EJA – Ensino de Jovens e Adultos e o Mercado de Trabalho. Qual Ensino Qual Trabalho - Beatriz...

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1 EJA Ensino de Jovens e Adultos e o mercado de trabalho. Qual ensino? Qual trabalho? Beatriz Romanzini 1 Resumo: Esse artigo é uma análise realizada com base em pesquisa desenvolvida durante estágio em Educação de Jovens e Adultos (EJA) pela Licenciatura do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Trata de aspectos ideológicos relativos à idade adulta e a questão da volta às salas de aula em busca de certificação para o mercado de trabalho. Considera que o ensino ministrado no EJA não é adequado para obtenção de qualificação para o trabalho, pois apenas viabiliza certificação de escolaridade. E também considera que o ensino não é adequado para preparação visando o Ensino Superior. Palavras chave: EJA-Ensino de Jovens e Adultos; trabalho; neoliberalismo; legislação; escola pública; financiamento. 1 Universidade Estadual de Londrina, curso de Ciências Sociais. E-mail: [email protected]

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EJA - Ensino de Jovens e Adultos e o mercado de trabalho. Qual ensino Qual trabalho.

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    EJA Ensino de Jovens e Adultos e o mercado de trabalho. Qual

    ensino? Qual trabalho?

    Beatriz Romanzini1

    Resumo: Esse artigo uma anlise realizada com base em pesquisa desenvolvida

    durante estgio em Educao de Jovens e Adultos (EJA) pela Licenciatura do curso de

    Cincias Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Trata de aspectos ideolgicos

    relativos idade adulta e a questo da volta s salas de aula em busca de certificao

    para o mercado de trabalho. Considera que o ensino ministrado no EJA no adequado

    para obteno de qualificao para o trabalho, pois apenas viabiliza certificao de

    escolaridade. E tambm considera que o ensino no adequado para preparao visando

    o Ensino Superior.

    Palavras chave: EJA-Ensino de Jovens e Adultos; trabalho; neoliberalismo; legislao;

    escola pblica; financiamento.

    1 Universidade Estadual de Londrina, curso de Cincias Sociais. E-mail: [email protected]

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    1 1INTRODUO

    O Ensino de Jovens e Adultos no Brasil (EJA) est inserido na meta do Estado

    brasileiro de erradicar o analfabetismo juntamente com a de proporcionar populao

    cuja faixa etria no se adqua mais ao ensino fundamental e Ensino Mdio, a

    complementao de sua formao escolar. Embora as cartilhas do governo enfatizem a

    necessidade de promover entre os sujeitos do EJA o aprendizado para a formao

    escolar, tambm est enfatizada a formao de sujeitos sociais crticos e aptos a lidar

    com as exigncias de um mundo em transformao. Mas o que se observa, na prtica,

    so pessoas voltando aos bancos das salas de aula em busca de uma certificao bsica,

    a fim de, em sua maioria, estarem mais aptos ao mundo do trabalho.

    O conceito do que seria uma pessoa na fase adulta classificado juridicamente

    aos 21 anos. No entanto, em se tratando do Ensino de Jovens e Adultos, considera-se o

    ingresso a partir dos 15 anos, quando se estabelece um marco. Segundo a UNESCO,

    essa idade a fronteira para o cumprimento ou no do mnimo de escolaridade.

    Inicialmente, ao longo da trajetria de ensino de adultos no Brasil, a proposta seria

    suprir, preencher a escolaridade faltante com o objetivo tanto de alfabetizar como o de

    cumprir metas relativas escolarizao da populao2. Com o desenvolvimento

    acelerado do capitalismo em nvel mundial nas dcadas finais do sculo XX atravs do

    neoliberalismo, o enfoque para o ensino de jovens e adultos acrescido da necessria

    reciclagem de pessoas com vistas ao mercado de trabalho. Ou seja, somado ao

    objetivo de alfabetizar pessoas ainda iletradas3 ganha um destaque maior a necessidade

    de formao bsica complementar para jovens e adultos, objetivando a formao de

    mo de obra tambm bsica.

    Em qualquer caso, objetiva-se suprir uma situao de carncia. Ou seja,

    compensar de alguma forma uma qualidade de instruo, ainda que essa compensao

    se estruture muitas vezes de forma meramente burocrtica. Considerando os ideais

    presentes nos receiturios do EJA, tanto por parte do Estado4, como parte das propostas

    iniciais centradas em Paulo Freire sobre essa modalidade de ensino, h uma distncia

    considervel entre esses ideais e o que ocorre na prtica. Paulo Freire considerado o

    2 Escolarizao, no entanto, no se traduz necessariamente em educao. 3 Segundo o ltimo censo (2010), o Brasil registra aproximadamente 9 milhes de analfabetos. Fonte IBGE 4 PNLD EJA Plano Nacional do Livro Didtico para o EJA de 2010, distribudo no ano de 2011.

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    precursor de um ensino efetivamente consistente para jovens e adultos5. Trabalhou com

    a proposta de instrumentalizar o adulto a partir dele prprio, ou seja, um sujeito que,

    atravs da educao aprendida a partir do prprio ambiente e condies de vida, estaria

    apto a uma percepo crtica da realidade e a conseqente transformao social.

    Atualmente, no entanto, notrio que o pblico adulto est inserido ou tentando

    se inserir no processo profissional. Noutras palavras, tentando garantir o emprego ou

    buscando alguma forma de trabalho que possibilite antes de tudo, a prpria

    sobrevivncia.

    Em relao aos jovens e adultos analfabetos, consideram-se logicamente, os

    iletrados, aqueles sem qualquer conhecimento dos mecanismos da comunicao escrita.

    Tambm os semi analfabetos, que dominam alguns rudimentos da linguagem escrita,

    mas de forma bastante restrita. E os analfabetos funcionais, que dominam alguns

    aspectos da linguagem, mas so incapazes de se adaptarem com relativa flexibilidade a

    uma nova situao. Porm, em uma sociedade que progressivamente se move para

    diversas formas de comunicao virtual, criamos uma nova classe de analfabetos: os

    analfabetos virtuais. Ou seja, os que no dominam, ou dominam de forma muito

    limitada, os aparatos da informtica, do mercado tecnolgico e da comunicao virtual.

