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Passarela FENEARTE: Uma experiência para educação de Moda Resumo O artigo consiste em um relato da experiência da Passarela FENEARTE, uma proposta que tornou-se um projeto de educação em Design de Moda através do fomento à participação dos alunos do Curso Superior de Tecnologia em design de Moda da Faculdade SENAC Pernambuco aos desfiles realizados na maior feira de artesanato do Brasil. O relato traz a reflexão do docente do projeto inter-relacionando a revisão bibliográfica, documentos oficiais e sua experiência empíricas na Passarela FENEARTE. A principal conclusão é a importância do incentivo à prática dos alunos em processos que envolvam desde a criação até a exibição de produtos de moda como elemento de mediação entre a teoria contida na formação acadêmica e a necessidade de um recorte interdisciplinar e dialógico em sua aplicação no mercado contemporâneo. Palavras-Chave: Moda, artesanato, educação, interdisciplinaridade, mediação cultural. Abstract The article consists an experience report of the project inter-relating bibliographic review, official documents and the empirical experience in the project. The main conclusion is the importance of encouraging

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Passarela FENEARTE: Uma experincia para educao de ModaResumo

O artigo consiste em um relato da experincia da Passarela FENEARTE, uma proposta que tornou-se um projeto de educao em Design de Moda atravs do fomento participao dos alunos do Curso Superior de Tecnologia em design de Moda da Faculdade SENAC Pernambuco aos desfiles realizados na maior feira de artesanato do Brasil. O relato traz a reflexo do docente do projeto inter-relacionando a reviso bibliogrfica, documentos oficiais e sua experincia empricas na Passarela FENEARTE. A principal concluso a importncia do incentivo prtica dos alunos em processos que envolvam desde a criao at a exibio de produtos de moda como elemento de mediao entre a teoria contida na formao acadmica e a necessidade de um recorte interdisciplinar e dialgico em sua aplicao no mercado contemporneo.

Palavras-Chave: Moda, artesanato, educao, interdisciplinaridade, mediao cultural.Abstract

The article consists an experience report of the project inter-relating bibliographic review, official documents and the empirical experience in the project. The main conclusion is the importance of encouraging as an element of cultural mediation in the formation of young people and the need for an interdisciplinary and dialogic focus in its application.

Keywords: Fashion, craftwork, education, interdisciplinarity; cultural mediation.

Introduo

A Passarela FENEARTE consiste de uma proposta de participao de diversos grupos e instituies e jovens talentos da moda pernambucana em leituras de moda que valorizem e envolvam o artesanato para serem apresentados como parte da programao oficial da Feira.

A proposta da Passarela FENEARTE foi desenvolvida pela Desde ento, foram executadas treze edies: entre julho de 2008 e julho de Com a metodologia baseada nos conceitos da educomunicao, o projeto utilizou como pano de fundo oficinas de comunicao para estimular adolescentes e jovens a adotarem uma postura mais crtica e participativa diante da realidade que os cerca. Alm da bagagem terica e prtica no campo da comunicao, durante as oficinas foram desenvolvidas atividades que provocaram o debate acerca de temticas relevantes como sustentabilidade ambiental, sade pblica, direitos humanos, cultura nos seus mais diversos aspectos, sexualidade responsvel, preconceito, diversidade, cultura de paz, entre outros assuntos de interesse dos educandos. Utilizando uma linguagem simples e respeitando a realidade local, o projeto teve ainda como temas centrais e transversais em suas trs edies a anlise crtica da mdia, o fortalecimento de vnculos com a comunidade na qual esto inseridos e o protagonismo juvenil. Este relato de experincia tem como proposta abordar o projeto Mdia Jovem pela viso de trs oficineiros de educomunicao e as reflexes suscitadas durante a realizao das oficinas. Ao iniciar as oficinas, todos os oficineiros j tinham conhecimentos prticos sobre as mdias que iram abordar alm de, sem exceo, j possuir alguma experincia prtica e acmulo terico sobre educomunicao. Suas bagagens individuais foram relativamente afinadas ao serem introduzidos ao recorte e objetivos especficos do Mdia Jovem no vasto campo da inter-relao entre comunicao e educao. No entanto, existe um abismo entre o conhecimento terico e a experincia real com os educandos e seus contextos de vida, entre a concepo e a prtica educomunicativa. Abordar a reflexo da relao entre expectativas e resultados na perspectiva dos oficineiros o intuito desse relato.

