Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and...

50
Delfim Leão, Gabriele Cornelli & Miriam C. Peixoto (coords.) Dos Homens e suas Ideias Estudos sobre as Vidas de Diógenes Laércio IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Transcript of Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and...

Page 1: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

26

Dos

Hom

ens

e su

as Id

eias

Coimbra

Del

fim L

eão,

Gab

riele

Cor

nelli

&

Miri

am C

. Pei

xoto

(coo

rds.)

Delfim Leão, Gabriele Cornelli & Miriam C. Peixoto (coords.)

Dos Homense suas IdeiasEstudos sobre as Vidas de Diógenes Laércio

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 2: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

Delfim Leão, Gabriele Cornelli & Miriam C. Peixoto (coords.)

Dos Homense suas IdeiasEstudos sobre as Vidas de Diógenes Laércio

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRACOIMBRA UNIVERSITY PRESS

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 3: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

O P :

T • VIDAS

C •

C C : Maria do Céu Fialho

C EJosé Ribeiro FerreiraMaria de Fátima Silva

D T:

Francisco de Oliveira Nair Castro Soares

EImprensa da Universidade de CoimbraURL: http://www.uc.pt/imprensa_ucE-mail: [email protected] online: http://livrariadaimprensa.uc.pt

C Imprensa da Universidade de Coimbra

C PRodolfo Lopes, Nelson Ferreira

P-FJoão Loureiro

ÍJoana Fonseca

I A Simões & Linhares

ISBN978-989-721-041-9

ISBN D978-989-721-042-6

D EPÓSITO L EGA L

368792/131ª E D IÇÃO : IUC • 2013

© D . I U C C D V C (http://classicadigitalia.uc.pt)C E C H U C

em papel ou em edição electrónica, sem autorização expressa dos titulares dos direitos. É desde já excepcionada a utilização em circuitos académicos fechados para apoio a leccionação ou extensão cultural por via de e-learning.

DOI

http://dx.doi.org/10.14195/978-989-721-042-6

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 4: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

Sumário

Apresentação VI -XO Livro I de Diógenes Laércio:a tradição dos Sete Sábios e a caracterização da figura do sophos

(Book I of Diogenes Laertius: the tradition of the Seven Wise Men and the characterization of the sophos) 1

Delfim F. Leão

Sábios e poetas na construção da identidade helénica(Wise men and poets constructing the Hellenic identity) 21

Marta Isabel de Oliveira Várzeas

Diógenes Laércio e os Persas(Diogenes Laertius and the Persians) 39

Edrisi Fernandes

Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes Laércio e os Pré-Socráticos(Philosophers between life and death: Diogenes Laertius and the Presocratics) 67

Miriam Campolina Diniz Peixoto

L’ideazione del pinax, “mediale Innovation” di Anassimandro(The invention of the Pinax, a “mediale Innovation” due to Anaximander) 89

Livio Rossetti

Jenófanes invitado a Elea por H. Diels (Diógenes Laercio 9.18) (Xenophanes invited at Elea by H. Diels (Diogenes Laertius 9.18)) 101

Nestor-Luis Cordero

Platão, personagem de Diógenes Laércio(Plato, Diogenes Laertius’ character) 109

Marcelo Marques

A organização tetralógica do corpus platonicum (3.56-62): uma revisão do problema(The tetralogical organization of the corpus Platonicum (3.56-62): a revision) 125

Rodolfo Lopes

Anaxágoras em Plutarco e Diógenes Laércio(Anaxagoras in Plutarch and Diogenes Laertius) 139

Ana Ferreira

A Tradição Peripatética no Livro V de Diógenes Laércio: Um conspecto(The Peripatetic tradition in Diogenes Laertius’ Book V: an overview) 155

António Pedro Mesquita

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 5: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

Pode-se pensar a filosofia aristotélica como modo de vida?Diógenes Laércio e sua posteridade na obra de Pierre Hadot(Can we think the Aristotelian philosophy as a way of life?Diogenes Laertius and his posterity in the work of Pierre Hadot) 177

Fernando Rey Puente

Kinismo: Fragmentos de uma Crítica(Kynicism: fragments of a critique) 199

João Diogo R. P. G. Loureiro

Diógenes Laércio e os topoi da tradição biográfica: considerações sobre o livro VII(Diogenes Laertius and the topoi of the biographical tradition: remarks about the Book VI) 215

José Luís Lopes Brandão

O Tribunal de Diógenes Laércio: Platão e o plágio de Epicarmo(Diogenes Laertius’ tribunal: Plato and the plagiarism of Epicharm) 233

Fernando Santoro

A Vida de Pitágoras de Diógenes Laércio: questões sobre a recepção do pitagorismo no período imperial(Diogenes Laertius’s Life of Pythagoras: some questions on the reception of Pythagoreanism in the Imperial Period) 247

Gabriele Cornelli

Index nominvm 267

Index locorvm 273

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 6: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

VII

Apresentação

A presente obra é o resultado de dois seminários de pesquisa que reuniram a Cátedra UNESCO Archai da Universidade de Brasília, o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra e o Grupo Filosofia Antiga da Universidade Federal de Minas Gerais em dezembro de 2011 em Brasília (Brasil) e em março de 2012 na antiga cidade de Eleia (hoje Ascea Marina, Itália), com o objetivo de realizar uma estudo exploratório tendo em vista a preparação de uma nova edição em língua portuguesa da obra Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres de Diógenes Laércio. A obra oferece não apenas uma suma das problemáticas éticas e metafísicas da Antiguidade, constituindo, assim, uma das mais significativas coleções de testemunhos sobre a sabedoria e a ética clássicas, mas suscita desde sempre grande interesse em virtude das diversas questões   de ordem historiográfica por esta levantadas. As Vidas, quando lidas perspectivamente no contexto da época que as produziu, revelam uma concepção da filosofia como essencialmente filosofia de vida, cuja “prova dos nove” seria o sucesso “ético” do filósofo que a professa. Desta forma, também a obra de Diógenes Laércio privilegia antes a história dos homens e, somente em segundo plano, aquela de suas ideias. Um corte literário e doxográfico, este, que supreendentemente dialoga de perto com tanta sensibilidade ético-filosófica e literária contemporânea.

A constituição de um grupo multidisciplinar e multicêntrico de pesquisadores, que reúne aqui diversas especialidades nas mais diferentes áreas de pesquisa da Filosofia Antiga e das Letras clássicas, foi ocasião para a discussão dos problemas textuais e hermenêuticos inerentes à obra de Diógenes Laércio como um todo, certamente uma das obras mais importantes para o estudo da Filosofia Antiga e da literatura clássica em geral.

O estudo preparatório resultou nesta coleção de ensaios inéditos e ricos de estímulos e sugestões para a compreensão, imediatamente, da obra de

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 7: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

VIII

Diógenes Laércio. O volume traz para o debate um panorama de questões sobre a obra e a sua recepção, assim como estudos mais específicos dedicados a uma passagem ou a uma das biografias, desejando desta forma constituir-se num trabalho de referência para os pesquisadores de Diógenes Laércio em língua portuguesa.

Todavia, o amplo leque de temáticas que as Vidas sugerem, desde os estudos da biografia antiga até aqueles da historiografia da filosofia em suas origens, passando por autores e textos centrais para a definição das origens do pensamento ocidental, fazem da presente coleção um trabalho que poderá interessar os cultores dos estudos clássicos mais em geral.

A obra é inaugurada pelo ensaio de DELFIM F. LEÃO dedicado ao Livro I das Vidas, e mais precisamente à origem da tradição dos Sete Sábios enquanto locus privilegiado para e compreensão da caracterização da figura do sophos. A figura de Sólon, o legislador ateniense, é o foco central de um estudo que deseja mostrar o processo de cristalização desta tradição desde Platão até a obra da Diógenes Laércio. MARTA ISABEL DE OLIVEIRA VÁRZEAS também dedica seu ensaio à tradição dos Sete Sábios, mas com uma especial atenção às lendas e máximas a eles atribuídas e sua recepção na literatura variamente sapiencial que de certa forma destas derivou. A seguir EDRISI FERNANDES, com uma franca guinada geográfica e literária, avalia de perto as passagens de Diógenes Laércio dedicadas a magos, medos e persas, comparando as mesmas com fontes paralelas iranianas. Estas revelam um aspecto significativo da formação do pensamento e da filosofia grega em contraste com a pretensa identidade destes vizinhos das terras iranianas de Oriente. O ensaio de MIRIAM CAMPOLINA DINIZ PEIXOTO revela a importância das Vidas enquanto fontes para o estudo da filosofia pré-socrática. Na tentativa de superar um preconceito difuso pelo qual a obra de Diógenes Laércio seria uma mera rapsódia de vidas e doutrinas, o ensaio revela as estratégias literárias que comandam a proposta teorética de uma vida filosófica nas páginas diogenianas. LIVIO ROSSETTI apresenta, em seu ensaio, a afirmação de Diógenes Laércio segundo a qual Anaximandro teria sido o inventor de uma ges periodos, isto é de um mapa-múndi. Uma notícia, esta, que foi pouco valorizada pela história da filosofia antiga, mas que se reveste de importantes significados para a história da ciência e da humanidade como um todo. O ensaio de NESTOR-LUIZ CORDERO procura desvelar certa arbitrariedade da tradição da presença de Xenófanes em Eleia, enquanto fundador da escola eleática e mestre de Parmênides. Uma conjectura de Diels, em seu estudo Die Fragmente der Vorsokratiker, sobre o texto de Diógenes Láercio é apontada como a origem desta tradição. A respeito do Livro III, MARCELO MARQUES dedica seu ensaio a como Platão é apresentado no interior da obra de Diógenes Laércio, enquanto filósofo fundamentalmente dogmático; RODOLFO LOPES, por

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 8: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

IX

sua vez, enfrenta as espinhosas questões que subjazem à organização dos 36 textos de Platão em 9 tetralogias no interior da obra de Diógenes Laércio. ANA FERREIRA estrutura um estudo comparativo entre a diogeniana Vida de Anaxágoras e a Vida de Péricles do Queroneu, na qual Anaxágoras aparece como o principal mestre do grande estadista de Atenas. O livro V é o tema central do texto de ANTÓNIO PEDRO MESQUITA, que desenvolve um cotejamento das informações diogenianas sobre a escola peripatética com as fontes independentes, permitindo assim uma avaliação tanto da forma como da qualidade desta informações. Ao mesmo livro V é dedicado o ensaio de FERNANDO REY PUENTE, que todavia aborda mais precisamente a compreensão da noção de bios filosófico contida nos parágrafos 30 e 31, lida na perspectiva da noção de filosofia antiga como modo de vida de Pierre Hadot. Ao cinismo – que o autor grafa kinismo – é dedicada a contribuição de JOÃO DIOGO LOUREIRO. Aqui defende-se haver, por um lado, uma certa incompreensão, por parte dos cínicos, relativamente a quanto o seu apelo a um regresso à natureza colide com a experiência fenomenológica maior dos seres humanos; por outro, um erro na definição do ideal de auto-suficiência. Aos topoi da biografia é dedicado o amplo estudo de JOSÉ LUIZ LOPES BRANDÃO, que, tomando exemplos do Livro VII das Vidas, revela o lugar destas no interior da história do gênero biográfico no mundo greco-romano. O plágio de Epicarmo é o tema do texto de FERNANDO SANTORO, que examina um testemunho particularmente controverso dos textos do comediógrafo Epicarmo no livro III das Vidas. A passagem referida é de grande importância para a história da filosofia por envolver ao mesmo tempo a personagem de Platão e um gênero literário central para as origens da filosofia como aquele do diálogo socrático. Enfim GABRIELE CORNELLI procura levantar as características fundamentais da Vida de Pitágoras no interior do panorama das Vidas filosóficas de época imperial, mais em geral, e das Vidas pitagóricas, de forma mais imediata.

A afinada sinfonia lusófona que o leitor poderá encontrar nas páginas que se seguem é marcada também pela publicação a quatro mãos desta obra, que integra tanto a já consolidada coleção Classica Digitalia da Universidade de Coimbra como a nova marca editorial Annablume Classica da Editora Annablume de São Paulo.

Os Organizadores desejam sobremaneira agradecer a equipe da Cátedra UNESCO Archai da Universidade de Brasília, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) brasileiro e a Representação da UNESCO no Brasil pelo significativo apoio na organização dos dois seminários que estão na origem desta publicação. O agradecimento estende-se também ao João Loureiro, pelo trabalho de uniformização dos originais, ao Nelson

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 9: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

X

Henrique, pela sua formatação, e ainda à Joana Fonseca, pela elaboração dos índices finais. À Coordenadora Científica do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, Maria do Céu Fialho, e à equipe da Imprensa da Universidade de Coimbra, é também devida a gratidão dos organizadores, pelo contributo dado para a concretização desta publicação, que pertence agora aos leitores.

Delfim LeãoGabriele Cornelli

Miriam C. Peixoto

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 10: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

1

O Livro I de Diógenes Laércio

O LivrO i de diógenes LaérciO:a tradiçãO dOs sete sábiOs e a caracterizaçãO da figura dO

sophos(Book I of Diogenes Laertius: the tradition of the Seven Wise

Men and the characterization of the sophos)

Delfim F. LeãoUniversidade de Coimbra — Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos

Resumo: Na primeira parte do estudo, discute-se o peso de Platão na formação da tradição dos Sete Sábios. Na segunda parte, analisa-se essa mesma tradição em Diógenes Laércio, portanto num momento em que estavam já sedimentadas as linhas essenciais ligadas à caracterização destas figuras. Os resultados desse processo de cristalização serão analisados a partir da forma como Diógenes apresenta uma das personalidades mais paradigmáticas do grupo de sophoi: o legislador ateniense Sólon.Palavras-chave: Platão, Sete Sábios, Diógenes Laércio, sophoi, Sólon

Abstract: The first part of the study is devoted to the weight carried by Plato in the making of the tradition of the Seven Wise Men. In the second part, an approach is made to that same tradition in Diogenes Laertius, thereby in a stage when the main lines concerning the characterization of those personalities were already stabilized. The results of this process of crystallization are discussed taking as reference the way Diogenes depicts one of the most paradigmatic personalities of the group of sophoi: the Athenian legislator Solon.Key-words: Plato, Seven Wise Men, Diogenes Laertius, sophoi, Solon

Quem se dedica ao estudo da tradição dos Sete Sábios está bem ciente do facto de que é necessário esperar até ao Protágoras (343a) de Platão para encontrar a primeira referência a uma lista completa de sete sophoi. Este pormenor bastaria para garantir ao testemunho de Platão um posto especial na literatura gnómica, mas dois outros aspetos merecem igualmente ser sublinhados: o papel central que o filósofo atribui a Sólon entre os vários sapientes e ainda o facto de que ele terá, por certo, influenciado Plutarco na forma como este imaginou o Banquete dos Sete Sábios (Septem Sapientium Convivium) — e por extensão também o primeiro livro das Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres de Diógenes Laércio. Tomados em conjunto, estes três elementos explicam o motivo por que Platão constitui, geralmente, uma presença obrigatória em discussões relativas aos Sete Sábios. Embora esta posição de destaque se justifique, não autoriza, em todo o caso, a que se leve a argumentação ao ponto de sustentar que a noção de um grupo de sophoi não existia antes de Platão e que, em consequência, seria ele o responsável pela criação do conceito de uma sylloge de Sete Sábios.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 11: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

2

Delfim F. Leão

Tendo em conta estes dados, a primeira parte deste trabalho procurará sublinhar que, embora a importância do testemunho platónico seja inegável, a relevância que lhe é atribuída não depende propriamente da radical novidade da informação que transmite sobre estas figuras, mas antes do peso que o nome de Platão tinha já na antiguidade. Na segunda parte do trabalho, será retomada a tradição dos Sete Sábios em Diógenes Laércio, portanto num ponto em que estavam já perfeitamente sedimentadas as linhas essenciais ligadas à caracterização destas figuras que haviam marcado, ao longo de séculos, o imaginário grego. Os resultados desse processo de cristalização serão analisados a partir da forma como o doxógrafo apresenta uma das personalidades mais paradigmáticas do grupo de sapientes: o legislador ateniense Sólon.