    A aplicao da tecnologia informtica na produo trouxe mudanas que

    concretizaram, na contemporaneidade, uma aspirao primordial da

    economia capitalista: a de transformar o globo terrestre em um imenso

    mercado mundial. Atualmente, essa realidade encontra-se no s consolidada

    como intensificada em seus efeitos sociais. Grande parte do planeta, hoje,

    encontra-se enredado em uma enorme teia informtica, urdida pelas mos do

    capital transnacional, que traz em seu bojo novas configuraes de poder

    poltico e econmico. (WOLFF, 2004, p.1)

    Esse um ponto que busco assinalar, em relao carncia, na grade curricular

    do EJA, desse tipo de alfabetizao. Considero em uma sociedade que se conceitua

    como a sociedade da informao, o domnio da linguagem da informtica e da

    comunicao virtual passa a ser cada vez mais uma forma de integrao imprescindvel

    ao meio. Portanto, necessria para a adaptao e funcionamento no mercado de

    trabalho. E o pblico do EJA, fatalmente est destinado em sua maioria a esse mercado,

    5 Em 1961, no estado do Rio Grande do Norte, a campanha De p no cho tambm se aprende a ler tendo Paulo Freire como mentor, instituiu o mtodo de alfabetizao de adultos em 40 horas, com resultados consistentes. De cinco alunos, dois evadiram-se e trs se capacitaram para a escrita de sentenas curtas. A aplicao do mtodo em Angicos alfabetizou 300 trabalhadores em 45 dias. Assim surgiu o Mtodo Paulo Freire de Alfabetizao que se disseminou pelo pas com a esperana de erradicar o analfabetismo. A aplicao do mtodo sofreu um revs com o Golpe de 1964.

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    seja pelas novas tecnologias da informao ou nos mais diversos setores que lidam

    diretamente com instrumentalizao tecnolgica de informatizao6.

    O objetivo desse artigo analisar atravs da histria, as vrias etapas desse

    ensino, e demonstrar os seus limites quando essa modalidade de ensino est balizada

    pelos parmetros de insero produtiva no mercado de trabalho. Ou seja, quando essa

    educao est submetida s regras do capital, e no o contrrio, que seria a forma ideal.

    Tambm analiso aspectos ideolgicos relativos ao pblico adulto e a legislao federal

    para o ensino do EJA. O objetivo especfico situar a necessidade de uma

    reestruturao na forma de ensino para a modalidade EJA no tocante a grade curricular

    e tambm em relao s instalaes para esse pblico, que precisam ser repensadas.

    Justifica-se essa necessidade considerando que se a grande maioria dos jovens e

    adultos retorna aos bancos das salas de aula objetivando uma formao escolar que lhes

    possibilite um posicionamento mais qualificado, em termos de empregabilidade e

    salrio, lgico, ou mais racional, que a grade curricular do EJA se adque a esse

    propsito7.

    Considero que o formato ministrado para a modalidade EJA no adequado

    para os interessados ao acesso no ensino superior, e tambm no proporciona

    qualificao ou melhoria intelectual e tcnica que possa conduzir o estudante ao

    mercado de trabalho de forma digna.

    2 EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS: ASPECTOS HISTRICOS,

    POLTICOS, ECONMICOS, SOCIAIS E IDEOLGICOS.

    2.1 Aspectos Histricos da educao de adultos

    De incio, a educao para adultos se torna uma realidade a partir do final do

    sculo XIX em alguns pases considerados desenvolvidos do ponto de vista de sua

    industrializao e algumas conquistas sociais, como no caso da Inglaterra. O conceito

    para essa modalidade de ensino era de educao contnua, sugerindo que o processo

    de aprendizagem deveria se processar de forma constante, sem limites estanques.

    6 Um pilar da reestruturao produtiva global a partir dos anos de 1990 com a implantao do toyotismo como forma de gesto a intensiva aplicao das Novas Tecnologias da Informao no interior da

    produo, no s para fins de automao como, sobretudo, de mdia, isto , de suporte para o registro de

    informaes que funcionam como elo de ligao desse processo. (WOLFF, 2004, p. 4-5)

    7 A grade curricular atual no CEEBJA Londrina est limitada s disciplinas formais do ensino mdio, a

    saber: Lngua Portuguesa e Literatura, Ingls, Arte, Filosofia, Sociologia, Educao Fsica, Matemtica,

    Qumica, Fsica, Biologia, Histria e Geografia (Carga Horria total de 1440 horas, conforme o Banco

    Nacional de Horas). Fonte: SAE, em 14/09/2011.

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    Limites esses, institudos atualmente, por exemplo, atravs de um diploma ou

    certificao.

    A educao contnua, ou educao de base, foi instituda oficialmente pela

    UNESCO quando essa instituio foi fundada, no ano de 1945. O objetivo, entre outras

    propostas, seria estabelecer instrumentos para dirimir ou suavizar a pobreza e a

    ignorncia em grande parte do mundo moderno no ps-guerra. Do ponto de vista

    poltico, todas as instituies criadas no ps guerra e suas funes devem ser

    analisadas de uma perspectiva crtica, posto que a hegemonia dos EUA ditou as regras

    globais em quase todo o Ocidente, a partir de seus interesses imperialistas. Com a

    UNESCO no foi diferente. Com base nas instrues dessa instituio, era preciso

    desenvolver, relativo educao:

    Habilidades de pensamento e comunicao; habilidades profissionais, de auto

    conservao e de auto expresso; compreenso do ambiente geogrfico e

    humano; compreenso da organizao social e regime poltico-jurdico;

    desenvolvimento de habilidades para viver no mundo moderno;

    desenvolvimento moral e espiritual. (ROCCO, 1979, p.16)

    Todos os itens acima so um tanto vagos em sua consecuo prtica, pois h

    margem para muitas interpretaes. Habilidades de auto conservao implicam em uma

    srie de temas, e dependem circunstancialmente de espao, meio social, poltico e,

    sobretudo econmico. Em qualquer caso das propostas apresentadas, sabido que

    aspectos scios econmicos so determinantes. O adulto que deseja estudar insere-se na

    instituio escolar, que por sua vez est submetida a uma poltica de Estado, que por sua

    vez est sujeita as regras do capital. Entendo que desde o incio da modalidade desse

    ensino vivenciamos at hoje essa mesma supremacia, embora a forma de presso e

    limites impostos pela economia esteja consideravelmente mais ampla e tirnica nos dias

    atuais.

    De qualquer forma, importante o registro, na origem de pensar o ensino de

    jovens e adultos, que a proposta para esse pblico estaria baseada na andragogia, teoria

    criada em 1970 direcionada para esse pblico. Os pressupostos da andragogia so

    bastante elucidativos no que se refere ao ensino de adultos. Objetivam, por parte do

    adulto estudante, a assimilao dos conhecimentos e o suprimento de condies

    necessrias para os desejos ou metas profissionais do educando. Entre os princpios da

    andragogia est a valorizao da experincia acumulada, a capacidade de auto gerir-se e

    motivaes internas para buscar o conhecimento. Atualmente, o conceito de andragogia

    se aproxima mais dos cenrios corporativos da realidade neoliberal, e solicita de seus

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    adeptos empregados diretos ou indiretos, a constante e continua especializao, numa

    roda viva infinita de cobranas por ttulos e supostas competncias. Na mesma medida

    em que se afasta da realidade da modalidade do EJA, pois o discurso de especializao

    no se adqua a um pblico que sequer possui a formao bsica, seja do ensino

    fundamental ou do ensino mdio.

    importante assinalar que desde o incio dessa preocupao do Estado com a

    escolarizao da populao adulta carente de formao, no se investiu na qualificao

    direta e focada nos profissionais que lidam com esse pblico. Ou seja, no h uma

    preparao, a rigor, para professores que ensinam para a modalidade EJA.