Pretende-se colocar em dilogo reflexes sobre a prtica da educomunicao que a experincia com o Mdia Jovem trouxe aos seus oficineiros numa perspectiva dialgica e interdisciplinar. Como debater criticamente a mdia a partir das diferentes vises miditicas que os educandos traziam? Como integrar temas relacionados vida dos educandos na aprendizagem educomunicativa? Como os oficineiros adaptaram seus planejamentos as necessidades levantadas pela prtica didtica cotidiana? Em que grau os produtos miditicos finais conseguiram traduzir uma outra concepo miditica nos seus aspectos semnticos e formais? Essas so algumas das questes que tentaremos responder no decorrer desse relato.

Referencial Terico

A partir das reflexes de Piaget (1999), Vygotsky (1994) e Freire (1996), entre outros, sobre o processo de construo e apropriao do conhecimento pelo homem, passamos a entender o processo de aprendizagem como relacional, como decorrente de um contexto social e peculiar caracterstico, com a mediao da sociedade, atravs de indivduos e instituies (famlias, colegas, escola, meios de comunicao e outros) (LINHARES, 2007, p. 23)

a partir dessa compreenso da educao relacional e dialgica com um papel proeminentemente de mediao cultural que se pretende refletir sobre a inter-relao entre a Educao e Comunicao. A tentativa de abarcar o fenmeno da inter-relao entre educao e comunicao no recente e muitos conceitos foram forjados no sentido de abarcar partes especficas ou mesmo o fenmeno em toda a sua amplitude, entre eles: educomunicao, mdia-educao, educao para os meios, educao miditica, entre outros. Acreditamos que a pluralidade de conceitos reflete a importncia desse campo na contemporaneidade e iremos abordar alguns elementos centrais desse campo, no na perspectiva de encontrar as divergncias entre os diversos autores, mas sim as semelhanas nas mais diferentes vertentes que trabalham em conjunto para delimitar e definir o campo da interligao entre educao e comunicao.

Hancock, refletindo sobre a importncia da educao miditica, atesta que: H vrias dcadas, a linha de demarcao entre educadores e comunicadores vem se tornando mais tnue (HANCOCK, 2007, p. 229). A reside um dos principais argumentos em defesa do estreitamento entre comunicao e educao partindo do pressuposto da similitude entre as duas reas. Quando nos referimos comunicao, estamos nos referimos aos meios de comunicao, a comunicao miditica. A comunicao em um sentido mais amplo ainda mais diretamente associvel educao, j que todo processo educativo e sempre foi necessariamente comunicativo. A necessidade de surgimento de um campo de inter-relao entre educao e comunicao (miditica) se d em uma sociedade altamente mediatizada pelas Tecnologias da Informao e da Comunicao. Segundo Hancock:

Os partidrios da introduo da educao miditica como objeto de estudo defendiam que era absurdo que a principal forma de comunicao social, poltica e cultural do sculo XX passasse em silncio nos programas escolares herdados do sistema educacional do sculo XIX. (HANCOCK, 2007, p. 234).