I. A formação da sylloge dos Sete Sábios1

A literatura gnómica constitui, já desde a antiguidade, uma forma agradável e prática de transmitir aos mais jovens valores tradicionais da sua cultura, ao ajudar a criar uma estrutura mental que funcione como paradigma capaz de influenciar o comportamento não apenas no respeitante a crenças religiosas e morais, mas também no campo social e político. Embora simples e popular na sua formulação, a literatura de sentenças teve, provavelmente, uma origem aristocrática, no sentido de que representa um veículo para transmitir uma tipologia de princípios que acabam por estar geralmente conotados com os interesses e desígnios das classes mais elevadas. Este tipo de literatura não é exclusiva da cultura grega e pode assumir variadas formas, se bem que obedeça, usualmente, a um esquema básico comum: retrata a situação em que uma pessoa mais velha ou com maior experiência dá o seu conselho a um interlocutor mais novo ou menos capacitado. Na Grécia, a imagem dos Sete Sábios é particularmente representativa deste fenómeno, que se exprime numa tradição que floresceria até à época romana, mantendo a capacidade para incorporar novos elementos ao longo desse período, a ponto de haver mais de vinte personalidades que poderiam figurar em diferentes agrupamentos de sete sophoi2. Quando se analisa o perfil destes sapientes, torna-se claro que eles representam um tipo de valores filtrados pela mundividência de uma pequena parte da comunidade: os Sábios são geralmente gregos, aristocratas e homens, ainda que, dentro do grupo, figurassem também alguns barbaroi especiais (como Creso e Anacársis). Certas figuras com uma natureza muito diferente — como o antigo escravo Esopo ou a jovem Cleobulina — podiam também entrar em

1 Estas considerações preliminares recuperam as linhas gerais da argumentação desenvolvida em Leão 2010a.

2 Cf. Diógenes Laércio 1.41-42. Este passo será comentado com mais pormenor na segunda parte do estudo.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 12: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

3

O Livro I de Diógenes Laércio

contacto com os sapientes, chegando mesmo a ser retratados como estando presentes em encontros dos Sete Sábios e até a participar nas discussões, mas ainda assim não faziam propriamente parte daquele círculo mais restrito de personalidades3.

Outro importante elemento deriva do facto de a maioria destes homens ter tido uma existência histórica, mesmo que, no futuro, eles viessem a atrair muita amplificação lendária, especialmente no respeitante a detalhes biográficos. Ainda assim, o contexto histórico em que algumas destas figuras (Tales, Sólon, Bias, Pítaco, Periandro, Cleobulo, Quílon e Creso) operaram sugere que a tradição começou a tomar forma durante a época arcaica, mais especificamente entre os sécs. VII e VI a.C. A este processo não é alheio o facto de, ao longo deste período, a Grécia ter vivido grandes tensões políticas e sociais, que foram acompanhadas pela afirmação de chefes carismáticos que teriam um papel central na resolução dessas tensões, em especial na qualidade de conselheiros e legisladores, e por vezes encabeçando também governos autocráticos4. Afigura-se portanto razoável supor que, ao menos com as personalidades mais emblemáticas, a sua visibilidade enquanto filósofos, poetas, governantes ou legisladores tenha sido um fator determinante para os apresentar como pessoas especiais e, por isso, candidatas ao posto de sophoi paradigmáticos5.

Apesar da antiguidade histórica de várias figuras que vieram a ser consideradas sapientes, é somente em Heródoto que aparece a primeira expressão literária da configuração de uma lenda relativa aos sophoi, se bem que o historiador não devesse provavelmente estar ciente da existência de uma sylloge de Sete Sábios6. Em Heródoto, o que mais se destaca são os famosos encontros promovidos por Creso e os conselhos que recebeu de figuras como Tales (1.74.2; 75.3-4), Bias (ou Pítaco, 1.27.1-5) e Sólon (1.29-32). Heródoto refere também Quílon (1.59.2-3), Periandro (1.20; 23) e Anacársis (4.76-7), facultando assim a primeira apresentação literária de personalidades que iriam desempenhar um influente papel de sophoi na tradição posterior. Especialmente importantes são os pormenores do encontro entre Sólon e

3 Assim acontece no Septem Sapientium Convivium de Plutarco, um trabalho que pode ser considerado uma espécie de cosmópolis de diferentes tipos de sabedoria. Sobre esta interpretação, vide Leão 2008.

4 Vide as pertinentes observações de Wallace (2009), cuja análise se centra em três póleis (Mitilene, Mégara e Atenas), para as quais há dados contemporâneos dos acontecimentos, facultados respetivamente pela poesia de Alceu, Teógnis e Sólon.

5 É discutível a opinião de Wallace (2009 420-421), quando afirma que os sophoi representam um novo tipo de chefes, no sentido de que eram sophoi e de que, por esse motivo, se tornaram chefes carismáticos. Sobre a utilização dos Sete Sábios enquanto paradigma identitário, vide Leão 2010b.

6 Em todo o caso, a imagem do conselheiro é recorrente na obra do historiador. Este pormenor foi, há muito, sublinhado já por autores como Lattimore (1939 24), que colocava, por exemplo, Amásis na galeria dos conselheiros trágicos.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 13: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

50

Edrisi Fernandes

Pausânias (c. 115-180 d.C.) registrou (5.27.5-6) estarem sendo usados pelos sacerdotes persas na Lídia38 (província onde nasceu Pausânias) em seus rituais39. Finalmente, existe a possibilidade de que uma literatura sapiencial iraniana com provável existência na antiguidade não tenha incluído apenas registros ligados à religião, embora a tradição que sobreviveu tenha sido aquela ligada a Zarathushtra/Zoroastro e aos magos. Não se pode esperar dos autores ocidentais da antiguidade um bom conhecimento do zoroastrismo registrado nos primeiros livros canônicos dessa fé, e sabe-se ademais que o zoroastrismo foi uma tradição predominantemente oral na antiguidade40. Sabe-se que o Khordād Yast do Avesta proibia que o zoroastrismo fosse revelado aos leigos [e estrangeiros] (Yast 4.10 Westergaard); embora Filóstrato (c. 170/172-247/250 d.C.) informe (VS 1.10.1) que o xá podia autorizar os magoi a instruir estrangeiros. Paralelamente, sabemos que os zoroastrianos não deviam aprender credos estrangeiros (Vidēvdāt/Vendīdād 15.2).

Díon Crisóstomo (final do séc I-início do séc II) registrou (Oração  3641.40-41) que, por motivo de sua paixão pela sabedoria e pela verdade,

Zoroastro não se associou com todos os persas, mas apenas com aqueles melhor dotados em relação à verdade e mais aptos a entender o deus, homens a quem os persas denominaram magos, ou seja, pessoas que sabem como servir à divindade42. Essa denominação não se assemelha àquela dada pelos gregos, que em sua ignorância usam o termo para denotar feiticeiros43.

Onde Díon Crisóstomo fala em “entender (pephykosi)44 o deus” devemos ler “entender o mazdeísmo”, religião centrada no culto de Ahura-Mazdā (cujo nome significa literalmente algo como “o Sábio Senhor”45 ou “o Senhor [da]

38 Nas cidades de Hierocesareia e Hipepes.39 Michael Stausberg (1998 258-59) acredita que o uso de livros pelos sacerdotes

zoroastrianos na Lídia à época de Pausânias reflete uma condição diaspórica que constituiu uma excessão à tradição da transmissão predominantemente oral dos textos do Avesta. Boyce e Grenet (1991 238) sugeriram que “o uso de um livro [quiçá “na língua avéstica, mas empregando o alfabeto grego” (ib. 237)] deve ter dado a impressão, naquele tempo e lugar, de aumentar a solenidade do rito”.

40 Cf. Kreyenbroek 1996 e 2006; Skjærvø 2005-2006.41 Oração também conhecida como Boristênica ou Olbianense. Seguimos o texto grego de

Crosby — Cohoon 1940.42 Cf. a Oração 49.7: “(...) como superintendentes e oficiais para seus reis, os persas

apontavam aqueles a quem chamam de magos, porque eles estavam familiarizados com a natureza e entendiam como os deuses devem ser cultuados”.

43 Cf. Boyce — Grenet 1991 540.44 Forma metafórica, segundo o dicionário de Liddel-Scott-Jones.45 Ahura ou ahurō vem de ahū, “existência”. Ahū relaciona-se ao sânscrito asu, “vida;

força vital” e ao antigo-norueguês āss, “deus” (plural aesir). Na Yasna 71 aprendemos que

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 14: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

51

Diógenes Laércio e os Persas

Sabedoria”) e reformulada pelo profeta Zarathusthra46. Uma complicação importante na nossa compreensão do mazdeísmo resulta de suas transformações ao longo da história, de modo que Ilya Gershevitch (1964), ampliando uma sugestão de Hermann Lommel (1930), veio a propor que falemos de “três versões da doutrina de Zoroastro” – um ‘Zarathustrianismo’ dos Gāthās, um ‘Zarathustricismo’ neo-avéstico resultante de um compromisso entre a mensagem de Zarathustra e a religiosidade tradicional, e o ‘Zoroastrismo’ como forma assumida pelo mazdeísmo no período Sassânida (séculos III-VII d.C.).

A somar-se a esses fatores essencialmente iranianos, cabe acrescentar aos problemas de base enfrentados por todos aqueles que se dispõem a estudar a relação de D. Laércio com os persas a consagrada opinião – enunciada, por exemplo, por Herbert Long (Hicks 1972a xvii) – de que a abordadem de Diógenes é biográfica e literária, e não histórica ou filosófica; de que ele era absolutamente acrítico (1972a xxiii-iv) e que ele claramente colheu a maior parte de seu material de fontes secundárias ou terciárias, “epítomes de sumários de resenhas” (1972a xxiv). Os estudos doxográficos mais modernos sugerem, por exemplo, que Hermipo de Esmirna, um autor bastante citado por Diógenes (Bollansée 1999), por sua vez se apoiou em Teopompo, Aristóteles e Eudoxo de Cnido, e que os autores mais recentes amíúde buscavam material nos escritos de seus predecessores. No quadro apresentado por Bollansée (1999 102), no meio alexandrino erudito do século II a.C. “a ordem do dia era a atividade de fazer excertos e epítomes do já enorme volume de literatura existente, para várias finalidades e direcionados a diferentes segmentos do público”. O procedimento que Long chamou de leitura de “epítomes de sumários de resenhas” leva a uma mistura de informações que, na falta de comparação com material externo, pode levar a uma significativa confusão entre fatos ocorridos em lugares e épocas distintas, à fusão biográfica de pessoas com nomes semelhantes ou parecidos, ou ainda à confusão entre grupos culturais não exatamente equivalentes, como magos, medos e persas. À época de D. Laércio, os cidadãos letrados do oriente mediterrâneo não estavam sendo imprecisos ao se referirem aos ‘persas’ de uma forma genérica, uma vez que em 226 d.C. começara o segundo império persa, governado pelos Sassânidas, vitoriosos sobre os Partas, que governavam

a “forma”/“carne”/“corpo” (avéstico kehrp) de Ahura-Mazdā é a ordem da criação. Mazdā é um vocábulo cognato com o substantivo védico medhá (medhás em su-medhás, “que tem boa percepção mental ou sabedoria; sábio”), “percepção mental; sabedoria” (cf. Boyce 1975 37 e ss.).

46 Zarathushtra dizia ter tido uma visão de Ahura-Mazdā e dele ter recebido a missão de pregar o valor mais alto, a Verdade/a Retidão/a Ordem (avéstico Asha, védico ŗtá, vetero-persa arta, médio-persa ard) – e no Zamyâd Yasht, “Hino à Terra”, do Pequeno Avesta [Khorde (Khūrda) Avesta 19.79], Zaratustra é chamado de ashem ashavastemô, “o mais veraz no exercício da Verdade”.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 15: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

52

Edrisi Fernandes

as terras iranianas desde a época da derrota dos helenizados Selêucidas (312 a.C.-129 a.C.)47.

5. Persas e Magos

Como vimos acima, D. Laércio (1.2), citando o platonista Hermodoro, informa que a atividade dos magos principiou com “Zoroastro, o persa”. Plínio (23-79 d.C.) afirma peremptoriamente que “sem dúvida a arte da magia originou-se na Pérsia com Zoroastro, como os autores concordam”48 (Nat. 30.3). Não surpreende entre os autores antigos a menção a “Zoroastro o [primeiro] mago”49. Paralela a essa identificação de Zoroastro como principiador da atividade dos magos, historicamente imprecisa porquanto se sabe que Zarathushtra confrontou a religião dos magos medos e que estes depois promoveram uma assimilação atenuadora do ensinamento de Zarathushtra, houve na antiguidade grega uma associação entre os medos e formas não-iranianas de magia, como podemos ver em Heródoto, que escreveu: “Todos costumavam chamar [os medos] de arianos, mas depois que Medeia da Cólquida chegou entre esses arianos partindo de Atenas, eles também mudaram seu nome. Isso é o que os medos dizem sobre si mesmos” (7.62.1). Medeia está envolvida com tradições de feitiçaria, e um registro de Diodoro a revela como neta e sobrinha de Perses (“Persa”; 4.45 e 4.56)50 e mãe de Medo (“Medo”; 4.55–56), a quem transmitiu o nome e que depois se tornou rei da Média, e a partir de quem os medos receberam seu nome51. Na época de D. Laércio a confusão entre medos e persas, e também entre magos iranianos, caldeus ou outros, era uma ocorrência comum.

D. Laércio (1.2) preservou um fragmento de Xanto (frg. 32 Jacoby) onde foi registrada uma sucessão (diadoche) de nomes de magos que teriam vivido após a época de Zoroastro. O texto do fragmento é incerto52 uma vez que

47 Essa data final corresponde à derrota de Antíoco VII Sideta, que se suicidou. Os Partas permitiram que o irmão de Antíoco VII, Demétrio II Nicátor (que reinara entre 145 e 138 a.C., até ser capturado pelos Partas), estabelecesse um pequeno reino Selêucida a oeste do rio Eufrates, abarcando apenas a Síria e a Cilícia.

48 Sine dubio illic orta [ars magica] in Perside a Zoroastre ut inter auctores convenit; cf. Bidez — Cumont 1938b 9 (frg. B2).

49 Cf. “Zoroastres ho magos” em Plutarco (De Iside et Osiride 369e), cf. Bidez — Cumont 1938b 9 (frg. B1c); “Zoroastres de ho magos” em Eusébio, PE 1.10.53 (Demócrito frg. B300, 13a/3 DK).

50 Hécate, mãe de Medeia, teria casado com seu tio Eetes depois de matar seu pai Perses (Bibliotheca historica 4.45) ou depois deste ter sido assassinado por Medo, filho de Medeia (4.56).

51 Quiçá uma interpolação (cf. Ogden 2002 82) a partir de Heródoto 7.62. Na Teogonia 1001, Hesíodo menciona Medeio como filho de Medeia.

52 Gärtner (1975) qualifica a reconstrução dos fragmentos de Xanto como “extremamente (äußert) controversa”.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 16: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

53

Diógenes Laércio e os Persas

a sentença termina com a menção da conquista da Pérsia por Alexandre (‘o Grande’), ocorrida muito após a morte de Xanto. É importante notar que esses nomes estão registrados em formas plurais53: Ostanas, Astrampsychous, Gobryes e Pazatas. Não há quem creia hoje em dia, como Bidez e Cumont (1938a 8-9), tratar-se de uma “sucessão de pai para filho”, em uma mesma família, da qual só teriam sido preservados uns poucos nomes. Albert De Jong (1997 395), por outro lado, sugere que D. Laércio (seguido pela Suda) teria tomado esses nomes por títulos de funções sacerdotais. Uma alternativa que merece ser considerada é que o uso do plural, que pode remontar ao próprio Xanto, poderia indicar nomes de famílias ou clãs dentre os magos iranianos.