    2.2 Aspectos econmicos, polticos e sociais que norteiam o ensino de adultos

    O fato de existir polticas e iniciativas ao longo da histria que visam

    complementao da formao escolar para jovens e adultos implica que o universo da

    educao no Brasil excludente. Noutras palavras, as classes menos favorecidas,

    basicamente trabalhadores de baixa renda, juntamente com etnias pardas, negras e

    mestias em geral, esto excludas de uma prxis verdadeiramente educativa e de

    conscincia transformadora. A conseqncia uma educao elitizada, ou melhor, uma

    educao de qualidade cujo acesso est focado nas elites, restando s classes e etnias

    citadas (o que em muitos casos, a mesma coisa) uma educao precria e de qualidade

    questionvel. Os trabalhadores, sobretudo, recebem aquilo que para eles est

    previamente definido por uma sociedade estruturada pelo capitalismo. A eles,

    trabalhadores, destinado um tipo especifico de educao: fragmentada, superficial, de

    baixssima qualidade, formatada para a composio de um exrcito de reserva de mo

    de obra barata e disponvel a qualquer tempo.

    A histria do capitalismo , antes de mais nada, a histria do esforo da

    classe capitalista em controlar e disciplinar a classe trabalhadora, para que

    aceite desempenhar um trabalho, o mais diligente possvel e que esses

    trabalhadores conformem-se com o fato de que os produtos desse trabalho

    sejam apropriados pelos capitalistas e apenas a eles gere riquezas. (WOLFF,

    2004, p.2)

    Dizer nos dias atuais que uma sociedade se estrutura nas modernas formas do

    capitalismo sinnimo de uma gesto, por parte do Estado e de um ethos social

    dominante, baseado nos ditames do neoliberalismo. Atualmente, o neoliberalismo

    impe algumas tendncias, tais como a globalizao, o paradigma da eficincia e da

    produtividade, qualificao (normalmente baseada em certificaes, sem, contudo,

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    resultar efetivamente em competncia) e empreendedorismo. Mas a origem do

    neoliberalismo est no fim da segunda grande guerra, como uma oposio terica e

    prtica ao Estado do Bem Estar Social. Impe, portanto, a diminuio at o

    desaparecimento das funes do Estado na ingerncia da sociedade em setores cuja

    pesada massa de impostos, deveria retornar em investimentos sociais de grande monta.

    Investimentos no social so considerados como parasitrios do verdadeiro

    desenvolvimento. Os Estados que adotam a gesto neoliberal tm progressivamente

    pulverizado esse tipo de investimento, seja na educao, na sade, na segurana, nos

    direitos dos trabalhadores.

    A destruio das redes assistenciais e dos direitos por sua vez justificada

    como libertando a economia poltica para agir com mais flexibilidade, como

    se os parasitas puxassem para baixo os membros mais dinmicos da

    sociedade. Vem-se tambm os parasitas sociais como profundamente

    alojados no corpo produtivo ou pelo menos isso o que passa o desprezo

    pelos trabalhadores aos quais se precisa dizer o que fazer, que no tomam

    iniciativa por conta prpria. (SENNET, 2007, p.167)

    A grande problemtica em relao educao como um todo, e, sobretudo em

    seus efeitos na educao de jovens e adultos (teoricamente, o pblico alvo de um

    mercado de trabalho precarizado, mas necessrio ao capitalismo), quando os

    organismos que compem o aparato ideolgico relativo educao, extino da fome,

    preocupaes ambientais, etc., so organismos que se revestem de uma dimenso social

    e poltica, mas cujo fundo econmico, e essencialmente orientado pelos princpios

    neoliberais. O fundo econmico porque quem financia instituies como UNESCO,

    UNICEF, PNDU8 o Banco Mundial, coordenador entre outras polticas globais, dos

    rumos da educao mundial atravs dos financiamentos e programas sugeridos para

    os mais diversos pases, com nfase nos pases participantes da ONU. O Banco Mundial

    por sua vez, segue as diretrizes do grupo G8 (Estados Unidos, Japo, Alemanha, Reino

    Unido, Frana, Itlia, Canad e Rssia).

    O aspecto econmico, portanto, determina polticas globais. Essas polticas so

    agregadas ao Estado em forma de gesto, ou de modelo de administrao. Embora a

    aplicao dessas polticas adquira variaes conforme os Estados, consenso a

    necessidade de certificaes para o trabalho, em escala global.

    8 UNESCO: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura); UNICEF: United Nations Children's Fund (Fundo das Naes Unidas para a Infncia); PNUD: United Nations Development Programme (Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento).

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    Quadro 1 - As determinaes do G8 para o mundo globalizado.

    Fonte: LIBANEO; OLIVEIRA; TOSCHI (2003)

    A educao pode ser percebida como um dos braos da produtividade,

    considerando a necessria empregabilidade exigida pelo capitalismo. Nesse contexto, o

    Brasil neoliberal a partir de Fernando Collor de Mello (1990) se insere de forma

    desordenada e bastante vulnervel ao capital estrangeiro. O que implica em formas de

    trabalho progressivamente mais fragmentadas e precrias, pois na lgica neoliberal o

    que est em primeiro plano a ampliao da mais valia (BERNARDIM, 2007). A mais

    valia contempornea visa um trabalhador de formao educativa precria, contanto que

    certificada. O que no limite, uma escolarizao questionvel. No preciso

    necessariamente competncia e sim, ser levado a acreditar que quanto maior a

    escolarizao, maior ser a possibilidade do emprego. E posteriormente, independente

    de sua competncia ou certificao, trabalhar o mximo para receber o mnimo possvel,

    seja na forma de salrios e ou na forma de direitos trabalhistas e sociais.

