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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES MESTRADO EM DIREITO DO MONOPÓLIO À LIVRE CONCORRÊNCIA A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO Mestrando: Ilan Goldberg Orientador: Professor Doutor Marcos Juruena Villela Souto Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

MESTRADO EM DIREITO

DO MONOPÓLIO À LIVRE CONCORRÊNCIA

A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO

Mestrando: Ilan Goldberg

Orientador: Professor Doutor Marcos Juruena Villela Souto

Rio de Janeiro

2007

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

MESTRADO EM DIREITO

DO MONOPÓLIO À LIVRE CONCORRÊNCIA A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito, área de regulação e concorrência, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Marcos Juruena Villela Souto.

Rio de Janeiro 2007

Goldberg, Ilan Título: Do monopólio à livre concorrência. A criação do mercado ressegurador brasileiro. Ilan Goldberg. Rio de Janeiro. Universidade Cândido Mendes, Mestrado em Direito, 2007. Xi, 195p., il. 31 cm. Orientador: Marcos Juruena Vilella Souto Dissertação (Mestrado) – UCAM, Mestrado em Direito, 2007. Referências Bibliográficas, f. 187-195 1. Resseguro 2. Regulação 3. Auto-regulação.

Autor: Ilan Goldberg Título: Do monopólio à livre concorrência. A criação do mercado ressegurador brasileiro. Assunto: Resseguro. Criação do mercado ressegurador brasileiro. Modificação do papel do Estado. Ordem Econômica Constitucional. Regulação. Auto-regulação. Principais elementos a serem observados pelo órgão regulador. Autonomia da vontade das partes. Usos e costumes internacionais. Número de folhas: 195 fls.

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

MESTRADO EM DIREITO

DO MONOPÓLIO À LIVRE CONCORRÊNCIA A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO

Ilan Goldberg

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito, submetida à aprovação da Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: ___________________________________

Orientador: Prof. Dr. Marcos Juruena Villela Souto

___________________________________

Prof. Dr. Paulo Luis de Toledo Piza ___________________________________ Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim

Rio de Janeiro 2007

À minha esposa, Maria Goldberg, literalmente por tudo. À minha mãe, por ter-me ensinado a ser quem sou. Ao meu irmão, melhor amigo. Ao meu pai.

AGRADECIMENTOS

A primeira pessoa e, com certeza, a que mais me motivou a aceitar o desafio de

cursar o Mestrado em Direito foi a minha linda esposa, Maria.

Naquela ocasião, em meados de setembro de 2004, confesso que o curso não era

uma prioridade para mim mas, com apoio e incentivo, resolvi participar do concurso de

seleção e, dali por diante, o caminho foi longo e muito trabalhoso. O resultado, com

certeza, extremamente proveitoso.

Realmente muitos finais de semana e feriados foram dedicados à realização deste

trabalho. A advocacia, como profissão, exige muito do profissional. Conciliar o

exercício desta profissão com o desenvolvimento de um projeto acadêmico requer

dedicação, esforço e perseverança. O lazer, a prática dos esportes que tanto prezo, assim

como o convívio com a família e os amigos, tiveram que ser deixados para um segundo

plano. Por já ter passado por esta experiência, Maria soube como me motivar em cada

momento, dando-me força para não esmorecer, mesmo quando a redação do trabalho

parecia que jamais teria fim.

Por todo o amor e pela compreensão incondicional, meu agradecimento

especialíssimo é dedicado a você, Sra. Goldberg, com quem tenho o prazer e a alegria

de conviver no meu dia-a-dia.

Minha mãe Anita, “desde sempre”, educou-me da melhor maneira possível. Não

poupou esforços para, sozinha, proporcionar uma vida excelente a mim e ao meu irmão,

sendo absolutamente decisiva na formação da minha personalidade. Querida mãe: a

você, o meu agradecimento e a minha admiração, por tudo o quê você representou,

representa e representará à minha vida. Um modelo de luta e de pessoa para mim e para

todos os meus.

Ao Andre, meu irmão e melhor amigo, grande companheiro, que também me

acompanha desde o início. Recordo-me da alegria que foi a cerimônia de recebimento

da carteira de estagiário da Ordem dos Advogados do Brasil, quando ainda cursava o 7º

período da Faculdade de Direito. Lá estávamos, juntos, celebrando, sempre juntos.

Meu pai, Jaques, me fez muito feliz a nossa reaproximação nos últimos anos. Que

possamos seguir dessa maneira até os 120 anos. Cada vez mais próximos.

Ao meu orientador, Doutor Marcos Juruena, um agradecimento muito especial.

Lembro-me da nossa primeira conversa, na qual lhe expus o que pretendia abordar na

minha dissertação. A partir de então, quando, imediatamente, o meu pedido foi aceito,

somente tenho elogios a lhe fazer. Não houve uma ocasião em que eu tenha ficado sem

uma rápida resposta. A leitura dos capítulos, na medida em que foram sendo elaborados,

sempre foi realizada de forma minuciosa, o que colaborou sobremaneira para o

aprimoramento do produto final.

Diversas foram as recomendações ao longo deste caminho de pouco mais de 2

(dois) anos que, com certeza, muito me ajudaram à consecução deste trabalho e, mais do

que isto, para o meu amadurecimento como profissional do Direito.

A você, Doutor Marcos, o meu sincero agradecimento. Esta dissertação,

indubitavelmente, também é obra sua.

Ao meu grande amigo, parceiro e sócio Eduardo Chalfin, que me acolheu de

braços abertos quando eu ainda era estagiário, no segundo ano de Faculdade. Mais

tarde, me propôs uma sociedade na advocacia que, com todo o nosso esforço, hoje é

muito proveitosa e gratificante. A você, meu amigo Chalfin, a minha mais profunda

gratidão.

À Clara Vainboim, minha igualmente amiga, parceira e sócia, que sempre me

apoiou nos meus projetos acadêmicos, mesmo ciente de que, inevitavelmente, estes

tomariam espaço das minhas atribuições profissionais cotidianas. Com você Clara,

tenho demonstrações diárias de como é importante aproveitar cada momento da vida.

A todos os meus colegas do escritório Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados

Associados e, em especial, menciono alguns nomes, desde já receoso por ter esquecido

algum, por terem colaborado com as pesquisas, revisão dos textos, troca de idéias e,

mais do que isso, por terem me transmitido a tranqüilidade para, em alguns momentos,

abdicar das minhas atribuições profissionais para me concentrar no desenvolvimento

desta dissertação. São eles: Paulo Maximilian W. M. Schonblum, Leonardo Burman,

Ticiana Kirszberg, Walter Fares, Roberto Flamenbaum, Eric Dias, Camila Mazzarela,

Andréa Duarte Maravilha, Luis Eduardo Meurer Azambuja, George Mc Kenzie, Úrsula

Goulart, Márcia Zavataro, Marcio Alchorne, Rodrigo Marra, Paula Rodrigues, Beatriz

Rangel, Sari Franco, Mirela Saar Câmara, Gabrielle Cerri, Roberta Mauro, Daniella

Guarnieri Krause, Eduardo Malheiros Fonseca, Beresford Martins Neto, David e

10

Gabriela Paterman, Maria Angélica Benetti, Ana Lúcia Berardinelli, Fábio Castro,

Danielle Gimenez, Josi Mota, Claudia Batista, Simone Silva, Rafael Rodrigues, Felipe

Garcia, Elaine Souza, Eron Pereira e Simone Willkomm.

No mercado da advocacia securitária, duas pessoas foram muito especiais para o

meu aprimoramento profissional.

Assim, agradeço sinceramente ao Doutor Ernesto Tzirulnik, pelas boas conversas

que tivemos nos últimos anos, muito enriquecedoras para mim. Também lhe agradeço

por ter-me disponibilizado a biblioteca do seu escritório, na qual pude aprofundar um

pouco mais as minhas pesquisas.

Ao Doutor Paulo Piza, com quem tive o privilégio de passar a conviver nos

últimos anos, que considero do mais elevado grau de conhecimento em matéria de

resseguro. Aprendi muito com as suas observações e com sua obra.

Ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade Cândido Mendes, nas

pessoas dos funcionários Fagner Castro e Ana Paula Ioselli e, em especial, ao Doutor

João Marcelo de Lima Assafim, cuja participação em minha banca examinadora muito

engrandeceu o produto final desta dissertação.

Por fim, agradeço ao grupo de estudos de resseguro da Associação Internacional

de Direito do Seguro – AIDA BRASIL, em especial ao Doutor Sérgio Mello, que

coordena este grupo e que, muito gentilmente, recebeu alguns capítulos desta

dissertação para exame.

RESUMO

Nesta dissertação analisamos os principais aspectos decorrentes da modificação

do papel do Estado por força do advento da Constituição da República de 1988, tendo

como foco o resseguro. Por força da ordem econômica que prevalecia na década de 30,

ao IRB, à época chamado Instituto de Resseguros do Brasil, criado em 1939, foi

imediatamente concedida a exploração do resseguro em regime de monopólio. Passados

mais de 60 (sessenta) anos desde a sua criação, em 15.01.2007, foi sancionada a Lei

Complementar nº. 126, que eliminou o monopólio até então existente. Os principais

elementos a serem observados pelo órgão responsável pela regulação do recém criado

mercado ressegurador brasileiro foram estudados, merecendo especial relevo a

autonomia da vontade das partes, bem como os usos e costumes internacionais. Aos

aspectos jurídico-constitucionais que envolveram a elaboração do Projeto de Lei

Complementar nº. 249, de 2005, que culminou com a sanção da mencionada Lei

Complementar, também foi dedicada atenção, partindo da emenda à Constituição nº. 13,

de 1996, passando pela Lei nº. 9.932, de 1999, a Ação Direta de Inconstitucionalidade -

ADIN nº. 2223-7, a Emenda à Constituição nº. 40, de 2003, o posterior julgamento da

mencionada ADIN, culminando, por derradeiro, com a sanção do referido Projeto de

Lei Complementar. Estudou-se, também, a necessidade de que a regulação do

resseguro, em razão de sua marcante especificidade e tecnicidade, deve ser realizada por

agência reguladora independente, a ser criada com esta finalidade, sendo certo que, ante

à influência dos mencionados usos e costumes internacionais, cuja efetivação é

realizada pelos próprios resseguradores, demonstrou-se a viabilidade jurídica de que o

resseguro possa ser objeto de auto-regulação no Brasil.

ABSTRACT

On this work, we draft an analysis of the principal aspects related to the

modification of the role of the State after the Brazilian Federal Constitution of 1988.

Because of the economic order current in the 30 s, IRB, at that time called 'Instituto de

Resseguros do Brasil', created in 1939, was immediately given the monopoly of the

reinsurance. After more than 60 (sixty) years since it´s creation, in January, 15th, 2007,

the Brazilian Congress enacted the Complementary Law nº. 126, which eliminated the

above-mentioned monopoly. This work also studied the essential elements to be

observed by the regulatory agency of the Brazilian reinsurance market, with special

attention to the autonomy of the Parties weal and the international practices. In addition,

the judicial and constitucional aspects regarding the Complementary Law Project nº.

249, of 2005 were examined, including Amendment to the Brazilian Federal

Constitution No. 13, of 1996, the Law No. 9.932, of 1999, the motion for declaration of

unconstitutionality nº. 2223-7 filed before the Brazilian Supreme Court , the

Amendment to the Constitution No. 40, of 2003, and, finally, the enactment of

Complementary Law Project. Because of it´s specificity and required technical

expertise, it is argued in this work that the regulation of reinsurance must be done by an

independent regulatory agency, to be created with this goal. Because of the importance

of the so called international practices, applied by the reinsurers themselves, the work

also examines the legal viability of their self-regulation in Brazil.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 151 SÉCULOS XX E XXI – O ESTADO E A MODIFICAÇÃO DE SUAS FUNÇÕES ......................................................................................

19

1.1 Introdução ......................................................................................... 19 1.2 Primeiras Considerações Relativas ao Setor de Resseguro Brasileiro ...........................................................................................

27

1.3 A Espera pelo Fim do Intervencionismo no Setor de Resseguro ..... 34 1.4 A Importância da Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de Agosto de 1996 .................................................................................

36

1.5 Como Passo Seguinte, a Emenda à Constituição nº. 40, de 29 de Maio de 2003 ...............................................................................

38

1.6 A Exploração do Setor de Resseguro em Regime de Monopólio .... 40 1.7 Conclusões Parciais .......................................................................... 472 DO REGIME MONOPOLISTA À LIVRE CONCORRÊNCIA – A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO.....

49

2.1 Considerações Iniciais ...................................................................... 49 2.2 Contextualizando o Resseguro ......................................................... 54 2.3 Limitações do Poder Regulatório exercido pelo Estado sobre o Resseguro ..........................................................................................

62

2.4 A Criação do Mercado Ressegurador Brasileiro ........................ 65 2.5 Os Fundamentos que Sustentam a Regulação do Mercado Ressegurador Brasileiro ....................................................................

75

2.5.1 A Flexibilização do Monopólio sob a Perspectiva Jurídico-Constitucional ...........................................................

75

2.6 Regulação e Resseguro ..................................................................... 78 2.7 Os Principais Elementos a serem observados pelo Órgão Regulador do Resseguro no Brasil....................................................

79

2.7.1 A Higidez Econômico-Financeira ........................................... 79 2.7.2 Livre Iniciativa e Livre Concorrência ..................................... 82 2.7.3 Cooperação .............................................................................. 87 2.8 Os Benefícios Decorrentes da Abertura do Mercado Ressegurador Brasileiro: ...................................................................

92

2.9 Conclusões Parciais .......................................................................... 963 DADOS PROVENIENTES DOS MERCADOS RESSEGURADO- RES ARGENTINO, DA COMUNIDADE EUROPÉIA E DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA .......................................................

98 3.1 Introdução ......................................................................................... 98 3.2 O Mercado de Resseguros na Argentina .......................................... 99 3.2.1 Breve Panorama ...................................................................... 100 3.2.2 A Atuação do INdeR ............................................................... 103 3.2.3 A Exploração do Resseguro em Regime de Livre Concor- rência ......................................................................................

105

3.2.4 As Atribuições Regulatórias .................................................... 109 3.3 O Mercado de Resseguro na Comunidade Econômica Européia ..... 111 3.4 O Mercado de Resseguro dos Estados Unidos da América – EUA . 117 3.5 Conclusões Parciais .......................................................................... 1214 HAVERIA UM AMBIENTE PROPÍCIO À AUTO-REGULA- ÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO? AS FUNÇÕES A SEREM EXERCIDAS PELO IRB – BRASIL RESSEGUROS S.A. ..............................................................

123 4.1 Introdução ......................................................................................... 123 4.2 Do Monopólio à Livre Concorrência por Intermédio da Regula- ção. O Destino Final será a Auto-Regulação? ..................................

125

4.3 Justificativa para a Regulação Independente .................................... 127 4.4 Auto-Regulação ................................................................................ 134 4.5 Os Usos e Costumes Ressecuritários Internacionais ........................ 144 4.5.1 Comunhão de Sorte entre Segurador e Ressegurador – folow the fortunes ....................................................................

148

4.5.2 Autonomia de Gestão do Segurador ........................................ 151 4.5.3 Obrigação de Respeito aos Atos Praticados pelo Segurador ... 154 4.5.4 Direito de Inspeção .................................................................. 155 4.5.5 Dever de Retenção do Risco pelo Segurador .......................... 157 4.6 Conclusão Quanto aos Usos e Costumes Internacionais .................. 158 4.7 As Funções a serem Exercidas pelo IRB – Brasil Resseguros S.A. no Mercado Ressegurador Brasileiro .......................................

159

4.7.1 O IRB Brasil – Resseguros S.A. como Regulador do Mercado – Impossibilidade .....................................................

161

4.7.2 O IRB – Brasil Resseguros S.A. como Estatal e Competidor . 164 4.7.3 Desestatização do IRB – Brasil Resseguros S.A.? .................. 167 4.8 A Criação de uma Agência Reguladora Independente para a Regulação do Resseguro ...................................................................

169

4.9 Conclusões Parciais .......................................................................... 177CONCLUSÃO ................................................................................................ 180REFERÊNCIAS .............................................................................................. 183

INTRODUÇÃO

A Constituição da República, de 5 de outubro de 1998, positivou no ordenamento

jurídico brasileiro os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência em seus

artigos 1º, inciso IV e 170, caput e inciso IV, sendo certo que a relação de atividades

passíveis de exploração em regime de monopólio foi taxativamente discriminada no

artigo 177.

O resseguro, independentemente de não figurar dentre as atividades previstas no

artigo 177 do texto constitucional, foi objeto de exploração monopolista desde 1939,

quando da criação do à época chamado Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, por

força do Decreto-lei nº. 1.186, de 3 de abril daquele ano.

Em razão da incipiência do mercado segurador nacional naquele período, quando

da criação do IRB foi observada a necessidade de que a exploração do resseguro fosse

realizada em regime de monopólio da União, como forma de evitar a evasão de divisas e

de bons negócios para o exterior.

Passados 67 (sessenta e sete) anos desde a criação do mesmo, precisamente em 15

de janeiro de 2007 foi sancionada a Lei Complementar nº. 126 que, enfim, flexibilizou o

monopólio do resseguro no Brasil, submetendo a sua exploração à livre concorrência.

No que se refere à atuação do Estado, após se sucederem diversas modificações

em serviços públicos e atividades econômicas diversas, como, a título exemplificativo,

as ocorridas com as telecomunicações e com a exploração de petróleo e gás, por força

das Emendas à Constituição números 8, de 15 de agosto de 1995 e 9, de 9 de novembro

de 1995, respectivamente, corolário da convicção de que os modelos do Estado Bem-

Estar, Empresário e Desenvolvimentista deveriam ser redesenhados, reuniram-se os

elementos necessários à modificação do regime de exploração do resseguro no país.

Assim, estudamos nesta dissertação, especificamente, todos os passos seguidos a

caminho da flexibilização do monopólio do IRB – Brasil Resseguros S.A.

(nomenclatura que passou a ser utilizada a partir de 1997, quando da promulgação da

Lei nº. 9.482, de 13 de agosto), migrando do regime monopolista para o regime da livre

concorrência.

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No primeiro capítulo, abordaremos a mencionada modificação das funções

exercidas pelo Estado, tendo como foco o setor de resseguro. Procuramos demonstrar

que, durante boa parte do século XX, o monopólio da União, exercido por intermédio de

sua resseguradora, justificou-se, considerando que o desenvolvimento da economia

nacional encontrava a necessidade de que fossem oferecidas as coberturas

ressecuritárias. Caso não houvesse um ressegurador brasileiro, em condições de oferecer

essas coberturas, necessariamente haveria a necessidade de se recorrer aos mercados

resseguradores estrangeiros, ocasionando um esvaziamento da economia nacional.

O controle da União sobre o resseguro brasileiro afigurava-se estratégico com

vistas ao aperfeiçoamento do mercado segurador nacional e, além disso, mostrava-se

perfeitamente alinhado com o modelo estatal predominante – o chamado “hiper-Estado”

– marcado pelo acúmulo de responsabilidades nos mais diversos segmentos da

sociedade, fossem afetas aos serviços públicos ou às atividades econômicas.

No segundo capítulo, analisaremos como se processará a construção do mercado

ressegurador brasileiro. Mesmo considerando a sanção da mencionada Lei

Complementar, analisaremos que este diploma legal, por si só, não será capaz de

propiciar a criação do mercado ressegurador brasileiro.

Tomando como ponto de partida a exploração em regime monopolista, marcado

pela existência de um setor de resseguro e não do mercado, discutiremos quais são os

principais alicerces sobre os quais o órgão responsável pela regulação do mercado

ressegurador brasileiro deverá centrar a sua atuação, quais sejam, higidez econômico-

financeira, livre concorrência e acordos de cooperação.

Sob a perspectiva jurídico-constitucional, explicaremos, de maneira

pormenorizada, a importância da Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de agosto de

1996, sucedida, três anos mais tarde, pela Lei Ordinária nº. 9.932, de 20 de dezembro de

1999, cujo escopo era transferir as atribuições regulatórias exercidas pelo IRB – Brasil

Resseguros S.A. à Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, autarquia vinculada

ao Ministério da Fazenda, responsável pela regulação do mercado segurador brasileiro

desde 1966, por força do que determina o artigo 36 do Decreto-lei nº. 73, de 21 de

novembro daquele ano, não obstante tenha ocorrido a recepção deste diploma legal pela

Constituição Federal de 1988.

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Comentaremos a respeito da ADIN nº. 2223-7, que atacou a comentada

transferência de atribuições regulatórias do IRB – Brasil Resseguros S.A. à

Superintendência de Seguros Privados – SUSEP por meio de Lei Ordinária, ao

argumento de que esta transferência carecia de que fosse sancionada Lei Complementar

a respeito da matéria.

Na seqüência, observaremos a importância da Emenda à Constituição nº. 40, de

29 de maio de 2003 e sua influência no julgamento da referida ADIN pelo Supremo

Tribunal Federal, culminando, já em 2007, consoante se expôs, com a sanção da Lei

Complementar nº. 126, fruto da aprovação do Projeto de Lei Complementar nº. 249.

Particularmente no que toca à regulação do resseguro, destacaremos a relevância

dos usos e costumes internacionais e da autonomia da vontade das partes, chamando a

atenção à necessidade de que a intervenção estatal nas relações que serão desenvolvidas

entre resseguradores e seguradores deverá ser leve, norteada pelo princípio da

subsidiariedade.

Por fim, analisaremos as principais vantagens decorrentes da flexibilização do

monopólio do resseguro no país.

No terceiro capítulo estudaremos dados provenientes dos mercados

resseguradores argentino, da Comunidade Européia e dos Estados Unidos da América.

Do mercado ressegurador argentino, foram colhidas as experiências oriundas da

flexibilização do monopólio ocorrido naquele país, por força da liquidação do Instituto

Nacional de Reaseguros, ocorrida em 1992.

Dos mercados resseguradores da Comunidade Européia e dos Estados Unidos da

América, extraiu-se a importância de que seja fiscalizada a higidez econômico-

financeira dos seus resseguradores.

Ante à globalização e a atuação dos resseguradores nos cinco continentes,

demonstraremos que na Comunidade Européia o ressegurador autorizado a atuar num

país integrante passa a poder atuar, automaticamente, em todos os demais países

integrantes deste bloco, por força do que determina a Diretiva 2005/68/CE, de 16 de

novembro de 2005.

Nos Estados Unidos da América, de maneira similar, o ressegurador que obtém a

autorização para funcionamento num determinado Estado, independentemente das

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diferenças legislativas com outros Estados, fica, também autorizado a exercer as suas

funções nos demais estados.

No quarto capítulo, discutiremos se estariam ou não presentes os requisitos

necessários à auto-regulação do mercado ressegurador brasileiro. Nesse passo,

mencionaremos também quais serão as atribuições do IRB – Brasil Resseguros neste

novo cenário.

Antes, porém, de tratar da auto-regulação, demonstraremos a necessidade de que a

regulação do resseguro seja realizada de forma independente, por agência reguladora

criada especificamente com esta finalidade, visando justamente evitar interferências do

próprio Estado ou dos particulares envolvidos com este mercado – a incidência da

captura.

Com relação aos principais aspectos que deverão ser analisados pelo órgão

regulador do mercado ressegurador, comentaremos, individualmente, a respeito dos

usos e costumes internacionais aplicáveis à matéria.

Quanto às funções a serem exercidas pelo IRB – Brasil Resseguros S.A. no

mercado aberto de resseguro brasileiro, trataremos acerca da impossibilidade de que

pelo mesmo permaneçam sendo exercidas atribuições regulatórias, assim como

estudaremos a possibilidade de que este continue como estatal, competindo com os

demais resseguradores que se instalarão no mercado ressegurador nacional.

Por fim, cuidaremos da análise da viabilidade jurídica de que o IRB seja

desestatizado, bem como reforçaremos a necessidade de que a regulação do mercado

ressegurador seja exercida por agência reguladora independente, a ser criada com esta

finalidade específica.

CAPÍTULO 1

SÉCULOS XX E XXI – O ESTADO E A MODIFICAÇÃO DE SUAS

FUNÇÕES

1.1 Introdução

Os artigos 1º, inciso IV e 170, caput e inciso IV, da Constituição Federal de

5.10.1988, trataram da livre iniciativa e da livre concorrência como princípios da ordem

econômica, o que representou uma inovação em comparação com as Constituições

brasileiras anteriores, consideradas as modificações ocorridas com o Estado ao longo

dos anos 90.

Compreendidas como, respectivamente, fundamento da República Federativa do

Brasil e princípio da ordem econômica, a livre iniciativa e a livre concorrência1

revelaram uma modificação do cenário construído ao longo do Século XX,

consideravelmente marcado pela intervenção estatal, corolário do regime ditatorial2.

1 “No concernente à organização da nossa ordem econômica, parece inegável o predomínio dos princípios da livre

iniciativa e da livre concorrência, que, embora sejam expressões próximas, não se confundem. De fato, a livre iniciativa garante a todos – papel primordial é preservado à iniciativa particular – a prerrogativa de lançar-se no mercado, na exploração de uma determinada atividade, por sua própria conta e risco, não assegurando a prevalência das leis de mercado. Enquanto que a livre concorrência vai mais além e assegura ao agente econômico a possibilidade de desfrutar da exploração de um setor submetido a regras que permitem uma competição em condições de igualdade, de isonomia com relação aos demais concorrentes. A livre concorrência envolve a competitividade, a disputa por mais de uma empresa em torno da conquista do mercado, o que gera maior produtividade, melhorias dos preços e qualidade dos produtos. Ora, estes princípios vetores são absolutamente infensos à intromissão do Estado na economia, que hoje, portanto, deve ater-se à exploração de seus monopólios (art. 177 da CF), assim como a assunção excepcional da atividade econômica, quando presentes os pressupostos do art. 173 – porém, não em caráter monopolista – e à atividade regulamentadora, que vem disciplinada no art. 174, e que também não é incondicionada à atuação estatal; pelo contrário, o Poder Público só pode regulamentar nos termos do caput do referido artigo (...)”.(Celso Ribeiro Bastos. Instituto de Resseguros do Brasil – Seguros face à Constituição Federal. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 7. São Paulo: RT, 1994, pp. 140/150).

2 A principal diferença existente entre as Constituições da República de 1988 e as que lhe antecederam pode ser destacada a partir da possibilidade anteriormente existente de que o Estado pudesse criar monopólios por iniciativa legislativa a cargo da União Federal. A seguir, alguns dispositivos das Constituições Brasileiras anteriores à atual: 2 A Constituição Federal de 16 de julho de 1934, em seus artigos 115 e 116, dispunha: Art. 115. “A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica. Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões do País. Art 116 - Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações, devidas, conforme o art. 112, nº 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais.” A Constituição

20

Enquanto que em boa parte daquele Século o Estado tenha ficado marcado pela

atuação direta nos mais diversos seios da Sociedade, sobretudo nos Poderes Executivo e

Legislativo, o que, por certo, acarretou a exploração de diversos serviços públicos e de

atividades econômicas em regime de monopólio, além de terem sido instituídos diversos

outros monopólios independentemente de prévia disciplina pelas Constituições federais,

a segunda metade da década de 1990 e o início do Século XXI apresentaram mostras

evidentes de que tanto a livre iniciativa quanto a livre concorrência estão assumindo

papel fundamental nas reformas que o Estado brasileiro vem sofrendo.

O início do Século XX, até aproximadamente a década de 1930, marcou o Estado

brasileiro por ser essencialmente agro-produtor, sendo praticamente inexistente

qualquer aparato industrial digno de distinção. Luis Carlos Bresser-Pereira3 comenta

esse período, que demarcou o início do desenvolvimento industrial brasileiro:

A partir de 1930, ou, se quisermos ser mais exatos, no decorrer dos anos 1930, tem início a decolagem do desenvolvimento brasileiro; é nesta década que o Brasil entra propriamente na fase de sua Revolução Industrial. As transformações que irão ocorrer a partir desse momento, todavia, não surgem do nada. Embora só a partir de 1930 se verifique uma solução de continuidade no processo histórico brasileiro, que dá um salto para frente, rompendo com suas bases agrárias, tradicionais e de caráter basicamente colonial, é certo que a decolagem da economia brasileira tem antecedentes bem definidos4.

Federal de 10 de novembro de 1937, em seu artigo 135, dispunha: “Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta”. A Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, em seu artigo 146, dispunha: “A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição”. A Constituição Federal de 1967, em seu artigo 157, caput, e parágrafos 8º e 9º, dispunha: “Art 157 - A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes princípios: I - liberdade de iniciativa; II - valorização do trabalho como condição da dignidade humana; III - função social da propriedade; IV - harmonia e solidariedade entre os fatores de produção; V - desenvolvimento econômico; VI - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros. § 8º - São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais. § 9º - Para atender à intervenção no domínio econômico, de que trata o parágrafo anterior, poderá a União instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer”.

3 BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. Desenvolvimento e Crise no Brasil. 5 ed. São Paulo: Ed. 34, 2003, p. 41. 4 Com relação aos elementos que antecederam o desenvolvimento da atividade industrial no país, convém observar

as palavras de Bresser-Pereira (ob. cit., p. 41): “Esses antecedentes podem ser encontrados, em primeiro lugar, no desenvolvimento da cultura do café, que se desenvolve no Brasil a partir de meados do século XIX. O ciclo do café tem características diversas do ciclo do açúcar ou do ouro. Além do fato de os ciclos do açúcar e do ouro terem ocorrido em plena época colonial, a diferença fundamental está no fato de que com o café começa a ser usado em grande escala o trabalho assalariado, ao invés do trabalho escravo. (...) Surge, assim, em grande escala

21

Com o advento do regime ditatorial no país, mais precisamente com a chegada da

“Era Vargas”, a aspiração por um Estado forte e que fosse competitivo fez com que a

intervenção estatal nos mais diversos setores da economia e da infra-estrutura se

acentuasse, o que vinha ao encontro da ideologia segundo a qual as divisas produzidas

no Brasil não deveriam ser expropriadas pelo capital estrangeiro. Mesmo criticado por

ter sido instituído o regime ditatorial em 1937 e em 1945, fato é que Getúlio Vargas,

entre as décadas de 30 e 60, conseguiu implementar o desenvolvimento da economia

nacional. Os comentários de Bresser-Pereira5 a respeito deste período são precisos:

Nos quase 20 anos em que governou o Brasil, Getúlio cometeu erros, o principal dos quais foi ter assumido poderes ditatoriais entre 1937 e 1945, mas isso não o impediu de ser o grande estadista brasileiro do século 20. Entre 1930 e 1960, o Brasil se transformou: logrou completar sua revolução capitalista e avançou a passos largos em sua revolução nacional. Em 1930 o Brasil era um país agrícola; em 1960, um país industrial. Em 1930 o capitalismo era ainda essencialmente mercantil e, não obstante o surgimento de uma elite cafeeira moderna no oeste paulista, a idéia de aumento da produtividade engatinhava; em 1960, o capitalismo brasileiro já era industrial, liderado por uma nova classe empresarial originária da imigração, que investia e incorporava progresso técnico a todo vapor. Em 1930 a classe média era pequena, girando em torno de um Estado patrimonial; em 1960 já surgira uma grande classe média privada, enquanto a tecnoburocracia estatal crescera e se modernizara. Em 1930 o Estado patrimonial era apenas um instrumento de ordem e da unidade nacional; em 1960, transformara-se no grande Estado desenvolvimentista que permitia à economia brasileira crescer como nunca antes crescera.

A construção do Estado brasileiro forte, portanto, motivou a instituição de

monopólios em diversos segmentos importantes para a economia e a infra-estrutura do

país, sendo exemplos clássicos o regime monopolista sobre a exploração de petróleo e

derivados6, sobre o sistema de telecomunicações7 e sobre o sistema de produção e

no Brasil, fora dos centros urbanos, o trabalho remunerado, que permitirá a formação de um incipiente mercado interno. Abre-se uma brecha no sistema agrário tradicional brasileiro, de caráter semifeudal, com as fazendas constituindo-se em centros relativamente auto-suficientes no que diz respeito ao consumo de seus escravos e agregados. Desenvolve-se o comércio interno. Começam a surgir as condições básicas para a instalação de uma indústria nacional orientada para o mercado interno”.

5 BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. O Estadista Brasileiro do Século XX. Artigo publicado no Jornal Folha de São Paulo. 22.08.2004. Disponível em <http://www.bresserpereira.org.br/ver_file.asp?id=1441&busca=era%20vargas>, acessado em 12.08.2006.

6 No dia 3 de outubro de 1953, era sancionada a Lei nº. 2.004, que estabelecia o monopólio da União Federal sobre as atividades integrantes da indústria do petróleo: (i) pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases raros existentes no território nacional; (ii) refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; (iii) transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no país; e (iv) transporte, por meio de dutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases raros de qualquer origem. A Lei nº. 2.004 estabelecia, também, que a União Federal estava autorizada a constituir

22

transmissão de energia elétrica8, ou seja, o raciocínio orientador da política à época

adotada era no sentido de que o Estado deveria ser um “hiper-Estado9”, preparado para

atuar em todas as frentes necessárias de maneira eficiente.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto10, discorrendo a respeito da intensa presença do

Estado no desenvolvimento da economia nacional, comenta:

Mesmo porque é nítida a inexistência de setores de produção econômica plenos, perfeitos e autóctones ao Estado brasileiro. O Brasil era tipicamente (ou somente) um país agro-exportador até a década de 1930. Depois disso – e mediante uma forte intervenção estatal – tornou-se um País semi-industrializado. O surgimento do “domínio econômico” nacional, nos mais diversos setores (máxime as indústrias pesadas e os setores de infra-estrutura) deve-se antes à intervenção do Estado do que à iniciativa privada. Poucos são os setores onde se desenvolveu um capitalismo liberal puro, que não fosse apenas um “liberalismo de fachada”. Não pode se dizer que o País ingressou num plano desenvolvimentista autônomo, com a existência de mercados firmes em todos os setores da economia. Muito menos se forem consideradas a dimensão nacional e as peculiaridades regionais.

a Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras, como empresa estatal de petróleo para execução do monopólio, incluindo a execução de quaisquer atividades correlatas ou afins àquelas monopolizadas. Surgia assim a Petrobras, constituída em 12 de março de 1954, durante a 82ª Sessão Extraordinária do CNP. Em 2 de abril de 1954, o Governo Federal aprovava a decisão com o Decreto nº 35.308. (Informações obtidas em <http://www2.petrobras.com.br/portal/Petrobras.htm>, acessado em 12.08.2006).

7 Em 27 de agosto de 1962 foi editada a Lei nº. 4.117 – Código Brasileiro de Telecomunicações. Esta lei possibilitou a criação do Sistema Nacional de Telecomunicações e atribuiu à União a competência para explorar diretamente os serviços de telecomunicações. Foi regulamentado o artigo 151 da Constituição de 1946, que tratava das tarifas, autorizando o Poder Executivo a criar uma empresa pública para explorar os serviços. Em seu artigo 42, foi autorizada a criação pelo Poder Executivo de uma empresa para explorar os serviços de telecomunicações, denominada “Empresa Brasileira de Telecomunicações – Embratel”. (Fonte: <http://www.mc.gov.br/historico/telefonia/default.htm>, acessado em 12.08.2006).

8 “Estatização (1950-1990). Por essa época, no segundo Pós-Guerra, mantido o conceito anterior de que o desenvolvimento brasileiro tinha que ser baseado na industrialização e de que para isso a energia elétrica era essencial, mas considerando que não estava havendo uma resposta adequada por parte da iniciativa privada no desenvolvimento dos serviços de energia elétrica, o que entravava o desenvolvimento industrial, então o Estado decidiu assumir a responsabilidade pela execução desses serviços, não mais deixando essa atividade por conta dos particulares. Influenciou essa decisão a concepção, vigente à época, de que, em especial a atividade de geração de energia elétrica, por ser considerada, no jargão econômico, uma atividade de capital intensivo, exigindo grandes volumes de investimento e propiciando um retorno diluído a longo prazo, não estaria ao alcance da poupança privada, que não tinha porte suficiente para responder às necessidades nacionais de investimento na geração. Então o país assistiu, a partir do final da década de 40, o avanço estatal nos serviços de energia elétrica, em dois níveis: de um lado, a União, criando grandes empresas geradoras – a primeira delas foi a CHESF, Cia. Hidrelétrica do São Francisco, criada no Nordeste pelos idos de 1947-1948; e, de outro lado, os Governos Estaduais, também entrando no setor de energia elétrica, através da criação de empresas distribuidoras. Um ano após o outro, praticamente todos os Estados criaram, ao longo da década de 50, as suas empresas distribuidoras de energia elétrica, contribuindo para a caracterização do novo modelo setorial brasileiro, o modelo estatal, que, complementado pela criação da ELETROBRÁS, no início da década de 60, predominou até o recente processo de reestruturação e privatização, iniciado em 1995. (WALTENBERG, David. O Direito da Energia Elétrica e a ANEEL. In: Direito Administrativo Econômico. Coord. Carlos Ari Sundfeld, São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 355/356).

9 A expressão “hiper-Estado” foi utilizada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Direito de Participação Política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 185.

10 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito de Participação Política. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 185. Apud MOREIRA, Bockmann. In: O Direito Administrativo da Economia e a Atividade Interventiva do Estado Brasileiro. Direito Administrativo – Estudos em Homenagem ao Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Coord. Fábio Medina Osório e Marcos Juruena Villela Souto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 859.

23

Nota-se, dessa maneira, que o desenvolvimento da economia nacional ao longo do

século XX, notadamente em sua primeira metade, esteve profundamente vinculado à

intervenção estatal nas mais diversas esferas, seja em matéria de prestação de serviços

públicos, seja em matéria de desenvolvimento de atividades econômicas.

Comentando a respeito dos poderes conferidos ao Presidente da República pela

Constituição de 10 de novembro de 1937, seguem as palavras de José Afonso da Silva11:

Em síntese, teve a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1937, como principais preocupações: fortalecer o Poder Executivo, a exemplo do que ocorria em quase todos os outros países, julgando-se o chefe do governo em dificuldades para combater pronta e eficientemente as agitações internas; atribuir ao Poder Executivo uma intervenção mais direta e eficaz na elaboração de leis, cabendo-lhe em princípio, a iniciativa e, em certos casos, podendo expedir decretos-leis; reduzir o papel do parlamento nacional, em sua função legislativa, não somente quanto à sua atividade e funcionamento, mas ainda quanto à própria elaboração da lei; eliminar as causas determinantes das lutas e dissídios de partidos, reformando o processo representativo, não somente na eleição do parlamento, como principalmente em matéria de sucessão presidencial; conferir ao Estado a função de coordenador e orientador da economia nacional, declarando, entretanto, ser predominante o papel da iniciativa individual e reconhecendo o poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo; reconhecer e assegurar os direitos de liberdade, de segurança e de propriedade do indivíduo, acentuando, porém, que devem ser exercidos nos limites do bem público; a nacionalização de certas atividades e fontes de riqueza, proteção ao trabalho nacional, defesa dos interesses nacionais em face do elemento alienígena.

A aproximação às últimas décadas do século XX, por sua vez, revelou que o

acúmulo de funções exercidas pelo Estado tornou-o ineficiente em várias delas. As

conseqüências decorrentes da globalização esclareceram que não seria possível atender

satisfatoriamente à demanda da população por serviços públicos, infra-estrutura e

desenvolvimento econômico concomitantemente, ou seja, tornou-se flagrante a

necessidade de que o Estado reformulasse o seu papel, deixando de ser o “personagem

principal”, leia-se, ator, para passar a ser “coadjuvante”, leia-se, regulador, viabilizando,

11 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 83.

João Bosco Leopoldino da Fonseca, no que se refere à autoridade do Presidente da República à época, afirma: “A Constituição de 1937 restringiu-se unicamente ao campo do nominalismo. Foi um nome sem qualquer vinculação com a realidade política e social do país. Fruto de um amálgama de fascismo, corporativismo, nacionalismo e de aparente liberalismo, o fato é que os dois únicos artigos que nela tiveram eficácia foram o artigo 180, onde está dito que “enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o Presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União”, e o artigo 186 (“é declarado em todo o país o estado de emergência”). O país, nesse período, foi governado somente através de decretos-leis. (FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, pp. 115/116).

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assim, que a iniciativa privada pudesse agir em condições regulares, propiciando o

desenvolvimento em melhores condições para toda a sociedade.

Bresser-Pereira12, dissertando a respeito da influência da Globalização na referida

modificação do papel do Estado, sustenta:

A crise brasileira foi um caso paradigmático da grande crise dos anos 80 que ocorreu em quase todo o mundo. Entre 1979 e 1994, o Brasil viveu um período de estagnação da renda per capita e de alta inflação sem precedentes em sua história. Só a partir de 1994, com o Plano Real, estabilizaram-se os preços, criando-se condições para a retomada do crescimento. A causa fundamental dessa grande crise econômica foi a crise do Estado, que vinha ocorrendo mundialmente, mas que no Brasil foi particularmente acentuada. Esta crise, que ainda não está plenamente superada, apesar de todas as reformas já realizadas, desencadeou-se em 1979, com o segundo choque do petróleo, e caracterizou-se pela perda de capacidade do Estado de coordenador do sistema econômico de forma complementar ao mercado. Conforme ocorreu nos demais países, principalmente nos países latino-americanos e do Leste europeu, a crise definiu-se como uma crise fiscal, como uma crise do modo de intervenção do Estado, e como uma crise da forma burocrática pela qual o Estado era administrado.

A concepção de Estado forte, no Século XXI, difere substancialmente das

características inerentes à boa parte do Século XX. Atualmente, as preocupações do

Estado devem concentrar-se, exclusivamente, no que for essencial, no que for

indelegável13. Gaspar Ariño Ortiz14, no que toca a essa modificação, tece os comentários

a seguir:

Este modelo, aplicado em toda a Europa durante décadas, e também, embora com importantes alterações que não vêm ao caso, no mundo anglo-saxão, começa a se questionar em meados da década de 1950, por um grupo reduzido de economistas americanos e britânicos. A escola liberal de pensamento econômico, que se cristaliza nesses anos em Chicago e outros lugares, norteia um intenso período de pesquisa nos grandes centros acadêmicos dos EUA, onde estas críticas são formalizadas teoricamente. É

12 BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. Reforma do Estado para a Cidadania. São Paulo: ed. 34, 2002, pp. 40/41. 13 O constante intervencionismo do Estado na economia nacional, na qualidade de ator, isto é, personagem central

no que se refere ao desenvolvimento, foi classificado por Egon Bockmann Moreira como o Estado Promocional. Confira-se: “Isso resultou numa alteração nodal na configuração das normas constitucionais: “Na constituição liberal clássica, a função principal do estado parece ser aquela de tutelar (ou garantir); nas constituições pós-liberais, ao lado das funções da tutela ou da garantia, aparece mais freqüentemente a de promover”. Ao Estado é imposto o dever constitucional de realizar mudanças, empenhando-se e estimulando a adoção de comportamentos socialmente construtivos”. (MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 861). O trecho em aspas é da obra de Sulle Sanzioni Positive. In: Scritti dedicati ad Alessandro Raselli. t. I. Milano: Giuffré, 1971, p. 248 – posteriormente adaptado e publicado nos ensaios La Funzione Promozionale del Diritto e le Sanzioni Positive – ambos em Della Struttura alla Funzione. Milano: Ed. Di Comunitá, 1977).

14 ORTIZ, Gaspar Ariño. Sucessos e Fracassos da Regulação. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 3, ago-set-out, 2005. Disponível em <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-3-AGOSTO-2005-GASPAR%20ARINO%20ORTIZ.pdf>, p. 2, acessado em 11.11.2006.

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preciso lembrar aqui alguns nomes – quase todos, mais tarde, prêmios Nobel – como George Stigler, Milton Friedman, Ronald Coase, Harold Demsetz e outros. O seu trabalho se consagrará na década de 70 quando em palavras de Alfred Kahn, aprofunda o consenso de que a gestão pública ou semi-pública em monopólio tinha “suprimido a inovação, acolhido a ineficiência, fomentado uma espiral crescente de preços/salários, promovido um severo desajuste de recursos pela quebra do vínculo entre preços e custos marginais, fomentado uma concorrência improdutiva e inflacionária de custos, negando ao público a variedade de preços e opções de qualidade que o mercado competitivo teria oferecido”.

Bresser-Pereira e Regina Silvia Pacheco, a respeito da modificação entre as

concepções do Estado forte durante o século XX e durante o século XXI, esclarecem:

BRASIL – ESTRATÉGIA DA REFORMA 1995-1998 (...) Um dos princípios fundamentais da reforma de 1995-1998 é o de que o Estado só deve executar diretamente as tarefas que são exclusivas do Estado, que envolvem o emprego do poder de Estado, e que apliquem os recursos do Estado. Entre as tarefas exclusivas de Estado, porém, deve-se distinguir as tarefas centralizadas de formulação e controle das políticas públicas e da lei, a serem executadas por secretarias ou departamentos do Estado, das tarefas de execução, que devem ser descentralizadas para agências executivas e agências reguladoras autônomas. Todos os demais serviços que a sociedade decide prover com os recursos dos impostos não devem ser realizados no âmbito da organização do Estado, por servidores públicos, mas devem ser contratados com terceiros. Os serviços sociais e científicos, para os quais os respectivos mercados são particularmente imperfeitos, já que neles impera a assimetria de informações, devem ser contratados com organizações públicas não-estatais de serviço, as ‘organizações sociais’, enquanto que os demais podem ser contratados com empresas privadas. As três formas gerenciais de controle – controle social, controle de resultados e competição administrada – devem ser aplicadas tanto às agências, quanto às organizações sociais15.

A discussão a respeito de quais deveriam passar a ser as preocupações do Estado

necessariamente remete à sua dimensão, isto é, no Século XX qual seria o tamanho

adequado para o Estado? Sendo claros os sinais de que a iniciativa privada detém

condições absolutamente melhores do que as estatais para o desenvolvimento de

atividades econômicas e, também, para a prestação de serviços públicos, por meio de

delegações e concessões, não resta dúvida de que o tamanho do Estado deverá

restringir-se ao que realmente for essencial, podendo-se mencionar, a título

exemplificativo, a segurança pública, a teor do que dispõe o art. 144 da Constituição da

República.

Nessa exata linha é o pensamento de Milton Friedman: 15 BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos e PACHECO, Regina Silvia. Reforma do Estado Brasileiro e Desenvolvimento.

disponível em <http://www.bresserpereira.org.br/papers/2005/05.23.ReformadoEstadoBrasileiro-eoDesenvolvimento.WEB.pdf>, acessado em 12.08.2006.

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O economista americano Paul A. Samuelson, Prêmio Nobel de 1970, revelou recentemente que Milton Friedman, um de seus maiores adversários, é o economista vivo mais influente do mundo. Essa declaração vem apenas reforçar a percepção de que teses liberais como a do “Estado mínimo” e a do “mercado como regulador do mercado” conquistaram coração e mente de gerações e gerações de formuladores econômicos – goste-se ou não do fato, como é o caso de Samuelson. (...) Qual o tamanho ideal do Estado? Depende da função do Estado. O Estado precisa ser forte, porém limitado. As funções básicas de um governo devem ater-se a três aspectos: 1) na defesa nacional; 2) no Poder Judiciário e 3) na manutenção e defesa da propriedade privada, como já disse. Acredito que, para o restante, o mercado resolve as coisas muito melhor do que o governo16.

Peter Evans17, por sua vez, acrescenta que as funções do Estado em relação ao

mercado passaram por três ondas: a primeira, atinente aos anos 50 e 60, logo após a 2ª

Guerra Mundial, partiu da premissa de que o Estado poderia cuidar de mudanças

estruturais; a segunda, constatada a partir das décadas subseqüentes, revelou um

aviltamento da imagem do Estado, decorrente da impossibilidade de que fossem

implementadas as referidas modificações estruturais, o que encontra eco nas

experiências africana e latino-americana; a terceira, iniciada a partir dos anos 80,

evidenciou a necessidade de que fosse repensado o papel do Estado, de que fosse

discutida a sua capacidade de ação.

Fábio Ulhoa Coelho menciona que a partir da queda do Muro de Berlim verifica-

se um movimento oposto à consolidação do fardo intervencionista, ou seja, as

privatizações ocorridas nos setores de telecomunicações, rodovias e hidrelétricas vem

ao encontro desse movimento revelador de que o Estado estaria deixando de lado o

papel de agente no processo de desenvolvimento de serviços públicos e atividades

econômicas18. As palavras de Calixto Salomão Filho19 também ilustram esse quadro:

Para responder a essa questão, antes de tudo é importante deixar algo bem claro. É absolutamente falso imaginar que a existência de democracia política leva necessariamente à democracia econômica. O Estado cada vez mais fraco

16 FRIEDMAN, Milton. Prêmio nobel de economia no ano de 1976. Jornal Valor Econômico. Encarte Eu e fim de

semana. 22, 23 e 24 de julho de 2005. 17 EVANS, Peter. O Estado como Problema e Solução. Tradução do original em inglês “The state as problem and

solution: predation, embedded autonomy and structural change”. In: HAGGART, Stephen e KAUFMAN, Robert (eds). Politics of Economic Adjustment. Princeton University Press, 2002. Tradução de Cid Knipel Moreira, pp. 107/108.

18 COELHO, Fábio Ulhoa. Reforma do Estado e Direito Concorrencial. In: Direito Administrativo Econômico. Coord. Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, p. 191.

19 FILHO, Calixto Salomão. Regulação e Desenvolvimento. In: Regulação e Desenvolvimento. Coord. Calixto Salomão Filho. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 32.

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é cada vez menos capaz de transmitir ao mercado, através de sua atuação direta, preferências dos eleitores no campo econômico. O domínio econômico é cada vez menos controlável pela esfera política, que, ao contrário, com cada vez mais freqüência a controla.

Portanto, buscando um extrato das proposições acima enunciadas, observa-se que,

não obstante o objetivo perseguido pelo Estado ao longo dos tempos, durante a vigência

das Constituições promulgadas no século XX, ser semelhante – desenvolvimento

econômico – capaz de proporcionar melhores condições de vida à sociedade, fato é que

os meios a serem utilizados, isto é, o grau de intervenção estatal, desde a comentada

reforma dos anos 1995-1998, agora será diferente daquele que caracterizou

predominantemente o século passado.

1.2 Primeiras Considerações Relativas ao Setor de Resseguro Brasileiro

O marco inicial do resseguro no Brasil está centrado na criação do Instituto de

Resseguros do Brasil – IRB, ocorrida por força do Decreto-lei nº. 1.186, de 3 de abril de

1939. Vigorava a Constituição Federal outorgada, de 10 de novembro de 1937,

conhecida como “A Polaca”, fortemente influenciada pelo fascismo polonês20.

A sua criação, dotando-o do monopólio21 das operações de resseguro22 e

retrocessão23 realizadas no país, além de também ser responsável pela regulação24 destas

20 “GOLPE – Com o golpe já em andamento, Getúlio reforça suas alianças com o governador de Minas, Benedito

Valadares, e de vários Estados do Nordeste. Em 10 de novembro de 1937 as Forças Armadas cercam o Congresso Nacional e, à noite, Vargas anuncia em cadeia de rádio a outorga da nova Constituição da República, elaborada pelo jurista Francisco Campos. A quarta Constituição do país e terceira da República, conhecida como “A polaca” por inspirar-se na Constituição fascista da Polônia, institui a ditadura do Estado Novo. Constituição de 1937 – A Constituição outorgada acaba com o princípio de harmonia e independência entre os três poderes. O Executivo é considerado “órgão supremo do Estado” e o presidente é a “autoridade suprema” do país: controla todos os poderes, os Estados da Federação e nomeia interventores para governá-los. Os partidos políticos são extintos e instala-se o regime corporativista, sob autoridade direta do presidente. A “polaca” institui a pena de morte e o estado de emergência, que permite ao Presidente suspender as imunidades parlamentares, invadir domicílios, prender e exilar opositores”. (Disponível em <http://www.conhecimentosgerais.com.br/historia-do-brasil/era-vargas.html>, acesso em 15.07.2005).

21 O art. 20 do Decreto-lei nº. 1.186, de 3 de abril de 1939 dispõe: “As sociedades seguradoras são obrigadas a ressegurar no Instituto as responsabilidades excedentes da sua retenção própria em cada risco isolado”.

22 Definição de resseguro: “O resseguro, de fato, apresenta-se como um instrumento bastante mais apropriado que o co-seguro no sentido de eliminar os problemas referidos e conferir estabilização técnica à empresa de seguros, minorando, ou pelo menos amenizando, as conseqüências da falta ou insuficiência daquelas condições técnicas que já mencionamos. Ele permite, com efeito, que se aparem desequilíbrios, que se distribuam no tempo desembolsos extraordinários, e que as perdas se limitem a valores preestabelecidos, e para tanto pode assumir diversas modalidades técnicas e valer-se de variadas formas de contratação. Em outras palavras, enquanto por meio do co-seguro dois ou mais seguradores diluem a assunção de responsabilidades frente a determinado risco, que asseguram em conjunto, por meio do resseguro os resseguradores garantem a empresa de seguros do risco de desníveis e desequilíbrios decorrentes das responsabilidades que esta assume por si. Ou seja, através de diversas modalidades técnicas, que muitas vezes se combinam, o resseguro permite a realização de novas operações de seguro, incrementando a atividade sem prejuízo do equilíbrio técnico-operacional”. (PIZA, Paulo Luiz de Toledo.

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duas atividades e, também, do co-seguro25 alinhava-se perfeitamente com a ideologia de

Getúlio Vargas, com a ordem econômica característica à época. Especificamente no que

se refere à relação existente entre o planejamento de Vargas e o monopólio em espeque,

Amadeu Carvalhaes Ribeiro afirma26:

Esse monopólio se inseria perfeitamente nas diretrizes do planejamento getulista, que pretendia, de um lado, romper os laços de dependência estrutural de nosso país em relação ao exterior, e, de outro, estimular o desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

A preocupação do Governo com a proteção à economia nacional, no sentido de se

evitar que divisas produzidas internamente fossem expropriadas pelo capital estrangeiro

era notória em diversos segmentos da economia (exploração de petróleo e derivados,

telecomunicações, energia elétrica), o que se repetia no setor de resseguro.

À frente das pressões internacionais, sobretudo tendo em vista o imperialismo

norte-americano, ressaltou-se a necessidade de que a economia nacional se

desenvolvesse de modo a tornar viável a concorrência. Anteriormente à criação do IRB,

o setor de resseguro no Brasil inexistia. Constatada a necessidade de que fossem

diluídos grandes riscos, subscritos por seguradoras nacionais, obrigatoriamente recorria-

se aos resseguradores norte-americanos e londrinos, isto é, os grandes riscos decorrentes

do desenvolvimento do país como, por exemplo, da construção de rodovias,

aparelhamento de parques industriais, construção de torres de transmissão de energia,

Notas sobre Co-seguro e Resseguro no Projeto de Lei nº. 3.555/04. In: IV Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho. São Paulo: IBDS. 2004, p. 332).

23 Definição de retrocessão: “Como terceira etapa, o IRB, após assumir o resseguro, faria um novo resseguro, chamado retrocessão, com seguradoras do mercado nacional. Com o fim do monopólio, qualquer sociedade seguradora, desde que autorizada pelo governo federal, poderá fazer resseguro. Retrocessão, assim, vem a ser a operação feita pelo ressegurador e que consiste na cessão de parte das responsabilidades por ele aceitas a outro, ou outros resseguradores”. (GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Seguros Privados. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 116).

24 O art. 42 do Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, dispõe: “O IRB tem a finalidade de regular o cosseguro, o resseguro e a retrocessão, bem como promover o desenvolvimento das operações de seguro, segundo as diretrizes do CNSP.” Com a sanção da Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, essas atribuições regulatórias não mais serão de responsabilidade do IRB, consoante determinado em seu art. 2º. “A regulação das operações de co-seguro, resseguro e retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão regulador de seguros, conforme definido em lei, observadas as disposições desta Lei Complementar”.

25 Definição de co-seguro: “(...) ao co-seguro importa fragmentar ou diluir horizontalmente os riscos, de modo que, estruturalmente, observa-se a vinculação entre um “pólo segurador” formado por várias empresas seguradoras, e um “pólo segurado”, no qual está o credor do seguro ou o seu beneficiário. A sua principal característica está no risco garantido conjuntamente por todos os integrantes desse “pólo segurador”, embora cada qual assuma, no que diz respeito aos aspectos financeiros da operação econômica, uma parte dele”. (MARTINS-COSTA, Judith. O co-seguro no Direito Brasileiro. In: II Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho. São Paulo: Manuais Técnicos de Seguros: IBDS. 2002, pp. 340/341).

26 RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Cooperação e desenvolvimento: a regulação da atividade reguladora. In: Regulação e Desenvolvimento. Coord. Calixto Salomão Filho. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 171.

29

entre tantos outros, eram diretamente remetidos ao exterior, o que se revelava

totalmente contrário à ordem econômica e ruim sob a perspectiva da evasão de riquezas

nacionais.

O desenvolvimento da economia brasileira, mais precisamente do mercado de

seguros e do setor de resseguro, carecia de que os grandes riscos gerados no país

recebessem internamente as respectivas coberturas, securitária e ressecuritária,

evitando-se a migração de bons negócios e divisas para o exterior e, conseqüentemente,

o natural controle por parte dos resseguradores estrangeiros.

Meredith Woo-Cumings, ao estudar os progressos pelos quais passou o Japão

após a 2ª Guerra Mundial, conhecidos como “o milagre japonês” e, mais tarde, ao

estudar os progressos experimentados por outros países do leste asiático, como, por

exemplo, a Coréia, não hesita em afirmar que o papel exercido pelo Estado foi

absolutamente decisivo, sobretudo como forma de se posicionar competitivamente

diante do imperialismo norte-americano.

How nationalist impulses incited Chinese peasants or Ministry of International Trade and Industry (MITI) bureaucrats to correct “status inconsistency” vis-à-vis the United States is not well understood. But is central to Johnson’s career scholarschip and to Liah Greenfeld’s powerful analysis of nationalism. Johnson conveyed the truth that the Japanese state was, like the Korean or the Chinese states, a hard-bitten one that chose economic development as the means to combat Western imperialism and ensure national survival: for most of the twentieth century, economic development was a recipe for “overcoming depression, war preparations, war fighting, postwar reconstruction, and independence from U.S. aid” (…)27.

Pode-se fazer uma classificação que marca a ordem econômica nas Constituições

Brasileiras antes e após o advento da Constituição da República de 1988. Examinando

alguns dos dispositivos legais28 das Constituições de 1937 e 1946, nota-se que a

27 Trecho extraído da obra The Developmental State. Meredith Woo-Cumings. Cornell University Press, 1999, p.

6. Em tradução livre: “Como o nacionalismo impulsionou camponeses chineses ou burocratas do Ministério Internacional da Indústria e do Comércio para que fossem corrigidas inconsistências, vis-à-vis os Estados Unidos não são bem compreendidos. Mas é central para o legado acadêmico de Johnson e para a análise de Liah Greenfeld acerca do nacionalismo. Johnson conduziu a verdade de que o Estado Japonês foi, assim como o Coreano ou o Chinês, um “durão” que escolheu o desenvolvimento econômico como significado para combater o imperialismo ocidental e para assegurar a sobrevivência nacional: durante a maior parte do Século XX, o desenvolvimento econômico foi um espaço para a saída de depressões, preparação para guerras, disputa de guerras, recuperação após guerras e independência da “ajuda” dos Estados Unidos da América”.

28 A Constituição Federal de 10 de novembro de 1937, no capítulo relacionado à Ordem Econômica, trazia em seu artigo 135 o enaltecimento à livre iniciativa, dispondo que a intervenção estatal somente seria possível em situações excepcionais. “Art 135. Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os

30

intervenção estatal em atividades econômicas era autorizada, desde que com o escopo

de zelar pela segurança nacional e pelo interesse público. Ditos dispositivos legais, além

disto, preconizavam, ainda, a possibilidade de que fossem instituídos novos monopólios

pela União Federal, desde que precedidos por Lei específica que regulamentasse a

instituição29. Este era o panorama que prevalecia na ordem econômica anterior ao

advento da Constituição da República de 1988. Egon Bockmann Moreira30, à luz do

panorama característico às Constituições anteriores à atual, expõe:

Todas as cartas republicanas, ao mesmo tempo em que asseguraram aos agentes econômicos privados o direito à livre empresa, livre iniciativa e a garantia da concorrência nos respectivos mercados, reservaram ao Estado a competência para intervir diretamente na Ordem Econômica (além dos setores reservados e dos monopólios públicos). Isso possibilitou a interação entre o Estado e que a economia flutuasse de acordo com as peculiaridades dos governos (sempre com tendências mais intervencionistas e produtivas).

João Bosco Leopoldino da Fonseca31 expõe de maneira clara quão diferentes são

os textos constitucionais previstos nas Cartas de 1967/1969 e 1988:

Para uma perfeita percepção da mudança de direcionamento, será útil confrontar os textos do artigo 163 da Constituição de 1967/69 e do artigo 173 da Constituição de 1988. Ei-los: Art. 163. São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei federal, quando indispensável por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais”; Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.” Enquanto no texto de 1967/69 se diz que “são facultados” a intervenção e o monopólio, o de 1988 determina que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado

fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta”. A Constituição Federal de 18 de setembro de 1946, por sua vez, no capítulo dedicado à Ordem Econômica e Social, dispôs nos artigos 145 e 146: “Art. 145. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano. Parágrafo único. A todos é assegurado trabalho que possibilite existência digna. O trabalho é obrigação social. Art. 146. A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição”.