Podemos aprender muita coisa através da etimologia desses nomes54. Ostanes equivale ao vetero-iraniano *(H)ushtāna (registrado em elamita) e provavelmente vem do avéstico ushtā, “benção; felicidade”, relacionado ao vetero-persa ushtana, “força vital” (cf. o avéstico ushtānā na Yasna 43.16). É um nome incontestavelmente apropriado para um mago. Sobre o nome Astrampsychos, Pearson (1939 119) disse ser ele “surpreendentemente grego em aparência”; sua origem, contudo, é genuinamente iraniana, relacionando-se ao neo-avéstico vāstryō-fshuyant, “aquele que engorda o gado no pasto”55 (vāstryō-fshuyas na Yasna 19.17; Yasht 13.89; Vidēvdāt/Vendīdād 19.17)56. Com a transição de uma sociedade pastoral nômade para uma sociedade agrícola, o sentido do nome vāstryō-fshuyant foi depois expandido para incluir os agricultores. O nome Gobryes vem do vetero-persa Gaubaruva, “comedor de bife”, relacionado ao elamita Kambarma e ao acadiano Gu-ba-ru ou Gú-bar-ru. Finalmente, David Asheri propôs que Pazates derivaria de *Pati-khsayathia, nome hipotetizado a partir dos (comprovados) pati-khshay-, “comandar; controlar”, e khshayathiya, “rei; regência”, significando algo como “Controlador da casa real”. Patikhsayathia – que estaria ligado ao farsi padishah (com a corruptela turca pashā, “paxá”) – seria o mesmo nome que aparece em Heródoto (61.3) como Patizeithes (Asheri — Lloyd — Corcella 2007 460). Os nomes preservados por D. Laércio, quiçá demonstrando

53 Como na Leipziger Ausgabe (1806; tradutor desconhecido) e na tradução francesa de Charles Marie Zévort (1847), bem como seguindo a opinião de Jackson (1899 138 n. 1). Diversos estudiosos acompanham Julius Charles Hare (que cita em seu favor as opiniões de Niebuhr e Kuster) ao achar que nessa passagem o uso do plural é meramente estilístico, e que o artigo da Suda sobre os Magoi [cf. Bidez — Cumont 1938a 7 (frg. B1b)] reproduzindo essa pluralização, expressa uma má compreensão desse trecho de D. Laércio (Hare 1832 13).

54 As pesquisas sobre esses nomes se expandiram após Windischmann 1863 286. 55 Do avéstico, vāstra, “pasto”; vāstar, “pastor” (pálavi wāstaryōsh) + fshū- = “gado” (outra

forma: pasu-, relacionada ao sânscrito paśú) (cf. Klingenschmitt 1968 137).56 Na evolução de Astrampsychos a partir de Vāstryō-fshuyas, com uma forma intermediária

na qual a palavra para “gado” estaria mais próxima de pasu do que de fshū, a queda do “V” inicial não deve surpreender. O grego Hystaspes, por exemplo, corresponde ao avéstico e vetero-persa Vishtāspa (acadiano Ush-ta-as-pa), pálavi (médio-persa) Wishtāsp, neo-persa (farsi) Goshtāsp.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 17: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

54

Edrisi Fernandes

fidelidade a uma informação colhida em Xanto, são compatíveis com magos genuinamente iranianos; o nome de Ostanes, especialmente, aparece associado a uma vasta tradição de sentenças e textos (de religião, magia e alquimia) que podem ser vinculados aos iranianos (Bidez — Cumont 1938b 267-356).

6. Dois exemplos de doutrinas e costumes dos Persas segundo D. Laércio: o casamento entre familiares consanguíneos e a ressurreição dos mortos

6.1. O casamento entre familiares consanguíneosA menção ao casamento entre familiares próximos entre os persas ou

entre os magos aparece em duas passagens de D. Laércio: “Eles [os magos] não vêem impiedade no casamento com a mãe ou a irmã” (1.7; a partir de Sócion de Alexandria); “os persas não pensam ser não-natural que um homem se case com sua filha” (Vidas 9.83; a partir de Sócion?). Essas referências merecem ser comparadas com um fragmento um pouco mais detalhado, atribuído a Xanto da Lídia (frg. 28 Jacoby, de autenticidade duvidosa): “Ele diz que os magos coabitam com suas irmãs e mães, e que tem intercurso com suas irmãs em conformidade com a lei”57. É curioso observar que os próprios gregos (e seus herdeiros romanos) não se escandalizavam com o casamento entre familiares consanguíneos quando este ocorria entre deuses – como é o caso da hierogamia de Zeus e Hera58.

É importante que avaliemos se o casamento entre parentes consanguíneos era comum somente entre os magos, ou se isso se dava entre todos os persas. Esse esclarecimento pode contribuir para uma melhor entendimento das possíveis razões para esse costume. O khvaētvadātha/hvaêtvôdatha59 (pálavi khētokdas, khētukdas, khwētōdas, khwētū[k]dās, khwētūkdādh, khwēdōdah), matrimônio entre parentes consanguíneos, é altamente elogiado no Avesta60, onde é qualificado de ashaonī, “correto/ordeiro” (Yasna 12.9)61, e ashavan, “possuidor da verdade” (Gāh 4.8), e pode ter sido uma prática dos magos (Catulo62, Carmina 90; Estrabão 15.3.20 Meineke). Conforme Haar (2003

57 Clemente, Strom. 3.11.1. A citação prossegue assim: “e [ele diz] ainda que suas esposas são comuns, não por violência e roubo, mas por acordo mútuo, quando um quer se casar com a esposa de outro”. Essa menção à comunalidade das esposas, uma prática não atestada entre os iranianos, é considerada uma interpolação de Clemente (Haar 2003 42-43).

58 Cf. Avagianou 1991 27 e ss.; Servius, A. 1.47; Stoicorum Veterum Fragmenta 2.1066.59 Khvaētvadātha aparentemente vem de khvaētu-, “relacionado com; pertencente a” e

*vadatha, “casamento”. Cf. Boyce 1975 254 n. 24.60 Cf. Yasna 12.9 (Y. 12 = Fravarānē, um juramento da fé dos magos); Gāh 4 (Aiwisrūthrima)

8; Visperad 3.3; Yasht 24.15, 7; Vidēvdāt/Vendīdād 8.13; citações traduzidas em Slotkin 1947.61 O vocábulo avéstico asha, “verdade/retidão/ordem” (vetero-persa arta, médio-persa ard)

relaciona-se ao védico ŗtá e ao grego arete. 62 Cornish — Postgate — Mackail 1988.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 18: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

55

Diógenes Laércio e os Persas

42)63, “há evidência disseminada detalhando que os magoi praticavam o incesto como parte de um dever ritual e como um meio de preserver a casta”. Não parece ter sido uma prática dos iranianos comuns, apesar de Ctésias de Cnido, que foi médico (em 415-397 a.C.) na corte de Artaxerxes II, ter afirmado que “os persas coabitam abertamente com suas mães”64. Entre os soberanos, não há registro de que o matrimônio incestuoso tenha sido praticado na Pérsia antes do reino de Cambises (530-522 a.C.), que casou-se com duas de suas irmãs de mesmo pai e mãe (Heródoto 3.31). Fílon de Alexandria (20 a.C.-50 d.C.) registrou que “os magnatas persas casam-se com suas mães e consideram os filhos desse casamento como nobres do mais alto nascimento, dignos de alcançar a soberania suprema” (De specialibus legibus 3.13)65. Um século depois de Fílon, Clemente de Alexandria (Paed. 1.55.2) relatou que os príncipes herdeiros da coroa persa, como parte da construção de sua maturidade, tinham relações sexuais com suas irmãs e mães66. Após a conquista da Pérsia, Alexandre proibiu os casamentos incestuosos; conforme Plutarco (De Alexandri magni fortuna 328c), “[Alexandre] persuadiu os persas a reverenciarem suas mães e a não as tomarem em matrimônio”. Entre os Sassânidas, contudo (224-651 d.C.), o casamento entre parentes consanguíneos voltou a ser praticado (Agatias, Histórias 2.31).

O poeta romano Catulo (c. 84-c. 54 a.C) censurou a emulação da prática incestuosa dos magos por um certo Gélio (provavelmente Gélio Poplícola). Catulo estava radicalizando uma acusação feita anteriormente na Grécia contra um famoso corruptor dos costumes, sobre quem Antístenes de Atenas (c. 450-c. 365 a.C.)67 escreveu: “Alcibíades coabita com sua mãe, sua filha e sua irmã, como fazem os persas”. Apresentando Gélio como um indivíduo ainda mais censurável, Catulo o acusou de coabitar com a mãe (Carmina 90), com a mãe e a irmã (88), com a esposa do seu tio (e quiçá com o próprio tio)68 (74), ou com a irmã, mãe, tia e todas as parentes (89). Disse Catulo: “Que da conjução nefasta de Gélio com sua mãe nasça um mago, e que aprenda a arte persa dos arúspices: pois um mago deve nascer da cópula entre mãe e filho, se é verdadeira a religião ímpia dos persas, e assim essa criança pode venerar os deuses com hinos aceitáveis, enquanto o omento [bovino] se liquefaz na chama do altar” (Carmina 90)69. Aparentemente desprovido de intenções

63 Citando Bidez — Cumont 1938a 78-80.64 Frg. 22 Gilmore = frg. 44a/44b Nichols.65 Citação ligeiramente modificada a partir de Slotkin 1947 615.66 Cf. Haar 2003 42 n. 47.67 Citado por Ateneu (5.220c); frg. 9 Mullach.68 Tendências homossexuais de Gélio são apontadas em Carmina 80.69 Nascatur magus ex Gelli matrisque nefando/coniugio et discat Persicum aruspicium:/ nam

magus ex matre et gnato gignatur oportet,/ si vera est Persarum impia religio,/ gratus ut accepto veneretur carmine divos/ omentum in flamma pingue liquefaciens. Cf.  Thomson 1997 184 e 519-

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 19: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

56

Edrisi Fernandes

moralizantes pessoais acerca do casamento entre parentes consanguíneos, o testemunho de D. Laércio acerca do khvaētvadātha, ao qual se refere como ímpio e não-natural, parece quase lacônico quando comparado com as invectivas de Catulo.

6.2. A ressurreição dos mortosApesar de ter-se a impressão que os gregos parecem não ter se preocupado

muito com os ensinamentos salvíficos do zoroastrismo, D. Laércio (1.8-9) diz que Teopompo (frg. 64 Jacoby), no oitavo livro das Filípicas, afirma que “segundo os magos, os homens ressuscitarão (anabiosesthai) e serão imortais (athanatous)”, e que [todos] “os entes persistirão (diamenein) com suas atuais denominações”70 ou, alternativamente, que “os entes persistirão através de suas sobrenominações [encantatórias]”71. A informação de Teopompo (frg. 64b Jacoby) sobre a crença zoroastriana na ressurreição também foi preservada por Eneias de Gaza (c. 430/460-c. 518), num fragmento [Bidez — Cumont 1938b 70 (frg. D3)] que diz: “E Zoroastro prediz que haverá um tempo no qual todos os homens ressuscitarão (anastasis estai)”.

Conforme Saul Shaked (2012), “não é muito claro se a ideia de ressurreição já é expressa nos Gāthās. A Yasna 30.7 e 34.14 são consideradas por Lommel72 como indicadoras da existência nessa crença”. De toda forma, no zoroastrismo mais antigo não fica claro se os corpos aos quais às almas se reunirão após a ressurreição serão carnais. A interpretação moderna propõe que a “vida futura” (parāhūm; Yasna 46.19) ocorre através da ristākhiz (“ressurreição dos mortos”; avéstico paiti-irista, pálavi rist-ākhēz), a partir da assimilação da alma no “último corpo” (pálavi tan-i-pasin), que muitos zoroastrianos entendem como um corpo ígneo ou luminoso.

A passagem de Teopompo à qual D. Laércio faz menção é interpretada do seguinte modo por Albert De Jong73:

D. Laércio usa para a ressurreição uma palavra [anabiosesthai] que significa “voltar à vida” e é usada, por exemplo, para se referir às encarnações de

20; Garrison 2004 79 e 160.70 Segundo Bidez — Cumont (1938b 69 n. 14), percebe-se nessa passagem [ao tomar

epiklesesi como equivalente de onomasi] uma crença (também reproduzida por Plutarco, De Iside et Osiride 370b; Bidez — Cumont 1938b 72), segundo a qual “depois de sua ressurreição, durante sua afortunada imortalidade, os homens falarão uma única língua, na qual as denominações das coisas serão mantidas com uma perfeita unanimidade”.

71 Uma terceira possibilidade, sugerida por Diels (cf. frg. 73B6 DK) e citada por Hicks (1972a 10-11 n. a), propõe que se leia perikyklesesi no lugar de epiklesesi, resultando em uma tradução como “as coisas permanecerão [i.e, continuarão a existir] em suas revoluções”.

72 Lommel 1930 232 e ss.73 De Jong concorda em grande medida com a interpretação (por ele citada) de Bremmer

1996.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 20: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

57

Diógenes Laércio e os Persas

Epimênides [Vidas 1.114]. Ela enfatiza o retorno da força vital, e não a ressurreição do corpo físico. Se o extrato de Teopompo a partir de [frg. 65 Jacoby]74 é confiável, Teopompo teria entendido que essa ressurreição tem lugar num corpo espiritual. (De Jong 1997 327-28)

Na escatologia zoroastriana, o sofrimento dos mártires voluntários que são as almas que resolveram se encarnar para lutar contra a Mentira/o Mal (Yasna 30.5 e 31.11; Zaehner 1956 41) precisa ser recompensado pela providência divina, e essa recompensa aparece na ressurreição: “A ressurreição não é um meio pelo qual todas as partes envolvidas são trazidas a julgamento, mas sim uma apropriada vindicação dos retos” (Nickelsburg Jr. 1972 18). Sabemos que a recompensa que os retos receberão no pós-morte será um reavivamento de sua “força vital” (vetero-persa ushtana), mas há controvérsias sobre que tipo de corpo os ressuscitados terão.

Na teologia avéstica, a ressurreição é parte da frasho-kereti, a “feitura do novo/do maravilhoso” (pálavi frashkard ou frashegird), na vigência do ‘reino de Deus’ zoroastriano, o Khshathra Vairya (pálavi Shahrewar), “Domínio Desejável” mediante a avanghâna, a terminação de tudo o que há de ruim (cf., p. ex., a Yasna75), após a vinda do último Saoshyant76, aquele que vem terminar a metamorfose do mundo. Ele catalisa uma grande transformação dos valores, através da qual “a avareza, a indigência, a vingança, a raiva, a lascívia, a inveja e a maldade minguarão no mundo” (Zand-i Vahman Yasht 125; trad. Anklesaria 1957).

7. Uma questão emblemática: Pitágoras e os Persas

Conforme D. Laércio, Pitágoras, que teria sido “o primeiro a dar o nome à filosofia e a denominar-se filósofo” (Vidas 1.12), “se iniciou em todos os ritos mistéricos, tanto helênicos quanto bárbaros” (8.1). Não se conhece completamente a fonte desta assertiva; um pouco acima em seu livro Diógenes menciona (nessa ordem) opiniões de Hermipo, Aristóxeno, “alguns [autores]” e Heródoto, e um pouco depois da referida citação há menção a Antifonte. Heródoto (2.81) associa Pitágoras com o Egito, e Antifonte, na obra Daqueles que se destacam em excelência, disse que ele aprendeu a língua egípcia. A fonte de D. Laércio para a associação entre Pitágoras e os persas parece ter sido Hermipo ou Aristóxeno, tendo este último escrito uma obra intitulada Sobre Pitágoras e seus pupilos (Vidas 1.118).

74 Cf. Bidez — Cumont 1938b 72 (frg. D4).75 30.7 e 10, 31.20, 44.17-18, 45.5-10, 46.13 e 19.76 Ajudado por Vahram/Bahrām (avést. Verethragna), yazad (“espécie de anjo”) da vitória

(Boyce 1975 292).

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 21: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

58

Edrisi Fernandes

Um pouco depois de mencionar os vínculos entre Pitágoras e o Egito, D. Laércio acrescenta que o sâmio “também esteve entre os caldeus e os magos” (8.3). Em um fragmento atribuído a Aristóxeno (frg. A11 DK)77, lê-se que

Pitágoras foi conhecer o caldeu Zaratas78 [= Zarathushtra; Zoroastro], e este lhe expôs que são dois os princípios das coisas, o paterno e o materno, e que o paterno é a luz e o materno a treva, e que da luz participam o calor, a secura, a leveza e a velocidade, e da treva o frio, a umidade, o pesadume e a lentidão, e que a partir deles, fêmea e macho, todo o cosmos foi criado.