Diante do contexto de alta concentrao miditica do sculo XXI, a educao no pode prescindir da reflexo sobre sua relao com essas novas tecnologias que cumprem diversas funes educacionais e influem drasticamente no aprendizado das formas de socializao. Novas formas de excluso e dominao social se desenvolveram com o carter mercadoria da informao miditica, alm dos fatores relacionados alta concentrao da propriedade dos meios de comunicao que condena a maior parte da populao somente ao status de receptor de informaes, mesmo que nesse processo de recepo, essas informaes sejam mediadas na efetivao de sua significao pelo receptor. Ainda segundo Hancock:A Conferncia de Jomtien tomou conscincia da importncia do conceito de alfabetizao miditica (anloga alfabetizao fundamental e funcional). Compreender e utilizar as tecnologias da comunicao e da informao logo se torna uma condio prvia de integrao no mundo contemporneo, industrializado ou em desenvolvimento. Pode-se fazer assim uma aproximao com a alfabetizao informtica, ainda que esta enfatize mais as competncias tcnicas do que a compreenso em um contexto social e econmico determinado. A prpria idia de alfabetizao miditica engendra o conceito de educao miditica (HANCOCK, 2007, p. 234)

A ideia de alfabetizao miditica tambm engendra a ideia de analfabetismo miditico e as novas formas de excluso social criadas pela impregnao dessas Novas Tecnologias da Informao e da Comunicao em praticamente todas as esferas da vida social. Nessa sociedade altamente mediada pelos meios de comunicao de massa, s possvel conceber uma participao cidad atravs dos meios de comunicao de massa. O indivduo s pode participar do Estado, conhecer e influenciar a opinio pblica atravs das mdias. No possvel conceber uma educao cidad que prescinda da discusso sobre os meios de comunicao de massa. Segundo Ronaldo Linhares:Na construo dos alicerces tericos desse novo campo cabe educao considerar os processos culturais, constitudos e constituidores da ao comunicativa e de aprendizagem e que suas diversas formas de manifestao enriqueam a ao pedaggica. No se educa sem comunicar; por isso, a inter-relao comunicao/educao contribui em diversas frentes para que o espao escolar possa efetivamente tornar-se um espao scio-histrico de participao poltica e cidad (LINHARES, 2007, p. 37)

A relao entre educao e comunicao ao trazer a diversidade temtica miditica em seu contedo e forma acaba por aproximar a educao de uma viso interdisciplinar, pautada nas experincias de vida e nas bagagens culturais dos seus estudantes. Uma das principais preocupaes do exerccio da educomunicao usar a educao como uma forma de mediao cultural. Sob essa lgica o receptor capaz de mediar os significados dos meios de comunicao de massa a partir de sua bagagem cultural. Angela Schaun em seu livro Educomunicao: Reflexes e Princpios, afirma que: O paradigma da educao no seu estatuto de mobilizao, divulgao e sistematizao de conhecimento implica acolher o espao interdiscursivo e meditico da comunicao como produo e veiculao da cultura [...] (SCHAUN, 2002, p. 79). Logo a seguir Schaun tenta abarcar o escopo da rea de atuao do que entende por Educomunicao:

Este campo caracteriza-se pelas atividades de interveno poltica e social fundamentada na experincia e na formao crtica dos processos histricos, sempre voltadas para uma perspectiva de leitura crtica dos meios de comunicao, atuando no mbito do ensino formal (cursos fundamental, mdio, superior, formao de professores para o exerccio de uma Pedagogia da Comunicao) e no-formal (organizaes e instituies da sociedade civil), nas empresas, nos meios de comunicao (grandes meios, emissoras educativas e comunitrias de rdio e televiso), nos movimentos populares, nas organizaes no-governamentais. Eles atuam junto a pblicos diversos e especficos, de todas as faixas etrias e grupos sociais minoritrios e/ou socialmente excludos ou estigmatizados (SCHAUN, 2002, p. 82)

Para Ismar de Oliveira Soares (1999), o educomunicador necessariamente um mediador cultural com dupla funo terico que tenta agrupar as cincias da educao e da comunicao social. O educomunicador deve procurar compreender o contexto de proliferao de informaes atravs dos meios de comunicao de massa, e que a partir desse contexto inesgotvel de oferta de informaes, rever seu papel de acumulador e transmissor de informaes para se resignificar como mediador cultural. Nessa mesma perspectiva sintetiza Schaun afirmando que: Os educomunicadores, como passam a ser conhecidos, so indivduos que acreditam na mediao da comunicao com e para a educao [...] (SHAUN, 2002, p. 81). preciso refletir nesse processo sobre as identidades culturais dos indivduos e em como essas identidades influenciam o processo de produo, mediao e recepo cultural.