29 Sob a égide do regime ditatorial no País, a edição da referida Lei específica, anterior à instituição do regime monopolista, não representava dificuldade alguma ao Poder Executivo que, valendo-se de sua força, de sua autoridade, poderia cuidar da elaboração deste diploma legal e instituir o monopólio que entendesse pertinente, eliminando a concorrência acaso existente num curtíssimo espaço de tempo.

30 MOREIRA, Egon Bockmann. O Direito Administrativo Contemporâneo e a Intervenção do Estado na Ordem Econômica. Disponível em <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-1-FEVEREIRO-2005-EGON%20BOCKMANN.pdf>, acessado em 12.08.2006.

31 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Ob. cit., p. 137.

31

“só será permitida” . Enquanto no primeiro caso há uma faculdade aberta ao Estado, no segundo existe uma proibição que permite exceções.

Após o advento da Constituição da República de 1988, consoante se expôs, os

princípios da livre iniciativa e da livre concorrência passaram a receber tratamento

diferenciado no texto constitucional e, com relação à instituição dos monopólios, o

legislador constituinte foi bem mais rígido, cauteloso, já que apenas os setores previstos

no art. 17732 continuariam a ser explorados sob o regime monopolista, ou seja, não mais

seria possível a instituição de novos monopólios, mesmo que houvesse a edição de leis

específicas, conforme a exigência prevista nas Constituições anteriores à Constituição

em vigor.

Celso Ribeiro Bastos33, a respeito da impossibilidade de que fossem instituídos

novos monopólios por intermédio de leis específicas, comenta:

Embora nosso sistema se oponha ao planejamento estatista e ao monopólio em vários passos, a Constituição monopoliza certas atividades. O Art. 177 expressa que constituem monopólios exclusivos da União os serviços relacionados nos incs. I a V, obedecidas as regras do parágrafo primeiro do mesmo. Nada obstante isso, o importante a se considerar é que a lei Maior eliminou a possibilidade de monopolização de atividades por via de lei, o que era possível na ordem jurídica anterior, constituindo isto um avanço na instauração do Estado Liberal, na medida em que não mais se permite a intervenção monopolizadora dos Poderes Públicos. A intervenção no domínio econômico dá-se por determinação da própria Constituição, que além de prever taxativamente, como mencionamos, quais os casos de monopólio, fixa expressamente no art. 173 as condições para o comparecimento do Estado na atividade econômica; aqui, não como detentor do monopólio, mas simplesmente como agente, protagonista da atividade econômica em concorrência com os particulares. No concernente à organização da nossa ordem econômica, parece inegável o predomínio dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência (...).

José Afonso da Silva34, também com relação à restrição estabelecida pela

Constituição da República de 1988, no que se refere à instituição de novos monopólios

pelo Estado, afirma:

32 Art. 177. Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros

hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V – a pesquisa, lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

33 BASTOS, Celso Ribeiro. Ob. cit., p. 143. 34 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, pp. 805/806.

32

A Constituição não é favorável aos monopólios. Certamente que o monopólio privado, assim como os oligopólios e outras formas de concentração de atividade econômica privada, é proibido, pois está previsto que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. O monopólio público também ficou bastante limitado, pois já não se declara, como antes, a possibilidade de monopolizar determinada indústria ou atividade. Declara-se a possibilidade de exploração direta de atividade econômica quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (art. 173). Parece-nos que aí não entra o monopólio, que é reservado só para as hipóteses estritamente indicadas no art. 177 e agora com a flexibilização introduzida pela EC 9/95 (...).

A impossibilidade de que sejam instituídos novos monopólios, conforme

facultavam as Constituições anteriores à Carta de 1988, ou seja, havendo a partir de

então respeito pelos mercados competitivos já estabelecidos e interesse pela instituição

da livre-concorrência, afigura-se bem clara, revelando uma mudança no relacionamento

existente entre o Estado e o Mercado. Especificamente com relação à nova ordem

econômica, Eros Grau35 afirma:

(...) a ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de mercado organizado, entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da ordem pública clássica (Geraldo Vidigal); opta pelo tipo liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando ao aumento arbitrário dos lucros – mas sua posição corresponde à do neoliberalismo ou social-liberalismo, com a defesa da livre iniciativa (Miguel Reale); (note-se que a ausência do vocábulo “controle” no texto do art. 174 da Constituição assume relevância na sustentação dessa posição); - a ordem econômica na Constituição de 1988 contempla a economia de mercado, distanciada, porém, do modelo liberal puro e ajustada à ideologia neoliberal (Washington Peluso Albino de Souza); a Constituição repudia o dirigismo, porém acolhe o intervencionismo econômico, que não se faz contra o mercado, mas a seu favor (Tércio Sampaio Ferraz Júnior); a Constituição é capitalista, mas a liberdade apenas é admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado (José Afonso da Silva).

Diogo de Figueiredo Moreira Neto36, no que toca ao ordenamento econômico

previsto na Constituição da República, leciona:

35 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp.

174/175. 36 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense,

2005, p. 451.

33

A economia, nos Estados contemporâneos, democráticos e de direito, é expressão da liberdade de trabalho e a de iniciativa, indissociáveis da pessoa humana, que, em conjunto, conformam a liberdade econômica. Esses princípios fundamentais, como tal expressos na Constituição de 1988 (art. 1º, IV), informam, por sua vez, os princípios gerais atinentes à ordem econômica, definidos em seu Titulo VII, Da Ordem Econômica, Capítulo I, dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, especialmente no art. 170, bem como todos os demais princípios e preceitos específicos de conteúdo econômico, deles derivados a eles referentes. Dessas constatações, retira-se uma importante conclusão vestibular ao estudo da atuação do Estado no campo econômico e financeiro: somente a própria Constituição, que entroniza o regime de livre iniciativa e economia de mercado, poderá excepcioná-lo, vedado ao legislador, sob qualquer pretexto, prescrever modalidades de intervenção que não tenham sido nela expressamente previstas. Com isso, acompanha o País a tendência universal, que, por tradição ou à custa de malogradas experiências de regimes dirigistas e intervencionistas, reconhece na liberdade econômica a via natural da prosperidade das nações.

Portanto, nesta linha de idéias, tendo como base os princípios da livre iniciativa37 e

da livre concorrência38 é que está embasada a nova ordem econômica constitucional

brasileira, à qual se contrapõe o regime monopolista de exploração do setor de

resseguro.

Esclarece-se que a opção pelo regime de monopólio para o resseguro no Brasil

não se apresentou de maneira pontual, em apenas um setor da economia nacional.

Consoante exposto, nos mais diversos segmentos se faziam presentes explorações

monopolistas, tendo sido mencionados os setores de petróleo e gás e transmissão de

energia elétrica.

Pode-se afirmar que, à época, quando da criação do IRB, em 1939, a exploração

do resseguro em regime de livre concorrência não seria vantajosa para a economia

nacional, já que, justamente o que motivou a criação deste órgão ressegurador e a

conseqüente instituição do monopólio foi a evasão de divisas e de bons negócios para os

37 O princípio da livre iniciativa é definido por Celso Ribeiro Bastos da seguinte forma: “A liberdade de iniciativa é

uma expressão ou manifestação no campo econômico da doutrina favorável à liberdade. O liberalismo vem a ser um conjunto de ideais, ou concepções, com uma visão mais ampla, abrangendo o homem e os fundamentos da sociedade, tendo por objetivo o pleno desfrute da igualdade e das liberdades individuais frente ao Estado. A liberdade de iniciativa consagra tão-somente a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar peias ou restrições do Estado. Este princípio conduz, necessariamente à livre escolha do trabalho, que, por sua vez, constitui uma das expressões fundamentais da liberdade humana. (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2004, p. 115).

38 O mesmo autor define livre concorrência como “[u]m esteio do sistema liberal porque é pelo seu jogo e funcionamento que os consumidores vêem assegurados os seus direitos a consumir produtos de qualidade a preços justos. E, de outra parte, para quem se lança à atividade econômica é uma forma de obter a recompensa pela sua maior capacidade, dedicação e empenho, prosperando mais do que os concorrentes. No entretanto, nem mesmo por via desta vitória na competição pode a empresa manter-se em situação monopolista. De alguma maneira, há de multiplicar-se o número de agentes nesse ramo econômico para escapar-se das leis antitruste” (BASTOS, Celso Ribeiro. Ob. cit., p. 145).

34

resseguradores estabelecidos no exterior. Sendo evidente a incipiência do resseguro no

país naquela época, certo é que o regime de livre concorrência não seria capaz de,

exclusivamente pelas forças do mercado, tornar o ressegurador nacional competitivo em

relação aos resseguradores estrangeiros, ocasionando perdas às seguradoras nacionais e

aos próprios segurados.

1.3 A Espera pelo Fim do Intervencionismo no Setor de Resseguro

O Instituto de Resseguros do Brasil, consoante se expôs, foi criado pelo Decreto-

lei n° 1.186, de 3 de abril de 1939, quando vigia a Constituição outorgada de 1937.

Naquela época, o Estado assumiu o papel de empresário, já que, além de

responsabilizar-se pela provisão de direitos sociais à população, responsabilizava-se,

também, pelo desenvolvimento de atividades econômicas, não raras vezes concorrendo

com os particulares39.

Soa bem claro, portanto, que esse período, de 1939 em diante, não foi marcado

pelo Estado liberal ao qual são característicos o laissez faire, laissez passer, le monde va

de lui-même40, tendo como referência o setor de resseguro no país. Ao contrário, o que

se notava era a presença estatal marcante, exercendo o monopólio legalmente instituído.

A “mão invisível”, de Adam Smith41, sopesados os interesses do Governo, não se

mostrava suficiente para cuidar do desenvolvimento e da regulação deste mercado.

Portanto, com amparo legal, seja sob a égide do Decreto-lei nº. 1.186, de 3 de

abril de 1939, seja sob a égide do Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966,

caberia ao IRB, na condição de empresa estatal, cuidar, de maneira protecionista, do

desenvolvimento do setor de resseguro, intervindo ativamente com vistas à consecução

desta finalidade.

Com a positivação no ordenamento constitucional brasileiro dos princípios da

livre iniciativa e da livre concorrência, ganhou força uma concepção cujos estudos

39 Para Egon Bockmann Moreira, “O liberalismo brasileiro poderia ser denominado de um “liberalismo de

circunstância” (ou “de conveniência”), a variar de acordo com o momento histórico enfrentado. O que fez com que o Estado atuasse com grande intensidade na esfera econômica formalmente reservada às pessoas privadas e multiplicasse a área de atuação direta na economia (banco, mercado de capitais, petróleo, energia elétrica, água e saneamento, construção civil, computadores e tecnologia da informação, transportes, silos e armazéns, indústrias etc)”. Ob. cit., p. 2.

40 Em tradução livre do autor: “deixai-nos fazer, deixai-nos passar, o mundo anda por si mesmo”. 41 SMITH, Adam. Uma Investigação Sobre a Natureza e Causas das Riquezas das Nações. Tradução de

Norberto de Paula Lima. São Paulo: Hemus, 2003, p. 13.

35

apontavam para a necessidade de que houvesse uma reformulação do papel do Estado,

isto é, que deixasse de ser “empresário” para que passasse a ser regulador, ou melhor,

redistribuidor, reproduzindo-se abaixo o raciocínio de Calixto Salomão Filho42 a

respeito do tema:

No início, e por mais de cem anos, acreditou-se no Estado polícia, cuja única função era proteger a liberdade econômica e política do particular. A esse Estado exageradamente liberal, opõe-se o Estado da era keynesiana e dos comunismos revolucionários. De formas diversas, esses Estados pretenderam ser os grandes gestores do sistema econômico. (...) Parece haver consenso que o Estado, como gestor distante e abstrato, não cumpre a contento suas funções. Isso não significa que é desnecessário diminuir a sua presença ou destituir-se de função. Implica atribuir-lhe outra função, talvez até mais onerosa. Em vez de gestão abstrata e macro-econômica da sociedade, cumpre-lhe fazer algo que o particular e o mercado jamais farão: incumbe-lhe redistribuir. É na redistribuição que deve ser identificada a grande função do novo Estado.

Os primeiros anos posteriores à promulgação da Constituição da República

evidenciaram a necessidade de que a função estatal fosse realmente redesenhada.

Marcos Juruena Villela Souto43, mencionando as Emendas à Constituição números 5, 6,

7 e 8, todas de 18.08.1995, afirma:

Com a posse do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi novamente deflagrado um processo de reforma da Constituição, desta feita por via de emendas, que resultaram na flexibilização dos monopólios das telecomunicações (art. 21, XI e XII, CF – EC nº. 8, de 15/8/95), da distribuição de gás canalizado pelos estados (art. 25, § 2º, CF – EC nº 5, de 15/8/95) e do petróleo e gás natural (art. 177, CF – EC nº. 9, de 9/11/95), além do fim da reserva de mercado na navegação de cabotagem (art. 178, CF – EC nº 7, de 15/8/95) e da distinção entre empresas brasileiras e empresas brasileiras de capital nacional, como o fim da reserva de mercado no setor de mineração (revogação do art. 171 e modificação dos arts. 170, IX, e 176, § 1º, CF – EC nº 6, de 15/8/95). Este conjunto de emendas reafirma um ideal de abertura do mercado à livre competição, onde não cabem reservas de setores ou monopólios absolutos, reduzindo-se, em conseqüência, as restrições ao capitalismo estrangeiro e o tamanho da estrutura estatal. Reconhece-se, assim, que cabe à livre iniciativa o papel propulsor da economia, e ao Estado o acompanhamento e estímulo do mercado, reprimindo as situações de anormalidade.

42 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e Desenvolvimento. In: Regulação e Desenvolvimento. coord. Calixto

Salomão Filho. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 41. 43 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo em Debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 15.

36

Justamente analisando essa mudança, ao retirar-se, diretamente, da exploração de

atividades econômicas para a função de redistribuir, de organizar relações sociais e

econômicas, convém novamente observar as palavras de Calixto Salomão Filho44:

A primeira delas é o fato de a teoria da regulação, quando bem aplicada – exatamente o contrário do que tem ocorrido até o momento -, poder representar exatamente a contribuição mais útil de um Estado que decide retirar-se da intervenção econômica direta (através da prestação de uma gama bastante variada de serviços) para sua função de organizador das relações sociais e econômicas e que, por outro lado, reconhece ser para tanto insuficiente o mero e passivo exercício de um poder de polícia sobre os mercados.

Portanto, sob as luzes das transformações ocorridas em diversos segmentos da

economia nacional, como, por exemplo, no setor de petróleo, telecomunicações e

energia elétrica, nos quais, consoante demonstrado, o regime de monopólio foi

flexibilizado, o setor de resseguro, ao qual ainda era característico o regime de

monopólio estatal, chocava-se com princípio fundamental constante no art. 1º, inciso IV

da Constituição da República, qual seja, especificamente a livre iniciativa, e com

princípio geral concernente à ordem econômica – a livre concorrência – prevista no art.

170, inciso IV.

Tornava-se, desta forma, assim como se procedeu com diversos outros setores,

necessária a modificação do papel do Estado, desta vez tomando como foco o setor de

resseguro, a fim de alinhá-lo aos princípios acima referidos, isto é, em primeiro lugar à

livre iniciativa, e, em segundo lugar, à livre concorrência45.

1.4 A Importância da Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de Agosto de 1996

Antes do advento da Emenda em epígrafe, o artigo 192 da Constituição da

República dispunha da seguinte redação:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: (...)

44 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 14. 45 A análise das principais vantagens relacionadas à flexibilização do monopólio do resseguro no país foram

observadas no item 5 do presente capítulo.

37

II – autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador e do órgão oficial ressegurador.

A análise deste dispositivo não deixava margem à dúvida; em conjunto com todo

o sistema financeiro nacional, o setor de resseguro carecia de que fosse promulgada lei

complementar, cujos termos, inclusive, deveriam dispor a respeito da autorização e

funcionamento do órgão oficial ressegurador, considerando, ainda, a recepção do

Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, pela Constituição da República de

1988.

Constando no texto constitucional a expressão órgão oficial ressegurador, o

legislador teria pretendido perpetuar o monopólio do resseguro no país? Caso este fosse

o seu propósito, por quê, então, não teria inserido esta atividade no rol previsto no art.

177 da Constituição da República?

Com o advento da Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de agosto de 1996, a

redação do artigo 192 da Carta Federal foi sensivelmente alterada, já que a parte final do

inciso II, que mencionava o “órgão oficial ressegurador”, foi suprimida. Após a

promulgação da emenda, a redação passou a ser a seguinte:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: (...) II - autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador.

Assim, não mais existindo o “órgão oficial ressegurador” no texto constitucional,

começou a ser trilhado o caminho rumo à flexibilização do monopólio exercido pelo

IRB no setor de resseguro. Nesse contexto, amoldam-se as palavras de Eros Roberto

Grau46:

A Emenda Constitucional n. 13 alterou a redação do inciso II do art. 192 da Constituição, dela extirpando a referência ao órgão oficial ressegurador. A alusão do preceito ao órgão oficial ressegurador implicava a existência de uma entidade estatal brasileira – o Instituto de Resseguros do Brasil – cuja atividade seria exercida em regime de monopólio. A sua alteração viabiliza a transferência do exercício dessa função ao capital estrangeiro.

46 GRAU, Eros Roberto. Ob. cit., p. 268.

38

Cotejando a modificação na redação do inciso II do artigo 192 da Constituição

Federal, fruto da Emenda à Constituição nº. 13, com as modificações propostas pelas

Emendas nº. 5 – distribuição de gás canalizado pelos Estados, nº. 7 – fim da reserva de

mercado na navegação de cabotagem, nº. 8 – setor de telecomunicações, de 15 de

agosto de 1995 e nº. 9, de 9 de novembro de 1995 – petróleo e gás natural, nota-se que

todas encontram-se alinhadas com a alteração dos objetivos perseguidos pelo Estado

antes e após a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Particularmente no que se refere ao setor de resseguro, por força da modificação

ora mencionada reuniram-se os elementos demonstrativos de que inexistia mais espaço

para o Estado exclusivamente empresário, o que, conseqüentemente, cedeu espaço ao

Estado regulador.

1.5 Como Passo Seguinte, a Emenda à Constituição nº. 40, de 29 de Maio de 2003

Em que pese a supressão do termo “órgão oficial ressegurador” do inciso II, art.

192, da Carta Republicana de 1988, o que, consoante exposto, abriu margem à

flexibilização do monopólio do resseguro, convém enfatizar que o caput deste

dispositivo estabelecia que o “sistema financeiro nacional, estruturado de forma a

promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da

coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: (...) II -

autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e

capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador”. (Grifou-se).

Mesmo admitindo-se o término do regime monopolista, a Constituição

permanecia exigindo que lei complementar dispusesse a respeito de todo o sistema

financeiro nacional, disciplinando, desta maneira, os mercados de crédito, monetário,

cambial, de capitais (valores mobiliários) e, ainda, o de seguros e resseguros47.

A exigência em foco representava uma dificuldade sob a perspectiva legislativa, já

que a elaboração de um diploma legal, que fosse capaz de cuidar de todo o sistema

financeiro nacional, já seria difícil. Ademais, em se tratando, obrigatoriamente, de lei

complementar, a dificuldade tornou-se ainda maior, em razão da exigência de que o 47 A classificação do sistema financeiro nacional em subsistemas é feita por Nelson Eizirik. Aspectos Modernos do

Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 151. A inclusão dos mercados de seguros e resseguros a este sistema é feita por Renato Macedo Buranello. Do Contrato de Seguro – O Seguro Garantia de Obrigações Contratuais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 68.

39

texto em espeque deveria ser aprovado pela maioria absoluta nas duas Casas do

Congresso Nacional, a teor do que determina o art. 69 da Constituição da República48.

Com a promulgação da Emenda à Constituição nº. 40, de 29 de maio de 2003, este

contexto foi sensivelmente modificado, já que o caput do art. 192 que, originalmente,

prescrevia a edição de lei complementar para todo o sistema financeiro nacional, passou

a dispor da seguinte redação:

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Grifou-se).

Dessa forma, por modificação introduzida no texto constitucional, foram evitadas

eventuais discussões relativas à obrigatoriedade de que fosse promulgada apenas uma

lei complementar cujo escopo compreendesse todo o sistema financeiro nacional, ou

seja, por força da modificação introduzida pela Emenda à Constituição nº. 40, foi

ratificada a possibilidade de que o sistema financeiro nacional, composto pelos

subsistemas antes mencionados, fosse disciplinado de maneira individualizada, isto é,

para cada um dos mercados abarcados pelo sistema, surgia a previsão constitucional

para que houvesse a edição da respectiva lei complementar49.

48 O Supremo Tribunal Federal, quanto à limitação dos juros à alíquota de 12% ao ano, prevista no § 3º do art. 192

da Constituição Federal (redação anterior à Emenda nº. 40, de 29 de maio de 2003), posicionou-se pela necessidade de que fosse promulgada Lei Complementar a respeito, conforme determinava o caput do mencionado artigo: “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre: (...)” (Grifou-se). A seguir, as decisões da Suprema Corte: “Juros. Art. 192, § 3º, da Constituição Federal. Auto-aplicabilidade. Ao julgar a ADI 4, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o § 3º do art. 192 da Constituição Federal não era auto-aplicável. ” (RE 387.404, Rel. p/ac. Min. Joaquim Barbosa, DJ 26/03/04). “Mandado de injunção e taxa de juros reais. (...) A regra inscrita no art. 192, § 3º, da Constituição, por não se revestir de suficiente densidade normativa, reclama, para efeito de sua integral aplicabilidade, a necessária intervenção concretizadora do Congresso Nacional, cuja prolongada inércia - sobre transgredir, gravemente, o direito dos devedores à prestação legislativa prevista na Lei Fundamental - também configura injustificável e inconstitucional situação de mora imputável ao Poder Legislativo da União.” (MI 542, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 28/06/02).

49 Com relação à obrigatoriedade de que fosse ou não promulgada apenas uma lei complementar que disciplinasse todo o sistema financeiro nacional, convém observar a lição de José Afonso da Silva - Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 752 - “A Emenda também declara que o Sistema Financeiro Nacional será regulado por leis complementares. O texto modificado empregava “lei complementar” no singular; daí surgiu uma discussão boba, quanto a saber se o Sistema teria que ser regulado por uma única lei complementar, ou não. Em livro anterior discutimos um pouco essa questão, mostrando que a Lei 4.595/1964 , que regula o Sistema Financeiro Nacional – portanto regula toda a matéria que constava do art. 192 -, também fora recepcionada, nesse aspecto, como lei complementar, não significava uma lei só; o singular tinha sentido não de único, mas de generalidade. Portanto, o sistema poderia ser regulado por mais de uma lei complementar. A emenda suprime as dúvidas”. MORAES, Alexandre de, em Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2005, p.

40

Portanto, conjugando as modificações propostas pelas Emendas à Constituição

números 13, de 21 de agosto de 1996 – supressão da expressão “órgão oficial

ressegurador” – e 40, de 29 de maio de 2003 – possibilidade de que fossem

promulgadas leis complementares para os diferentes subsistemas integrantes do sistema

financeiro nacional – conclui-se que, ao menos sob a perspectiva constitucional,

encontrava-se construída a estrutura necessária à flexibilização do monopólio exercido

pelo Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, o que dependia, naquela altura, de que

fosse promulgada a respectiva lei complementar, fruto da recepção50 do Decreto-lei nº.

73, de 21 de novembro de 196651, com este status.

1.6 A Exploração do Setor de Resseguro em Regime de Monopólio

Monopólio, como nos lembra Modesto Carvalhosa, origina-se de “duas palavras

gregas: monos só; polein vender; donde vender só52”

Ana Maria de Oliveira Nusdeo53 explica o monopólio da seguinte forma:

Nos mercados monopolizados, nos quais existe um único produtor, a fixação do preço e da quantidade produzida se dá em bases bem diferentes. Nesse caso, o produtor influencia o preço do bem controlando sua oferta. Sua produção, aliás, é igual à produção total do mercado. Sendo assim, para maximizar seu lucro o monopolista produz uma quantidade menor do que

722, sustenta: “Outra importante previsão foi a expressa determinação da desnecessidade de lei complementar única para disciplinar todo o sistema financeiro nacional. A nova redação do caput do art. 192 da Constituição Federal, dada pela EC 40/03, expressamente, prevê sua regulamentação por leis complementares. Ressalte-se, porém, que o texto constitucional anterior não previa expressamente a obrigatoriedade de a regulamentação do sistema financeiro nacional ser realizada por uma única e específica lei complementar. A alteração foi realizada para evitar futuras contestações jurídicas (...)”.

50 “Embora muitas vezes se afirme que as leis anteriores continuam válidas, ou em vigor, desde que conformes com a Nova Constituição, há nessa afirmação certa falta de rigor científico. Kelsen observa que, na verdade, há uma imprecisão de linguagem porque, de fato, elas perdem o suporte de validade que lhes dava a Constituição em que se fundamentavam. Nada obstante isso, há a necessidade de que a legislação pregressa receba o suporte, o apoio, expresso ou tácito, da Constituição nova, fenômeno que recebe o nome de recepção (similar à recepção ocorrida no direto romano na Europa). Trata-se de um processo abreviado de criação de normas jurídicas, pelo qual a nova Constituição adota as leis já existentes, com ela compatíveis, dando-lhes validade, evitando assim o trabalho quase impossível de elaborar uma nova legislação de um dia para outro”. (BASTOS, Celso Ribeiro, ob. cit., p. 141).

51 O Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, também conhecida com a “lei de seguros brasileira”, regulamenta diversas matérias afetas ao mercado de seguros e ao setor de resseguro. A constituição e funcionamento do SNSP – Sistema Nacional de Seguros Privados é tratada em seu art. 7º; o CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados, por sua vez, em seu art. 32; a SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, em seu art. 35; o IRB – Instituto de Resseguros do Brasil, em seu art. 41; as Sociedades Seguradores, em seu art. 72 e os Corretores de Seguros, por fim, em seu art. 122. Posteriormente, em 1967, foi editado o Decreto nº 60.459, de 13 de março, que regulamentou alguns dos seus artigos.

52 Trecho extraído da obra Os Fundamentos do Antitruste. 2 ed. Paula Forgioni. São Paulo: RT., 2005, p. 314. Apud Poder econômico: a fenomenologia, seu disciplinamento jurídico, p. 30.

53 NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Agências Reguladoras e Concorrência. In: Direito Administrativo Econômico. Coord. Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 164/165.

41

aquela que seria oferecida em condições competitivas, a fim de impulsionar para cima o preço. A comercialização de mais unidades puxaria o preço de cada bem vendido para baixo, gerando uma queda na lucratividade do produtor. (...) essa fórmula, obviamente, fixa o preço num patamar superior ao estabelecido em concorrência. (...) Os prejuízos sofridos pelos consumidores em mercados monopolizados são evidentes, pois há uma redução do consumo e um aumento do preço pago pelo bem. Por outro lado, sob o ponto de vista da alocação geral de recursos, a Sociedade também perde com o monopólio. Ao excluir do acesso ao produto uma faixa de consumidores que não está disposta ou capacitada a adquiri-lo pelo novo preço, gera-se uma perda social. Isso porque os recursos que os consumidores deixaram de utilizar na compra do produto desejado não são sequer transferidos aos produtores.

O Instituto de Resseguros do Brasil, desde o momento em que foi concebido,

“nasceu” monopolista. O art. 20 do Decreto-Lei nº. 1.186, de 3 de abril de 1939,

determinada que “As sociedades seguradoras são obrigadas a ressegurar no Instituto

as responsabilidades excedentes da sua retenção própria em cada risco isolado” ou

seja, não havia qualquer opção diferente do órgão oficial ressegurador nacional para que

os seguradores nacionais pudessem ceder os seus excedentes de responsabilidade. A

obrigatoriedade ora mencionada foi ratificada pelo Decreto-lei nº. 73, de 21 de

novembro de 1966, em seus artigos 81 e 8254:

Art. 81. A colocação de seguro e resseguro no estrangeiro será feita exclusivamente por intermédio do IRB. Art. 82. As Sociedades Seguradoras só poderão aceitar resseguros mediante prévia e expressa autorização do IRB.

Ainda com relação a este Decreto-Lei, cumpre esclarecer que pelo artigo 4255

foram conferidas ao IRB, adicionalmente, atribuições regulatórias, traduzidas em

poderes normativos, já que seria de sua competência a elaboração das normas gerais de

resseguro e retrocessão – NGRR – e poderes fiscalizatórios, já que, consoante se expôs,

também seria de sua competência a cassação das cartas-patentes56 expedidas em favor

das seguradoras que contratassem o resseguro por intermédio de outros resseguradores.

54 Com a vigência da Lei Complementar nº. 126 de 15 de janeiro de 2007, os dispositivos ora mencionados foram

revogados. “Art. 31. Ficam revogados os arts. 6º, 15, 18, a alínea i do caput do art. 20, os arts. 23, 42, 44 e 45, o § 4º do art. 55, os arts. 56 a 71, a alínea c do caput e o § 1º do art. 79, os arts. 81 e 82, o § 2º do art. 89 e os arts. 114 e 116 do Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, e a Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1999.”

55 Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966. Art 42. O IRB tem a finalidade de regular o co-seguro, o resseguro e a retrocessão, bem como promover o desenvolvimento das operações de seguro, segundo as diretrizes do CNSP.

56 Carta-patente tratava-se do documento expedido pelo Ministério da Indústria e Comércio às seguradoras que preenchessem todos os requisitos exigidos pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. Os artigos do Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, disciplinam a concessão deste documento. “Art 74. A autorização para funcionamento será concedida através de Portaria do Ministro da Indústria e do Comércio,

42

Não obstante as pressões contrárias à criação do ressegurador monopolista

nacional existentes no âmbito do próprio Congresso Nacional, o Decreto nº. 1.186, de 3

de abril de 1.939, assinado por Getúlio Vargas, determinou fosse constituído o Instituto

de Resseguros do Brasil57.

O regime ditatorial, particularmente no que se refere ao setor de resseguro,

fortaleceu as bases do IRB, já que, sendo proibida a exploração dessa atividade

econômica em regime de livre concorrência, todas as coberturas requisitadas pelas

seguradoras nacionais lhe eram obrigatoriamente dirigidas. Este, por sua vez, ou

subscrevia os riscos por si só ou, não dispondo de condições para isso, os repassava aos

resseguradores estrangeiros.

Desfrutando dos bônus inerentes à exploração do resseguro em regime

monopolista, nota-se que, ano após ano, os resultados experimentados pela estatal

brasileira vêm melhorando58. Mediante a exploração em regime de livre concorrência,

estes resultados permanecerão positivos?59

mediante requerimento firmado pelos incorporadores, dirigido ao CNSP e apresentado por intermédio da SUSEP. Art 75. Concedida a autorização para funcionamento, a Sociedade terá o prazo de noventa dias para comprovar perante a SUSEP, o cumprimento de todas as formalidades legais ou exigências feitas no ato da autorização. Art 76. Feita a comprovação referida no artigo anterior, será expedida

a carta-patente pelo Ministro da Indústria e do Comércio”. À hipótese de que seguradoras nacionais contratassem resseguro por meio de qualquer ressegurador que não fosse o IRB, o mesmo Decreto-Lei, em seu art. 108, outorgava-lhe poderes para cassar a carta-patente da seguradora infratora: Art. 108. As infrações aos dispositivos deste Decreto-lei sujeitam as Sociedades Seguradoras, seus Diretores, administradores, gerentes e fiscais às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras estabelecidas na legislação vigente: I - Advertência; II - Multa pecuniária; III - Suspensão do exercício do cargo; IV - Inabilitação temporária ou permanente para o exercício de cargo de direção, nas Sociedades Seguradoras ou no IRB; V - Suspensão da autorização em cada ramo isolado; VI - Perda parcial ou total da recuperação de resseguro; VII - Suspensão de cobertura automática; VIII - Suspensão de retrocessão; IX - Cassação de carta-patente”.

57 As palavras de Getúlio Vargas, na Sessão Solene de inauguração do IRB, foram as seguintes: “Não estavam nos meus objetivos prejudicar interesses de capitais estrangeiros aqui empregados e que foram, nesta organização, devidamente respeitados. Pretendia, apenas organizar, sob a égide de uma fiscalização eficiente, as legítimas atividades industriais que se desenvolvessem no país, procurando, porém, evitar que fossem drenadas para o exterior as nossas economias que constituem o sangue e a vida da nacionalidade”. (Trecho extraído da monografia O monopólio de resseguro no Brasil. NASCENTES, Célio Olympio. Rio de Janeiro: IRB, 1993. 16 p, disponível na Biblioteca do IRB 368.029(81) N 244).

58 Os números colhidos a partir dos relatórios anuais divulgados pelo IRB demonstram a evolução experimentada entre os anos de 1995 e 2005. O ano de 1998 ficou marcado por ter sido o primeiro exercício fiscal de sua história no qual a marca de R$ 1 bilhão em receita de prêmios emitidos de resseguros foi superada. (O número exato, segundo o relatório anual divulgado pelo ressegurador brasileiro, foi de R$ 1,033 bilhão). Desenvolvendo uma comparação com o exercício anterior (1997), o crescimento foi da ordem de 10%. No que toca à participação de cada ramo sobre o montante geral arrecadado, o ramo incêndio figurou como líder, respondendo por 33% do total. Observando os resultados líquidos obtidos nos exercícios de 1995 (87,2), 1996 (73,1), 1997 (51,7) e 1998 (170,4), constata-se a majoração da demanda por resseguro, notadamente a partir do ano de 1997 para o ano de 1998. As justificativas às quedas ocorridas dos anos de 1995 para 1996, assim como de 1996 para 1997 estão dirigidas às graves crises financeiras ocorridas nos mercados internacionais, tendo sido absolutamente marcantes as crises na Ásia, na Argentina e a moratória apresentada pela Rússia, em 1998. Ditos acontecimentos influenciaram a ainda instável economia brasileira que, ressentida, demandou menos contratações de resseguro. As atividades realizadas no ano de 1999, na mesma linha do que se sucedeu no ano de 1998, demonstraram crescimento no volume de prêmios emitidos. Em 1998, consoante exposto, R$ 1.032,9 bilhões; em 1999, R$ 1.149,4 bilhões. Quanto ao resultado líquido do exercício, o ano de 1999 apresentou a cifra de R$ 155,4 milhões

43

O Governo Federal, por intermédio de sua Secretaria de Política Econômica,

diante do contexto formulado pela ordem econômica após o advento da Constituição da

República de 1988 e, observando que a flexibilização do monopólio exercido pelo IRB

afigurava-se premente, solicitou que fosse desenvolvido estudo60 a respeito das

(1998 apresentou R$ 170,4 milhões), explicando-se a inferioridade desse número diante da necessidade extraordinária de que fosse efetuado o pagamento de tributos retroativos (retidos na fonte), relativos aos últimos cinco anos, que representam a soma de R$ 241 milhões. Não houvesse essa necessidade, o resultado líquido do exercício representaria a soma de aproximados R$ 400 milhões. O ano 2000 apresentou novo crescimento do volume de prêmios emitidos – R$ 1.189.345 (bilhões), ao passo que em 1999 o volume foi de R$ 1.149.532 (bilhões). Numa primeira tomada, o ano de 2001 apresentou todos os elementos necessários à apresentação de resultados desfavoráveis por parte do IRB. A profunda crise argentina, o gravíssimo ataque terrorista ao World Trade Center nos EUA, em 11 de Setembro, demonstrando a vulnerabilidade da maior potência mundial, a perda de exportações desenvolvidas pela economia brasileira, aumento do risco-Brasil medido pelas agências estrangeiras, enfim, o cenário econômico demonstrava momentos difíceis a serem enfrentados pelo país. Tendo como alicerce o trabalho dedicado de seus funcionários, o empenho dos seguradores brasileiros, dos corretores de seguros, dos corretores de resseguro estrangeiros, os números finais apresentados pelo órgão ressegurador brasileiro foram realmente expressivos. Ainda sob a influência do ataque terrorista de 11 de Setembro de 2001, o ano de 2002 foi marcado por dificuldades no que toca à aceitação de riscos, taxas mais elevadas por parte dos resseguradores estrangeiros e condições (coberturas) mais restritas. O ambiente experimentado na América do Sul, infelizmente, não reuniu condições para ficar alheio à difícil situação conjuntural experimentada pelos EUA, sobretudo no campo político, ante à desconfiança de parte considerável da população norte-americana às políticas traçadas e conduzidas pelo Governo George W. Bush. A crise na economia argentina sofreu considerável piora e, como conseqüência direta disto, a confiança dos investidores estrangeiros naquela economia e, por tabela, na economia brasileira, foi seriamente abalada. Mesmo diante de cenário desfavorável, o IRB conseguiu auferir bons resultados. A arrecadação de prêmios emitidos totais de resseguro foi da ordem de R$ 2,45 bilhões (superiores, portanto, aos R$ 1,67 bilhões arrecadados no ano de 2001 – crescimento de 46,5%). Após a eleição do novo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, as incertezas acerca da condução da política que seria implementada tiveram como conseqüências imediatas as altas nas taxas de câmbio, inflação, em suma, houve um momentâneo nervosismo do mercado. Após a passagem do ano de 2003, cujos resultados demonstraram a queda da cotação do dólar (valorização do real), diminuição das taxas de juros, assim como as aprovações das reformas tributária e previdenciária, o mercado pôde perceber que a política aplicada não conduziria os investidores externos a sustos, o que permitiu, gradualmente, o retorno da confiança dos mesmos na economia nacional. Particularmente com relação ao mercado ressegurador, seus prêmios totais importaram uma arrecadação de R$ 2,87 bilhões, ou seja, crescimento à ordem de 17,22% em comparação com o ano anterior (R$ 2,45 bilhões). Novamente o ramo incêndio liderou as arrecadações de prêmios, respondendo pela cifra de R$ 468 milhões. Ainda atuando como órgão ressegurador oficial, um dos últimos do mundo consoante se expôs, o resultado experimentado no ano de 2003 representou lucro líquido à ordem de R$ 328 milhões, mantendo, portanto, os mesmos patamares auferidos no ano anterior. Os dados disponíveis acerca dos resultados experimentados no primeiro semestre de 2004 revelam que o órgão ressegurador oficial brasileiro auferiu um dos maiores lucros líquidos de sua história, chegando à casa dos R$ 280 milhões (o ano inteiro de 2003 representou lucro de R$ 328 milhões). Fruto de uma política de subscrição de riscos bem desenvolvida e aplicada, de desenvolvimento de uma excelente carteira de negócios, de uma administração profissional e séria, o IRB conquistou nesse período resultados realmente muito expressivos.

59 A exposição concernente a esta indagação foi apresentada ao longo dos terceiro e quarto capítulos desta dissertação.

60 Através de estudo disponibilizado pelo Governo Federal, noticiado pelo Jornal o Estado de São Paulo, publicado em 29.12.2004, chamado “Reformas Microeconômicas e Crescimento de Longo Prazo”, de autoria da Secretaria de Política Econômica, integrante do Ministério da Fazenda, comentou-se às fls. 48/50: “3.1.3 Aperfeiçoamento do Marco Regulatório do Setor de Seguros (...) Por essas razões, o Governo inseriu em sua agenda 2004-2005 a revisão do marco regulatório do setor de seguros e resseguros, favorecido pela alteração do artigo nº. 192 da Constituição Federal, através da Emenda Constitucional nº. 40, de 29/05/2003, que permitiu que o Sistema Financeiro Nacional fosse regulado por mais de uma lei complementar. Colocando a proteção ao consumidor como objetivo central da ação do Estado, a política para o setor de seguros será baseada em três pontos principais: i) o aperfeiçoamento institucional; ii) o aperfeiçoamento fiscalizatório; e iii) o aperfeiçoamento das garantias ao consumidor. O objetivo dessa política é retirar os entraves hoje existentes ao surgimento de novos produtos e serviços, promovendo aumento da competitividade no setor, melhoria das normas prudenciais e aperfeiçoamento da atuação do órgão regulador e fiscalizador. Hoje, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB-Brasil Resseguros) possui tanto a atribuição de regular o mercado quanto o monopólio das operações de resseguro. Porém, sua composição acionária possui não apenas o Governo, mas também as próprias empresas fiscalizadas.

44

principais desvantagens decorrentes da exploração do setor de resseguro em regime

monopolista. As principais conclusões apresentadas foram no sentido de que o

monopólio propiciava: (i) Criação de ineficiências no mercado de seguros, por inibir

que o ressegurador único recuse atuar com seguradoras com deficiências de subscrição

ou operacionais, gerando maiores custos em última medida ao próprio segurado,

decorrentes do aumento dos prêmios praticados; (ii) Desestímulo à competitividade

entre seguradoras, já que, independentemente das circunstâncias, estas poderão recorrer

ao único ressegurador nacional; (iii) Inibição para a entrada de novas seguradoras no

mercado (nacionais e estrangeiras) e (iv) Inibição para o desenvolvimento de novos

produtos61, principalmente aqueles não padronizados.

João Marcos Brito Martins62, no que se refere às críticas direcionadas à exploração

monopolista, apresenta os seguintes comentários:

A livre concorrência em seguros sofre limitações de toda ordem. Não apenas por fatores microeconômicos; não só. A alta concentração do mercado de seguros se deve, principalmente, ao modelo adotado. O monopólio legal do resseguro (...) impede qualquer movimento eficiente em favor da livre concorrência. Se a seguradora cedente solicita uma taxa para determinado risco, tal taxa é concedida ao risco e não à seguradora solicitante. Como já visto no início deste trabalho, a taxa deve ser proporcional ao risco. Quando duas ou mais seguradoras pedem taxa para ressegurar o mesmo risco, nos casos em que estejam concorrendo entre si, não haverá diferença entre elas. A taxa de resseguro será a mesma para todas. Então o diferencial será dado pela própria seguradora nos limites de sua retenção. A que tiver maior patrimônio,

Historicamente, sua importância residiu na própria criação e desenvolvimento do mercado nacional de seguros. Contudo, o monopólio do resseguro, do qual o Brasil é hoje umas das raras exceções, ao lado de Cuba e Costa Rica, traz consigo atualmente alguns entraves econômicos à continuidade do desenvolvimento setorial: a) cria ineficiências no mercado de seguros, por inibir que o ressegurador único recuse atuar com seguradoras com deficiências operacionais ou de subscrição, gerando maiores custos em última medida ao próprio segurado; b) não estimula a competitividade entre seguradoras; c) inibe a entrada de novas seguradoras no mercado (nacionais e estrangeiras); e d) inibe o desenvolvimento de novos produtos, principalmente aqueles não padronizados. (...)”.

61 Em artigo de nossa autoria, publicado no Boletim Informativo FOCUS, nº. 1, Maio de 2006, p. 1, sob o título: Renovar para Competir – Uma Abordagem Schumpeteriana sobre as Mudanças anunciadas para o Setor de Resseguros no Brasil. Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados, desenvolveu-se análise relativa à aplicação do conceito de “destruição criativa”, do qual é precursor o economista austríaco Joseph Schumpeter, ao setor de resseguros no Brasil. Do texto, convém reproduzir o trecho a seguir: “É notório que o mercado de seguros e resseguros vem se desenvolvendo enormemente nos últimos anos, razão pela qual a maior competição nesse mercado é fundamental para a sua expansão. Como bem disse o presidente do IRB, “a liberalização dos mercados permite uma relação mais íntima entre seguradoras e resseguradoras e estimula o lançamento de novos produtos”. Benefícios decorrentes da introdução de novos produtos, novas coberturas para o mercado segurador nacional, estariam intrinsecamente relacionados ao novo regime de exploração deste setor, já que, sob a égide do regime monopolista, o Brasil se encontra em posição bastante obsoleta em comparação com os países que dispõem de mercados resseguradores competitivos. À luz do conceito de “destruição criativa”, de Joseph Schumpeter, a flexibilização do monopólio exercido pelo IRB, que se anuncia para o setor de resseguros brasileiro, mostra um cenário em que novos resseguradores, estrangeiros ou nacionais, distinguir-se-ão da estatal brasileira por meio do lançamento de novos produtos em melhores condições, isto é, com garantias estendidas, prêmios mais acessíveis e períodos mais curtos com vistas à regulação dos sinistros existentes. (...)”

62 MARTINS, João Marcos Brito. Direito de Seguro. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2002, pp. 111/112.

45

automaticamente tem retenção maior e, por conseguinte, poderá oferecer melhores condições. Nesse suceder de casos, as maiores se tornam ainda mais alavancadas. (...) O monopólio legal também traz um vício antigo na redistribuição dos riscos. O IRB Brasil Resseguros, após atingida sua capacidade de retenção, redistribui, através de mecanismo denominado retrocessão, para todas as seguradoras do país, o restante do risco até o atingimento da retenção total do mercado nacional. Qualquer seguradora participante do movimento industrial tem direito ao seu quinhão, ainda que não tenha feito nada para merecê-lo. Há muitas que sobrevivem desse ganho, o que também é óbice à concorrência. A questão que se coloca é: sobreviverão tais seguradoras à queda do monopólio legal? O mercado ficará ainda mais estreito para o consumidor de seguros? (...)

Ainda com relação ao mencionado estudo, divulgou-se que o Brasil, ao lado de

Cuba e Costa Rica, formam o grupo dos três últimos países do mundo que detém

regimes monopolistas de exploração dos seus setores de resseguro. A comparação com

Cuba, diante do aspecto histórico, do comunismo que, a duras penas, ainda prevalece

como regime de governo daquele país, não inspira semelhanças com o Brasil, de modo

que se possa traçar uma analogia palpável. As dimensões da econômica brasileira, em

comparação com as dimensões da economia da Costa Rica, também não permitem que

se tome aquele modelo econômico como referência a ser seguida, a ser objeto de

comparação em matéria de exploração do setor de resseguro.

Países cujas características econômicas se assemelham às características

nacionais, como, por exemplo, a Argentina, há tempos cuidaram da flexibilização do

seu regime monopolista de exploração do resseguro. Ariel Fernandez Dirube63, explica,

sucintamente, como ocorreu a flexibilização do monopólio no mercado ressegurador

argentino:

De todo lo expuesto surge que el mercado assegurador argentino reconoce tres etapas en su desenvolvimiento operativo em matéria de reaseguros: a) una primera etapa prácticamente libre en la cual no existieron normas que fijaran requisitos mínimos respecto de las empresas de reaseguros de exterior, síno sólo algunos principios básicos que debían observar las asseguradoras locales al formalizar sus contratos de reaseguro. B) una segunda etapa, fuertemente proteccnionista, en la que se establecieron pautas de diferenciación de la nacionalidad de las entidades asseguradoras directas, un consecuente tratamiento diferencial en varios aspectos y especialmente en materia de reaseguros y además la creación de una empresa reaseguradora monopólica, primero de carácter mixto y luego totalmente estatal. c) Finalmente, una tercera etapa, de mercado libre desregulado – que estamos viviendo a partir de la liquidación del reasegurador estatal -, con libre contratación dentro de ciertos niveles y requisitos, no sólo referidos al

63 DIRUBE, Ariel Fernández. Evolución del marco legal del reaseguro en la Argentina. In: BARBATO, Nicolas

H. (coord.). Derecho de Seguros. Buenos Aires: Hammurabi, 2001, pp. 480/481.

46

contenido de los contratos si no también a las condiciones que deben necesariamente reunir las reaseguradoras, para se aceptables por la autoridad de control los contratos concertados con ellas. Este esquema constituye un novedoso avance legislativo en nuestro país, que implica la introducción de la normativa en un campo asta ahora poco frecuentado por el derecho positivo64.

Coréia do Sul65 e China66, marcadas pelo desenvolvimento econômico

exponencial, também já flexibilizaram os seus monopólios, circunstância esta que,

necessariamente, força a conclusão de no sentido de que no Brasil inexiste espaço para a

exploração em regime monopolista. A Índia, cuja independência foi proclamada em

1947, também já caminha a passos largos rumo à flexibilização do monopólio67.

Com efeito, realmente foi-se o tempo em que o país experimentou a necessidade

de proteger as suas divisas explorando atividades econômicas em regimes de

monopólio. As Constituições da República de 1934 e de 193768, expressamente,

dispunham em seus títulos relativos à ordem econômica e social, que caberia à lei

providenciar a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades,

devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que à época estivessem

em operação, assim como que as sociedades em atuação no Brasil não poderiam dispor

de acionistas estrangeiros em seus quadros.

64 Em tradução livre do autor: “De todo o exposto tem-se que o mercado segurador argentino reconhece três etapas

em seu desenvolvimento operacional em matéria de resseguros: a) uma primeira etapa praticamente livre, na qual não existiam normas que fixaram requisitos mínimos referentes às empresas resseguradoras estrangeiras, mas apenas alguns princípios básicos que as seguradoras locais deveriam observar ao formalizar seus contratos de resseguro. b) uma segunda etapa, fortemente protecionista, na qual se estabeleceram tratamentos diferenciados pela nacionalidade das seguradoras diretas, um conseqüente tratamento diferente em vários aspectos, especialmente em matéria de resseguros, além da criação de uma empresa de resseguros monopolista, em primeiro lugar de caráter misto e, logo após, totalmente estatal. c) Finalmente, uma terceira etapa de mercado livre e desregulado – estamos vivendo desde a liquidação do ressegurador estatal – com livre contratação dentro de certos níveis e requisitos não só referentes ao conteúdo dos contratos, mas também às condições que devem necessariamente reunir as resseguradoras, para serem aceitáveis pelas autoridades de controle os contratos celebrados com elas. Este esquema constitui um novo avanço legislativo em nosso país, que implica na introdução da normativa num campo até agora pouco freqüentado pelo direito positivo.”

65 A Coréia do Sul flexibilizou o monopólio do resseguro em 1997. Até então, a Korean-Re detinha o monopólio legal do resseguro naquele país, extinto como parte do programa de liberalização do mercado de seguros coreano, quando o país ingressou na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).

66 A reforma dos mercados segurador e ressegurador na China ocorreu em 1996. Informações disponíveis em <http://econ.pku.edu.cn/ccissr/english/member/Engl-zhongzai.htm>, acessado em 27 de janeiro de 2007.

67 Informações pormenorizadas a respeito da evolução dos mercados de seguro e resseguro indianos se encontram disponíveis em An Analysis of the Evolution of Insurance in Índia. Tapen Sinha. London: The University of Notthingham, 2005, disponível em <http://www.nottingham.ac.uk/business/cris/papers/2005-3.pdf>, acessado em 27.01.2007.

68 Constituição da República, de 16 de julho de 1934, art. 117. A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País. Constituição da República, de 10 de novembro de 1937, art. 145. Só poderão funcionar no Brasil os bancos de depósito e as empresas de seguros, quando brasileiros os seus acionistas. Aos bancos de depósito e empresas de seguros atualmente autorizados a operar no País, a lei dará um prazo razoável para que se transformem de acordo com as exigências deste artigo.

47

O programa de nacionalização do seguro alinhava-se, perfeitamente, às

características do Estado empresário, do Estado desenvolvimentista, sendo certo que a

exploração monopolista do resseguro vinha ao encontro daquele panorama. Pedro

Alvim69, ao comentar a respeito do programa de nacionalização do seguro, observa que

a criação do IRB se tratou da maior conquista deste programa:

Pretendeu, então, o governo impor determinadas condições para restringir esse fluxo de dinheiro para o exterior em prejuízo da nossa balança de pagamentos. Houve resistência das companhias estrangeiras, que tudo fizeram para dificultar a aplicação das normas regulamentares dos sucessivos diplomas legais publicados (...). A demorada resistência das companhias estrangeiras à submissão das normas regulamentares gerou um movimento no Congresso Nacional, visando a nacionalização do seguro no país. Pretendia-se transformar em nacionais as agências das seguradoras estrangeiras e, ao mesmo tempo, criar condições para o fortalecimento das nossas seguradoras. (...) O movimento nacionalista teve, porém, o mérito de ensejar a criação do Instituto de Resseguros do Brasil (Decreto-lei nº. 1.805, de 27.11.39). Seria o instrumento da política nacionalista. Sua instalação, no ano seguinte, marcou o início de uma etapa muito importante para o progresso do seguro nacional.

Como conseqüência da aplicação da livre iniciativa e da livre concorrência ao

setor de resseguros brasileiro, é chegado o momento em que o Estado regulador deverá,

em definitivo, substituir o modelo retrógrado que marcou essa atividade econômica no

país ao longo do século XX.

1.7 Conclusões Parciais

O desenvolvimento da relação existente no país entre o Estado e o Mercado, de

maneira geral, demonstrou, com riqueza de exemplos, que a ordem econômica

constitucional brasileira não guarda mais espaço para que prevaleça um regime

monopolista. Nos segmentos voltados à distribuição de gás canalizado, ao fim da

reserva de mercado na navegação de cabotagem, às telecomunicações, à distribuição de

energia elétrica e ao petróleo e gás natural, foram dados passos importantes rumo à

flexibilização dos monopólios outrora existentes, sendo certo que a recém sancionada

Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, representou o marco que carecia

de ser alcançado para os mercados segurador e ressegurador brasileiros.

69 ALVIM, Pedro. Ob. cit., pp. 55/56.

48

De fato, seja com motivação no fundamento da livre iniciativa, seja como

motivação no princípio da livre concorrência, aliando-se a esses motivos o fato de que

em âmbito mundial praticamente inexiste a exploração do resseguro em regime de

monopólio, entende-se estarem reunidas as condições necessárias para que o Estado,

com as características que o século XXI lhe impõe, deixe de intervir e passe a regular o

resseguro no país, no sentido de que seja trilhado caminho cujo norte consistirá na

criação do mercado ressegurador brasileiro, isto é, ao invés de termos o setor de

resseguro, dotado de apenas um fornecedor estatal, será construído o mercado

ressegurador, provido de resseguradores em regime de livre concorrência, no qual será

livre a introdução de inovações – novas coberturas – diminuído o valor dos prêmios

praticados, em benefício, sobretudo, de toda a massa consumidora de seguros existente

no país.

CAPÍTULO 2

DO REGIME MONOPOLISTA À LIVRE CONCORRÊNCIA

A CRIAÇÃO DO MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO

2.1 Considerações Iniciais

Conforme comentado no capítulo anterior, a Emenda à Constituição nº. 13, de 21

de agosto de 1996, suprimiu a expressão “órgão oficial ressegurador” do artigo 192 da

Constituição da República, o que representou o primeiro passo rumo à flexibilização70

do monopólio exercido pelo Instituto de Resseguros do Brasil – IRB.

Logo a seguir, a Medida Provisória nº. 1.578, de 18 de junho de 1997,

posteriormente convertida na Lei nº. 9.482, de 13 de agosto de 1997, transformou o

Instituto de Resseguros do Brasil – IRB numa sociedade de ações, com uma diretoria

executiva organizada de forma colegiada, ou seja, começava a ser percorrido o caminho

que, posteriormente, culminaria com a inclusão do ressegurador nacional no Programa

Nacional de Desestatização - PND. A partir de 30 de junho de 1997, o Instituto de

Resseguros do Brasil passou a denominar-se IRB - Brasil Resseguros S.A., ou,

simplesmente, IRB-Brasil Re.

Um pouco mais adiante, o Governo Federal, por intermédio do Decreto nº. 2.423,

de 16 de dezembro de 1997, incluiu o IRB-Brasil Re no Programa Nacional de

Desestatização – PND, ante o interesse na realização do seu leilão e, conseqüentemente,

de sua privatização71.

70 ENTERRÍA, Eduardo García de (Curso de Derecho Administrativo I. Madrid, Civitas, Décima edicíon, 2000,

p. 55) usa estas palavras quando, a título enunciativo, explicita alguns casos do que denomina “retrocesso” dos “monopólios” estatais: “a) el monopólio de correos fue flexibilizado al fomentarse por el decreto nº. 197/992, de 12 de mayo de 1992, a la actitividad privada a través de permisarios en régimen de concurrencia. El artículo 746 de la ley nº. 16.736, de 5 de enero de 1996, parece recoger este espíritu y parece pensar en un sistema que assegure una sana concurrencia entre los permisarios y la actividad estatal en el sector;...” (GOLDBERG, Maria Neueunschwander Escosteguy Carneiro. Uma Nova Visão do Setor Postal Brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006, p. 4).

71 Sara Jane Leite de Farias afirma: “Desde o final dos anos 80 ressurge a discussão acerca do conceito de serviço público, tendo em vista as mudanças dos pressupostos econômicos, sociais, políticos e culturais. É notório que durante o período intitulado como “bem-estar social” o Estado se tornou grande demais, porém num sentido quantitativo (acúmulo de atividades) mas não necessariamente qualitativo (eficiência na execução das mesmas).

50

Ao lado dessa iniciativa, o Governo Federal também encaminhou ao Congresso

Nacional um Projeto de Lei Ordinária objetivando a transferência das atribuições

regulatórias exercidas pelo IRB-Brasil Re à Superintendência de Seguros Privados –

SUSEP, que, posteriormente, culminou com a promulgação da Lei nº. 9.932, de 20 de

dezembro de 1.99972.

Portanto, nota-se que, à época, a pretensão do Governo estava voltada à: (i)

flexibilização do monopólio exercido pela resseguradora estatal; (ii) privatização do

IRB – Brasil Re e (iii) transferência das atribuições regulatórias por ele exercidas à

SUSEP.

As iniciativas em tela, por si só, seriam suficientes à criação do mercado

ressegurador brasileiro? Conforme exposto, o que se tinha, sob a chancela do antigo

Instituto de Resseguros do Brasil, era apenas o setor de resseguros, já que inexistente a

concorrência. Com o IRB-Brasil Re privatizado e ocorrendo a transferência de suas

atribuições regulatórias à SUSEP, cuja competência, originalmente, trata-se da

regulação dos mercados de seguros, previdência privada e capitalização, consoante

determina o art. 3673 do Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, estarão

erguidos os pilares necessários à sustentação do mercado ressegurador brasileiro?

Segundo Dinorá Adelaide Musetti Grotti, “criou-se a consciência generalizada de que deveria haver um enxugamento da máquina estatal e a devolução das atividades à iniciativa privada, como também a escolha do prestador do serviço”. Mais uma vez a sociedade viu-se diante de uma redefinição da atuação administrativa do Estado no que diz respeito aos serviços públicos. Nesse sentido, leciona Marcos Juruena Villela Souto: “Urge, pois, que se corrija a anomalia do gigantismo do Estado, oriunda de uma política que lhe atribuiu o papel de condutor da economia. Esse é o objetivo primordial da privatização: devolver à iniciativa privada um espaço que, em situação de normalidade, a ela compete, retornando o Estado às suas funções típicas, especialmente no que concerne ao essencial, como saúde pública, segurança, educação e saneamento”. (FARIAS, Sara Jane Leite de. Regulação Jurídica dos Serviços Autorizados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 28/29).

72 A discussão afeta à constitucionalidade da Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1.999 foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2223, dirigida ao Supremo Tribunal Federal. Comentários específicos acerca desta discussão foram realizados ao longo do presente capítulo.

73 Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966. Art 36. Compete à SUSEP, na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP, como órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras: a) processar os pedidos de autorização, para constituição, organização, funcionamento, fusão, encampação, grupamento, transferência de controle acionário e reforma dos Estatutos das Sociedades Seguradoras, opinar sobre os mesmos e encaminhá-los ao CNSP; b) baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do CNSP; c) fixar condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional; d) aprovar os limites de operações das Sociedades Seguradoras, de conformidade com o critério fixado pelo CNSP; e) examinar e aprovar as condições de coberturas especiais, bem como fixar as taxas aplicáveis; f) autorizar a movimentação e liberação dos bens e valores obrigatoriamente inscritos em garantia das reservas técnicas e do capital vinculado; g) fiscalizar a execução das normas gerais de contabilidade e estatística fixadas pelo CNSP para as Sociedades Seguradoras; h) fiscalizar as operações das Sociedades Seguradoras, inclusive o exato cumprimento deste Decreto-lei, de outras leis pertinentes, disposições regulamentares em geral, resoluções do CNSP e aplicar as penalidades cabíveis; i) proceder à liquidação das Sociedades Seguradoras que tiverem cassada a autorização para funcionar no País; j) organizam seus serviços, elaborar e executar seu orçamento.

51

A aplicação da livre concorrência ao setor de resseguros, ao menos em princípio,

motiva a impressão de que estará, então, construído o mercado ressegurador brasileiro,

em que, não apenas sob a perspectiva legislativa, mas sob a perspectiva fática, real,

estarão presentes os pressupostos necessários à sustentabilidade desse mercado, no qual

nenhum agente possa influenciar na formação de preços, haja diversidade de coberturas

disponibilizadas às seguradoras cedentes e os valores dos prêmios praticados tendam a

diminuir em comparação com os preços atualmente praticados pelo IRB – Brasil Re, em

razão da competição que será implementada.

Afirmou-se impressão no parágrafo anterior porque não é o simples fato de um

Projeto de Lei ser aprovado que terá como conseqüência imediata a criação do mercado

ressegurador brasileiro.

O que já existe, desde 1939, quando da criação do IRB, é o setor de resseguros,

não o mercado, havendo entre estas duas palavras – setor e mercado – marcante

distinção.

Seja no ramo das telecomunicações, do petróleo, ou da energia elétrica, tomados a

título exemplificativo, a construção de um mercado não é realizada de forma

instantânea, mediante a simples aprovação de um Projeto de Lei.

Calixto Salomão Filho74, especificamente com relação à impossibilidade de

formação automática de um mercado, afirma:

As falhas dessa concepção neoclássica são, portanto, evidentes. A reprodução em laboratório de condições de mercado é inviável, seja através da regulação ou da auto-regulação. Há, também, o fato inegável de que a concentração exclusiva na lógica de mercado desvia as atenções de outros e fundamentais objetivos que deve ter a ação regulatória do Estado na economia.