Conforme Guthrie (1962 250), mesmo que esse relato seja “sem fundamento histórico, como geralmente se pensa, pelo menos ele é uma evidência de que uma semelhança [quanto aos princípios supremos] entre os sistemas grego e persa foi registrada no quarto século [a.C.]”.

É possível que alguns akousmata pitagóricos mostrem traços de influência de preceitos iranianos; deter-me-ei aqui em três deles (Vidas 8.17): não urinar mirando o sol, não limpar um assento com uma tocha, e não pisar sobre unhas ou cabelos cortados.

1) Não urinar mirando o sol79. Diversos povos iranianos tomavam o sol como uma divindade, e os zoroastrianos consideram o sol como sagrado. Segundo D. Laércio (8.27), para os pitagóricos o sol é um deus. O supremo deus zoroastriano, Ahura-Mazdā (vetero-persa Auramazda; pálavi [H] ormazd, Ohrmazd ou [H]ormuzd; farsi Ormuzd), é tido como uma divindade que habita na luz (khvathra) eterna80, além de ser fonte de luz infinita (raevat khvarnvat) – inclusive no sentido metafórico81. Na língua saka de Khotan ou khotanês (uma extinta língua iraniana oriental), Urmaysde significa simplesmente “Sol” (Duchesne-Guillemin 1966 102). O Sol (Hvar; Hvare-khshaēta, o “Sol radiante”, pálavi Khwarshēd) é o sinal celeste visível da existência de Ahura-Mazdâ. Na tradição zoroastriana os corpos dos mortos eram deitados a descoberto “olhando o sol” (hvare-daresā), de modo a formar um caminho de luz a ser percorrido pelas almas dos mortos (Boyce

77 Hipólito, Refutatio 1.2.12 (frg. 13 Werhli), atribui esse relato a Aristóxeno e Diodoro de Erétria.

78 Porfírio (VP 23.12) e Jâmblico (VP 19.154) falam da instrução de Pitágoras pelo “caldeu” Zaratas, e há muitas referências interessantes à conexão entre Pitágoras e Zoroastro/Zaratustra, apresentando o primeiro como discípulo do segundo (cf. ainda Clemente de Alexandria, Strom. 1.15.69; Plutarco, De animae procreatione in Timaeo 1012e, e Apuleio, Florida 15).

79 Cf. 58C6 DK, symbolon 15 (após Jâmblico).80 Na literatura posterior, a luz é tida como a “roupa” ou “corpo” de Ahura-Mazdā. No Grande

Bundahishn (Zand Akasih) 1.1-5, aprendemos que “a luz é o espaço e lugar de Ohrmazd”, e que “alguns o chamam Luz Infinita”.

81 No Avesta, khvarenah (pálavi khwarrah) designa o “carisma solar”, a “aura” ou “glória luminosa das pessoas dotadas de um carisma especial” (Haudry 34-5; 27 e 33).

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 22: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

59

Diógenes Laércio e os Persas

1975 325).2) Não limpar um [lugar de] assento com uma tocha. Assim como o sol,

do qual é considerado uma representação terrena, o fogo (avéstico ātar; athra)82 é um símbolo do divino entre os zoroastrianos, e por isso é considerado como a grande fonte da vida83, o “filho de Deus”84, uma epifania de A.-Mazdā85, símbolo da “Melhor Verdade/Retidão/Ordem” (neo-avéstico Asha Vahishta86; pálavi Ashawahist ou Ardwahisht; farsi Ardibehesht ou Ordibehesht) de A.-Mazdā87. Apesar do seu poder de purificação (Vidēvdāt/Vendīdād 8.79-80), o fogo está sujeito à contaminação88 (Yasna 36.1; Zadspram 3.82–83)89, devendo ser respeitada em relação ao fogo, por exemplo, uma distância de pelo menos 30 passos de um corpo humano sem vida (Vidēvdāt/Vendīdād 8.7) ou que por este tenha sido contaminado (Vidēvdāt 3.17 e 9.5), e 15 passos do mênstruo (Vidēvdāt 16.4). Conforme Solomon Nigosian (1999 8), para os zoroastrianos “o fogo (assim como a água) é considerado como sendo extremamente vulnerável à poluição. Consequentemente, acredita-se que pôr ou jogar coisas

82 Pálavi ādar, ādur ou atur (“o fogo sagrado”)/ataksh (“o fogo visível”), farsi atash ou atash-azar. Nos seus Gāthās (hinos), Zaratustra menciona o fogo (ātar ou seus cognatos atrem, athre, athras, athro e athri) oito vezes (Yasna 31.3; 31.19; 34.4; 43.4; 43.9; 46.7; 47.6 e 51.9). O epíteto para o fogo nos Gāthās é athro asha aojangho, “fogo forte da verdade [ou verdadeiro]”.

83 Como fonte da vida, o fogo arde no corpo dos animais como vohu fryana, o “bom amigo” (cf. Yasna Haptanghâiti 17.11), e no corpo das plantas e árvores como urvazishta (superlativo de ūrvaza, “perfeição”; deriv. de ūrvaz). Ūrvaza é um epíteto de Asha, a “Verdade/Ordem/Retidão”, o “[que traz] perfeita alegria” ou o “[que traz] felicidade suprema” (cf. Yasna Haptanghāiti 17.11; Farvardin Yasht 13.85; Yasna 17.11).

84 A palavra “Deus” vem do proto-indoeuropeu *deiwos (deiw+os), indo-europeu *deiuos, oriundos da raiz proto-indoeuropéia *deiw, indoeuropeu *dei, “brilhar; iluminar” (originado o sânscrito div, latim dies, “dia”). Segundo Heródoto (1.107), os antigos persas “ascendiam aos mais altos picos das montanhas para sacrificar a Zeus [i.e., a Dyaosh], chamando de Zeus [indo-europeu *Diêus, sânscrito Dyaus, latim Deus] a toda a cúpula celeste [= ao céu diurno, indo-europeu *dyew]” (donde, depois, o sânscrito deva, iraniano div, grego theos, latim deus, lituano diewas, antigo-alemão tivar, “deus”, e ainda o sânscrito Dyaus Pitar, grego Zeus Pater, latim Jupiter, “deus pai”). O céu brilhante (realidade onipresente, envolvente, vivificante) depois (após Zaratustra?) foi identificado, através do Sol, fonte do seu brilho, com Ahura-Mazdā.

85 Em avéstico, essa epifania é conhecida como tava âtarsh puthra ahurahe mazdå (“tu, fogo, filho de Ahura-Mazdā” – Yasna 62.1) – âthrô ahurahê mazdâo puthra (“Ó fogo [espiritual], filho de Ahura-Mazdā!”) na prece Atash Niyayesh 10.

86 Vahishta é o superlativo de vohu, “bom; bem”.87 Ao mesmo tempo, o fogo ritual de grau mais elevado, verethraghna (pálavi varhram, farsi

bahram ou behram), teria o poder de atrair os deuses e de servir como uma ‘porta de comunicação’ entre o Céu e a Terra (cf. Duchesne-Guillemin 1970 65), entre o fogo visível na casa/no templo do fiel e o fogo espiritual berezisavangh (o “muito útil” ou “[de] grande benefício”; Yasna Haptanghâiti 17.11) de A.-Mazdā.

88 A fumaça é tida como sinal de contaminação do fogo no período de “mistura” (pálavi gumêzishn), um dos três períodos básicos da cosmogonia zoroastriana (precedido pela bundahishn, “criação”, e arrematado pela wizârishn “separação [na transfiguração final]” entre treva e luz, mal e bem).

89 Cf. ainda Boyce 1975 306 e nn. 70-71.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 23: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

107

Jenófanes invitado a Elea por H. Diels (Diógenes Laercio 9.18)

todos los estudiantes italianos, I Presocratici, editado y traducido por Giovanni Reale10. Este libro, que anuncia pomposamente presentar “testi originali a fronte (!)”, transcribe el texto griego de Diels y lo traduce literalmente, sin los corchetes. Un error tan grosero en un manual de divulgación masiva, como es la traducción de Reale, es una verdadera tragedia greco-italiana.

Para finalizar podemos sostener que, como en ninguna fuente clásica figura Elea como etapa turística de Jenófanes, seguramente H. Diels recurrió a los servicios una agencia de turismo rival. No sabemos si tuvo que pagar un suplemento por agregar una nueva etapa...

10 Reale 2006 265.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 24: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

108

Nestor-Luis Cordero

Bibliografía

P. Albertelli (²1976), Gli Eleati. Testimonianze e frammenti. New York, Arno Press.

C. De Vogel (1950), Greek Philosophy. A Collection of Texts. Vol. I: Thales to Plato. Leiden, Brill.

G. Giannantoni (1983), I Presocratici. Roma/Bari, Laterza.M. Gigante (1991), Diogene Laerzio. Vite dei filosofi. Trad., intr. e notas. Milano,

Tea.R. D. Hicks (1925), Diogenes Laertius. Lives of eminent philosophers. Trad., intr.

e notas. London, William Heinemann/New York, Putnam’s Sons.H. S. Long (1964), Diogenes Laertii Vitae Philosophorum. Oxford, Clarendon

Press.M. Marcovich (1998), Diogenis Laertii. Vitae Philosophorum. Leipzig, Teubner.G. Reale (2006), I Presocratici. Traduzione integrali con testi originali a fronte e

dei frammenti nella raccolta di Hermann Diels e Walther Kranz. Trad., intr. e notas. Milano, Bompiani.

F. M. Riaux (1840), Essai sur Parménide d’Élée. Paris, Joubert.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 25: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

109

Platão, personagem de Diógenes Laércio

Platão, personagem de Diógenes Laércio (Plato, Diogenes Laertius’ character)

Marcelo MarquesUniversidade Federal de Minas Gerais

Resumo: O objetivo deste artigo é mostrar como Platão, na medida em que é inserido na sucessão de vidas de filósofos de Diógenes Laércio, torna-se um personagem que é fabricado de acordo com certos critérios. A análise do livro III e de outras passagens das Vidas, cotejada com os Esboços de Sexto Empírico, mostra que as anedotas e o modo de vida do personagem são apresentados sem que as conexões com suas supostas doutrinas sejam elaboradas, e ainda que Platão é visto, em última instância, como um filósofo dogmático.Palavras-chave: Diógenes Laércio, Platão, Sexto Empírico, Dogmatismo, Ceticismo

Abstract: The purpose of this article is to show how Plato, as he is included in Diogenes Laertius’ succession of philosophers’ lives, becomes a character that is made up according to certain criteria. The analysis of book III and of other passages of the Lives, compared to Sextus Empiricus’ Outlines, shows that anecdotes and the character’s way of life are presented in a way that does not elaborate upon the connections with his alleged doctrines, and that Plato is seen, ultimately, as a dogmatic philosopher.Key-words: Diogenes Laertius, Plato, Sextus Empiricus, Dogmatism, Skepticism

A própria organização dos livros em Diógenes Laércio sugere a compreensão das Vidas como uma montagem literária na qual os filósofos figuram como ‘personagens’ que, por sua vez, se inserem em diferentes sucessões específicas, as ditas ‘escolas’1. Indivíduos com características determinadas, ou seja, que, de acordo com algum critério, são propostos enquanto ‘filósofos’.

Ao longo do texto, encontramos concepções mais ou menos explícitas do que é uma vida (e do que é o relato de uma vida): de um modo geral, podemos falar, por um lado, de um entrelaçamento entre ações, afetos e caráteres, numa linhagem dita peripatética, mas, por outro lado, podemos também recortar uma dimensão mais ‘teórica’ da noção de ‘vida’; podemos falar de uma concepção que transpõe para a vida as afinidades ‘doutrinais’ do personagem filósofo2.

1 M.-O. Goulet-Cazé (1999 17) faz referência a um quadro ou índice de personagens (pinax kata prosopa) no manuscrito P de Paris – a partir do qual, por exemplo, se pode avaliar a existência de uma lacuna, nos textos preservados, referente a vinte filósofos estóicos. Em DL 8.86, há uma referência ao Pinax, de Calímaco. Para me referir a Diógenes Laércio utilizarei ao longo do texto a abreviação DL.

2 Segundo Gigante (1986 16-18), algumas características da biografia laerciana, do que eu chamo de ‘personagem filósofo’, seriam: a relação íntima com a filosofia; as dimensões tanto informativa quanto formativa (as memórias de Sócrates de Xenofonte podendo ser consideradas um modelo remoto para DL); o estatuto da vida filosófica como gênero literário, mesmo que o

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 26: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

110

Marcelo Marques

O fato é que um personagem filósofo, para DL, é uma singularidade: aquele indivíduo a partir do qual se pode dizer que há uma vida. Efetivamente, antes de tudo, ele trata de caracterizá-lo pelas suas ações, escolhas, idiossincrasias, pelos acidentes e episódios que vive. Mas um personagem filósofo é, também, uma categoria ou um tipo, que se determina, de certo modo, pela teoria ou doutrina que adota, ou seja, como pretendo desenvolver aqui, como sendo ‘dogmático’ ou ‘cético’.

Minha percepção de leitura é que DL ‘colhe’ esses tipos na cultura literária ou intelectual de seu tempo de modo difuso. Há indicações suficientes para dizer que ele toma como referência importante Sexto Empírico3; de qualquer modo, temos nos Esboços uma formulação consistente de algo que, nas Vidas, aparece de modo precário e superficial: a tipologia teórica do personagem filósofo. Esse é o recorte que quero testar no livro III, ou seja, ver como o personagem ‘Platão’ de DL é delineado, tendo em vista essas duas maneiras de ser filósofo: ‘dogmático’ e ‘cético’.

A especificidade da vida laerciana é que ela é a vida de um pensador (e não a de um outro qualquer) e é isso que me interessa recortar e destacar. Proponho, então, ler algumas passagens do livro III, tendo em vista, não apenas, mas principalmente, a dimensão ‘teórica’ da vida de Platão, ou seja, enfatizando as questões descritas como ligadas às suas supostas doutrinas4. Portanto, a questão da relação entre pensamento e modo de vida, ou entre doutrina e modo de ação é um tema tão evidente quanto fundamental nas sucessivas interpretações das Vidas de DL, mas penso que ainda é possível nuançar alguns aspectos. Por exemplo, ao referir-se a Espeusipo, em 4.1, DL diz que ele “seguia as próprias doutrinas de Platão, mas que, em termos de caráter, era diferente dele”5, o que sugere, no mínimo, uma relativa autonomia entre doutrina e vida: o fato de o sobrinho de Platão seguir suas doutrinas, mas

interesse filosófico seja dominado pelo interesse literário; a cooperação entre as dimensões de acontecimentos singulares e as de interioridade, entre notícia e pensamento, entre lugares típicos (topoi) e individualidade. Trata-se de perfis suficientes, globais, sem serem completos (mesmo sem coesão, há seleção e trabalho construtivo). A dimensão exemplar estaria tanto no ethos (noção considerada como sendo aristotélica) quanto na doutrina ou no conteúdo (concepção teofrástica); articulação do valor biográfico ao emblema doutrinário; finalmente: uma vida laerciana, muito curiosamente, não seria filosofia, mas poderia servir à filosofia (assim como uma vida plutarqueana não seria história, mas poderia servir à história).

3 Indico duas passagens em que há referência explícita a Sexto: DL 9.87 (sobre as aporias entre fenômenos e juízos, que ocorrem de dez modos diferentes) e 9.116 (sobre seus discípulos e sobre sua obra em dez livros). Ver ainda Gazzinnelli 2009. Para me referir a Sexto Empírico utilizarei ao longo do texto a abreviação SE.

4 O comentário de Brisson (1999 371) dá a tônica do que parece ser o consenso dos comentadores: as doutrinas, em última análise, servem mais para determinar ‘quem’ é o filósofo, ou seja, para construir uma persona.

5 καὶ ἔμεινε μὲν ἐπὶ τῶν αὐτῶν Πλάτωνι δογμάτων – ού μὴν τό γ΄ἦθος διέμεινε τοιοῦτος.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 27: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

111

Platão, personagem de Diógenes Laércio

assumir atitudes diferentes, ou seja, viver de modo diferente, indica que pode haver, nem que seja minimamente, um distanciamento ou uma margem de variabilidade entre um plano e outro.