    Entendo que o pblico (considerado uma clientela sob essa tica neoliberal),

    mais exposto a essa lgica de violncia mercantil so os estudantes do EJA. Primeiro

    porque nessa modalidade, concentra-se a binmio estudo-trabalho sob uma perspectiva

    de urgncia, em funo da necessidade desse pblico de obter certificao na inteno

    de uma colocao melhorada, ou apenas uma colocao no j esfacelado universo do

    emprego formal. De certa forma, essa necessidade ideolgica, pois dito que sem essa

    O ESTADO GLOBAL

    Governo Global

    Grupo G8

    Estrutura Executiva

    Militar Social/Ideolgico Poltico Econmico

    OTAN ONU, Assemblia Geral, Secretaria

    Geral, Corte

    Internacional de

    Justia, UNESCO, OMS

    OIT

    ONU, Conselho

    de Segurana

    BIRD, FMI,

    OCDE, OMC,

    Galt

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    certificao bsica, nada se consegue. Mas nada garante que obtendo a certificao o

    emprego est assegurado. E quando esse emprego existir, ser de considervel nvel de

    explorao de mais valia, seja essa explorao atravs do trabalho sem regulamentao,

    seja em jornadas de trabalho formal e com baixos salrios.9 Segundo porque percebo o

    EJA, dentro das formas precarizadas de trabalho no cenrio neoliberal, como um

    significador da precarizao da educao, no sentido de que qualquer educao serve.

    A relao entre educao e maior possibilidade de insero no mercado de

    trabalho atrela a primeira a segunda, e reveste a educao de conceitos valorativos, tal

    como a teoria do capital humano. De incio, em 1960, essa teoria preconizada lucros

    resultantes do investimento na autoeducao. Dessa forma, quanto maior a educao,

    maior o retorno profissional, e quanto menor, maior o desemprego e miserabilizao.

    Assim, a teoria do capital humano, emoldurada por uma educao inserida nas regras do

    capital, pode ser compreendida como um dos fundamentos da desigualdade social.

    [...] a melhor capacitao do trabalhador aparece como fator de aumento de

    produtividade. A qualidade da mo de obra obtida graas formao

    escolar e profissional potencializaria a capacidade trabalho e de produo.

    [...] Cada trabalhador aplicaria um clculo custo-benefcio no que diz respeito

    constituio do seu capital pessoal, avaliando se o investimento e o

    esforo empregados na formao seriam compensados em termos de melhor

    remunerao pelo mercado no futuro. (CATTANI, 1997, p.35)

    Ora, fato que maior nvel de educao no implica necessariamente nas

    melhores oportunidades de trabalho. No entanto, o discurso neoliberal de quanto maior

    a educao, melhor a situao de vida profissional e por decorrncia econmica

    imperativo. Pois tambm um discurso institudo oficialmente pelo Estado em

    campanhas pela educao pblica, em campanhas de redes de televiso aberta como

    mesmo propsito, e como condio pulverizada em regras declaradas ou sutis pelas

    empresas de capital privado e instituies em geral para admisso e demisso de

    empregados. Mas na prtica, para estudantes trabalhadores, os resultados so pfios e

    insatisfatrios. Seja esse resultado em nvel de desenvolvimento individual, seja em

    termos de reduo da desigualdade social. A classe trabalhadora, ou a classe que

    depende do ensino pblico para sua qualificao, alm de no obter qualificao, perde

    tambm a conscincia mais ampla da cidadania, na medida em que levada a confundir

    cidadania com escolarizao.

    9 Essa no , no entanto, a percepo dos estudantes do EJA da turma 127 do segundo semestre de 2010. Em pesquisa realizada, 68,75% consideram que o ensino do EJA estava proporcionando um bom preparo para o mercado de trabalho, enquanto apenas 31,25% no consideravam o ensino adequado. Observar pesquisa ao final desse trabalho desse trabalho, com nmeros mais elucidativos.

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    Nenhum conceito de empregabilidade pode ser democrtico ou emancipador

    se no reconhece o campo do trabalho como uma esfera de exerccio de

    direitos sociais. No apenas o direito a um emprego ou a uma renda, mas

    tambm direito ao conhecimento; no apenas aos saberes necessrios para o

    exerccio da prtica produtiva no trabalho, mas tambm dos conhecimentos

    necessrios para o exerccio da cidadania na prtica do trabalho. (GENTILI

    apud BERNARDIM, 2007, p. 76)

    Nesse embate, a educao pblica (notadamente em nvel de ensino fundamental

    e mdio) promove legies de trabalhadores com pseudo qualificaes e que sero

    inseridos de forma precria no universo do trabalho. Por outro lado, a mesma educao

    pblica assimila por meritocracia as elites, j embasadas normalmente em um ensino de

    qualidade. Quem sai perdendo so os trabalhadores, porque sua certificao atinge na

    maioria, o ensino fundamental e mdio. A conseqncia que a grande maioria no

    ancora nos bancos de universidades pblicas.

    Aqui, a questo crucial, sob o domnio do capital, assegurar que cada

    indivduo adote como suas prprias s metas de reproduo objetivamente

    possveis do sistema [...] trata-se de uma questo de internalizao pelos

    indivduos [...] da legitimidade da posio que lhes foi atribuda na hierarquia

    social, juntamente com suas expectativas adequadas e as formas de conduta

    certas. [...] As instituies formais de educao certamente so uma parte

    importante do sistema global de internalizao. (MSZAROS, 2005, p. 44)

    nesse sentido que se torna fundamental uma educao de qualidade para o

    pblico do EJA, pois para eles no h muitas alternativas. Esto de passagem,

    justamente porque anteriormente, no que seria o prazo normal de sua formao

    educativa, o Estado se fez ausente, seja pela necessidade de trabalho, seja pela falta da

    escola pblica de qualidade, seja por diversos fatores excludentes. Por outro lado, o EJA

    um pblico muito heterogneo, o que dificulta, tanto pela transitoriedade do ensino

    quanto pelas diferenas etrias e culturais, qualquer integrao em nvel de classe

    trabalhadora apta a reclamar por melhorias em seus estudos e uma colocao efetiva, a

    partir da escola, no mercado de trabalho.

    2.3 Aspectos ideolgicos que permeiam a faixa etria considerada adulta

    E precisamos todos rejuvenescer

    (Belchior)

    A sociedade contempornea cultiva e venera aspectos de vida centrados em uma

    eterna juventude. Adulto passa a ser sinnimo de falta de flexibilidade, resistncia a

    novas ideias, viso retrgrada e incapacidade para acompanhar a volatilidade das

    mudanas em um cenrio mundial pautado basicamente na informao. Para os

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    trabalhadores, estar na fase adulta, e ainda em busca de certificaes bsicas, como por

    exemplo, a complementao dos estudos do ensino mdio, ainda mais trgica.