Maria Luiza Belloni em seu livro O que Mdia-Educao? tambm enfatiza o carter de mediadores culturais dos meios de comunicao de massa. A autora tambm destaca a nova postura de aprendizagem pautada na autodidaxia o que acarreta que os mtodos pedaggicos devem estar focados no utilizador. Belloni tambm chama ateno para o forte aspecto interdisciplinar pautado na relao entre educao e comunicao e sintetiza a proposta pedaggica da inter-relao entre educao e a comunicao deve sempre se dar a partir de duas dimenses indissociveis.

A primeira, cujo movimento vai da comunicao para a educao, refletindo sobre os meios enquanto auxiliares a educao e consiste em entender os meios como ferramentas pedaggicas extremamente ricas e proveitosas para a melhora e expanso do ensino (BELLONI, 2002, p. 9) e a segunda que vai da educao para a comunicao consiste em adotar os meios de comunicao de massa como objeto de estudo de mltiplas pertinncias, estudar os meios exigindo abordagens criativas, crticas e interdisciplinares; sem esquecer que se trata de um tema transversal de grande potencial aglutinador e mobilizador (Belloni, 2001, 1991). Belloni afirma que:

Neste contexto de mudanas aceleradas, duas novas disciplinas ou reas de estudo e pesquisa delineiam-se, embora ainda muito confusamente, em nossas universidades: mdia-educao (ou educao para as mdias), que diz respeito dimenso objeto de estudo e tem importncia crescente no mundo da educao e da comunicao. Corresponde a media education, em ingls; ducation aux mdias, em francs; educacion em los meios, em espanhol, educao e media, em portugus; e comunicao educacional que se refere mais dimenso ferramenta pedaggica e vai se desenvolvendo como nova disciplina ou campo que vem substituir e ampliar a tecnologia educacional (tambm no tem ainda termo consagrado no Brasil). (BELLONI, 2001, p. 9).

Essas duas dimenses esto direta ou indiretamente colocadas em qualquer perspectiva que tenta abranger de forma completa a inter-relao entre comunicao e educao. Assim, nessa perspectiva, esse campo denominado de educomunicao ou de mdia-educao abrange ao mesmo tempo a reflexes sobre os meios e o domnio das tcnicas miditicas. Por um lado, a preocupao em refletir sobre os meios e formar cidados crticos e, por outro, em habilitar os cidados a se comunicar midiaticamente, a se expressar pelas mdias.

MetodologiaNa construo dessa anlise, os autores partiram da experincia prtica de docncia e/ou coordenao de comunicao do projeto. O primeiro passo para estudar este objeto foi realizar a reviso bibliogrfica, seguida da anlise de documentos oficiais do projeto. Como objetos de consulta, foram tomados: a) o texto base das trs edies do projeto, documentos elaborados pela equipe do Instituto Recriando que apresenta o campo de atuao, as justificativas, as diretrizes metodolgicas, os objetivos e as aes a serem desenvolvidas ao longo de cada edio; b) os relatrios finais das atividades, que resumem os trabalhos desenvolvidos ao longo de cada edio do projeto, pontuando as principais aes desenvolvidas, as avaliaes e os resultados obtidos; c) os planejamentos de aulas das oficinas realizadas, documentos que caracterizam detalhadamente as atividades; d) produtos finais elaborados pelos educandos ao longo das trs edies. O relato fortemente pautado na contribuio que a reviso bibliogrfica trouxe a reflexo e na experincia e observao emprica dos educomunicadores.