A noção de que a doxografia serve sempre à biografia, de certo modo, trai uma cisão entre forma e conteúdo que merece ser problematizada. Minha abordagem consiste, então, em forçar um pouco, enfatizando-a, a questão da oposição entre dogmáticos e céticos, para compensar esta maneira tradicional de se ler as Vidas de DL. Digamos que reconheço, de partida, que o Platão de DL é um ‘dogmático’, principalmente em vista da segunda parte do livro III. Mas vou experimentar suspender esse juízo e reler o livro como um todo, buscando revalorizar a oposição; quem sabe conseguiremos nuançar um pouco esta aparência, este suposto fato, dado como pronto pelos comentadores?

A aparência da qual parto é que, mesmo que em alguns momentos da primeira parte do livro III DL reconheça uma dimensão cética na filosofia de Platão, a segunda parte (pós-dedicatória) é uma compilação de dogmata aristotélicos e estóicos que acaba por compor uma ‘doutrina platônica’ positiva sem brechas, no sentido de dizer a verdade definitiva do que as coisas que são6.

É curioso observar que a leitura que DL faz de Platão tem sido permanentemente retomada desde então, ou seja, tem vigorado, sendo aceita de modo predominante, eu diria, ao longo de toda a história da filosofia ocidental7. São muitos os exemplos de autores que continuam construindo um Platão dogmático; cito, a título de exemplo, apenas o caso mais recente da linha de interpretação que valoriza as ditas ‹doutrinas não escritas› acima dos diálogos escritos8. Pessoalmente, sigo aqueles que tendem a uma terceira via, ou seja, a perspectiva de um Platão nem dogmático, nem cético9. Mas, ironicamente, é o caso de se admitir que, mesmo alguém que adota esta terceira posição está sendo laerciano! (ou seja, ainda estamos definindo o problema em termos da oposição entre dogmáticos e céticos), como fazem os biógrafos, historiadores ou filósofos do séc. III10.

Minha perspectiva, então, é destacar o princípio de interpretação formulado por DL, como questão, nos parágrafos 51-52 do livro III. Trata-se de se discutir quais filósofos sustentam opiniões determinadas ou doutrinas (dogmas?)11, quais não o fazem. Esse é o princípio que vou seguir

6 Brisson 1999.7 Mejer (1994 832) comenta que esta foi a visão predominante da filosofia de Platão até o

séc. XVIII, citando Montaigne como exemplo.8 Remeto a Marques 2003, artigo no qual discuto a leitura que Erler faz do Eutidemo.9 Penso, evidentemente, em Gonzales e Trabattoni (Gonzales 1995).10 Também Sexto Empírico define as diferentes escolas filosóficas nos termos desta oposição,

mesmo que se possa discutir sua importância como fonte para DL. Ver Hypotiposes 1.1-7. 11 dogma – Diz Gigante (1999 51): a parataxe expositiva (justaposição assindética) é a lógica

de DL: assim como na vida, também nas opiniões ou doutrinas. Resta avaliar o que isso significa.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 28: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

112

Marcelo Marques

para compreender, em primeiro lugar, como DL define quem deve entrar na sua sucessão (listagem) de vidas de filósofos, tornando-se, por este gesto mesmo, seu ‘personagem’, e, em segundo lugar, como Platão é re-inventado nesta sucessão (diadoche). A questão fica mais interessante, na medida em que podemos tanto problematizar esse princípio (critério) a partir de elementos do próprio livro III, como reelaborá-lo, a partir de outras passagens das Vidas12 e, eventualmente, de outros textos antigos; no caso, recorrerei a Sexto Empírico.

Começo com uma tradução (explicativa e problematizadora) de 3.51-52:

51. (...) Mas, como há muita disputa, e que uns dizem que ele sustenta doutrinas (opiniões, dogmas), outros que não, é preciso que tomemos posição sobre estas questões. O próprio dogmatizar é (significa) propor doutrinas, assim como o legislar é propor leis. São chamadas doutrinas tanto uma como outra coisa: o que é opinado e a opinião ela mesma. 52. Dessas, o que é opinado é uma proposição (afirmação), sendo que a opinião é uma concepção. Platão manifesta as (coisas) que concebeu, refuta as (coisas) falsas e suspende13 as que não são evidentes. Em relação às que admite (julga, concebe) ele as manifesta através de quatro personagens: Sócrates, Timeu, o Estrangeiro de Atenas e o Estrangeiro de Eleia. Os estrangeiros não são, como alguns supuseram, Platão e Parmênides, mas invenções (fabricações) anônimas; também quando faz Sócrates e Timeu dizer coisas é Platão quem expõe suas doutrinas. Quanto às coisas falsas, ele faz com que (os personagens) sejam refutados, como Trasímaco, Cálicles, Polo, Górgias, Protágoras e ainda Hípias e Eutidemo, assim como outros semelhantes14.

Nessa passagem, ele só comenta as dimensões daquilo que Platão admite-manifesta (dokounton-apophainetai) e que refuta como falsas (elenchomenous-pseudon); mas logo antes ele lista três possibilidades, sendo que a terceira, aquilo que ele suspende por não ser evidente (adelon-epechei), não é explicada

12 Quanto ao livro IX, me limito à referência a Platão em 9.71, em que diz que Platão remete a verdade aos deuses e fica só com a verossimilhança (provavelmente Timeu 40d – eikos mythos); observo, en passant, que esse juízo é inconsistente com a pesada doutrina resumida na segunda parte do livro III.

13 epecho – segurar, manter parado, manter em suspenso, confinar; adiar, parar, pausar; suspender o julgamento, duvidar – ephekteon, ephektikos.

14 51.Ἐπειδὲ πολλὴ στάσις ἐστὶ καὶ οἱ μέν φασιν αὐτὸν δογματίζειν, οἱ δ΄οὔ, φέρε καὶ περὶ τούτο διαλάβωμεν. αὐτὸ τοίνυν τὸ δογματίζειν ἐστὶ δόγματα τιθέναι ὡς τὸ νομοθετεῖν νόμους τιθέναι. δόγματα δὲ ἑκατέρως καλεῖται, τό τε δοξαζόμενον καὶ ἡ δόξα αὐτή. 52. Τούτων δὲ τὸ μὲν δοξαζόμενον πρότασις ἐστιν, ἡ δὲ δόξα ὑπόληψις. ὁ τοίνυν Πλάτων περὶ μὲν ὧν κατείληφεν ἀποφαίνεται, τὰ δὲ ψευθδῆ διελέγχει, περὶ δὲ τῶν ἀδήλων ἐπέχει. καὶ περὶ μὲν τῶν αὐτῳ δοκούντων ἀποφαίνεται διὰ τεττράρων προσώπων, Σωκράτους, Τιμαίου, τοῦ Ἀθηναίου ξένου, τοῦ Ἐλεάτου ξένου – εἰσὶ δ΄οἱ ξένοι οὐχ, ὥς τινες ὑπέλαβον, Πλάτων καὶ Παρμενίδης, ἀλλὰ πλάσμα τά ἐστιν ἀνώνυμα – ἐπεὶ καὶ τὰ Σωκράτους καὶ τὰ Τιμαῖου λέγων Πλάτων δογματίζει. Περὶ δὲ τῶν ψευδῶν ἐλεγχομένους εἰσάγει οἷον Θρασύμαχον καὶ Καλλικλέα καὶ Πῶλον, Γοργίαν τε καὶ Προταγόραν, ἔτι Ἱππίαν καὶ Εὐθύδημον καὶ δὴ καὶ τοὺς ὁμοίους.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 29: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

113

Platão, personagem de Diógenes Laércio

ou exemplificada. A partir de uma passagem anterior, 1.16-17, aprendemos que, para distinguir os filósofos uns dos outros, em geral, DL utiliza a oposição entre dogmáticos e céticos. A perspectiva inicial do livro I é, portanto, mais ampla e serve para compreendermos melhor o livro III. Podemos dizer que ele está plenamente inserido no esquema mental e cultural das sucessões (diadochai)15, da oposição entre categorias cognitivas, e que é neste contexto que devemos avaliar o alcance da noção de ‘escola’ filosófica16. Observo, ainda, brevemente, que DL suprime, sem mais, a diferença entre autor e personagem, sem tematizar ou, muito menos, discutir a dimensão da suspensão.

Vejamos o texto de 1.16-17:

16. Dentre os filósofos, uns foram dogmáticos, outros céticos (suspensivos ou ephéticos): são dogmáticos aqueles que afirmam sobre as coisas que elas são apreensíveis; céticos são os que suspendem (o julgamento) sobre elas, (afirmando que são) não apreensíveis; e alguns deles deixaram anotações (lembretes?), outros não escreveram absolutamente nada, como, segundo alguns, Sócrates (...) 17. Dentre os filósofos uns receberam seu nome a partir do nome das cidades (de onde vieram) (...) outros a partir dos nomes dos lugares (onde ensinaram) (...), outros a partir de caracteres acidentais (de sua atividade) (...), ou a partir de apelidos pejorativos (...), outros a partir de disposições (que buscavam atingir) (...), outros a partir daquilo que pretendiam ser, como os amigos da verdade, os refutadores ou os analogistas; alguns (também) a partir (do nome) de seus mestres (...)17.

Em princípio, uma escola se define pelas doutrinas que reúne e defende; mas é preciso observar que DL inclui também o ceticismo18. Leio 1.20:

20. A escola pirrônica, a maioria não a inclui por causa da falta de clareza: mas alguns dizem que é uma escola segundo um (aspecto) e que não é (segundo outro); mas parece que ela seja uma escola. Dizemos que uma escola é aquela que segue ou parece seguir certo modo de pensar que leve em conta (respeite) os fenômenos (as aparências). De acordo com esse princípio, seria justo chamar a (escola) cética de uma escola. Se, ao contrário, concebêssemos uma escola como a adesão a doutrinas que têm um encadeamento, não poderíamos mais

15 Gigante 1986 48 sqq.16 hairesis – uma tomada de atitude, uma escolha; seleção, plano deliberado; escola; seita.17 16. Τῶν δὲ φιλοσόφων οἱ μὲν γεγόναι δογματικοί, οἱ δ΄ἐφεκτικοί – δογματικοὶμὲν

ὅσοι περὶ τῶν πραγμάτων ἀποφαίνονται ὡς καταληπτῶν – ἐφεκτικοὶ δὲ ὅσοι ἐπέχοθσι περὶ αὐτῶν ὡς ἀκαταλέπτων. καὶ οἱ μὲν αὐτῶν κατέλιπον ὑπομνήματα, οἱδ›ὅλως οὐ σθνέγραψαν, ὥσπερ κατά τινας Σωκράτης, Στίλπων, Φίλιππος, Μενέδημος, Πὐρρων, Θεόδωρος, Καρνέαδης, Βρύσων – κατά τινασ Πυθαγόρας, Ἀρίστων ὁ Χῖος, πλὴν ἐπιστολῶν ὀλίγων – οἱ δὲ ἀνὰ ἓν σύγγραμμα – Μέλισσος, Παρμενίδης, Ἀναξαγόρας – πολλὰ δὲ Ζήνων, πλείω Ξενοφάνης, πλείω Δημόκριτος, πλείω Ἀριστοτέλης, πλείω Ἐπίκοθρος, πλείω Χρύσιππος.

18 Ver as vidas de Pirro e Tímon, DL IX. Ver também Gazzinelli 2009.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 30: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

114

Marcelo Marques

chamá-la de uma escola, pois ela não possui doutrinas. São essas então as origens e as sucessões da filosofia, suas partes e escolas19.

Essas passagens suscitam algumas questões. Qual a diferença exatamente entre a expressão da opinião e a opinião nela mesma (3.51)? Parece-me que trata-se da oposição entre a linguagem e o pensamento: entre aquilo que se diz (o que é opinado) e aquilo que se pensa (que seria a opinião mesma). Será que basta dizer que aparece aqui uma separação entre forma (protasis) e conteúdo (hypolepsis), sem mais? Em que medida isso é relevante?

A diferenciação entre to doxazomenon e he doxa, ou seja, a distinção entre a opinião expressa (aquilo que se diz) e o conteúdo mesmo do juízo, o pensamento ou concepção (dito em vocabulário estóico, a hypolepsis, o que é apreendido), parece ser feita inutilmente. Afinal, as dimensões diferenciadas são incluídas de volta na mesma categoria: ambas são dogmata, doutrinas. E mais: na sequência da passagem, manifestar algo literariamente, ou seja, através de um personagem, não é mais do que usar um canal para fazer conhecer o que já se pensou e sobre o qual já se resolveu o que se pensa; trata-se de uma doutrina pronta, não de um modo de pensar20.

Os três tipos de filosofia estão associados a três tipos de atitude: manifestar, refutar e suspender. Os que manifestam são os que defendem conteúdos positivos e os que refutam são os que discordam ou dizem que tais opiniões são falsas. Os que suspendem são os que nem defendem, nem discordam, mas que, mesmo assim, devem ser considerados filósofos, porque (1.20) fazem isso de acordo com o que aparece (kata to phainomenos). Então isso parece ser o que Platão e os céticos têm em comum: levar em conta as coisas tal como se nos aparecem e, a partir disso, propor logoi: os céticos porque suspendem e Platão porque opina ou admite, sustentando doutrinas.

A referência inevitável que joga luz sobre esta passagem é Sexto Empírico. Nos primeiros capítulos do livro I dos Esboços pirrônicos, Sexto descreve três tipos de filósofos: os que já descobriram o verdadeiro, que são chamados

19 20. τὴν μὲν γὰρ Πυρρώνειον οὐδ΄οἱ πλείους προσποιοῦνται διὰ τὴν ἀσάφειαν - ἔνιοι δὲ κατά τι μὲν αἵρεσιν εἶναί φασιν αὐτήν, κατά τι δὲ οὔ. δοκεῖ δὲ αἵρεσις εἶναι. αἵρεσιν μὲν γὰρ λέγομεν τὴν λόγῳ τινὶ κατὰ τὸ φαινόμενον ἀκολουθοῦσαν ἢ δοκοῦσαν ἀκολουθεῖν – καθ΄ὅ εὐλόγως ἄν αἵρεσιν τὴν Σκεπτικὴν καλοῖμεν. εἰ δὲ αἵρεσιν νοοῖμεν πρόσκλισιν δόγμασιν ἀκολουθίαν ἔχοθσιν, οὐκ ἐτ΄ἂν προσαγορεύοιτο αἵρεσις – οὐ γὰρ ἔχει δόγματα. αἵδε μὲν ἀρχαὶ καὶ διαδοχαὶ καὶ τοσαῦτα μέρη καὶ τόσαι φιλοσοφίας αἱρέσεις.

20 A meu ver, pensar através de personagens que dialogam é mais do que atribuir extrinsecamente uma forma (literária) a conteúdos já prontos; pensar é intrinsecamente dialogar. Sigo Dixsaut (1995) que analisa nesse sentido passagens do Teeteto, do Sofista e do Filebo sobre a dianoia platônica. Se o diálogo não é um mero gênero literário, extrínseco aos conteúdos que veicula, a indiferença interpretativa quanto ao fato de se pensar ‘através de’ personagens tem também consequências relevantes.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 31: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

115

Platão, personagem de Diógenes Laércio

de ‘dogmáticos’ (eg. Aristóteles, Epicuro e os Estóicos); os que consideram o verdadeiro inapreensível, que são identificados com os ‘acadêmicos’ (eg. Clitômaco e Carnéades); os terceiros, que continuam buscando, são os céticos, entre os quais ele se inclui, dizendo que nunca “afirmamos que ‘o que é’ é totalmente como dizemos, mas enunciamos sobre cada coisa de modo investigativo (historikos), segundo o que se nos aparece agora (kata to nyn phainomenon).”