    Flexibilidade equivale juventude; rigidez, a idade [...] Para os trabalhadores

    mais velhos, os preconceitos contra a idade mandam um poderoso recado:

    medida que se acumula, a experincia da pessoa vai perdendo o valor [...] A

    nova ordem no leva em conta que a simples passagem do tempo necessrio

    para acumular aptides d a uma pessoa posio e direitos valor no sentido

    material; encara as afirmaes baseadas na passagem do tempo como mais

    uma face do mal do velho sistema burocrtico, em que os direitos da

    antiguidade paralisavam as instituies. (SENNET, 2007, p.114)

    Como ideologia social, a juventude tratada como sonho de consumo. preciso

    manter a mente jovem, mas, sobretudo, em um mundo guiado por valores estticos e

    materiais mensurveis, manter a aparncia de jovem. Nos costumes, igualmente,

    continuar as prticas, de preferncia com a mesma destreza, vivenciadas na juventude

    per se. Tambm necessrio manter-se atualizado, no sentido de equipar-se com o que

    h de mais moderno e tecnolgico, processo esse que tem causado danos ambientais

    considerveis. Assim, a sociedade move-se em busca da satisfao individual de seus

    membros, despertados pela iluso do consumo infinito, em um mundo no qual tudo est

    disponvel para ser adquirido. Cada vez menos as pessoas, e notadamente os

    marginalizados abrem mo daquilo que consideram a satisfao de suas necessidades. O

    que compromete o processo de civilizao.

    O processo de civilizao est relacionado auto regulao adquirida,

    imperativa para a sobrevivncia do ser humano. [...] Na ausncia de auto

    regulao todos agiriam como crianas pequenas, sem condies de regular

    as pulses e paixes - ou seja, de se auto regular e igualmente incapazes de

    viver permanentemente na companhia dos outros. [...] (ELIAS, 2006, p. 37)

    Uma infantilizao psicolgica mascarada pela possibilidade de consumo pauta

    as iniciativas tanto de pobres com de ricos. A educao como um todo, abandona o

    caminho de autodescoberta e passa a ser um fim, respaldada naquilo que no mercado de

    trabalho mais rentvel. Definitivamente, a lgica do capital que no exista regulao

    nenhuma (MSZROS, 2005).

    O pblico do EJA em sua maioria adulto, no sentido de que so pessoas com

    considervel experincia de vida, nas quais se inclui relacionamentos, filhos,

    separaes, trajetria de trabalho, ganhos e perdas. Ao contrrio das classes mais

    abastadas para as quais se orienta toda a ideologia de consumo, mantm seus sonhos

    dentro dos limites que lhe so prprios. Portanto, esto ideologicamente fora de moda.

    E o pblico do EJA revestido de uma imagem de excluso social. Segundo

    Martins (1997), referindo-se ao grande contingente de mo de obra precria tida como

  • 12

    excluda da cidadania, no existe excluso, porque todos esto includos na sociedade.

    O que h uma fetichizao da ideia de excluso. Sociologicamente no existe

    excluso. Existe uma incluso precria, instvel e marginal decorrente de uma situao

    econmica. E que resulta para muitos na sociedade, em ocupar apenas lugares residuais.

    A excluso passou a ser notada porque a incluso proposta pelo capitalismo est muito

    lenta. O perodo de passagem da excluso para a incluso est muito longo, ultrapassou

    a transitoriedade, est se transformando num modo de vida. (MARTINS, 1997).

    Com base em minha experincia de campo, atravs do estgio no EJA, nessa

    flutuao de pseudo excluso que se localizam os estudantes dessa modalidade de

    ensino. Esto nessa transio, entre aquilo que deveriam ter, em termos de certificao,

    e aquilo que lhes falta a fim de supostamente, avanarem um patamar em suas vidas

    profissionais e educativas. Ou seja, eles no esto excludos, esto inseridos de uma

    forma inadequada, na medida em que as instalaes, a pedagogia, e a grade curricular

    no so adequadas ao objetivo desse pblico, embora eles no tenham essa conscincia.

    Ao pblico do EJA, aventada a necessidade de estudos para o avano em direo aos

    objetivos que tm em mente. Isso se concretiza, muitas vezes. Mas o que se observa

    que a maioria continuar sua vida profissional de forma instvel.

    Tambm muito presente na concepo de vida desse pblico, a compreenso

    de que tudo depende deles. Ou que cada um responsvel pelo seu sucesso ou o seu

    fracasso. E que a formao do ensino mdio (principalmente) que almejam se constitui

    no grande estandarte de sua libertao pessoal, seja por motivos de autoestima, seja pela

    suposta qualificao do diploma. No entanto, trata-se de mais uma instituio, no caso a

    escola que viabiliza o EJA, que se reveste de uma compreenso errnea, na medida em

    que considera que sucesso ou fracasso so questes apenas individuais. Do meu ponto

    de vista, uma atitude mais realista da pedagogia para o EJA deveria tocar esse ponto, de

    que afinal, cada um de ns est sujeito a muitos fatores, muitos dos quais incontrolveis,

    e que sucesso e fracasso no dependem necessariamente, do esforo ou da falta de

    esforo individual.

    Um ponto fundamental que o sucesso ou fracasso, em nossa sociedade, esto

    muito pautados pela faixa etria. Espera-se que para que uma pessoa seja bem

    sucedida, que esta cumpra ou tenha cumprido algumas etapas dentro de um modelo

    cultural de consenso comum. Assim, voltar a estudar para a certificao no ensino

  • 13

    mdio aps os trinta anos10

    , por si s, sinaliza alguma qualidade de atraso ou fracasso,

    recaindo sobre o indivduo um problema que na maioria dos casos econmico,

    considerando que a maioria abandonou os estudos anteriormente por necessidade de

    trabalhar. E na procura pelo EJA, volta a estudar pelo mesmo motivo.

    3 A EDUCAO DE ADULTOS NA LEGISLAO FEDERAL

    At 1947, o ensino para adultos ganhou fora em funo do alto ndice de

    analfabetismo, constatado atravs de um censo na dcada de 40 (ROCCO, 1979).

    Devido organizao federativa do Brasil, com cada gesto estadual definindo

    princpios de atuao em vrios setores, a Constituio de 1934 foi um marco, posto que

    estabeleceu em nvel federal, a obrigatoriedade do ensino primrio para adultos. No

    entanto, uma nova Constituio, a de 1937 no possibilitou tempo necessrio para a

    prtica da lei de alfabetizao obrigatria. Tambm com base na constituio de 1934,

    havia autorizao para o Conselho Nacional de Educao elaborar um plano em nvel

    nacional, que reestruturaria a educao em todos os nveis. No entanto, as convulses

    polticas oriundas do Estado Novo adiaram as propostas para a educao, entre as quais,

    cogitava-se a introduo do ensino supletivo, a formao profissional com participao

    dos sindicatos e empresas e at propostas avanadas, como a transformao de espaos

    particulares em espaos de utilidade pblica, quando nestes espaos se praticasse

    alguma forma da educao prevista.