A aprovação de um Projeto de Lei, com efeito, figura como um pressuposto

necessário à positivação no ordenamento jurídico do respectivo mercado que se esteja

estudando, mas, a sua efetiva criação depende de diversos elementos de índole jurídico-

econômica, relacionados à função que a regulação exercerá para construir o mercado em

espécie. Justamente com relação ao papel da regulação, tendo como referência a

reestruturação de diversos serviços objeto da privatização, Diogo de Figueiredo Moreira

Neto75 afirma:

74 FILHO, Calixto Salomão. Regulação da Atividade Econômica. São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 25/26. 75 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Público. Rio de Janeiro: Renovar. 2006, p. 389.

52

Finalmente, a necessidade de repensar o desenho da administração pública encontrou também um importante impulso no fenômeno contemporâneo, reiteradamente observado e descrito, da fragmentação e despublicização do interesse público, marcando “o sendeiro tangível da passagem de uma administração monista e monoorganizada para uma administração pluralista e pluriorganizada”, o que corresponde, com não menor relevância, ao aperfeiçoamento da aplicação e do controle do poder político. Com o desmonte dos pesados aparatos interventivos em todos os países que haviam experimentado um alto grau de estatização, a Europa, em processo de democratização, optando por republicizar os controles das atividades econômicas, preferiu fazê-lo, então, nos moldes da solução norte-americana da regulação, adotando modelo das suas agências independentes76.

Analisando, por exemplo, a criação do mercado nacional de telecomunicações,

não resta dúvida de que o Estado, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações

– ANATEL, teve papel essencial, migrando de um regime de monopólio exercido pela

União Federal para um regime de livre concorrência, provido de benefícios sensíveis à

massa de consumidores que se utilizam desse serviço público. Com relação à

importância da função estatal para a criação deste mercado, convém examinar as

palavras de Sidnei Turczyn77:

A nova função do Estado seria, em primeiro lugar, a de criar o mercado competitivo, uma vez que não existe, ainda, um mercado concorrencial de serviço público, em razão do regime monopolista anterior. Pelo fato de o serviço de telecomunicações ser um serviço público, o Estado deve, inicialmente, dirigir a construção deste mercado, para que futuramente possa ele funcionar em regime de livre concorrência. Entretanto, é o Estado que possui a titularidade do serviço, podendo influir neste mercado para que ele não traga prejuízo ao direito dos usuários. O Estado atua nestes setores através das recém-criadas agências reguladoras. (...) É importante esclarecer que a concorrência consiste, em resumo, na disputa pelo consumidor através do menor preço e pela melhor qualidade do produto. Para sua implementação, as agências reguladoras têm a função de garantir condições para que este mercado concorrencial funcione corretamente.

Passando a estudar o mercado de petróleo e derivados, percebe-se que sua criação

não foi diferente, observadas as mudanças levadas a cabo a partir do advento da

Emenda à Constituição nº. 9, de 09 de novembro de 1995.

Partindo de um regime no qual a União Federal detinha o monopólio legal para a

exploração do petróleo e seus derivados, a Emenda em comento veio à tona espelhando

76 Realces no original. 77 TURCZYN, Sidnei. O direito da concorrência e os serviços privatizados. In: Direito Administrativo

Econômico. SUNDFELD, Carlos Ari (coord.), São Paulo: Malheiros, 2000, pp. 208/209.

53

um novo panorama, cuja aplicação prática careceu de que a Agência Nacional do

Petróleo - ANP78 - envidasse os seus esforços para que fosse criado e desenvolvido o

mercado brasileiro de petróleo, aberto à participação das empresas que dispusessem das

condições necessárias para isto. A transformação do regime de monopólio para o regime

da livre concorrência, tomando como base a exploração do petróleo e seus derivados no

país, foi assim observada por Carlos Ari Sundfeld79:

Está em curso, no Brasil, como em outras partes do mundo, um processo de desregulação da indústria petrolífera. Nossa história principia com o estabelecimento, por via de lei, de monopólio federal sobre a exploração e produção de petróleo, com a conseqüente criação da PETROBRÁS, sociedade de economia mista federal incumbida de exercê-lo (Lei. 2.004, de 1953). Com a Constituição de 1988 o monopólio foi constitucionalizado (art. 177), prevendo-se também a competência estadual para distribuição domiciliar de gás canalizado, exclusivamente por empresa estatal (art. 25, § 2º). Em 1995, as Emendas Constitucionais 5 e 9 suavizaram essas normas ao eliminar a exigência de que essas atividades fossem desenvolvidas apenas por meio de empresas estatais. Assiste-se, agora, ao surgimento de concessionários privados na exploração e produção petrolífera (concessões federais), bem como na distribuição de gás (concessões estaduais). Em paralelo, esboça-se uma política de incentivo à concorrência entre empresas, e isso também com relação a outras atividades da indústria petrolífera, como o refino e o transporte. Para conduzir essa transformação, criou-se a Agência Nacional do Petróleo.

Quando da formação do mercado de energia elétrica, a partir do diagnóstico de

que o Estado não mais detinha condições de zelar pelo seu desenvolvimento de maneira

eficiente, foram estudadas as condições inerentes à sua reestruturação. David

Waltenberg80, chamando a atenção para a nova função que deveria ficar a cargo do

Estado, qual seja, a regulação como forma de propiciar a competição em condições

parelhas entre os agentes que viessem a atuar no mercado em exame, afirmou:

2.4 Regulação / Competição (1990 - ...) Caracterizada a crise, tratou-se de fazer seu diagnóstico e definir as linhas mestras do processo de reestruturação. Na medida em que o Estado esgotou a sua capacidade de investimento, que os escassos recursos públicos disponíveis deveriam ser destinados a outras áreas, à época consideradas mais prioritárias do que a energia elétrica, e que o setor não desenvolveu mecanismos próprios de sustentação, então a iniciativa privada é que deveria ser chamada a arcar com investimentos necessários para o desenvolvimento da energia elétrica. (...)

78 A Agência Nacional do Petróleo – ANP foi criada por força da Lei nº. 9.478, de 6.8.1997. 79 SUNDFELD, Carlos Ari. Regime Jurídico do Setor Petrolífero. In: Direito Administrativo Econômico.

(Coord). Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 385. 80 WALTENBERG, David. A. M. Direito da Energia Elétrica e a ANEEL. In: Direito Administrativo

Econômico. Coord. Carlos Ari Sundfeld. São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 357/358.

54

Dentro dessa perspectiva de ambiente privado, entende-se conveniente estabelecer condições de competição, para o quê as diversas atividades setoriais deveriam ser segmentadas, sendo que a geração e a comercialização, esta segregada à distribuição, seriam expostas à competição, enquanto a transmissão e a distribuição seriam dela preservadas. Isso determinou a adoção, dentre as diretrizes norteadoras do processo de reestruturação setorial, do postulado da competição, onde fosse possível, e da manutenção e reforço da regulação, onde fosse necessária.

Portanto, restando esclarecido que a criação de um mercado em regime de livre

concorrência, que suceda a exploração de determinado serviço público ou atividade

econômica em regime de monopólio, carece de medidas regulatórias a serem executadas

pelo Estado, por meio das Agências Reguladoras, pretende-se estudar quais serão os

passos a serem trilhados com vistas à criação do mercado ressegurador brasileiro81, isto

é, sobre quais aspectos a regulação deverá incidir neste mercado.

2.2 Contextualizando o Resseguro

A discussão a respeito dos limites ao poder regulatório a ser exercido pelo Estado

carece de que, em primeiro lugar, seja contextualizado o resseguro, isto é, torna-se

necessário compreender qual é a sua classificação. Seria espécie de serviço público, de

serviço público impróprio, de serviço geral, serviço de interesse geral ou seria atividade

econômica? Para responder a essas indagações faz-se necessário, inicialmente, estudar o

conceito de resseguro.

81 Floriano Azevedo Marques Neto ensina que há incidência da regulação tanto nos serviços públicos quanto nas

atividades econômicas, variando a intensidade da intervenção estatal de acordo com a maior ou menor necessidade de que esta se faça presente: “Tanto nos serviços públicos como nas atividades econômicas (em sentido estrito) há alguma incidência de regulação estatal. O que irá variar é a profundidade e a intensidade da carga regulatória. Porém, mesmo na menos condicionada das atividades econômicas – onde vicejar liberdade de empresa e não houver nenhuma incidência de regulação estatal – haverá, residual e reativamente, alguma incidência de regulação estatal seja no âmbito da proteção à concorrência (intervenção das autoridades antitruste), seja no âmbito da proteção ambiental, seja ainda no tocante à defesa do consumidor.” (MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Limites à Abrangência e à Intensidade da Regulação Estatal, p. 7, disponível em <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-4-NOVEMBRO-2005-FLORIANO_AZEVEDO.pdf>, acessado em 05 de agosto de 2006).

55

A capacidade de retenção82 das companhias seguradoras é limitada, sendo certo

que diante de grandes riscos emerge a necessidade de que sejam utilizados mecanismos

voltados à sua pulverização. Exemplificando, para subscrever determinado risco,

relativo a interesse segurado representativo de um automóvel, avaliado em R$

50.000,00 (cinqüenta mil reais), observa-se que uma seguradora não enfrentará

problemas para realizar esta operação isoladamente. Por outro lado, caso se estejam

subscrevendo os riscos inerentes a uma plataforma de petróleo, a uma aeronave

comercial ou a um valioso empreendimento imobiliário, cujos interesses seguráveis

sejam da ordem de milhões/bilhões de dólares, nota-se que esta operação, dificilmente,

será realizada por uma seguradora isoladamente, seja por incapacidade financeira, seja

para preservar a sua capacidade de retenção, evitando que apenas um negócio

inviabilize a realização de muitos outros. Exatamente com esta finalidade é que se

utiliza o resseguro.

Pode-se conceituar o resseguro como “a coluna vertebral do seguro83”, ou como “o

sistema vascular e o tecido conjuntivo da indústria securitária internacional84”. Paulo

Luiz de Toledo Piza85 define-o da seguinte forma:

Tecnicamente, com efeito, ele se apresenta como um meio pelo qual as empresas de seguros buscam homogeneizar e limitar as responsabilidades securitárias que assumem, no curso do exercício de sua atividade empresarial, normalizando o comportamento de suas carteiras de riscos e garantindo-as dos desvios ou desequilíbrios que, como visto, afetam a freqüência, a intensidade, a distribuição temporal ou a própria importância atinente aos sinistros de tais riscos. Trata-se, basicamente, como já se adiantou, de promover, por meio do resseguro, em sentido figurado, a “transferência” do risco ou parte dos riscos por ele assumidos de uma empresa (o segurador)

82 Afirma-se que a capacidade de retenção de uma seguradora é limitada considerando, de um lado, a sua

capacidade econômica e, de outro, a dimensão do risco que se pretenda subscrever. Pedro Alvim explica a capacidade de retenção de uma seguradora da seguinte maneira: “A divisão de riscos é um dos princípios fundamentais do seguro. Preserva a estabilidade da empresa seguradora. Se a experiência estatística revela que, em determinada carteira de seguro, a freqüência de sinistros é, por exemplo, de vinte por cento, o segurador só poderá estimar suas perdas se houver o nivelamento dos riscos que a compõem. Se todos os riscos tiverem o mesmo valor, por exemplo, cem mil reais, o cálculo se torna fácil: o prejuízo é de vinte mil reais (20% de R$ 100.000,00). Mas se forem de valores diferentes, uns de R$ 50.000,00, outros de R$ 100.000,00 ou de R$ 300.000,00, como fazer a estimativa? A possibilidade de ocorrência nos riscos de maior valor agravará as perdas da carteira, embora se mantenha constante a freqüência dos sinistros. Para resguardar-se desses desvios, a carteira deverá manter um valor médio constante para os riscos. Tudo que exceder será cedido ao ressegurador. Calcula-se a retenção, isto é, o que fica a cargo do segurador, levando-se em conta diversos fatores, relacionados com a capacidade técnico-econômica da empresa e a natureza dos riscos. (ALVIM, Pedro. Ob. cit., pp. 357/358).

83 DIRUBE, Ariel Fernandez. Manual de Reaseguros. Buenos Aires: General Re, 1993, p. 28. 84 DONATI, Antigono. Trattato del diritto delle assicurazioni private. Milano: Giuffré, 1952, t. I, p. 15. 85 PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Contrato de Resseguro: Tipologia, Formação e Direito Internacional. São

Paulo: IBDS-EMTS, 2002, p. 88. A obra em referência corresponde à publicação da tese de doutoramento do autor submetida à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, aprovada após argüição pública ocorrida em outubro de 2001.

56

para outra empresa (o ressegurador). Com o resseguro, em apertada síntese, o que se busca é aparar desequilíbrios, é distribuir no tempo desembolsos extraordinários, é limitar perdas a valores preestabelecidos.

Pedro Alvim86 assim o explica:

Consiste o resseguro na transferência de parte ou de toda a responsabilidade do segurador para o ressegurador. A obrigação assumida perante o segurado por um só segurador é compartilhada por outros através do resseguro. Assim como o segurado procura garantir-se contra os efeitos dos riscos por meio do seguro, procede, da mesma forma, o segurador resguardando-se, através do resseguro, de prejuízos tecnicamente desaconselháveis. O resseguro facilita a pulverização do risco.

Nessa linha de idéias, verifica-se que o resseguro se trata de um mecanismo do

qual os seguradores lançam mão quando o risco a ser subscrito representa patamares

elevados, o que motiva o desenvolvimento de uma relação entre segurador e

ressegurador, da qual é antecedente lógica a relação existente entre segurado e

segurador.

Convém esclarecer que entre segurado e ressegurador não há relação jurídica

alguma. A relação existente entre segurado e seguradora trata-se de antecedente

necessário à relação existente entre seguradora e resseguradora, mas, consoante se

afirmou, entre segurado, postado num extremo, e o ressegurador, postado no outro

extremo, inexiste relação jurídica que permita o aforamento direto de demanda pelo

segurado contra o ressegurador87. Sob a perspectiva econômica, o pagamento da

86 ALVIM, Pedro. Ob. cit., p. 357. 87 Esclarece-se que, em alguns casos concretos, a regulação do sinistro, quando realizada pelo ressegurador ou,

quando realizada pelo segurador mediante autorização do ressegurador, acarreta prejuízos ao segurado, decorrentes de mora. Assim, considerando a responsabilidade civil decorrente de ato ilícito, vislumbra-se a possibilidade de que o próprio segurado reclame seus prejuízos diretamente contra o ressegurador. Paulo Luiz de Toledo Piza, em “A Mora da Seguradora e o Controle da Regulação de Sinistro pela Resseguradora”, publicado nos Anais do II Fórum de Direito do Seguro “José Sollero Filho”, São Paulo: IBDS-EMTS, 2002, pp. 163/188, afirma: “Seja como for, essa realidade imbrica-se com o tema da mora do segurador, por muitas vezes a mora do segurador na liquidação de determinado sinistro pode decorrer do fato de estar ele submetido à emissão, pelo ressegurador, de autorização para que proceda ao pagamento da indenização reclamada, sob pena de, não o fazendo, sujeitar-se a multas e à perda do direito à recuperação ressecuritária. (...) A essa discussão é que se pretende dedicar, nesta ocasião. Não se irá, doravante, discutir, propriamente, a extensão da responsabilidade do segurador perante o segurado quando se constata a sua mora, mas sim a responsabilidade do ressegurador perante o segurador e, eventualmente, perante o segurado, quando àquele é imputada mora na liquidação de sinistros, que possa eventualmente ter decorrido do exercício do controle ou da direção do procedimento de regulação de sinistros pelo ressegurador. (...) Na literatura internacional, em especial na Espanha, as discussões em torno dessas cláusulas ganharam corpo após a publicação de um polêmico artigo de Álvaro Muñoz Lopez, intitulado “Desnaturalización del Contrato de Reaseguro”. Para este autor, as cláusulas de controle e cooperação podem ser de tal envergadura, a ponto de provocar uma desnaturalização do contrato de resseguro, vinculando diretamente segurado e ressegurador. É o caso, por exemplo, das chamadas cut-through clauses, que estabelecem para o ressegurador a obrigação de pagar diretamente ao segurado a indenização, se este assim lhe solicita, como também das chamadas simultaneous payment clauses, que estabelecem que o segurador, em caso de sinistro, nada

57

indenização securitária será integralmente efetuado pelo segurador, não obstante tenha

sido repassada parte do risco e, conseqüentemente do prêmio, ao ressegurador.

Exatamente nesse sentido é a posição de Rubén S. Stiglitz88:

En una primera aproximación, podemos afirmar que el reaseguro es un supuesto o modalidad del seguro de daños por el cual el assegurador/reasegurado se asegura (se garantiza), total o parcialmente, dentro de los limites estipulados convencionalmente, contra la aparición de un damno con motivo de tener que afrontar eventualmente las consecuencias danosas de un siniestro que sufra su asegurado. De la misma definición, surge que el vínculo reasegurativo se halla constituido entre el asegurador y el reasegurador, lo significa que ninguna relación jurídica vincula al asegurado con el reasegurador. Esta solución tiene alcance normativo, a tal punto que el artículo 160, Ley de Seguros establece que: “El asegurado carece de acción contra el reasegurador (...)89”

Também visando demonstrar a inexistência de relação jurídica entre segurado e

ressegurador, convém observar a posição de Domingo M. López Saavedra e Héctor A.

Perucchi90:

Los contratos pueden tener un punto en común, como por ejemplo, la ocurrencia de un siniestro que pune en marcha, en un primer momento, al contrato de seguro y luego – cuando ela segurado primario deba ser indemnizado – al de reaseguro; pero, insistimos, las partes son distintas, sus derechos y obligaciones también lo son y entre asegurado y reasegurador, ni legal ni contractualmente, hay relación alguna91.

irá pagar ao segurado, até que tenha recebido do ressegurador a recuperação concernente. O ponto central da argumentação de Álvaro Muñoz, portanto, está na quebra da autonomia do contrato de resseguro com relação ao contrato de seguro, produzida por cláusulas como essas. (...) O controle de regulação do sinistro, pelo ressegurador, portanto, é capaz de produzir, em prejuízo do segurador, a sua responsabilização, junto ao segurado, pela mora no pagamento da indenização securitária. Todavia, deverá ele acompanhar a sorte do segurador também na condenação deste em responder pelos efeitos da mora – da mesma forma que lhe cabe acompanhá-lo mesmo no caso de sua condenação judicial no pagamento da indenização ao segurado e de eventual mora, quando ele é quem procedeu à regulação do sinistro, concluindo não ser o caso de pagamento; ou quando esta conclusão resultou de regulação de sinistro por ele “delegada” ao segurador”.

88 STIGLITZ, Rubén S. Derecho de Seguros. Tomo III. 4 ed., Buenos Aires: La Ley, 2004, p. 300. 89 Em tradução livre do autor: “Numa primeira aproximação, podemos afirmar que o resseguro é uma modalidade

de seguro de danos por intermédio da qual o segurador/ressegurado se assegura (busca garantia), total ou parcialmente, dentro dos limites estipulados convencionalmente, contra o surgimento de um dano decorrente das conseqüências danosas de um sinistro que acometa o segurado. Desta mesma definição surge que o vínculo ressecuritário tenha se constituído entre segurador e ressegurador, o que significa que nenhuma relação vincula o segurado com o ressegurador. Essa solução tem alcance normativo, a tal ponto que o art. 160 da Lei de Seguros estabelece: “O segurado carece de ação direta contra o ressegurador”.

90 SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. El Contrato de Reaseguro. Buenos Aires: La Ley, pp. 21/22.

91 Em tradução livre do autor: “Os contratos podem dispor de um ponto em comum. como por exemplo a ocorrência do sinistro que deflagra, num primeiro momento, o contrato de seguro e, logo, quando o segurado primário deve ser indenizado, o de resseguro; mas, insistimos, as partes são distintas, seus direitos e obrigações também o são e entre segurado e ressegurador, nem legal, nem contratualmente, há relação alguma”.

58

No que concerne à sua natureza jurídica, convém observar as palavras de Isaac

Halperin e Juan Carlos Felix Morandi92:

Halperin y Morandi, en la Exposición de Motivos de su obra, consideran que el contrato de reaseguro participa de la natureza de un contrato de seguro de responsabilidad civil, por lo cual jurídicamente es un contrato de seguros en el que el asegurador cubre sus responsabilidades que le pueden corresponder en razón del seguro que celebro con sus asegurados93.

Entendido o conceito de resseguro, antes de discorrer a respeito dos conceitos de

serviço público e de atividade econômica, entende-se pertinente pontuar em que

consiste a função social do contrato de seguro e, em seguida, a função social do contrato

de resseguro.

Miguel Reale Júnior94, no que se refere à socialidade inerente ao contrato de

seguro, comenta:

O contrato de seguro, portanto, tem um significado social, solidariedade para minimização dos riscos, para socialização dos riscos, única forma que cada um de nós tem para enfrentar uma vida cheia de perigo. (...) Dessa forma, se o contrato de seguro é um instrumento de socialidade, um instrumento de solidariedade, a função social do contrato vai ter, sem dúvida nenhuma, repercussões mais significativas no campo do contrato de seguro. (...) Poderia multiplicar os exemplos (...), gostaria de dizer que esta função social do contrato no campo dos seguros é extremamente rica. Vai gerar uma série de conseqüências e de interpretações extremamente inovadoras. Teremos, portanto, a partir da função social do contrato, no campo dos seguros, criação doutrinária, e especialmente jurisprudencial, extremamente valiosa para atendimento do interesse social, para atendimento dos mais vulneráveis, daqueles sem disponibilidade de poder no âmbito da contratação, especialmente um contrato de adesão. Ou seja, amplia-se a segurança de toda a comunidade, atende-se a uma finalidade social estabelecida na Constituição com a concreção a ser feita a partir do princípio da função social dos contratos no Código Civil no campo dos seguros.

Com relação ao contrato de resseguro, Paulo Luis de Toledo Piza95 explica:

92 STEINFELD, Eduardo R. Estudios del derecho de seguros. Buenos Aires: Ábaco, 2003, p. 186. Apud

HALPERIN, Isaac y MORANDI, Juan C. F. Seguros. 2 ed. Buenos Aires: Depalma, 1983, t. I, p. 113. 93 Em tradução livre do autor: “Halperin e Morandi, na Exposição de Motivos de sua obra, consideram que o

contrato de resseguro participa da natureza de um contrato de seguro de responsabilidade civil, por intermédio do qual juridicamente é um contrato de seguros em que o segurador cobre as responsabilidades que lhe podem ser imputadas em razão do seguro que celebrou com seus segurados”.

94 REALE JÚNIOR, Miguel. Função Social do Contrato: Integração das Normas do Capítulo XV com os Princípios e as Cláusulas Gerais. In: III Fórum de Direito do Seguro “José Sollero Filho”. São Paulo: IBDS-EMTS, 2003, pp. 35/56.

95 PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob, cit., p. 140 e p. 158.

59

O que merece ser enfatizado, contudo, é que, mesmo em se considerando, como parece ser o caso, como não sendo possível a eliminação total do risco do segurador, dúvida não há de que, por meio do resseguro, esse resultado pode, pelo menos, ser bastante aproximado. E, isto, tanto por meio da contratação de resseguros não proporcionais, quanto por meio da contratação de resseguros proporcionais, valendo acrescentar, a respeito, que estes, embora igualmente chamados contratos de “participação” nos riscos segurados, no fim das contas proporcionam – do mesmo modo que aqueles – a menor sujeição do segurador ao risco decorrente do exercício da atividade securitária. Há, portanto, um eixo, por assim dizer, em torno do qual gira o fenômeno ressecuritário, conferindo-lhe unidade de sentido, de modo que, efetivamente, a sua razão de ser econômico-jurídica assenta-se, acima de tudo, no interesse primordial do segurador de reduzir a eventualidade de perda econômica, ainda que ao custo de menores lucros. (...) Mais importante, porém, é verificar que, no resseguro, assim como no seguro, verifica-se a contrapartida entre a prestação principal do garantido, de pagamento do prêmio, e a prestazione de sicureza do garantidor, havendo frisar, apenas, como distinção, a determinação um tanto mais objetiva e matematicamente exata dessa correspectividade no caso do contrato de seguro.

Portanto, analisando as considerações acima apresentadas relativas à função social

dos contratos de seguro e de resseguro, verifica-se entre ambas um traço de similitude,

na medida em que, seja por intermédio do seguro ou do resseguro, a essência do que se

persegue é a socialização das perdas, perdas sofridas ou pela massa dos segurados, ou

pelos próprios seguradores.

Retomando a contextualização do resseguro como serviço público ou como

atividade econômica, convém fazer uma distinção: serviço público e atividade

econômica distinguem-se a partir do exame da livre-iniciativa. Enquanto que a atividade

econômica caracteriza-se pela proteção a este fundamento constitucional, o serviço

público não traz consigo esta característica. Ao particular, enquanto comprometido com

o desenvolvimento de atividade econômica, devem ser conferidas mínimas garantias de

que seus esforços e o seu investimento serão resguardados pela chancela estatal, ao

passo que, em se tratando de serviço público, o contexto se apresenta de maneira

distinta. Alexandre Santos de Aragão96, quanto à proteção à livre-iniciativa como traço

distintivo do serviço público em relação à atividade econômica, afirma:

Em outras palavras, o norte principal que distingue essas atividades dos serviços públicos é o fato de elas se encontrarem protegidas pelo direito fundamental de livre-iniciativa privada, ao passo que os serviços públicos são excluídos desse âmbito, podendo ser exercidos por particulares apenas

96 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Atividades Privadas Regulamentadas. In: Direito Administrativo. Estudos

em Homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 759.

60

mediante delegação, quando, como e enquanto o Estado politicamente assim decidir, observados naturalmente, os limites impostos pelos Princípios do Direito Administrativo Econômico.

No que se refere ao conceito de serviço público, José dos Santos Carvalho Filho97

conceitua-o como “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados,

basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades

essenciais e secundárias da coletividade”. Marçal Justen Filho98, por sua vez, conceitua-

o como “uma atividade pública administrada de satisfação concreta de necessidades

individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um

direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de

direito público”.

Assim, verifica-se que o serviço público traz em si, necessariamente, uma

atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, cujo escopo é atender às

necessidades básicas da sociedade, isto é, zelar por direitos fundamentais. O Estado, ou

seus delegados, figuram como titulares do serviço público que será prestado.

A atividade econômica, por outro lado, caracteriza-se pelo exercício de sua

titularidade a cargo da iniciativa privada. Conforme garante o art. 170 da Constituição

da República, a “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da

justiça social, observados os seguintes princípios (...)”.

Celso Bastos99, acentuando a importância da iniciativa privada para o exercício

das atividades econômicas, afirma:

Qualquer atividade econômica é portanto livre. Há que se fazer apenas a restrição que o próprio Texto Constitucional faz: salvo os casos previstos em lei. (...) Cumpre deixar claro que a lei só poderá instaurar uma limitação condizente com os princípios econômicos elencados no art. 170 do Texto Constitucional e para que o Estado possa exercer o poder de polícia. A regra geral é a da iniciativa privada, com alguns temperamentos previstos constitucionalmente, como os monopólios e os serviços públicos, embora passíveis de exercício por particulares. (...) Traduzir-se-á, todavia, em inconstitucionalidade se a lei extravasar estes limites e passar, ao seu talante, a fazer depender de autorização legislativa as mais diversas atividades

97 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006,

p. 271. 98 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 487. 99 BASTOS, Celso Ribeiro Bastos. Curso de Direito Econômico. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2004, pp.

168/169.

61

econômicas. Isso equivaleria, sem dúvida, a uma manifesta negação ao princípio da livre iniciativa inserido no caput do art. 170 da Lei Maior.

Delineados, assim, os conceitos de resseguro, de serviço público e de atividade

econômica, não resta a menor dúvida de que o resseguro se trata de espécie de atividade

econômica, cuja exploração será realizada em regime de livre concorrência, mediante a

competição entre resseguradores privados e, possivelmente, o ressegurador estatal

brasileiro, isto à hipótese de que inocorra a sua desestatização.

Em outras palavras, analisando esses diferentes conceitos, verifica-se que o

resseguro não pode ser classificado como serviço público, considerando, sobretudo, que

nem a Constituição da República nem qualquer outra espécie legislativa o definiram

como essencial ao desenvolvimento da sociedade100. A diferença entre segurança pública

e saneamento, exemplos clássicos de serviço público e o resseguro, é absolutamente

clara101. Mister ressalvar, no entanto, que mesmo na condição de atividade econômica o

resseguro exerce função essencial à sustentabilidade do mercado segurador, cuja

influência se opera pelos mais diversos segmentos produtivos da sociedade, sendo

exemplos o comércio, a indústria, a prestação de serviços, o turismo, entre outros.

Nessa linha de idéias, conclui-se pela conceituação do resseguro como atividade

econômica, a ser regulada sob o primado da livre iniciativa, a teor do que determina o

art. 170 da Constituição da República.

100 “Entende-se por serviço público a atividade definida pela Constituição ou por lei como essencial ao

desenvolvimento da sociedade, cuja gestão é assegurada, regulada e controlada pelo Estado, a quem cabe a sua racionalização e melhoria.” (SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002, pp. 87/88).

101 Importante esclarecer que, atualmente, vem ganhando destaque corrente doutrinária que não mais vislumbra a distinção rígida entre serviço público e atividade econômica. Convém analisar os comentários a seguir, de Paulo Modesto: “nada obstante, parece inevitável reconhecer que a doutrina brasileira de direito público não tem conseguido oferecer um quadro explicativo suficientemente abrangente e atualizado para os distintos modos de prestação pelo Estado de serviços ao cidadão. Em geral, nessa como em outras matérias, a doutrina dominante tem manifestado preferência por classificações binárias. De fato, é usual que conceitos técnicos relevantes do direito público brasileiro sejam enunciados em duplas. Dicotomias como serviço público/atividade de exploração econômica, ato vinculado/ato discricionário, cargo efetivo/cargo de confiança, entre muitas outras, são apresentadas como adequadas e suficientes para a tradução do direito vigente. A observação da ordem jurídica positiva revela, no entanto, que algumas dicotomias tradicionais mostram-se hoje excessivamente simplificadoras. Mais: a adoção de dicotomias rígidas, associada à ausência de uma classificação adequada às atividades do Estado, tem contraditado normas constitucionais expressas e produzido freqüentemente incompreensões e bloqueios a novas experiências de reforma da atividade pública, tornando árdua e insegura a implantação de novos modelos de gestão e a própria aplicação do direito vigente. (MODESTO, Paulo. Reformas do Estado, Formas de Prestação de Serviços ao Público e Parcerias Público-Privadas: Demarcando as Fronteiras dos Conceitos de Serviço Público, Serviços de Relevância Pública e Serviços de Exploração Econômica para as Parcerias Público-Privadas. In: Direito Administrativo. Estudos em Homenagem a Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 1009).

62

2.3 Limitações do Poder Regulatório exercido pelo Estado sobre o Resseguro

Estando contextualizado o resseguro, passa-se a comentar a respeito das

limitações estatais no que se refere à regulação da atividade econômica.

O chamado “núcleo essencial da iniciativa privada como limite da regulação102”

deverá representar um campo no qual não haja espaço para a interferência estatal.

Noutras palavras,

(...) o núcleo essencial do direito de livre-iniciativa nas atividades privadas de interesse público não pode, portanto, ser sacrificado por limitações administrativas prévias ou concomitantes à atividade, independentemente do interesse público invocado, por mais relevante que seja. Não que o Direito deixe à própria sorte esses interesses públicos, mas a via regulatória não é a adequada para realizá-los.103

Daniel Sarmento104, no que se refere à salvaguarda deste núcleo essencial,

pondera:

A idéia fundamental do princípio da salvaguarda do núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias que não pode, em caso algum, ser violado. Mesmo nos casos em que o Legislador está constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas, ele permanece vinculado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos ou direitos restringidos.

Particularmente com relação ao resseguro, por se tratar de uma espécie contratual

que, via de regra, reúne companhias estabelecidas em países diferentes, cujo

cumprimento de obrigações espalha-se internacionalmente, sustenta-se posição no

sentido de que a regulação a ser exercida pelo Estado, via agência reguladora105, deverá

caracterizar-se por uma intervenção leve106, como corolário da aplicação do princípio da

102 ARAGÃO. Alexandre Santos. Ob. cit., p. 763. 103 Idem, ob. cit., p. 767. 104 SARMENTO, Daniel. A ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,

2000, p. 111. 105 A Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, muito embora regule o mercado de seguros, previdência

privada e capitalização, não se trata de agência reguladora independente. As principais diferentes existentes entre esta autarquia e as agências reguladoras independentes foram abordadas no quarto capítulo desta dissertação.

106 A expressão intervenção leve foi utilizada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, no seguinte contexto: “A intervenção leve substitui preferencialmente intervenções pesadas. Finda a II Guerra Mundial, com o esgotamento daqueles modelos de Estado, do Bem-Estar Social e Socialistas, deflagrou-se um processo inverso, de desmonte dos pesados Estados intervencionistas e de devolução de atividades estatizadas à sociedade, com a adoção de políticas públicas de desestatização e de privatização. Desta feita, porém, não mais seria um movimento ideologicamente inspirado, a partir de uma teórica e inquestionável convicção sobre a superioridade do intervencionismo estatal, mas se fundamentaria em motivações bem mais pragmáticas. A privatização deixaria de ser um tabu ideológico para se apresentar como uma opção racional de política pública, e isso com mais razão

63

subsidiariedade107, viabilizando, assim, que entre as próprias partes contratantes sejam

firmados os instrumentos necessários à consecução dos seus objetivos. Exatamente

nesse sentido é a posição de João Marcelo Máximo dos Santos108:

Bom exemplo de atividade essencialmente internacional é o resseguro, em que a atuação reguladora é complexa e envolve a influência da supervisão exercida em um país (onde está sediada a sociedade resseguradora) no funcionamento de mercados diversos (onde estão os ressegurados). Considerando o acima exposto, a imposição de padrões de comportamento e regras prudenciais também tende a ter eficácia mais limitada. Neste contexto, aliás, tendo em vista a necessidade de mudança de padrões regulatórios, deve-se abandonar a teoria de que a lei, especialmente a administrativa, somente pode admitir a utilização de conceitos determinados e tipos fechados. Isto porque sempre existirá alguma indeterminação em todo e qualquer conceito legal e porque o “tipo fechado” é uma contradição em termos.

Paulo Luiz de Toledo Piza109, ao discorrer a respeito da formação do contrato de

resseguro, explica que as obrigações geralmente assumidas pelas partes têm como base

determinados usos consolidados e voltados a atender exigências técnico-operacionais.

Abaixo, convém examinar algumas palavras do autor:

As condições gerais do resseguro, em quaisquer de suas formas operacionais e modalidades técnicas, são de certo modo conhecidas antecipadamente. (...) A normal uniformidade dos contratos de resseguro, em suma, não deve ser considerada conseqüência da uniformidade de conteúdo presumido pela proposta, mas da estandardização de uma série de cláusulas que, por efeito de sua constante utilização, tornam uniforme o seu conteúdo.

nos países que sequer têm opção de fazer inversões estatais suficientes em setores econômica e socialmente extremamente carentes, como é o caso das nações em desenvolvimento, que necessitam concentrar suas limitadas inversões públicas prioritariamente na educação, saúde e segurança públicas”. (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Ob. cit., p. 387/388).

107 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 88. “O princípio da subsidiariedade diz respeito às relações, de um lado, entre os níveis de concentração de poder e, de outro, entre os respectivos níveis de interesses a serem satisfeitos. (...) A subsidiariedade prescreve o escalonamento de atribuições entre entes ou órgãos, em função da complexidade do atendimento dos interesses da sociedade. Cabe, assim, primariamente aos indivíduos decidirem e agirem no que se refira aos inerentes interesses individuais, e, apenas secundária e sucessivamente, aos entes e órgãos, sociais ou políticos, de decisão coletiva, de sua criação. Portanto, nesse escalonamento de responsabilidades no atendimento de interesses, cabe aos grupos sociais menores, por suas organizações civis, decidirem e agirem para a satisfação dos respectivos interesses coletivos; aos grupos sociais maiores, também por suas organizações civis próprias, decidirem e agirem em prosseguimento de interesses coletivos de maior abrangência; e à sociedade civil, como um todo, por sua organizações civis de âmbito geral, decidir a agir para o atendimento de seus interesses gerais. Somente aquelas demandas que, por sua própria natureza, em razão da complexidade e da necessidade de uma ação concentrada e coercitiva, inclusive com centralização de recursos, não puderem ser atendidas pela própria comunidade, por suas próprias organizações, deverão ser cometidas às organizações políticas, que atuarão, portanto, sempre subsidiariamente às da sociedade”.

108 SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Visão Jurídida da Auto Regulação no Mercado de Seguros. In: Revista Brasileira de Risco e Seguro. Rio de Janeiro: Funenseg, vol 1, abr./jul. 2005, p. 22.

109 PIZA, Paulo Luis de Toledo. Ob. cit., p. 314.

64

Ainda no que se refere à importância desses usos e costumes consolidados

internacionalmente, significativa doutrina da Argentina, México e Colômbia, ora

representada por Eduardo R. Steinfeld, Arturo Díaz Bravo e Hector A. Perucchi,

sustenta que regulação em matéria de resseguro não deverá ser detalhista, minuciosa,

cumprindo às partes, justamente em virtude do ora exposto, zelar para que ditos usos e

costumes sejam, de fato, observados. Abaixo, os comentários de Steinfeld110, que

reproduzem o posicionamento dos mencionados autores:

En 1994 la Comisión de Economía de la Cámara de Diputados de la Nación convoco a distintos juristas y asseguradores con el objeto de analizar posibles disposiciones legislativas a adoptar en materia de seguro y reaseguro. En lo que respecta al reaseguro hubo disidencias, ya que algunos integrantes consideraron que no debían dictarse normas legales a esta materia, siguiendo una corriente de la práctica reaseguradora que sostiene la mayor libertad en razón de que se trata de contratos eminentemente internacionales. Parte de los convocados opinamos que el Título II mencionado ya había legislado esquemáticamente esta materia y como en 1993 se habían esbozado en esa Comisión Legislativa iniciativas para legislar especialmente el reaseguro, consideramos que solo era procedente una breve actualización de las normas existentes en ese Título II de la Ley, con especial cuidado de no interferir en los usos y costumbres internacionales, lo cual hubiera dificultado el desenvolvimiento de esta actividad en el país, especialmente después de la supresión del monopolio del reaseguro que ejerció durante décadas el Instituto Nacional de Reaseguros (INdeR). El jurista mexicano Arturo Díaz Bravo, al referirse al tema de si debe o no reglamentarse el contrato de reaseguro, se inclino por esta última alternativa, apoyando esa oposición al sostener que en razón de hallarse el reaseguro en constante evolución y ser una instituición eminentemente internacional, predominan los usos, prácticas y costumbres que lo rigen. Hector A. Perucchi presentó un trabajo referente a los distintos aspectos propios del contrato de reaseguro (...) destacando también la aplicación de usos y costumes y la buena fé como elementos interpretativos111.

110 STEINFELD, Eduardo R. Estudios del Derecho de Seguros. Buenos Aires: Ábaco, pp. 185/186. 111 Em tradução livre do autor: “Em 1994, a Comissão de Economia da Câmara dos Deputados da República

convocou distintos juristas e securitários visando analisar possíveis medidas legislativas a serem adotadas em matéria de seguro e resseguro. No que se refere ao resseguro houve dissidências, já que alguns integrantes consideraram que não deveriam ser determinadas normas legais para esta matéria, seguindo uma corrente da prática resseguradora segundo a qual deverá haver maior liberdade considerando que o contrato é eminentemente internacional. Parte dos convocados opinou que o Título II, mencionado, já havia legislado esquematicamente essa matéria e como em 1993 se havia esboçado nessa Comissão Legislativa iniciativas para legislar especialmente o resseguro, consideramos que só era procedente uma breve atualização das normas constantes nesse Título II da Lei, com especial cuidado de não interferir nos usos e costumes internacionais, o que havia dificultado o desenvolvimento desta atividade no país, especialmente após a supressão do monopólio do resseguro exercido durante décadas pelo Instituto Nacional de Resseguros (INdeR). O jurista mexicano Arturo Díaz Bravo, ao referir-se ao tema de se deve ou não se regulamentar o contrato de resseguro, inclinou-se por esta última alternativa, apoiando essa oposição ao sustentar que em razão de o resseguro encontrar-se em constante evolução e ser um instituto eminentemente internacional, predominam os usos, práticas e costumes que o regem. Hector A. Perucchi apresentou um trabalho a respeito dos distintos aspectos próprios do contrato de resseguro (...) destacando também a aplicação dos usos e costumes e a boa fé como elementos interpretativos”.

65

Adentrando na discussão afeta ao resseguro, nota-se, de maneira ainda mais

marcante, que a regulação estatal não deverá imiscuir-se sobre as principais obrigações

que serão contraídas por resseguradores e seguradores, sob pena de, possivelmente,

contrariar os comentados usos e costumes consolidados internacionalmente que,

inclusive na América Latina, vêm disciplinando o funcionamento de diversos mercados

resseguradores, sendo exemplos mencionados o argentino e o mexicano.

2.4 A Criação do Mercado Ressegurador Brasileiro

Essencialmente, o que caracteriza a exploração de uma atividade econômica num

regime monopolista é a existência de apenas um fornecedor, ao qual toda a massa de

consumidores se vincula. Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld112 afirmam que “em

um mercado totalmente competitivo, existe um número suficiente de vendedores e

compradores de uma mercadoria para que nenhum vendedor ou comprador, em

particular, possa influenciar o preço. As empresas, individualmente, se baseiam no

preço de mercado para decidir que quantidades produzirão e venderão e os

consumidores também se baseiam em tal preço para decidir que quantidades irão

adquirir. (...) O monopólio é um mercado no qual existe apenas um vendedor, mas

muitos compradores”.

No outro extremo, a exploração em regime de livre concorrência, consagrada pelo

artigo 170, caput e inciso IV da Constituição da República, é marcada pela presença de

diversos fornecedores, incapazes de, isoladamente, influenciar na formação dos preços,

assim como pela inexistência de barreiras à entrada de novos agentes que queiram

ingressar no mercado.

A exploração do mercado em regime de livre concorrência sujeita os seus

participantes à disciplina legal prevista na Lei Antitruste brasileira - Lei nº. 8.884, de

11.6.1994 - sob pena de que sejam instaurados os procedimentos administrativos a

cargo da Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, da Secretaria de Direito

Econômico – SDE e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.

112 PINDYCK, Robert S. e RUBINFELD, Daniel S. Microeconomia. 5 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002, p. 8.

66

Amadeu Carvalhaes Ribeiro113, no que se refere às restrições impostas com a

finalidade de zelar pela livre concorrência, explica que na União Européia seguradora e

resseguradora não poderão, conjuntamente, deter fatia de mercado que seja superior a

15% da totalidade do mercado relevante em referência.

O resseguro é um instrumento capaz de aumentar a capacidade das seguradoras diretas – isso significa que uma seguradora de pequeno porte poderá, por meio do resseguro, competir em pé de igualdade com uma grande companhia. Isso só será verdade, entretanto, se à seguradora de grande porte forem impostas restrições à contratação de resseguro. Do contrário ela poderá sempre expandir a sua capacidade e, dessa forma, dominar o mercado. (...) Assim, por exemplo, na União Européia, para que a seguradora e ressegurador possam livremente formar uma associação destinada a segurar um determinado risco, não poderão, juntos, ter participação superior a 15% no mesmo mercado relevante em que o seguro seja oferecido - Ato normativo 3932/92, artigo 11, (1), (b).

Nessa linha de idéias, a Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007,

especificamente em seu artigo 11, apresenta as salvaguardas que deverão ser respeitadas

ao flexibilizar-se o monopólio exercido pelo IRB. São elas114: nos primeiros três anos, a

contar da vigência da mesma, 60% dos negócios realizados deverão ser contratados

junto aos resseguradores locais; passados os primeiros três anos, 40% dos negócios

deverão ser contratados preferencialmente com os resseguradores locais.

Com relação às características inerentes ao regime jurídico das atividades

competitivas, Dinorá Adelaide Musetti Grotti115 sustenta que quatro seriam as

liberdades:

O regime jurídico das atividades competitivas é presidido por quatro liberdades: a) liberdade de entrada, de forma que todos os que preencham certos requisitos mínimos possam prestar os serviços (mediante autorização administrativa vinculada) e se limitará ao controle das condições técnicas, econômicas, profissionais etc. fixadas no ordenamento; b) livre acesso ao mercado, isto é, à rede, às instalações ou às infra-estruturas necessárias à prestação dos serviços: doutrinas das instalações essenciais; c) liberdade de

113 RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de Seguros – Resseguro, Seguro Direito e Distribuição de Serviços.

São Paulo: Atlas, 2006, p. 167. A obra em referência correspondeu à tese de doutoramento submetida pelo autor à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sendo seu orientador o Professor Doutor Calixto Salomão Filho.

114 Lei Complementar nº. 126/2007: Art. 11. Observadas as normas do órgão regulador de seguros, a cedente contratará ou ofertará preferencialmente a resseguradores locais para, pelo menos: I - 60% (sessenta por cento) de sua cessão de resseguro, nos 3 (três) primeiros anos após a entrada em vigor desta Lei Complementar; e II - 40% (quarenta por cento) de sua cessão de resseguro, após decorridos 3 (três) anos da entrada em vigor desta Lei Complementar.

115 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 319.

67

contratação e à formação competitiva de preços; e d) liberdade de investimento, cuja rentabilidade ficará por conta e risco do investidor. Esses instrumentos são indispensáveis para a realização da competição, que é pressuposto da eficiência na prestação de tais atividades.

Quanto à liberdade de entrada de novos resseguradores no mercado brasileiro, em

razão desta relevante função, que se traduz no oferecimento de garantias sólidas aos

seus segurados (os seguradores), soa bem nítido que o ingresso de resseguradores no

mercado nacional deverá seguir padrões mínimos de higidez econômico-financeira116.

Assim como o Banco Central do Brasil fixa quantias mínimas de capital para que

as instituições financeiras possam atuar regularmente117, não há dúvida de que ao órgão

responsável pela regulação do mercado ressegurador brasileiro118 será incumbida a

obrigação de estipular o capital mínimo para que resseguradores nacionais ou

estrangeiros possam atuar, podendo se valer, para a execução cuidadosa desse mister, de

critérios de avaliação utilizados por empresas com reconhecida expertise em análise

econômico-financeira.

Retomando a análise de Dinorá Adelaide Musetti Grotti, o comentado “livre

acesso ao mercado, isto é, à rede, às instalações ou às infra-estruturas necessárias à

116 Rubén S. Stiglitz sustenta que o Estado deve exercer o controle sobre as atividades seguradora e resseguradora.

“Afirmamos categoricamente que o controle do Estado sobre a atividade seguradora e resseguradora forma parte do poder de polícia, ou seja, de uma potestade reguladora do exercício dos direitos e do cumprimento das obrigações. Dos direitos e das obrigações que surgem, ao menos, da Constituição Argentina. A Corte Suprema de meu país, há 43 anos, desde 1958, vem sustentando que na atividade seguradora existe um intenso interesse público comprometido e, assim, deve o Estado exercer o poder de polícia particularmente intensificado. Ou seja, o exercício do poder de polícia por si mesmo seria insuficiente se, em matéria de seguros, não fosse intenso. Obviamente que os sujeitos de controle são as empresas de seguro e de resseguro, e o objeto de controle é a atividade que desenvolvem as empresas de seguro e de resseguro. Cabe perguntar-se qual o fundamento, por que o Estado deve controlar a atividade seguradora? A resposta é simples: porque as empresas de seguros administram uma importante massa de capital ou como diria a doutrina anglo-saxônica, administram poupança de terceiros. Isso gera a necessidade de que exista uma intervenção estatal intensa”. (STIGLITZ, Rubén S. Controle do Estado sobre a Atividade Seguradora. In: Anais do III Fórum de Direito do Seguro “José Sollero Filho”, São Paulo: IBDS-EMTS, 2001, p. 44).

117 O Banco Central do Brasil – BACEN, por meio da Resolução nº. 2.099, de 1994, estabeleceu em seu Anexo II, artigo 1º, incisos I e II, respectivamente, os limites mínimos para a constituição de bancos comerciais ou carteiras comerciais de bancos múltiplos em R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais) e para bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, sociedades de crédito imobiliário, correspondentes carteiras de banco múltiplo ou caixa econômica em R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais).

118 A Lei nº. 9.932/99, em seu artigo 1º, transferiu as atribuições regulatórias em matéria de resseguro para a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. “Art. 1º. As funções regulatórias e de fiscalização atribuídas à IRB-Brasil Resseguros S.A. IRB-BRASIL Re pelo Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, incluindo a competência para conceder autorizações, passarão a ser exercidas pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. Parágrafo único. A IRB-Brasil Re fornecerá à SUSEP cópia de seu acervo de dados, informações técnicas e de quaisquer outros documentos ou registros que esta julgue necessários para o desempenho das funções regulatórias e de fiscalização do mercado de seguro e resseguro”. A Lei Complementar nº. 126/2007, em seu artigo 2º, tão somente refere-se ao órgão regulador de seguros, isto é, não menciona, expressamente, nem a SUSEP nem o Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP. “Art. 2o A regulação das operações de co-seguro, resseguro, retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão regulador de seguros, conforme definido em lei, observadas as disposições desta Lei Complementar”.

68

prestação dos serviços: doutrina das instalações essenciais119120” deverá ser analisada de

maneira diferenciada tendo como foco os mercados de telecomunicações e o de

resseguro.

No mercado de telecomunicações, originalmente foi difundida uma concepção de

que apenas o Estado ou um concessionário deste serviço público seria capaz de explorá-

lo, ao argumento de que a extensa rede de telecomunicações, dotada de milhares de

cabos, fios e linhas de transmissão jamais poderia ser desenvolvida por um competidor

que viesse a ingressar no mercado em formação. Floriano de Azevedo Marques Neto121,

com relação à alegada impossibilidade de que pudesse haver a exploração saudável por

um particular que, nem mesmo concessionário de serviço público fosse, explica que o

desenvolvimento tecnológico derrubou essa falsa premissa, sendo possível, atualmente,

a transmissão de dados e voz por sistema de rádio-transmissão.

Analisando o setor de resseguros no país, nota-se que inexiste a característica

acima aludida, relacionada a este diferencial que seria, em tese, inerente ao IRB – Brasil

Re, assim como era inerente à Telebrás. Por mais que haja argumentos no sentido de

que a base de dados do ressegurador brasileiro seja excelente e, por essa razão, capaz de

representar um diferencial em comparação com os demais resseguradores que se

119 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Ob. cit., p. 319. 120 Ainda com relação à Doutrina das instalações essenciais, convém conferir a lição de Calixto Salomão Filho: “No

final dos anos 70, essa linha teórica de desenvolvimento é desafiada pela concepção liberal da escola de Chicago. Impulsionada pela necessidade de as empresas americanas ganharem escala para concorrer no cenário internacional, a concepção liberal de Chicago em relação ao crescimento econômico empresarial e a criação de situações de poder no mercado se expande internacionalmente. Trata-se de um interregno de curta vida. Uma vez concentrada a economia, ressurge o movimento no sentido do controle dos pólos de poder. (...) De diversas formas passa-se, então, a uma forte regulação das situações de monopólio. A construção teórica dessas formas de regulação faz-se em torno da doutrina das essencial-facilities, que se analisará a seguir. (...) O conceito de essencial-facility foi desenvolvido no direito concorrencial para hipóteses de extrema concentração econômica. (...) Sua formulação tem origem jurisprudencial. em United States v. Terminal Railroad Association of St. Louis, a Suprema Corte reconheceu que a criação de obstáculos a determinada infra-estrutura poderia caracterizar uma infração ao Sherman-Act, diante de certas circunstâncias”. (SALOMÃO FILHO, Calixto. Tratamento Jurídico dos monopólios em setores regulados e não regulados. In: Regulação e Concorrência (estudos e pareceres). São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 38/39).

121 “Então, o regime anterior do serviço de telecomunicações era de monopólio da União, e o constituinte, sabendo que seria impossível tornar públicas todas as atividades de telecomunicações, abriu uma pequena válvula para prestação de alguns serviços de telecomunicações, usando a chamada “rede pública de telecomunicações”. A rede pública de telecomunicações consiste na única trama de cabos, fios e ligações a estações de comutação pela qual se cursava a telefonia. Este fato conduzia à noção, tão divulgada, de que o serviço de telecomunicações consistia em um monopólio natural, pois esta infra-estrutura pré-montada era única e pertencia a um único ente, o Estado. Esta foi a teoria desenvolvida pelo Ministério das Telecomunicações, determinando que o serviço de telecomunicações, por suas condições naturais, apenas poderia ser explorado por um prestador, ou o Estado ou um concessionário desta rede. O desenvolvimento tecnológico, tratado alhures, derrubou a teoria do monopólio natural dos serviços de telecomunicações, pois agora, por exemplo, pode-se transmitir a telefonia por radiofreqüência, reduzindo sobremaneira os custos de instalação de uma rede. Na seqüência, surge a Emenda Constitucional 8, de 1995 (...)” (MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito das Telecomunicações e ANATEL. In: Direito Administrativo Econômico, (Coord). Carlos Ari Sundfeld, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 303).

69

estabelecerão no país122, entende-se que este elemento, por si só, não será capaz de

representar um empecilho ao ingresso dos novos agentes nesse mercado.

Por fim, com relação às “c) liberdade de contratação e à formação competitiva de

preços; e d) liberdade de investimento, cuja rentabilidade ficará por conta e risco do

investidor123”, entende-se que o Estado não deverá se imiscuir nessas questões, salvo

para reprimir abusos, sendo certo que a própria concorrência entre os resseguradores,

em busca de maiores fatias do mercado segurador-ressegurado, ditará a formação dos

preços dos prêmios do resseguro em níveis mais baixos, sendo igualmente correta a

assertiva no sentido de que cada ressegurador estará livre para investir no mercado em

formação, por sua conta e risco.

A questão concernente ao controle de preços, após o advento da Constituição da

República de 1988, gerou acirrada discussão doutrinária. Posicionaram-se pela

impossibilidade Diogo de Figueiredo Moreira Neto124, Celso Ribeiro Bastos125, Miguel

Reale Júnior126, Marcos Juruena Villela Souto127 e Dinorá Adelaide Musetti Grotti128.

Pela possibilidade, Luís Roberto Barroso129 sustentou os seguintes argumentos:

A despeito do reconhecimento que merecem os autores citados – ambos da maior suposição – parece-me radical o ponto de vista de que o princípio da livre concorrência veda tout court, a possibilidade de o Governo controlar os preços, inclusive por tabelamento ou congelamento. É preciso ter em conta outros valores da ordem constitucional que atenuam a rigidez de tal colocação, como, v.g., a defesa do consumidor (art. 170, V) e a repressão do abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e o aumento arbitrário de lucros (art. 173, § 4º).

122 Em entrevista concedida à Revista do IRB, com o título “A Abertura Favorece a Inovação”, Marcos Lisboa, ainda

na condição de Presidente do IRB, afirmou com relação às vantagens das quais a estatal brasileira é dotada, que: “Há sinais de que o IRB possa competir de forma eficiente em um contexto de abertura? Qual o papel do IRB em um contexto de abertura do mercado? Esse é o nosso desafio: preparar a empresa para o cenário de abertura. Logo que cheguei ao IRB tive duas boas surpresas. Por um lado a empresa tem uma base de dados impressionante, que afinal é a matéria-prima básica da análise e distribuição de riscos. Em segundo lugar, a empresa tem um corpo técnico extremamente qualificado”. (Marcos Lisboa. “A Abertura Favorece a Inovação”, Revista do IRB, Rio de Janeiro, nº. 300, dezembro/2005, p. 11).

123 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Ob. cit., p. 319. 124 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Ordem econômica e desenvolvimento da Constituição de 1988. Rio

de Janeiro: APEC, 1989, pp. 69/70. 125 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990, pp. 16/17. 126 REALE JÚNIOR, Miguel. Casos de direito constitucional. São Paulo: RT, 1992, pp. 18/20. 127 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Constituição Econômica. In: Cadernos de direito tributário nº 4, 1993, p.

250. 128 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Intervenção do estado na economia. In: Cadernos de Direito Constitucional

e Ciência Política. São Paulo: RT – nº 15, 1996, p. 74. 129 BARROSO, Luís Roberto Barroso. A crise econômica e o direito constitucional. In: Revista Forense nº 323/83,

p. 92.

70

Segundo Luís Roberto Barroso, haveria limitações insuperáveis para que o Estado

pudesse intervir no controle de preços. A primeira seria a observância ao princípio da

razoabilidade; em segundo lugar, a realização do controle, como medida excepcional,

necessariamente deveria pressupor uma situação de anormalidade e, ainda, sofrer

limitações de ordem temporal. Em nenhuma hipótese, o Estado poderia impor a venda

de bens ou serviços por preço inferior ao preço de custo, acrescido de um retorno

mínimo, compatível com as necessidades de reinvestimento e de lucratividade próprias

do setor privado.

Deve-se observar que a intervenção estatal no controle de preços, em não raras

ocasiões, causa problemas à economia, decorrentes de estagnação, escassez de

empregos e de bens (produtos e serviços ao consumidor). As palavras de Luís Roberto

Barroso130 a respeito são as seguintes:

(...) É que tem amplo curso na teoria econômica e entre seus tradutores jurídicos a tese de que a interferência estatal no preço de bens e serviços não promove justiça social nem protege, efetivamente o consumidor, antes pelo contrário: reduz o investimento pelas empresas, diminui a oferta de emprego e torna desinteressante a produção de determinados produtos ou a prestação de serviços. E que a permanente tentação populista do tabelamento e do congelamento de preços foi responsável por mais de uma década de estagnação econômica do país.

O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIN n. 319-DF131,

posicionou-se pela possibilidade de o Estado controlar preços, desde que estivessem

atrelados o fundamento da livre iniciativa e o princípio da livre concorrência aos da

defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, em conformidade com os

ditames da justiça social.

No mesmo sentido, fruto das oscilações provocadas na economia em razão do

advento dos planos econômicos Bresser e Collor II, o Supremo Tribunal Federal

também se posicionou pela possibilidade de o Estado intervir nos contratos celebrados

entre particulares, justamente como forma de zelar pelo ato jurídico perfeito, não para

contrariá-lo132.

130 BARROSO, Luís Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle

de Preços. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 14, junho/agosto, 2002, disponível na Internet em <htttp://www.direitopublico.com.br>, acessado em 1.12.2005.

131 O acórdão em referência foi publicado na RTJ nº. 149, pp. 666/692. 132 A seguir, as ementas dos Recursos Extraordinários números 141.190/SP e 164.836/MG, paradigmas no Supremo

Tribunal Federal, ambas decididas pelo Pleno desta Corte, com relação à matéria em apreço: “APLICAÇÕES EM

71

Observadas essas ponderações, formula-se a seguinte indagação: em se tratando

da fixação do prêmio no contrato de resseguro, cujo pagamento fica a cargo dos

seguradores, seria facultado ao Estado, por intermédio do órgão regulador, controlar

esses preços?

Tendo como norte o fundamento acima citado, da livre iniciativa, os princípios da

livre concorrência, da defesa do consumidor, da redução das desigualdades sociais e

observando a estrutura relacionada ao contrato de resseguro, do qual os consumidores

não participam diretamente, entende-se que a participação estatal no controle dos preços

dos prêmios deverá ser restrita às hipóteses em que sejam verificadas distorções,

contrárias à sistemática prevista na Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1.994133.

CERTIFICADOS DE DEPÓSITOS BANCÁRIOS COM VALOR DE RESGATE PRÉ-FIXADO - CDB. DL 2.335 DE 12.6.1987 (CONGELAMENTO DE PREÇOS E SALÁRIOS POR 90 DIAS). PLANO BRESSER. DEFLAÇÃO. TABLITA. APLICAÇÃO IMEDIATA. ALTERAÇÃO DE PADRÃO MONETÁRIO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ATO JURÍDICO PERFEITO. O plano Bresser representou alteração profunda nos rumos da economia e mudança do padrão monetário do país. Os contratos fixados anteriormente ao plano incorporavam as expectativas inflacionárias e, por isso, estipulavam formas de reajuste de valor nominal. O congelamento importou em quebra radical das expectativas inflacionárias e, por conseqüência, em desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. A manutenção íntegra dos pactos importaria em assegurar ganhos reais não compatíveis com a vontade que deu origem aos contratos. A tablita representou a conseqüência necessária do congelamento como instrumento para se manter a neutralidade distributiva do choque na economia. O Decreto-lei, ao contrário de desrespeitar, prestigiou o princípio da proteção do ato jurídico perfeito (art. 5º XXXVI, da CF) ao reequilibrar o contrato e devolver a igualdade entre as partes contratantes”. (RE 141.190 / SP, Relator Ministro Ilmar Galvão; Relator para acórdão o Ministro Nelson Jobim, j. 14/09/2005, Pleno, DJ 26.05.2006). “TABLITA. PLANO COLLOR II. REGRA DE DEFLAÇÃO DA MP 294/91 (L. 8.177/91). PRINCÍPIOS DO DIREITO ADQUIRIDO, DO ATO JURÍDICO PERFEITO E DA COISA JULGADA. ALTERAÇÃO DE PADRÃO MONETÁRIO. 1. No julgamento do RE 141.190, o plenário do STF entendeu que o fator de deflação veio a preservar o equilíbrio econômico-financeiro inicial dos contratos, diante da súbita interrupção do processo inflacionário. A manutenção dos contratos então vigentes - que traziam embutida a tendência inflacionária - importaria em ganhos irreais, desiguais e incompatíveis com o pacto firmado entre as partes antes da alteração radical do ambiente monetário e econômico. 2. Também por isso se confirmou a tese de que normas de ordem pública que instituem novo padrão monetário têm aplicação imediata em relação aos contratos em curso como forma de reequilibrar a relação jurídica antes estabelecida. 3. O Plano Collor II também representou mudança de padrão monetário e alteração profunda dos rumos econômicos do país e, por isso, a esse plano econômico também se aplica a jurisprudência assentada no julgamento do RE 141.190. Negado provimento ao recurso”. (RE 164.836/MG, Relator Ministro Marco Aurélio Melo; Relator para acórdão o Ministro Nelson Jobim, j. 15/03/2006, Pleno, DJ 02.06.2006).