Se Sexto for a fonte de Diógenes Laércio (ou, pelo menos, uma das fontes, o que é bem plausível), fica clara a leitura que ele faz. SE não utiliza a categoria ‘refutadores’, mas faz outra divisão em três elementos: os que já descobriram o verdadeiro (hoi men heurekenai to alethes), os que afirmam que não é possível (descobrir e) aprender (o verdadeiro) (hoi d’apephenanto me dynaton einai touto katalephthenai), e os que não resolveram ainda, mas continuam buscando (hoi de eti zetousin). Me parece claro que os suspensivos são esses terceiros, não os segundos. A segunda categoria de DL (1.16) funde a segunda e a terceira categorias de SE: os suspensivos de DL resolvem que o verdadeiro não é apreensível e suspendem o juízo. Mas isso, para SE, seria dogmático, justamente porque decide que as coisas são de algum modo (ou seja, que são inapreensíveis); ele distingue, a seu modo, aquilo que, em 3.52, DL ameaça distinguir mas, na verdade, deixa juntos, ou seja, a manifestação (adoção de uma doutrina) e a concepção (compreensão de como as coisas são mesmo). A atitude chamada historikos (investigativa) é cética, porque ela não afirma positivamente que as coisas não são apreensíveis, fazê-lo seria dogmatizar. A perspectiva de SE (a boa perspectiva cética?), portanto, diferentemente de DL em 3.51, preserva a tensão entre pensar (conceber) e dizer (manifestar), de modo não dualista, concebendo-a numa relação intrínseca. A não decisão traduz ou se manifesta num esforço de busca, que, por sua vez, é o que define o modo de vida.

Em 1.3, SE indica os aspectos que caracterizam a escola cética (he skeptike agoge) que é nomeada de quatro modos: ela é pesquisadora (zetetike), por pesquisar e examinar (kata to zetein kai skeptesthai); suspensiva (ephektike), pelo afeto que vem a ser depois da pesquisa sobre o que é examinado (apo tou meta ten zetesin peri ton skeptomenon ginomenou pathous); aporética (aporetike - dubitativa), pelo fato de ficar em impasse (duvidar) e pesquisar sobre tudo, ou, ainda, pelo fato de ficar sem recurso (indecisa) em relação a afirmar ou negar (e apo tou amechanein pros synkatathesin e arnesin); e, finalmente, pirrônica (pyrroneios) pelo fato de Pirro ter se dedicado ao ceticismo mais que seus antecessores.

Em 1.6-7, fica bem clara a especificidade da concepção de SE. O princípio mais importante é aquele que faz com que a todo argumento o cético oponha um argumento equivalente, sendo isso o que faz com que não dogmatize.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 32: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

116

Marcelo Marques

Aquilo que o cético recusa, ao recusar o dogmatizar, não é a aprovação de alguma coisa (por exemplo, ele sente frio ou calor e admite isso, dizendo que sente frio ou calor); o importante para ele é não assentir a algo que seja não manifesto (ou não evidente), no plano da pesquisa e do conhecimento.

É preciso reconhecer que esse ponto de SE é lido corretamente por DL, a referência ao que aparece; lembremos que, em DL 1.20, é esse o princípio que faz com que ele reconheça que os céticos são uma escola, logo, filósofos.

Vejamos, ainda, o que diz SE sobre a noção de escola. Em 1.8, ele discute o que significa hairesis21 para saber se os céticos são uma escola; responde primeiro com um não, depois com um sim. Não, se compreendermos hairesis como adesão a um grupo de dogmas (opiniões, doutrinas) que dependem tanto uma da outra, como dos fenômenos; e se compreendermos ‘dogma’ como assentimento a uma proposição ou a um argumento não manifesto. Sim, são uma escola, se compreendermos hairesis como um procedimento que, de acordo com os fenômenos, segue uma certa linha de raciocínio (ou condução do pensamento) (agogen), e que esse raciocínio indica que é possível parecer viver corretamente (não só no sentido estrito da virtude admitida como tal) e, ainda, tornando possível que se suspenda o juízo. O cético, ao manter o respeito pelo fenômeno, sem aderir a verdades não inequívocas, tenta viver de acordo com os costumes, as leis, assim como seus próprios afetos.

Esta é a conexão (cética) entre teoria e vida, que DL parece não perceber. Nas Vidas, as anedotas e outras singularidades de um modo de viver são mais ou menos justapostas às doutrinas ou a um bloco de doutrinas, sem que os nexos entre elas sejam objeto de reflexão. Isso fica claro no livro III em particular. Talvez possamos dizer que na obra como um todo, essa ‘justaposição’ varie em grau; algumas vidas ‘têm mais a ver’, são mais ou menos determinadas pelos conteúdos das doutrinas defendidas pelos filósofos que as vivem. Mas, no caso específico do personagem Platão, a própria estrutura do livro III reflete esse modo desvinculado de pensar vida e doutrina (primeira parte – vida, dedicatória, segunda parte – doutrina).

Vejamos, ainda, outros aspectos e argumentos correlatos e complementares a esta posição interpretativa. Uma questão que me parece relevante para minha abordagem é o paralelo que DL faz entre o número de partes da filosofia e o número de personagens no teatro: de Téspis, a Ésquilo, a Sófocles, o drama teatral passou de um a dois, a três personagens, assim como, dos pré-socráticos a Sócrates, a Platão, a filosofia passou de uma a duas, a três partes, isto é, física, ética e lógica (ou dialética)22. As perguntas que levanto são as

21 Geralmente traduzido por “escola”. Bury (1993) traduz como “regra doutrinal”, pesando mais ainda a contraposição de SE à dimensão dogmática.

22 Esquema trinitário, que tem origem na Academia, mas que é tipicamente assumido pelo

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 33: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

164

António Pedro Mesquita

3. Teofrasto

Ao contrário do que sucede com Aristóteles, Diógenes Laércio é a nossa principal fonte para a biografia de Teofrasto.

Por sua vez, as fontes que ele próprio refere são surpreendentemente poucas, muito menos do que as que encontrámos no capítulo precedente.

Retomam-se dele: Favorino, sem identificação de obra (uma única referência)54; e Aristipo, uma vez mais em Sobre a Luxúria dos Antigos, sempre no registo da bisbilhotice (Teofrasto “estava apaixonado pelo filho [de Aristóteles], Nicómaco, embora fosse seu professor…”) (5.39.1-3, sublinhado nosso).

A estas, juntam-se apenas três outras referências menores, todas no início da notícia (5.36): as Digressões de Atenodoro Cananeu (c. 74 a.C. - 7 d.C.)55; os Paralelos Históricos de Mironiano de Amástris56; e as Memoráveis de Pânfila de Epidauro (século I)57.

Tudo leva a crer que a fonte principal de Diógenes, para esta como para as outras biografias peripatéticas, se mantém em geral por explicitar, ou só de vez em quando é expressamente mencionada, seja ela, como é provável, Hermipo de Esmirna, ou Aríston de Cós, ou ainda alguma outra fonte peripatética antiga de que se perdeu o registo.

A estrutura do capítulo segue o padrão geral, embora aqui singularmente abreviado em três alíneas:

- história pessoal (36-41);- lista das obras (42-50);- testamento (51-57).No que respeita aos detalhes biográficos, ficamos a saber: que Teofrasto

nasceu em Éreso, na ilha de Lesbos, ao largo da Ásia Menor, no ano de 372 a.C., e que era filho de Melanto, um pisoeiro (5.36); que o seu nome próprio era Tírtamo e ‘Teofrasto’ (de theos + phrasein = “elocução divina”) um epíteto dado por Aristóteles (5.38); que, depois de estudar filosofia em Lesbos com um tal Alcipo, foi para Atenas, onde integrou a Academia, ainda no tempo de

54 Cf. 5.41. Nela cita-se, por sua vez, Hermipo.55 Filósofo estóico, natural de Canaã, foi discípulo de Possidónio de Apameia. Teve o jovem

Octávio, futuro imperador Augusto, como aluno em Apolónia, após o que o seguiu para Roma, aí permanecendo como seu conselheiro durante um período. Terminou a sua vida em Tarso, perto da terra natal, onde influiu na vida política da cidade. Atribui-se-lhe uma obra contra as Categorias de Aristóteles, que, no entanto, também pode ter sido escrita pelo também estóico Atenodoro Cordílio (c. 130-60 a.C.).

56 Autor de época indeterminada, só se conhece pelas referências, aliás numerosas, que Diógenes Laércio lhe faz. 

57 Historiadora do tempo de Nero, escreveu uma história da Grécia em 33 livros, concebida como uma recolha de curiosidades, muito ao estilo helenístico.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 34: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

165

A Tradição Peripatética no Livro V de Diógenes Laércio: Um conspecto:

Platão, e veio a conhecer Aristóteles, a quem seguiu quando este abandonou a escola (5.36); que, com a fuga de Aristóteles para Cálcis em 323 a.C., Teofrasto permaneceu na cidade e assegurou a direcção do Perípato (ibid.); que conduziu a escola durante os trinta e cinco anos seguintes, vindo a morrer em 287 a.C., com a idade de 85 anos (5.40); que de entre os seus numerosos discípulos, se contou Menandro, o fundador da nova comédia, pormenor não despiciendo tendo em atenção o relevo da caracteriologia human a na obra de Teofrasto58.

Para além destes aspectos, a primeira secção é sobretudo relevante para o conhecimento do longo período em que Teofrasto exerceu a direcção do Perípato, que tudo sugere ter representado o apogeu da escola.

Com efeito, sabemos que foi durante a época do seu governo que surgiram e se afirmaram as grandes escolas helenísticas, o Pórtico, fundado por Zenão de Cítio, e o Jardim, fundado por Epicuro de Samos, rivalizando com a já existente Academia platónica e com as, então ainda muito activas, outras escolas socráticas, ditas ‘menores’ (cínica, cirenaica, megárica e suas sucedâneas, eritreia e dialéctica).

No entanto, na duração da sua vida, o Perípato deve ter sido uma das maiores, senão mesmo a maior, escola filosófica em número de alunos, chegando, segundo o testemunho de Diógenes Laércio, a atingir a cifra astronómica de dois mil estudantes59.

Plutarco preserva a este respeito um dito curioso, de acordo com o qual “Zenão [de Cítio], vendo que Teofrasto era admirado por ter numerosos discípulos, terá dito: ‘o seu coro é maior, mas o meu é mais afinado’…”60.

Este aspecto é interessante, porque rapidamente após a morte de Teofrasto a correlação de forças entre as escolas helenísticas inverteu-se, tornando-se a estóica a mais forte e a peripatética uma das menos influentes61.

O catálogo das obras de Teofrasto (5.42-50) oferece as mesmas dificuldades de leitura do que o dos escritos aristotélicos.

Todavia, cruzando a informação constante em Diógenes Laércio com aquela que podemos colher em outras fontes62, podemos concluir que Teofrasto

58 5.36. Mais à frente, refere ter também ouvido dizer que Erasístrato de Cós, um dos principais anatomistas da escola de Alexandria, teria sido seu discípulo, o que, comenta ele, “é provável” (5.57, 11-12).

59 Cf. 5.37.60 Quomodo quis suos in virtute sentiat profectus (6.78d = frg. 15 Fortenbaugh). Também acerca

deste ponto, Diógenes conserva um testemunho do próprio Teofrasto, numa carta a Fânias de Éreso, onde fala da sua experiência como professor: cf. 5.37, 7-10.

61 Um testemunho deste declínio, logo nos tempos do seu sucessor, Estratão, encontra-se em Plutarco (De tranquillitate animi 13, 472e = Desclos 11), que lhe atribui um remoque justificativo para o “muito maior” (pollaplasious) número de estudantes que seguiam Menedemo de Eritreia em comparação com o dos que frequentavam as suas aulas.

62 Hoje facilmente disponíveis em Fortenbaugh — Huby — Sharples — Gutas 1992.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 35: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

166

António Pedro Mesquita

escreveu uma obra vastíssima, pelo menos tão grande como aquela que o seu mestre deixou e tão multifacetada e proteiforme como esta.

Atribuem-se-lhe, pelo menos, 37 títulos de lógica, 25 de física, 17 de biologia, 16 de medicina, 7 de psicologia, 7 de matemática, 7 de metafísica, 28 de ética, 22 de política, 24 de retórica e poética, 18 obras doxográficas, 5 escritos de divulgação, 7 colecções e miscelâneas, para além de duas colectâneas de escritos privados e vários títulos indeterminados, muitos deles em vários livros63.

Destes, subsistem hoje: de física, Sobre o Fogo, em 2 livros; Sobre os Ventos, em 1 livro; Sobre Sinais (Climáticos), em 1 livro; Sobre as Águas, em 1 livro; Sobre as Pedras, em 1 livro; de biologia, Investigação sobre as Plantas64, em 10 livros; Causas das Plantas65, em 8 livros; de psicologia, Sobre as Sensações, em 1 livro; de metafísica, Metafísica, em 1 livro; de ética, Caracteres, em 1 livro; de doxografia, partes das Opiniões dos Físicos, em 16 livros.

Por aqui se pode estimar a extraordinária pujança do trabalho levado a cabo por Teofrasto e compreender a influência que exerceu naqueles domínios científicos em que a sua obra esteve continuadamente disponível, como a mineralogia, a botânica e a história da filosofia, mas não menos a dimensão da perda que nos amputou do conhecimento directo da restante.

Finalmente, a secção relativa à transcrição do testamento de Teofrasto (5.51-57) contém algumas informações relevantes para complementar o de Aristóteles no que toca à restituição da sua família e descendência.

Assim, somos informados de que um neto de Aristóteles, Demarato de Esparta, filho do segundo casamento de Pitíade, era membro do Liceu à data da morte de Teofrasto e que Aristóteles, meio-irmão daquele e neto do filósofo por Metrodoro, terceiro marido de Pitíade, era muito novo para frequentar a escola, mas já bem vindo para a integrar no tempo conveniente66.

Um ponto particularmente importante do testamento de Teofrasto encontra-se sugerido na afirmação, na aparência insignificante, “deixo todos os meus livros a Neleu” (5.52.8-9).

Este Neleu era filho de Corisco de Cépsis, que já encontrámos atrás como companheiro de Aristóteles na Academia e depois na Tróade, na corte de Hermias de Atarneu, durante a permanência do filósofo na região67.

Ora, naquela frase está a origem da lenda, narrada em primeira mão por Estrabão (13.1.54 = 66b Düring), mas repetida no essencial por Plutarco

63 Este cômputo, e sobretudo a distribuição disciplinar, são meramente tentativos, porque é difícil diferenciar frequentemente os tratados, principalmente de ética e política, das obras populares, bem como das colecções e dos escritos de carácter histórico.

64 Ou História das Plantas (Peri phyton historia). 65 Ou Explicações das Plantas (Phytikon aition).66 Cf. 5.53.67 Ver supra, nota 28.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 36: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

167

A Tradição Peripatética no Livro V de Diógenes Laércio: Um conspecto:

(Sull. 26.468a = 66c Düring) e em parte por Ateneu (5.53.214d-e = 66a Düring), de acordo com a qual a colecção aristotélica, levada por Neleu de Cépsis para a sua pátria dentro da biblioteca herdada de Teofrasto, teria, por esse facto, saído de circulação durante perto de dois séculos, até ser recuperada, no século I a.C., pelo bibliógrafo Apeliconte de Teos e deste ter passado para as mãos de Sula, quando este conquistou Atenas em 86 a.C., que a teria levado para Roma e entregue à oficina do gramático Tirânio de Amiso, onde Andronico de Rodes, que lá trabalhava, se encarregara da respectiva edição. Por inacreditável que pareça, pelo enredo algo mirabolante, facto é que, como aqueles autores não se esquecem de sublinhar, a história é consistente com o rápido declínio que se apossa do Liceu pouco após o evento inicial do relato e pode, pois, contribuir para explicá-lo, na medida em que, com a doação a Neleu, o Perípato teria ficado privado das principais obras dos seus dois fundadores.

Um último aspecto sugestivo no testamento de Teofrasto é que ele não nomeia sucessores, deixando o Liceu entregue a uma comissão de membros da escola, entre os quais Estratão, que veio de facto a suceder-lhe, por designação dos pares, e os já mencionados Neleu, que aparentemente deixou Atenas despeitado com o resultado da eleição, e Demarato, de que não mais se ouve falar68.

4. Estratão

As fontes explicitamente mencionadas por Diógenes Laércio na sua Vida de Estratão de Lâmpsaco são ainda menos numerosas do que as referidas na de Teofrasto.

Apenas três: de novo, Apolodoro de Atenas, para a fixação da data em que se tornou escolarca do Liceu69; Aríston de Cós (séculos III-II a.C.), que pela primeira vez aparece no livro70, aí identificado (finalmente) como o autor da recolha dos testamentos dos seus antecessores na direcção do Perípato; e o próprio Aristóteles, invocado como fonte no capítulo relativo às pessoas célebres chamadas ‘Estratão’71.

