à AT que compete «administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos

que lhe sejam atribuídos, bem como exercer o controlo da fronteira externa da União

Europeia e do território aduaneiro nacional, para fins fiscais, económicos e de

proteção da sociedade, de acordo com as políticas definidas pelo Governo e o

Direito da União Europeia.».58

É comum perspetivar a AT, como uma entidade odiosa que se intromete e viola, no

desempenho das suas funções, os direitos do cidadão.59

Não obstante, esta visão odiosa, que entende a AT como mera cobradora de

impostos, é extremamente redutora, para além de juridicamente insustentável, pois

que toda a atividade da AT deve obediência à Constituição e à lei.

58 Art. 2.º do Decreto-Lei 118/2011, de 15 dezembro.

59 Com efeito, é usual afirmar-se que muitos procedimentos que enformam a actividade da AT e também alguns atos (administrativos e materiais) configuram-se como atos impositivos, o que provoca uma intrusão na esfera jurídica dos cidadãos.

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109

Alcançar e sedimentar de um modo efetivo a ideia de que a AT não deve ser

considerada como uma mera recetora de dinheiros provenientes dos impostos a que

os cidadãos estão sujeitos, não é, no entanto, uma tarefa fácil.

Tal desiderato, implica, sobretudo, um forte empenho, na tarefa de educação

tributária, que constitui uma das componentes específicas da denominada educação

para a cidadania.

Pretende-se por esta via, prover que se interiorize, solida e gradualmente, a

consciência coletiva da importância do Estado e dos seus meios de financiamento

com vista à realização dos fins públicos, em benefício de todos os cidadãos.

Contudo, por outro lado importa acentuar ab initio, que no outro lado da relação

jurídico tributária está o contribuinte, que não prossegue como objetivo fundamental

o interesse público, mas antes o seu próprio interesse, portanto, o interesse

individual que se materializa no direito à planificação em matéria tributária

(planeamento fiscal). Por conseguinte, os contribuintes atuam de acordo com as

suas convicções de gestão, tendo em vista, por meios lícitos, tornar menos onerosa

a sua prestação.

O cidadão constitui um elemento fulcral da relação tributária, pois que, sem sujeitos

não faz sentido falar em direitos.

De facto, o sujeito passivo, como elemento em relação ao qual se verificou algum

dos factos, previstos na lei, quer de consumo, quer de detenção de riqueza ou atos

reveladores de rendimento, é visto como o centro de interesse de imputação

económica.

Do ponto de vista dos destinatários do imposto, impõem-se-lhes mais do que uma

mera resignação ou aceitação do pagamento do imposto. Espera-se, igualmente,

que estes assumam e interiorizem a consciência coletiva dos fins comuns e da

comunidade.

E, é esta consciencialização que vai traduzir um maior grau de acatamento e

respeito pelas leis tributárias, num reforço de legitimação da ação do Estado.

Existe, assim, uma intima ligação entre a interiorização psicológica do dever de

pagar impostos, a satisfação das necessidades coletivas e o poder de atuação do

Estado.

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110

Cada cidadão possui uma consciência moral que influência o seu comportamento.

Com efeito, o individuo é condicionado por valores morais que o levam a decidir

como atuar, qual a sua atitude em face das normas vigentes.60

Assim, tendo em consideração a diversidade de comportamentos que os

contribuintes possam ter perante as obrigações fiscais, em função dos

constrangimentos morais dos cidadãos, que influenciam esse comportamento, a

administração tributária deve pugnar por um sistema fiscal eficiente e justo, pois que

a perceção, por parte dos contribuintes, da existência de injustiça leva a um

aumento do incentivo para agir em desobediência à lei fiscal e furtar-se aos seus

deveres fiscais.

Acresce que, para além das motivações de natureza pessoal, comportamental e

psicológica que influenciam, significativamente, o comportamento dos contribuintes,

Também a conduta da própria administração tributária e o Estado, bem como as

normas fiscais e atitudes dos outros contribuintes, os influenciam nas suas atitudes.

Pelo que, a atuação dos contribuintes, face ao cumprimento das suas obrigações

fiscais, não é desprovida de sentimentos nem de considerações morais, mas antes

ponderadas pelo seu contexto institucional e social.

De facto, na sua qualidade de contribuintes, as ideias, sentimentos e perceções dos

cidadãos, afetam a sua moralidade tributária, na medida em que o nível de

satisfação destes com o governo, a confiança no Estado, a eficácia do sistema e um

nível de cumprimento fiscal elevado, são igualmente, fatores que têm um impacto

elevado para cultivar a motivação dos contribuintes e, em consequência, no

cumprimento das suas obrigações fiscais.

Destarte, a confiança é um valor importante para cultivar a motivação do

contribuinte.

E, a criação e manutenção dessa confiança depende do compromisso do Estado

para agir em conformidade com as necessidades dos seus cidadãos, cujo

desenvolvimento do sistema fiscal está em estreita proximidade com o poder.

60 Relativamente, ao cumprimento das obrigações fiscais importa, igualmente, referir que o cumprimento fiscal é uma ato mais abrangente do que o mero pagamento do imposto devido, pois há que considerar ainda o conjunto de todas as obrigações acessórias, essenciais à liquidação do imposto.

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111

Outra das estratégias para incentivar os contribuintes a cumprirem, voluntariamente,

as suas obrigações fiscais consiste em melhorar a informação prestada pela AT,

bem como, pela criação de programas de educação fiscal.