133 Conforme previsto no art. 20 da Lei nº. 8.884, de 11 de junho de 1994, as condutas listadas a seguir constituem infração à ordem econômica: “Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; IV - exercer de forma abusiva posição dominante. § 1º A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II. § 2º Ocorre posição dominante quando uma empresa ou grupo de empresas controla parcela substancial de mercado relevante, como fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa. § 3º A parcela de mercado referida no parágrafo anterior é presumida como sendo da ordem de trinta por cento”. Particularmente no que se refere ao controle de preços, convém observar o art. 21 e alguns seus incisos, além de observar o parágrafo único do inciso XXIV. “Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no artigo 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica: I - fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços; IX - utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de terceiros; XVIII - vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo; XXIV - impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço. Parágrafo

72

Entre seguradores e resseguradores o que se tem, nitidamente, é uma relação

exclusivamente entre empresas, via de regra detentoras de vultosos recursos e

capacitação técnica, o que afasta a aplicação dos princípios consumeristas, a teor do que

dispõe o art. 2º da Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990.

A regulação do resseguro, no que se refere especificamente ao papel do Estado

como seu órgão regulador, deverá ser desempenhada em observância ao princípio da

subsidiariedade, anteriormente mencionado, considerando a autonomia da vontade das

partes contratantes e os usos e costumes internacionais aplicáveis a esta espécie de

negócio134, desde que, obviamente, estes não sejam contrários à ordem pública.

Acredita-se que a própria concorrência entre os resseguradores terá condições de

cuidar para que os prêmios referentes a estes contratos não representem valores

exagerados, especulativos, representativos de infrações à ordem econômica. Sendo livre

a concorrência, o ressegurador que optar pela prática de preços elevados simplesmente

experimentará a diminuição de sua carteira de negócios, decorrente da migração de sua

clientela para os resseguradores que estiverem praticando preços mais condizentes com

a realidade. Paula Forgioni135, ainda com relação à obra de Adam Smith136, reproduz

trecho de discurso pelo mesmo proferido em 1755, no qual foram individualizadas as

três funções que caberiam ao Estado para assegurar o desenvolvimento econômico:

Para arrancar um Estado do mais baixo grau de barbárie e elevá-lo à mais alta opulência, bastam três coisas: a paz, impostos módicos e uma tolerável administração da justiça.

Portanto, no que toca ao controle de preços dos prêmios de resseguro entende-se

que eventuais interferências por parte do órgão responsável pela regulação do mercado

único. Na caracterização da imposição de preços excessivos ou do aumento injustificado de preços, além de outras circunstâncias econômicas e mercadológicas relevantes, considerar-se-á: I - o preço do produto ou serviço, ou sua elevação, não justificados pelo comportamento do custo dos respectivos insumos, ou pela introdução de melhorias de qualidade; II - o preço de produto anteriormente produzido, quando se tratar de sucedâneo resultante de alterações não substanciais; III - o preço de produtos e serviços similares, ou sua evolução, em mercados competitivos comparáveis; IV - a existência de ajuste ou acordo, sob qualquer forma, que resulte em majoração do preço de bem ou serviço ou dos respectivos custos”.

134 A importância da autonomia da vontade das partes contratantes e dos usos e costumes internacionais inerentes ao contrato de resseguro serão objeto de comentários específicos no quarto capítulo desta dissertação. Apenas a título de ilustrar o que será exposto, convém observar que a própria Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – em seu art. 4º., determina a importância dos costumes como típica fonte de obrigações. “Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

135 FORGIONI, Paula. Os Fundamentos do Antitruste. São Paulo: RT, 2005, p. 64. 136 SMITH, Adam. An inquiry onto the nature and causes of the wealth of nations. Eds. R. H. Campbell, A. S.

Skinner e W. B. Todd. Indianapolis: Liberty Fund, 1981 [1776].

73

deverão restringir-se às hipóteses nas quais sejam verificadas infrações à ordem

econômica, ou, ainda, como maneira de prevenir infrações desta natureza137.

O resseguro e o seguro no Brasil são marcados por uma característica incomum

em comparação com outras economias emergentes.

Desde o ano de 1996, o mercado segurador nacional já conta com seguradores

estrangeiros em plena atuação138, não obstante, àquela época, encontrar-se com plenas

forças o regime monopolista exercido pelo IRB - Brasil Re, relacionado ao setor de

resseguros.

Em geral, para que possa ocorrer a atuação de seguradores estrangeiros no

mercado segurador de determinado país costuma ocorrer, em primeiro lugar, a abertura

do setor de resseguros à livre concorrência, isto é, o primeiro passo a ser trilhado rumo à

exploração em regime aberto ocorre no setor de resseguros para, após, prosseguir com o

setor de seguros139.

Retomando a atenção para a exploração do mercado ressegurador brasileiro em

regime de livre concorrência, é importante destacar que, sob a perspectiva legislativa,

deverão ser criadas condições que possibilitem o estabelecimento e funcionamento dos

resseguradores que desejem se instalar, bem como que sejam criadas estruturas de

mercado condizentes com a implantação da concorrência. Nesta exata linha de

raciocínio é a posição de Dinorá Adelaide Musetti Grotti140:

A implantação da concorrência em setores antes regulados pressupõe a adoção de duas premissas: a) sua capacidade de funcionamento em esquemas competitivos entre fornecedores; b) a criação de estruturas de mercado compatíveis com a implantação da concorrência, o que somente é possível através da reorganização da forma de exploração das atividades, que deverá

137 O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, no uso de suas atribuições legais, sanciona as

infrações à ordem econômica. A título exemplificativo, transcreve-se ementa de processo administrativo que tramitou perante esta autarquia, cuja conclusão foi no sentido de sancionar as empresas infratoras ao argumento de que estas teriam formado cartel com objetivo de, conjuntamente, promoverem aumentos dos preços dos produtos comercializados. “Processo Administrativo. Infração à ordem econômica. Formação de cartel entre empresas jornalísticas atuantes no Estado do Rio de Janeiro. Coesão do conjunto probatório. Aumento concertado de preços divulgado por meio de publicação na imprensa. Posição dominante do grupo. Interveniência do Sindicato da categoria. Conduta caracterizada. Aplicação de multa pecuniária e penalidades acessórias. Exclusão da imputação capitulada no art. 21, inciso XXIV, da Lei nº. 8.884/94”. (CADE, Processo Administrativo nº. 08012.002097/99-81, Relator Conselheiro Ricardo Villas Boas Cueva, j. 9.3.2005).

138 São exemplos de seguradores estrangeiros em atuação no Brasil a norte-americana AIG – American International Group, desde 1997 em conjunto com a Unibanco Seguros, o que culminou com o surgimento da Unibanco Aig Seguros <http://www.unibancoaig.com.br/>, a espanhola Mapfre Seguros < http://www.mapfre.com.br/> e a japonesa Tokio Marine Seguros < http://www.tokiomarine.com.br/>, acessos em 10.03.2006.

139 “(...) Índia e Brasil são casos peculiares, pois normalmente o mercado de resseguro é aberto antes do mercado segurador e encontra-se sujeito a prescrições menos rigorosas”. (Swiss Reinsurance Company. Technical Article. Economic Research & Consulting Occasional Papers. BOPP, Juta. Insights. Zurique, Maio/2005, p. 9).

140 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Ob. cit., p. 323.

74

vir acompanhada de mecanismos para evitar a concentração econômica e práticas anticompetitivas por parte dos operadores dominantes.

Estabelecidas as premissas básicas concernentes à criação do mercado

ressegurador brasileiro, pode-se concluir que:

(i) O Estado, por intermédio de agência reguladora141, deverá exercer o controle

sobre o mercado ressegurador brasileiro, considerando a importância de sua

função para o desenvolvimento do mercado segurador nacional;

(ii) Deverá haver liberdade para o ingresso de novos resseguradores no mercado

interno, sejam locais, admitidos ou eventuais142, desde que preenchidas as

exigências previstas nos artigos 5º, 6º e 7º da Lei Complementar nº. 126, de

15 de janeiro de 2007143;

(iii) O órgão regulador deste mercado, ressalvadas as hipóteses de infração à

ordem econômica, não deverá imiscuir-se em questões relacionadas à

precificação dos prêmios do resseguro;

(iv) Deverão ser estudadas medidas visando evitar eventuais abusos de poder

econômico decorrentes da associação de seguradores e resseguradores, ou

de resseguradores, isoladamente.

141 A necessidade e a adequação de que o resseguro seja regulado por agência reguladora independente serão

enfrentados no quarto capítulo desta dissertação. 142 A nomenclatura em referência – resseguros locais, admitidos e eventuais é empregada pelo art. 4º da Lei

Complementar em referência. 143 Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007. Art. 5o Aplicam-se aos resseguradores locais, observadas as

peculiaridades técnicas, contratuais, operacionais e de risco da atividade e as disposições do órgão regulador de seguros: I - o Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, e as demais leis aplicáveis às sociedades seguradoras, inclusive as que se referem à intervenção e liquidação de empresas, mandato e responsabilidade de administradores; e II - as regras estabelecidas para as sociedades seguradoras. Art. 6o O ressegurador admitido ou eventual deverá atender aos seguintes requisitos mínimos: I - estar constituído, segundo as leis de seu país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações no país de origem, há mais de 5 (cinco) anos; II - dispor de capacidade econômica e financeira não inferior à mínima estabelecida pelo órgão regulador de seguros brasileiro; III - ser portador de avaliação de solvência por agência classificadora reconhecida pelo órgão fiscalizador de seguros brasileiro, com classificação igual ou superior ao mínimo estabelecido pelo órgão regulador de seguros brasileiro; IV - designar procurador, domiciliado no Brasil, com amplos poderes administrativos e judiciais, inclusive para receber citações, para quem serão enviadas todas as notificações; e V - outros requisitos que venham a ser fixados pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Parágrafo único. Constituem-se ainda requisitos para os resseguradores admitidos: I - manutenção de conta em moeda estrangeira vinculada ao órgão fiscalizador de seguros brasileiro, na forma e montante definido pelo órgão regulador de seguros brasileiro para garantia de suas operações no País; II - apresentação periódica de demonstrações financeiras, na forma definida pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Art. 7o A taxa de fiscalização a ser paga pelos resseguradores locais e admitidos será estipulada na forma da lei.

75

2.5 Os Fundamentos que Sustentam a Regulação do Mercado Ressegurador

Brasileiro

2.5.1 A Flexibilização do Monopólio sob a Perspectiva Jurídico-Constitucional

Objetivamente, a flexibilização do monopólio exercido pelo IRB – Brasil Re teve

o seu ponto de partida na Emenda Constitucional nº. 13, de 21 de agosto de 1996. Por

meio desta, foi suprimida do inciso II do art. 192 da CRFB de 1988 a expressão “órgão

oficial ressegurador”, modificando, pois, a sua redação144.

Por força dessa nova redação, já a partir de 1996 a Federação Nacional das

Empresas de Seguros, Previdência Privada e Capitalização – FENASEG – sustentou145

que o monopólio do IRB não mais existiria e que, assim, já seria possível aos

resseguradores estrangeiros atuarem no país, afirmando, ainda, que seria da

competência do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP e da Superintendência 144 O inciso em referência passou a ter a seguinte redação: “Art. 192. II - Autorização e funcionamento dos

estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador”. 145 Embasando o entendimento sustentado pela FENASEG, à época foram divulgados dois pareceres, emitidos por

Celso Ribeiro Bastos e José Luiz Bulhões Pedreira. Celso Bastos, dentre as suas assertivas, colocou: “(...) Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que desde a Constituição Federal de 1.988, especificamente após a emenda n. 13/96, a atividade de seguros e resseguros está franqueada à iniciativa privada, não podendo receber restrições que sejam incompatíveis com este sistema econômico. (...) A supressão, ocorrida por via de emenda constitucional, da expressão “órgão oficial ressegurador”, presente no texto anterior à Emenda Constitucional n. 13, e constante do art. 192, inc. II, teve o condão de excluir o órgão ressegurador oficial, que detinha legitimidade para atuar no campo econômico mercê da própria Constituição. Desaparecido o seu supedâneo, o órgão esvaziou-se como prestador exclusivo da atividade de resseguros, ressalvada a permanência, no Estado, da competência para a função fiscalizatória.(...) Mas fiscalizar não envolve tomar uma fatia do mercado para o Poder Público, porque estaríamos praticando uma heresia hermenêutica, tomando uma palavra solta na Constituição, e que de resto não significa invasão ou apropriação, habilitando-a, contudo, a deitar por terra todos os princípios consagrados no conceito de livre iniciativa” (Celso Ribeiro Bastos. Consulente: Federação Nacional de Seguros – FENASEG. Tema: Sistema Constitucional da Ordem Econômica, mais especificamente no que diz respeito ao Desenvolvimento da Atividade Resseguradora. Março, 1999.) José Luiz Bulhões Pedreira, na mesma linha, ponderou: “e) a partir da Emenda Constitucional nº. 13/96 as normas do decreto-lei que dispunham sobre a competência do CNSP e da SUSEP, foram revogadas; por conseguinte, ficou compreendida na competência desses dois órgãos a atribuição de regulamentar “todas as modalidades de seguros” e, portanto, o resseguro. (...) 2ª) A autorização e funcionamento de sociedades privadas resseguradoras não depende da promulgação de lei complementar prevista no artigo 192 da Constituição, pois as normas do Decreto-lei nº. 73/66, recepcionadas pela Constituição de 1988 como integrantes do regime da lei complementar do artigo 192, atribuem competência ao CNSP e à SUSEP para regular a autorização e funcionamento de quaisquer tipos de sociedades seguradoras, inclusive as resseguradoras.” (José Luiz Bulhões Pedreira. Consulente: Federação Nacional de Seguros – FENASEG. Tema: Efeitos da Emenda Constitucional nº 13/96 sobre a disciplina legal da atividade de resseguros. Normas do Decreto-lei 73/1966 que somente podem ser modificadas por Lei Complementar de que trata o Artigo 192 da Constituição. Março 1999). Em sentido oposto, isto é, chamando a atenção para a necessidade de que fosse promulgada lei complementar que regulamentasse o recém criado mercado ressegurador nacional, Pedro Alvim apresentou suas considerações ao Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, aduzindo o que segue: “Como se vê, toda matéria reservada à lei complementar não será objeto de delegação. Ora, o art. 192, inciso II, já comentado, inscreve no seu texto o seguro e o resseguro. Carece, pois, de competência o Executivo para legislar sobre operações de resseguro, ainda que fizesse uso de Medida Provisória, que constitui uma delegação”. (Pedro Alvim. Consulente: Federação Nacional de Seguros – FENASEG. Tema: Considerações sobre o Projeto de Normas de Resseguro elaborado pela SUSEP. Fevereiro de 1999).

76

de Seguros Privados - SUSEP conceder autorizações e estabelecer o regime de

funcionamento dos resseguradores146.

Em 20 de dezembro de 1999, foi promulgada a Lei nº. 9.932, transferindo as

atribuições regulatórias exercidas pelo IRB à Superintendência de Seguros Privados -

SUSEP. Ao que tudo indicava, por intermédio de Lei Ordinária, não obstante o que

dispunha o inciso II147 do art. 192 da Constituição da República, promovia-se o

esvaziamento das funções exercidas pelo órgão ressegurador brasileiro.

Ocorre que em 08.06.2000, o Partido dos Trabalhadores dirigiu ao Supremo

Tribunal Federal a ADIN nº. 2223-7148, questionando a forma pela qual estava sendo

operada a transferência do controle (regulação) das atividades inerentes ao mercado

ressegurador do IRB à SUSEP, já que o Diploma Legal referenciado tratava-se de Lei

Ordinária, ao passo que o texto constitucional, em seu artigo 192, exigia Lei

Complementar.

Já no ano de 2003, precisamente em 29 de maio, adveio a Emenda Constitucional

nº. 40, revogando, dentre outros dispositivos, todo o inciso II do art. 192 da

Constituição de 1.988. Suprimido todo o inciso II, a exigência de que Lei

Complementar abordasse a questão relacionada ao estabelecimento e funcionamentos

dos estabelecimentos de seguro e resseguro perdeu o seu objeto, tornando prejudicado

todo o intento buscado por meio da ADIN nº. 2223-7.

Em virtude deste novo contexto, em 15.09.2004, foi publicada no Diário Oficial

da União a decisão149 do Relator da ADIN em tela, Ministro Marco Aurélio Melo,

146 Acerca dessa controvérsia, voltada à competência ou não do CNSP para conceder autorizações e estabelecer o

regime de funcionamento dos resseguradores estrangeiros, remete-se ao interessante artigo de Paulo Luiz de Toledo Piza, denominado Tendências em matéria de resseguro: caso e ocaso brasileiro. Publicado nos Anais do VI Congresso Ibero-Latinoamericano de Direito do Seguro, Maio 2000, Colômbia, disponível na Internet em <www.ibds.com.br>, no link textos, acessado em 24.02.2006.

147 A redação do inc. II do art. 192, após a supressão decorrente da Emenda Constitucional nº. 13, era a seguinte: “autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, resseguro, previdência e capitalização, bem como do órgão oficial fiscalizador”.

148 Nessa linha de raciocínio, em 13.07.2000 a liminar requerida pelo Partido dos Trabalhadores foi deferida, suspendendo-se os artigos 1º e 2º, § único do art. 3º, arts. 4º a 10 e 12, todos da Lei nº. 9.932, de 1.999. Posteriormente, em 10.10.2002, o Pleno do STF referendou a liminar antes concedida, o que demonstrava, ao menos em princípio, que não ocorreria a tão esperada flexibilização do monopólio.

149 Trechos da decisão em referência: “(...) tanto a Advocacia Geral da União quanto a Procuradoria Geral da República manifestaram-se pelo prejuízo do pleito formulado na Ação Direta de Inconstitucionalidade. A premissa mostra-se única: a alteração do dispositivo constitucional de referência - o artigo 192 da Carta Federal, presente a Emenda Constitucional nº. 40/2003. O requerente, instado a pronunciar-se, quedou silente. Procede o prejuízo aventado. Com a Emenda Constitucional n.º 40/2003, alterou-se o artigo 192 do Diploma maior, argüido como inobservado, revogando-se os incisos e alíneas e parágrafos. Vale dizer que, no texto constitucional, já não mais se alude ao resseguro. Ante o quadro, declaro o prejuízo do pedido inserto na inicial.”

77

manifestando-se pela perda de objeto do pedido formulado, tendo ocorrido,

posteriormente, o seu trânsito em julgado.

Reconhecida a perda do objeto da ADIN que atacava a Lei nº. 9.932, esta voltou a

ter eficácia, o que significava, ao menos no campo teórico, que não havia mais

impedimentos para que fossem transferidas as competências regulatórias do IRB à

SUSEP.

Mesmo após o reconhecimento da perda do objeto da ADIN nº. 2223-7 e do

comentado restabelecimento dos efeitos da Lei nº. 9.932/99, Paulo Luiz de Toledo

Piza150, amparado pela posição de Fábio Konder Comparato, sustentou que a revogação

do inciso II do art. 192 da CRFB, em cotejo com o disposto no Decreto-Lei nº. 73/66,

pela mesma recepcionado e com a Lei nº. 9.932, não importava na automática

flexibilização do monopólio do IRB e conseqüente abertura do mercado. Abaixo, as

palavras do autor:

Isso tudo, enfim, parece excesso de juridisme, mas o fato é que não se pode afirmar, com certeza, que o legislador constituinte congressual, ao aprovar a EC 40, pretendeu excluir a regulação do setor de seguro e resseguro da via da lei complementar. Não sendo, portanto, descartável de plano que a Constituição deixou de prever a edição de lei complementar para regular a atuação do Estado no setor de seguro e resseguro, se haveria de discutir se a Lei 9.932, abstraída a discussão de sua inconstitucionalidade, teria sido recepcionada ou não pela ordem constitucional posterior à EC 40. (...) Desse modo, retendo o Decreto-Lei essa densidade complementar, de um ponto de vista formal ele somente por outra lei complementar poderia ser alterado. (...) Portanto, à medida que o Decreto-Lei 73 foi recepcionado pela Constituição Federal na qualidade de lei complementar; à medida que se pode argumentar que ele permanece revestido dessa qualidade, e à medida que lei ordinária não pode ferir lei complementar, parece razoável concluir pela prevalência do disposto no Decreto-Lei 73 frente à Lei 9.932, mesmo à luz do atual texto do art. 192 da Constituição Federal. Sua opinião fora, todavia, refutada, e amplamente, quando se consultou, ainda antes do aparecimento da referida Emenda Constitucional, o Prof. Fábio Konder Comparato, que demonstrou, com carradas de razão, que a expressão “ressegurador oficial”, no contexto normativo em que se inseria, estava a significar que se havia reservado “exclusividade de funções” ao órgão oficial, qual seja, o então denominado Instituto de Resseguros do Brasil. Cf. “Monopólio público das operações de resseguro”, no seu Direito Público: Estudos e Pareceres. S. Paulo: Saraiva, 1996, pp. 154/165.

Demonstrando que a posição em tela é a que melhor se coadunou com a postura

legislativa adotada para essa questão, é mister reiterar que a Casa Civil encaminhou ao

150 PIZA, Paulo Luiz de Toledo. O resseguro e o STF. Disponível em <www.ibds.com.br>. Acessado em

22.02.2006.

78

Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar nº. 249/2005, tratando, assim como

tratou a Lei nº. 9.932, da transferência de atribuições regulatórias exercidas pelo IRB ao

órgão regulador do mercado, o que culminou, em 15 de janeiro de 2007, com a sanção

da Lei Complementar nº. 126, flexibilizando, em definitivo, o monopólio do qual o IRB

foi dotado desde a sua criação, ocorrida em 1.939151.

2.6 Regulação e Resseguro

Inicialmente, convém ratificar a posição segundo a qual o mercado de resseguros

no Brasil deverá ser regulado, considerando, sobretudo, a importância dessa espécie de

negócio como elemento capaz de propiciar a homogeneidade das carteiras dos

seguradores, atuantes no mercado segurador nacional, isto é, a função desempenhada

pelo resseguro tem como objetivo gerar efeitos positivos tanto para os seguradores, com

os quais há relação direta, quanto para os segurados, cujas opções de contratação em

qualidade e quantidade serão melhoradas fruto do aumento da capacidade de subscrição

de riscos pelos seguradores.

Exatamente com este enfoque, Carlos Ari Sundfeld152 comenta, inclusive, a

respeito da semelhança existente entre os mercados de telecomunicações e o mercado de

resseguro, não obstante aquele represente modalidade de serviço público e este de

atividade econômica:

Paulatinamente vão sendo concebidas ou rejeitadas idéias como as de Agência da Água, dos Transportes, Postal, da Aeronáutica, e por aí vai. Interessante também atentar para o setor de resseguros, em que havia monopólio federal desde 1939, exercido pelo IRB – Instituto de Resseguros do Brasil. Com a aprovação da Emenda Constitucional 13, de 21.8.1996, viabilizou-se a abertura do setor à concorrência. Inicialmente, o IRB foi transformado em sociedade de economia mista (Lei 9.482, de 13.8.1997). A seguir, a Lei 9.932, de 20.12.1999, promoveu a reforma do setor, transferindo para a Susep (Superintendência de Seguros Privados) atribuições de regulação e fiscalização antes exercidas pelo IRB e conferindo ao Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) o poder normativo sobre o setor. Os passos seguintes são a desestatização do IRB e a conseqüente liberalização

151 Confirmando que a posição do Governo quanto à flexibilização do monopólio do IRB deveria se fazer por

intermédio de Lei Complementar convém esclarecer que o art. 31 da Lei Complementar nº. 126 revogou a Lei nº. 9932 em sua íntegra. “Art. 31. Ficam revogados os arts. 6o, 15 e 18, a alínea i do caput do art. 20, os arts. 23, 42, 44 e 45, o § 4º do art. 55, os arts. 56 a 71, a alínea c do caput e o § 1º do art. 79, os arts. 81 e 82, o § 2º do art. 89 e os arts. 114 e 116 do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, e a Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1999”.

152 SUNDFELD, Carlos Ari. Serviços Públicos e Regulação Estatal. In: Direito Administrativo Econômico. Coord. Carlos Ari Sundfled. Malheiros: São Paulo, 2002, pp. 22/23.

79

do setor, que passa a ser competitivo. Embora os resseguros nunca tenham sido considerados como serviços públicos, seu processo de reforma é, em essência, semelhante ao das telecomunicações, por exemplo, envolvendo essas três notas comuns: a desestatização, a abertura do mercado à competição e a necessidade de regulação.

Portanto, cumpre aprofundar a pesquisa justamente nos alicerces sobre os quais a

regulação deverá estar focada, o que será tratado a seguir.

2.7 Os Principais Elementos a serem observados pelo Órgão Regulador do

Resseguro no Brasil

Em virtude da importância que o resseguro representa para todo o mercado de

seguros no país e, em conseqüência direta, para todos os segurados, considerando que,

em última instância, as verbas decorrentes do pagamento dos prêmios nada mais nada

menos são do que poupança popular, emerge a necessidade de se fiscalizar com muita

cautela as exigências que serão impostas àquelas empresas que pretendam instalar-se no

mercado como resseguradoras, sejam nacionais ou estrangeiras153.

2.7.1 A Higidez Econômico-Financeira

Não se controverte quanto à importância de que seja exercido controle efetivo

sobre as margens de solvência dos resseguradores que desejem se instalar no mercado

ressegurador brasileiro.

Em estudo realizado pela Swiss Reinsurance Company, resseguradora com

atuação em todos os continentes154, comentou-se a respeito das vantagens decorrentes da

flexibilização do monopólio do IRB – Brasil Re, na medida em que pelo órgão

regulador do mercado nacional poderão ser impostas mínimas margens de solvência

para a atuação no país, ou seja, somente resseguradores extremamente bem qualificados

sob a perspectiva da análise financeira é que poderão atuar155.

153 Consoante exposto anteriormente, as exigências em epígrafe estão discriminadas nos arts. 5º, 6º e 7º da Lei

Complementar nº. 126, de 15.01.2007. 154 Dados disponíveis em http://www.swissre.com/. Acessado em 11.01.2007. 155 “O resseguro internacional é benéfico não apenas em caso de grandes sinistros. Ele proporciona também capital

de longo prazo – que possui caráter de investimento estrangeiro direto no mercado brasileiro – e, conseqüentemente, contribui para que toda a economia do país possa arcar com riscos. Em 2003, o patrimônio líquido dos 40 maiores grupos resseguradores do mundo somou cerca de US$ 249 bilhões, conforme a Standard & Poor´s. O capital oferecido, geralmente, tem uma excelente classificação de risco: a solidez de capital de

80

A exploração monopolista do setor potencializa a criação de problemas

relacionados à higidez econômica dos seguradores diretos.

Reduzida a oferta de resseguro, as possibilidades de aumento da capacidade de

subscrição de riscos também diminuem, o que, inclusive, desacelera o desenvolvimento

de novos negócios. A concentração do risco num único ressegurador é perigosa tanto

para este ressegurador, quanto para todo o mercado, sendo notório que em matéria de

gestão de riscos é preciso diluí-los, evitando-se a concentração156.

Basicamente, três são as possíveis espécies de regulação para mercados

resseguradores, citadas por Amadeu Carvalhaes Ribeiro157:

Em geral, são reconhecidos três sistemas de regulação da atividade resseguradora. O primeiro, mais liberal, consiste em exigir do ressegurador apenas a apresentação de balanços e demonstrações financeiras suficientes para demonstrar a regularidade e a solidez de seus negócios. Trata-se do sistema vigente na Alemanha e na Áustria. O segundo sistema, vigente na Grã-bretanha, envolve um controle maior da solvência do ressegurador, ao qual são impostas normas de higidez econômico-financeira. Ou seja, não há apenas fiscalização, há também regulação. O terceiro sistema, adotado em um número maior de países e inclusive nos EUA, envolve uma regulação mais extensa e profunda da atividade.

resseguradores geralmente se encontra acima do grau de risco de investimento e, portanto, acima do atual rating do IRB. Um completo acesso a esse capital reduz assim o risco de crédito das seguradoras. Dos 10 principais grupos resseguradores, seis deles possuem rating de, no mínimo, ‘AA-‘, conforme a avaliação da Standard & Poor´s, isto é, “segurança financeira muito sólida”. Além disso, a autoridade de supervisão poderá prescrever uma classificação de risco mínima para os resseguradores poderem atuar no mercado brasileiro”. (BOPP, Jutta. Insights – estudo divulgado pela Swiss Reinsurance Company, p. 11).

156 Em artigo denominando Um Seguro Agrícola Eficiente, de Aércio S. Cunha, Brasília, Outubro de 2002, Departamento de Economia da Universidade de Brasília, disponível na Internet em <http://www.unb.br/face/eco/cpe/TD/255Oct02ACunha.pdf>, acessado em 04 de março de 2006, o autor disserta a respeito da necessidade de que os riscos relacionados ao seguro agrícola, essencial à economia nacional, sejam diluídos por todo o mercado segurador brasileiro e por todo o mercado ressegurador, fazendo críticas ao regime monopolista exercido pelo IRB – Brasil Re, na medida em que isto cria embaraços ao desenvolvimento: “(...) 2. Considera-se virtualmente impossível a criação de um seguro que atenda a essas características sem que o mercado de seguros privados seja minimamente desenvolvido. É indispensável a participação de um número razoável de companhias seguradoras e resseguradoras no seguro agrícola. A situação atual de monopólio do resseguro pelo IRB Brasil RE é incompatível com as necessidades do desenvolvimento saudável, financeira e orçamentariamente sustentável de um seguro agrícola. 3. Não se pode falar em sustentabilidade de um seguro sem que esteja presente o resseguro. E esta não existe sem resseguradoras. Atualmente, parcela apreciável dos resseguros realizados no país são contratados no exterior. Propõe-se a “substituição da importação” desse serviço essencial, em vista, não apenas da economia de divisas, mas da redução dos prêmios de resseguros, que a medida haverá de propiciar. Além disso, resseguradoras prestam, gratuitamente, um serviço ao país, qual seja, o de “regular” as seguradoras. Ao definir que apólices seriam passíveis de resseguro e qual o adicional de prêmio por adicional de risco, as resseguradoras influenciam diretamente o comportamento das seguradoras. (...) 5. Admitindo ser indispensável a participação do Poder Público na partilha do risco agrícola, desponta questão da forma mais eficiente de se realizar essa partilha. Especialmente importante é que a participação do Poder Público venha estimular, não inibir e, menos ainda, distorcer, o desenvolvimento do mercado segurador. A diretriz do trabalho, neste sentido, é que o governo não chame a si funções que seriam melhor desempenhadas pelo setor privado, como, por exemplo, o resseguro”.

157 RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de Seguros – Resseguros, Seguro Direto e Distribuição de Serviços. São Paulo: Atlas, p. 176, Cf. Michael W. Elliott, et alli, Principles of Reinsurance, ob. cit., pp. 47 e seg;. e Klaus Guerathewohl et alli, Reinsurance Principles and Practice, ,v. 1, cit., pp. 574 a 582).

81

Qual seria a espécie de regulação mais adequada para o mercado brasileiro?

O Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, após a promulgação da

Emenda à Constituição nº. 13, de 1996, editou a Resolução nº. 1, de 14 de janeiro de

2000, cujo texto propunha as regras básicas para o funcionamento do mercado que seria

instituído.

Os resseguradores foram classificados como “local” (aqueles que tivessem sede

no Brasil e o patrimônio líquido não inferior a R$ 50 milhões de reais), “admitido”158

(resseguradores com sede no exterior e inscrição na SUSEP, cujo patrimônio líquido

não fosse inferior a US$ 85 milhões de dólares norte-americanos) e “eventual”

(resseguradores com sede no exterior, sem inscrição junto à SUSEP, cujo patrimônio

líquido não fosse inferior a US$ 100 milhões de dólares norte-americanos.

Adicionalmente, os seguradores não poderiam lhes ceder mais de 10% das suas

operações anuais).

Nota-se, assim, que a resolução em referência, ao exigir o depósito em conta

vinculada à SUSEP, bem como ao exigir patrimônios líquidos não inferiores a US$ 85

milhões de dólares norte-americanos para os resseguradores admitidos e US$ 100

milhões de dólares norte-americanos para os resseguradores eventuais, alinhou-se à

terceira espécie de regulação do resseguro, mencionada por Amadeu Carvalhaes

Ribeiro, cuja prática era comum na maioria dos países pesquisados, inclusive no

mercado dos Estados Unidos da América.

Em virtude da exploração em regime monopolista desde o ano de 1939, nota-se

que o mercado segurador nacional se encontrava habituado a, sempre que houvesse

demanda por resseguro, procurar apenas o IRB – Brasil Re, que, com exclusividade,

apresentaria a solução disponível, isto à hipótese de realmente haver uma solução

disponível.

A flexibilização do monopólio obedecendo às diretrizes propostas na Resolução

nº. 1, de 2000, da lavra do CNSP procurou, proteger o recém criado mercado nacional

em abertura com mínimas garantias, principalmente aquelas relacionadas aos depósitos

em contas vinculadas à SUSEP.

158 Caberia ao ressegurador admitido, ainda, a abertura de conta vinculada à SUSEP com aplicação mínima de US$ 5

milhões de dólares norte-americanos.

82

Sendo dotadas de vultosos recursos financeiros, certamente as quantias exigidas

pelo CNSP não criariam óbices aos resseguradores estrangeiros que desejassem atuar no

país, fosse como resseguradores admitidos ou como resseguradores eventuais.

Ainda no que se refere à regulação da higidez econômico-financeira dos

resseguradores, cumpre observar que o eventual excesso de normas que obriguem à

realização de depósitos mínimos, que impliquem no engessamento de reservas dos

resseguradores que desejem se instalar no país poderá ter conseqüências indesejadas,

traduzidas no desinteresse dos mesmos pelo mercado nacional. Em sendo possível

aplicar os seus recursos de maneira mais adequada em outros mercados resseguradores,

cujas exigências sejam menos rigorosas, a tendência natural será a busca pelo ambiente

que represente as melhores condições de rentabilidade. Nesse exato sentido é a posição

de Amadeu Carvalhaes Ribeiro159:

Aumentar os padrões de higidez pode ser necessário para proteger a integridade patrimonial do consumidor, porém não pode ser admitido como instrumento de promoção da livre concorrência. Requisitos de capital mínimo e patrimônio líquido são típicas barreiras à entrada, que têm por resultado dificultar o ingresso de novos concorrentes no mercado. O mesmo pode ser dito em relação ao controle de formação e aplicação de provisções técnicas e reservas, pois restrições à liberdade do agente econômico de dispor livremente de seus recursos financeiros tendem a afastá-lo da atividade em questão. Afinal, se ele puder aplicar os mesmos recursos de maneira mais rentável em outro lugar, porque não o faria? Assim, um controle de higidez excessivamente rígido representa um evidente entrave à livre concorrência.

Portanto, os elementos ora apresentados demonstram que a regulação da higidez

econômico financeira dos resseguradores que pretendam atuar no mercado nacional se

apresenta como um dos alicerces sobre os quais o órgão regulador do mercado deverá

concentrar a sua atuação, desde que, por intermédio deste controle, não sejam criadas

condições que, ao invés de estimularem, afugentem os resseguradores estrangeiros

(admitidos ou eventuais).

2.7.2 Livre Iniciativa e Livre Concorrência

A exploração em regime de monopólio pelo IRB - Brasil Re elimina, de per se, a

livre concorrência no setor de resseguro. Enquanto, de fato, não for flexibilizado o

159 RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Ob. cit., p. 106.

83

monopólio, permanecerá existindo no Brasil apenas o setor de resseguro, não o

mercado.

Com relação aos seguradores, entende-se que o regime monopolista cria

dificuldades para que a livre concorrência seja implementada de maneira plena no

mercado segurador brasileiro.

Quão maior for a oferta de resseguro, maiores serão as possibilidades de que

seguradoras de pequeno porte possam competir em melhores condições com as

seguradoras de grande porte, na medida em que com a majoração de sua capacidade de

subscrição de risco, fruto da contratação de resseguro, poderão oferecer garantias

melhores ao empresariado nacional.

Considerando o término do monopólio no país e a conseqüente possibilidade de

que realmente seja instaurada a livre concorrência, surge uma questão instigante: em

que medida a regulação deverá ser aplicada sobre o resseguro no Brasil? Por mais que o

mercado de telecomunicações represente típico serviço público, neste momento convém

traçar um paralelo entre este mercado e o mercado de resseguro, que se formará.

Distinguem-se características marcantes entre os dois mercados. No mercado de

telecomunicações, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL – tem à sua

frente milhões de usuários, destinatários finais dos serviços oferecidos e algumas

operadoras, atuando em segmentos distintos como, por exemplo, a telefonia móvel, a

telefonia fixa, a televisão por assinatura e o serviço de radiodifusão. No resseguro, por

sua vez, ao órgão responsável por sua regulação caberá disciplinar o relacionamento

existente entre os seguradores e os resseguradores em exercício no país, o que permite

concluir-se que as partes diretamente envolvidas na relação ressecuritária são muito

mais restritas do que as partes envolvidas na prestação do serviço de telecomunicações.

Observando o relacionamento existente entre segurador e ressegurador, conclui-se

que entre estes inexiste falta de expertise a respeito das matérias que serão tratadas e

discutidas, na medida em que, em regra, empresas estabelecidas no mercado nacional,

que já tenham preenchido os requisitos estabelecidos pela legislação vigente160, é que

estarão negociando.

160 Os requisitos necessários à instalação de uma seguradora no mercado brasileiro encontram-se previstos nos arts.

72 e seguintes do Dec. Lei nº. 73, de 21.11.1966. Art 72. As Sociedades Seguradoras serão reguladas pela legislação geral no que lhes for aplicável e, em especial, pelas disposições do presente decreto-lei. Art 73. As Sociedades Seguradoras não poderão explorar qualquer outro ramo de comércio ou indústria. Art. 74. A autorização para funcionamento será concedida através de Portaria do Ministro da Indústria e do Comércio,

84

No mercado de telecomunicações, por sua vez, milhões de usuários, diariamente,

estarão se envolvendo com serviço que está diretamente relacionado à tecnologia de

ponta, com diversas nuances que, evidentemente, fogem ao conhecimento da grande

maioria dos cidadãos que se qualificam como destinatários finais dos serviços

oferecidos.

Este paralelo presta-se para demonstrar que a regulação dos mercados de

telecomunicações e de resseguro deverá ser marcada por características distintas,

sobretudo por entender-se que para o mercado de resseguro a possibilidade de que a

auto-regulação venha a ser efetivamente implementada afigura-se uma realidade,

partindo do posicionamento exposto por Vital Moreira161.

Nessa linha de idéias, ao órgão responsável pela regulação do mercado

ressegurador brasileiro caberá observar, em primeiro lugar, que os agentes a serem

regulados detêm expertise técnica a respeito da matéria com a qual estarão lidando, o

que, com efeito, deverá ter como conseqüência a intervenção estatal leve, norteada pelo

princípio da subsidiariedade.

Considerando que os próprios agentes estabelecidos no mercado ressegurador

dispõem de condições para, por si sós, elaborarem as normas que deverão ser

cumpridas, caberá ao órgão regulador inserir-se neste contexto, propiciando o

mediante requerimento firmado pelos incorporadores, dirigido ao CNSP e apresentado por intermédio da SUSEP. Art 75. Concedida a autorização para funcionamento, a Sociedade terá o prazo de noventa dias para comprovar perante a SUSEP, o cumprimento de todas as formalidades legais ou exigências feitas no ato da autorização. Art 76. Feita a comprovação referida no artigo anterior, será expedido a carta-patente pelo Ministro da Indústria e do Comércio. Art 77. As alterações dos Estatutos das Sociedades Seguradoras dependerão de prévia autorização do Ministro da Indústria e do Comércio, ouvidos a SUSEP e o CNSP. Os requisitos necessários à instalação de uma resseguradora no mercado brasileiro encontram-se previstos nos arts. 5º, 6º e 7º da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007. Art. 5o Aplicam-se aos resseguradores locais, observadas as peculiaridades técnicas, contratuais, operacionais e de risco da atividade e as disposições do órgão regulador de seguros: I - o Decreto-Lei no. 73, de 21 de novembro de 1966, e as demais leis aplicáveis às sociedades seguradoras, inclusive as que se referem à intervenção e liquidação de empresas, mandato e responsabilidade de administradores; e II - as regras estabelecidas para as sociedades seguradoras. Art. 6o O ressegurador admitido ou eventual deverá atender aos seguintes requisitos mínimos: I - estar constituído, segundo as leis de seu país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações no país de origem, há mais de 5 (cinco) anos; II - dispor de capacidade econômica e financeira não inferior à mínima estabelecida pelo órgão regulador de seguros brasileiro; III - ser portador de avaliação de solvência por agência classificadora reconhecida pelo órgão fiscalizador de seguros brasileiro, com classificação igual ou superior ao mínimo estabelecido pelo órgão regulador de seguros brasileiro; IV - designar procurador, domiciliado no Brasil, com amplos poderes administrativos e judiciais, inclusive para receber citações, para quem serão enviadas todas as notificações; e V - outros requisitos que venham a ser fixados pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Parágrafo único. Constituem-se ainda requisitos para os resseguradores admitidos: I - manutenção de conta em moeda estrangeira vinculada ao órgão fiscalizador de seguros brasileiro, na forma e montante definido pelo órgão regulador de seguros brasileiro para garantia de suas operações no País; II - apresentação periódica de demonstrações financeiras, na forma definida pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Art. 7o A taxa de fiscalização a ser paga pelos resseguradores locais e admitidos será estipulada na forma da lei.

161 A auto-regulação dos mercados segurador e ressegurador brasileiros foi defendida por Vital Moreira em recente visita do mesmo ao país, cujos principais argumentos serão demonstrados no quarto capítulo desta dissertação.

85

desenvolvimento deste mercado. Cumpre esclarecer, todavia, que essa migração de um

regime monopolista, que caracterizou o país por mais de sessenta anos, para o regime de

livre concorrência, em que haja auto-regulação do mercado constituído, não se processa

de forma instantânea. Nesse exato sentido, Marcos Juruena Villela Souto162 apresenta os

seguintes comentários:

Da Regulação à Concorrência - Detectada a possibilidade de funcionamento de um dado setor em regime de concorrência pelos reguladores, é necessária a organização de uma transição da regulação para a concorrência, bem como a definição de quais segmentos dentro de uma cadeia produtiva têm condições de ser desregulamentados. Alerta, no entanto, que em geral, não se passa diretamente de uma política de regulação à liberação total das atividades. Ao contrário, a desregulação, por diversas razões, costuma ser parcial. Isso se explica por diferentes razões econômicas ou políticas. As primeiras têm a ver com a incapacidade de certas fases das atividades antes monopolizadas de funcionar em concorrência. As últimas, por sua vez, estão relacionadas à alta relevância social das atividades envolvidas, que são estratégicas para o país e/ou serviços públicos, cuja prestação deve seguir objetivos como o da universalização do acesso. Além disso, princípios próprios da prestação dos serviços públicos, como o da continuidade, não permitem oscilações na oferta e no preço ao consumidor, presentes com certa freqüência no regime de mercado. A propósito, deve ser lembrado que a implantação da concorrência como política para aumentar a eficiência, o investimento e a modernização não é a única finalidade da nova regulação dos setores envolvidos.

162 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p.

112.

86

A Resolução nº. 1/2000163, do CNSP, considerando as quantias mínimas

necessárias à atuação de resseguradores no país, sejam locais, admitidos ou eventuais,

revela que este mercado tende à formação de grupos detentores de posições dominantes,

já que são elevados os valores necessários para o início das suas atividades. Além disso,

convém frisar que a saída destes resseguradores do mercado brasileiro, caso assim o 163 As exigências previstas na Resolução nº. 1/2000, fixadas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP,

foram as seguintes: “Do Ressegurador Local. Art. 12. Os resseguradores locais ficam sujeitos, no que couber, às mesmas obrigações previstas na legislação, regulamentos e atos normativos aplicáveis aos estabelecimentos de seguro. Parágrafo único. Os estabelecimentos de resseguro não poderão explorar, direta ou indiretamente, qualquer outro ramo de comércio ou indústria, nem subscrever seguros diretos. Art. 13. O capital mínimo para constituição dos estabelecimentos de resseguro locais é de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais). Parágrafo único. O patrimônio líquido e o capital social não poderão ser, a qualquer tempo, inferiores ao valor mencionado no caput. Art. 14. Os subscritores de capital realizarão em dinheiro, no ato da subscrição, o mínimo de cinqüenta por cento do valor de suas ações, e os cinqüenta por cento restantes dentro de um ano, a contar da publicação da Portaria de autorização para funcionamento, observado o capital mínimo previsto no artigo anterior, o qual deverá ser imediatamente integralizado, como requisito para a concessão da autorização para operar. Parágrafo único. Igual procedimento será observado nos casos de aumento do capital. Art. 15. As listas de subscrição do capital dos estabelecimentos de resseguro serão firmadas pelos subscritores e conterão, em relação a cada um, o nome, a nacionalidade, e o domicílio, bem como, em se tratando de pessoa física, o estado civil, a profissão; a quantidade, o valor das ações subscritas e respectiva realização. Art. 16. As aplicações dos recursos das provisões técnicas e fundos dos resseguradores locais serão feitas de acordo com as diretrizes do Conselho Monetário Nacional - CMN. Art. 17. Os resseguradores locais deverão publicar, semestralmente, suas demonstrações financeiras no Diário Oficial da União ou no Diário Oficial dos Estados, segundo o local da respectiva sede, e também em outro jornal de grande circulação. Parágrafo único. As demonstrações financeiras mencionadas no caput deverão ser auditadas por auditores independentes, com registro na Comissão de Valores Mobiliários - CVM. Do Ressegurador Admitido. Art. 18. Na condição de ressegurador admitido, estabelecimento estrangeiro de seguro ou resseguro poderá ser habilitado a subscrever cessões de resseguro do País, mediante requerimento dirigido à SUSEP, firmado por seus administradores ou representante legal, observados os seguintes requisitos: I - para garantia de suas operações no País, possua conta em moeda estrangeira, vinculada à SUSEP, com saldo mínimo de US$ 5,000,000.00 (cinco milhões de dólares dos Estados Unidos), em banco autorizado a operar em câmbio conforme as diretrizes do CMN, observadas as alternativas a seguir, isolada ou cumulativamente: a) constituição em espécie, mediante depósito em banco autorizado a operar em câmbio no País; e b) constituição em ativos financeiros, observadas as diretrizes fixadas pelo CMN; II - esteja legalmente constituído, segundo as leis de seu país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações há mais de três anos; III - a legislação vigente no seu país de origem permita a movimentação de moedas de livre conversibilidade, para cumprimento de compromissos de resseguro no exterior; IV - possua patrimônio líquido não inferior a US$ 85,000,000.00 (oitenta e cinco milhões de dólares dos Estados Unidos), atestado por auditor externo; V - apresente balanços e demonstrações de resultados dos últimos três exercícios, com os respectivos relatórios dos auditores externos; VI - seja portador de avaliação de solvência, por agência classificadora de estabelecimentos de seguro e resseguro reconhecida pela SUSEP, igual ou superior ao mínimo estabelecido pela SUSEP; e VII - designe um procurador com amplos poderes administrativos e judiciais, inclusive para receber citações judiciais, domiciliado no Brasil, para onde serão enviadas todas as notificações. § 1º As informações previstas nos incisos V e VI deste artigo deverão ser anualmente atualizadas. § 2º Qualquer substituição do procurador a que se refere o inciso VII deste artigo deverá ser imediatamente comunicada à SUSEP. Do Ressegurador Eventual. Art. 19. Na condição de ressegurador eventual, estabelecimento estrangeiro de seguro ou resseguro poderá subscrever resseguro de estabelecimentos de seguro ou resseguro brasileiros, observados os seguintes requisitos: I - esteja legalmente constituído, segundo as leis de seu país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações há mais de cinco anos; II - a legislação vigente no seu país de origem permita a movimentação de moedas de livre conversibilidade, para cumprimento de compromissos de resseguros no exterior; III - possua patrimônio líquido não inferior a US$ 100,000,000.00 (cem milhões de dólares dos Estados Unidos), atestado por auditor externo; e IV - seja portador de avaliação de solvência, por agência classificadora de estabelecimentos de seguro e resseguro reconhecida pela SUSEP, igual ou superior ao mínimo estabelecido para os resseguradores admitidos. Art. 20. A cedente deverá, a qualquer tempo que lhe for solicitado pela SUSEP, fazer prova das exigências previstas no artigo anterior, relativamente aos seus resseguradores eventuais. Parágrafo único. A falta ou recusa na apresentação dos comprovantes solicitados pela SUSEP, em prazo por ela definido, implicará o não reconhecimento do resseguro para fins de atendimento às normas de limite de retenção e margem de solvência, bem como outras normas em vigor”.

87

desejem, não será automática, já que as garantias oferecidas, em regra, dispõem de

longa duração.

Esses dados se prestam para demonstrar que, realmente, a efetiva observância da

livre concorrência carecerá de que o órgão responsável pela regulação deste mercado

observe as condutas que serão praticadas pelos resseguradores que se instalarão no país,

impondo-lhe restrições caso representem prejuízos à competição regular.

2.7.3 Cooperação

Notadamente à frente de grandes riscos, cujas somas necessárias ao pagamento

das indenizações alcançam cifras elevadas, é comum a realização de acordos de

cooperação entre resseguradores, justamente com o propósito de que seja facilitado o

cumprimento das obrigações que foram assumidas164.

O art. 170 da Constituição Federal, consoante exposto no primeiro capítulo desta

dissertação, consagra os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa.

Independentemente disto, é preciso interpretá-los em cotejo com outros princípios de

igual importância no texto constitucional, entre os quais, por exemplo, menciona-se a

dignidade da pessoa humana (CRFB, Art. 1º, inc. III), cuja busca deverá ser trilhada em

harmonia com a justiça social.

Nessa linha de idéias, surgem motivos para que condutas ocasionalmente lesivas à

livre concorrência possam ser praticadas de maneira lícita, com a chancela do Conselho

Administrativo de Defesa Econômica - CADE, seja por intermédio de autorização, seja

por isenção, conforme for o texto normativo que ratifique a conduta em exame. Eis as

palavras de Paula Forgioni165:

O art. 170 da CF estatui as vigas mestras da nossa ordem econômica e social. A concorrência é expressamente tratada como instrumento que deve assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Essa constatação, embora evidente, assume especial relevo entre nós e tem sido pouco compreendida. Em prol do bem-estar social e de outros valores e princípios também constitucionais, no Brasil – tal como na Europa – é possível sacrificar a

164 A título exemplificativo, convém reiterar que os sinistros envolvendo o World Trade Center, nos EUA e a

plataforma P-36 da Petrobrás, no Brasil, tiveram o pagamento das suas somas seguradas realizado por diversos resseguradores estrangeiros, estabelecidos nos EUA e na Comunidade Européia. Não fossem os acordos de cooperação firmados entre os resseguradores, certamente ficaria dificultada a subscrição desses riscos.

165 FORGIONI, Paula A. Contrato de Distribuição. São Paulo: RT, 2005, pp. 153/154.

88

concorrência para atingirmos um fim maior, mais condizente com o interesse público. Dessa maneira, em face do texto da nossa Constituição, não se pode sustentar ser com ela incompatível as leis que autorizem restrições concorrenciais. Isso pode – e deve – acontecer para atender ao interesse público. Com isso, não estamos a dizer que a Constituição do Brasil persiga um modelo de mercado apartado da livre iniciativa e da livre concorrência – muito ao contrário. Apenas devemos ter em mente que os princípios insculpidos no art. 170 e todas as regras que neles se embasam prestam-se, sempre, a perseguir um fim maior e, portanto, nunca podem ser tomados sem consideração do sistema ao qual pertencem e que, ao mesmo tempo, ajudam a conformar. É imperativa a interpretação sistemática de todos os princípios constitucionais. Trata-se, aliás, do entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal166. O mesmo fundamento constitucional embasa o art. 54 da Lei Antitruste: se os prejuízos concorrenciais forem superados pelos benefícios ali mencionados, a pratica será permitida e lícita, em virtude da autorização concedida pelo órgão antitruste. Neste trabalho, para fins da análise do sistema jurídico brasileiro, chamaremos de autorização o ato administrativo do órgão antitruste que, exercendo competência própria, permite conduta concorrencial restritiva (como, por exemplo, as autorizações concedidas pelo CADE, com apoio no art. 54 da Lei Antitruste). Já por isenção entendemos a licença para a prática anticoncorrencial constante, expressa ou implicitamente, de texto normativo.

Especificamente com relação ao resseguro, a experiência prática demonstra a

necessidade de que sejam firmados acordos de cooperação entre os próprios

resseguradores, dando origem aos chamados pools de resseguro167 e entre seguradores e

resseguradores.

166 ADIn 319-DF, rel. Min. Moreira Alves, julgada em 03.03.1993. O Supremo Tribunal Federal, noutra ocasião,

também se manifestou neste mesmo sentido: “O princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor”. (RE 349.686, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 14-6-05, DJ de 5-8-05).

167 Walter Polido esclarece que a subscrição dos riscos ambientais, em razão de sua elevada necessidade de lastro financeiro e expertise técnica, suscita a formação dos pools de resseguro, aos quais são notáveis as seguintes características: “Dentre as soluções encontradas por alguns países, desponta o pool de resseguro para a subscrição de riscos ambientais. A subscrição individualizada por Seguradora apresenta uma série de desvantagens, notadamente neste segmento de risco onde o fator "concorrência" parece ficar em segundo plano, face não só à alta exposição do mesmo, como também pelo fato de requerer investimentos na área de underwriting. A concessão de coberturas mais abrangentes e que vão além da tradicional poluição súbita/acidental, não pode prescindir da técnica adequada sob pena de total fracasso. O ressegurador internacional, com certeza, não apoiará iniciativas ousadas nessa área sem o devido respaldo técnico recomendável, até mesmo pelas experiências negativas já vivenciadas em outros países, em outras épocas. Diante de tais dificuldades, Seguradores e Resseguradores de outros países se alinharam na busca de soluções comuns. Neste sentido vários pools de Resseguro foram formados em alguns países da Europa – França, Itália, Holanda e mais recentemente na Espanha. Algumas vantagens na formação de um pool podem ser destacadas: maior capacidade de oferta de resseguro para os riscos inerentes; facilidade de subscrição de riscos e coberturas mais complexas – poluição gradual, por exemplo; representatividade política perante os Órgãos do Meio Ambiente e outros; maior possibilidade de compra de excessos de resseguro pelo pool; uniformização de estatísticas, disposições tarifárias, clausulados etc; minimização dos custos operacionais e administrativos na subscrição de riscos. (POLIDO, Walter. Seguro para Riscos Ambientais. São Paulo: RT, 2005, pp. 571/572).

89

Dois são os possíveis acordos a serem celebrados entre os resseguradores168: os

horizontais e os verticais. Nos acordos horizontais, também conhecidos como co-

resseguro169 ou pools de resseguradores, dois ou mais resseguradores se unem com o

propósito de, em conjunto, subscreverem determinado risco elevado que, isoladamente,

cada ressegurador não teria condições de subscrever.

Nos acordos verticais, as combinações são realizadas entre resseguradores e

seguradores, também visando o aumento da capacidade de subscrição.

O exame da finalidade desejada por cada acordo que venha a ser celebrado entre

os resseguradores determinará a sua licitude ou ilicitude. Cumpre frisar que ao se

unirem, sejam dois ou mais resseguradores ou resseguradores e seguradores, o produto

dessa oferta em conjunto provavelmente se traduzirá no oferecimento de garantias em

melhores condições, o que, em princípio, afigura-se positivo para os seguradores e para

os próprios segurados.

Convém ressaltar, todavia, que a concentração dessas empresas, dando origem à

formação de um poderoso grupo ressegurador, poderá resultar no exercício de posição

dominante sobre este mercado, representando, desta maneira, restrições à livre

concorrência170.

Rafael Brum Miron171, mencionando a regra da razão - rule of reason, inerente ao

antitruste nos EUA, o sistema de isenções, inerente ao antitruste no âmbito da

Comunidade Européia e o art. 54 da Lei 8.884/94, posiciona-se da mesma maneira que

Paula Forgioni.

168 O Regulamento nº. 358/03, da União Européia, disciplinou quais acordos entre resseguradores poderiam ser

admitidos. 169 A estrutura do co-resseguro assemelha-se bastante à estrutura do co-seguro, no qual, em linhas gerais, diversos

seguradores se reúnem para que, em conjunto, possam subscrever grandes riscos, sendo nomeado um segurador – o chamado líder – cuja responsabilidade será administrar essa contratação – art. 761, Código Civil. Ricardo Bechara dos Santos assim define o co-seguro: “Assim como o resseguro, o co-seguro é meio de pulverização dos riscos a que as seguradoras estejam vinculadas, eis que, não dispondo de capacidade técnica suficiente para assumir os riscos que lhe são postos, utilizam-se de tais mecanismos de aplicação universal para a sua distribuição, por isso são como que seguros múltiplos. (...) o denominado co-seguro puro, que se dá com o efetivo conhecimento do segurado, no qual um dos seguradores emite uma só apólice, em geral a líder e, logicamente, indica a participação de cada um dos co-seguradores. É a este co-seguro puro que parece referir-se o artigo em comento. A seguradora líder, nesse caso, segundo o Código, administrará o contrato, representará os demais co-seguradores no processo judicial ou administrativo.” (SANTOS, Ricardo Bechara dos. Direito de Seguro no Novo Código Civil e Legislação Própria. Rio de Janeiro: Forense, 2006, pp. 52/53).

170 RIBEIRO, Amadeu Carvalhes. Ob. cit., p. 182. 171 MIRON, Rafael Brum. O Direito da Concorrência como Instrumento de Defesa do Consumidor. In: Lei

Antitruste. 10 Anos de Combate ao Abuso de Poder Econômico. Coord. João Carlos de Carvalho Rocha et. alli. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, pp. 226/229.

90

A concentração empresarial, via de regra, causa prejuízos aos consumidores. Na medida em que acarreta a saída de um ou mais agentes econômicos do mercado, reduz as possibilidades de escolha aos consumidores, além de facilitar a cartelização e a busca de condutas uniformes pelas demais despesas. Existem traços positivos, contudo, que não devem ser desprezados. A criação do poder econômico privado acarreta maior capacidade de investir em tecnologia, redução dos riscos decorrentes de flutuações conjunturais, maior economicidade na produção e distribuição, entre outros fatores. Isso fez com que inúmeras legislações desenvolvessem formas de admitir a concentração, desde que respeitados alguns requisitos. Fala-se então em admissibilidade dos atos que limitam a concorrência. A aceitação desses atos segue uma característica fundamental da legislação antitruste, citada por Gérard Farjat, cujo art. 1º condenaria os atos atentatórios à concorrência e o artigo 2º admitiria tais atos. Em todo o mundo, muitos são os exemplos que seguem essa regra. Nos Estados Unidos, desenvolveu-se a regra da razão, a qual considera como ilícito apenas aquelas práticas que restrinjam a concorrência de forma não razoável. Na Europa, criou-se o sistema de isenções, nos temos do § 3º do artigo 85 do Tratado da Comunidade Européia. Por meio desse dispositivo, prevê-se a legitimação dos atos apenas após a concessão de isenções, se elas acarretarem a melhoria da produção ou distribuição de bens ou ainda o progresso técnico ou científico. No Brasil, a possibilidade de aceitação dos atos que “possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados de bens e serviços” encontra regramento no artigo 54 e seguintes da LA, competindo ao CADE, por meio de sua competência preventiva, a autorização de tais atos, desde que atendam a determinadas condições previstas em lei. Fazendo-se uma análise econômica da conduta, verifica-se a ocorrência de mais benefícios ou prejuízos de sua aceitação. Sua eficácia condiciona-se à aprovação, retroativa à data da efetivação, existindo verdadeira condição resolutiva no ato. Diversos requisitos devem ser considerados, em especial para o consumidor, os relativos à geração de eficiência e à distribuição eqüitativa dos benefícios. Além desses requisitos, dispostos no § 1º do art. 54 da LA, também o § 2º do mesmo artigo merece análise, posto que objetiva diretamente evitar prejuízos ao consumidor.

Nesse sentido, analisando casuisticamente os acordos que serão entabulados entre

resseguradores entre si, bem como entre resseguradores e seguradores, é que a regulação

deverá definir quais serão passíveis de reprimenda legal, por sua ilicitude e quais serão

permitidos, já que benéficos ao mercado. Indo ao encontro do raciocínio antes

sustentado por Paula Forgioni, caso os benefícios decorrentes da eventual conduta

lesiva à concorrência sejam, comparados aos prejuízos, positivos para o mercado

ressegurador como um todo, isto é, levando em consideração os seguradores e os

próprios segurados, deve-se entender pela licitude da mesma.

Com relação à competência para que sejam apuradas as condutas atentatórias à

livre concorrência, assim como se processa no âmbito do sistema financeiro nacional,

em que esta é exercida pelo Banco Central do Brasil, por força do que dispõe o art. 18, §

91

2º da Lei nº. 4.595, de 1964, cujo dispositivo preconiza que o BACEN “no exercício da

fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições

financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena nos termos desta lei”,

raciocina-se que em matéria de resseguro a competência deverá ser exercida pelo órgão

responsável pela sua regulação, possivelmente a Superintendência de Seguros Privados

– SUSEP ou agência reguladora independente que venha a ser criada com este

propósito.