As atividades do Mdia Jovem tiveram incio com a seleo dos educandos. Aps divulgao do projeto na comunidade, so abertas as inscries e realizada a seleo por meio de ficha, entrevistas, debates e dinmicas com os jovens. So avaliados critrios como o interesse pessoal, a compreenso da importncia da coletividade, o perfil de multiplicador, o potencial de mobilizao na comunidade e capacidade de reflexo e formulao acerca das temticas a serem abordadas em sala de aula. O conhecimento no campo da leitura e escrita no um fator excludente, assim como o fato de o jovem estar ou no matriculado em instituio de ensino, porm preciso que este jovem j tenha estudado numa instituio pblica de ensino. Para que o projeto inclua socialmente jovens de determinada comunidade, preciso abarcar aqueles que esto mais margem, inclusive na esfera da educao. Assim, o perfil dos educandos selecionados de jovens de 14 a 25 anos que vivem em comunidades com alto grau de vulnerabilidade e negao de direitos, estudantes ou ex-estudantes de escolas da rede pblica, com potencial de mobilizao na comunidade e perfil de multiplicador.

Ao longo de cerca de um ano, tempo mdio de durao do projeto, os adolescentes e jovens atendidos tm acesso a oficinas de rdio, vdeo, mdia impressa, fotografia, internet e animao. As oficinas, que duram em mdia dois meses, abordam aspectos tericos e prticos da linguagem de cada uma destas mdias e, ao final das atividades, os educandos elaboram um produto final, que deve refletir no apenas o aprendizado tcnico, mas tambm apresentar o olhar dos educandos acerca da realidade em que vivem das temticas abordadas em sala de aula. Estas peas de comunicao alternativa elaboradas pelos educandos so disseminadas na comunidade a fim de potencializar a socializao de conhecimento na localidade, bem como estimular os vnculos entre educando-comunidade, e comunidade-educando.

A metodologia do projeto, porm, no est focada apenas nos aspectos tcnicos dos meios de comunicao. A mdia, neste contexto, serve de pano de fundo para o debate e reflexo acerca de temas sociais relacionados realidade em que os educandos vivem. Os debates em sala de aula so mediados pelos oficineiros, profissionais de comunicao que passam por um processo de formao continuada. Por meio de recursos ldicos e tecnolgicos - como dinmicas, vdeos, msicas e jogos educativos - e palestras com especialistas e pessoas da prpria comunidade, os educandos se sentem mais provocados debater. A proposta metodolgica parte de um tema geral que tem potencial para agregar diversos outros subtemas, mas prev que a definio das temticas e a maneira como elas sero abordadas podem e devem partir dos prprios educandos e da leitura do educador dos comportamentos dos educandos, sem perder de vista o carter educativo do projeto. Isso no apenas d mais dinamicidade s atividades, mas tambm parte de um fundamento do projeto, que a valorizao das experincias dos atores envolvidos no processo, sejam eles educadores ou educandos, de modo que no haja educador e educando, mas sim educando-educador e educador-educando (FREIRE, 1987, p. 39).

Outro conceito relevante para o mtodo do Mdia Jovem a nfase no processo de produo (KAPLUN, 1985). Assim, o produto final de cada oficina no seu elemento prioritrio, mas sim a sua construo, pois no processo de sua elaborao que se constri o conhecimento de maneira coletiva.

A partir da construo da criticidade, o Mdia Jovem estimulou a participao social e o protagonismo juvenil de seus educandos, fazendo com que estes percebessem os problemas presentes na comunidade, mas tambm as potencialidades de transformao existentes no local onde vivem, de modo que as reflexes feitas em sala de aula pudessem ser potencializadas em aes transformadoras na prpria comunidade. Este objetivo do projeto se apia no conceito de Kaplun (1985), segundo o qual o comunicar um processo de ao-reflexo-ao que o educando faz de sua realidade, a partir de sua experincia e da sua vivncia no contexto em que vive com seus pares.