A estrutura do capítulo é a seguinte: - vida (58);- inventário dos escritos (59-60);- personagens famosas com o nome ‘Estratão’ (61);- testamento (61-64).

68 Cf. 5.53.69 Cf. 5.58.70 Cf. 5.64.71 Cf. 5.61.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 37: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

168

António Pedro Mesquita

Os aspectos biográficos são, neste caso, muito esparsos e reduzem-se, no essencial, ao seguinte: filho de Arcesilau, nasceu em Lâmpsaco, na Ásia Menor, por volta de 335 a.C.; após a formação obtida no Liceu (podemos presumir, porque nem isso nos é claramente dito), foi para o Egipto, onde se tornou tutor de Ptolemeu II Filadelfo (tendo sido aí também, segundo sabemos por fontes independentes72, professor do matemático e astrónomo Aristarco de Samos, responsável pelo primeiro sistema heliocêntrico); por morte de Teofrasto, foi escolhido pela escola para lhe suceder, tendo-a dirigido até à sua morte, ocorrida por volta de 269 a.C.; dedicou-se sobretudo à filosofia natural, o que lhe valeu o epíteto de “físico” ou “naturalista” (physikos).

Uma rápida panorâmica pela lista das obras que Diógenes lhe atribui73 permite retirar imediatamente algumas conclusões: em primeiro lugar, constam nela muito menos títulos do que os constantes nos catálogos de Aristóteles e Teofrasto (‘apenas’ cerca de 50); em segundo lugar, nenhum deles subsistiu até aos nossos dias; em terceiro lugar, o peso principal do corpus – como se poderia esperar considerando o cognome – encontra-se na física (incluindo a biologia, a psicologia e, sobretudo, a medicina)74; em quarto e último lugar, nas restantes secções, mais rarefeitas, a lógica, muito rica nas colecções de Aristóteles e de Teofrasto, está, neste caso, quase restringida à dialéctica – disciplina que, não por acaso, será particularmente acarinhada pelo Perípato posterior, juntamente com a retórica75 –, a metafísica vê-se de facto subsumida na física, à maneira estóica76, a ética aparece reduzida ao mínimo e a política quase não tem representação77.

Esta breve sinopse é, no mínimo, claramente indicativa de uma restrição drástica na vasta gama de interesses classicamente cultivados pelo Perípato sob a orientação de Aristóteles e de Teofrasto, e porventura no grau de profundidade da abordagem exercida sobre os remanescentes, com o abandono progressivo dos mais técnicos ou especulativos, como a lógica formal, a epistemologia e a

72 Cf. Estobeu 1.16.1, 149.6-7 Wachsmuth (= frg. 7 Desclos).73 5.59-60. Tal como no caso de Teofrasto, permitimo-nos complementar a informação a

respeito deste ponto com a disponível em outras fontes, hoje sistematicamente reunidas em Desclos — Fortenbaugh 2011.

74 Onde se contam 24 títulos, isto é, cerca de metade do total, sendo 9 sobre tópicos de fisiologia e medicina.

75 Eis as obras lógicas que lhe podem ser atribuídas: Propedêutica aos Tópicos; Sobre o Acidente; Sobre a Definição; Sobre o Próprio; Sobre o Maior e o Menor; Sobre o Anterior e o Posterior; Sobre o Género Anterior; Sobre o Futuro. Todas, com a possível excepção da última (sobre os futuros contingentes?), versam temas dialécticos.

76 Embora os títulos registados nas doxografias (Sobre os Princípios; Sobre as Causas; Sobre o Ente; Sobre os Deuses) não o deixem adivinhar, os testemunhos conservados sobre o seu conteúdo (disponíveis na obra referida na nota 73, supra) confirmam plenamente esta ilação.

77 No corpus de Estratão, não se consegue identificar mais do que 7 títulos de ética e apenas 2 de política, nenhum de carácter teórico ou sistemático.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 38: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

169

A Tradição Peripatética no Livro V de Diógenes Laércio: Um conspecto:

metafísica, aspectos que poderão já prenunciar o processo de decadência que se apoderará da escola após o desaparecimento de Estratão.

O seu testamento (5.61-64) encerra, aliás, sinais alarmantes deste destino, quando nas disposições relativas à transmissão do Liceu, afirma: “Deixo a escola a Lícon, porque os outros estão ou muito velhos ou demasiado ocupados. Mas seria bom que os restantes o ajudassem na tarefa.” (5.62.4-6).

Dois séculos mais tarde, Cícero expressará exemplarmente esse destino, ao julgar deste modo, com severidade, os sucessores de Teofrasto: “Eles eram, em minha opinião, melhores do que os filósofos das outras escolas, mas degeneraram de tal modo que nem parecem ter tido antepassados. O primeiro depois de Teofrasto, Estratão, quis ser físico; embora considerável aí, a maior parte das suas ideias são novas e quase nada fala de ética. Lícon era bem-falante, mas fraco de conteúdo. O seu sucessor Aríston era um orador harmonioso e elegante, mas sem a seriedade que se espera de um grande filósofo; com efeito, os seus escritos são numerosos e correctos, mas falta, de algum modo, autoridade ao que diz.”78

5. Lícon

As fontes explícitas da Vida de Lícon são apenas duas: Hermipo de Esmirna (sem identificação de obra); e Antígono de Caristo (também sem identificação de obra)79. Em ambos os casos, encontra-se uma única referência, para detalhes relativos à aparência e aos hábitos de Lícon80.

A estrutura do capítulo é a habitual:- vida, personalidade e aparência (65-68);- pessoas famosas com o nome ‘Lícon’ (69);- testamento (69-74).Eis os principais dados de carácter pessoal: era filho de Astíanax da

Tróade (5.65); foi o sucessor de Estratão como director do Liceu (ibid.), cargo que ocupou durante os quarenta e quatro anos seguintes, entre 269 e 225 a.C. (5.68); distinguiu-se sobretudo como mestre de expressão e de dicção, muito

78 Cícero, De finibus 5.13 (= 8A Desclos). Permitimo-nos parafrasear desta forma a prosa ciceroniana que se transcreve a seguir: Meliores illi quidem, mea sententia, quam reliquarum philosophi disciplinarum, sed ita degenerant ut ipsi ex se nati esse videantur. Primum Theophrasti, Strato, physicum se voluit; in quo etsi est magnus, tamen nova pleraque, et perpauca de moribus. Huius, Lyco, oratione locuples, rebus ipsis ieiunior. Concinnus deinde et elegans huius, Aristo, sed ea quae desideratur a magno philosopho gravitas in eo non fuit; scripta sane et multa et polita, sed nescio quo pacto auctoritatem oratio non habet.

79 Antígono de Caristo (século III a.C.) foi um escritor grego, natural de Caristo, na Eubeia. Estudou em Atenas, após o que se fixou na corte de Pérgamo. A sua obra mais importante é Sucessão dos Filósofos, de que Ateneu e Diógenes Laércio preservam numerosos fragmentos.

80 Cf. 5.67.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 39: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

170

António Pedro Mesquita

reputado pela sua eloquência, em particular por ter uma voz de tal modo doce que alguns lhe chamavam Glícon em vez de Lícon (5.65), mas já “na escrita não era igual” (5.66.2-3); mantinha, por motivos não identificados, um antagonismo profundo em relação ao seu colega de escola Jerónimo de Rodes (5.68); vestia imaculadamente e mantinha-se sempre em forma, praticando regularmente ginástica e cuidando do corpo de todos os modos (5.67); apesar disso, morreu de gota, aos 74 anos de idade (5.68).

Como vemos, não há, neste caso, qualquer indicação de um catálogo de obras, seguramente em virtude da avaliação negativa que Diógenes fazia do mérito delas. No entanto, elas existiriam seguramente, visto que, no testamento, deixa os seus trabalhos publicados a um escravo de nome Cares e encarrega da edição dos inéditos um membro do círculo peripatético, Calino, que não temos meios de saber se se desembaraçou da missão81.

De resto, o testamento (5.69-74), o último documento desta natureza que dispomos dos peripatéticos, não contém detalhes relevantes, salvo que, tal como Teofrasto, também Lícon não nomeia sucessores, deixando o Liceu entregue a uma comissão de dez membros da escola, entre os quais Aríston de Cós, a qual deveria eleger o novo director82, como de facto veio a fazer.

6. Demétrio

Para esta Vida, Favorino de Arelate é visivelmente a fonte principal, com nada menos do que cinco referências, tanto aos Memoráveis, como às Miscelâneas83.

Retomam-se também dos capítulos anteriores: Demétrio de Magnésia (Poetas e Escritores com o Mesmo Nome) e Hermipo de Esmirna (sempre sem identificação de obra), ambos com uma única referência84.

Uma nova fonte invocada é Heraclides Lembo (século II a.C.)85, de que se cita a Epítome à Sucessão dos Filósofos de Sócion para um episódio relativo à sucessão de Ptolemeu I Soter em que Demétrio de Faleros terá tido intervenção86.

81 Cf. 5.73. Há, aliás, alguns, poucos, testemunhos acerca de obras suas (reunidos em Fortenbaugh — White 2003), por vezes contendo mesmo citações directas, embora nenhum título tenha chegado até nós.

82 Cf. 5.70.83 Cf. 5.76, 77 e 78.84 Respectivamente, em 5.75 e 78.85 Funcionário público egípcio sob Ptolomeu VI Filometor, é creditado por Diógenes Laércio

com um resumo à Sucessão dos Filósofos de Sócion e um outro à Vidas de Sátiro. Conhece-se também um epítome à obra de Hermipo sobre Os Legisladores. Alguns fragmentos de obras perdidas de Aristóteles sobrevivem graças a citações feitas nas suas obras.

86 Cf. 5.79.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 40: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

171

A Tradição Peripatética no Livro V de Diógenes Laércio: Um conspecto:

Outra é Pólemon, cujo testemunho se invoca para uma das figuras incluídas no rol dos homónimos do biografado87, mas sem que se esclareça de quem se trata exactamente, se do académico, Pólemon de Atenas (século IV-III a.C.), se do estóico, Pólemon de Ílio (século II a.C.), ou se do sofista, Pólemon de Laodiceia (século II d.C.). Tudo leva a crer, no entanto, que se trate do segundo, uma vez que a sua autoridade é invocada para um assunto, o nome de um escultor, que se integra bem dentro do campo de conhecimentos imputáveis a este eminente geógrafo, viajante e coleccionador.

Para além destas fontes, embora não o diga, é provável que Diógenes se tenha servido de obras autobiográficas do próprio Demétrio, nomeadamente Denúncia dos Atenienses e Sobre os Dez Anos da sua Própria Supremacia, que integra no catálogo de escritos, se é que elas ainda subsistiam no seu tempo.

Encontra-se aqui de novo o padrão de composição já nosso conhecido:- vida e feitos (75-79);- catálogo dos escritos (80-81);- ditos célebres (82-83);- pessoas famosas com o nome ‘Demétrio’ (83-85).Os principais factos biográficos que se regista são os seguintes: Demétrio

era natural de Faleros, filho de Fanóstrato e de origens muito humildes (5.75-76); foi discípulo de Teofrasto, mas, graças aos seus notáveis talentos oratórios, em vez da filosofia, veio a dedicar-se à vida pública, o que lhe granjeou uma rápida, mas também fugaz, popularidade (ibid.); exerceu o poder em Atenas durante dez anos (317-307 a.C), na confusa época que se sucedeu à morte de Alexandre Magno, servindo o partido macedónico (sobre estes pormenores de natureza política, Diógenes lança um pudico véu), após o que foi derrubado e levado a tribunal88; com a morte de Cassandro, rei da Macedónia e seu protector, em 297 a.C., fugiu para o Egipto, ainda no tempo de Ptolemeu Soter, em cuja corte se manteve como conselheiro (5.78); após a morte deste, em 284 a.C., o filho e sucessor, Ptolemeu II Filadelfo, que ele havia tentado impedir de chegar ao trono, encarcerou-o nas mais deploráveis e precárias condições (5.78-79); aí veio a encontrar a morte, durante o sono, por mordedura de uma áspide venenosa introduzida na sua cela (280 a.C.)89.

Na secção relativa ao catálogo das obras (5.80-81), Diógenes começa por advertir que, “quer em quantidade de livros, quer em número de linhas”, Demétrio “ultrapassou quase todos os peripatéticos do seu tempo” (5.80.1-2).

87 Cf. 5.84.88 5.76-77. A partir deste ponto, explicitamos datas e dados que, por vezes, Diógenes não

inclui.89 5.78. Outros aspectos relativos à vida e à personalidade de Demétrio, bem como diferentes

versões dos constantes em Diógenes, encontram-se compilados em Fortenbaugh — Schütrumpf 2000 33-131.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 41: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

172

António Pedro Mesquita

Os escritos elencados não parecem substanciar a afirmação. Encontramos 10 obras sobre matéria legal, política e histórica, 6 tratados de retórica e de estudos literários, uma boa porção do que parecem ser diálogos e escritos de carácter popular (26) e alguns, poucos, textos autobiográficos e privados, totalizando um conjunto de 45 títulos, menos do que os atribuídos a Estratão de Lâmpsico – que, é verdade, não foi exactamente seu contemporâneo –, mas menos também que os imputados a Heraclites Pôntico, que foi90.

7. Heraclides

No que toca a fontes, aparecem nesta Vida as seguintes já nossas conhecidas: Demétrio de Magnésia (Poetas e Escritores com o Mesmo Nome) e Hermipo (sem identificação de obra), cada um com uma única citação e ambos a propósito de curiosidades anedóticas91, e Aristóxeno “o músico” (naturalmente, Aristóxeno de Tarento, assim cognominado em virtude dos seus estudos de harmonia), igualmente com uma única referência (que Heraclides teria escrito tragédias sob o pseudónimo de ‘Téspis’)92.

De entre as referências novas, cada uma ainda com uma só citação, contam-se Hipóboto93, como fonte complementar a Demétrio de Magnésia94, e Sócion (Sucessão dos Filósofos), para um pormenor biográfico, embora controverso – que Heraclides, “mais tarde, escutou Aristóteles” (5.86.4), como que querendo sugerir que o teria passado a seguir –, o que dá toda a ideia de um acrescento pessoal para justificar a sua inclusão no livro V95. No entanto, só na aparência

90 A contabilidade que podemos estabelecer com base na última edição de Demétrio, referida na nota 89, supra, não dá resultados muito diferentes: cerca de meia centena de obras, distribuídas pela ética (11), a política (20) e a retórica e poética (11), a que se juntam algumas miscelâneas (9); cf. Fortenbaugh — Schütrumpf 2000 145-275.

91 Cf., respectivamente, 5.89 e 91.92 Cf. 5.92. No mesmo local, mencionam-se também outros contemporâneos de Heraclides

(Cameleonte de Heracleia, um certo Antidoro, “o epicurista”, e Dionísio de Heracleia, “o renegado”), mas não é claro que tenham sido fontes do próprio Diógenes, ou antes nomes que ele tenha encontrado nas suas a respeito de polémicas ocorridas entre eles. O mesmo, neste caso, poderia suspeitar-se, aliás, do próprio Aristóxeno.

93 Doxógrafo dos séculos III-II a.C., muito citado por Diógenes, devem-se-lhe duas influentes obras, uma Sobre as Escolas Filosóficas e outra de Registo dos Filósofos. Na passagem em causa, não se indica qual das duas é usada.

94 Cf. 5.90.95 Embora o detalhe seja de algum modo corroborado por Plutarco, ao incluí-lo no conjunto

dos peripatéticos (cf. Adversus Colotem 14.1115a = frg. 79 Schütrumpf ), e talvez também por Écio, que o menciona uma vez na sequência de Aristóteles e Estratão (cf. Pseudo-Plutarco, Placit. 3.2.5, parcialmente transcrito como frg. 77 Schütrumpf ). Uma outra hipótese, avançada por Willamowitz (1893 341), é que, nesta passagem, Diógenes quereria dizer que Heraclides teria escutado Aristóteles ainda no tempo da permanência de ambos na Academia. Mas, a ser assim, não se compreende a sua inclusão no livro dedicado ao Perípato, facto que exigiria, então, uma outra justificação, que não parece encontrar-se no capítulo de Diógenes.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 42: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

173

A Tradição Peripatética no Livro V de Diógenes Laércio: Um conspecto:

esta é uma referência nova, porque, como já sabemos, Sócion é uma fonte constante, se bem que normalmente implícita, ao longo da obra de Diógenes Laércio.