Com efeito, defende a investigadora Cidália Maria da Mota Lopes in “Fiscalidade –

Outros Olhares” 61 é necessário apostar na “educação do contribuinte” e , ao mesmo

tempo, aumentar e qualificar os recursos humanos da autoridade tributária no

combate à evasão fiscal e à economia paralela.

A educação fiscal tem, assim, uma importância primordial, como uma política do

Estado, para através de ações pedagógicas se incutirem princípios sociais e

culturais, que tenham como objetivo estimular o cumprimento voluntário e consciente

dos deveres fiscais do cidadão, enquanto membro de uma sociedade.

Nesse sentido, a administração tributária, através dessas ações pedagógicas,

deverá transmitir os conhecimentos básicos, que expliquem a finalidade dos

impostos e quais os requisitos elementares do sistema fiscal, na medida que essa

informação ajudará os cidadãos a perceber e a compreender a realidade fiscal,

nomeadamente quanto à função social dos impostos.

Com efeito, a educação fiscal constitui um instrumento de divulgação de informação

com o objetivo de transmitir ao cidadão uma consciência social e da importância da

necessidade de financiamento do Estado através da obtenção de impostos, para a

realização dos seus fins, sendo, neste contexto, que a educação fiscal surge como

processo educativo para a construção e exercício da cidadania.

É pois, essencial que nos conteúdos da educação fiscal sejam abordadas questões

relacionadas com a responsabilidade cívica, nomeadamente, como a solidariedade,

o papel do cidadão no Estado, o respeito pelos outros, a honestidade, a cooperação

para o financiamento das necessidades públicas, a responsabilidade social do

Estado, dar a conhecer o sistema fiscal português - origem e finalidade das normas

tributárias, qual a natureza e missão da AT, a relação entre os impostos e a

capacidade contributiva dos distintos agentes económicos, bem como da relevância

do cumprimento das obrigações fiscais.

61 Cidália Maria da Mota Lopes, “Fiscalidade – Outros olhares”- “A psicologia fiscal e os custos psicológicos em Portugal: uma nova abordagem”, Vida Económica, 2013, págs. 179 e seguintes.

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A educação fiscal tem como objetivo transmitir valores e atitudes favoráveis à

responsabilidade fiscal dos contribuintes no sentido de o afastar da prática de

condutas contrárias à lei e fraudulentas.

A educação fiscal é, assim, uma prática de extrema importância para todos os

cidadãos contribuintes, na medida que os ajudará a perceber e a compreender a

realidade fiscal, nomeadamente quanto à função social dos impostos.

Muito embora, a educação se revele, de facto, uma prática essencial, em Portugal

ainda está muito pouco desenvolvida.

Num passado, recente, por exemplo, foi divulgado um incentivo da AT, que consiste

no sorteio da “Fatura da Sorte”, no âmbito do qual são atribuídos prémios, às

pessoas singulares que efetuaram aquisições de bens ou serviços em território

nacional e que tenham solicitado a fatura da aquisição de bens e/ou serviços com o

seu número de identificação fiscal.

Trata-se, sem dúvida, de uma medida que teve o mérito de ter chamado a atenção

mediática do público em geral, contudo gerou, também, alguma controvérsia, pois

que foi igualmente afirmado que mais importante que a atribuição de prémios, é uma

estratégia punitiva para os contribuintes não cumpridores, bem como o aumento de

recursos qualificados da AT.

De facto, o sorteiro da “Fatura da Sorte” pode ser visto como uma recompensa

positiva para o comportamento honesto do contribuinte e, em consequência,

constituir um incentivo para o cumprimento fiscal e para a consciência fiscal.

Não obstante, esta medida tem, também, efeitos perversos, na medida em que se

verifica o aumento dos custos administrativos e de contexto dos contribuintes.

Com efeito, o Estado, deve desenvolver medidas cujo objetivo seja captar mais

contribuintes para dentro do sistema e não, como acontece com o sorteiro da

“Fatura da Sorte”, onerar os contribuintes, que já estão no sistema, com mais custos

de cumprimento, uma vez que têm agora a missão de inspecionar os sectores de

risco, pedindo fatura.

Acresce que, a atribuição de prémios em detrimento da educação do contribuinte

pode ser uma forma rápida e popular da obrigação do dever de cidadania de pedir

fatura, contudo, é duvidoso, que se aumente a consciência fiscal dos cidadãos.

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113

Em conclusão, no atual contexto do Estado Social, os impostos deixaram de ser

mera fonte de receita para o Estado, para passarem a ser utilizados como

instrumento de realização de justiça. Pelo que, é fundamental a implementação de

um programa de educação fiscal para que se se reforce a confiança na relação entre

os contribuintes e o Estado.

Pelo que, é necessário, por um lado, sensibilizar os contribuintes para a importância

da cultura física e tributária, no sentido de lhe transmitir valore e atitudes favoráveis

à responsabilidade fiscal e, por outro, dar-lhe a conhecer o valor económico e a

repercussão social dos bens e serviços públicos.

A par do programa de educação fiscal, é necessário, igualmente, uma administração

forte e qualificada, no sentido apostar, na prática, com medidas certas dirigidas às

pessoas certas para o combate á fraude e evasão fiscal, bem como, existirem

recursos, humanos e materiais, qualificados e com formação adequada e contínua,

pois que a complexidade do sistema fiscal e sucessivas alterações legislativas assim

o exigem.

Este será, contudo, um processo de longo prazo.

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O Estado Fiscal e a Cidadania Fiscal

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