Quanto aos eventuais conflitos de competência surgidos entre o Conselho

Administrativo de Defesa Econômica – CADE e o órgão regulador do mercado de

resseguros, convém observar as palavras de Paula Forgioni e de Eros Roberto Grau172,

tomando como base o sistema financeiro nacional e o eventual conflito de competência

existente entre o CADE e o Banco Central do Brasil - BACEN:

O setor financeiro é dotado de especificidades que devem necessariamente ser consideradas na definição da política de concorrência para esse segmento; a moldura dessa política está contida na Lei n. 4595, de 1964, que atribui várias competências ao BACEN, entre elas a de regular “as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena nos termos desta lei”, bem como analisar atos envolvendo concentração de instituições financeiras. Não é adequado falar-se em “competências concorrentes” entre o CADE e o BACEN para apreciação e aprovação das operações de alienação de controle acionário de instituições financeiras, porque a lei específica (Lei 4.595, de 1964) prevalece sobre a lei geral (Lei nº. 8.884, de 1994). O posicionamento do CADE é desprovido de fundamento e afronta a Constituição do Brasil. É plenamente possível que um texto normativo afaste a incidência da lei Antitruste sobre determinada prática. Se assim não fosse, como dissemos, os sindicados estariam sujeitos a penalidades impostas pelo CADE, porque impedem a concorrência entre os empregados na negociação com seus patrões. Da mesma forma, é plenamente possível que a competência para zelar pela concorrência em certo segmento da economia seja atribuída, por lei, a outro ente que não ao CADE, e a formatação desse modelo concorrencial siga os parâmetros de microssistema destacado da Lei n. 8.884, de 1994 (no caso, aqueles indicados na Lei n. 4595, de 1964)173.

172 FORGIONI, Paula e GRAU, Eros. CADE V. BACEN: Conflitos de competência entre autarquias. In: Lei

Antitruste – 10 anos de combate ao abuso de poder econômico. Belo Horizonte: Del Rey. Coordenador: João Carlos de Carvalho Rocha, pp. 115/116.

173 Na mesma linha, Paula A. Forgioni (ob. cit., pp. 162/164) afirma: “Embora não se trate propriamente de isenção antitruste, mas do tratamento legal dispensado a “setores especiais”, vale mencionar os casos em que o sistema atribui a competência para cuidar da competição em determinado setor da economia a órgão não integrante do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. As relações do setor portuário são bom exemplo, assim como as atividades das instituições financeiras. Não é facultado aos órgãos antitruste sobreporem-se ao ente competente, por lei, para cuidar da concorrência em específico setor da economia. Se o próprio ordenamento atribui esse poder a esses órgãos, às autoridades antitruste é defeso interferirem, extrapolando os limites legais de sua atuação. Frise-se bem: compete exclusivamente à autoridade legalmente investida de poder cuidar da concorrência no mercado específico”.

92

Por fim, quanto ao órgão investido da competência para regular o mercado

ressegurador, parece que este, em princípio, deveria ser a Superintendência de Seguros

Privados – SUSEP, cujas atribuições regulatórias do mercado segurador datam de sua

criação, ocorrida por intermédio do Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966.

Para que se possa formular conclusão como esta, torna-se necessário observar a

que órgão foi imbuída esta competência nos países visinhos ao Brasil, sejam estes

emergentes ou não. Na Argentina, por exemplo, a Superintendencia de Seguros de La

Nación concentra a regulação dos mercados segurador e ressegurador174, o mesmo se

passando com o Uruguai. Em diversos países integrantes da CE, a regulação do seguro e

do resseguro é realizada por entidades cujas funções são similares às exercidas pela

Superintendência de Seguros Privados - SUSEP175.

2.8 Os Benefícios Decorrentes da Abertura do Mercado Ressegurador Brasileiro:

Sedimentado o entendimento no sentido de que inexiste mais espaço à exploração

do resseguro em regime de monopólio, não resta dúvida de que a permanência desta

exploração monopolista traz malefícios para todos aqueles que atuam no mercado

segurador nacional, sejam segurados, sejam seguradores, sejam os próprios corretores

de seguros.

Amadeu Carvalhaes Ribeiro176, sintetizando, critica o monopólio do resseguro da

seguinte forma:

Atualmente o monopólio do IRB, ao invés de favorecer a atividade seguradora, prejudica-a. Entre os efeitos adversos do monopólio estão a redução da higidez do mercado, a limitação da capacidade técnica dos seguradores diretos e a diminuição do grau de concorrência entre estes, que por sua vez implica serviços mais caros e de pior qualidade aos consumidores.

A Revista do IRB nº. 300, de dezembro de 2005, publicou entrevista com o seu à

época Presidente, Marcos Lisboa, na qual, em linhas gerais, sustentou-se que o fim do 174 Conforme informações disponíveis em <http://www.mecon.gov.ar/onp/html/proy2006/jurent/pdf/P06E603.pdf>,

acessado em 21.10.2006. 175 Exercem funções similares às exercidas pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP as seguintes

entidades: 1) Superintendencia de Valores y Seguros, no Chile; 2) Superintendencia Bancária, na Colômbia; 3) Dirección General de Seguros, na Espanha; 4) State Insurance Regulators, nos Estados Unidos; 5) Instituto per la Vigilanza sulle Assicurazioni Private e de Interesse Colletivo, na Itália; 6) Supervisor de Seguros de Portugal; 7) La Commission de Controle des Assurances, na França.

176 RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Ob. cit., p. 174.

93

monopólio trará amplos benefícios à economia nacional, notadamente decorrentes do

lançamento de novos produtos, isto é, fruto do surgimento de inovações.

Da sua entrevista, convém conferir os trechos a seguir:

O mercado de seguros e resseguros é um mercado que vem se desenvolvendo enormemente nos últimos anos e a abertura trará, sem dúvida, mais benefícios. A maior competição nesse mercado é fundamental para a sua expansão. A abertura do mercado de resseguros no Brasil é uma perspectiva extremamente saudável, sobretudo para o desenvolvimento do mercado de seguros. A liberalização dos mercados permite uma relação mais íntima entre seguradoras e resseguradoras e estimula o lançamento de novos produtos177.

Benefícios decorrentes da introdução de novos produtos – novas coberturas para o

mercado segurador nacional – estariam intrinsecamente relacionados ao novo regime de

exploração deste setor, já que sob a égide do regime monopolista o Brasil encontra-se

em posição bastante obsoleta em comparação com os países que dispõem de mercados

resseguradores competitivos.

Por mais que tenha havido esforço do IRB, no sentido de oferecer melhores

coberturas para o mercado segurador nacional, fato é que a exploração em regime de

monopólio inviabiliza o ingresso de inovações regularmente disponibilizadas por

resseguradores estrangeiros mundo afora. Na entrevista antes mencionada178, Marcos

Lisboa acentuou esta deficiência por parte da estatal:

No geral, é uma avaliação bastante positiva, mas há um ponto que aparece com certa freqüência e que julgamos importante. Diz respeito à falta de capacidade de inovação de produtos. O mercado quer novos produtos que o IRB-Brasil Re não está com capacidade de entregar. E esta talvez seja a área em que o mercado brasileiro de seguros pode ser mais beneficiado pelo processo de abertura. A abertura favorece a inovação.

Observando a expressão “a abertura favorece a inovação”, utilizada no final da

transcrição acima, pode-se dizer que a aplicação da teoria da destruição criativa, de

Joseph Schumpeter, seria salutar para o resseguro no Brasil.

A destruição criativa é extremamente valorizada por Schumpeter, na medida em

que a sociedade evolui por seu intermédio. Neste exato sentido, confira-se o trecho

177 Revista do IRB. Entrevista Concedida por Marcos Lisboa. nº. 300, dezembro/2005, p. 9. 178 Idem, ob. cit., p. 10.

94

abaixo, extraído de artigo179 originalmente publicado na Revista Businessweek, de Gary

S. Becker, prêmio nobel de Economia em 1992:

Ainda que a capacidade de empreender seja um conceito difícil de definir, os economistas reconhecem sua importância desde a análise brilhante do desenvolvimento econômico feita pelo grande economista austríaco Joseph Schumpeter, na virada do século. Indivíduos com visão, dispostos a arriscar seu próprio dinheiro e o de outros investidores em novos produtos, são o motor que combina capital humano e físico, estimulando o crescimento econômico e o progresso. Um ambiente que favorece empreendimentos de sucesso tem como característica uma "destruição criativa" permanente, nos termos do próprio Schumpeter. Novas empresas prosperam e ajudam a economia em parte destruindo os mercados de concorrentes estabelecidos. Entre os exemplos podemos citar a concorrência feita aos telefones tradicionais pelo telefone celular, o corroído mercado dos pequenos varejistas de frutas e verduras, dada a maior eficiência dos supermercados, e o declínio acentuado do mercado de computadores da IBM após a introdução dos PC´s de rede pela Sun Microsystems e outras empresas. Países que protegem os mercados e rendas de empresas já existentes impedem a destruição criativa, tão essencial ao progresso (...).

Raciocinando de maneira Schumpeteriana acerca da flexibilização do monopólio

exercido pelo IRB, nota-se um cenário em que novos resseguradores, estrangeiros ou

nacionais, distinguir-se-ão da estatal brasileira por meio do lançamento de novos

produtos em melhores condições, isto é, com garantias estendidas, prêmios mais

acessíveis e períodos mais curtos com vistas à regulação dos sinistros existentes.

A conseqüência oriunda da introdução das inovações ao mercado ressegurador

nacional será a obtenção de vantagens competitivas por parte dos novos resseguradores

que, possivelmente, destruirão construtivamente a posição privilegiada atualmente

ocupada com exclusividade pelo IRB - Brasil Re.

Ainda com relação às vantagens decorrentes da abertura, Renato Macedo

Buranello180 afirma:

O principal aspecto que esse anteprojeto visa disciplinar é a abertura do mercado de resseguros, uma vez que tais restrições vêm prejudicando a concretização de investimentos que poderiam estar sendo realizados nesse setor, motivo pelo qual propõe-se a sua revogação e a introdução do regramento geral na atividade através de lei complementar. Nesse sentido, a abertura do mercado de resseguro contribuirá de forma significativa para o desenvolvimento do setor securitário local e, conseqüentemente, para o desenvolvimento econômico e social brasileiro. Entendemos que a possibilidade de instalação de novos resseguradores trará elementos

179 Disponível na Internet em <http://www.geocities.com/eureka/plaza/1713/desenv.htm>. Acessado em 20.12.2005. 180 BURANELLO, Renato Macedo. Ob. cit., pp. 49/50.

95

facilitadores para a ampliação da retenção nacional, o incremento da capacidade de subscrição das seguradoras e o aperfeiçoamento dos agentes econômicos envolvidos, ajudando, inclusive, a eliminar ineficiências hoje existentes que são importantes entraves ao desenvolvimento do mercado securitário nacional. A participação de novos agentes contribuirá para o aperfeiçoamento institucional, das seguradoras e dos próprios resseguradores locais, facilitando também a introdução de novos produtos. No mesmo sentido, a proposição almeja também criar condições para o desenvolvimento do mercado de resseguros nacional (...).

Assim sendo, constata-se que a abertura do resseguro nacional à livre

concorrência terá como conseqüência a introdução de diversas inovações, seja em

matéria de coberturas diferentes das atualmente oferecidas, em matéria de serviços mais

sofisticados inerentes à regulação de sinistros, elementos esses que, possivelmente,

motivarão uma redução tanto dos prêmios de seguro pagos pelos consumidores

(segurados), quanto dos prêmios de resseguro, pagos pelos seguradores.

A flexibilização do monopólio, no que concerne à globalização, favorecerá à

abertura do caminho para que haja uma maior integração dos mercados resseguradores

no âmbito do MERCOSUL. O mercado ressegurador argentino, por exemplo,

flexibilizou o seu monopólio desde o ano de 1992. Nesse exato sentido, convém

observar a posição de Eduardo R. Steinfeld181.

Hemos aludido a la actual libertad de contratación del reaseguro en nuestro país, en tanto que en Brasil subsiste un instituto oficial, aunque integrado por aseguradores privados, que detenta el monopolio del reaseguro. Esta es, pues, una de las importantes asimetrías por encarar y tratar de solucionar en el régimen del Mercosur182.

Outros benefícios também podem ser destacados, decorrentes do término do

monopólio. Neste novo cenário, haverá (i) liberdade para a negociação entre

seguradores nacionais e os resseguradores estrangeiros; (ii) impacto positivo do

resseguro no mercado segurador primário e, por certo, em toda a economia; (iii) oferta

mais ampla de produtos; (iv) diminuição dos preços dos prêmios praticados, fruto da

ampliação da concorrência; (v) fluxo de know-how (conhecimento), considerando que a

expertise dos resseguradores estrangeiros é consideravelmente superior à expertise

181 STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 186. 182 Em tradução livre do autor: “Temos mencionado a respeito da atual liberdade de contratação de resseguro no

nosso país, porém no Brasil ainda subsiste um instituto oficial, ao mesmo tempo composto por seguradores privados, que detém o monopólio do resseguro. Este é, pois, uma das importantes assimetrias para enfrentar e tratar de solucionar no regime do Mercosul”.

96

acumulada pelo corpo de técnicos do IRB-Brasil Re, seja pelo maior amadurecimento

dos resseguradores estrangeiros, seja até mesmo pelo tempo em que estes já vêm

exercendo as suas funções; (vi) com o mercado ressegurador aberto, raciocina-se no

sentido de que o Brasil, como um todo, tornar-se-á mais atrativo para o capital

estrangeiro, o que, na mesma direção, contribuiria para que seja melhorada a

classificação do risco do país.

Por esses motivos, nota-se que diversos serão os benefícios experimentados pela

economia nacional em razão da flexibilização do monopólio do resseguro. Desde 1988,

quando a livre concorrência foi erigida à condição de princípio da ordem econômica no

texto constitucional, passando por 1996, com a Emenda nº. 13, por 1999, com a Lei nº.

9.932, por 2003, com a Emenda nº. 40 e, por fim e mais recentemente, com o Projeto de

Lei Complementar nº. 249, de 2005, sancionado por José de Alencar, Presidente da

República em exercício em 15 de janeiro de 2007183, o país aguarda seja finalmente

eliminado o monopólio do resseguro exercido pela estatal brasileira, acontecimento este

que, com certeza, marcará uma nova etapa de desenvolvimento da economia nacional,

notadamente do mercado segurador e, por certo, do mercado ressegurador.

2.9 Conclusões Parciais

Demonstrou-se ao longo deste capítulo que o resseguro exerce atribuição

essencial para que o mercado segurador possa oferecer maiores e melhores garantias à

massa de segurados, sendo certo, também, que o seu oferecimento em regime de

monopólio não gera efeitos positivos nem sob a perspectiva da higidez econômico-

financeira, nem sob a perspectiva da livre iniciativa e da livre concorrência, muito

menos sob a perspectiva da cooperação, especialmente a horizontal, já que

absolutamente inexistente.

É com essas idéias que se conclui o presente capítulo, considerando estarem

reunidos os elementos necessários à transição do resseguro brasileiro do regime de

monopólio para o regime de livre concorrência.

183 Alencar sanciona abertura de resseguros. O vice-presidente José Alencar, em exercício da Presidência da

República, sanciona hoje a lei que abre o mercado de resseguros no Brasil. (Notícia disponível em <http://www.informes.org.br/Informesfixo.htm#07>, acessado em 15.01.2007).

97

Ao órgão responsável pela regulação deste novo mercado, possivelmente a

Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, caberá tomar a devida atenção aos

padrões de higidez econômico-financeira dos resseguradores locais e daqueles

resseguradores que pretendam instalar-se no país, seja na qualidade de eventuais, seja na

qualidade de admitidos. Caberá atenção especial, também, à livre concorrência, de

maneira que esta efetivamente seja observada por aqueles que estiverem atuando no

mercado ressegurador nacional, tornando-se plenamente cabíveis as medidas que visem

sancionar as condutas anti-concorrenciais.

Por fim, importará observar, também, os acordos de cooperação que,

possivelmente, serão entabulados pelos resseguradores entre si e por estes com os

seguradores. Caso os benefícios decorrentes destes acordos, em cotejo com os prejuízos

decorrentes de eventual conduta anti-competitiva, sejam maiores, isto é, caso o

propósito seja lícito, consubstanciado na obtenção de garantias mais estendidas, não

deverá haver restrição alguma à sua consecução; por outro lado, caso os prejuízos

superem os benefícios, caberá ao seu órgão regulador tomar as medidas necessárias a

evitar práticas desta natureza e/ou sancioná-las.

CAPÍTULO 3

DADOS PROVENIENTES DOS MERCADOS RESSEGURADORES

ARGENTINO, DA COMUNIDADE EUROPÉIA E DOS ESTADOS

UNIDOS DA AMÉRICA

3.1 Introdução

Considerando a recente flexibilização do monopólio do resseguro ocorrida no

Brasil, decorrente da sanção da Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007,

torna-se necessário trazer à colação elementos relacionados a alguns mercados

resseguradores que, há tempos, atuam sob o regime da livre-concorrência.

O primeiro mercado a ser examinado é o argentino que, em 1992, experimentou a

migração do regime monopolista estatal para o regime de livre concorrência. Os dados

colhidos durante a elaboração desta dissertação serão expostos com a finalidade de que

no Brasil, país igualmente integrante do MERCOSUL, não sejam cometidos os mesmos

equívocos que, reconhecidamente, foram cometidos no país vizinho, cujas

conseqüências foram o endividamento do ressegurador estatal – Instituto Nacional de

Reaseguros – IndeR, que culminaram com a sua extinção.

Adicionalmente, em razão de sua importância ante o oferecimento de coberturas

aos seguradores e resseguradores estabelecidos mundo afora, serão trazidos dados

relativos aos mercados resseguradores da Comunidade Européia e dos Estados Unidos

da América com os quais o Brasil, a partir do momento em que esteja, de fato, atuando

sob o regime da livre concorrência, relacionar-se-á diretamente, isto é, não mais sob a

intermediação do IRB-Brasil Resseguros S.A.

99

3.2 O Mercado de Resseguros na Argentina

Assim como o Brasil, a Argentina experimentou, ao longo dos anos 90, um

processo de modificação do papel do Estado. Diante da grave crise econômica em que

se encontrava mergulhada a economia, com altos índices inflacionários, o Governo de

Carlos Menem viu-se obrigado a tomar as medidas necessárias à redução da carga

inflacionária, visando equilibrar as finanças do Estado. Para isso, diversas estatais foram

privatizadas, havendo, também, sérios problemas com o câmbio, já que no Governo

anterior (Alfonsin) a paridade do peso e do dólar norte-americano havia onerado

gravemente as reservas do país184.

O ressegurador estatal monopolista argentino – Instituto Nacional de Reaseguros -

INdeR, assim como diversas outras empresas estatais, comprometeu-se com elevadas

dívidas, o que acabou culminando com o fim do regime de monopólio e, além disso, sua

liquidação pelo Governo argentino, consoante será comentado a seguir.

Nessa linha de idéias, considerando as semelhanças existentes entre as economias

argentina e brasileira, ambas marcadas pela trans

ição do regime ditatorial para o regime democrático ao longo do século XX, pela

conseqüente modificação das funções exercidas pelo Estado185, entende-se conveniente o

184 O Governo de Carlos Saúl Menem (1989-1999). Menem governou a Argentina entre 1989 e 1999. Seu primeiro

mandato começou em 1989, após vencer seu concorrente da União Cívica Radical por 15 pontos percentuais. Recebeu o governo em 8 de julho de 1989, com o país mergulhado no caos econômico e inflacionário iniciado no governo de Alfonsín. Durante seu primeiro mandato, Menem se concentrou em estabilizar a situação inflacionária do país. Para tanto, sancionou a Lei de Convertibilidade, impulsionada pelo seu ministro da economia Domingo Cavallo, que tinha o objetivo de equilibrar a equivalência entre o dólar e o peso argentino. Além disso, privatizou inúmeras empresas, abriu o mercado e firmou o Tratado de Assunção, que deu origem ao Mercosul, na intenção de formar um forte bloco econômico sul-americano e estabelecer um mercado comum entre seus membros. Com a reforma constitucional de 1994, Menem se lançou à reeleição em 1995, vencendo seu opositor - José Octavio Bordón, da FREPASO - com 20 pontos percentuais de diferença. O segundo mandato de Menem esteve caracterizado pelo aumento dos indicadores negativos, como o desemprego, a pobreza e o trabalho sem registro. Além disso a dívida externa aumentou em quase 82 bilhões de dólares. Estes problemas continuaram crescendo até a queda do sucessor de Menem, Fernando de la Rúa, em 2001. (Informações disponíveis em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_Argentina#Processo_de_Reorganiza.C3.A7.C3.A3o_Nacional_.281976-1983.29 >, acessado em 3.2.2007).

185 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo da Economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pp. 142/143, comenta a respeito das modificações do papel do Estado ocorridas em diversos países – Espanha, Inglaterra, França, Portugal, Coréia, Japão, Malásia, Tailândia, Filipinas e Hungria – sendo certo cada um desses países apresenta os motivos que influenciaram as modificações. “Na Espanha, por exemplo, a privatização foi fundada numa questão pragmática, que era a busca de uma maior eficiência no desempenho das empresas. (...) Já na Inglaterra, a privatização foi uma opção mais filosófica, consistente em definir que não cabe ao Estado produzir riqueza, gerar lucros e exercer atividades econômicas. Este papel deveria caber à iniciativa privada, que o faria com maior eficiência. Ao Estado cumpre zelar pelo bem-estar social dentro de um regime de liberdade ao particular. (...) O processo francês de privatização teve como uma de suas grandes preocupações democratizar o patrimônio público constituído pelas estatais, através de um sistema de venda pulverizada das suas ações, permitindo ao pequeno poupador particular influir na condução dos negócios do país. (...) Tinha-se em mente, também, dar vida ao setor privado como força motriz do crescimento econômico, retirando o Estado do setor

100

estudo da experiência argentina, notadamente no que se refere à evolução do seu

ressegurador estatal e ao regime de monopólio, haja vista as mudanças que se anunciam

para o resseguro no Brasil, sobretudo a partir da sanção da Lei Complementar nº. 126,

de 15 de janeiro de 2007.

3.2.1 Breve Panorama186

O marco inicial da história do resseguro na Argentina data do ano de 1947,

quando Juan Domingo Perón instituiu o Instituto Mixto de Reaseguros – IMAR, cuja

composição era igualmente dividida em duas partes, uma de titularidade do Governo, a

outra de titularidade das seguradoras argentinas privadas. Eduardo R. Steinfeld187

comenta que a forma utilizada para a constituição do IMAR atenuou o impacto

decorrente da sua implementação, na medida em que foi outorgado aos seguradores

privados o direito de participar de sua composição. Tempos depois, com a eliminação

do IMAR e sua substituição pelo Instituto Nacional de Reaseguros – INdeR, a

participação dos seguradores privados foi extirpada.

Las corrientes estatisticas en el seguro tuvieron su primera expresión en el reaseguro, con un ente de carácter monopólico. Su forma algo atenuada consistió en una empresa mixta constituida en 1948, el IMAR, en la cual la presencia de aseguradores privados locales (algunos de los cuales lo auspiciaron) no permitió al principio comprender que el camino elegido (el monopolio) sería nefasto al cabo del tiempo, tal como se encaminó en 1953

industrial competitivo. Em Portugal, a necessidade de privatização foi o financiamento do setor público e o emprego de recursos para sanar outras empresas públicas não privatizáveis, isto aliado a uma preparação, em termos de eficiência empresarial, para ingresso na Comunidade Econômica Européia. Na República da Coréia, a privatização foi utilizada como um mecanismo para melhorar a eficiência das empresas públicas, ao lado de um fortalecimento da autonomia gerencial. (...) No Japão, a inflação que assolou o país em virtude da 2ª Guerra Mundial (que gerou grandes despesas militares) e, depois, a Crise do Petróleo de 1973 (que elevou o custo de vida), resultaram na necessidade de redução de despesas financeiras do Governo, obtida através da privatização. Na Malásia, deixou-se de lado o entendimento (também reinante no Brasil dos anos 60) de que o papel crescente do Estado era uma resposta ao desenvolvimento econômico. A privatização foi utilizada como um meio de fortalecer o debilitado e quase inexistente setor privado, bem como para reduzir o desperdício e a inadequação dos setor público. O Plano de Desenvolvimento Econômico Tailandês foi calcado, basicamente, nos investimentos do setor privado e na presença do capital estrangeiro. Nas Filipinas, o programa de privatização que está sendo desenvolvido tem em vista obter uma fonte de dinheiro novo, capaz de financiar outros projetos e empreendimentos governamentais. Na Hungria, o objetivo da privatização foi descentralizar a econômica, retornando aos parâmetros traçados pelo mercado. Diante disso, as empresas estatais deixaram de ser subordinadas ao Governo, deslocando-se da hierarquia estatal para tornarem-se autocontroladas, permitindo-se, até mesmo, a alienação de seus ativos”.

186 Informações colhidas em artigo denominado ‘Argentina reforms reinsurance market’, por Jack. R. Perez. disponível na Internet em <www.amazon.com/exec/obidos/tg/stores/detail/-/ebooks/B000091WP8U/reviews/...>, acessado em 22.02.2006.

187 STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., pp. 206/207.

101

con su reemplazo por una empresa del Estado, el INdeR, que excluyó a los aseguradores privados188.

O principal objetivo colimado pelo Instituto Mixto de Reaseguros era exercer o

controle do resseguro na Argentina por intermédio da exploração em regime

monopolista, o que importava em ficar à frente de todos os negócios realizados naquele

país.

Em 1953, por força do que dispôs a Lei nº. 14.153, o Instituto Mixto de

Reaseguros – IMAR foi substituído pelo Instituto Nacional de Reaseguros – INdeR,

cujo capital era integralmente de titularidade do Governo, isto é, os seguradores

privados foram retirados de sua composição. O novo Instituto foi criado pelo Decreto

nº. 10.073, de 1953.

Particularmente, no que se refere à gradual saída dos seguradores privados da

composição do IMAR, Steinfeld189 afirma que este movimento decorreu do preço a ser

pago como forma de evitar a estatização integral do seguro na Argentina, dado ao

maciço intervencionismo estatal que prevalecia à época.

Por determinação legal, competia ao INdeR exercer o monopólio do resseguro. A

partir desse momento, a contratação deste negócio passou a ser realizada de duas

maneiras diferentes, dependendo da nacionalidade do segurador cedente. Fosse um

segurador nacional, seria compulsória a cessão de todos os excedentes ao INdeR, ao

passo que se o segurador fosse estrangeiro, possibilitava-se o repasse de parte do risco a

ser cedido via contrato de resseguro a resseguradores estrangeiros, estabelecidos fora da

Argentina.

Em 1989, a Resolução nº. 412, baixada pelo Ministério da Fazenda da Argentina,

ratificou a exigência de que os seguradores estrangeiros deveriam ceder pelo menos

30% dos seus excedentes ao INdeR, sendo certo que, com relação aos 70% restantes, as

determinações do monopolista argentino também deveriam ser obedecidas.

188 Em tradução livre do autor: “As correntes estatísticas no seguro tiveram sua primeira expressão no resseguro com

um ente de caráter monopólico. Sua formação foi, de certa maneira, atenuada, consistindo em uma empresa mista constituída em 1948, o IMAR, no qual a presença de seguradores privados locais (alguns dos quais o formaram) não permitiu, em princípio, compreender que o caminho escolhido (o monopólio) seria nefasto com o passar do tempo, tal como ocorreu em 1953 com sua substituição por uma empresa estatal, o INdeR, que excluiu os seguradores privados”.

189 STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 207.

102

Segundo Isaac Halperin190, os fins perseguidos pelo Instituto Nacional de

Reaseguros foram os seguintes:

Fines perseguidos con INDER – Los fines perseguidos con este monopolio son: a) crear un mercado asegurador argentino; b) eliminar la importación del servicio de reaseguro, con la conseguiente pérdida de divisas. La importación por el reaseguro del INDER en el exterior, se compensa con la exportación por él con la aceptación de reaseguros del exterior; c) mejor control de la conducta mercantil de los aseguradores, por el examen que resulta de lãs liquidaciones de siniestros191.

Na ótica de Halperin, a criação do INdeR traduzia, inicialmente, a necessidade de

que fosse amadurecido o mercado segurador argentino, ainda excessivamente

dependente dos resseguradores estrangeiros. Essa necessidade, em caráter exagerado,

importava na evasão de divisas ao exterior, já que os prêmios de resseguro eram todos

pagos aos resseguradores estrangeiros. No que se refere à regulação dos sinistros,

entendeu-se, também, que esta seria melhorada caso fosse realizada em território

argentino, por meio do órgão então criado com esta finalidade.

Steinfeld192 comenta que, em princípio, o próprio Governo argentino divulgava os

benefícios decorrentes da instituição do monopólio estatal do resseguro.

Desde luego que las razones invocadas para el monopolio resultaron a primeira vista positivas: economía de divisas (que siempre son escasas) al evitar su drenaje por la toma de reaseguros en el exterior (aunque no se consideró, según parece, que el reaseguro externo procede, inversamente, ingreso de divisas por su contribución a los siniestros que afrontan las reaseguradas). La concentración de reaseguros en el país debía provocar el vuelco de excedentes de retención del reaseguros único, via retrocesiones, a alimentar y ¿fortalecer? a los aseguradores locales, favorecíendo así el desarollo y el crecimiento del seguro nativo. Obviamente, este esquema concordaba con la política de economía cerrada y nacionalista que por largos años rigió en el país. Parecía que este monopolio armonizaba con la prohibición de asegurar directamente los riesgos locales en el exterior, que dispuso esa misma ley 12.988, quizá su único aspecto positivo. Pero no deve

190 HALPERIN, Isaac. Leciones de Seguros. Buenos Aires: Depalma, 1997, p. 120. 191 Em tradução livre do autor: “Objetivos perseguidos pelo INDER – As finalidades perseguidas com este

monopólio são: a) criar um mercado segurador argentino; b) eliminar a importação do serviço de resseguro, com a conseqüente perda de divizas. A importância do resseguro pelo INDER do exterior se compensa com a exportação pelo mesmo realizada com a aceitação de resseguros do exterior; c) melhor controle da conduta mercantil dos seguradores, ante o exame das liquidações dos sinistros”.

192 STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 207.

103

identificarse una política de fomento del seguro local con el cierre del mercado reasegurador que el monopolio impuso193.

Portanto, nota-se que com espírito nacionalista, com a expectativa de que o

monopólio seria benéfico para a economia argentina de maneira geral e,

particularmente, para o amadurecimento do seu mercado segurador, é que foi idealizada

e positivada a implementação do Instituto Nacional de Reaseguros – INdeR.

3.2.2 A Atuação do INdeR

Com o passar dos anos, ao invés de se identificar o crescimento e o

amadurecimento do mercado segurador argentino, percebia-se que a atuação do INdeR

não caminhava nesse sentido, A política de aceitação obrigatória de riscos,

independentemente das circunstâncias, causava sérios problemas ao mercado segurador

que, após esgotada a capacidade de retenção do Instituto, acabava recebendo, via

retrocessão, aqueles riscos ruins que, a toda evidência, não deveriam ter sido subscritos.

A atuação do ressegurador estatal, segundo as impressões de Isaac Halperin, não

havia permitido o fortalecimento das seguradoras argentinas, assim como não foi

determinante para o acúmulo considerável de divisas, exercendo, ao contrário, uma

perniciosa influência no mercado, em razão da aceitação de riscos sem seleção prévia.

Halperin acrescentou que o INdeR causou deformações ao mercado segurador

argentino, tornando difícil a sua recuperação194.

Em razão do monopólio e do conseqüente resseguro obrigatório, isto é, garantias

compulsórias, não importando a natureza dos riscos que seriam subscritos pelo

ressegurador, surgiram na Argentina, no período compreendido entre os anos de 1958 e

1961 mais de cem novos seguradores, cuja expertise técnica era questionável. O

193 Em tradução livre do autor: “Inicialmente, as razões invocadas para o monopólio apresentavam-se positivas:

economia de divisas (que sempre são escassas) ao evitar sua evasão ante à realização do resseguro no exterior (devendo se considerar, ainda, que o resseguro externo procede, inversamente, o ingresso de divisas por sua contribuição aos sinistros que afrontam as resseguradas). A concentração de resseguros no país deveria provocar o retorno dos excedentes de retenção do ressegurador único, por intermédio de retrocessões, o que alimentaria e fortaleceria os seguradores locais, favorecendo o desenvolvimento e crescimento do seguro local. Obviamente, este esquema se alinhava com a política de economia fechada e nacionalista que por muitos anos caracterizou o país. Parecia que o monopólio se harmonizava com a proibição de assegurar diretamente os riscos locais no exterior, o que era disposto nessa mesma lei 12.988, quiçá seu único aspecto positivo. Mas, não se deve identificar uma política de fomento do seguro local com um mercado ressegurador que o monopólio impôs”.

194 HALPERIN, Isaac. Apud STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 211.

104

mercado, em razão da característica ora comentada, viveu um excesso de oferta,

absolutamente vinculada à garantia obrigatória concedida pelo INdeR.

A economia argentina, como um todo, particularmente na década de 1980,

apresentou um cenário de inflação alta, recessão e desemprego, ao passo que ano após

ano as conseqüências decorrentes da exploração do resseguro em regime de monopólio

se agravavam, sobretudo em virtude do endividamento do INdeR.

O à época Presidente da Argentina, Carlos Menem, enfrentou sérias dificuldades

decorrentes das dívidas contraídas pelo INdeR. Estima-se que estas gravitavam em

torno de 200 a 400 milhões de dólares norte-americanos, não havendo como precisar o

montante do débito em virtude da estatal ter apresentado a sua documentação contábil

pela última vez no ano de 1986195.

Tornando-se insustentável a situação, o Decreto nº. 171, de 21 de janeiro de 1992,

determinou a liquidação do Instituto Nacional de Reaseguros – INdeR, eliminando, em

definitivo, o monopólio estatal sobre o resseguro na Argentina, tendo sido transferidas

as suas atribuições regulatórias à Superintendencia de Seguros de la Nación - SSN 196.

Àqueles seguradores que se instalaram no mercado segurador argentino valendo-

se das garantias oferecidas pelo ressegurador monopolista, restaram as dificuldades e as

indagações concernentes a como se daria o prosseguimento de suas funções num

mercado em que, legalmente, não mais existiria a exploração em regime de monopólio.

Eduardo R. Steinfeld197, a este propósito, afirma:

Esta degradación técnica y la falta del ejercicio de desenvolverse en el âmbito natural de la libertad contractual convencional impulso en algunos casos, cuando se cayó el monopolio en marzo de 1992, que alguns aseguradores, los sanos y correctos pero nacidos (o desarollados) en las décadas del monopolio, me expressaran en sus consultas la preocupación que lês producía tener que

195 PEREZ, Jack. R. Ob. cit., p. 5. STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 215: “En los tres ejercicios precedentes al

decreto de su disolución a comienzos de 1992, el INdeR no presentó balances, al mismo tiempo que algunos de los interventores designados por el Ministerio de Economía y la Sindicatura de Empresas Públicas informaran sobre su irreversible proceso de insolvencia, desencadenado en los años anteriores”. Em tradução livre do autor: “Nos três exercícios que precederam o decreto de sua liquidação, no início de 1992, o INdeR não apresentou balancetes, ao mesmo tempo em que alguns dos interventores designados pelo Ministério da Economia e a Sindicância de Empresas Públicas informaram sobre a irreversibilidade do seu processo de insolvência, desencadeado nos anos anteriores”.

196 A transferência de atribuições regulatórias do INdeR para a Superintendencia de Seguros de la Nación – SSN encontra um paralelo, no Brasil, com o que foi desenhado pela Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1999, notadamente destinada a cuidar da transferência das atribuições regulatórias do IRB para a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP. A Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 20067, por sua vez, não fez menção à SUSEP como destinatária das atribuições regulatórias do IRB. Neste, apenas há menção à expressão “órgão regulador de seguros” em seu artigo 2º.

197 STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., p. 214.

105

actuar en un nuevo âmbito de libertad de reaseguro que desconocían y con reaseguradores externos más rigurosos198.

Os elementos ora apresentados, relativos ao resseguro na Argentina,

demonstraram que a eliminação do monopólio estatal decorreu de um quadro

insustentável de endividamento por parte do INdeR, aliado à dependência crescente por

parte dos seguradores cedentes que ficavam absolutamente vinculados às garantias

obrigatórias disponibilizadas pelo ressegurador estatal.

Nessa linha de idéias, a migração do regime monopolista para o regime de livre

concorrência foi realizada de maneira abrupta, como forma de evitar ainda maiores

perdas seja para o próprio Governo argentino, já que a empresa estatal encontrava-se em

situação delicadíssima, seja para os seguradores que, ante à compulsoriedade, traduzida

pelas coberturas obrigatórias oferecidas pelo ressegurador estatal, acostumaram-se ao

oferecimento de condições utópicas para a contratação de resseguro, que jamais seriam

oferecidas em condições habituais, características ao regime de livre concorrência e

livre iniciativa.

Neste particular, convém comentar que recursos públicos que poderiam ter sido

destinados a necessidades básicas da população – assistência à saúde, segurança

pública, saneamento básico e educação – acabaram destinados à cobertura de

deficiências motivadas por um regime de exploração do resseguro – espécie de

atividade econômica – cujo desenvolvimento deveria ter sido reservado à iniciativa

privada.

Os elementos ora apresentados revelam que a exploração monopolista foi

duplamente ruim, seja para o próprio Estado que, ao invés de auferir resultados

positivos, endividou-se, seja para o mercado segurador – seguradoras, segurados

(empresariado, pessoas físicas) e corretores de seguros, cujas expectativas de que

houvesse o seu amadurecimento e fortalecimento foram absolutamente contrariadas.

3.2.3 A Exploração do Resseguro em Regime de Livre Concorrência

198 Em tradução livre do autor: “Esta degradação técnica e a falta de exercício para desenvolver-se naturalmente, no

âmbito da liberdade contratual convencional impulsionou em alguns casos, quando foi extinto o monopólio em Março de 1992, que alguns seguradores, sãos e corretos, porém nascidos ou desenvolvidos durante as décadas do monopólio, me expressaram em suas consultas a preocupação que lhes ocorria por terem que atuar num novo âmbito de liberdade quanto ao resseguro, que lhes era desconhecido, e com resseguradores externos mais rigorosos”.

106

Após a promulgação do Decreto nº. 171, em janeiro de 1992, tornou-se livre a

contratação de resseguro no exterior. A título ilustrativo, convém esclarecer que a Lei

16.426, de outubro de 1993, tratou da flexibilização do monopólio do resseguro até

então exercido no Uruguai pelo Banco de Seguros Del Estado. Por meio deste Diploma

Legal, foi criada a Superintendencia de Seguros y Reaseguros¸ à qual foram transferidas

as atribuições fiscalizatórias até então exercidas pelo Banco de Seguros Del Estado.

Andréa Signorino Barbat199, explica os passos necessários à instalação de

resseguradores estrangeiros no Uruguai:

En relación a la actividad reaseguradora, ya hemos destacado que la Ley 16.426, establece los requisitos que deben cumplir las compañías reaseguradoras para instalarse como tales en el territorio nacional, equiparando su situacinón a la de las empresas aseguradoras que soliciten operar en el país, tal como hemos visto al detallar el procedimiento de autorización y habilitación para operar. Es así que el artículo 2º de la Ley, se exige la autorización del Poder Ejecutivo y en su artículo 7º , la habilitación de la Superintendencia de Seguros y Reaseguros, que tiene potestades de supervisión y fiscalización también sobre las empresas reaseguradoras200.

Retomando a atenção ao reseguro na Argentina, com o esvaziamento completo

das atribuições exercidas pelo INdeR, seja no que se refere à contratação de resseguro,

seja no que se refere à elaboração de atos normativos a isto relacionados, a competência

para normatização passou a ser de titularidade da Superintendencia de Seguros de la

Nación – SSN.

Convém registrar, por oportuno, que durante o período em que o INdeR foi se

endividando, agravando a sua própria situação e a situação do mercado segurador, a

referida autarquia – SSN – omitiu-se em seu papel de controlar a ruína que se

anunciava.

Eduardo R. Steinfeld201 critica, pontualmente, a omissão da SSN:

199 BARBAT, Andrea Signorino. Regulación jurídica actual de la actividad aseguradora y reaseguradora en el

Uruguay. Revista de la Facultad de Derecho, nº 14, p. 77. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1998.

200 Em tradução livre do autor: “Em relação à atividade resseguradora, já destacamos que a Lei 16.426 estabelece os requisitos que devem cumprir as companhias resseguradoras para se instalarem como tais no território nacional, equiparando a sua situação a das empresas seguradoras que solicitem operar no país, assim como vimos ao detalhar o procedimento de autorização e habilitação para operar. É assim que o artigo 2º da Lei, exige-se a autorização do Poder Executivo e em seu artigo 7º, a habilitação da Superintendência de Seguros e Resseguros, que têm poderes de supervisão e fiscalização também sobre as empresas resseguradoras”.

201 STEINFELD, Eduardo R. Ob. cit., pp. 215/216.

107

En virtud del artículo 1º de la ley 20.091, el INdeR, aún como reasegurador único del mercado, se hallaba sometido al control de la Superintendencia de Seguros de la Nación. Si hubiera sido una instituición privada, dadas las circunstancias indicadas, la Superintendencia debió haberle suspendido la autorización para operar y disponer su liquidación de acuerdo con su ley. Tratándose en el caso de una empresa estatal, esto último debió requerírselo al Poder Ejecutivo Nacional. Nada de eso hizo la Superintendencia de Seguros; asistió silenciosamente a una insolvencia que estaba afectando gravemente la economía de todas las empresas aseguradoras locales dependientes de esse reaseguro y cuya solvencia debía custodiar el Superintendente202.

Portanto, com a devida parcela de responsabilidade em razão de sua omissão203, o

INdeR sucumbiu e entrou em regime de liquidação à conta do Estado, marcando o

início de uma nova fase para o resseguro na Argentina, à qual seria característica a livre

concorrência.

David Andrés Halperin204, em estudo exclusivamente dedicado à responsabilidade

da SSN em virtude de sua omissão fiscalizatória, critica com rigor a conduta passiva da

mesma, acrescentando que, caso sejam comprovados prejuízos decorrentes desta

conduta omissiva, isto é, o nexo causal entre os prejuízos reclamados e a omissão

constatada, surgirá o dever indenizatório por parte do Estado:

8. Responsabilidad por omisión en la actividad de contralor de la Superintendencia de Seguros de La Nación. Ya destacamos que las atribuiciones otorgadas por la ley 20.091 a la Superintendencia de Seguros de la Nación constituyen una manifestación de la actividad de policía de la Administración. También, que el ejercicio de la competência atribuída a ella constituye una obligación del órgano. Y se acentua ésta, teniendo en cuenta la especialidad técnica del mismo, a la luz de la normativa aplicable, que así lo

202 Em tradução livre do autor: “Em virtude do artigo 1º da Lei 20.091, o INdeR, como ressegurador único do

mercado, achava-se submetido ao controle da Superintendência de Seguros da Nação. Caso fosse uma instituição privada, dadas as circunstâncias indicadas a Superintendência deveria ter suspendido a autorização para sua operação e ter determinado a sua liquidação de acordo com a Lei. Tratando-se, no caso, de uma empresa estatal, esta última deveria ter requerido a suspensão de suas atividades ao Poder Executivo. Nada disto foi feito pela Superintendência de Seguros, que assistiu silenciosamente a uma insolvência que estava afetando gravemente a economia de todas as empresas seguradoras locais, dependentes deste resseguro e cuja solvência deveria cuidar a Superintendência”.

203 WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade Civil das Agências Reguladoras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 119 e ss., sustenta a possibilidade de que haja responsabilização das agências reguladoras por conduta omissiva, no que pertine ao seu dever fiscalizatório. “Ao se cogitar da possibilidade de responsabilização civil da Agência Reguladora por ausência de fiscalização, não se pode deixar de concordar com ALBERTO B. BIANCHI quando assevera que “Entramos aqui en el punto más específico de la responsabilidad de los entes reguladores, pues atañe a su propria finalidad como tales, a las razones de su creación”. O jurista argentino citado afirma ainda que “La misión de los entes, en síntesis, es vigilar que el servicio o la actividad a cargo de sus regulados sea prestada en las condiciones que fijan las normas contractuales, reglamentarias y legales aplicadas”. MARÇAL JUSTEN FILHO também conclui que a fiscalização relaciona-se com o poder-dever do Estado de acompanhar a atuação dos concessionários, não apenas com a continuidade e eficiência dos serviços, mas também se orienta a assegurar a solvência e idoneidade do concessionário, destacando que para o usuário o concessionário atua como se fosse o próprio Estado”.

204 HALPERIN, David Andrés. Estúdios de Derecho Público Del Seguro. Buenos Aires: Depalma, 2000, p. 121.

108

exige. Por esto, la omisión en el ejercicio de la actividad de polícia por parte de la autoridad de control, causante de un perjuicio a un particular, genera responsabilidad del Estado205.

Com relação às atribuições regulatórias assumidas pela Superintendencia de

Seguros de la Nación – SSN, destaca-se, por sua relevância, sobretudo considerando a

atividade econômica a regular, qual seja, o resseguro, o controle a ser exercido sobre a

higidez econômico-financeira dos resseguradores.

Orlando Hugo Alfano206 destaca essa característica:

A propósito de salvaguardar esas bases técnicas aplicadas a grandes masas de riesgos que el asegurador no puede retener por la relatividad de su capacidad economica, resulta indispensable proceder a la homogeneización de aquellos mediante el reaseguro, lo cual conlleva a la protección internacional de la institución. Dado la trascendencia e importancia que reviste tal cometido para las economías locales e la necesidad de proteger a los asegurados por la compleja naturaleza del instituto, se impone reglamentar adecuadamente esa actividad, ejerciendo el Estado un estricto control de sua exploración, al igual do lo que ocurre por análogas razones respecto de otras actividades, tales la bancaria y las que desarrollan a través del mercado bursátil y previsional. Em nuestro país, a semejanza de muchos otros, la supervisión de la actividad está a cargo del Estado por médio de un organismo con atribuiciones especificas creado al efecto, dotado de poder de polícia, denominado Superintendencia de Seguros. Su misión esencial es la de controlar adecuadamente el systema y proteger los derechos del asegurado, en salvaguardia primordialmente de la fé pública y de la estabilidad del mercado asegurador. El modo de llevar adelante ese labor, consiste en centrar su accionar en dos tipos de controles: técnico orientado a mantener la solvencia de la empresa y el jurídico atinente a la equidad de los elementos técnicos y contractuales. Para ello debe establecer normas claras, estrictamente necesarias y cumplimiento posible, a fin de que no sean transgredidas207.

205 Em tradução livre do autor: “8. Responsabilidade por omissão na atividade de controlador da Superintendência de

Seguros da Nação. Já destacamos que as atribuições outorgadas pela Lei 20.091 à Superintendência de Seguros da Nação constituem uma manifestação da atividade de polícia da administração. Também, que o exercício da competência a ela atribuída constitui uma obrigação do órgão. E esta se acentua considerando a especialidade técnica da mesma, à luz das normas aplicáveis, que assim lhe exige. Por isso, a omissão no exercício da atividade de polícia por parte da autoridade de controle, que cause prejuízo a um particular, gera responsabilidade do Estado”.

206 ALFANO, Orlando Hugo. El Control de Seguros Y Reaseguros. Natureza Y Alcance. Buenos Aires: La Ley, 2000, pp. 1/2.

207 Em tradução livre do autor: “Visando salvaguardar essas bases técnicas, aplicadas a grandes massas de riscos que o segurador pode subscrever diante das limitações de sua capacidade econômica, torna-se indispensável proceder à homogeneização mediante o resseguro, que determina a proteção internacional da instituição. Em virtude da sua transcendência e importância para a economia local e à necessidade de proteger os segurados, impõe-se regular adequadamente essa atividades, exercendo o Estado em estrito controle de sua exploração, assim como ocorre com outras atividades, assim como a bancária, as que se desenvolvem por meio do mercado bursátil e de previdência. No nosso país, à semelhança de muitos outros, a supervisão da atividade esta a cargo do Estado, por meio de um organismo com atribuições específicas, provido de poder de polícia, chamado Superintendência de Seguros. Sua missão essencial é a de controlar adequadamente o sistema e proteger os direitos do segurado, zelando, primordialmente, pela fé pública e pela estabilidade do mercado segurador. O modo de levar adiante essa tarefa consiste em centrar sua atuação em dois tipos de controles: técnico, orientado a manter a solvência da

109

Alfano explica que o controle é exercido pela SSN sob duas vertentes: (i) técnica,

cujo propósito é zelar pela regularidade financeira dos resseguradores; (ii) jurídica, cujo

propósito é zelar pela eqüidade dos elementos técnicos e contratuais, o que compreende

a obrigação de que sejam emitidas normas claras, objetivas e de cumprimento possível,

a fim de evitar as inobservâncias.

3.2.4 As Atribuições Regulatórias

Traçando um paralelo entre o resseguro na Argentina e no Brasil, cumpre destacar

que a partir do momento em que foi criado o INdeR suas atribuições regulatórias

identificaram-se de maneira marcante com as atribuições do IRB - Brasil Re, enquanto

ressegurador monopolista.

No Brasil, por intermédio das Normas Gerais de Resseguro e Retrocessão –

NGRR, a estatal brasileira editava os atos normativos208 exercendo, portanto, função

normativa regulatória, que norteia a atuação de todos aqueles que tenham participação

no setor de resseguros (seguradores e corretores de resseguro, por exemplo). Na

Argentina, também por meio da edição de atos normativos o INdeR atuava basicamente

da mesma maneira.

Quanto à função judicante, o Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, também

conferia ao IRB-Brasil Re competência para sancionar as seguradoras que cometessem

infrações na qualidade de co-seguradoras, resseguradas e retrocessionárias209. No que

concerne a esta competência, Marcos Juruena Villela Souto210 explica que os atos

empresa e o jurídico, atinente à equidade dos elementos técnicos e contratuais. Para isso deve estabelecer normas claras, estritamente necessárias e de cumprimento possível, para que não sejam contrariadas”.

208 A competência para a edição de atos normativos em matéria de resseguro, co-seguro e retrocessão foi outorgada ao IRB - Brasil Re por força do que dispôs o art. 44, inciso I, letra a, do Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966: Art. 44. Compete ao IRB: I – Na qualidade de órgão regulador do cosseguro, resseguro e retrocessão: a) elaborar e expedir normas reguladoras de cosseguro, resseguro e retrocessão. Anote-se que este dispositivo foi revogado pelo art. 31 da Lei Complementar nº. 126 de 15.01.2007. Comentários relativos à impossibilidade de que o IRB, na condição de competidor, permanecesse exercendo a regulação normativa serão apresentados no quarto capítulo desta dissertação.

209 A competência para punir as sociedades seguradoras tinha previsão no art. 44, inciso I, letra e, também revogado pelo art. 31 da Lei Complementar nº. 126 de 15.01.2007. Art. 44. Compete ao IRB: I – Na qualidade de órgão regulador do cosseguro, resseguro e retrocessão: e) impor penalidade às Sociedades Seguradoras por infrações cometidas na qualidade de cosseguradoras, resseguradas ou retrocessionárias.

210 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Função Regulatória. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet em <http://www.direitopublico.com.br>, acessado em 3 de março de 2006.

110

regulatórios que consistem na aplicação de penalidades aos agentes envolvidos num

segmento regulado representam a terceira etapa da atividade regulatória, qual seja, a

regulação judicante, que sucede a regulação normativa e a regulação executiva.

Os atos regulatórios que fixam tarifas, que aprovam reajustes, que aplicam penalidades aos agentes envolvidos num segmento regulado representam a terceira etapa da atividade regulatória (a primeira, a regulação normativa; a segunda, regulação executiva): a regulação judicante, que tem por objetivo a solução de conflitos entre os agentes, mais uma vez buscando o equilíbrio entre os envolvidos. Essa função judicante já vinha sendo normalmente desenvolvida no âmbito da administração pública (os conselhos de contribuintes, os conselhos de recursos de servidores públicos) que funcionam de forma inquisitorial, ou seja, aos olhos das partes envolvidas, a Administração é, a um só tempo, julgadora e parte no processo. (...).

Quanto à função executiva regulatória, em decorrência da exploração em regime

de monopólio, estas não eram exercidas nem pelo INdeR nem são exercidas pelo IRB –

Brasil Re.

Extrai-se do exposto que o monopólio do resseguro na Argentina resultou no

endividamento do Estado, decorrente do colapso financeiro pelo qual passou o INdeR.

A flexibilização do monopólio, ocorrida em 1992, deflagrou-se diante de um

contexto em que não mais havia opção para o Governo, que não dispunha de condições

para continuar subsidiando o ressegurador oficial, cujas operações, ao invés de

alimentarem o mercado segurador daquele país, o asfixiaram.

A experiência brasileira colhida a partir da exploração do resseguro em regime de

monopólio não se caracterizou pelo endividamento que marcou o ressegurador estatal

argentino. Ao contrário, os resultados do IRB apresentados no segundo capítulo desta

dissertação, tendo como base os anos 90, espelham o crescimento dos seus índices, fruto

do desenvolvimento da economia nacional.

Como traços distintivos entre os dois resseguradores – IRB e INdeR – pode-se

afirmar que a crise econômica que assolou a Argentina entre os anos 80 e 90 teve

contornos realmente muito significativos, sendo correto afirmar que apenas no governo

do Presidente Nestor Kirschner a economia portenha reagiu e voltou a apresentar

índices demonstrativos de crescimento.

Com efeito, diante de tão grave crise econômica, não havia condições para que o

resseguro, como típica atividade econômica – estivesse absolutamente imune a todos os

111

problemas experimentados pelo país. O monopólio desta atividade, nesse particular, foi

ainda mais prejudicial já que, consoante se expôs, as coberturas obrigatórias oferecidas

a todos os seguradores funcionaram como um círculo vicioso, na medida em que,

independentemente das circunstâncias, fossem os riscos bons ou ruins, haveria a

subscrição dos mesmos pelo ressegurador estatal.

A economia brasileira, neste mesmo período, sob o Governo Fernando Henrique

Cardoso, alcançou como grande conquista o controle dos índices inflacionários e a

estabilidade da moeda, o que propiciou um ambiente favorável ao desenvolvimento do

país e, consequentemente, para o mercado segurador, diretamente vinculado ao

ressegurador estatal.

Das experiências acumuladas pelo ressegurador argentino – INdeR, caberá ao

Estado brasileiro, na qualidade de controlador do IRB – Brasil Re – extrair a lição, no

sentido de avaliar a necessidade e a conveniência de permanecer desenvolvendo tão

específica e complexa atividade econômica a partir de 15 de janeiro de 2007, por força

da sanção da Lei Complementar nº. 126, em regime de livre concorrência, ou, por outro

lado, se esta atividade deverá ser exclusivamente reservada à iniciativa privada211.

3.3 O Mercado de Resseguro na Comunidade Econômica Européia

Anteriormente à criação da Comunidade Econômica Européia – CEE, ocorrida em

1957 por força do que dispôs o Tratado de Roma212, a regulação do resseguro era

realizada de forma individualizada por cada país integrante do continente europeu, isto

é, para que um ressegurador britânico, por exemplo, pudesse atuar na Itália, careceria de

autorização a ser concedida pela autoridade italiana para tanto.

211 Os comentários concernentes à desestatização ou não do IRB – Brasil Resseguros S.A. após a flexibilização do

monopólio foram realizados no quarto capítulo desta dissertação. 212 O Tratado de Roma foi assinado em 25 de março de 1957, instituindo a Comunidade Econômica Européia (CEE)

e a Comunidade Européia da Energia Atômica (Euratom), prevendo também a criação do Mercado Comum Europeu a partir do dia 1º de Janeiro de 1958. A assinatura deste tratado representou o culminar de um processo surgido após a Segunda Guerra Mundial, que deixou a Europa destruída economicamente e politicamente, além de submetida às duas potências militares: Estados Unidos da América e União Soviética. O Tratado de Roma foi modificado, sucessivamente, pelos seguintes documentos: 1) Ato Único Europeu, assinado em Luxemburgo, em vigor a partir de 1º de Julho de 1986; 2) Tratado de Maastricht, em vigor a partir de 1º. de novembro de 1992. Este tratado institui a União Européia; 3) Tratado de Amsterdam, em vigor a partir de 1º. de Maio de 1997, modificando o Tratado sobre a União Européia, os tratados instituindo as Comunidades Européias e certos atos ligados a estes; 4) Tratado de Nice, em vigor a partir de 1º de Fevereiro de 2000; 5) Tratado de Roma de 2004, igualmente chamado de ‘Tratado estabelecendo uma Constituição para a Europa’, assinado em 29 de Outubro de 2004 pelos chefes de Estado membros da União Européia. A entrada em vigor deste Tratado ainda não é certa, conseqüência da sua rejeição, por referendo, pela França e pelos chamados países baixos – Holanda, em 2005.

112

Em linhas gerais, o desenvolvimento do resseguro subordinado à concessão de

autorizações individualizadas, a serem outorgadas por cada país, ficava fragilizado.

Como um reflexo dos esforços para romper as barreiras comerciais entre os

Estados membros, foi estabelecido um sistema de liberdades, isto é, convencionou-se

que a regulação exercida em cada país deveria ser mais flexível, amenizando as

restrições anteriormente comentadas, notadamente decorrentes da obrigatoriedade de

que fosse obtida uma licença em cada país no qual se desejasse contratar o resseguro.

Wallace Hsin-Chun Wang213, em obra específica a respeito da regulação do

resseguro na União Européia e no Reino Unido, apresenta os seguintes comentários a

respeito do sistema de liberdades voltado à implementação do resseguro no continente

europeu:

Regulation of Reinsurers in the European Union and the United Kingdom. The reinsurance markets in the European Union have become highly internationalised and less heavilly regulated than the direct insurance business. As a result, introducing ‘the right to freedom of establishment’ within the European Community / European Union was rather straight forward in the case of reinsurance operations while the first tentative EC moves towards ‘the single market’ were taken in the so called reinsurance directive on the freedom of establishment and service (1964). The adoption of the First Insurance Directive on freedom of establishment and freedom to provide reinsurance and retrocession services abolished all restrictions on establishment and provision of service relating to reinsurance. Reinsurers established in the European Union, therefore, have not only the right to freedom of establishment, but also the legal right to supply their service across national EU country borders, in both cases subject to their complying with the host´s domestic rules applicable to reinsurers214.

Buscava-se na Europa uma harmonização das normas aplicáveis ao resseguro, de

modo que não mais se fizesse necessária a obtenção de autorizações diferentes para

atuação regular em cada país membro.

213 WANG, Wallace Hsin-Chun. Reinsurance Regulation: a Contemporary and Comparative Study. London:

Kluwer Law International, 2003, p. 29. 214 Em tradução livre do autor: “Regulação de Resseguradores na União Européia e no Reino Unido. Os mercados de

resseguro na União Européia têm se tornado altamente internacionalizados e menos intensamente regulados do que o mercado segurador. Como resultado, a introdução do direito à liberdade para o estabelecimento dentro da Comunidade Européia / EU estava muito mais focada nas operações de resseguro, atualmente, do que quando da primeira tentativa empreendida para a criação de um mercado único, na chamada diretiva de resseguro para a liberdade de estabelecimento e serviço (1964). A adoção da primeira diretiva de seguro quanto à liberdade para o estabelecimento e liberdade para o oferecimento de resseguro e retrocessão aboliu todas as restrições no estabelecimento e provisão do serviço relativo ao resseguro; resseguradores estabelecidos na EU, por assim dizer, tem não apenas direito à liberdade para estabelecimento, mas também o direito para fornecer o serviço por toda a EU, em ambos os casos sujeitos à obediência para as normas domésticas aplicáveis aos resseguradores”.

113

Nessa mesma linha de raciocínio, convém observar as palavras de Patrick Devine

e Andrew Crouchman215:

Initiatives are underway in Europe to create, for the first time, a pan-European regulatory framework for reinsurers with the ambition that it will be adopted as a global model. For the first time in the history of Europe’s integrated single insurance market, two powerful insurance associations, the British and German, have got together to promote pan-European regulation of the reinsurance sector “with a view to encouraging discussion on an EU-wide, and possibly worldwide framework intended to improve reinsurance security and allow the introduction of a single passport for reinsurers based on common standards”. The jointly produced “Draft Framework for an European Regime for the Supervision of Cross Border Reinsurance” is understood to have the support of both the Financial Services Authority in the UK and the Comité Europénne des Assurances and is being taken seriously by the European Comission. It is also under review by a technical sub-committee of the International Association of Insurance Supervisors (IAIS). (…) At the EU level the key objective is to provide European Reinsurers with a single European passport and “home state” control of the type long enjoyed by their direct insurance counterparts. This would allow EU reinsurers to trade throughout the European Community under one license, whether through branches or by way of freedom of services. Such a regime would logically involve the removal of other barriers to free trade in reinsurance in Europe including the obligation to maintain local deposits and restrictive reserving requirements under national rules, and would allow European regulators to develop a coordinated approach to reinsurance security. At the international level the ambition is to create a co-ordinated international regulatory structure under witch the world’s reinsurers will, through mutual recognition of their licences, be able to trade globally without having to comply with the uncoordinated regulatory demands of national and regional authorities216.