    A legislao de qualquer espcie, desde que fundamentada no Estado de direito,

    notadamente a legislao de mbito federal, serve para nortear os princpios que iro

    colocar as aes em prtica, fiscaliz-las, e em alguns casos, promover o parecer dos

    resultados, para novas legislaes ou alteraes das legislaes vigentes. No passado,

    diante dos movimentos socialistas que adentravam a Amrica Latina nas dcadas de 50

    e 60, as demandas por igualdade social, incluindo a educao da populao estavam

    muito presentes. Assim foi com as comisses de cultura, no Rio Grande do Norte,

    coordenadas por Paulo Freire no ano de 1963, j citadas anteriormente nesse trabalho.

    A legislao brasileira no assunto, at a LDB de 1996, estava centrada na

    erradicao do analfabetismo. No entanto, mesmo na atual LDB pode ser visto na

    legislao sobre o EJA que no h, especificamente, nada que amplie essa premissa. No

    10 Em pesquisa realizada por mim no segundo semestre de 2010 cm a turma 127 do CEEBJA Londrina, 50% dos alunos situavam-se na faixa etria dos 29 aos 39 anos. A pesquisa ser apresentada de forma mais detalhada no decorrer do trabalho.

  • 14

    entanto, o pargrafo primeiro especifica a relevncia de considerar a realidade do jovem

    e adulto.

    Seo V Da educao de Jovens e Adultos Art. 37. A educao de jovens e

    adultos ser destinada queles que no tiveram acesso ou continuidade de

    estudos no ensino fundamental e mdio na idade prpria.

    1 Os sistemas de ensino asseguraro gratuitamente aos jovens e adultos que

    no puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidade educacionais

    apropriadas, consideradas as caractersticas do alunado, seus interesses,

    condies de vida e de trabalho, mediante cursos e exames.

    2 O Poder Pblico viabilizar e estimular o acesso e a permanncia do

    trabalhador na escola, mediante aes integradas e complementares entre si.

    (SEED, 20__p.42)

    Como as consideraes sobre a realidade do jovem e adulto so vagas, bem

    como a garantia por parte do poder pblico na permanncia do estudante no EJA, o foco

    ainda a erradicao do analfabetismo. E sendo a grande maioria do pblico do EJA

    voltada certificao para o mercado de trabalho, verificamos a ausncia de uma

    legislao mais especfica, capaz de conduzir a formao para esse foco, ou seja, o

    trabalho.

    O quadro 2 demonstra um histrico esquemtico do Ensino de Jovens e Adultos.

  • 15

    Quadro 2 Principais aes do governo federal voltadas educao de adultos.

    Fonte: BERNARDIM (2007)

    Ano Aes: do Governo Federal

    1945 CEAA Campanha de Educao de Adolescentes e adultos Criado em 1945,

    mas oficializado apenas em 1947.

    1957 Campanha Nacional de Erradicao do Analfabetismo CNEA, atravs da Lei

    3327-a/57, de JK.

    1964 Plano Nacional de Alfabetizao PNA, nascido da experincia do mtodo

    Paulo Freire atravs do decreto 53.465 de 21.01.1964. Contudo, o Golpe

    Militar de Maro de 1964 extinguiu o Plano em 14.04.1964.

    1967 Decreto 5379/67 cria o Movimento Brasileiro de Alfabetizao MOBRAL

    1971 Lei 5692/71, que cria o Ensino Supletivo.

    1985 Fundao Educar, extinta por Fernando Collor em 17.03.1990.

    1990 Programa Nacional de Alfabetizao e Cidadania PNAC

    1996 Programa Alfabetizao Solidria (PAS).

    Programa Nacional de Reforma Agrria Recomeo (PRONERA), que previa

    apoio financeiro a estados e municpios das regies Norte e Nordeste + 389

    municpios com baixo IDH.

    Lei das Diretrizes e Bases (LDB)

    A partir da Lei 9394/96 que o Ensino Supletivo passa a ser conceituado

    como EJA.

    2003 Programa Brasil Alfabetizado

    4 O EJA E QUESTO DO FINANCIAMENTO

    A LDB/96 na seo V relativa ao ensino para a EJA refere-se regulamentao

    do acesso dessas pessoas ao ensino, citando a necessidade de efetivar oportunidades

    educacionais apropriadas, consideradas as caractersticas do alunado [...] mediante

  • 16

    cursos e exames (LDB, 1996). Mas no fornece elementos de como se processar a

    forma peculiar que deveria nortear esse ensino.

    Na prtica, percebe-se a necessidade de outra abordagem para esses alunos, o

    que implica em pesquisa e formulao de novos mtodos, se o objetivo se fixar alm da

    simples aquisio do diploma. Ou seja, qualificao inequvoca e a formao de uma

    conscincia crtica que norteie a vida desses alunos, dali pra frente.

    Com base nesse parmetro genrico da LDB, no mesmo ano, em 1996, a

    Emenda Constitucional n. 14 viria a confundir as responsabilidades entre as esferas

    federal, estadual e municipal em relao EJA. Com base nessa emenda, os municpios,

    juntamente com a esfera estadual ficam cada vez mais onerados em relao ao processo

    de educao em geral, desobrigando-se a Unio de iniciativas mais efetivas e,

    sobretudo, em relao ao financiamento da educao.

    No ano de 2006, atravs da Emenda Constitucional n. 53, foi criado um novo

    fundo para o financiamento da educao, o Fundeb. Esse fundo se aplica a todas as

    modalidades de educao, no entanto, em relao EJA, o Fundeb destina as menores

    verbas11

    (GOUVEIA; SILVA, 2009) o que acarreta que o nmero de matrculas

    diminua ou na melhor das hipteses, permanea estvel, nessa modalidade de ensino.

    Ou seja, no h investimentos para que adultos e jovens com estudos interrompidos ou

    analfabetos, retomem sua formao.

    No entanto, ao se acessar os rgos de informao oficiais, percebe-se no plano

    das propostas via Estado, preocupaes e articulaes no sentido do aperfeioamento

    dessa modalidade. O EJA vincula-se a Secretaria de Educao Continuada,

    Alfabetizao e Diversidade, ttulo amplo e novamente genrico, dentro do qual, se

    estipula uma agenda territorial para a EJA, na qual segmentos da sociedade so

    convocados a um esforo comum em prol da educao de jovens e adultos.