Uma vez mais, é a mesma estrutura que nos é oferecida neste capítulo.Sucedem-se: - vida e aparência pessoal (86);- lista das obras (86-89);- lendas e anedotas biográficas (89-93);- pessoas famosas com o nome ‘Heraclides’ (93).Os dados estritamente biográficos são poucos: que nasceu em Heracleia,

no Ponto (isto é, nas costas do Mar Negro), e era filho de Êutifron; que em Atenas se ligou primeiro a Espeusipo, embora acompanhando também as lições dos pitagóricos e lendo os escritos de Platão; e que, “mais tarde”, se tornou discípulo de Aristóteles.

Já os elementos que respeitam à aparência têm um teor mais suculento. Diz-nos Diógenes que Heraclides gostava de vestir belas roupas, mas era extremamente volumoso, o que justificou que os atenienses, em vez de “Pôntico”, lhe chamassem “Pômpico” (pompikon, etimologicamente “próprio para uma procissão”, portanto com o sentido de “solene”, “pomposo”).

De resto, o capítulo vale sobretudo pelo inventário dos escritos, muito completo e organizado (5.86-89).

Com efeito, um aspecto notável neste catálogo em comparação com os quatro anteriormente transcritos é o facto de as obras virem expressamente organizadas por categorias. Aparecem aí as seguintes: escritos éticos (mais precisamente, de filosofia prática), com 13 títulos; tratados físicos, também com 13 títulos; tratados de gramática, com 2 títulos; obras de cultura geral (mousike), com 17 títulos; um tratado de retórica; e duas obras históricas.

Para além destas, Diógenes esclarece que “há também obras geométricas e dialécticas” (5.89.3), mas pode ser que se refira a algumas erradamente incluídas no género “cultura geral”, como, por exemplo, Teoremas (32), Soluções Erísticas (40), Axioma (41) e Soluções (43), que dificilmente correspondem à categoria que as subsume, mas poderiam, ao contrário, integrar-se na perfeição numa daquelas duas.

Sabemos hoje que esta lista, embora bastante completa, não é exaustiva. A mais recente edição de Heraclides Pôntico, baseando-se no levantamento de todos os títulos que alguma vez lhe foram atribuídos na Antiguidade96, dá-nos um cômputo e uma distribuição algo diferentes, com um total de 57 tratados97

96 Cf. Schütrumpf 2008 59-73.97 Dos quais: 4 de física, 3 de medicina, 3 de psicologia, 3 de história e geografia, 9 de ética,

5 de política, 11 de doxografia, crítica e polémica, 10 sobre poesia e música e 2 de profecias. Cf.

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 43: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

272

Index nominum

Tróia: 43; 93Tucídides: 42; 49Ulisses/ Odisseu: 34 e 34 n. 29; 93; 102Xanto: 40; 43 e 43 n. 4; 44 e 44 n. 10;

45; 52 e 52 n. 52; 53-54Xenócrates: 25Xenófanes: 13 n. 40; 22 n. 3; 24; 26; 68

n. 3; 72-74; 81; 101-107Xenofonte: 8; 48 n. 33; 109 n. 2Xerxes: 43Zenão de Eleia: 68 n. 3; 72; 74; 77; 85Zeus: 54; 59 n. 84; 85Zoroastres/ Zoroastro: 44-46 e 46 n.

25; 50-52; 58 e 58 n. 78

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 44: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

273

Index locorum

Index locorvm

Agatemero: 12A6 DK = Ar 47 W.: 90

AgatiasHistórias

2.31: 55Anaxágoras:

2.6-2.7: 78Anaxímenes de Mileto:

8.49-50: 47Apuleio:

Florida15: 58 n. 78

Arcesilau:4.31: 24

Aristóteles:Ath.

16: 16 n. 51Met.

1.985b: 281.986b22: 10313.1078b: 28

Meteor.1.350a14-18: 90 n. 22.362b12 ss.: 90 n. 2

Meteor.350 b1-2: 91

Aristóxeno frg. A11 DK: 58

Ateneu :12.515d-e: 44 n. 10

Baquílides: 3.15-29: 4 n. 9

CatuloCarmina

90: 54; 55; 64; Clemente de Alexandria

Paed.1.55.2: 55

Strom.1.15.69: 58 n. 78

Ctésias:Frg. 22 Gilmore = frg. 44a/44b

Nichols: 55 n. 64Demócrito:

frg. B300, 13a/3 DK: 52 n. 4968B115 DK: 73 n. 12

Demóstenes:Contra Neera

9.95: 47 n. 27Contra Aristócrates

23.205: 47 n. 27Diodoro Sículo:

2.32.4: 49

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 45: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

274

Index locorum

Díon Crisóstomo:Oração 36.40-41: 50Oração 49.7: 50 n. 42

Dionísio Periegeta: Ar 141 W.: 90

Diógenes Laércio: Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres

1.2: 43; 45; 521.4: 411.6: 451.8: 461.8-9: 561.12: 22; 571.13: 211.16: 1151.16-17: 1131.20: 113; 114; 1161.22: 6 n. 171.25: 771.35: 81-821.39: 821.40: 7 n. 20; 22; 1171.40-41: 26 n. 111.41: 271.41-42: 2, n. 2; 5; 101.45: 12 n. 361.46: 11 n. 331.47: 12 n. 341.48: 12 n. 351.55: 61.58: 12 n. 36; 281.58-60 e 63: 15 n. 481.63: 7 n. 22; 131.67: 151.73: 821.77: 321.79: 271.84-85: 831.87: 33

1.88: 32; 34 1.90: 261.101/ 1.102: 471.114: 571.118: 571.122: 10 n. 29; 11 n. 31; 16 n. 501.124-133: 16 n. 522.12: 47; 792.12-13: 813.7: 403.51: 114; 1153.52: 115; 1174.1: 1104.55: 867.59 (Empédocles frg. B111 DK

(preservado em Vidas 7.59): 44 n. 14

8.1: 578.17: 58; 608.27: 588.59: 448.63: 44 n. 138.72: 848.86: 109 n. 19.5: 739.1: 22 n. 3; 269.2-3: 789.3: 409.6: 739.14: 789.18: 22 n. 3; 81; 101; 1039.21: 74; 1049.24-9.26: 749.27; 779.29: 749.34/ 9.35: 489.35: 409.38-9.39: 759.39: 76

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 46: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

275

Index locorum

9.43: 839.44: 809.45: 77 n. 189.50: 779.52: 299.55- 56: 819.59: 859.60: 76; 779.61: 409.69: 849.71: 83 n. 249.71-73: 24 n. 99.73: 779.87: 110 n. 39.107: 77 n. 19; 879.108: 879.116: 110 n. 3

Eliano:V.H.

3.28: 92Estrabão:

15.3.20 Meineke: 54Eurípides:

Hipólitov. 264: 28vv. 385- 387: 30

Eusébio:PE 1.10.53: 42 n. 4912A10 DK = Ar 101 W: 9712A11.3 DK = Ar 75.3 W.: 97

Eustátio:Ar 255 W.: 90

Fílon de AlexandriaDe specialibus legibus

3.13: 55Gāh

4.8: 54Heraclito:

B14 DK ou frg. 87 Marcovich: 46

B40 DK: 102119 DK: 33

Heródoto:1.7: 541.8: 451.32.2: 6 n. 161.50-51: 4 n. 91.59.2-3: 7 n. 181.107: 46; 59 n. 841.114: 48 n. 331.171.6: 43 n. 62.33.3: 912.81: 573.31: 553.79.: 49 n. 344.165, 8.92: 47 n. 275.18-21.: 48 n. 325.32: 47 n. 27;4.36.1: 924.36.2: 904.45: 524.55–56: 524.56: 52 e n. 507.43: 43 n. 37.62: 52 n. 517.109: 48 n. 298.120: 48 n. 299.83: 54

Hesíodo:Teogonia

v. 1001: 52 n. 51Trabalhos e Dias/ Erga

vv. 317- 319: 30 n. 20v. 694: 28

Hipólito:Refutatio

1.2.12 (frg. 13 Werhli): 58 n. 77

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 47: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

276

Index locorum

Homero:Ilíada (Il.)

2.484-492: 23 n. 82.494-759: 932.558: 125.340: 77 n. 2024.44-45: 30 n. 20

Odisseia (Od.) 3.153-179 e 276-302: 939.39-81: 9312.50: 10212.183- 190: 23 n. 819.165-202: 93

Iâmblico/Jâmblico:Vita Pythagorica (VP)

49: 2819.154: 58 n. 78

Isócrates:Panegírico

157: 47Pausânias :

10.24.1: 7 n.22Píndaro:

O. 13.47-48: 28 n. 16

N.7.58: 29 n. 198.4.: 28 n. 16

P.1.81-82: 28 n. 164.286, 508: 29 n. 194.508: 28 n. 16

Platão:Chrm.

164d-165a: 7 n. 22Ap.

42a: 67Lg.

747b-c: 41 n. 1

Prt.319a: 29342e-343b: 4-5343a: 1343b: 23 n. 7339b sqq.: 27

Hp. Ma.281b-c: 4 n.12

R.607b: 26

Sph. 242c: 103Tht.

180b- c: 73180e: 103 n. 1

Ti.20d: 840d: 112 n. 12

Plínio Nat.

10.49: 4530.3: 42 30.4: 46

Plutarco: Adv. Col.

11.1113a-b = 31B8 DK: 80 n. 21De Alex. fort. aut virt.

328c: 55De an. procr. in Timaeo

1012e: 58 n. 78De Is. et Os.

369e: 52 n. 49De puer. ed.

14.9 = 68B145 DK: 73Sept. Sap. conv.

1; 3; 7-11Sol.

32.: 14 n. 44[Strom.]

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 48: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

277

Index locorum

5 = 28A22 DK: 104Them.

22.3.: 47 n. 27Porfírio:

VP 23.12: 58 n. 78Sexto Empírico:

Hypotiposes 1.1-7: 111 n. 10

Sófocles:Ájax

vv. 678-683: 33Antígona

vv. 175-177: 31Electra

v. 76: 31Filoctetes

vv. 96-99: 34Sólon:

Poematafrg. 13.51-52 West: 13 n. 40

Teofrasto:frg. 5 Diels: 104

Teógnis:vv. 401-402: 28

Tucídides:1.95.3-6: 47 n. 27128.3-135.3: 47 n. 27

Vidēvdāt/Vendīdād: 3.17: 596.7-8: 606.29: 608.7: 598.13: 54 n. 608.79-80: 599.5: 5915.2: 5016.4: 5917.1-10: 6019.17: 53

Xanto:frgs. 12 e 13 Jacoby: 44 n. 14frg. 32 Jacoby: 52

Xenócrates: 4.15: 253.56: 25

Xenófanes:frg. 2 West: 13 n. 40B6 DK: 102

Xenofonte:Cyr.

8.2, 10-118.6, 16: 48 n. 33

Yasna 12.9: 54 e n. 6030.7: 5634.14: 5630.5: 5730.7: 57 n. 7530.10: 57 n. 7531.3: 59 n. 8231.11: 5731.20: 57 n. 7536.1: 5944.17-18: 57 n. 7545.5-10: 57 n. 7546.13: 57 n. 7546.19: 56; 57 n. 75

Yasna Haptanghâiti17.11: 59 n. 83

Zadspram 3.82–83: 59

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 49: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

279

Volumes publicados na Colecção Humanitas Supplementum

1. Francisco de Oliveira, Cláudia Teixeira e Paula Barata Dias: Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e Heranças Contemporâneas. Vol. 1 – Línguas e Literaturas. Grécia e Roma (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2009).

2. Francisco de Oliveira, Cláudia Teixeira e Paula Barata Dias: Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e Heranças Contemporâneas. Vol. 2 – Línguas e Literaturas. Idade Média. Renascimento. Recepção (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2009).

3. Francisco de Oliveira, Jorge de Oliveira e Manuel Patrício: Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e Heranças Contemporâneas. Vol. 3 – História, Arqueologia e Arte (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2010).

4. Maria Helena da Rocha Pereira, José Ribeiro Ferreira e Francisco de Oliveira (Coords.): Horácio e a sua perenidade (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2009).

5. José Luís Lopes Brandão: Máscaras dos Césares. Teatro e moralidade nas Vidas suetonianas (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2009).

6. José Ribeiro Ferreira, Delfim Leão, Manuel Tröster and Paula Barata Dias (eds): Symposion and Philanthropia in Plutarch (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2009).

7. Gabriele Cornelli (Org.): Representações da Cidade Antiga. Categorias históricas e discursos filosóficos (Coimbra, Classica Digitalia/CECH/Grupo Archai, 2010).

8. Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simões Rodrigues (Coords.): Sociedade, poder e cultura no tempo de Ovídio (Coimbra, Classica Digitalia/CECH/CEC/CH, 2010).

9. Françoise Frazier et Delfim F. Leão (eds.): Tychè et pronoia. La marche du monde selon Plutarque (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, École Doctorale 395, ArScAn-THEMAM, 2010).

10. Juan Carlos Iglesias-Zoido, El legado de Tucídides en la cultura occidental (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, ARENGA, 2011).

11. Gabriele Cornelli, O pitagorismo como categoria historiográfica (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2011).

12. Frederico Lourenço, The Lyric Metres of Euripidean Drama (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2011).

13. José Augusto Ramos, Maria Cristina de Sousa Pimentel, Maria do Céu Fialho, Nuno Simões Rodrigues (coords.), Paulo de Tarso: Grego e Romano, Judeu e Cristão (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012).

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

Page 50: Dos Homens e suas Ideias - pombalina.uc.pt · Diógenes Laércio e os Persas (Diogenes Laertius and the Persians) 39 Edrisi Fernandes Filósofos entre a vida e a morte: Diógenes

280

14. Carmen Soares & Paula Barata Dias (coords.), Contributos para a história da alimentação na antiguidade (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012).

15. Carlos A. Martins de Jesus, Claudio Castro Filho & José Ribeiro Ferreira (coords.), Hipólito e Fedra - nos caminhos de um mito (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012).

16. José Ribeiro Ferreira, Delfim F. Leão, & Carlos A. Martins de Jesus (eds.): Nomos, Kosmos & Dike in Plutarch (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012).

17. José Augusto Ramos & Nuno Simões Rodrigues (coords.), Mnemosyne kai Sophia (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012).

18. Ana Maria Guedes Ferreira, O homem de Estado ateniense em Plutarco: o caso dos Alcmeónidas (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012).

19. Aurora López, Andrés Pociña & Maria de Fátima Silva, De ayer a hoy: influencias clásicas en la literatura (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012).

20. Cristina Pimentel, José Luís Brandão & Paolo Fedeli (coords.), O poeta e a cidade no mundo romano (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012).

21. Francisco de Oliveira, José Luís Brandão, Vasco Gil Mantas & Rosa Sanz Serrano (coords.), A queda de Roma e o alvorecer da Europa (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2012).

22. Luísa de Nazaré Ferreira, Mobilidade poética na Grécia antiga: uma leitura da obra de Simónides (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2013).

23. Fábio Cerqueira, Ana Teresa Gonçalves, Edalaura Medeiros & JoséLuís Brandão, Saberes e poderes no mundo antigo. Vol. I – Dos saberes (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, Classica Digitalia,2013). 282 p.

24. Fábio Cerqueira, Ana Teresa Gonçalves, Edalaura Medeiros & Delfim Leão, Saberes e poderes no mundo antigo. Vol. II – Dos poderes (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, Classica Digitalia, 2013). 336 p.

25. Joaquim J. S. Pinheiro, Tempo e espaço da paideia nas Vidas de Plutarco (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, Classica Digitalia, 2013). 458 p.

26. Delfim Leão, Gabriele Cornelli & Miriam C. Peixoto (coords.), Dos Homens e suas Ideias: Estudos sobre as Vidas de Diógenes Laércio (Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, Classica Digitalia, 2013).

Versão integral disponível em digitalis.uc.pt