Entre outros elementos, o comentado sistema único de regulação, desenvolvido

pelas Associações de Seguros britânica e alemã, está centrado numa estrutura que visa a

215 DEVINE, Patrick e CROCHMAN, Andrew. European Reinsurance Regulation: A Global Model?. Global

Reinsurance Magazine, November 2000, pp. 1/5. 216 Em tradução livre do autor: “Na Europa, iniciativas estão a caminho para criar, pela primeira vez, uma regulação

para todos os resseguradores europeus, com a ambição de que esta será adotada como um modelo global. Pela primeira vez na história do mercado segurador europeu, duas poderosas associações de seguros, a britânica e a alemã, reuniram-se para promover a regulação européia do setor de resseguro, “com uma visão encorajadora para a discussão em toda a Europa e, possivelmente, em âmbito mundial, visando implementar segurança para o resseguro mediante a introdução de um passaporte único para resseguradores estabelecidos em condições padrão” A Associação produziu o trabalho chamado “Resumo para a Regulação do Resseguro além das fronteiras” visando suportar tanto os serviços financeiros no Reino Unido quanto o do Comitê Europeu dos Seguros. O trabalho está também sob a supervisão da Comissão Européia da Associação Internacional da Seguros (IAIS). (…) No nível europeu, o objetivo principal é promover a regulação na Europa com apenas um passaporte europeu. Isso possibilitaria que resseguradores europeus pudessem negociar por toda a CE, com apenas uma licença, ao invés de somente por filiais ou através de serviços gratuitos. Um regime como este iria, logicamente, envolver a remoção de outros obstáculos para o livre comércio no resseguro na Europa, incluindo a obrigação de manter depósitos locais e de manter restrições às reservas atendendo a regras nacionais, além do que permitiriam que reguladores europeus desenvolvessem uma aproximação coordenada da segurança no resseguro. No nível internacional, a ambição é por criar uma estrutura de regulação coordenada mediante a qual, através de mútuos reconhecimentos das licenças, seria possível negociar globalmente sem ter que se subordinar a normas regulatórias não coordenadas, por parte de autoridades nacionais e regionais”.

114

globalização dos riscos e a convergência de mecanismos de transferência dos mesmos,

com o propósito de que seja criado um regime internacional, capaz de proporcionar

estabilidade em mercados internacionais, fruto do estabelecimento de medidas

regulatórias parelhas, harmônicas, independentemente dos diferentes Estados em que

serão aplicadas.

Com isso, busca-se que na Comunidade Econômica Européia, nos Estados

Unidos, nos países emergentes, tais como China, Índia, países estabelecidos no Leste

Asiático e na América Latina, sejam adotadas regras harmônicas em matéria de

regulação do resseguro, sobretudo em razão do caráter internacional inerente às

coberturas pelo mesmo oferecidas217.

No que se refere aos critérios utilizados para regular o mercado de resseguro na

Comunidade Européia, observam-se os seguintes aspectos:

(i) Análise do capital ressegurado e da margem de solvência;

(ii) Avaliação de ativos dos resseguradores;

(iii) Elaboração periódica de relatórios contendo informações a respeito dos

maiores resseguradores e dos maiores seguradores cedentes218.

Justamente nessa linha de idéias é que foi promulgada a Diretiva 2005/68/CE, de

16 de novembro de 2005, disciplinando o resseguro na Comunidade Européia.

De seus “considerandos”, cumpre reproduzir aquele que vai mais ao encontro da

proposta segundo a qual todos os países integrantes da CE devem exigir apenas uma

autorização administrativa para o estabelecimento de resseguradores em seus territórios:

(10) Conseqüentemente, o acesso à atividade resseguradora e o seu exercício ficam sujeitos à concessão de uma autorização administrativa única, emitida pelas autoridades competentes do Estado-Membro no qual se situa a administração central da empresa de resseguros. Esta autorização permite que a empresa desenvolva a sua atividade em toda a Comunidade, quer em regime de liberdade de estabelecimento, quer em regime de livre prestação de serviços. O Estado-Membro da sucursal ou aquele em que é efetuada a livre prestação de serviços deixa de poder exigir uma nova autorização às empresas de resseguros que desejem exercer naquele território a sua atividade resseguradora e que já tenham sido autorizadas no Estado-Membro. Além disso, uma empresa de resseguros que já tenha sido autorizada no seu Estado-

217 A recorrente utilização dos usos e costumes internacionais em matéria de resseguro será objeto de análise detida

no quarto capítulo desta dissertação. 218 WANG, Wallace Hsin-Chun. Ob. cit., p. 33.

115

Membro de origem não deve estar sujeita à supervisão ou verificações suplementares relacionadas à sua solidez financeira, realizadas pelas autoridades competentes do Estado-Membro de uma empresa de seguros que por ela seja ressegurada. Além disso, os Estados-Membros não devem poder exigir que uma empresa de resseguros autorizada na Comunidade afete ativos com vista a representar a sua parte das provisões técnicas da empresa cedente. As condições de concessão ou de revogação daquela devem ser definidas. As autoridades competentes não devem autorizar ou renovar a autorização de uma empresa de resseguros que não cumpra as condições estabelecidas na presente diretiva.

Com relação à solidez financeira, a diretriz apresenta diversos comentários,

destacando que incumbe às autoridades competentes do Estado-Membro de origem da

empresa de resseguros assegurar o seu controle219. Esclarece que deverá haver troca de

informações entre essas autoridades para que seja reforçada a estabilidade do sistema220;

quanto à velocidade com que deverão ser prestadas as informações contábeis relevantes,

concernentes à estabilidade dos resseguradores, pontua que deverá ser extremamente

ágil, para que, em havendo necessidade, seja possível às autoridades competentes tomar

as medidas necessárias221; obrigatoriedade de que estas autoridades possam exigir que os

resseguradores constituam provisões técnicas adequadas222 e, ainda, que os

219 Considerando 15. “A presente diretiva clarifica os poderes e meios de supervisão das autoridades competentes.

Incumbe às autoridades competentes do Estado-Membro de origem da empresa de resseguros assegurar o controle da respectiva solidez financeira, nomeadamente no que respeita à sua situação de solvência, à constituição das provisões técnicas e reservas de compensação suficientes e à representação dessas provisões e reservas por ativos de elevada qualidade”.

220 Considerando 18. “Deve ser prevista a troca de informações entre as autoridades competentes e as autoridades ou organismos que, pelas suas funções, contribuam para o reforço da estabilidade do sistema financeiro. Para preservar o caráter confidencial das informações transmitidas, a lista dos destinatários das informações deve ser restrita. É, por conseguinte, necessário prever as condições em que devem ser autorizadas as trocas de informações acima referidas; além disso, sempre que se preveja que só podem ser divulgadas informações com o acordo explícito das autoridades competentes, estas podem eventualmente subordinar o seu acordo à observância de condições restritas. Relativamente a este aspecto e tendo em conta garantir a adequada supervisão das empresas de resseguros por parte das autoridades competentes, a presente diretiva prevê regras que permitem aos Estados-Membros celebrar acordos de troca de informações com países terceiros desde que as informações prestadas estejam sujeitas a garantias adequadas de sigilo profissional”.

221 Considerando 19. “A fim de reforçar a supervisão prudencial das empresas de resseguros, é necessário prever uma disposição segundo a qual os auditores devem informar rapidamente as autoridades competentes sempre que, nos casos previstos na presente diretiva, tenham conhecimento, no exercício das suas funções, de determinados fatos suscetíveis de afetar gravemente a situação financeira ou a organização administrativa e contabilística de uma empresa de resseguros. Tendo em conta o objetivo a atingir, é desejável que os Estados-Membros determinem que tal obrigação é aplicável sempre que esses fatos sejam verificados por um auditor no exercício das suas funções numa empresa que tenha relações estreitas com a empresa de resseguros. A obrigação de, quando for caso disso, os auditores comunicarem às autoridades competentes determinados fatos e decisões relativos a uma empresa de resseguros detectados no exercício das suas funções numa empresa que não seja de resseguros não altera a natureza das suas funções nessa empresa nem a forma como nela devem desempenhar as respectivas funções”.

222 Considerando 21. “A fim de permitir que as empresas de resseguros cumpram os seus compromissos, o Estado-Membro de origem deve exigir-lhes que constituam provisões técnicas adequadas. O montante dessas provisões técnicas deve ser determinado nos termos da Diretiva 91/674/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1991, relativa às contas anuais e às contas consolidadas das empresas de seguros e, no que diz respeito às atividades de resseguro de vida, o Estado-Membro de origem pode igualmente ser autorizado a estabelecer regras mais específicas em conformidade com a Diretiva 2002/83/CE”.

116

resseguradores deverão dispor, além das provisões técnicas ordinárias, de reservas

técnicas complementares, denominadas “margem de solvência”, representada por ativos

livres223.

Ainda com relação à diretriz, vale dizer que está é completa, isto é, aborda

diversas questões necessárias à organização do mercado ressegurador na CE, como, por

exemplo, o seu âmbito de aplicação, a referida autorização, a recusa à sua concessão e

revogação, autoridades competentes e regras gerais, acordos de cooperação com países

não integrantes do bloco, funções dos auditores, constituição de provisões técnicas,

margens de solvência exigidas e empresas de resseguro em dificuldade ou em situação

irregular.

Examinados esses elementos, pode-se concluir que o mercado ressegurador

europeu organizou-se de modo a traçar normas comuns a todos os seus países membros.

A autorização, consoante se expôs, representa a condição necessária para a atuação de

resseguradores em toda a Comunidade Européia, bastando a concessão por um Estado-

membro para que o ressegurador autorizado possa atuar por toda a CE.

No que concerne à regulação propriamente dita, nota-se a preocupação detida com

a solidez financeira dos resseguradores, o que foi objeto de diversos dispositivos

constantes da Diretriz 2005/68/CE, de 16 de novembro de 2005.

Portanto, considerando os principais pilares sobre os quais a regulação do

resseguro foi erguida na Comunidade Econômica Européia, quais sejam, (i) análise do

capital ressegurado e da margem de solvência, (ii) avaliação de ativos dos

resseguradores e (iii) elaboração periódica de relatórios contendo informações a respeito

dos maiores resseguradores e dos maiores seguradores cedentes, entende-se que a

regulação no Brasil não poderá destoar desse norte.

Reconhecidamente, a Comunidade Européia, mais precisamente o mercado

ressegurador Londrino e o conhecido sindicato dos seguradores e resseguradores –

223 Considerando 24. “É necessário que as empresas de resseguro disponham, para além das provisões técnicas, de

uma reserva complementar denominada margem de solvência, representada por ativos livres e, mediante acordo da autoridade competente, por outros elementos implícitos do seu ativo, que sirva de margem de segurança contra flutuações econômicas desfavoráveis. Este requisito é um elemento importante do sistema de supervisão prudencial. Na pendência de revisão do atual regime de margem de solvência que a Comissão está a realizar no âmbito do denominado “Projeto Solvência II”, devem aplicar-se, na determinação da margem de solvência exigida para as empresas de resseguros, as regras previstas na atual legislação no domínio do seguro direto”.

117

Lloyd´s, de Londres, exercem papel importante para o resseguro em âmbito mundial,

em decorrência das coberturas oferecidas224.

Nessa linha de idéias, raciocina-se no sentido de que o mercado brasileiro, em fase

de abertura, deverá orientar-se a partir dos referidos pilares, como forma de alinhar-se

ao que já vem sendo praticado há tempos pelo mercado ressegurador da Comunidade

Européia, que se encontra amparado em bases sólidas e confiáveis.

Com relação à concessão da autorização administrativa para que um ressegurador

possa atuar no país que a concedeu e nos demais países integrantes da CE, entende-se

que caberá à autoridade reguladora brasileira, num esforço conjunto com as demais

autoridades reguladoras integrantes do MERCOSUL, trabalharem nesta mesma direção,

o que, com efeito, poderá gerar ganhos ao ressegurador brasileiro, considerado o maior

da América Latina225, ante à disputa e possível conquista de novos mercados

seguradores, ainda inexplorados.

3.4 O Mercado de Resseguro dos Estados Unidos da América – EUA

Desde 1945, cada Estado integrante dos EUA apresentava disciplinas diferentes

para a regulação do seguro e do resseguro, ou seja, para que seguradores e

resseguradores pudessem exercer as suas atividades deveriam ser observadas normas

diferentes, conforme fosse o Estado em que estivessem atuando.

O interesse pela padronização das normas inerentes à regulação fez com que, já

em 1871, fosse criada a – Nacional Association of Insurance Commissioners226 - NAIC.

224 “O Lloyd's é o principal mercado especializado em seguros do mundo. Possui 44 agentes e 62 sindicatos, que

oferecem uma incomparável concentração de subscrição especializada. Lloyd's é a marca de seguro mais conhecida do mundo, mas provavelmente a menos compreendida. Isto porque o Lloyd's não é uma companhia de seguros, mas uma sociedade de pessoas, tanto físicas quanto jurídicas, que subscreve em sindicatos, cujos profissionais de seguros aceitam ou não riscos. O capital de lastro é fornecido por instituições de investimento, investidores especializados, companhias de seguro internacionais e por indivíduos. Os corretores do Lloyd's levam os negócios ao mercado. Os riscos colocados nos underwriters originam-se de clientes, de outros corretores e intermediários, de todas as partes do mundo. Juntos, os sindicatos tornam o Lloyd’s um dos maiores Seguradores / Resseguradores do mundo. A estrutura do mercado incentiva inovação, rapidez e valorização, sendo assim, atrativa para os segurados. O acesso imediato aos responsáveis pelas decisões significa que as respostas sobre a aceitação dos riscos são rápidas, permitindo ao corretor fornecer soluções rápidas e de qualidade”. Informações disponíveis em <http://www.ascunhabueno.com.br/htmls/resseguro/quemsomos/lloyds.htm>. Acessado em 3.2.2007. Para maiores informações recomenda-se o acesso a <http://www.lloyds.com/>, sítio oficial do Lloyd´s of London. Acessado em 3.2.2007.

225 Informações disponíveis na Revista do IRB nº. 301, julho – 2006. 226 Disponível na Internet em <http://www.naic.org/>, acessado em 04 de março de 2006.

118

Mesmo não dispondo de autoridade para normatizar diretamente os

resseguradores estabelecidos nos diversos Estados do país, fato é que a NAIC foi bem

sucedida em sua tarefa de fazer com que suas normas passassem a ser observadas227.

As principais vertentes sobre as quais incide a regulação do resseguro nos EUA

são as seguintes:

(i) Condução dos negócios de resseguro mediante autorização: o primeiro

passo a ser trilhado para que um ressegurador possa atuar livremente no

território norte-americano consiste na obtenção de autorização em seu

estado de origem. Após a sua obtenção, em regra haverá liberdade para que

este ofereça coberturas ressecuritárias tanto em seu Estado de origem quanto

em outros Estados.

(ii) Restrições à retenção de riscos: é comum restringir a capacidade de retenção

de riscos por pare dos seguradores cedentes, a fim de evitar exposição

excessiva de sua capacidade patrimonial na hipótese de ocorrência de

sinistro de grandes proporções228.

(iii) Os contratos de resseguro celebrados pelos seguradores cedentes: a

regulação do resseguro nos EUA está essencialmente focada nas coberturas

ressecuritárias obtidas pelos seguradores. A contratação de uma cobertura

proveniente do resseguro somente é considerada como um ativo ou como

uma redução de reserva técnica quando o resseguro é oferecido por aquele

que tenha autorização para atuar no Estado em que foi realizado o negócio;

à hipótese de a cobertura ser oferecida por um ressegurador que tenha filial

nos EUA, haverá necessidade de que este submeta sua documentação

contábil à conferência das autoridades competentes; o ressegurador deverá

manter sólidas aplicações financeiras em instituição financeira norte-

americana reconhecida.

(iv) Regulação do conteúdo dos contratos de resseguro: diferentemente do que

se sucede com os contratos de seguro, nos quais há intensa regulação por

parte das autoridades estabelecidas nos diversos Estados dos EUA, no

contrato de resseguro inexiste regulação incisiva sobre o conteúdo dos 227 WANG, Wallace Hsin-Chun. Ob. cit., p. 35. 228 WANG, Wallace Hsin-Chun. Ob. cit., p. 36.

119

contratos. Por outro lado, seja em razão da especificidade, seja em razão da

complexidade e, além disso, considerando que as coberturas ressecuritárias

deverão, em última instância, trazer benefícios aos próprios segurados, as

autoridades regulatórias do resseguro nos EUA costumam obrigar a inserção

de três cláusulas nos contratos celebrados, quais sejam: 1ª) Insolvency

clause (cláusula de insolvência), que importa na impossibilidade de que o

ressegurador se exima de suas responsabilidades caso o segurador primário

torne-se insolvente; (2ª) Service of process clause (cláusulas de

representação processual), cujo significado é o de que caberá ao

ressegurador dispor de um representante nos EUA que atue em nome do

mesmo; (3ª) Intermediary clause (cláusula de intermediação), estipulando

que o intermediário é um agente do ressegurador com o objetivo de receber

e pagar quantias229.

Portanto, nota-se tanto na Comunidade Européia quanto nos EUA uma

preocupação com a harmonização das normas relativas à regulação do resseguro,

sobretudo visando facilitar a atuação dos seus resseguradores em âmbito internacional e,

havendo possibilidade, não só no continente europeu ou no continente americano, mas

em âmbito mundial. Quanto ao mercado ressegurador norte-americano, convém

esclarecer que, não obstante a realização da regulação com nuances distintas de Estado

para Estado, o papel da NAIC – National Association of Insurance Commissioners –

consiste em, justamente, buscar uma padronização dos aspectos regulados, zelando por:

(i) proteção ao interesse público, (ii) promoção da concorrência no mercado, (iii)

tratamento justo e igualitário aos consumidores, (iv) solvência dos seguradores e (v)

apoio e desenvolvimento da regulação230.

Com relação à atenção dispensada às cláusulas inseridas nos contratos de

resseguro, especificamente quanto à cláusula de insolvência (insolvency clause), esta

merece um comentário mais detido na medida em que se presta à efetiva oferta de

garantia ao segurado, na hipótese em que venha a ocorrer a insolvência do segurador.

Em regra, ante à inexistência de relação jurídica entre segurado e ressegurador, não

229 WANG, Wallace Hsin-Chun. Ob. cit., p. 37. 230 Trata-se da missão da National Association of Insurance Comissioners, disponível em

http://www.naic.org/index_about.htm, acessado em 11.01.2007.

120

haveria, sob o ponto de vista estritamente técnico, condições para que o segurado

obtivesse a garantia devida diretamente do ressegurador. A inserção obrigatória da

mencionada cláusula de insolvência presta-se justamente para evitar que com a

insolvência do segurador primário o segurado venha a ser sacrificado, podendo-se valer,

numa situação como esta, de iniciativa a ser diretamente tomada contra o

ressegurador231.

A preocupação dedicada às margens de solvência, isto é, à higidez econômico-

financeira dos resseguradores, assim como na CE, também é objeto de atenção pelo

mercado ressegurador norte-americano que, inclusive, exige sólidas aplicações em

instituições financeiras reconhecidamente saudáveis.

Especificamente no que concerne à atenção dedicada às margens de solvência dos

seguradores e dos resseguradores, o mercado norte-americano experimentou ao longo

dos tempos três momentos marcantes. O primeiro sucedeu-se ainda no século XIX,

justamente porque praticamente inexistia a preocupação com a higidez econômico-

financeira. A oferta de coberturas a preços baixos, aliada à aceitação de riscos ruins, isto

é, suscetíveis a sinistros de grandes proporções, colocou o mercado numa situação

muito delicada, o que motivou a preocupação estatal para que se iniciasse a regulação.

O segundo momento foi marcado por um julgamento realizado pela Suprema

Corte dos EUA, ocorrido em 1914, numa demanda movida por German Alliance

Insurance Company contra Lewis, em que, de maneira inovadora para os padrões da

época, aquela Corte decidiu que a regulação da atividade seguradora estava relacionada

com o interesse público.

O terceiro momento ocorreu já na década de 80, podendo ser explicado da

seguinte maneira: seduzidos pelos altos rendimentos pagos pelo mercado financeiro,

231 A cláusula de insolvência (insolvency clause) remete ao estudo da cláusula cut through, assim definida por

Saavedra e Perucchi: “De acuerdo a los textos más difundidos, se trata de una cláusula que se inserta en el contrato de seguro – pero que afecta al reaseguro – por la que asegurado, asegurador y reasegurador convienen que entre el primero y el tercero existan ciertas relaciones contractuales directas, de las que surgen, a su vez, determinados derechos y oblicaciones. Forzoso es reconocer que se trata de una cláusula que rompe con un principio muy arraigado en el Derecho de Seguros y en el de Reaseguros, cual es que el asegurado es ajeno al contrato de reaseguro – existente o no, válido o nulo – y que el asegurador cedente es el único y verdadero deudor frente a aquél”. Em tradução livre do autor: “De acordo com os textos mais difundidos, trata-se de uma cláusula que se insere no contrato de seguro, mas que afeta o contrato de resseguro, pela qual o segurado, segurador e ressegurador convencionam que entre o primeiro e o terceiro existam certas relações contratuais diretas, das quais surgem, por sua vez, determinados direitos e obrigações. Forçoso é reconhecer que se trata de uma cláusula que rompe com um princípio muito arraigado no Direito de Seguros e no de Resseguros, qual seja, de que o segurado é alheio ao contrato de resseguro, existente ou não, válido ou nulo, e que o segurador cedente é o único e verdadeiro devedor frente àquele”. (SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. El Contrato de Reaseguro y Temas de Responsabilidad Civil y Seguros. Buenos Aires: La Ley, 1999, p. 65).

121

sobretudo, decorrentes dos altos juros praticados nos idos dos anos 70, os seguradores

resolveram direcionar as suas reservas de capitais para aplicações no mercado

financeiro. Para que pudessem captar mais recursos e, conseqüentemente, investir mais,

aceitaram riscos de quaisquer naturezas, inclusive riscos ruins, deixando num segundo

plano a operação securitária propriamente dita.

Nos anos 80, as taxas de juros começaram a baixar de maneira vertiginosa, ou

seja, o retorno decorrente das aplicações também começou a declinar, o que motivou a

necessidade de que as preocupações se voltassem especificamente para as operações de

seguros propriamente ditas, não às operações financeiras. Nesta ocasião, a aceitação de

quaisquer riscos fez com que os seguradores sentissem dificuldades em administrar as

suas reservas técnicas frente aos sinistros ocorridos232. A opção pelas operações

financeiras em detrimento das operações securitárias ficou conhecida como cash flow

underwriting, ou, “subscrição de fluxo de caixa”, e colocou o mercado numa grave

crise.

Portanto, analisando os três momentos acima identificados, nota-se que as

experiências vividas nos EUA tornaram claríssima a necessidade de que os mercados

segurador e ressegurador fossem regulados, já que estavam intrinsecamente

relacionados ao interesse público.

Cumpre atentar, ainda, à importância destinada pelas autoridades competentes às

restrições impostas aos seguradores, objetivando que estes não subscrevessem riscos

que excedessem suas capacidades de retenção, evitando-se, dessa maneira, problemas

potenciais em sua origem.

3.5 Conclusões Parciais

À luz dos dados acima observados, nota-se a importância de que a regulação do

resseguro no Brasil, assim como se procede nos EUA e na Comunidade Européia,

dedique-se ao controle da higidez econômico-financeira dos resseguradores e que

também evite a retenção de riscos em patamares exagerados por parte dos seguradores

232 As informações pertinentes aos três momentos nos quais a regulação do mercado segurador nos EUA se fez

necessária foram colhidas em Direito de Seguros – Resseguro, Seguro Direto e Distribuição de Serviços, de Amadeu Carvalhaes Ribeiro. São Paulo: Atlas, pp. 95/96.

122

cedentes, tudo com o propósito de que o mercado possa desenvolver-se livre da

insolvência de seus agentes.

A inserção das cláusulas de insolvência, de representação e de intermediação,

características aos mercado ressegurador dos EUA, também soa adequada à realidade

que será experimentada pelo mercado ressegurador nacional, considerando que,

mediante o ingresso de resseguradores estrangeiros, sejam estes admitidos ou

eventuais233, convém facilitar ao máximo as medidas que, ocasionalmente, precisarão ser

tomadas em relação aos mesmos pelos seguradores estabelecidos no país e pela própria

autoridade reguladora, sejam estas medidas de cunho administrativo ou comercial,

sejam medidas de cunho judicial.

Além disto, os dados relacionados à concessão de autorização administrativa

única para a atuação de resseguradores por toda a Comunidade Européia, se aplicados

ao mercado ressegurador nacional, soam adequados a uma maior integração dos países

integrantes do MERCOSUL, o quê, consoante exposto, poderá ser extremamente

positivo para o IRB – Brasil Resseguros S.A.

233 As definições para os resseguradores admitidos e eventuais, assim como aos resseguradores locais foram

colocadas no art. 4º. da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007. “Art. 4o As operações de resseguro e retrocessão podem ser realizadas com os seguintes tipos de resseguradores: I - ressegurador local: ressegurador sediado no País constituído sob a forma de sociedade anônima, tendo por objeto exclusivo a realização de operações de resseguro e retrocessão; II - ressegurador admitido: ressegurador sediado no exterior, com escritório de representação no País, que, atendendo às exigências previstas nesta Lei Complementar e nas normas aplicáveis à atividade de resseguro e retrocessão, tenha sido cadastrado como tal no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão; e III - ressegurador eventual: empresa resseguradora estrangeira sediada no exterior sem escritório de representação no País que, atendendo às exigências previstas nesta Lei Complementar e nas normas aplicáveis à atividade de resseguro e retrocessão, tenha sido cadastrada como tal no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão. Parágrafo único. É vedado o cadastro a que se refere o inciso III do caput deste artigo de empresas estrangeiras sediadas em paraísos fiscais, assim considerados países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% (vinte por cento) ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade”.

CAPÍTULO 4

HAVERIA UM AMBIENTE PROPÍCIO À AUTO-REGULAÇÃO DO

MERCADO RESSEGURADOR BRASILEIRO?

AS FUNÇÕES A SEREM EXERCIDAS PELO IRB – BRASIL

RESSEGUROS S.A.

4.1 Introdução

Higidez econômico-financeira, livre concorrência e cooperação. Estabelecidos os

três principais alicerces sobre os quais deverá ser erguido o mercado ressegurador

brasileiro e, além disso, sobre os quais a regulação a ser exercida pela autoridade

competente deverá centrar suas energias, formulam-se, a partir disto, interessantes

indagações:

(i) O mercado ressegurador brasileiro reuniria as condições suficientes para que

pudesse ser auto-regulado?

(ii) Neste hipotético ambiente, em que haveria auto-regulação, qual seria a

função do IRB - Brasil Resseguros S.A? Cogitar-se-ia novamente acerca de

sua desestatização?

(iii) Ao IRB deixariam de ser imputadas atribuições regulatórias?

(iv) A competição com os demais resseguradores em atividade no país seria

realizada em igualdade de condições?

Visando trazer considerações que permitam facilitar a formulação das respostas a

essas indagações, em primeiro lugar será enfocada a discussão relativa à auto-regulação

do mercado ressegurador brasileiro, reservando-se, para um segundo momento, a

discussão concernente às possíveis funções a serem exercidas pelo IRB. Cumpre

esclarecer que antes de discutir propriamente a auto-regulação, será enfocada a

124

regulação a ser realizada por autoridade independente, o que se entende como um

antecedente necessário à efetivação da auto-regulação no mercado ressegurador

brasileiro.

Apenas no que concerne à desestatização234 do IRB, convém lembrar que o

Decreto nº. 2.423, de 16 de dezembro de 1997, incluiu a resseguradora no Programa

Nacional de Desestatização – PND. Após terem sido frustrados os respectivos leilões de

venda235, no ano 2.000 o Partido dos Trabalhadores – PT propôs a Ação Direta de

234 Utilizou-se o termo desestatização considerando que, em relação ao termo privatização, aquela é gênero, ao passo

que esta é espécie, ao lado de diversas outras formas utilizadas para que o Estado diminua a sua envergadura no que toca ao exercício de atividades econômicas e de serviços públicos. Marcos Juruena Villela Souto, em Direito Administrativo da Economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 147, conceitua desestatização como sendo “a retirada da presença do Estado de atividades reservadas constitucionalmente à iniciativa privada (princípio da livre iniciativa) ou de setores em que ela possa atuar com maior eficiência (princípio da economicidade); é o gênero, do qual são espécies a privatização, a concessão, a permissão, a terceirização e a gestão associada de funções públicas”.

235 Início do Processo de Privatização - fevereiro de 1998. Em 9 de fevereiro de 1998, foi publicado o aviso de licitação para a escolha dos dois consórcios responsáveis pela avaliação econômico-financeira do IRB-Brasil Re. Cronograma de Privatização - janeiro de 1999. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulga o cronograma de privatização do IRB-Brasil Re em janeiro de 1999, com previsão para que o leilão seja realizado em 14 de outubro do mesmo ano. Adiamento do Leilão - setembro de 1999. O BNDES confirma o adiamento do leilão. A decisão deve-se à não aprovação da regulamentação do fim do monopólio do resseguro. Transferência de Atribuições - setembro de 1999. O governo remete ao Congresso Nacional, em setembro, projeto de lei ordinária que transfere para a Superintendência de Seguros Privados (Susep) as atribuições do IRB-Brasil Re - órgão regulador de co-seguro, resseguro e retrocessão. Aprovação da Lei - novembro de 1999. A Câmara dos Deputados aprova o projeto de lei ordinária, transferindo o controle do resseguro para a Susep. Em 14 de dezembro, o Senado Federal também aprova o projeto de lei. O Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sanciona, em 20 de dezembro daquele ano, a Lei nº. 9.932, transferindo a fiscalização e a normatização do setor de resseguro do IRB-Brasil Re para a Susep. A medida é publicada no Diário Oficial da União do dia seguinte. Essa lei, contudo, foi julgada inconstitucional. Regras para o Mercado de Resseguro - janeiro de 2000. O Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), em 14 de janeiro de 2000, define as regras básicas para o mercado aberto de resseguro. Mas os atos normativos baixados após a Lei nº. 9.932 permanecem sem valor legal enquanto mantiver-se a decisão do STF. O leilão de privatização do IRB-Brasil Re é marcado para 25 de abril daquele ano. Novo Edital - março de 2000. No dia 9 de março de 2000, o Conselho Nacional de Desestatização (CND) publica um novo edital e o preço mínimo de venda do IRB-Brasil Re é de R$ 550 milhões. Uma nova data é marcada: 25 de julho daquele ano. Novo Adiamento do Leilão - abril de 2000. O Conselho Nacional de Desestatização (CND) decide, a 18 de abril de 2000, adiar mais uma vez a venda do IRB-Brasil Re para reavaliação do preço da empresa - alterado por duas vezes. A Resolução n°. 11 é de 20 de abril, publicada no DOU do dia 25 daquele mês. O Tribunal de Contas da União (TCU) solicita informações complementares sobre as análises realizadas pelas consultorias contratadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade - junho de 2000. O Partido dos Trabalhadores (PT) ingressa com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação é requerida pelo fato de que a transferência das funções regulatórias do IRB-Brasil Re para a Susep deve ser feita por meio de lei complementar e não por lei ordinária, por ser uma exigência constitucional. Decisão do STF - julho 2000. O Supremo Tribunal Federal acolhe, a 20 de julho de 2000, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (2.223-7), adiando o leilão para venda do IRB-Brasil Re. No mesmo dia, é publicada a resolução do Conselho Nacional de Desestatização (CND), suspendendo a venda da empresa. A Adin e o STF - a partir de setembro de 2000. O Supremo Tribunal Federal coloca a Adin na pauta do dia 14 de setembro mas, por falta de quórum, a matéria não é apreciada. O STF julga as ações apenas quando os 11 ministros estão presentes. A votação é transferida para os dias 20 e 21. No entanto, nem todos os ministros comparecem e, mais uma vez, não há julgamento. No dia 18 de outubro de 2001, 15 meses após o STF ter concedido a Adin, os ministros começam a julgar a ação, mas a sessão é suspensa por uma questão de ordem. Em 22 de novembro de 2001, os ministros retornam ao tema que, logo após o pedido de vista da ministra Ellen Gracie, foi suspenso. A 12 de junho de 2002, a Adin entra em discussão mas não é julgada por falta de quórum. No dia seguinte, a ação retorna ao plenário, mas também não é votada. No dia 17 de junho, o STF realiza sessão extraordinária mas, por falta de quórum, a Adin fica sem julgamento. O STF retoma, no dia 10 de outubro, o julgamento da Adin nº. 2.223 e fica confirmado, por maioria dos votos, a liminar concedida em julho de 2000. Com a decisão, o IRB-Brasil Re mantém sob sua responsabilidade as funções de regulação e

125

Inconstitucionalidade nº. 2223-7, atacando diversos dispositivos constantes da Lei nº.

9.932, de 20 de dezembro de 1.999, o que teve como conseqüência a manutenção do

status anterior à inclusão da resseguradora no PND. Cumpre esclarecer que mesmo após

a sanção da Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, a questão concernente

à desestatização do IRB não foi modificada, já que este diploma legal não cuidou desta

matéria, sendo certo que a resseguradora permanece estatal236.

4.2 Do Monopólio à Livre Concorrência por Intermédio da Regulação. O Destino

Final será a Auto-Regulação?

Nos capítulos anteriores, foram feitas considerações relacionadas à mudança

experimentada pelo resseguro no país, decorrente da migração do regime monopolista

para o regime da livre concorrência, sendo absolutamente certo afirmar que esta

mudança reflete uma alteração ocorrida a partir da forma com que o Estado passou a

enxergar a sua necessidade de intervir em atividades econômicas e serviços públicos. As

mencionadas modificações em relação ao resseguro não ocorreram de maneira isolada,

independentemente de toda uma modificação contextual, seja no que se refere às

atividades econômicas, em que a participação do Estado, realmente, deveria ocorrer de

maneira subsidiária, seja no que se refere aos próprios serviços públicos clássicos como,

por exemplo, a telefonia e a energia elétrica.

Concluiu-se que o Estado não poderia avocar para si funções que deveriam ser

executadas pela iniciativa privada de maneira mais eficiente, ou seja, era necessária a

formação de uma consciência demonstrativa de que este não poderia ter a sua gama de

atribuições exagerada, traduzida na realização de atividades que não fossem essenciais

ao desenvolvimento da sociedade. A máquina estatal não poderia pesar mais do que o

estritamente necessário, sob pena de causar prejuízos a si mesma e à própria sociedade.

fiscalização do mercado ressegurador brasileiro, além da competência de conceder autorizações para atuação no setor. (Informações disponíveis em <http://pt.wikipedia.org/wiki/IRB#Inclus.C3.A3o_do_IRB-Brasil_Re_no_PND_-_dezembro_de_1997>, acessado em 4.11.2006).

236 Com relação à parte do capital social do IRB que é de titularidade dos seguradores privados, o art. 23 da Lei Complementar em referência oferece a esses acionistas a possibilidade de se retirarem do mesmo, desde que invistam esse capital em ressegurador sediado no Brasil. “Art. 23. Fica a União autorizada a oferecer aos acionistas preferenciais do IRB-Brasil Resseguros S.A., mediante competente deliberação societária, a opção de retirada do capital que mantêm investido na sociedade, com a finalidade exclusiva de destinar tais recursos integralmente à subscrição de ações de empresa de resseguro sediada no País”.

126

Particularmente no que tange a essa modificação, Marcos Juruena Villela Souto

comenta a respeito de uma motivação para a chamada “reengenharia” do Estado. A

seguir, algumas de suas palavras237:

Efetivamente, aquilo que sempre se imaginou sobre a razão da crise brasileira ser gerencial e não institucional deixava de ser uma verdade absoluta. Não bastava mais colocar as pessoas certas nos lugares certos e cumprir-se a legislação existente. Passou a ser necessário ousar, repensando-se o papel do Estado, num aspecto amplo que o modismo resolveu denominar “Reengenharia”. Trata-se de um fenômeno global, a partir do qual as nações, motivadas pela evolução das comunicações e da tecnologia, viram-se obrigadas a rever seus conceitos de soberania, de segurança e de gestão de bens e serviços públicos, a fim de captarem, para os respectivos territórios, os investimentos necessários e manterem satisfeitas as respectivas populações.

Explicou-se, de maneira fundamentada, que o país passou por profundas

alterações institucionais, das quais são claros exemplos as emendas à Constituição da

República de 1988 números 5, 6, 7 e 8, de 18 de agosto de 1995, 9, de 9 de novembro

de 1995 e, especificamente com relação ao resseguro, a emenda nº. 13, de 21 de agosto

de 1996, todas como corolário da efetivação da livre concorrência como princípio da

ordem econômica, prevista no art. 170, inciso IV, do texto constitucional.

Posteriormente, já em 2.003, a emenda nº. 40 ratificou a posição proposta após o

advento da emenda nº. 13.

Deixando de ser o responsável direto pela execução das atividades econômicas e

dos serviços públicos disciplinados pelas Emendas à Constituição em referência, surgia,

a partir disto, a necessidade de que o Estado passasse, ao invés de ser o

executor/empresário, a regulador daqueles que passariam a ser imbuídos destes afazeres,

o que se exteriorizou com a criação das agências reguladoras, notadamente a partir da

promulgação da Lei nº. 9.986, de 18 de julho de 2000238.

Apenas visando ilustrar essa modificação do cenário, caracterizada,

essencialmente, pelo surgimento das agências reguladoras, Marçal Justen Filho239 assim

se manifesta:

237 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Ob. cit., p. 361. 238 Com relação à criação das agências reguladoras, insta esclarecer que a criação de algumas agências antecedeu a

promulgação da Lei nº. 9.986, de 18 de julho de 2000, como, por exemplo, a Agência Nacional de Energia Elétrica, cujas atividades tiveram início em 26 de dezembro de 1996, por força da Lei nº. 9.427.

239 JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002, pp. 20/22.

127

A crise fiscal do Estado de Bem-Estar conduziu a perspectivas de redução das dimensões do Estado e de sua intervenção direta no âmbito econômico. Passou-se a um novo modelo de atuação estatal, que se caracteriza preponderantemente pela utilização da competência normativa para disciplinar a atuação dos particulares. (...) A concepção regulatória retrata uma redução nas diversas dimensões da intervenção estatal no âmbito econômico. Ainda que seja impossível estabelecer um padrão predeterminado, a regulação incorpora a concepção da subsidiariedade. Isso importa reconhecer os princípios gerais da livre iniciativa e da livre empresa, reservando-se ao Estado o instrumento da regulação como meio de orientar a atuação dos particulares à realização de valores fundamentais. Como assinala Carlos Ari Sundfeld, “A regulação é – isso, sim – característica de um certo modelo econômico, aquele em que o Estado não assume diretamente o exercício de atividade empresarial, mas intervém enfaticamente no mercado utilizando instrumentos de autoridade. Assim, a regulação não é própria de certa família jurídica, mas sim de uma opção de política econômica”.

Aplicando a lição de Marçal Justen Filho ao resseguro brasileiro, à luz do

contexto constitucional caracterizado pela livre concorrência, ainda haveria espaço para

que o IRB-Brasil Re, na qualidade de estatal e de concorrente dos demais

resseguradores que venham a se estabelecer no mercado, edite atos normativos

orientando-os a respeito de como deverão proceder? Sintetizando, poderia o IRB,

competindo com os demais resseguradores, regular o mercado ressegurador brasileiro?

A fundamentação necessária à compreensão do porquê de se responder de maneira

negativa a esta indagação será apresentada no tópico a seguir.

Definida, pois, a profunda modificação pela qual passou o papel do Estado no que

se refere ao desenvolvimento econômico, ultrapassadas as perspectivas liberal e

intervencionista, a partir do final da década de 1990 este assumiu a perspectiva

regulatória. Acresce-se que no século XXI podem ser observadas, ainda, outras

modificações afetas à função estatal, fruto do desenvolvimento da regulação dos

mercados para a chamada auto-regulação.

4.3 Justificativa para a Regulação Independente

Antes de adentrar na discussão relativa à auto-regulação, é preciso compreender o

porquê do surgimento da necessidade de que a regulação seja conduzida de maneira

independente, livre de interferências estatais e/ou particulares (captura), isto é, com

imparcialidade, gerando, por conseqüência, resultados mais eficientes para os próprios

regulados e também para o Estado.

128

As mencionadas interferências, sejam estatais e/ou particulares, realizadas por

poderosos grupos econômicos que procuram fazer com que as autoridades reguladoras

lhes tragam benefícios, imediatamente remetem à chamada “teoria da captura”, também

conhecida como “teoria dos grupos de interesse”.

Bernardo Mueller240, assim explica a teoria da captura:

Uma explicação alternativa que não sofre do mesmo desencontro entre predições e realidade é a teoria da captura, também conhecida como teoria dos grupos de interesses. Esta teoria se baseia na observação empírica que a regulação tende a favorecer os produtores economicamente mais fortes, que capturam a regulação como forma de proteger seus interesses. Diferentes vertentes da teoria da captura existem desde o século passado, sendo um exemplo a visão Marxista que as grandes firmas seriam sempre beneficiadas pelo governo. Sob estes pontos de vista firmas demandariam regulação para efetuar transferências a seu favor e criar barreiras de entrada para proteger suas rendas de monopólio e/ou gerar custos para seus concorrentes potenciais e efetivos. Mesmo que a regulação tivesse surgido inicialmente com o propósito de corrigir alguma falha de mercado, a teoria da captura prevê que ela acabaria sendo distorcida para atender os interesses das firmas, prejudicando assim os consumidores. Embora esta teoria tenha um apelo intuitivo maior do que a teoria do interesse público, ela não se baseia em nenhum modelo analítico que explica quais grupos irão capturar o regulador e quem será penalizado (...).

Vital Moreira e Fernanda Maçãs241 também remetem ao perigo decorrente da

captura das autoridades reguladoras:

É de se salientar que as independências orgânica e funcional se estendem igualmente em relação aos interesses sectoriais que integram o grupo ou grupos que desempenham a actividade regulada. Um dos perigos associados ao desenvolvimento destas entidades é justamente o de caírem sob o controlo dos poderes económicos e sociais do sector, ficando ao serviço dos interesses de agentes sociais mais poderosos, em geral constituídos por empresas economicamente fortes, fenómeno conhecido pela captura pelos interesses regulados.

Gaspar Ariño Ortiz242, por sua vez, chama a atenção para o quão ruim pode ser a

regulação caso venha a ser desenvolvida para atender a interesses de diferentes grupos,

sejam públicos ou privados:

240 MUELLER, Bernardo. Regulação, Informação e Política: Uma Resenha da Teoria Política Positiva da

Regulação, p. 12. A íntegra desse artigo está disponível em <http://www.angelfire.com/ky2/mueller/resenha1.pdf>, acessado em 4.11.2006.

241 MOREIRA, Vital e MAÇÃS, Fernanda. Autoridades Reguladoras Independentes. Coimbra: Almedina, 2003, p. 27.

242 ORTIZ, Gaspar Ariño. Sucessos e Fracassos da Regulação. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 3, ago-set-out, 2005. Disponível em

129

É preciso combater a tendência de misturar fins diversos e, às vezes, contraditórios na regulação setorial. É experiência comum que as decisões regulatórias, muitas vezes, se colocam a serviço dos grandes objetivos do Governo (por exemplo, combater o desemprego ou a inflação), dos interesses de diversas administrações ou grupos (aqui intervém a política territorial ou autonômica em muitas ocasiões), ou de outros setores aos quais se deseja ajudar (por exemplo, o setor mineiro do cartão na regulação elétrica espanhola). Isso é sempre um erro que distorce injustamente muitas medidas regulatórias. (...) Convém trazer aqui – para denunciar – a experiência observada em muitos lugares, na prática regulatória destes anos. Apreciam-se as tendências seguintes: uma tendência a sobreregular – regular em excesso – e uma tendência a que as regulações obsoletas sobrevivam, pelos interesses que sempre surgem ao abrigo das mesmas. A regulação econômica se autoalimenta (is self-inflating) querendo corrigir seus múltiplos efeitos negativos por novas regulações. Existe uma complexa trama de interesses que se ocultam atrás de toda regulação: interesses dos políticos, dos burocratas e dos grupos que crescem ao abrigo dos mesmos. Os políticos, que não só procuram o bem comum, mas, também os seus próprios interesses, encontram na regulação uma fonte de poder, de influência sobre os regulados, entre os quais rapidamente surgem amigos e protegidos, sem que o político assuma mais do que um mínimo custo (a regulação não custa: paga o público). Estes amigos fazem doações ao partido, estendem a sua influência e têm um poder mediático que o político agradece. Também a burocracia tem seus próprios interesses: aumentar seu orçamento, ampliar sua competência, conseguir poder e prestígio através das regulações que eles têm que desenhar, supervisar e executar. Muitas vezes os burocratas terminam por ser “capturados” pelos regulados e, depois de um tempo, deixam a Administração e trabalham para eles (the revolving door). Finalmente, os grupos de interesses que se organizam em torno da regulação dos grandes setores são, pela natureza destes e os imensos recursos que movem, muito poderosos e, os meios que desenvolvem para obter regulações favoráveis são muito variados. Face a estas poderosas e bem travadas organizações, o público permanece afastado, longe dos centros de decisão, desorganizado, embora, ao final, a fatura será paga por ele.

Nessa linha de pensamento, a regulação a ser desenvolvida no país para o

resseguro, que, deverá ser de titularidade da Superintendência de Seguros Privados –

SUSEP243, estará sujeita à captura pelos interesses estatais, considerando que, a uma,

<http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-3-AGOSTO-2005-GASPAR%20ARINO%20ORTIZ.pdf>, p. 11, acessado em 11.11.2006.

243 Em decorrência da inclusão do IRB no Programa Nacional de Desestatização e da conseqüente designação dos sucessivos leilões cuja finalidade era a alienação da empresa aos consórcios interessados, o Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei ordinária que regulamentava as operações de resseguro e retrocessão no país, sendo certo que à SUSEP foram outorgadas as atribuições regulatórias. Demonstrando o exposto, segue o art. 1º. da Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1.999. Art. 1º. As funções regulatórias e de fiscalização atribuídas à IRB-Brasil Resseguros S.A. - IRB-Brasil Re pelo Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, incluindo a competência para conceder autorizações, passarão a ser exercidas pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. Parágrafo único. A IRB-Brasil Re fornecerá à SUSEP cópia de seu acervo de dados, informações técnicas e de quaisquer outros documentos ou registros que esta julgue necessários para o desempenho das funções regulatórias e de fiscalização do mercado de seguro e resseguro. A Lei Complementar nº. 126 de 15 de janeiro de 2007, em que pese a omissão neste particular, considerando que apenas menciona o termo “órgão regulador de seguros” em seu artigo 2º. “A regulação das operações de cosseguro, resseguro, retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão regulador de seguros, conforme definido em lei,

130

esta autarquia não é dotada das características básicas inerentes às agências reguladoras

em exercício no país, eis que nem mesmo detém a forma de uma agência reguladora e, a

duas, que a resseguradora estatal, qual seja, o IRB, em que pese a participação de

seguradores privados em seu quadro de acionistas, encontra no próprio Governo o seu

acionista majoritário, detentor de mais de 50% (cinqüenta por cento) das ações

preferenciais com direito a voto, elemento este condutor à conclusão de que a regulação,

invariavelmente, tenderá a beneficiar a resseguradora estatal.

Ainda com relação à distinção das características da SUSEP em comparação com

as agências reguladoras, aquela é vinculada ao Ministério da Fazenda, sendo certo que o

preenchimento do cargo de Superintendente ficará condicionado à nomeação por parte

do Presidente da República, valendo esclarecer que o Decreto-lei nº. 73, de 21 de

novembro de 1966, não assegura o cumprimento de mandato fixo, o que retira ainda

mais a autonomia por parte desta autarquia para que possa regular o mercado,

independentemente de pressões externas do Governo Federal244.

Com relação ao resseguro, conforme demonstrado, a migração do regime de

monopólio para o regime da livre concorrência encontra na regulação, especificamente

em três pilares de sustentação, quais sejam, higidez econômica, estímulo à própria livre

concorrência e cooperação, os meios para que esta se processe de maneira adequada.

A fim de que, de fato, haja livre concorrência, é necessário que a regulação seja

exercida de maneira imparcial e essencialmente técnica245, o que demanda, obviamente,

observadas as disposições desta Lei Complementar”, na prática, transferirá à SUSEP as atribuições regulatórias. O próprio site desta autarquia já apresenta como certa essa transferência de atribuições: “A SUSEP é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, do qual fazem parte o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, o IRB Brasil Resseguros S.A. - IRB Brasil Re, as sociedades autorizadas a operar em seguros privados e capitalização, as entidades de previdência privada aberta e os corretores habilitados. (Informações disponíveis em <http://www.susep.gov.br/menususep/apresentacao_susep.asp>, acessado em 5.11.2006).

244 Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966. “Art 37. A administração da SUSEP será exercida por um Superintendente nomeado pelo Presidente da República, mediante indicação do Ministro da Indústria e do Comércio”. Atualmente, esta autarquia é vinculada ao Ministério da Fazenda, não mais ao Ministério da Indústria e do Comércio.

245 A regulação do resseguro deverá ser essencialmente técnica, considerando a especificidade de que se reveste este negócio jurídico, de caráter internacional em não raras ocasiões. Alexandre Santos de Aragão, em Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 323, ressalta a importância deste caráter técnico inerente à regulação da seguinte maneira: “O caráter técnico da atuação das agências reguladoras se revela através dos requisitos de formação técnica que a lei impõe aos seus dirigentes e, principalmente, pelo fato dos seus atos e normas demandarem conhecimento técnico e científico especializado para que possam ser emanados, aplicados e fiscalizados. (...) Mesmo nos setores já afetos a uma normatização preponderante técnica, a isto se soma a necessidade de maior especialização em razão das constantes evoluções tecnológicas e da crescente complexização e pluralização do sistema social. Estes fatos têm feito com que a especialização em determinado setor do Direito deva ser acompanhada de profundos estudos

131

a necessidade de que não ocorram interferências de política eleitoral ou de interesses

individualizados neste mister. Caso haja interferências políticas, dependendo da medida,

a instalação dos resseguradores privados no mercado poderá sofrer sérios prejuízos,

notadamente decorrentes de insegurança jurídica, da imprevisibilidade das regras que

passarão a disciplinar o funcionamento do mercado.

Vital Moreira e Fernanda Maçãs246 dissertam acerca da necessidade de que a

regulação deve ser procedida de maneira realmente independente, destacando,

particularmente, duas principais razões:

- primeira, o reconhecimento de que o mercado nem sempre dá garantias de bom funcionamento da economia, pela sua incapacidade de auto-regulação de modo eficaz e que o próprio mercado precisa ser ele mesmo constituído e fomentado pela regulação, quer remediando os defeitos do funcionamento do mercado (market failures), quer fazendo valer valores sociais eminentes, nomeadamente no caso dos serviços públicos ou actividades de interesse econômico geral. - segunda, o reconhecimento de que a regulação tem uma lógica específica, que deve ser separada tanto quanto possível da lógica da política propriamente dita, de modo a conferir-lhe estabilidade, previsibilidade, imparcialidade e objectividade. Nisto consiste a racionalidade da regulação independente nas modernas economias de mercado. A primeira consideração justifica a regulação. A segunda justifica a independência.

Prosseguindo no que se refere à regulação independente, para Vital Moreira247 as

principais características das autoridades regulatórias independentes são as seguintes:

técnicos da matéria regulada, sendo cada vez mais comuns e necessários os “juristas-biólogos”, “juristas-sanitaristas”, “juristas-economistas” etc.”

246 MOREIRA, Vital e MAÇÃS, Fernanda. Ob. cit., p. 22. 247 Idem. Ibidem, p. 28.

132

a) Independência orgânica dos seus titulares, traduzida nos seguintes factores: requisitos pessoais de designação; regime de incompatibilidades; mandato fixo e inamovabilidade durante o mesmo; b) A independência funcional, consubstanciada nas seguintes condições: ausência de ordens e de instruções ou mesmo de directivas vinculantes; inexistência de controlo de mérito ou da obrigatoriedade de prestação de contas em relação à orientação definida; c) A independência em relação aos interesses envolvidos na actividade regulada, recorrente da ausência de título representativo na designação dos membros dirigentes e da forma de proceder à sua escolha, assente essencialmente em critérios que permitam a nomeação de personalidades regularmente independentes dos interesses em jogo.

Observando as características narradas por Vital Moreira, nota-se, comparando até

mesmo a regulação que vem sendo realizada no país sobre outras atividades

econômicas, sendo claro exemplo a que incide no mercado de petróleo e gás, que a

regulação do mercado de resseguro precisará avançar bastante, a fim de que, realmente,

possa gerar benefícios aos regulados e ao país.

Marçal Justen Filho248, apresenta os seguintes comentários a respeito da autonomia

que deve caracterizar as agências reguladoras:

No contexto acima descrito, adquire especial importância a figura das agências reguladoras independentes. A ampliação do poder de controle estatal sobre a atividade privada exige instrumentos jurídicos e materiais compatíveis com necessidades inexistentes anteriormente. A experiência dos demais países ocidentais propiciou o surgimento de figuras específicas, às quais foi atribuída a competência para exercício de poderes essenciais para configuração do modelo regulatório. São entidades integrantes da estrutura estatal, mas que apresentam peculiaridades que as diferenciam das entidades administrativas tradicionalmente verificadas nos países de tradição continental. Costumam ser identificadas como agências reguladoras (independentes ou não). Figuras similares começaram a ser introduzidas nos países europeus a partir da década de 1970, sob a denominação de autoridades (administrativas) independentes – ainda que muitas das quais vocacionadas a fins peculiares, como se verá adiante. Em todas as hipóteses, porém, o surgimento dessas entidades autônomas retrata a concepção de que as competências regulatórias não podem ser mantidas na órbita das estruturas estatais tradicionais. A natureza dos poderes a ela reservados demandaria autonomia e independência, o que justificaria seu afastamento da influência direta dos órgãos executivos e legislativos.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto249, da mesma maneira, também afirma que às

agências reguladoras devem ser asseguradas a autonomia, neutralidade e independência,

para que possam exercer o seu mister livre de pressões e interferências políticas.

248 JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p.

51. 249 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Ob. cit., pp. 417/423.

133

A questão da, assim denominada, independência dos órgãos reguladores, sempre com a cautela de não se tomar a expressão “independência” no sentido que lhe atribui a Ciência Política, de autodeterminação juspolítica plena, suscita dois discursos: o do alcance do que deva ser a autonomia do que se deva entender por sua neutralidade. Quanto à autonomia, embora se deva reconhecer que se trata de um conceito polissêmico, como tantos outros do Direito, parece suficiente lembrar que, nos caso das agências reguladoras, além das tradicionais características autonômicas gerais das autarquias, há essa outra e nova dimensão de autodeterminação, que resulta da abertura, pela lei, de um espaço decisório deslegalizado para que elas atuem em seus respectivos setores sensíveis. Quanto à neutralidade, ela deve ser considerada a própria finalidade da outorga de tal autonomia qualificada aos órgãos reguladores, pois será uma condição imprescindível para que os agentes reguladores cheguem a definir casuisticamente os interesses gerais setoriais, que devem retirar dos fatos e fazer com que prevaleçam, identificando e ponderando todos os interesses em jogo, inclusive como já se expôs, não contém, conceitualmente, qualquer pré-definição de interesses públicos específicos interferentes sobre a matéria regulação. Na verdade, em se tratando de relações sujeitas à regulação, a doutrina é clara: “Não há prevalência de um interesse público sobre interesses privados, mas necessária coexistência de todos os interesses em jogo, daí a exigência de neutralidade na função reguladora. (...). Quanto à independência, necessária para que se garanta o exercício neutro exigido pela função de regulação, deve ser entendida com um conteúdo restrito a quatro aspectos: a dos gestores, a técnica, a normativa e a gerencial, orçamentária e financeira. a) A independência política dos gestores é garantida pela nomeação de agentes administrativos para o exercício de mandatos a termo, provendo-lhes estabilidade em seus cargos, necessária para que executem, sem ingerência do Executivo, a política regulatória estabelecida pelo Legislativo para o setor. b) A independência técnica dos gestores é garantida para que possam desempenhar as suas funções prolatando decisões politicamente neutras, com predomínio dos subsídios técnicos e da negociação. c) A independência normativa é a que assegura o emprego da regulação como principal instrumento padronizador de sua ação setorial. d) A independência gerencial, financeira e orçamentária torna completo o quadro de garantias de atuação autônoma dessas entidades, como condição necessária para afastar a ingerência substantiva da Administração Direta em sua gestão.(...). Em suma, sem efetiva independência, não obstante a adjetivação inane que se lhes dê, o órgão regulador estará impossibilitado de ser o executor fiel da específica política de deslegalização que o Poder Legislativo definiu, por lei, para um específico setor crítico regulado e, em conseqüência, o cidadão estará privado de desfrutar das garantias administrativas de seus direitos constitucionais sem os benefícios da antecipação, da especialização e da presteza, cada vez mais necessárias naqueles setores, em que a ciência e a tecnologia incessantemente alteram as relações interpessoais.

Analisando as exposições de Vital Moreira, Alexandra Santos de Aragão e Diogo

de Figueiredo Moreira Neto, pode ser observada a importância de que se revestem a

autonomia, a neutralidade e a independência, como características imprescindíveis ao

134

exercício da regulação independente, o que já se evidencia no país, por exemplo, nos

mercados de petróleo e gás250, energia elétrica e no de telecomunicações.

Seja quanto à regulação de serviços públicos ou quanto à regulação de atividades

econômicas, demonstrou-se a necessidade e a importância de que esta seja exercida de

maneira imparcial, sendo certo que, com relação ao resseguro, a realidade não se

apresenta de maneira distinta.

4.4 Auto-Regulação

Invariavelmente, sinistros de grandes proporções, que demandem a contratação de

coberturas ressecuritárias, carecerão de que os pagamentos sejam efetuados por

resseguradores estabelecidos em países diferentes do local em que ocorreu o sinistro251.

250 Tomada a título exemplificativo, a Agência Nacional do Petróleo - ANP, criada pela Lei nº. 9.487, de

6 de agosto de 1997, foi desde então submetida a regime autárquico especial (art. 7º). Os mandatos dos seus Diretores são exercidos pelo prazo fixo de 4 (quatro) anos, possibilitada a recondução por novo prazo de 4 (quatro) anos (art. 11, § 3º), valendo acrescer que, ao menos em regra, há discricionariedade técnica para que a agência tome as medidas que entenda adequadas à sustentabilidade do marco regulatório instituído, elementos que demonstram a preocupação do legislador no sentido de que a regulação fosse realmente implementada de maneira autônoma, independente e neutra, imune às pressões exercidas pelo Governo e pelos regulados envolvidos neste mercado. Garantias similares às concedidas aos Dirigentes da Agência Nacional do Petróleo foram concedidas aos Dirigentes da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, conforme previsto na Lei nº. 9.478, de 1997 e aos Dirigentes da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, conforme previsto na Lei nº. 9.427, de 1996.

251 Em 20 de março de 2001 a plataforma P-36, à época uma das maiores plataformas de petróleo da Petrobrás, naufragou na Bacia de Campos, no Estado do Rio de Janeiro, ocasionando prejuízo estimado em US$ 400 milhões de dólares norte-americanos. A distribuição do risco subscrito por um consórcio de seguradoras e por resseguradores internacionais atribuiu às seguradoras estabelecidas no país o equivalente a 1% sobre a totalidade do risco assegurado, distribuindo-se os 99% restantes entre os resseguradores estrangeiros envolvidos na operação. O pagamento do capital segurado foi quase que integralmente realizado por resseguradores que não estão estabelecidos no Brasil e que, por este motivo, não se sujeitam à legislação nacional de seguros, muito menos à regulação exercida pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP ou pelo próprio IRB. O acidente relacionado à plataforma P-36 foi intensamente noticiado pela mídia quando de sua ocorrência. O Jornal “Folha de São Paulo”, publicado em 17.03.2001 (matéria disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u24685.shtml>, acessado em 5.11.2006, noticiou o seguinte no que se refere ao pagamento do capital segurado: “A plataforma de US$ 400 milhões que afunda na bacia de Campos, no Rio, está agitando o mercado internacional de seguros. No Brasil, o impacto do acidente não provocará um desembolso maior do que US$ 5 milhões pelo consórcio de seguradoras liderado pela Bradesco Seguros, que responde por apenas 0,98% do valor total de US$ 500 milhões pelo qual a plataforma P-36 foi assegurada no ano passado. O Bradesco tem 40% desses 0,98%; o Itaú, 30%; Unibanco, 12%; AGF, 9%; e Tokio Marine, 9%. O consórcio brasileiro tomou a precaução de fazer resseguro do contrato com a Petrobrás, o que significa que também será ressarcido pelo pagamento de sua parte na indenização. Tudo caminha na direção da perda total. Ontem, o coordenador da Petrobrás na bacia de Campos, no Rio, Eduardo Belo, disse que a plataforma P-36 poderá afundar em três dias. O vice-diretor de Comunicações da Associação de Engenheiros da Petrobrás, Argemiro Pertence Neto, disse que, ontem à tarde, a plataforma P-36 já estava com inclinação de 35 graus, "o limite para que possa continuar flutuando". O mercado internacional arca com 99% do seguro de US$ 500 milhões, dividido entre 10 companhias coordenadas pela AON Re, uma das três maiores do mundo. A AON Re fez o resseguro da plataforma da empresa com outras corretoras no mercado internacional. Ou seja, o pagamento do prejuízo da Petrobrás será feito por uma série de companhias que "dividiram" o risco do seguro. Um sinistro desse porte depende de especialistas do mercado exterior em plataformas e não se pode precisar o tempo que será definitivamente encerrado, uma vez que as

135

Isto demonstra que, em certa medida, a regulação excessivamente detalhista, caso seja

realizada país a país ao redor do mundo, não terá condições de ser compulsória, por

restrições características ao próprio Direito Internacional Privado252. Paulo Borba

Casella253 defende esta posição:

O caráter inerentemente internacional do objeto não se pode separar da necessidade de sua regulação em distintos ordenamentos, mas esta regulação se terá de fazer de modo consentâneo com os limites e necessidades da atuação da matéria, sob pena de perder-se a efetividade e o sentido.