    A Agenda Territorial de Desenvolvimento Integrado de Alfabetizao e

    Educao de Jovens e Adultos tem o objetivo de firmar um pacto social, para

    melhorar e fortalecer a educao de jovens e adultos (EJA) no Brasil. A

    proposta reunir periodicamente representantes de diversos segmentos da

    sociedade, de cada estado brasileiro, para trabalhar em conjunto, seguindo a

    filosofia do compromisso pela educao, impetrada pelo Plano de

    Desenvolvimento da Educao (PDE). A inteno estabelecer uma agenda

    de compromissos para o ano, em que cada estado trace metas para a educao

    de jovens e adultos. O Ministrio da Educao responsvel por acompanhar

    a implementao dos trabalhos em cada localidade.12

    11 0,70% at 2008. De 2009 em diante, variao de 0,80 a 1.00. Fonte: http://www.fnde.gov.br/index.php/financ-fundeb 12 Fonte: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id

  • 17

    No entanto, considerando as nfimas verbas destinadas a EJA, pouco provvel

    que o esforo conjunto consiga estabelecer os tais compromissos para com a educao

    de jovens e adultos. Nos esclarecimentos sobre o Fundeb, em sites oficiais do governo,

    dito que esse fundo comporta verbas originrias dos Estados, dos Municpios e da

    Unio, um fundo por Estado, destinado educao bsica como um todo.

    Alm dos recursos originrios dos entes estaduais e municipais, verbas

    federais tambm integram a composio do Fundeb, a ttulo de

    complementao financeira, com o objetivo de assegurar o valor mnimo

    nacional por aluno/ano (R$ 1.414,85 em 2010) a cada estado, ou ao Distrito

    Federal, em que este limite mnimo no for alcanado com recursos dos

    prprios governos13

    .

    Ora, j no ano de 2007, e considerando o percentual de 0,70% do Fundeb para a EJA, o

    valor gasto / investido por aluno era de R$ 662,40 contra R$ 1.135, 00 do aluno de ensino

    mdio. Ou seja, em relao ao ensino mdio, integrado ou profissional, o custo / investimento

    aluno EJA, est muito aqum do valor de R$ 1.414, do valor mnimo nacional assegurado por

    aluno. No caso do CEEBJA Londrina, colgio no qual realizei esse estudo, o IDEB projetado

    para 2009 era de 5.4, e o resultado atingido foi de 5.2. As metas do IDEB avanam

    progressivamente para essa escola, objetivando 5,7 (2011), 6,0 (2013), 6,2 (2015) aumentando

    de 0,2 a 0,3 dcimos, a cada dois anos14

    . A questo : se as verbas para a EJA permanecem no

    grau mais inferior do total de verbas geridos pelo Fundeb, como essas metas sero alcanadas?

    5 O CEEBJA LONDRINA

    5.1 A realidade como ela : localizao e estrutura do CEEBJA Londrina

    O Centro Estadual de Educao Bsica para Jovens e Adultos Londrina

    (CEEBJA Londrina) localiza-se na rea mais central da cidade, ao lado do Terminal

    Municipal Urbano. Desse terminal partem e chegam de forma ininterrupta, os nibus

    que circulam por toda regio urbana e metropolitana da cidade. O colgio tambm est

    prximo ao cameldromo, um conjunto de pequenas lojas famosas pelos artigos de

    baixo custo e pela pirataria", consequncia, entre outras causas, da informalidade

    gerada pelo precarizao do trabalho. O fato de se localizar na zona central, ao lado do

    terminal de nibus e do cameldromo sinaliza para o tipo de pblico arregimentado por

    esta instituio: trabalhadores que fazem bico em subempregos, precarizados e em sua

    maioria vinculados ao comrcio formal e informal.

    13 Fonte: http://www.fnde.gov.br/index.php/financ-fundeb 14 Fonte: http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.seam?cid=189243

  • 18

    O colgio funciona desde 1996, no segundo andar de um prdio. No trreo,

    direto para a rua, h um mini shopping de artigos baratos, quiosques de alimentao,

    lojas de servios. Imerso em uma vasta e fragmentada rede de produtos e consumo, uma

    pequena placa em ambos os sentidos, instalada logo acima da escada de acesso,

    identifica o colgio, que para a populao que transita no local, passa despercebida. H

    um intenso comrcio de rua (frutas, artigos de baixa qualidade, culos, CDs, panos de

    prato, etc.) que disputam o espao entre si, alm de panfleteiros que distribuem toda

    sorte de anncios (venda de ouro, planos dentrios, emprstimos de dinheiro, etc.). O

    fluxo de automveis intenso, bem como o de pedestres, que se locomovem

    apressadamente em todos os sentidos, num aparente caos. Um colgio ali situado,

    destoa de tudo o que est presente nesse cenrio.

    O ambiente como um todo traz as marcas do tempo. J na escada, as borrachas

    protetoras de quedas e sinalizadoras dos degraus esto gastas e em muitos pontos j no

    existem mais. No entanto, um corrimo de metal providencialmente instalado do lado

    direito facilita a vida das pessoas que tem alguma dificuldade em subir a escada. Tanto

    na escada, como no hall e em toda a escola, a pintura muito gasta, sinaliza que h muito

    as paredes mantm-se distantes de qualquer melhoria esttica. O piso de parquet

    tambm traz sinais de muito trfego. A iluminao poderia ser mais efetiva, h

    ambientes nos quais se concentram zonas de sombras, e outros, nos quais a luz

    suficiente.

    As salas de aula, inclusive a de Sociologia so pequenas. Cinco metros por

    quatro metros aproximadamente, onde se amontoam cadeiras, classes, e cadeiras e

    classes contnuas. No h um padro, a impresso que cada cadeira / classe foi

    coletada em um universo de lugares diferentes, e ali dispostas aos alunos. Tantas

    cadeiras e classes atravancam o espao. H sempre mais cadeiras do que alunos, e estes,

    a cada ocasio de precisar levantar ou sair, ou mesmo um movimento mais amplo, tem

    seu espao de locomoo restrito. Em concluso ltima, as cadeiras e classes

    desabitadas ocupam demasiado espao, e a amplitude, tanto de locomoo como a de

    certa liberdade subjetiva, est comprometida. Segundo informaes do professor, h um

    nmero de alunos matriculados (aproximadamente vinte e sete pessoas). Este nmero

    preencheria todos os espaos, o que no meu entender, tornaria a sala demasiado densa.

    Como a mdia de alunos presentes de 17,4 alunos por aula15

    , inevitvel que muitas

    15 Dados extrados de observaes realizadas entre 31/08/2010 e 26/10/2010.

  • 19

    cadeiras permaneam vazias. Observo que muitos lugares esto sempre desabitados.

    Alguns outros so ocupados alternadamente, por um ou outro aluno, mas normalmente,

    cada um tem seu lugar definido.

    O professor transita em um espao bastante limitado, entre o quadro negro, uma

    velha mesa ao centro, a porta de acesso da sala de aula direita, e esquerda, uma

    espcie de televiso de cor laranja, onde coloca o pen drive16

    e em algumas aulas,

    promove vdeos, documentrios, ou textos explicativos. O professor est fadado a

    ocupar uma metragem limitada de espao fsico, pois sua circulao entre os alunos no

    encontra caminhos apropriados, ou incentivadores de tal movimento.