Assim, o Mdia Jovem se props a no apenas ser um projeto educativo, mas uma ao transformadora em mbito individual - medida que fortalece os vnculos com a comunidade estimula a adoo de uma nova postura dos educandos diante da prpria realidade - e coletivo, de interveno social nas comunidades por onde passou. Uma interveno protagonizada pela juventude e visando adotar medidas transformadoras para a prpria comunidade. Resultados

Reiteramos a eficcia da abordagem dialgica, procurando colocar em pauta as vises sobre os meios que os educandos traziam para a sala de aula. Consideramos ter alcanados bons resultados no que se refere construo de uma viso menos passiva sobre os meios e a possibilidade de uma leitura mais crtica, alm de ser perceptvel o despertar do desejo de se expressar pelas mdias por parte dos educandos ao final do projeto. Contribuiu muito nesse sentido o fato de ser um projeto de longa durao, durante cerca de um ano de suas vidas, os educandos foram levados a refletir sobre a recepo e a emisso de mensagens miditicas, seja desconstruindo analiticamente os produtos da mdia, seja os construindo. No entanto, mesmo que a longa durao e as opes didtico-pedaggicas do projeto tenham se esforado no sentido de criar uma outra postura mais ativa frente as mdias, sempre existem vcuos que se revelavam arbitrariamente.

S para ilustrar esses vcuos, podemos citar um exemplo: os educando criticavam a utilizao da imagem feminina em propagandas de cerveja, ao mesmo passo em que sugeriam para uma festa de confraternizao da turma um repertrio musical pautado na mesma representao sexista sobre a mulher. Assim, mesmo que uma nova viso fosse construda, foi possvel perceber que essa nova viso foi mediada pelos processos de socializao, interesses pessoais e pelas experincias de vida dos jovens que optavam por negociar os significados e em at que nvel estavam dispostos a repensar seus processos de significao precedentes.

Assim pudemos perceber que a mesma mediao cultural, que era objetivo de nossas oficinas, tambm se aplicava prpria oficina, na relao de entender que a educao que se prope mediativa tambm mediada. Enquanto procurvamos ser mediadores da mdia, a grande mdia enquanto espao de formao de identidades j havia servido de mediadora da educao e em diversos processos seu arco de influncia era to forte que em alguns temas conseguia subjugar qualquer questionamento contrrio a sua prtica.

O interesse por alguns temas se modificava dependendo da localizao da realizao da oficina. Em bairros mais perigosos a violncia aparecia constantemente, mas no com as mesmas nuances, em alguns bairros havia uma viso positiva sobre a polcia e a sua interveno e em outros bairros, uma viso de que a polcia era truculenta e que reprimia pessoas de bem. Muitos educandos dos bairros Coqueiral e Santa Maria, bairros perifricos da cidade de Aracaju, tinham uma preocupao constante com a forma como a mdia tradicional abordava seus bairros, e, uma nsia em constituir representaes mais amplas de seus bairros que no se limitasse a ideia difundida pela mdia de bairros mais violentos.

Outros temas relacionados ao dia a dia dos jovens eram traduzidos para a mesa quando se discutia sobre o que os produtos finais de cada oficina deveriam pautar. Como exemplo, a questo da gravidez na adolescncia, que foi tratada de forma brilhante e devastadora no Vdeo-documentrio Filhos das filhas, que trazia a experincia de meninas que ficaram grvidas na adolescncia, entre elas uma das educandas do projeto. Os temas dessas produes miditicas eram construes coletivas entre os educandos e no sentido de abarcar os diferentes olhares e ideias sobre um mesmo produto acabaram por tomar um carter interdisciplinar. Um mesmo programa de rdio, por exemplo, abordou cultura de paz, direitos humanos, a importncia das bibliotecas nas escolas e as tpicas vaquejadas de Sergipe, agregando campos diversos e refletindo temticas debatidas em sala de aula e trazidas de suas prprias realidades.