Sendo inviável, pois, a edição de múltiplos atos normativos, voltados à disciplina

dos mais diversos aspectos relacionados ao resseguro, sob a perspectiva internacional

solidificaram-se os usos e costumes, reconhecidos como típica fonte de obrigações.

Nessa exata linha de raciocínio posiciona-se Marcelo Mansur Haddad254:

Em função do caráter internacional do resseguro, na maioria dos países, este instituto não recebe tratamento legislativo específico e, quando o recebe, muitas das vezes, os ordenamentos nacionais limitam-se a estabelecer que a ele não se aplicam as regras relativas a seguro, apesar de ser securitária a sua natureza jurídica, conforme acima analisado. O cenário acima transcrito resultado do fato de que ocorre nas relações entre segurados e seguradoras, onde existe uma ampla intervenção dos direitos locais na liberdade individual das partes, seja através do chamado direito securitário, seja através de normas de proteção ao consumidor ou normas específicas sobre algumas modalidades de seguros, como, por exemplo, o seguro-saúde, normalmente a

variáveis para esse tipo de ocorrência são inúmeras. Apesar das grandes proporções, o acidente não deve levar mais companhias à bancarrota do que a Plataforma Piper Alpha, cuja explosão, no Mar do Norte, custou às seguradoras, em 1988, mais de US$ 2,9 bilhões”. Da mesma maneira, o fatídico atentado contra o World Trade Center, ocorrido em 11 de setembro de 2001, também despertou a necessidade de que o pagamento das indenizações, estimadas em US$ 40 bilhões de dólares norte-americanos, fosse efetuado por resseguradores estrangeiros. Dos 40 bilhões indenizados, Swiss Re e Munich Re pagaram US$ 2 bilhões cada uma. A General e Cologne Re pagaram US$ 3 bilhões cada. (Informações disponíveis em <http://www.segs.com.br/index.cfm?fuseaction=ver&cod=626>, acessado em 5.11.2006).

252 Paulo Luiz de Toledo Piza explica essa natureza internacional do contrato de resseguro da seguinte maneira: “A grande incerteza que afeta o direito internacional das obrigações, escreveu Stein, manifesta-se com particular ênfase no que diz respeito aos contratos internacionais em matéria de seguro e resseguro. (...) Quando se diz, portanto, que o resseguro é “essencialmente” internacional, e que tem “natureza” internacional, não se está, exatamente, laborando em bases ontológicas, ou contratualmente móveis, mas se está simplesmente indicando que boa parte dos contratos de resseguro – mormente onde não há monopólio – são usualmente celebrados rompendo-se as fronteiras nacionais. Registre-se, nesse prisma, que Hagopian e Laparra, embora insistam na feição internacional do resseguro, assim o fazem considerando, justamente, a freqüência com que tais operações são entabuladas entre empresas sediadas em Estados diversos. “O próprio objeto do resseguro”, dizem eles, “sendo sua finalidade técnica a disseminação, a dispersão, a igualação, a homogeneização dos riscos cobertos pelos seguradores, as cessões de resseguro se realizam na maioria dos casos por meio e por sobre as fronteiras nacionais”. Para então assinalarem “que a maior parte das operações de resseguro pertencem ao direito internacional privado””. (PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob. cit., pp. 353/354).

253 CASELLA, Paulo Borba. Prefácio à obra Contrato de Resseguro. Tipologia, Formação e Direito Internacional, de Paulo Luiz de Toledo Piza. São Paulo: IBDS/EMTS, 2002.

254 HADDAD, Marcelo Mansur. O Resseguro Internacional. Rio de Janeiro: Funenseg, 2003, p. 57. A obra em referência corresponde à tese de doutoramento apresentada pelo autor à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 2002.

136

relação entre seguradora e resseguradora fundamenta-se na ampla autonomia das partes, já que se trata de um relacionamento entre dois profissionais. (...) Note-se, contudo, que os contratos não são as únicas fontes do direito do resseguro, acrescentando-se aos mesmos os costumes do mercado ressegurador internacional. Ademais, há que se mencionar a importância da arbitragem como forma de solução de controvérsias, a qual, embora não possa ser caracterizada como um costume, pela ausência de seu caráter obrigatório, é parte integrante da praxe ressecuritária. Apesar da arbitragem ser aqui analisada separadamente, já se torna possível vislumbrar a existência de um certo vínculo entre os contratos de resseguro, os costumes internacionais e a arbitragem, elementos estes, que, justamente com os princípios securitários nacionais aplicáveis ao resseguro, sustentam o direito do resseguro.

Constatando-se que as obrigações indenizatórias assumidas nos contratos de

resseguro relacionados a grandes riscos foram cumpridas255, não resta dúvida de que o

mercado ressegurador, por intermédio dos mencionados usos e costumes que, a seguir,

serão comentados, encontra-se inserido num contexto em que floresce a auto-regulação.

Não há dúvida de que entre seguradores e resseguradores, estabelecidos em âmbito

mundial, vigora um “Código de Normas”256, preenchido pelos mencionados usos e

costumes, que são observados e que, justamente por isso, viabilizam o crescimento e o

aprimoramento constantes desta atividade.

Entre os próprios resseguradores, ao longo dos anos, suas próprias práticas

operam como verdadeiras fontes de obrigações para as contratações futuras, o que

significa dizer que as normas são produzidas pelos próprios agentes em exercício no

mercado.

Vital Moreira257, ao abordar a auto-regulação profissional, explica-a da seguinte

maneira:

Quando uma associação profissional elabora um código deontológico para os membros da correspondente profissão, ou quando uma associação de fabricantes de determinado produto emite um código de conduta sobre as normas de controlo de qualidade e protecção do consumidor, em qualquer dos casos estamos perante fenómenos típicos de auto-regulação. O conceito de auto-regulação está longe de ser unívoco, tanto ou menos do que o conceito de regulação. Na sua definição mais elementar, auto-regulação é a

255 Tomando a título exemplificativo, os sinistros envolvendo a plataforma P-36 e o World Trade Center. 256 Foram utilizadas as aspas na expressão “Código de Normas” porque pretendeu-se empregar à mesma um

significado superior ao significado meramente sintático. Na realidade, conforme ocorre com o Direito Civil, que dispõe do seu Código Civil, com o Direito do Consumidor, que também dispõe do seu Código de Proteção e Defesa do Consumidor, entre tantos outros diplomas legais vigentes no país, o Direito do Resseguro não dispõe de um Código do Resseguro. Em que pese esta carência, o referido “Código de Normas” norteia a atuação dos resseguradores, dos ressegurados e dos demais agentes em atuação nesse mercado.

257 MOREIRA, Vital. Auto-Regulação Profissional e Administração Pública. Coimbra: Almedina, 1997, pp. 52/54.

137

regulação levada a cabo pelos próprios interessados. Na definição de um autor, <<auto-regulação pode ser definida como o sistema sob o qual as regras são feitas por aqueles a quem elas vão ser aplicadas>> (I. H. Davison, 1987:35). Três traços caracterizam a auto-regulação. Primeiro, é uma forma de regulação e não ausência desta; auto-regulação é uma espécie do género regulação. Segundo, é uma forma de regulação colectiva. Não existe auto-regulação individual; a autocontenção ou autodisciplina de cada agente econômico ou empresa, por motivos morais ou egoístas, não é regulação; a auto-regulação envolve uma organização colectiva que estabelece e impõe aos seus membros certas regras e certa disciplina (A.C. Page, 1986: 145). Terceiro, é uma forma de regulação não estadual: <<Negativamente auto-regulação pode ser definida como regulação não pública>> (A. C. Page, 1986: 144). (...) A auto-regulação propriamente dita não é menos “artificial” do que a regulação estadual. Também ela implica a formulação de normas e a sua implementação, de modo a influenciar, condicionar, proibir ou constranger a actividade dos agentes económicos, colectivamente organizados, que desse modo são simultaneamente, autores e destinatários da regulação.

As palavras de Vital Moreira são bem claras ao assentarem que a auto-regulação

profissional não implica em liberdade, no sentido de que inexistira regulação. A

inexistência de regulação, em hipótese alguma, pode ser confundida com a auto-

regulação. Como bem ponderou o referido autor, “auto-regulação é uma forma de

regulação, não ausência desta; auto-regulação é uma espécie do género regulação”.

Auto-regular, portanto, não implica em deixar o mercado em referência

caminhando de maneira livre, anarquicamente, independentemente de regras

específicas, de normas a serem observadas por seus agentes. Ao contrário, implica,

positivamente, na observância dessas normas, com apenas uma diferença em relação à

regulação tradicional, qual seja, a de que a elaboração dessas normas caberá aos

próprios agentes; aqueles que elaboram serão os próprios destinatários finais das

mesmas, não havendo que se falar, portanto, na elaboração de normas – regulação

normativa – a ser exercida por agência reguladora ou outro agente externo, seja público

ou privado.

Especificamente quanto à possibilidade de que o mercado de seguros brasileiro

seja auto-regulado, o próprio Vital Moreira, em recente visita ao Brasil, concedeu

entrevista à FUNENSEG – Fundação Nacional Escola de Seguros, manifestando-se

favoravelmente258.

258 MOREIRA, Vital. Auto-regulação no mercado de seguros. Funenseg, Rio de Janeiro, disponível em

<www_Seguros_inf_br auto regulação.htm>, acessado em 25.06.2006: “A auto-regulação é um caminho que a SUSEP está buscando no Brasil, como que ela pode beneficiar o consumidor brasileiro? Uma das razões que as empresas se auto-regulam é fazer valer a sua imagem perante os consumidores, e o interesse próprio é a principal razão. O benefício vem por dois motivos, por um lado porque se auto-regulando, as empresas evitam uma

138

Em síntese, Vital Moreira comentou que a auto-regulação seria benéfica tanto

para o regulador atual quanto para as próprias seguradoras, na medida em que da

elaboração das normas pelas próprias Companhias decorreria uma regulação menos

intrusiva por parte do órgão regulador e, sob a perspectiva dos segurados,

consumidores, haveria um ganho de confiança, motivado por uma melhora da imagem

das seguradoras. Nas palavras do autor,

(...) são variadas as razões da opção pela auto-regulação, que tem a ver naturalmente com as vantagens que ela oferece sobre a regulação estadual e sobre a ausência de regulação. As principais vantagens são a maior eficácia, maior flexibilidade e maior economia, provenientes da integração das funções de definição e implementação do programa regulador, bem como da legitimidade da intervenção sob o ponto de vista daqueles sobre quem ela vai incidir. <<O autopoliciamento dos grupos é frequentemente menos oneroso e mais eficaz do que a regulação estadual>> (Streeck, 1983:276)259.

Acrescentou-se que a auto-regulação não eliminaria a regulação, que continuaria a

ser exercida pela entidade estatal260, com a ressalva de que em menor intensidade. Para

os segurados, a certificação pelo regulador dos contratos de seguro firmados no

mercado continuaria gerando ganhos de confiança, sendo certo, consoante se expôs, que

regulação intrusiva por parte do Estado, que neste caso exercerá uma regulação mais severa do que a que a própria empresa fizer; desta forma seria uma auto-regulação preventiva. Nessa transação todos ganham, ganha o Estado, pois poupa recursos das autoridades, e ganham os regulados, porque conseguem um sistema regulatório menos intrusivo e que é feito por eles próprios. Qual seria a razão para a auto-regulação? É criar aquilo que se chama um bom nome da profissão perante os consumidores, passar aos clientes uma imagem de responsabilidade, de seriedade, isto é, “Vocês podem confiar em nós, porque nós próprios criamos o nosso código de ética de conduta”. Tudo isso cria vantagens competitivas em termos comerciais, e portanto mais uma vez há o interesse próprio. É claro que auto-regulação não pode ser uma solução auto-suficiente, e sim uma solução adicional, é uma solução que se combina com a ação efetuada pela agência reguladora. Os mecanismos de auto-regulação facilitam as empresas à aceitação da própria regulação exterior, portanto a idéia de auto-regulação pode ajudar a aceitar a própria regulação. O resultado é em um ciclo virtuoso, ou seja, a regulação incentiva a auto-regulação e a auto-regulação assegura as condições para aceitação da regulação externa. Qual o papel do Estado quando a auto-regulação já está implementada? Regular a auto-regulação, porque esta é incentivada, estimulada, controlada pela agência reguladora. Para os consumidores é importante saber que a empresa cujos produtos compra está certificada de acordo com certos parâmetros, e por isso a agência é importante. Há evidências empíricas que os mecanismos de auto-regulação são muito mais eficazes, pois criam menos resistências. Um exemplo bem claro são as ouvidorias. Neste caso, a agência reguladora obriga as empresas a ouvirem as queixas de seus clientes, identificá-las, apreciá-las e tomar decisões para solucioná-las. A agência vai verificar se a empresa está fazendo corretamente tal procedimento. Ao invés de ter um esquema de regulação triangular, onde as relações são entre empresa - cliente - agências reguladoras, vamos ter uma regulação cliente – empresa e, a agência reguladora monitorando e verificando a eficácia do esquema de apreciação obrigatória e se o rigor da empresa está funcionando, caso contrário a agência terá que intervir. A auto-regulação funciona como um esquema de descentralização. Qual sua visão do processo regulatório que já está sendo implementado no Brasil? Eu creio que o Brasil tem feito nos últimos anos um processo de aprendizagem muito rápido das implicações do novo paradigma da economia de mercado auto-regulada. O que de fato tem que ser realizado é aceitar duas regras básicas: A primeira é de que a primazia nacional é o mercado e que a regulação é para auxiliá-lo e, a segunda é que não há economia de mercado sem auto-regulação”.

259 MOREIRA, Vital. Ob. cit., p. 91. 260 No Brasil, esta entidade estatal é a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, por força do que dispõe o

Decreto-Lei nº. 73, de 21 de agosto de 1966, em seus artigos 35 a 40.

139

a auto-regulação não eliminaria essa espécie de regulação. O que se teria, na realidade,

seria um círculo virtuoso, uma soma de forças, não um conflito entre as companhias

auto-reguladas e o regulador.

Portanto, com relação ao mercado de seguros, foram identificados elementos

positivos no sentido de que seja implementada a auto-regulação.

O mercado de resseguros, por sua vez, em razão da utilização dos mencionados

usos e costumes em âmbito internacional, já apresenta sinais de que a regulação estatal

não poderá ser detalhista, sob pena de até mesmo causar embaraços ao desenvolvimento

dessa atividade261. Construindo raciocínio nesse sentido, convém observar as palavras de

Paulo Luiz de Toledo Piza, justamente ao explicar que o conteúdo das propostas e dos

contratos de resseguro hodiernamente praticados decorre muito mais dos mencionados

usos e costumes do que de normas regulatórias dispostas pelo Poder Público262:

Considere-se, em paralelo, em relação ao contrato de resseguro, que a sua uniformidade e o conteúdo predisposto pela proposta não decorrem tanto da sua “tarifação”, ou aprovação, pelo Poder Público, mas de usos consolidados e especificamente voltados a atender determinadas exigências técnico-operacionais. Isto, à evidência, não é inteiramente válido em mercados monopolizados, como ainda é o caso brasileiro263, mas, como acima se assinalou, a “publicização” do conteúdo do contrato de resseguro e, pois, a da proposta de resseguro, também nesses ambientes, em geral se reportam a usos consolidados na prática ressecuritária internacional, em grande parte decorrentes das exigências técnico-operacionais incidentes. (...) As condições gerais do resseguro, em quaisquer de suas formas operacionais e modalidades técnicas, são de certo modo conhecidas antecipadamente. Importa ressaltar, entretanto, que os “modelos contratuais” a que se remetem as propostas não são, em princípio, imodificáveis. (...) A raridade com que ocorrem modificações das condições contratuais usualmente praticadas ou divulgadas por qualquer das partes, em outros termos, não é, a rigor, senão uma “circunstância de fato” – conseqüência da dinâmica e da particular estrutura de um mercado específico, e não um dado jurídico intransigente do procedimento de formação do contrato de resseguro. A normal uniformidade dos contratos de resseguro, em suma, não deve ser considerada conseqüência da uniformidade de conteúdo presumido pela proposta, mas da estandardização de uma série de cláusulas que, por efeito de sua constante utilização, tornam uniforme o seu conteúdo. Por isso tudo, enfim, não seria o caso de entender que a proposta de resseguro, por submeter-se, em geral, a

261 Consoante anotado no segundo capítulo desta dissertação, a regulação do resseguro, ante o seu caráter

internacional, deverá nortear-se pela intervenção estatal leve, considerando os mencionados usos e costumes. Nesse particular, vale reiterar que a própria Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto nº. 4.657, de 4 de setembro de 1942 – reconhece em seu art. 4º. a importância dos costumes como típica fonte de obrigações. Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

262 PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob. cit., pp. 314/316. 263 A obra da qual foi extraído esse comentário foi publicada no ano de 2002, ocasião na qual o monopólio do IRB

sobre o resseguro no país ainda encontrava-se estabelecido. A partir de 15 de janeiro de 2007, por força da sanção da Lei Complementar nº. 126, este monopólio foi eliminado do ordenamento jurídico brasileiro.

140

um conteúdo predeterminado, constante e quase fixo, possa ser compreendida como uma proposta feita mediante condições gerais de contrato. (...) Posto isto, aliás, é que a doutrina aponta que o contrato de resseguro não seria um contrato standard, no sentido técnico que normalmente se empresa a esta expressão, mas um contrato estandardizado pelo uso, que traz uma série de elementos que respondem sempre a “esquemas” similares, que lhes são próprios.

Para João Marcelo Máximo dos Santos264, o conceito de regulação aplicado à

realidade atual implica na busca pelo equilíbrio econômico, o que, necessariamente,

enfrenta ciclos de regulação e desregulação.

Em suma, pode-se compreender a regulação como sendo a intervenção no ambiente econômico, em vistas à manutenção de seu equilíbrio e promoção do seu desenvolvimento. Esse processo passa por ciclos de regulação e desregulação e, atualmente, assiste-se a uma mudança de posição por parte do Estado Regulador. Isso na medida em que o foco de sua intervenção deixa de ser, cada vez mais, estabelecimento de regras de conduta detalhadas para tornar-se definição de uma estratégia eficiente de supervisão e controle adaptada à dinâmica econômica atual, de freqüentes mudanças estruturais e internacionalização do ambiente econômico.

Do conceito acima, convém destacar a noção segundo a qual o foco da

intervenção estatal tem sido muito mais voltado para uma estratégia eficiente do que

para a edição de normas detalhistas em quantidade, cujo escopo seja o de dissecar a

matéria a ser estudada. Esse entendimento alinha-se à regulação a ser desempenhada no

mercado de resseguro, sobretudo considerando os usos e costumes internacionais de

recorrente utilização e, adicionalmente, o fato de os contratantes, segurador e

ressegurador, em não raras ocasiões, encontrarem-se estabelecidos em diferentes países,

o que denota o caráter internacional dessa espécie de negócio.

Calixto Salomão Filho tece comentários a respeito da interseção existente entre a

desregulação ou desregulamentação, consoante chamado pelo próprio autor, e a auto-

regulação, esclarecendo que é por intermédio desta que aquela alcança a sua finalidade.

Por essa mesma origem histórica e ideológica a desregulação vem geralmente acompanhada da auto-regulação. A desregulação faz-se através de mecanismos de auto-regulação, exatamente porque é através da auto-regulação que se pretende criar as condições ideais para tornar efetiva a “mão invisível” do mercado. Assim, muitos dos movimentos de desregulamentação optam pela criação de bolsas de negócios, ao formato das bolsas de valores que concentram todas as operações e criam regras internas de auto-regulação,

264 SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Visão Jurídica da Auto-Regulação no Mercado de Seguros. In: Revista

Brasileira de Risco e Seguro, n. 1. Rio de Janeiro: Funenseg, abr/jul 2005, p. 23.

141

no sentido de aperfeiçoar o mercado. Essa é a primeira característica sensível da desregulação: a opção por sistema de auto-regulação que seja capaz de tentar criar um ambiente semelhante à concorrência perfeita. A recriação das condições de mercado “em laboratório” muda, portanto, de forma, mas não de conteúdo265.

Assim, para que determinado mercado possa se auto-regular, torna-se

absolutamente necessário que este tenha alcançado maturidade suficiente a ponto de

poder, por si só, cuidar de si mesmo independentemente de quaisquer interferências

exógenas, livre de captura de interesses por parte dos regulados, sem que, desta

maneira, sejam prejudicados os interesses gerais de titularidade dos consumidores, dos

concorrentes em atuação no mercado em espécie, isto é, que este mercado disponha de

mecanismos suficientes para que não ocorram infrações à ordem econômica.

Sem dúvida, o alcance de condição dessa natureza, que possibilite a auto-

regulação, carece de um elevado grau de amadurecimento do mesmo. Não se alcança

condição como esta de maneira instantânea. João Marcelo Máximo dos Santos266 oferece

a seguinte explicação para o funcionamento de um mercado auto-regulado:

Em suma, a auto-regulação pode ser entendida como o processo de implementação e revisão, pelos próprios agentes de um determinado mercado ou pelas pessoas que exercem determinada atividade, de limites e parâmetros de atuação a serem respeitados no âmbito de suas atividades. A existência de auto-regulação, por sua vez, independe de autorização, incentivo ou determinação estatal, e de integrar o grupo auto-regulado à totalidade dos que constituem o mercado ou exercem a atividade em questão, nada obstante a presença desses elementos significar efetivo fortalecimento do processo.

Comentando a definição do referido autor, tem-se que não se faz necessária

autorização do Governo, leia-se, da do órgão responsável pela regulação – SUSEP –

para que seja instituída a auto-regulação. O alcance desse status depende muito mais da

iniciativa dos próprios regulados – resseguradores, corretores de resseguro e

ressegurados – do que de uma iniciativa estatal com este propósito, o que se mostra em

sintonia com o princípio da subsidiariedade267.

265 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 21. 266 SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Ob cit., p. 25. 267 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense,

2005, p. 88. “O princípio da subsidiariedade diz respeito às relações, de um lado, entre os níveis de concentração de poder e, de outro, entre os respectivos níveis de interesses a serem satisfeitos. (...) A subsidiariedade prescreve o escalonamento de atribuições entre entes ou órgãos, em função da complexidade do atendimento dos interesses da sociedade. Cabe, assim,, primariamente aos indivíduos decidirem e agirem no que se refira aos inerentes interesses individuais, e, apenas secundária e sucessivamente, aos entes e órgãos, sociais ou políticos, de decisão coletiva, de sua criação. Portanto, nesse escalonamento de responsabilidades no atendimento de interesses, cabe

142

Caberá ao mercado, aos seus agentes, enxergar os benefícios que a auto-regulação

será capaz de fomentar, notadamente traduzidos nos seguintes aspectos: (i) desoneração

da carga excessiva, tanto política como administrativa e financeira; (ii) maior eficácia

da regulação, derivada da aceitabilidade e observância menos litigiosa por parte dos

regulados; (iii) maior flexibilidade e mais fácil adequação às mudanças de

circunstâncias; (iv) distanciamento e preservação da legitimidade estadual; (v) melhor

adequação da regulação à crescente diferenciação e complexidade das esferas reguladas

e (vi) única via disponível para a regulação de certas áreas onde a cooperação dos

regulados é condição indispensável268.

A partir dos elementos ora mencionados, deverão ser empreendidos esforços no

sentido de implementar a auto-regulação, fazendo transparecer cada vez mais as normas

e costumes observados, criando as ouvidorias (ombudsman269), em suma, tornando cada

vez mais claras as operações realizadas, repita-se, independentemente do controle que

venha a ser exercido pelo Governo e valorizando as reclamações formuladas pelos

agentes que tenham participação no mercado.

Especificamente com relação ao mercado de resseguro, a auto-regulação dispõe de

características que se amoldam às nuances dessa espécie de negócio. Consoante exposto

ao longo do capítulo anterior, o resseguro, essencialmente, trata-se de negócio realizado

por países, via de regra, estabelecidos em países distintos, o que significa dizer que pelo

menos dois seriam os ordenamentos jurídicos aplicáveis a eventuais discussões que

viessem a surgir.

Justamente para evitar discussões desta ordem a contratação de resseguro, mundo

afora, adota usos e costumes, observados como típicas fontes de obrigações por

resseguradores, seguradores e retrocessionários, o que elimina, como se pode perceber,

aos grupos sociais menores, por suas organizações civis, decidirem e agirem para a satisfação dos respectivos interesses coletivos; aos grupos sociais maiores, também por suas organizações civis próprias, decidirem e agirem em prosseguimento de interesses coletivos de maior abrangência; e à sociedade civil, como um todo, por suas organizações civis de âmbito geral, decidir a agir para o atendimento de seus interesses gerais. Somente aquelas demandas que, por sua própria natureza, em razão da complexidade e da necessidade de uma ação concentrada e coercitiva, inclusive com centralização de recursos, não puderem ser atendidas pela própria comunidade, por sua próprias organizações, deverão ser cometidas às organizações políticas, que atuarão, portanto, sempre subsidiariamente às da sociedade”.

268 As vantagens inerentes à auto-regulação profissional por Vital Moreira. Ob. cit., p. 92. 269 A criação das ouvidorias pelo empresariado nacional tem como objetivo formar um canal de comunicação com os

consumidores de maneira a equacionar as eventuais reclamações existentes independentemente da atuação estatal, seja por intermédio do próprio Governo, seja por intermédio de Agência Reguladora Independente. No país, com atenção para o mercado segurador, diversas companhias criaram suas ouvidorias. São exemplos a Unibanco Aig Seguros e Previdência, cuja ouvidoria está disponível em <http://www.unibancoaig.com.br/faleconosco/ouvidoria> e o Grupo Bradesco Seguros, cuja ouvidoria está disponível em <http://www.bradescoseguros.com.br/fale_conosco/alo_bradesco.asp>, ambos acessados em 17.11.2006.

143

a atuação de agentes reguladores sobre os diversos negócios que são diariamente

realizados.

Dessa maneira, nota-se que o conceito de auto-regulação parece reunir as

características necessárias à sua implementação ao mercado ressegurador brasileiro,

obviamente que não de uma forma instantânea, sob pena de, prematuramente,

desperdiçar uma oportunidade viável de fazer com que o Estado, gradualmente, deixe

para o próprio mercado o ônus de se auto-organizar.

Quanto às vantagens decorrentes da implementação da auto-regulação, convém

observar a citação a seguir, extraída de artigo de João Marcelo Máximo dos Santos em

que, por sua pertinência, é mencionada a obra de Vital Moreira270:

De fato, a auto-regulação pode ser parte da solução para o problema da juridificação da economia atual. É precisa a lição de VITAL MOREIRA: “Nessa perspectiva, os sistemas contemporâneos excluem a possibilidade de uma regulação esgotante das relações sociais pelo Estado. O caminho admissível é a restrição da regulação estatal ao estabelecimento e monitorização de esquemas de devolução da regulação aos diversos subsistemas. A racionalidade substantiva do sistema jurídico clássico, estabelecendo ele mesmo o conteúdo jurídico da regulação, tem de dar lugar a um sistema reflexivo, em que a ordem jurídica abandona a regulação substantiva, para se limitar a definir objetivos gerais, a estabelecer parâmetros de regulação e de procedimentos e a organizar formas de supervisão e controle. O direito torna-se um sistema de coordenação da acção dentro de (e entre) subsistemas sociais semiautônomos; a este paradigma jurídico chama Teubner o direito reflexivo (1983: 242, 257).”

Seja em decorrência de uma maior eficiência para os regulados, isto é, os

seguradores, os corretores de resseguro, os resseguradores e os retrocessionários, ou em

decorrência de uma diminuição da carga de responsabilidade do Estado que, ao se

afastar, propiciará que o próprio mercado organize-se por seus próprios meios, nota-se

na auto-regulação do mercado ressegurador nacional uma importante via rumo ao seu

desenvolvimento. Consoante exposto, a adoção desse sistema não deverá ser realizada

de maneira instantânea, a fim de que, gradualmente, cada agente que venha a se

estabelecer conheça suas funções e responsabilidades ainda em ambiente regulado por

órgão estatal para, após, aí sim, trilhar-se o caminho planejado para o ambiente auto-

regulado.

270 SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Ob. cit., pp. 29/30.

144

A conclusão de João Marcelo Máximo dos Santos271 para que o resseguro seja

auto-regulado no país é a seguinte:

Como se pode ver, a auto-regulação é processo extremamente benéfico tanto para os agentes do mercado, e para aqueles que exercem determinada atividade, como para o Estado. Para os primeiros, evita-se a intervenção estatal e obtêm-se resultados mais efetivos na busca do equilíbrio e do desenvolvimento do mercado ou da atividade, tudo com o fortalecimento institucional do agente auto-regulador e do próprio mercado. Para o Estado, a auto-regulação resulta na redução de sua responsabilidade e na possibilidade de construção de um ambiente regulatório estatal mais focado em estratégias de supervisão e controle eficientes, sem que esteja eliminada a possibilidade e, sem sendo necessário, intervir no ambiente regulado.

Nessa linha de idéias, coligindo os elementos mencionados, relacionados, em

primeiro lugar, à regulação independente, passando por ciclos de desregulação para,

após, rumar à auto-regulação, entende-se que a implementação da auto-regulação no

mercado de resseguro brasileiro se afigura juridicamente possível à luz do princípio da

subsidiariedade.

4.5 Os Usos e Costumes Ressecuritários Internacionais

Marcelo Mansur Haddad272, ao iniciar os seus comentários a respeito dos usos e

costumes internacionais, é taxativo ao nestes identificar verdadeira fonte de obrigações

no direito do resseguro.

Os costumes tornam-se fontes do direito a partir de sua prática reiterada, constante e uniforme, a qual deve necessariamente ser reconhecida e aceita pelos agentes de um determinado mercado. Nas experimentadas palavras de Carlos Maximiliano, é o costume “uma norma jurídica sobre determinada relação de fato e resultante da prática diuturna e uniforme, que lhe dá força de lei” (Maximiliano, 2001, p. 154). Sendo tal prática reconhecida e aceita internacionalmente, estaremos diante de um costume internacional. No campo do resseguro, não há dúvidas de que existem certas práticas, as quais analisaremos a seguir, que são reconhecidamente aceitas por todos os agentes deste mercado, tendo se tornado regras costumeiras através da contínua divulgação e reiteração de determinadas técnicas ressecuritárias. Segundo Frey, “a técnica e as necessidades dos negócios ressecuritários, que mundialmente de uma forma ou de outra se assemelham, fizeram com que se criassem, com o passar do tempo, regras costumeiras, que, no seu conjunto, são designadas como usos e costumes ressecuritários”. (Frey, 1989, p. 295).

271 SANTOS, João Marcelo Máximo dos. Ob. cit., p. 30. 272 HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., pp. 68/69.

145

Em primeiro lugar, ao celebrarem determinado contrato de resseguro, caberá ao

segurador e ao ressegurador o cuidado para esmiuçarem todos os aspectos capazes de,

futuramente, gerar dificuldades de compreensão. No entanto, caso essas surjam, não se

controverte quanto à utilização dos usos e costumes como forma de equacioná-las.

Nessa linha é a posição de Klaus Gerathewohl, citado por Marcelo Mansur Haddad273:

Neste sentido, ensina-nos Gerathewohl, para quem, em razão do acima exposto, o costume é uma fonte secundária do direito do resseguro (nächstwitchtige Quelle des Rückversicherungsrechts), pois, “para a construção e análise jurídica da relação entre segurador e ressegurador, os contratos de resseguro têm e continuam a ter significado especial, gozando de prioridade face a outros elementos. Na prática, contudo, não são raras as vezes em que a determinação contratual dos direitos e obrigações recíprocos das partes revela-se lacunosa e incompleta. É neste momento que entra em ação o costume ressecuritário: ele serve como fonte para a interpretação do direito contratual escrito e o preenchimento de lacunas, ou seja, situações que as partes não regularam ou regularam de forma imperfeita” (Gerathewohl, 1979, p. 511).

Para Rubén S. Stiglitz274, o motivo pelo qual inexiste um regramento quantitativo

específico nos contratos de resseguro se trata da inexistência de empresas – seguradores

e resseguradores – que não sejam dotadas de expertise para negociar, o que,

conseqüentemente, agrega ainda mais força à importância dos usos e costumes

internacionais. A seguir, alguns dos seus comentários:

El fundamento de la falta de reglamentación legal específica del contrato de reaseguro se halla en la circunstancia de que las empresas que celebran el mismo, ambas profesionales en la materia, tienen necesidad de ser protegidas una de la otra, lo que presupone la inexistencia de un débil jurídico. (...) Fuera del ámbito de aplicación de las escasas normas de que dispone la Ley de Seguros, o de la aplicación de ciertos princípios normativos receptados en la teoría general del contrato de seguro, en tanto se adapten al de reaseguro y sean aplicables analógicamente, hemos afirmado que prevalece la autonomía de la libertad contractual, muy especialmente en orden al contenido de los documentos negociales275.

273 HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 69. 274 STIGLITZ, Rubén S. Derecho de Seguros. Tomo III. 4 ed. Buenos Aires: La Ley, 2004, pp. 304/317. 275 Em tradução livre do autor: “O fundamento para a falta de regulamentação legal específico do contrato de

resseguro está calcado na circunstância de que as empresas que o celebram, ambas profissionais na matéria, têm necessidade de ser protegidas uma da outra, o que pressupõe a inexistência de um débil jurídico. (...) Fora do âmbito de aplicação de certos princípios normativos presentes na teoria geral do contrato de seguro, os quais se adaptam ao de resseguro e sejam aplicáveis analogicamente, temos afirmado que prevalece a autonomia da liberdade contratual, muito especialmente no que se refere ao conteúdo dos documentos acordados”.

146

Nessa linha de idéias, ao lado da importância dos usos e costumes internacionais

encontra-se também a importância da autonomia da vontade das partes, desde que em

observância à ordem pública estabelecida. Saavedra e Perucchi276, fazendo remissão a

Halperin e Morandi, assim se posicionam:

La Ley de Seguros contiene algunas muy pocas normas específicas referidas al contrato de reaseguro en su Título II (76) y frente a tal orfandad legislativa se nos pueden presentar dos interrogantes básicos: ¿ las normas de la Ley de Seguros, son en todos los casos, íntegramente aplicables al contrato de reaseguro? y, ¿ cuál sería el regimen legal aplicable a los contratos de reaseguro, especialmente cuando en ellos hay normas específicas determinando, con precisión, los derechos y obligaciones de las partes? (...) Halperín-Morandi creemos explican, adecuadamente, el régimen legal aplicable a los contratos de reaseguro. En tal sentido, dicen los citados autores que en este tipo de contrato, normalmente, hay dos partes que negocian una operación comercial en una razonable situación de equilíbrio y libertad: el asegurador y reasegurador quienes se suponen debidamente capacitados, con los conocimientos técnicos y con la experiencia suficiente para defender adecuadamente sus derechos y tomar decisiones sin necesitar del tutelaje de un régimen legal diseñado para proteger situaciones específicas y propias de los contratos de seguro de tipo massivo. A diferencia de los contratos de seguro, en donde en muchos casos – por ejemplo el de los seguros llamados “personales” – el asegurado simplesmente adhiere a una relación contractual que se le propone, en el contrato de reaseguro las partes tienen la possibilidad de discutir, negociar o en definitiva, optar por las condiciones más convenientes a sus intereses, incluso las que le puede ofrecer otro reasegurador. Por estas razones, la necesidad de protección al asegurado en el contrato de seguro – la parte “débil” -, no aparece como una necesidad essencial en el contrato de reaseguro y de allí la norma que consagra el artículo 162. Así las cosas, podremos afirmar sin temor a equivocarnos que el contrato de reaseguro le son aplicables , prioritariamente, las normas contractuales convenidas por las partes en el respectivo contrato y recién luego y en forma supletoria, se aplicarían las normas del Título I de la Ley de Seguros en cuanto estas normas no desvirtúen o atenten contra principios básicos del reaseguro e incluso los usos y costumbres que puedan resultar prioritariamente aplicables al caso. En consecuencia, dentro del contrato de reaseguro adquiere singular relavancia el principio de la “autonomia de la voluntad” según el cual “las convenciones hechas en los contratos forman para las partes una regla a la cual deben someterse como a ley misma277”.

276 SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., pp. 25/26. 277 Em tradução livre do autor: A Lei de Seguros contém poucas normas específicas referentes ao contrato de

resseguro em seu Título II e, diante desta carência legislativa, formulam-se duas indagações básicas: as normas da Lei de Seguros são, em todos os casos, integralmente aplicáveis ao contrato de resseguro? Qual seria o regime legal aplicável aos contratos de resseguro, especialmente quando nestes há normas específicas determinando, com precisão, os direitos e obrigações das partes? (...) Halperín-Morandi, acreditamos, explicam adequadamente o regime aplicável aos contratos de resseguro. Nesse sentido, dizem os mencionados autores que nesse tipo de contrato, normalmente, há duas partes que negociam uma operação comercial numa razoável situação de equilíbrio e liberdade: o segurador e o ressegurador, os quais se supõem devidamente capacitados, com os conhecimentos técnicos e com a experiência suficiente para defender adequadamente os seus direitos e tomar decisões sem necessitar de tutela de um regime legal desenhado para proteger situações específicas e próprias dos contratos de seguro de massa. A diferença dos contratos de seguro, nos quase em muitos casos – por exemplo - dos seguros chamados pessoais – o segurado simplesmente adere a uma relação contratual que lhe é oferecida, no contrato de resseguro as partes têm a possibilidade de discutir, negociar ou, em definitivo, optar pelas condições

147

Também ressaltando a importância da autonomia da vontade das partes e dos usos

e costumes internacionais cumpre observar a posição de Sérgio Barroso de Mello278:

Resulta inquestionável que o primeiro problema a esclarecer, deve ser a questão das normas aplicáveis aos contratos de resseguro, resguardando a capacidade das partes à livre transação com a ordem pública, evitando seu comprometimento. Este tem sido um tema tratado com freqüência pela doutrina internacional, dado que representa a base de qualquer consideração posterior de índole jurídica. Geralmente os contratos de resseguro estabelecem uma tripla graduação quanto às normas aplicáveis à relação contratual: a) o previsto expressamente no contrato; b) os usos e costumes do negócio de resseguros; e c) a lei nacional aplicável. (...) O próprio contrato é a primeira fonte normativa. Nesse aspecto é de plena aplicação o princípio de autonomia da vontade. Até porque, como observa Kelsen, citado por Orlando Gomes em Contratos. 12. ed., p. 15 – a definição tradicional que o tem como um acordo de vontades de dois ou mais sujeitos, tendente a criar ou extinguir uma obrigação e o direito subjetivo correlato passa por alto uma de suas funções mais importantes, que é a função criadora do direito. De fato, ao celebrar um contrato, as partes não estão limitadas à aplicação do direito abstrato que o rege, estão mesmo criando normas individuais, que fazem parte do conteúdo contratual e exigem determinado comportamento dos contratantes, tendo igual fundamento normativo da regra pacta sunt servanda, que aplicam ao celebrar o contrato. Ao nosso ver, opõe-se à livre aplicação deste princípio a vulnerabilidade da ordem pública nacional, que se constitui no conjunto de princípios incorporados implícita ou explicitamente na ordenação jurídica nacional, que por serem consideradas para sobrevivência do Estado e salvaguarda de seu caráter próprio, impedem a aplicação do direito estrangeiro que os contradiga, ainda que determinado pela regra dos conflitos. Quanto aos denominados usos e costumes internacionais, a segunda das fontes reconhecidas pelos contratos de resseguro, deve-se ser sumamente cuidadoso em sua análise e interpretação. O desconhecimento ou a experiência que poderia ter a Seguradora-Cedente, pode levá-la, em especial nos momentos de situação econômica pouco confortável, a passar uma conduta não muito ajustada aos costumes internacionais, através de utilização de expedientes inexistentes nos contratos de resseguro, embora comuns nos contratos originários de seguro, ou lhe dar uma interpretação não muito correta de suas normas e características básicas, com o intuito de fazer prevalecer uma posição a ela mais favorável. Não raro, as discussões entre seguradoras e resseguradoras são extremamente dificultosas, não só sobre estes tipos de costumes, como também sobre a

mais convenientes são seus interesses, inclusive as que poderão ser oferecidas por outro ressegurador. Por essas razões, a necessidade de proteção do segurado no contrato de seguro – a parte “débil”, no artigo 162, não aparece como uma necessidade essencial no contrato de resseguro e do que assegura o art. 162. Assim, poderemos afirmar, sem medo de errar, que ao contrato de resseguro são aplicáveis, prioritariamente, as normas contratuais convencionadas pelas partes no respectivo contrato e, de forma subsidiária, se aplicariam as normas do Título I da Lei de Seguros desde que essas normas não desvirtuem ou atentem contra princípios básicos do resseguro, inclusive os usos e costumes que podem apresentar-se prioritariamente aplicáveis ao caso. Em conseqüência, no contrato de resseguro adquire singular relevância o princípio da autonomia da vontade das partes, segundo o qual as convenções celebradas nos contratos formam para as partes uma regra à qual devem se submeter, assim como se submetem à própria lei”.

278 MELLO, Sérgio Barroso de. Contrato de Resseguro. Natureza Normativa e Conflitos Jurídicos Relevantes. Disponível em <http://www.anspnet.org.br/adm/Monografias/Arquivos/Contrato%20de%20Resseguro.doc>, acessado em 3.2.2007.

148

interpretação que dever-se-ia dar a uma determinada palavra ou conceito, principalmente pelas diferenças idiomáticas existentes. (...).

Assim, pode-se afirmar, à luz do exposto, que a autonomia da vontade das partes

exerce papel relevante no estabelecimento dos direitos e deveres numa relação entre

segurador e ressegurador, valendo acrescentar que os usos e costumes internacionais

também figuram como fonte de direitos e obrigações em matéria ressecuritária,

notadamente nas hipóteses em que o que for livremente celebrado pelas partes não for

suficiente para dirimir as eventuais controvérsias surgidas. Adiante, serão observados os

principais usos e costumes internacionais em matéria ressecuritária.

4.5.1 Comunhão de Sorte entre Segurador e Ressegurador – folow the fortunes

Passando à discussão relativa aos usos e costumes especificamente, Marcelo

Mansur Haddad, em primeiro lugar, remete ao princípio denominado comunhão de sorte

– ou, do inglês, o conhecido follow the fortunes ou, ainda, follow the settlements.

Em linhas gerais, este significa dizer que o ressegurador seguirá a sorte do

segurador no que se refere às suas perdas, decorrentes dos sinistros que venha a pagar,

bem como no que se refere aos seus ganhos, decorrentes da desnecessidade de que tenha

que ser efetuado o pagamento de indenizações279, jamais podendo abandoná-lo.

A comunhão de sorte entre seguradores e resseguradores exteriorizou-se,

inicialmente, nos tratados proporcionais de resseguro, cuja estrutura determina que tanto

o repasse do prêmio ao ressegurador, quanto a sua responsabilidade, serão proporcionais

ao que for avençado pelas partes previamente à celebração do ajuste.

Paulo Luiz de Toledo Piza280, explicando a sistemática do resseguro proporcional,

aduz que:

O chamado “resseguro proporcional” caracteriza-se, antes de mais nada, pelo fato de o ressegurador seguir pari passu a sorte do segurador, porquanto “participa” proporcionalmente dos resultados e das perdas deste. Por esta razão, aliás, é que os tratados proporcionais, como já se disse, são também chamados de “resseguros de risco”. (...) O tratado proporcional é o sistema, por assim dizer, mais conhecido de resseguro. Por meio dele, a prestação do ressegurado ao ressegurador é proporcional ao prêmio recebido por conta dos riscos a serem “cedidos”, ou melhor, dos riscos compreendidos pelo tratado

279 HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., pp. 70/72. 280 PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob. cit., p. 106.

149

como passíveis de gerar danos à atividade seguradora. Os pagamentos a cargo do ressegurador, da mesma forma, são proporcionais aos pagamentos que incumbir ao segurador, frente a seus segurados. Nesse sentido, portanto, é que o ressegurador “participa” do “mesmo” risco do segurador, ou, como resume Lambert-Faivre, “a parte do ressegurador é (...) determinada em função do capital garantido pelo cedente; ele recebe a parte do prêmio correspondente e suporta os sinistros na mesma proporção; a sorte do ressegurador está ligada àquela do cedente.

Saavedra e Perucchi281 explicam que o princípio em referência não se aplica,

apenas, aos tratados proporcionais de resseguro, esclarecendo que a posição voltada à

sua aplicação apenas a esses tratados não encontra justificativa. Reproduzem-se alguns

dos seus comentários a respeito das circunstâncias que implicam na incidência deste

princípio, assim como ao posicionamento dirigido à sua aplicação aos resseguros

proporcionais e aos não proporcionais.

Las obligaciones que para el reasegurador nacen del contrato de reaseguro respecto del asegurador cedente, derivan, en definitiva, de un contrato cuya naturaleza jurídica corresponde a la de un contrato de seguro de responsabilidad civil, cuyas normas influyen, decisamente, sobre el seguro primario u original – en cuanto a la validez, monto de la responsabilidad, etc. De allí la regla, consagrada universalmente, que indica que el reasegurador “sigue la suerte” o “sigue la fortuna” – “follow the fortunes” – del asegurador cedente en todo lo previsto en el contrato de reaseguro y en las normas legales que lo regulen. Esta regla ha sido también calificada por Hofmann, quizás com mayor rigurosidad en cuanto a su alcance, como seguir la disfortuna. (...) El concepto de “seguir la suerte” o “follow the fortunes” conlleva la idéia que el reasegurador debe seguir la suerte dela reasegurado, tanto respecto a las perdidas como también a los gastos conexos a um siniestro. Originariamente el concepto de “seguir la suerte” estaba identificado con los contratos proporcionales, pero en la actualidad dicho concepto se utiliza para todo tipo de contrato de reaseguro y se lo identifica también con la idea de “follow the settlements”, especialmente en la jurisdición norteamericana. (...)282.

Ainda no que se refere a este princípio, vale chamar a atenção às hipóteses nas

quais o ressegurador alforria-se da obrigação de “seguir a sorte” do segurador-cedente, 281 SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., pp. 51/52. 282 Em tradução livre do autor: As obrigações que para o ressegurador nascem do contrato de ressegurom com

relação ao segurador cedente, derivam, em definitivo, de um contrato cuja natureza jurídica corresponde a um contrato de seguro de responsabilidade civil, cujas normas influem, decisivamente, sobre o seguro primário ou original – no que toca à validez, montante a ser indenizado, etc. Disto decorre a regra, consagrada universalmente, que indica que o ressegurador “segue a sorte” ou “segue a fortuna” ou – “follow the fortunes” – do segurador cedente em todo o previsto no contrato de resseguro e nas normas legais que o regulamentam. Esta regra também foi qualificada por Hofmann, com ainda maior rigor quanto ao seu alcance, como “seguir o revés” (...) O conceito “seguir a sorte” ou “follow the fortunes” remete à idéia de que o ressegurador deve seguir a sorte do ressegurado, tanto a respeito das perdas como aos gastos conexos a um sinistro. Originalmente, o conceito “seguir a sorte” estava identificado com os contratos proporcionais, mas, na atualidade, aquele conceito se utiliza para todo tipo de contrato de resseguro e também é identificado com a idéia “follow the settlements”, especialmente na jurisdição norte-americana. (...).”

150

sendo estas as seguintes: (i) o segurador vê-se compelido a cumprir uma obrigação em

razão de um inadimplemento anterior à celebração do contrato de resseguro; (ii) dolo ou

má-fé por parte do segurador-cedente; e (iii) exclusão de risco constante do contrato de

resseguro283.

Em seus comentários ao Projeto de Lei Ordinária nº. 3.555284, de 2004,

especificamente com relação aos dispositivos afetos ao contrato de resseguro, Paulo

Luiz de Toledo Piza285 assim se posiciona no que toca à comunhão de sorte do

ressegurador com o segurador:

A disposição encampa o princípio clássico de resseguro de que o ressegurador deve seguir a sorte do segurador (to follow the fortunes). Há, com efeito, de um ponto de vista figurado, uma comunidade de interesses entre segurador e ressegurador, de tal maneira que, por um lado, a fortuna, boa ou má, da atividade securitária, seja compartilhada pelo ressegurador, até o limite da atribuição patrimonial fixada no contrato de resseguro. Por outro lado, isso significa que as decisões tomadas pelo segurador com relação aos negócios de seguro, que reflitam sobre o negócio de resseguro, sejam seguidas pelo ressegurador. Trata-se de seguir a responsabilidade do segurador, no dizer de Blanca Romero Matute. Esse princípio só se excepciona por disposição expressa constante do contrato de resseguro e se exerce, como pontuaram as emendas referidas, considerada a modalidade técnica ressecuritária. Aliás, como consigna Klaus Gerathewohl, trata-se de princípio “aplicável a todas as modalidades de resseguro e não apenas aos tratados de resseguro proporcionais. Ele é também válido para todos os tipos de tratados não proporcionais, inclusive em modalidades raras como o resseguro para eventos específicos e coberturas setoriais operadas quase exclusivamente no seguro marítimo”. (...) Em síntese, o princípio compreende a responsabilidade do ressegurador de garantir o equilíbrio da atividade securitária, mesmo quando afetada por fatos ocorridos durante a regulação de sinistro, judicial ou extrajudicial, e de garantir o risco de prejuízos que, em razão de eventual demora ou recusa do segurador de indenizar, possam afetar correspondentemente o exercício de sua atividade. Mas, evidentemente, o princípio não encontrará aplicação, caso, nessas situações o segurador tenha atuado danosa e dolosamente.

Desta maneira, nota-se que, por intermédio deste princípio – “follow the fortunes”

– o ressegurador, via de regra, não poderá deixar o segurador cedente à sua própria

sorte, inviabilizando as coberturas ressecuritárias originalmente contratadas. Como

conseqüência diretamente decorrente da aplicação deste princípio, obviamente os

283 SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., p. 57. 284 O Projeto de Lei Ordinária nº. 3.555, de 2004 estabelece normas gerais em contratos de seguro privado e revoga

dispositivos do Código Civil, do Código Comercial Brasileiro e do Decreto-Lei nº 73, de 21.11.1966. De autoria do Deputado Federal José Eduardo Cardoso – PT-SP, encontra-se em tramitação no Congresso Nacional, sob a Relatoria do Deputado Federal Ronaldo Dimas – PSDB-TO.

285 PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Notas Sobre Co-seguro e Resseguro no Projeto de Lei nº. 3.555/2004. In: IV Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho. São Paulo: IBDS, 2006, pp. 346/347.

151

contratos de resseguro celebrados pelas partes não poderão contrariar esta regra, sob

pena de que ocorra a sua desnaturação.

4.5.2 Autonomia de Gestão do Segurador

O segundo costume reiteradamente utilizado se trata da autonomia de gestão do

segurador. Marcelo Mansur Haddad286 explica-o da seguinte maneira:

Segundo a praxe ressecuritária, reconhecida internacionalmente como direito costumeiro, o fato do segurador celebrar com um determinado ressegurador um contrato de resseguro não afasta a independência e autonomia que aquele goza na gestão de seus negócios, em especial, dos riscos por ele assumidos. Não obstante o acima dito, devem, porém “todas as medidas e decisões do cedente sempre observar também os interesses dos resseguradores” (GERATHEWOHL, 1979, p. 522), o que não deixa de ser um reflexo do princípio da máxima boa-fé, onde, como já mencionado por Hans-Heinrich Frey, o segurador deve sempre agir como se o risco em questão não tivesse sido – como de fato foi – ressegurado.

Noutras palavras, o fato de ter sido celebrado um contrato de resseguro não torna

a gestão das reservas técnicas por parte do segurador absolutamente vinculada à

administração desenvolvida pelo ressegurador. O segurador permanecerá detendo

autonomia para gerir a sua carteira, valendo ressalvar, no entanto, que esta autonomia

não poderá implicar numa gestão irresponsável, com conseqüentes perdas maiores para

o ressegurador, o que, aliás, representa um reflexo da incidência do princípio da máxima

boa-fé – uberrima fides287. Pode-se dizer que o princípio em tela se trata de um corolário

286 HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 72. 287 A respeito da máxima boa-fé ou uberrima fides, cumpre transcrever algumas palavras de Paulo Luiz de Toledo

Piza: “A tônica em que a boa-fé, no âmbito dos contratos de seguro e de resseguro, não é apenas a boa-fé exigida para os contratos em geral, mas uma boa-fé especialíssima, explica-se, fundamentalmente, de dois modos. De um lado, pelo fato de não se admitir nem mesmo a mera reticência e, de outro, pelo fato de ser exigida, com grau máximo de intensidade, desde a chamada fase pré-contratual, passando pelo momento da conclusão do ajuste e persistindo, com igual rigor, durante toda a fase de execução do contrato. Tal dever comportamental depreende-se, hoje, de modo explícito, no ordenamento brasileiro, em matéria de seguros, fundamentalmente, do disposto no art. 756 do Código Civil de 2002, e o mesmo se depreendia, anteriormente a este, dos arts. 1.443, 1.444, 1.454 e 1.455 do Código Civil de 1916. O mesmo, aliás, verifica-se em matéria de seguros nos mais diversos ordenamentos jurídicos nacionais. Tal não se aponta, entretanto, de modo explícito, na generalidade dos casos, em matéria de resseguro. Talvez fosse possível, diante disso, com relação ao contrato de resseguro, que nenhuma norma obrigaria, de modo claro e direto, as partes de uma relação ressecuritária a atuarem, desde o primeiro contato, de conformidade com a uberrima fides. Na prática, porém, qualquer operador do mercado declarará que se inspira na uberrima fides, e não simplesmente na boa-fé atinente aos contratos em geral – e que assim procede quer durante a estipulação, quer no curso da execução do contrato de resseguro. A boa-fé representa, portanto, um dever de comportamento que é constante em toda a atividade das partes de uma relação ressecuritária qualquer”. (PIZA, Paulo Luiz de Toledo. Ob. cit., pp. 319/320). Ainda quanto à máxima boa-fé, os comentários de Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel são taxativos ao examinarem o art. 765 do Código Civil Brasileiro: “A exigência da boa-fé, como regra de conduta das partes nos contratos de seguro (relação

152

da obrigação originalmente assumida pelo segurador-cedente, cujo cumprimento

independe de haver ou não sido celebrado o contrato de resseguro288. O segurador, como

responsável pela subscrição do risco que lhe foi exposto pelo segurado, deverá

diligenciar com a necessária autonomia e responsabilidade, de modo a gerir a sua

carteira de negócios de maneira proba, evitando perdas decorrentes de gestão temerária.

Haddad lembra quais são as três principais conseqüências da aplicação do

princípio da autonomia da gestão dos negócios do segurador em relação ao

ressegurador289:

(i) Liberdade de escolha dos riscos e conclusão dos respectivos contratos de

seguro, bem como a autonomia para determinação do valor do prêmio a ser

cobrado do segurado;

(ii) Liberdade de administração dos contratos de seguro, incluindo a

possibilidade de efetuar endossos nas apólices originalmente emitidas; e

(iii) Liberdade no procedimento de regulação dos sinistros ocorridos com base

nos referidos contratos de seguro, a qual inclui a prerrogativa de, a seu

exclusivo critério, reconhecer ou não o sinistro, averiguar e/ou determinar o

seu montante e/ou acionar os terceiros causadores dos prejuízos, em função

da sub-rogação de direitos que normalmente decorrem do pagamento de um

sinistro ao segurado.

Com relação aos contratos de resseguro facultativos, isto é, estabelecidos

individualmente, caso a caso, conforme for a necessidade de expansão da capacidade de

contratual e relação obrigacional) foi proclamada desde sempre e continua sendo objeto de intensa atenção doutrinária, em face da sua crescente importância. A norma, é importante salientar, exige o comportamento com a máxima intensidade. Não diz boa-fé, em sim “a mais estrita boa-fé”, e acresce a idéia de veracidade.”(TZIRULNIK, Ernesto et alli. O Contrato de Seguro de Acordo com o Novo Código Civil. 2 ed. São Paulo: RT, 2003, p.74).

288 Exatamente em razão de a obrigação assumida pelo segurador-cedente em relação ao segurado ser independente da obrigação assumida pelo ressegurador em relação ao segurador-cedente, a Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, em seu artigo 14, caput, impede a responsabilização direta dos resseguradores no que se refere às obrigações assumidas perante os segurados. “Art. 14. Os resseguradores e os seus retrocessionários não responderão diretamente perante o segurado, participante, beneficiário ou assistido pelo montante assumido em resseguro e em retrocessão, ficando as cedentes que emitiram o contrato integralmente responsáveis por indenizá-los”.

289 HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 73.

153

subscrição por parte do segurador (cedente), esclarece-se que das três principais

características acima mencionadas, a liberdade de escolha dos riscos e conclusão dos

respectivos contratos não será exercida em sua plenitude, ficando vinculada à aceitação

por parte do ressegurador. Igualmente no que toca à regulação dos sinistros, em

contratos de resseguro individuais é comum a participação ativa do ressegurador290.

Pode-se explicar a autonomia de gestão do segurador-cedente em relação ao

ressegurador considerando que os riscos por estes subscritos são distintos: ao passo que

aquele subscreve o risco incidente sobre um interesse legítimo do segurado, este

subscreve o risco incidente sobre o patrimônio do segurador-cedente. Nessa exata linha

de raciocínio posicionam-se Isaac Halperin, Juan Carlos Felix Morandi, Nicolas

Barbato e Gustavo Raúl Meilij, citados por Saavedra e Perucchi291:

Coincidiendo en líneas generales con los antes expuesto, aunque dicho con otras palabras, Halperín-Morandi enseñan que “El riesgo cubierto – por el reasegurador – es distinto al del seguro, porque consiste en la consecuencia patrimonial para el asegurador... El interés del asegurador radica en el daño resultante de la ejecución del contrato de seguro”. Por su parte, Barbato y Meilij coinciden con lo precedentemente expuesto con estas palabras: “Respecto de la relación asegurado-asegurador, el contrato de reaseguros no tiene incidência alguna, por ser ajeno a la misma”. Nos parece que desde el punto de vista de la doctrina argentina, está suficientemente claro que el contrato de seguro y el de reaseguros son dos contratos totalmente diferentes (...)292.

Restando esclarecido o porquê desta autonomia, traduzida na independência dos

riscos que são objeto dos contratos de seguro e de resseguro, passa-se a discorrer a

respeito do terceiro uso e costume em matéria ressecuritária, qual seja, a obrigação de

respeito aos atos praticados pelo segurador.

290 HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 74. 291 SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., p. 22. 292 Em tradução livre do autor: “Coincidindo em linhas gerais com o antes exposto, mesmo que dito em outras

palavras, Halperín-Morandi ensinam que “O risco coberto – pelo ressegrador – é distinto do seguro, porque consiste na conseqüência patrimonial para o segurador... O interesse do segurador está centrado no dano resultante da execução do contrato de seguro”. Por sua parte, Barbato y Meilij coincidem com o antes exposto com essas palavras: “Com referência à relação segurado-segurador, o contrato de resseguro não tem incidência alguma, por ser alheio à mesma”. Nos parece que do ponto de vista da doutrina argentina, está suficientemente claro que o contrato de seguro e o de resseguros são dois contratos totalmente diferentes (...)”.

154

4.5.3 Obrigação de Respeito aos Atos Praticados pelo Segurador

O terceiro costume internacionalmente aplicado refere-se à obrigação do

ressegurador respeitar os atos praticados pelo segurador, desde que, por certo, com

respeito à máxima boa-fé. Marcelo Mansur Haddad assim explica a utilização desse

costume293:

Assim, se existe, para o segurador, a autonomia de gestão, uma vez tendo esta sido corretamente exercida, existirá, para o ressegurador, o dever de respeitar as decisões tomadas pelo segurador na administração dos riscos. Não queremos aqui dizer que a um direito do segurador, o direito de gerir autonomamente os riscos assumidos, corresponde um dever do ressegurador. Pelo contrário, a autonomia da seguradora deve ser no sentido de não poderem ser prejudicados os interesses deste último. Em outras palavras, o ressegurador “deve ter o direito de esperar que o segurador tenha sempre em conta seus próprios interesses, assim como os interesses do ressegurador” (MERKELBACH, 1984, p. 287). (...) Desta forma, excetuados os casos onde a administração dos riscos pelo segurado tenha sido feita por dolo ou culpa (GERATHEWHOL 1979, pp. 529 e seguintes), (DIRUBE, 1993, pp. 55 e seguintes) (GROSSMAN, 1977, p. 46) (MERKELBACH, 1984, p. 288) do segurado em detrimento dos interesses do ressegurador, estará então este, em princípio, indiretamente vinculado pelas condições do seguro celebrado pelo segurador, bem como por quaisquer alterações do contrato. Este vínculo igualmente existirá, no que tange à regulação dos sinistros verificados, os quais repercutirão no ressegurador, nos termos do contrato de resseguro, independentemente das medidas e decisões que tenham sido tomadas pelo segurador no que se refere a tal procedimento de regulação.

Portanto, não havendo conduta dolosa ou culposa do segurador, que tenha

causado prejuízo ao ressegurador, este estará vinculado às conseqüências decorrentes da

gestão da carteira exercida por aquele.