    Em dias de muita chuva, os banheiros muito prximos exalam nos corredores

    um cheiro tpico de banheiro. O colgio como um todo no apresenta condies

    salubres e incentivadoras de prticas de escolarizao e educao. notrio o esforo

    por parte da equipe administrativa e professores no sentido de fazer o melhor possvel.

    No entanto, ntido que a estrutura da escola em si inadequada e carece de

    investimentos para melhorias paliativas. A precarizao das instalaes do CEEBJA

    Londrina significativa, no sentido de que esse colgio pode representar o descaso, ou o

    investimento pfio para o ensino do EJA.

    5.2 O perfil dos alunos

    A pesquisa foi realizada no dia 09 de Novembro de 2010, na Turma 127, na

    disciplina de Sociologia, Matutina do CEEBJA Londrina. Foram aplicados 16

    questionrios para 16 estudantes, nmero de pessoas presentes na aula nesse dia.

    A faixa etria distribui-se da seguinte forma: 18.25% de alunos entre 18 e 28

    anos. A maior parte, 50%, entre 29 e 39 anos. E 31.25% esto entre 40 e 52 anos.

    Em relao ao Gnero, 62.5% pertencem ao Feminino, e 37,5% ao Masculino.

    Questionados sobre se trabalhavam formal ou informalmente, 86.66%

    declararam que trabalhavam. Apenas 13,33% dos estudantes no trabalhavam. Em

    relao ao nmero de horas trabalhadas por dia, 42.86% o faziam por mais de 10 horas

    por dia. Enquanto 14.29% trabalhavam at 8 horas por dia.

    Questionados sobre se pretendiam continuar os estudos aps o EJA, 75%

    responderam que Sim. 12.5% afirmaram que No, enquanto, 12,5% No sabiam.

    16 A TV Multimdia para utilizao do pen drive um recurso didtico presente na rede Estadual Paranaense desde o ano de 2007, quando foi implantado o Programa Nacional Nacional de Tecnologia Educacional.

  • 20

    Foi perguntado se consideravam que o que estavam aprendendo estaria

    preparando-os de forma satisfatria ou no para o ingresso no ensino superior. 81.25%

    afirmaram que Sim, enquanto apenas 18.75% afirmaram que No.

    Questionados sobre se o EJA preparava de forma satisfatria para o mercado de

    trabalho, 68.75% afirmaram que Sim, enquanto 31.25% responderam que No. Percebe-

    se um ligeiro decrscimo nessa expectativa dos estudantes, em relao ao preparo do

    EJA para o ensino superior. Ainda assim, o ndice alto.

    Com base nesses dados, podemos definir um perfil do estudante do EJA dessa

    turma, como pertencendo faixa etria dos 29 aos 39 anos, maioria de mulheres, que

    trabalhavam entre 8 e at mais de 10 horas por dia. A maioria pretende continuar os

    estudos, e tambm acredita estar sendo bem preparada para o ingresso no ensino

    superior. Um ndice considervel tambm acredita que os estudos no EJA fornecem um

    bom preparo para o trabalho.

    Minha leitura desses dados compe um perfil de maioria feminina, entre 29 e 39

    anos, que trabalha at 8horas ou mais por dia, e que pretende se inserir em

    universidades pblicas para continuao de estudos. Essa maioria tambm acredita que

    os estudos tendem a acrescentar positivamente em suas vidas como trabalhadoras.

    CONSIDERAES FINAIS

    Os adultos que voltam aos estudos no EJA buscam, em sua maioria, a

    certificao do ensino mdio para ingresso, ou obter uma situao mais favorvel no

    mundo do trabalho. E tambm tm inteno de ingressar na universidade pblica.

    Ideologicamente, esto presos a ideia de que estudando os resultados empregatcios

    sero melhores. E no EJA, tambm esto jovens que se recusam ao ensino normal por

    conta do tempo reduzido e das avaliaes mais flexveis. E por ltimo, no EJA esto os

    alunos problemas, os portadores de algumas necessidades especiais e os que cumprem

    medidas scio educativas. O EJA, portanto, um espao onde transitam seres

    humanos17

    que atestam no presente, todos os erros e omisses do passado de um Estado

    que, composto por uma elite irresponsvel, pressionado por exigncias de interesses

    econmicos internacionais e nacionais, vtima da prpria falta de viso de seus

    integrantes, e de todos esses fatores unidos, tenta utilizar a frmula j gasta do

    17 Segundo o ltimo censo do INEP, feito em 2004 so 3.642.513 pessoas pertencentes ao sistema EJA. Fonte: http://download.inep.gov.br/download/censo/2010/anexo_II.xls

  • 21

    neoliberalismo, de que os problemas no podem ser entendidos em escala social, porque

    cada um responsvel por seu prprio sucesso ou fracasso. Infelizmente, o que percebo

    entre o pblico do EJA, o mesmo entendimento.

    Entendo que o ponto principal seria o aumento de verbas para essa modalidade

    de ensino para que se possa investir em treinamento de professores, instalaes

    especficas para esse pblico, ou no mnimo, mais adequadas. Considerando que uma

    educao transformadora est fora de questo, entendo que uma reforma na grade

    curricular com a introduo mais acentuada de estudos sobre sistemas de informao e

    informtica se faz necessrias. Tambm necessrio o foco naqueles que pretendem

    prosseguir os seus estudos, e para tanto, considerar as disciplinas sob um ngulo de

    ingresso nesse ensino. Considerando o pouco tempo de estudo para a formao do

    ensino mdio, necessria uma formatao desse estudo que atenda ambas as

    demandas. Notadamente porque para o pblico do EJA, o tempo um fator

    importantssimo.

  • 22

    REFERNCIAS

    BERNARDIM, Mrcio L. Educao do trabalhador: da escolaridade tardia educao necessria. Guarapuava: Unicentro, 2007

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    http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=290&Itemid

    =541. Acesso em: 15.out.2010

    Nota 13: MINISTRIO DA EDUCAO. FUNDEB.FNDE (2011. Disponvel em:

    Fonte: http://www.fnde.gov.br/index.php/financ-fundeb. Acesso em: 15.out.2010.

    Nota 14: MINSTRIO DA EDUCAO. INEP.IDEB(2010).Disponvel em:

    http://ideb.inep.gov.br/resultado/resultado/resultado.seam?cid=189243. Acesso em

    03.nov.2010

  • 23

    Nota 16: INEP. CENSO 2010 (2011). Disponvel em:

    http://download.inep.gov.br/download/censo/2010/anexo_II.xls. Acesso em 23.set.2011