Essa abordagem multidisciplinar permite que os educandos absorvam a complexidade do tema da educomunicao e a interdisciplinaridade dos veculos miditicos. Os produtos finais tambm refletiram um esforo de transcender na mdia os temas usuais, mas em algum grau, os produtos continuaram a trazer alguns elementos formais de uma esttica de espetculo. Os oficineiros buscaram trabalhar como os educandos a construo de contedos que evitassem jarges, termos estereotipados, pejorativos e preconceituosos usados erroneamente pela mdia tradicional e, consequentemente, impregnados no imaginrio da populao. A partir da discusso miditica, os educandos puderam refletir sobre a fora simblica e expressivas das palavras que utilizam no dia a dia. A reflexo sobre o uso das palavras foi fortemente interiorizada pelos educandos e se tornou prtica usual que corrigissem uns aos outros de forma explicativa quando utilizam palavras de cunho pejorativos dentro dos temas.

Foi possvel perceber um interesse maior dos educandos nas oficinas de mdias visuais como a fotografia e vdeo. A oficina de web sempre tem um interesse destacado, dado que os educandos percebem a importncia dos conhecimentos relacionados informtica por interesses diversos, seja por interesses profissionais ou mesmo para aprender a usar as redes sociais. A oficina de rdio encontrou uma resistncia em todas as edies, poucos traziam identidade com o rdio, os poucos traziam uma viso de rdio FM com programao somente musical, limitando as outras possibilidades do rdio de informar e at mesmo entreter. Dificuldade que de alguma forma era manejada no decorrer das oficinas por meio do uso de dinmicas de grupo, e exerccios com uso da voz, atividades com gravao e escuta da prpria voz sempre despertam reaes calorosas por parte dos educandos.

A oficina de mdia impressa, que de modo geral era a primeira a ser ofertada pelo projeto, tinha como sua base o exerccio de leitura e de escrita por parte dos educandos, por esse mesmo motivo, era tambm uma das oficinas que encontrava maiores dificuldades de identificao com os jovens do projeto, fruto de baixos ndices de escolaridade. Justamente por entender a necessidade de estimular o prazer pela leitura e pela escrita entre os educandos, a instituio executora do projeto no abriu mo ao longo das trs edies da oficina de mdia impressa, ainda que esta apresentasse certa resistncia por parte dos adolescentes e jovens. A fim de contornar a dificuldade de leitura e escrita mais acentuada de alguns educandos, os oficineiros propunham a eles tarefas que no exigissem diretamente ler nem escrever, a exemplo da realizao de entrevistas de udio a serem decupadas por outros educandos, a busca de fontes de informao na comunidade ou at mesmo a construo do projeto grfico dos fanzines e jornais murais, desenhando, fotografando ou diagramando os produtos. A ideia era aproveitar as potencialidades de cada um dos educandos e evitar o constrangimento e a excluso, j to presentes no modelo de educao formal.

Por fim, a oficina de animao, uma das linguagens tecnicamente mais distantes da realidade dos educandos, foi da desconfiana, quanto possibilidade de realizar produes com qualidade, para resultados finais altamente satisfatrios. A animao das mdias, a mais expressiva e inventiva, muito pautada pela forma. Esse tecnicismo da oficina poderia incorrer no risco de se afastar nos contedos pela grande demanda de ateno a execuo tcnica, no entanto, os resultados no poderiam ser mais adversos s expectativas e os produtos de animao se constituram em peas tecnicamente e tematicamente coerentes com a proposta do projeto.

Consideraes Finais

A prtica pedaggica indicada pelo projeto se propunha a abarcar os conhecimentos e experincias de vida dos educandos, exigindo a readaptao constante dos planejamentos a partir da prtica didtica cotidiana e da relao entre educandos e oficineiros. Assim, a viso que os educandos levavam para a sala de aula deveria servir como referncia para moldar os contedos a serem abordados e as prticas a serem incentivadas. Desta forma, o que se percebeu ao longo do projeto que este dilogo constante entre oficineiro e educandos permitiu uma construo coletiva do conhecimento e do prprio fazer pedaggico, medida que ele foi construdo e reconstrudo ao longo das oficinas. Percebe-se ainda que a nfase no processo de construo, conceito inicialmente aplicado aprendizagem dos educandos, pde ser aplicado tambm ao prprio fazer pedaggico, pois os educadores aprenderam ao ensinar ao longo do processo de ensino.

Por ser pautado por uma concepo interdisciplinar da educomunicao sob o eixo unificador das mdias, os mais diversos temas transversais ligados realidade local eram trazidos tona pelos prprios educandos. Essa multiplicidade de informaes, temticas e abordagens, alm de ter proporcionado uma construo de conhecimento de maneira coletiva, resultou em produtos finais que representaram o grupo na sua diversidade. Essa multidisciplinaridade tambm proporcionou ao projeto uma abertura muito grande junto aos educandos e, consequentemente, contribuiu com a eficcia dos seus objetivos.

Destacamos o longo prazo do projeto, como uma das principais razes de sua eficcia, j que a educomunicao em suas duas vertentes, a reflexo sobre as mdias e a expresso pelas mdias, passam assim a fazer parte do cotidiano dos jovens, cujo hbito ser incorporado na normalidade de suas vidas. Assim, acreditamos que o Mdia Jovem comprovou e reforou a necessidade de se inserir a educomunicao no cotidiano escolar dos estudantes, elemento imprescindvel de suas formaes. O projeto cumpriu em diversos aspectos os objetivos propostos em sua cartilha, o que foi provado pela forma como os educandos negociaram os conhecimentos trabalhados mediando-os por sua bagagem cultural. Os produtos miditicos desenvolvidos nas oficinas tambm servem como parmetro para perceber o potencial do projeto e suas contradies, alm de refletir a viso dos educandos acerca do mundo.

Referncias

BELLONI, Maria. O que Mdia-Educao? Campinas, SP: Autores Associados, 2001.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. edio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

HANCOCK, Alan. A educao e as novas Tecnologias da Informao e da Comunicao. In: DELORS, Jacques. Educao para o sculo XXI. Traduo de Ftima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2005.

KAPLN, Mrio. El comunicador popular. Quito: CIESPAL, 1985.

LINHARES, Ronaldo Nunes. Gesto em comunicao e educao: o audiovisual no espao escolar. Macei: EDUFAL, 2007.

SCHAUN, Angela. Educomunicao: reflexes e princpios. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.

SOARES, I. O. Uma educomunicao para a cidadania. So Paulo: Ncleo de Comunicao e Educao da Universidade de So Paulo (NCE/USP), 1999. Disponvel em: . Acesso em 24/05/2013. Oficina executada na primeira e segunda edio do projeto.

Spots, programas de rdio, documentrios, curtas-metragens, animaes, fanzines, jornais-murais, boletins, blogs, exposies fotogrficas, perfil nas redes sociais, entre outros.

Na primeira edio do projeto, o oficineiro era responsvel pelo aprendizado terico e prtico no campo da comunicao, enquanto havia a figura do educador popular, liderana da comunidade que provocava e mediava os debates de temas transversais. A partir da segunda edio, o oficineiro passou a ser responsvel pelas duas frentes de trabalho, o que permitiu aos educados relacionar melhor os contedos s tcnicas.

A primeira edio abordou a questo ambiental, a segunda edio permeou temticas relativas ao pertencimento e cultura local, e a terceira oscilou entre direitos humanos e sustentabilidade.