A questão do dolo, da intenção de que ocorra o sinistro, é contrária à própria

concepção do seguro e, por via reflexa, do resseguro. Determinado segurado, ao desejar

a contratação de um seguro, o faz para prevenir-se de um eventual sinistro que macule o

seu patrimônio, a sua integridade física, a sua saúde, variando, nesse sentido, o interesse

segurável, conforme dispõe o art. 757 do Código Civil Brasileiro. Caso o segurado, no

momento da celebração do contrato, deseje a ocorrência do sinistro e, intencionalmente,

dê causa à mesma, o seguro perde uma das suas principais características, qual seja, a

imprevisibilidade do sinistro e, em assim sendo, o segurado perderá o direito à garantia

293 HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., pp. 75/76.

155

oferecida pelo segurador. Essa é a regra prevista no art. 762 do Diploma Legal acima

mencionado.

Em matéria de resseguro, consoante se expôs, deverá o ressegurador respeitar os

atos praticados pelo segurador, desde que, obviamente, sua conduta seja pautada pela

mais estrita boa-fé.

Para que, em virtude de afronta à mencionada espécie de boa-fé, o ressegurador

possa praticar a negativa de cobertura em relação ao segurador-cedente, algumas

circunstâncias deverão ser observadas: (i) as circunstâncias falseadas ou omitidas

deveriam ser conhecidas do segurador quando da celebração do contrato; (ii) a

informação a respeito da qual houve a omissão fosse, segundo a experiência comum,

necessária à celebração do contrato de resseguro ou tivesse sido especificamente

requerida pelo ressegurador ou, ainda, teria sido oferecida pelo segurador; (iii) diante da

informação omitida, o ressegurador ou teria imposto condições diferentes à celebração

do contrato ou nem mesmo o teria celebrado294. Pondo termo aos comentários a respeito

dos principais usos e costumes internacionais em se tratando de resseguro, cumpre

trazer considerações acerca do direito de inspeção e do dever de retenção do risco pelo

segurador.

4.5.4 Direito de Inspeção

Também decorrente da aplicação da máxima boa-fé à relação existente entre as

partes no contrato de resseguro, surge o direito de inspeção por parte do ressegurador

sobre a carteira de negócios do segurador, o que contempla a verificação cautelosa sobre

o cálculo dos prêmios, análise dos riscos, exame dos balanços contábeis, em suma, é

outorgado ao ressegurador o direito de examinar se o segurador está desempenhando as

suas tarefas de modo regular, com transparência e lisura. Segue a explicação de Marcelo

Mansur Haddad para este costume295:

Fundamentalmente, o direito de inspeção consubstancia-se na prerrogativa conferida ao ressegurador, ainda que não expressamente inserida no contrato de resseguro (HAGOPIAN & LAPARRA, 1991, p. 71) (EWALD & LORENZI, 1998, p. 1.351), de “proceder ao exame e verificação de todos os livros e demais documentos da companhia cedente (tais como, registro de prêmios e sinistros), que se relacionem com o contrato de resseguro em questão e com o negócio

294 SAAVEDRA, Domingo M. López e PERUCCHI, Héctor A. Ob. cit., p. 34. 295 HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., p. 76.

156

assumido pelo ressegurador” (GERATHEWOHL, 1979, p. 533). Segundo Dirube, “outro ônus que pesa sobre a companhia cedente é o de permitir ao seu ressegurador, em qualquer momento, verificar os antecedentes, elementos de avaliação ou comprovantes relacionados com o negócio ressegurado, pondo à disposição dele todos os documentos, livros e informações em seu poder sobre os negócios ressegurados ou sobre os sinistros ocorridos” (DIRUBE, 1993, p. 59).

Nota-se nessa prerrogativa conferida ao ressegurador, tendo em vista o seu

relacionamento com o segurador-cedente, um corolário da aplicação da boa-fé

objetiva296. O relacionamento entre empresas, do qual é exemplo a relação existente

entre segurador e ressegurador, deve ser norteada pelos princípios inerentes à

governança corporativa, cujo valor foi sensivelmente majorado a partir do advento da

Lei Sarbanes Oxley297, em 2002. Não seria congruente, à luz desses princípios, fazer

296 “Distinção entre boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva. A boa-fé tratada como novo princípio do direito contratual

distingue-se daquela outra boa-fé, consistente numa análise subjetiva do estado de consciência do agente por ocasião da avaliação de um dado comportamento. Esta última, denominada boa-fé subjetiva, é desde há muito conhecida da legislação brasileira. O novo Código Civil a define ao tratar da posse de boa-fé: “Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. Analisando sob a ótica subjetiva, a boa-fé apresenta-se como uma situação ou fato psicológico. Sua caracterização dá-se através da análise das intenções da pessoa cujo comportamento se queira qualificar. Transposta para o domínio das obrigações contratuais, a noção de boa-fé adquire conotações muito diversas das que se inferem de sua vertente subjetiva. A dita boa-fé objetiva, muito além de um critério de qualificação do comportamento do sujeito, impõe-lhe deveres, constituindo-se numa autêntica norma de conduta. (...) Ontologicamente, a boa-fé objetiva distancia-se da noção subjetiva, pois consiste num dever de conduta contratual ativo, e não de um estado psicológico experimentado pela pessoa do contratante; obriga à colaboração, não se satisfazendo com a mera abstenção, tampouco se limitando à função de justificar o gozo de benefícios que, em princípio, não de destinariam àquela pessoa”. (NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Novos Paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 121/122).

297 “Muitos executivos ainda desconhecem a lei de maior impacto no mercado de capitais dos Estados Unidos, desde a legislação dos anos 30, que criou a SEC - Secury and Exchange Comission (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos). Em 2002, após a ocorrência de vários escândalos contábeis, como a Enron e Worldcom, foi promulgada uma lei de reforma corporativa, para dar maior publicidade às informações e propiciar fiscalizações preventivas pela SEC. O objetivo mor da Lei Sarbanes-Oxley é coibir a conduta antiética de administradores e auditores. Assim, a lei surgiu para restaurar a confiabilidade nas demonstrações contábeis e financeiras, e com isso incentivar o investimento na Bolsa de Valores. A SEC é a entidade responsável pela regulamentação da nova lei, incluindo a criação do Comitê de Contabilidade (Public Company Accounting Oversight Board). Na qualidade de autor de livro sobre Ética Profissional, verifico que SEC foi inovadora ao exigir das empresas a criação de um Código de Ética para seus diretores financeiros. Tecnicamente, a Lei Sarbanes-Oxley apresenta um rol de responsabilidades e sanções, tipificando crimes de colarinho branco em que os agentes podem ser administradores e auditores. Ficam proibidas as práticas contábeis que possam expor qualquer sociedade anônima a um risco sem provisionamento prévio e também os empréstimos para membros do conselho de administração ou diretoria. Qualquer violação à lei, prescreve em 5 anos do fato gerador ou 2 anos após a descoberta de sua ocorrência. O impacto para o Brasil, é que a lei é erga omnes para todas as empresas que negociam nas bolsas de valores norte americanas (transnacionais de capital americano e empresas brasileiras com ADRs). Mesmo assim, por uma questão ética, todas as empresas devem seguir a Lei Sarbanes-Oxley, para prevenir fraudes e responsabilizar os maus administradores. Pela lei, foram criados quatro novos procedimentos: controles internos, controles administrativos, controles de auditoria e controles de risco. Sob pena de responsabilidade civil e criminal cada Presidente (CEO) e Diretor-Financeiro (CFO) das empresas deverão, até o dia 30 de junho de cada ano, assinar as demonstrações financeiras referentes ao ano imediatamente anterior. Estas demonstrações deverão ser entregues, até o dia 30, à SEC em formulários próprios (relatórios 20-F e 40-F), sob pena de responsabilidade civil e criminal. Até 30 de julho de 2004, o CEO e o CFO terão que certificar e atestar a eficácia dos procedimentos e controles internos das companhias. A partir de então, todos os procedimentos e informações terão que ser formalizados por meio de relatórios de responsabilidade e, todos os controles deverão ser avaliados periodicamente. Por fim, é interessante salientar que o novo Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002), também incluiu a obrigação de indenizar, como responsabilidade da má gestão de administradores de empresas”. (LIMA, Alex Oliveira Rodrigues de. Comentários sobre a Lei Sarbanes-Oxley. Disponível em

157

com que as atividades realizadas pelo segurador fossem absolutamente alheias às vistas

do ressegurador, já que, em ocorrendo o sinistro, far-se-ia necessário recorrer às

coberturas por este oferecidas.

4.5.5 Dever de Retenção do Risco pelo Segurador

Por fim, convém trazer comentários relacionados ao dever de retenção do risco

pelo segurador-cedente em relação ao ressegurador.

No contrato de seguro, é muito comum a retenção de parte do risco pelo segurado,

isto é, considerando um determinado risco que corresponda à fração de um inteiro, um

décimo deste inteiro fica sob a responsabilidade do segurado, ao passo que os nove

décimos restantes à composição do inteiro correm sob a responsabilidade do segurador,

o que caracteriza a utilização da franquia dedutível.

A mencionada retenção de risco é também comumente conhecida como a

franquia, gênero do qual são espécies a franquia simples e a dedutível298. Por hipótese,

caso ocorra determinado sinistro envolvendo um bem móvel, parte da perda

experimentada pelo segurado correrá às suas próprias expensas, respondendo a

seguradora pelo montante que superar essa participação obrigatória, isto é, o montante

que for superior à franquia será de responsabilidade da seguradora.

Em matéria de contrato de resseguro, especificamente na União Européia, também

é muito comum a aplicação desta retenção do risco pelo segurador em relação ao

ressegurador, até mesmo como forma de fazer com que o segurador tenha interesse em

que não ocorram os sinistros, para que sua parte no montante correspondente à

indenização total não tenha que ser desembolsada299.

<http://www.noticiasforenses.com.br/artigos/nf189/online/alex-lima-189.htm>. Acessado em 23 de janeiro de 2007).

298 “Franquia: termo utilizado pelo segurador para definir valor calculado matematicamente e estabelecido no contrato de seguro, até o qual ele não se responsabiliza a indenizar o segurado em caso de sinistro. Subdivide-se em dedutível e simples. Franquia dedutível: termo utilizado pelo segurador para definir valor estabelecido no contrato, que sempre será deduzido do prejuízo apurado em caso de sinistro, importando em redução do prêmio do seguro; parcela que corra por conta do segurado; subdivide-se em duas formas de contratação: 1 – obrigatória: é aquela imposta pelo segurador, cujo desconto já está computado no prêmio fornecido pelo segurador; 2 – facultativa: é aquela contratada por iniciativa do segurado, sendo cumulativa com a obrigatória; sua contratação importa em redução no prêmio, dependendo do nível escolhido. Franquia simples: termo utilizado para definir valor estabelecido no contrato, até o qual o segurador não pagará qualquer indenização em caso de sinistro; se, no entanto, o prejuízo for superior ao valor estabelecido, o prejuízo será pago integralmente”. (FIORI, Alexandre Del. Dicionário de Seguros. São Paulo: Manuais Técnicos de Seguros – EMTS, 1996, p. 66).

299 HADDAD, Marcelo Mansur. Ob. cit., pp. 77/78.

158

4.6 Conclusão Quanto aos Usos e Costumes Internacionais

Os cinco usos e costumes acima destacados são freqüentemente utilizados por

resseguradores e seguradores estabelecidos nos mais diversos países ao redor dos cinco

continentes, sendo certo que esta utilização se sobrepõe a eventuais restrições erigidas

pelos seus aparatos regulatórios.

Nos capítulos anteriores, explicou-se que, com relação ao mercado ressegurador

norte-americano, há um esforço voltado à uniformização das normas criadas por cada

Estado daquele país, no sentido de viabilizar a atuação dos resseguradores sediados em

determinado Estado em todo o país. Quanto aos mercados resseguradores dos diversos

países integrantes da Comunidade Européia - CE, demonstrou-se, da mesma maneira,

que a Diretriz 2002/92/CE determina que uma licença concedida por um país integrante

da Comunidade goza de validade nos demais países, ou seja, tanto no mercado dos

EUA, quanto no mercado europeu, a tendência segue o caminho da convergência, da

uniformização das normas, normas essas, consoante exposto, que são criadas e

desenvolvidas pelos próprios resseguradores, independentemente de deliberações

governamentais.

Portanto, no que toca ao mercado ressegurador brasileiro, raciocina-se no sentido

de que o caminho a ser trilhado não poderá destoar do que já vem sendo há tempos

praticado em âmbito internacional. A utilização dos mencionados usos e costumes,

certamente, representa um primeiro passo no sentido de que o país esteja alinhado ao

que já vem sendo realizado nos mercados internacionais.

Com relação à participação do Brasil no MERCOSUL, traçando aqui um paralelo

com a CE, pode-se sustentar que eventual autorização que venha a ser expedida pelo

Governo brasileiro viabilizará a atuação do ressegurador autorizado nos demais países

integrantes desse bloco econômico, sem que se faça necessária a obtenção de nova

autorização nos outros países. Com medidas como essa, certamente será aberto espaço

para que o próprio IRB, mesmo que permaneça sob o controle estatal, possa aumentar a

sua participação nos mercados resseguradores da América Latina, o que,

indubitavelmente, será benéfico para a economia nacional300.

300 Cumpre esclarecer que o funcionamento de sociedades estrangeiras no país é objeto do artigo 1.134 do Código

Civil. “Art. 1.134. A sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo, todavia, ressalvados os

159

4.7 As Funções a serem Exercidas pelo IRB – Brasil Resseguros S.A. no Mercado

Ressegurador Brasileiro

O IRB ainda se qualifica como uma sociedade de economia mista301, cujas ações

preferenciais, com direito a voto, são de titularidade da União Federal. O restante de seu

capital social, composto de ações sem direito a voto, é de titularidade das seguradoras

estabelecidas no mercado segurador nacional, sendo certo que a instalação de uma

seguradora no país fica condicionada à aquisição dessas ações, para que, dessa maneira,

esta possa passar a fruir das coberturas ressecuritárias oferecidas pelo ressegurador

nacional302.

casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira. § 1o Ao requerimento de autorização devem juntar-se: I - prova de se achar a sociedade constituída conforme a lei de seu país; II - inteiro teor do contrato ou do estatuto; III - relação dos membros de todos os órgãos da administração da sociedade, com nome, nacionalidade, profissão, domicílio e, salvo quanto a ações ao portador, o valor da participação de cada um no capital da sociedade; IV - cópia do ato que autorizou o funcionamento no Brasil e fixou o capital destinado às operações no território nacional; V - prova de nomeação do representante no Brasil, com poderes expressos para aceitar as condições exigidas para a autorização; VI - último balanço. § 2o Os documentos serão autenticados, de conformidade com a lei nacional da sociedade requerente, legalizados no consulado brasileiro da respectiva sede e acompanhados de tradução em vernáculo”. Especificamente com relação ao funcionamento de resseguradores estrangeiros, admitidos ou eventuais, o art. 6º da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007, impõe as seguintes condições: “Art. 6o O ressegurador admitido ou eventual deverá atender aos seguintes requisitos mínimos: I - estar constituído, segundo as leis de seu país de origem, para subscrever resseguros locais e internacionais nos ramos em que pretenda operar no Brasil e que tenha dado início a tais operações no país de origem, há mais de 5 (cinco) anos; II - dispor de capacidade econômica e financeira não inferior à mínima estabelecida pelo órgão regulador de seguros brasileiro; III - ser portador de avaliação de solvência por agência classificadora reconhecida pelo órgão fiscalizador de seguros brasileiro, com classificação igual ou superior ao mínimo estabelecido pelo órgão regulador de seguros brasileiro; IV - designar procurador, domiciliado no Brasil, com amplos poderes administrativos e judiciais, inclusive para receber citações, para quem serão enviadas todas as notificações; e V - outros requisitos que venham a ser fixados pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Parágrafo único. Constituem-se ainda requisitos para os resseguradores admitidos: I - manutenção de conta em moeda estrangeira vinculada ao órgão fiscalizador de seguros brasileiro, na forma e montante definido pelo órgão regulador de seguros brasileiro para garantia de suas operações no País; II - apresentação periódica de demonstrações financeiras, na forma definida pelo órgão regulador de seguros brasileiro”.

301 A análise de Fábio Konder Comparato acerca da constituição do IRB é a seguinte: “(...) Contudo, para Fábio Konder Comparato, o instituto ressegurador é dotado de uma estrutura sui generis. Entende o emérito professor não ser o instituto empresa pública, no sentido do disposto no inciso II do artigo 5º do Decreto-lei n. 200/1967, porque seu capital não pertence integralmente à União. Ele tampouco é uma sociedade de economia mista, pela boa razão de que lhe faltam os requisitos essenciais para ser tido como uma sociedade tout court. Os detentores do capital do instituto não são sócios; não têm poderes para deliberar em conjunto, sobre a existência e o funcionamento da entidade; não decidem sobre o montante de seu capital, a designação de seus administradores, ou a partilha do lucro do exercício. Conclui Comparato que se pode extrair da análise semântica da linguagem constitucional na expressão órgão oficial ressegurador, constante do revogado inciso II do artigo 192 da Constituição Federal, que o instituto ressegurador brasileiro é o órgão ressegurador pertencente ao Estado e está incluído na área administrativa pública”. (COMPARATO, Fábio Konder. Monopólio público das operações de resseguro. In: Direito Público: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 164).

302 “A Lei nº. 9.482/97 transformou o IRB em sociedade anônima, cuja razão social passou a ser IRB-Brasil Resseguros S.A., com a abreviatura IRB-Brasil Re, conforme estabelecido no artigo 59 da Lei nº. 9.649, de 27 de maio de 1998. Preservou-se sua natureza de sociedade de economia mista (Decreto-lei nº. 73/66, artigo 41), porém seu controle foi transferido do INSS à União, que passou a exercê-lo por intermédio do Ministério da Fazenda. No novo quadro acionário do IRB, a União passou a deter a totalidade das ações ordinárias com direito

160

O modelo proposto pelo Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, atribuiu

ao IRB funções que, num ambiente em que haja livre concorrência, afiguram-se

totalmente incompatíveis, já que não seria facultado àquele que atua no mercado, em

competição com os demais agentes resseguradores, regulá-los, fiscalizá-los e sancioná-

los. Acima de tudo, não seria lógico este acúmulo de funções, além de totalmente

ilegal303.

Nas páginas que se sucederão serão analisadas as possíveis alternativas à

colocação do IRB-Brasil Resseguros S.A. no mercado ressegurador brasileiro, instituído

a partir da sanção da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007, que flexibilizou o seu

monopólio. Vale esclarecer, neste particular, que diversos dispositivos deste diploma

legal carecem de regulamentação legal304, o que poderá retardar o estabelecimento de

outros resseguradores no país.

a voto, representativas de 50% do capital social no mínimo (artigo 43, parágrafo único, do Decreto-lei nº 73/66, com a redação que foi dada pelo artigo 2º da Lei nº. 9.482/97). Os seguradores diretos, na condição de acionistas privados, passaram a deter ações preferenciais sem direito a voto. Note-se, a propósito, que todo segurador autorizado a funcionar no país deve deter ações do IRB (Decreto nº. 60.459, de 13 de março de 1967, artigo 45, alínea a)”. (RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Ob. cit., pp. 139/140). Analisando a composição do capital social do IRB, entende-se não ser possível afirmar que haveria auto-regulação. Consoante será exposto ao longo deste capítulo, a auto-regulação pressupõe que as normas a serem observadas pelos agentes de determinado mercado sejam criadas pelos mesmos. In casu, considerando que apenas o IRB elabora essas normas, cabendo aos demais detentores de seu capital social (ações sem direito a voto) apenas obedecê-las, isto é, normas elaboradas por apenas um agente, não se encontram definidos os elementos necessários à configuração da auto-regulação.

303 Traçando uma analogia, seria o mesmo que no mercado brasileiro de petróleo e derivados a Petrobrás apresentar-se como competidora e, concomitantemente, como reguladora, ao invés de existir a ANP – Agência Nacional do Petróleo com esta finalidade.

304 A título exemplificativo, seguem alguns dispositivos da Lei Complementar nº. 126 que carecem de regulamentação legal: Art. 3o A fiscalização das operações de co-seguro, resseguro, retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão fiscalizador de seguros, conforme definido em lei, sem prejuízo das atribuições dos órgãos fiscalizadores das demais cedentes. Art. 6o O ressegurador admitido ou eventual deverá atender aos seguintes requisitos mínimos: (...) II - dispor de capacidade econômica e financeira não inferior à mínima estabelecida pelo órgão regulador de seguros brasileiro; V - outros requisitos que venham a ser fixados pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Parágrafo único. Constituem-se ainda requisitos para os resseguradores admitidos: I - manutenção de conta em moeda estrangeira vinculada ao órgão fiscalizador de seguros brasileiro, na forma e montante definido pelo órgão regulador de seguros brasileiro para garantia de suas operações no País; II - apresentação periódica de demonstrações financeiras, na forma definida pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Art. 7o A taxa de fiscalização a ser paga pelos resseguradores locais e admitidos será estipulada na forma da lei. Art. 8o A contratação de resseguro e retrocessão no País ou no exterior será feita mediante negociação direta entre a cedente e o ressegurador ou por meio de intermediário legalmente autorizado. § 1o O limite máximo que poderá ser cedido anualmente a resseguradores eventuais será fixado pelo Poder Executivo. Art. 9o A transferência de risco somente será realizada em operações: I - de resseguro com resseguradores locais, admitidos ou eventuais; e II - de retrocessão com resseguradores locais, admitidos ou eventuais, ou sociedades seguradoras locais. § 1o As operações de resseguro relativas a seguro de vida por sobrevivência e previdência complementar são exclusivas de resseguradores locais. § 2o O órgão regulador de seguros poderá estabelecer limites e condições para a retrocessão de riscos referentes às operações mencionadas no § 1o deste artigo. Art. 20. A contratação de seguros no exterior por pessoas naturais residentes no País ou por pessoas jurídicas domiciliadas no território nacional é restrita às seguintes situações: I - cobertura de riscos para os quais não exista oferta de seguro no País, desde que sua contratação não represente infração à legislação vigente; II - cobertura de riscos no exterior em que o segurado seja pessoa natural residente no País, para o qual a vigência do seguro contratado se restrinja, exclusivamente, ao período em que o segurado se encontrar no exterior; III - seguros que sejam objeto de acordos internacionais referendados pelo Congresso Nacional; e IV - seguros que, pela legislação em vigor, na data de publicação desta Lei Complementar, tiverem

161

As possíveis opções estudadas foram as seguintes: 1) regulador do mercado; 2)

ressegurador estatal em competição com os demais resseguradores que venham a se

instalar no país; e 3) sociedade de economia desestatizada.

4.7.1 O IRB Brasil – Resseguros S.A. como Regulador do Mercado – Impossibilidade

O IRB, na qualidade de ressegurador estabelecido no país – ressegurador local,

conforme art. 22 da Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007305 – assim como outros

resseguradores estarão, sejam nacionais ou estrangeiros, não poderá, pela via da

regulação, exercer influência, por exemplo, na formação dos preços dos prêmios do

resseguro. Obviamente, o IRB capturaria306 a regulação para lhe trazer benefícios, o que

desvirtuaria completamente a finalidade regulatória.

Organizado sob a forma de uma sociedade de economia mista, cujo capital social,

consoante se expôs, está dividido entre a União Federal e os seguradores em exercício

no mercado segurador nacional, não lhe será facultado continuar exercendo a regulação

normativa do resseguro, do co-seguro e da retrocessão, por intermédio das chamadas

NGRR – Normas Gerais de Resseguro e Retrocessão307. Essas atribuições, consoante

assentou a Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1999308, e consoante dispõe a Lei

sido contratados no exterior. Parágrafo único. Pessoas jurídicas poderão contratar seguro no exterior para cobertura de riscos no exterior, informando essa contratação ao órgão fiscalizador de seguros brasileiro no prazo e nas condições determinadas pelo órgão regulador de seguros brasileiro. Art. 21. As cedentes, os resseguradores locais, os escritórios de representação de ressegurador admitido, os corretores e corretoras de seguro, resseguro e retrocessão e os prestadores de serviços de auditoria independente bem como quaisquer pessoas naturais ou jurídicas que descumprirem as normas relativas à atividade de resseguro, retrocessão e corretagem de resseguros estarão sujeitos às penalidades previstas nos arts. 108, 111, 112 e 128 do Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966 aplicadas pelo órgão fiscalizador de seguros, conforme normas do órgão regulador de seguros. (Grifos nossos).

305 Art. 22. O IRB-Brasil Resseguros S.A. fica autorizado a continuar exercendo suas atividades de resseguro e de retrocessão, sem qualquer solução de continuidade, independentemente de requerimento e autorização governamental, qualificando-se como ressegurador local.

306 Vital Moreira explica que nem mesmo uma agência reguladora que venha a ser capturada pelos regulados exercerá de maneira adequada o seu mister. “No caso de uma agência reguladora estadual ser uma pura presa da profissão regulada, em termos de ela não ser senão um instrumento dela, então estaremos perante uma forma de auto-regulação por interposta agência. (...) A teoria da “captura” da regulação (<<regulation capture>>) assenta na ideia de que as comissões reguladoras, em vez de regularem superpartes o seu espaço económico, são capturadas ou colonizadas pelos sectores que deveriam regular, passando a funcionar em favor deles. <<Uma agência “capturada” é aquela em que as políticas prosseguidas geralmente coincidem com as preferências previamente expressas pelos regulados>> (Sabatier, 1975:310).” (MOREIRA, Vital. Ob. cit., pp. 89/90).

307 Esta atribuição foi conferida ao IRB pelo Decreto-Lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, em seu art. 44, inciso I, letra a. Este dispositivo foi revogado pela Lei Complementar nº. 126, art. 31.

308 Lei nº. 9.932, de 20 de dezembro de 1999. Art. 1º. “As funções regulatórias e de fiscalização atribuídas à IRB-Brasil Resseguros S.A.- IRB-BRASIL Re pelo Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, incluindo a competência para conceder autorizações, passarão a ser exercidas pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. Parágrafo único. A IRB-Brasil Re fornecerá à SUSEP cópia de seu acervo de dados, informações

162

Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007309, deverão ser transferidas ao órgão

que, a partir de então, terá a responsabilidade de regular o mercado ressegurador

brasileiro, conforme pontuado anteriormente.

A impossibilidade de que o IRB, na qualidade de sociedade de economia mista,

permaneça exercendo funções regulatórias, executivas e fiscalizatórias é explicada por

Celso Ribeiro Bastos da seguinte forma310:

Com relação ao órgão oficial fiscalizador, a legislação pregressa atribui tal mister ao Instituto de Resseguros do Brasil – IRB, o que acaba por não se adaptar, por inteiro, às novas disposições da Constituição. Esse instituto possui natureza de sociedade de economia mista, quando a Constituição dispensa a estas o desempenho da atividade econômica ou a prestação de serviços públicos, mas não o da atividade regulamentar. Uma futura legislação complementar deverá adaptar a natureza jurídica do IRB, de molde a que este assuma as vestes de uma autarquia, de um ente da administração centralizada ou, até mesmo, de uma fundação de direito público, uma vez que a estas pessoas são dados os poderes, são-lhes asseguradas as condições técnicas, para poderem desempenhar atividades de caráter fiscalizador, o que acaba, inclusive, por envolver até um certo poder normativo, absolutamente incompatível com as sociedades de economia mista, forma que hoje detém.

O exercício da atribuição regulatória é absolutamente incompatível se realizado

por um dos concorrentes que venha a se instalar no mercado ressegurador. Marcos

Juruena Villela Souto311, tratando dos limites inerentes à função regulatória,

notadamente no que se refere à discricionariedade restrita por parte do agente regulador,

afirma:

O mecanismo, em apertadíssima síntese, envolve o recebimento do poder político pela autoridade eleita, com as instruções de atendimento do interesse geral (mediante o acolhimento de um determinado programa político no processo eleitoral); o agente político formula a política pública que, para atender o interesse geral, deve ser executada com eficiência; aí entra a atividade regulatória, expedindo diretrizes para a eficiente implementação da política pública sufragada. Esse o limite da função regulatória, traduzindo em comandos técnicos a orientação normativa, executiva ou judicante, para a implementação de uma política pública. Não há, pois, discricionariedade

técnicas e de quaisquer outros documentos ou registros que esta julgue necessários para o desempenho das funções regulatórias e de fiscalização do mercado de seguro e resseguro”.

309 Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007. “Art. 2o A regulação das operações de co-seguro, resseguro, retrocessão e sua intermediação será exercida pelo órgão regulador de seguros, conforme definido em lei, observadas as disposições desta Lei Complementar”.

310 BASTOS, Celso Ribeiro. Instituto de Resseguros do Brasil. Seguros face à Constituição Federal. In: Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. V. 7. São Paulo: RT, 1994, p. 145.

311 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 37.

163

ampla na atuação dos agentes econômicos, mas mera integração técnica do comando legal que reflete uma decisão política.

Pode-se afirmar que o IRB não seria parcial em suas iniciativas se, ao mesmo

tempo, competisse e regulasse o mercado ressegurador nacional. Àquele que compete,

evidentemente, não podem ser outorgados os poderes para elaborar as regras da

competição, sobretudo quando esta já estiver em curso. Considerando, por hipótese, que

as atribuições regulatórias (executivas, normativas e judicantes) venham a ser exercidas

pelo Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP ou pela Superintendência de

Seguros Privados – SUSEP, caberá ao IRB competir com os demais resseguradores que

se instalarão no mercado ressegurador nacional.

Vital Moreira e Fernanda Maçãs312, na mesma linha de raciocínio, também

sustentam a impossibilidade de que o Estado venha a concorrer e, ao mesmo tempo,

elaborar as “regras do jogo”.

A liberalização de um sector da economia não significa que o sector público empresarial tenha de desaparecer, podendo o Estado continuar a intervir, desde que respeite os princípios do mercado em especial, as regras da concorrência. Só que a garantia de um mercado livre e concorrencial não é concretizável se uma das partes (o Estado) acumula funções de agente actuante no mercado e de entidade que detém o poder de estabelecer as regras do jogo. Se o regulador e o gestor de serviços públicos não estão separados, os organismos públicos ou as empresas encarregadas da gestão ficam numa posição de domínio, o que é incompatível com as regras da concorrência. Ao actuar no mercado ao mesmo tempo que dita as suas regras, o Estado pode ser tentado a distorcê-las em seu favor. Por outro lado, as empresas privadas passam a actuar no mesmo sector em que intervém o Estado, mas numa posição de desigualdade. A presença de entidades públicas num mercado em que se pretende garantir uma concorrência real implica que a entidade que dita as regras do mercado não possa ser ao mesmo tempo destinatária das mesmas.

Por sua pertinência à matéria ora observada, vale observar a posição de Gaspar

Ariño Ortiz313:

Conditio sine qua non para uma boa prática regulatória é a independência do regulador a respeito do poder político. Já dissemos que é preciso evitar que ele caia na tentação de utilizar os setores regulados como instrumentos para a obtenção de fins políticos, legítimos se se quer, mas estranhos ao serviço e que se devem obter através de meios mais transparentes e legalmente aprovados.

312 MOREIRA, Vital e MAÇÃS, Fernanda. Autoridades Reguladoras Independentes. Coimbra: Coimbra Editora,

2003, p. 11. 313 ORTIZ, Gaspar Ariño. Ob. cit., p. 12.

164

Portanto, somando os posicionamentos acima mencionados, conclui-se quanto à

impossibilidade de que o IRB permaneça exercendo as atribuições regulatórias no

mercado ressegurador nacional, por absoluta incompatibilidade entre a sua função,

como empresa, que visa o lucro, em competição com os demais resseguradores que se

estabelecerão no país, e a função regulatória, exercida até este ponto.

Havendo impossibilidade para que o IRB acumule atribuições regulatórias e, ao

mesmo tempo, concorra com os demais resseguradores que se instalarão no mercado

ressegurador brasileiro, passa-se a discorrer a respeito da segunda opção anteriormente

mencionada, qual seja, o IRB, ainda como estatal, concorrendo com os demais

resseguradores.

4.7.2 O IRB – Brasil Resseguros S.A. como Estatal e Competidor

Deixando de exercer as atribuições regulatórias, caberá ao IRB competir com os

demais resseguradores que estiverem em atuação no país, sejam admitidos ou eventuais,

sendo certo que, por conhecer melhor o mercado segurador nacional, isto é, as

coberturas mais requisitadas, as maiores deficiências e, sobretudo, por ter vivenciado as

crises experimentadas pela economia nacional ao longo das últimas décadas, observam-

se nesses aspectos um diferencial em seu benefício.

A própria Lei Complementar nº. 126, em seu art. 22, adotou essa opção para o

IRB no mercado ressegurador brasileiro.

Art. 22. O IRB-Brasil Resseguros S.A. fica autorizado a continuar exercendo suas atividades de resseguro e de retrocessão, sem qualquer solução de continuidade, independentemente de requerimento e autorização governamental, qualificando-se como ressegurador local. Parágrafo único. O IRB-Brasil Resseguros S.A. fornecerá ao órgão fiscalizador da atividade de seguros informações técnicas e cópia de seu acervo de dados e de quaisquer outros documentos ou registros que esse órgão fiscalizador julgue necessários para o desempenho das funções de fiscalização das operações de seguro, co-seguro, resseguro e retrocessão.

Inexistindo menção à desestatização do ressegurador nacional neste diploma legal

e, consoante exposto, sendo taxativa a lei complementar no sentido de que as suas

atividades continuarão a ser exercidas regularmente, independentemente de

165

requerimento e autorização governamental, nota-se, ao menos em princípio, que o IRB

permanecerá como estatal e, nesta condição, competirá com os demais resseguradores.

Caberá a tarefa de oferecer melhores condições aos seguradores em atuação no

país, considerando que, naturalmente, cada ressegurador buscará captar para si maiores

fatias do mercado em referência. Em razão de toda a expertise acumulada nas últimas

décadas, desde a sua criação, ocorrida em 1939, o IRB deverá se valer deste diferencial

para buscar uma posição de destaque no mercado ressegurador brasileiro e, por que não

afirmar, no mercado ressegurador dos demais países integrantes do Mercosul, da

América Latina e de outros países emergentes, tais como Índia e China, tomados a título

exemplificativo, assim como o próprio Brasil.

Em entrevista concedida à Revista do IRB, Orlando Fleury da Rocha314 fez

comentários positivos relacionados à flexibilização do monopólio e à conseqüente

obtenção de maiores fatias do mercado ressegurador latino-americano e de outros países

emergentes para a empresa resseguradora brasileira. Convém observar algumas das suas

posições: Então o senhor entende que com o fim do monopólio e a abertura do mercado o IRB-Brasil RE tem potencial para desenvolver um perfil de destaque? O IRB tem tudo para se converter num grande ressegurador brasileiro, e também um ressegurador para mercados emergentes. Já vimos que ele pode desempenhar vários papéis. O IRB entende de mercados emergentes provavelmente mais do que os maiores resseguradores do mundo, ainda que talvez ele não se dê conta disso. Repito, está entre os 50 maiores, tem um balanço sólido, ótima relação prêmio/patrimônio líquido, corpo técnico capacitado, regras claras de funcionamento, conhecimento para trabalhar em economias em expansão ou recessão, além de grande capacidade de adaptação a mudanças. O Brasil é ainda o maior produtor de prêmios dentro da América do Sul. Para o IRB ser o ressegurador por excelência de toda a América Latina é um pulo. E ainda temos a Índia e a China, que, como o Brasil, são gigantes crescendo, e têm identidade conosco. Poderiam talvez se sentir mais à vontade trocando negócios com um ressegurador brasileiro do que com um megaressegurador, que pode ter a aparência de um gigante usurpador, enquanto o IRB pareceria mais próximo. É claro que para essa possibilidade se materializar o IRB precisaria se internacionalizar, mas a internacionalização está na essência da técnica do resseguro. Como o senhor avalia o impacto da abertura do mercado brasileiro no contexto latino-americano? Certamente haverá mais interesse no Brasil, o que poderá tornar o custo de operar na América Latina mais eficiente para algumas empresas estrangeiras, que assim aplicarão mais recursos. Algumas companhias poderão designar maiores equipes para a América Latina graças ao crescimento do mercado na região. Hoje alguns resseguradores que operam de fora do país poderão se estabelecer em algum país da América Latina ou no Brasil, isso para só falar em efeitos econômicos não muito evidentes quando se fala em abertura. Consideremos, por exemplo, o que

314 ROCHA, Orlando Fleury da. Mercado Aberto para Resseguros. Revista do IRB nº. 301. Rio de Janeiro, pp.

6/17, julho de 2006.

166

ocorreu nas Bermudas, país menor que a Barra da Tijuca, de economia quase insignificante, baseada no turismo, e onde só operavam algumas seguradoras cativas: há cerca de 20 anos, grandes empresas (listadas na Fortune 500) resolveram formar resseguradores para aproveitar condições favoráveis de preço e atender a uma carência de cobertura para grandes catástrofes e seguros de responsabilidade civil no mundo. Bermudas soube rapidamente adaptar sua legislação para absorver esses grupos; obrigou a contratação de locais, criou impostos e taxas específicos, protegeu bastante sua economia, mas regulou o tema de forma tão ágil, eficaz e sem burocracia, inclusive para a remessa de lucros, que hoje é um dos mercados de resseguro mais importantes do mundo, e não parou por aí. Para se ter uma idéia, após as recentes tempestades sobre os Estados Unidos e México, mais de US$ 8 bilhões de capital novo convergiram para Bermudas. É visível o benefício que isso trouxe à economia do país. Que impacto poderia ter na América Latina se algum país criasse condições favoráveis para a instalação de resseguradores? Talvez o embrião de uma idéia assim estivesse contido quando se falou em criar um centro internacional de resseguro no Rio, mas não creio que muita gente tenha percebido isso. Os exemplos do mundo, porém, mostram que tudo é possível, quando bem feito.

Convém observar, no entanto, que em matéria de disponibilidade de capital, de

arrecadação de prêmios de resseguro, a concorrência com os tradicionais resseguradores

estrangeiros315, com atuação em âmbito internacional há muitos anos, será bastante

acirrada e difícil. O lastro financeiro dos dois maiores resseguradores em atuação

internacional é realmente muito superior ao lastro da resseguradora brasileira, o que, em

tese, é capaz de propiciar o oferecimento de negócios em condições mais vantajosas

para os seguradores cedentes.

A fim de lidar com essa deficiência, deverá o IRB valer-se dos seus melhores

potenciais, tais como a base de dados inerente ao mercado segurador nacional, o

conhecimento detalhado da economia do país, o relacionamento desenvolvido ao longo

de décadas com os seguradores nacionais para, assim, viabilizar uma competição

parelha316.

315 As duas maiores resseguradoras do mundo, Munich Re e Swiss Re, respectivamente, arrecadaram no ano de

2004 prêmios líquidos da ordem de US$ 28.889.4 e US$ 25.780.2 bilhões, ao passo que o IRB arrecadou R$ 1,394 bilhão. (Fontes: <http://www.siscorp.com.br/dados_mundial.asp> e <http://www2.irb-brasilre.com.br/documentos/internet_irb/relatorio_financeiro_20041.pdf>, acessados em 1.8.2006).

316 Em âmbito mundial, podem ser colhidos exemplos como o da ex-resseguradora estatal da Coréia do Sul que, mesmo após o fim do monopólio, permanece detendo o controle de fatia substancial daquele mercado. Até 1997, a Korean-Re detinha o monopólio legal do resseguro, extinto como parte do programa de liberalização do mercado de seguros coreano, quando o país ingressou na OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico. Entretanto, mesmo após a flexibilização do monopólio, as seguradoras nacionais continuaram a ceder voluntariamente a maior parte dos seus programas proporcionais para a Korean- RE. Assim, a estatal coreana permanece detendo parcela considerável daquele mercado. A empresa subscreve tratados de resseguro proporcional de propriedade, cascos marítimos e de responsabilidades para quase todas as seguradoras existentes, e também subscreve riscos de engenharia de transportes e de automóveis. A explicação para o sucesso da Korean-Re resulta parcialmente de uma longa tradição de solidariedade de mercado e também de sua habilidade em elevar o seu enorme volume de prêmios de retrocessão, para obter tratados com termos mais competitivos para as suas cedentes. A empresa também oferece ao mercado serviços de alto nível,

167

4.7.3 Desestatização do IRB – Brasil Resseguros S.A.?

Convém questionar: haveria espaço para que o Estado permanecesse atuante no

resseguro, como um dos concorrentes que se estabelecerão no mercado em abertura ou,

ao contrário, seria o caso de deixar a concorrência exclusivamente a cargo da iniciativa

privada? Deveria o Estado, na condição de empresário de resseguro, concorrer com

particulares em busca de lucratividade? Essa seria uma atribuição tipicamente estatal?

A presente discussão, necessariamente, remete aos prós317 e aos contras318

relacionados à permanência do Estado como acionista controlador do IRB319, em pleno

século XXI.

Principalmente na última década do século XX, assistiu-se a uma marcante

retirada do Estado da condição de personagem principal, encarregado da prestação de

serviços públicos e do desenvolvimento de atividades econômicas à sociedade. Foram

apresentados ao longo desse trabalho diversos exemplos dessa modificação, tais como

as ocorridas com as telecomunicações e com a energia elétrica.

particularmente no desenvolvimento e classificação de novos negócios, como produtos de responsabilidade civil, além de ser considerada a maior resseguradora no continente asiático. A Korean Re foi fundada em 1963 pela Indústria Seguradora Nacional e passou a ser cotada na Bolsa de Valores da Coréia em 1978. No exercício encerrado em 31.03.2003, a empresa obteve uma receita de prêmios bruta de US$ 1.72 bilhões. Informações disponíveis em <http://www.koreanre.co.kr/eng/about/history.jsp>, acessado em 01.08.2006. Traçando um paralelo entre a Korean-Re e o IRB, aquela como a maior resseguradora da Ásia, este com o maior ressegurador da América Latina, entende-se que, guardadas as devidas proporções, considerando que a Ásia representa desenvolvimento econômico mais acentuado do que a América Latina, o IRB dispõe de condições reais para aumentar a sua participação no mercado latino-americano. Atualmente, a resseguradora brasileira apenas atua em território nacional. Valendo-se dos comentados usos e costumes internacionais, da característica internacional relacionada ao resseguro e, além disso, das barreiras comerciais que foram removidas por intermédio do Mercosul, caberá à estatal brasileira estabelecer negócios com seus países vizinhos, assim como fez a Korean-Re, como forma de aumentar a sua capacidade de atuação e, concomitantemente, buscar a concorrência em igualdade de condições com os maiores resseguradores que se estabelecerão no Brasil.

317 Analisando os aspectos positivos relacionados à continuidade do IRB como sociedade de economia mista, controlada pela União Federal, cumpre destacar que, consoante exposto no segundo capítulo desta dissertação, nos últimos anos, os resultados líquidos pelo mesmo apresentados foram positivos, demonstrativos de progressivos aumentos anuais, o que, em certa medida, deveu-se à exploração do resseguro em regime de monopólio. Considerando, por hipótese, que o IRB permaneça colhendo resultados positivos no cenário em que haja livre concorrência, não há dúvida de que isto representará um ganho para o Estado e para os seus demais acionistas, a ser proporcionalmente distribuído.

318 A análise dos aspectos negativos afetos à permanência do Estado à frente do IRB remete ao estudo relacionado à saída do mesmo da condição de “ator principal” para a condição de “coadjuvante”, isto é, por mais que os resultados apresentados pela estatal sejam positivos nos últimos anos, pode-se sustentar, assim como se procedeu com as telecomunicações no país, que a exploração do resseguro pela iniciativa privada, obviamente sujeita à regulação a ser exercida pela autoridade competente, será mais benéfica para os seguradores, para a massa de segurados e para a sociedade como um todo.

319 O Art. 43 do Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966, alterado pela Lei nº. 9.482, de 13 de agosto de 1997, passou a vigorar com a seguinte redação: “O capital social do IRB é representado por ações escriturais, ordinárias e preferenciais, todas sem valor nominal. Parágrafo único. As ações ordinárias, com direito a voto, representam, no mínimo, cinqüenta por cento do capital social”. Dessa maneira, à União (IRB) foi assegurado o controle do seu capital social, independentemente da participação dos acionistas minoritários.

168

Deve-se considerar, também, que o resseguro representa uma atividade econômica

importante para o desenvolvimento da sociedade em diversos segmentos, já que,

invariavelmente, os grandes riscos necessitam das respectivas coberturas ressecuritárias.

Seja em matéria de petróleo e gás, telecomunicações, energia elétrica, infra-estrutura,

prestação de serviços, indústria automobilística, entre tantas outras atividades, não se

controverte quanto à necessidade de que sejam contratados os seguros e,

sucessivamente, os resseguros.

De fato, não há como ignorar a substanciosa modificação ocorrida nos últimos dez

anos no que se refere ao tamanho, à dimensão do Estado. Trazendo à tona a análise do

que se passou com o resseguro na Argentina nesse período, nota-se, atualmente, que

inexiste empresa estatal resseguradora, sendo certo que a exploração dessa atividade

econômica encontra-se exclusivamente reservada à iniciativa privada. No Paraguai320 e

no Uruguai321, países também integrantes do Mercosul, inexistem resseguradoras estatais

em atuação. No Chile322, uma das economias mais desenvolvidas dentre os países latino

americanos, também não há um ressegurador estatal, de modo que, com relação ao

Brasil, pode-se formular conclusão segura no sentido de que a desestatização do IRB se

afigura como uma medida coerente com a já mencionada “reengenharia do Estado”323.

Por esses elementos, considerando, ainda, que em regime de livre concorrência

não poderão ser garantidos os resultados líquidos positivos por parte da resseguradora

estatal brasileira, que se beneficiou da exploração monopolista por tantas décadas,

sustenta-se posicionamento segundo o qual não há mais espaço para que o Estado

permaneça explorando diretamente o resseguro no país. Caminhando na mesma direção

das economias latino-americanas, que, consoante exposto, estão alinhadas ao que vem

sendo praticado pelas economias européia e norte-americana, é preciso deixar assentado

que a função do Estado, na presente hipótese, deverá restringir-se à constituição de uma

agência reguladora independente cuja atribuição será regular o mercado ressegurador

nacional. À iniciativa privada, regulada por esta agência, caberão os ônus e os bônus

decorrentes da exploração deste mercado ressegurador. 320 O exame das 67 (sessenta e sete) resseguradoras em atuação no Paraguai revelou inexistir resseguradora

controlada pelo Estado, conforme dados disponíveis em <http://www.bcp.gov.py/supseg/Reaseguradoras.htm>, acessado em 20.11.2006.

321 Informações acerca do mercado ressegurador uruguaio disponíveis em <http://www.itf-commrisk.org/documents/meetings/AgInsurance%202005/Uru.pdf>, acessado em 9.12.2006.

322 A flexibilização do monopólio no Chile ocorreu no ano de 1980. Informações disponíveis em <http://www.segs.com.br/index.cfm?fuseaction=ver&cod=23746> acessado em 24.01.2007.

323 A expressão “reengenharia do Estado” é de autoria de Marcos Juruena Villela Souto, ob. cit., p. 361.

169

4.8 A Criação de uma Agência Reguladora Independente para a Regulação do

Resseguro

À SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, autarquia vinculada ao

Ministério da Fazenda, foram conferidas as atribuições regulatórias do mercado de

seguros privados no país, consoante disposto no art. 39324 do Decreto-lei nº. 73, de 21 de

novembro de 1966 e, consoante disposto em seu próprio sítio na Internet, também lhe

serão atribuídas as atribuições regulatórias do mercado de resseguros que será instituído

no país325.

Inicialmente, observando as atribuições desta autarquia voltadas para o mercado

de seguros, considerando que, com relação ao mercado de resseguro, por esta ainda não

foram editados quaisquer atos normativos, sua atuação permite que sejam observadas

atribuições afetas à regulação normativa, traduzida na elaboração de portarias e

circulares disciplinadores das condutas que deverão ser observadas pelos regulados.

Vale frisar que os atos normativos emanados da SUSEP deverão restringir-se à

explicitação de comandos técnicos voltados ao cumprimento de deveres legalmente

estabelecidos, na medida em que esta espécie de regulação não representa nem

delegação legislativa, nem exercício do poder regulamentar, privativo do Chefe do

324 Decreto-lei nº. 73, de 21 de novembro de 1966. “Art. 36. Compete à SUSEP, na qualidade de executora da

política traçada pelo CNSP, como órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras: a) processar os pedidos de autorização, para constituição, organização, funcionamento, fusão, encampação, grupamento, transferência de controle acionário e reforma dos Estatutos das Sociedades Seguradoras, opinar sobre os mesmos e encaminhá-los ao CNSP; b) baixar instruções e expedir circulares relativas à regulamentação das operações de seguro, de acordo com as diretrizes do CNSP; c) fixar condições de apólices, planos de operações e tarifas a serem utilizadas obrigatoriamente pelo mercado segurador nacional; d) aprovar os limites de operações das Sociedades Seguradoras, de conformidade com o critério fixado pelo CNSP; e) examinar e aprovar as condições de coberturas especiais, bem como fixar as taxas aplicáveis; f) autorizar a movimentação e liberação dos bens e valores obrigatoriamente inscritos em garantia das reservas técnicas e do capital vinculado; g) fiscalizar a execução das normas gerais de contabilidade e estatística fixadas pelo CNSP para as Sociedades Seguradoras; h) fiscalizar as operações das Sociedades Seguradoras, inclusive o exato cumprimento deste Decreto-lei, de outras leis pertinentes, disposições regulamentares em geral, resoluções do CNSP e aplicar as penalidades cabíveis; i) proceder à liquidação das Sociedades Seguradoras que tiverem cassada a autorização para funcionar no país; j) organizam seus serviços, elaborar e executar seu orçamento”.

325 Segue o link ‘apresentação’, extraído de <http://www.susep.gov.br/menususep/apresentacao_susep.asp>, acessado em 24.11.2006. “A SUSEP é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, que também instituiu o Sistema Nacional de Seguros Privados, do qual fazem parte o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, o IRB Brasil Resseguros S.A. - IRB Brasil Re, as sociedades autorizadas a operar em seguros privados e capitalização, as entidades de previdência privada aberta e os corretores habilitados. Com a edição da Medida Provisória nº 1940-17, de 06.01.2000, o CNSP teve sua composição alterada”.

170

Poder Executivo, conforme determina a Constituição da República, em seu art. 84,

inciso IV326.

Deve-se distinguir as atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Seguros

Privados – CNSP e à SUSEP. Enquanto que àquele foi outorgada competência para

traçar as diretrizes principais e a política pública a ser implementada ao setor de seguros

privados, a esta foi outorgada competência para executar a política estabelecida pelo

outro órgão, conforme dispõem os artigos 32, inciso I e 36 do Decreto-lei nº. 73, de 21

de novembro de 1966327.

A regulação normativa exercida pela SUSEP que, a rigor, deverá seguir as

diretrizes principais e as políticas públicas estabelecidas pelo CNSP, em não raras

ocasiões desperta a atenção dos regulados, por representar usurpação de função

legislativa, na medida em que são realmente estabelecidas obrigações cuja função,

exclusivamente, pelo que garante o princípio da legalidade, seria de competência do

Poder Legislativo.

Paulo Luiz de Toledo Piza328, ao comentar esta questão, assim se posicionou:

Deste modo, por maior que seja a vaidade dos gestores estatais, por melhores que sejam as suas boas intenções, e por mais aperfeiçoada que possa ser a engenharia legal de que possam se valer – uma coisa é certa: não podem exercer função legislativa, no que concerne a matérias da competência privativa da União Federal, para legislar, por intermédio do Congresso Nacional. (...) Em outros termos, a edição, por órgão vinculado ao Poder Executivo, de atos vertidos a regular o exercício da autonomia privada não pode implicar a edição de “normas primárias”, ainda que supletivamente às normas de direito das obrigações (de direito civil ou comercial, conforme se entender). Como esclarece, por exemplo, Eros Roberto Grau, com apoio em Renato Alessi, emanar estatuições primárias, que se impõem por força própria, autônoma, é função eminentemente legislativa. Entretanto, nos últimos tempos, o CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados, órgão integrante do Sistema Nacional de Seguros Privados, instituído por meio do Decreto-lei nº. 73, de 23.11.1966, vem editando resoluções que fazem de tabula rasa a Constituição da República. (...) Em outros termos, por mais que o citado Decreto-lei tenha conferido ao CNSP atribuição para estabelecer “diretrizes gerais” para o setor de seguros (art. 32), isso longe está de significar que ele, ou qualquer outro órgão do Sistema Nacional de Seguros Privados, possa dar à luz normas de direito civil, comercial, internacional, de

326 Este é o posicionamento de Marcos Juruena Villela Souto. Controle Judicial dos Atos Normativos,

disponível em <http://www.ana.gov.br/Institucional/ASPAR/AgenciasReguladoras/MarcosJuruena-ControleJudicialDosAtosNormativos.pdf>, acessado em 24.11.2006.

327 Decreto-lei nº. 73, de 23 de novembro de 1966. Artigo 32. É criado o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP, ao qual compete primitivamente: I - Fixar as diretrizes e normas da política de seguros privados; Art 36. Compete à SUSEP, na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP, como órgão fiscalizador da constituição, organização, funcionamento e operações das Sociedades Seguradoras.

328 PIZA, Paulo Luiz de Toledo. A Constituição e o CNSP. Disponível em <http://ibds.com.br/AConstituiçãoeoCNSP.pdf>, pp. 1/2. Acessado em 24.11.2006.

171

seguro, câmbio, transferência de valores etc. Ademais, tratando-se de matérias de competência privativa da União, não são passíveis de delegação ao Executivo, exceto no que tange à eventual regulamentação posterior de diplomas emanados do Congresso, e nos termos que nestes tiver sido fixado.

Portanto, no que concerne à edição de atos normativos pela SUSEP e pelo CNSP

que, consoante exposto, não se confundem com os atos regulamentares, tem-se como

certo que estes não poderão, em hipótese alguma, representar usurpação de função

legislativa, nem exercício de poder regulamentar, sob pena de se apresentarem viciados,

inconstitucionais.

Ainda no que se relaciona à regulação normativa, convém observar a explicação

de Marcos Juruena Villela Souto329 a respeito da competência da norma reguladora,

cumprindo chamar a atenção para um dos elementos que a compõe, qual seja, a

neutralidade política:

Cabe, portanto, à norma reguladora traduzir tecnicamente, com neutralidade política princípios constitucionais e legais que compõem a base da moldura regulatória (marco regulatório) para uma implementação eficiente com vistas ao atendimento das decisões políticas previamente tomadas pela sociedade por meio de seus representantes no Poder Legislativo.

Diante dos elementos ora apresentados, relacionados às características necessárias

ao exercício eficiente da regulação normativa, indaga-se se a SUSEP realmente seria

autônoma, independente, para regular o mercado de resseguro no país. Considerando

que, em princípio, o único ressegurador nacional que estará em atuação é controlado

pela União Federal, assim como é esta autarquia, a resposta à questão suscitada,

lamentavelmente, é negativa330.

329 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Função Regulatória. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de

Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet: <http://direitopublico.com.br>, acessado em 24.11.2006, p. 4.

330 O Instituto Brasileiro de Direito do Seguro - IBDS, em manifestação pública encaminhada ao Congresso Nacional, tendo como objeto o Projeto de Lei Complementar nº. 249 de 2005, posteriormente convertido na Lei Complementar nº. 126, de 15.01.2007, expôs sua preocupação com o fato de inexistir no país agência reguladora independente para regular o resseguro, assim como ocorre com outras atividades econômicas. Nesta manifestação, chamou-se à atenção para a possibilidade de que, ante à não especificação de diversos itens que poderiam (deveriam) ter sido regulamentados em lei, houvesse a excessiva edição de atos normativos seja pelo CNSP, seja pela SUSEP, eivados de inconstitucionalidade, já que emanados sem o devido processo legislativo. A seguir, trecho desta manifestação: “O maior e mais grave problema é que o texto deixa muito aberta a regulamentação para autoridades administrativas, esquecendo-se que no caso tem tela não temos agências com independência como em outros setores. O CNSP é um conjunto de autoridades federais e a SUSEP uma autarquia federal, ambos à disposição do Governo. Operar assim um mercado como o de resseguro pode deixar os investidores e a sociedade como um todo intranqüilos”. (Manifestação Pública enviada aos Congressistas sobre o PLC 249/2005. Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS. São Paulo: 30 de janeiro de 2006).

172

Passando a discorrer a respeito da regulação executiva, não há dúvida de que a

SUSEP disciplina e fiscaliza o mercado segurador brasileiro. Marcos Juruena331 comenta

que à regulação executiva estão relacionadas as seguintes funções:

A regulação executiva vai ser implementada por atos de atribuição de direitos, licenças ou delegações, no caso de vitórias em licitações para a gestão de um determinado serviço público concedido ou permitido. Não para por aí; a função executiva vai envolver, também, a fiscalização da atividade objeto da regulação.

Ao analisar as reservas técnicas, balanços contábeis, declarações de resultados em

exercícios fiscais, não há dúvida de que estão sendo desempenhadas tarefas relacionadas

à regulação executiva, sendo certo que com relação ao resseguro, a fiscalização desses

elementos também deverá ser realizada, considerando que a higidez econômico-

financeira, ao lado da livre-concorrência e da cooperação, trata-se de um dos pilares

sobre o qual deverá ser edificado este mercado.

À SUSEP, também, são conferidas atribuições relacionadas à regulação judicante,

na medida em que eventuais conflitos de interesses existentes entre as seguradoras e os

segurados, levados ao seu conhecimento por intermédio de denúncias, serão pela mesma

decididos, sendo-lhe outorgados poderes para sancionar as seguradoras infratoras da

legislação vigente, sem que desta maneira esteja sendo violado o princípio da unidade

da jurisdição.

A explicação da regulação judicante para Marcos Juruena Villela Souto332 é a seguinte:

Os atos regulatórios que fixam tarifas, que aprovam reajustes, que aplicam penalidades aos agentes envolvidos num segmento regulado representam a terceira etapa da atividade regulatória (a primeira, a regulação normativa; a segunda, regulação executiva): a regulação judicante, que tem por objetivo a solução de conflitos entre os agentes, mais uma vez buscando o equilíbrio entre os envolvidos. Essa função judicante já vinha sendo normalmente desenvolvida no âmbito da administração pública (os conselhos de contribuintes, os conselhos de recursos de servidores públicos) que funcionam de forma inquisitorial, ou seja, aos olhos das partes envolvidas, a Administração é, a um só tempo, julgadora e parte no processo. A função regulatória deve ser eqüidistante, garantindo a imparcialidade e o caráter de agente externo na solução do conflito. A independência é instrumento, mas não algo indispensável ao exercício da função regulatória.

331 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Ob. cit., p. 5. 332 Idem, ob. cit., p. 6.

173

A SUSEP, enquanto reguladora do mercado de seguros, ao menos no que se refere

aos eventuais conflitos de interesses existentes entre as seguradoras e seus segurados,

parece deter a independência, a liberdade necessária para, à luz da legislação vigente,

apurar infrações e sancionar os responsáveis.

Por outro lado, raciocinando sob a perspectiva do mercado de resseguros, no qual,

em diversas ocasiões, os possíveis conflitos existentes serão mantidos entre o

ressegurador estatal IRB e seguradoras nacionais privadas, ou, entre o próprio IRB e

resseguradores estrangeiros em atuação no país, a autarquia responsável pela regulação

do resseguro teria a isenção, a imparcialidade e a eqüidistância necessárias para dirimi-

los e, em seguida, para aplicar as sanções devidas?

Analisando os aspectos trazidos a esse pensamento, relacionados às três etapas da

regulação – normativa, executiva e judicante – conclui-se que o resseguro, assim como

os seguros privados, carecem de que sua regulação deixe de ser exercida por uma

autarquia comum.

É preciso que uma agência reguladora independente passe a regular os mercados

de resseguro e de seguros no país. Fazendo uso das apalavras de Vital Moreira,

realmente há casos em que a própria natureza da atividade econômica em estudo

reclama o afastamento do Estado no que toca à regulação. Por sua pertinência, segue

trecho de sua obra:

Independentemente desses casos particulares pode haver situações em que a própria natureza da actividade económica em causa pode reclamar o máximo afastamento possível da ingerência governamental e da interferência política, reclamando uma regulação tão técnica, profissional e neutra, quanto possível. É esse o caso sobretudo dos mercados financeiros em geral e do mercado de valores mobiliários em especial. Não admita, por isso, que seja nessa área que desde mais cedo se desenvolveram soluções de autoridades reguladoras independentes333.

Se Vital Moreira aponta os mercados financeiros e os de valores mobiliários como

sendo carentes de regulação eminentemente técnica, certamente pode-se concluir de

maneira semelhante no que se refere ao mercado de resseguro, considerando todos os

elementos relacionados aos usos e costumes internacionais, em suma, à necessidade de

que a regulação não seja intrusiva como forma de zelar pelos interesses dos próprios

regulados. 333 MOREIRA, Vital e MAÇÃS, Fernanda. Ob. cit., p. 13.

174

Sob a perspectiva de órgãos cujas atribuições seriam semelhantes às atribuídas à

agência reguladora do resseguro e do seguro, isto é, contemplando a regulação de

ambos os mercados, convém trazer à colação diversos órgãos, em atuação em países do

Mercosul e de outros blocos econômicos, que concentram essas funções. A seguir,

convém observar a relação:

a. Na Argentina, a Superintendencia de Seguros de la Nación, é responsável

pela regulação dos mercados de resseguro334 e seguro335;

b. No Paraguai, a Superintendencia de Seguros, é a autoridade encarregada de

regular as empresas de seguros e resseguros que operam no país336;

c. No Uruguai, a Superintendencia de Seguros Y Reaseguros, criada em 1993,

ano a partir do qual foi flexibilizado monopólio exercido desde 1912,

responde pela regulação dos mercados de resseguro e seguro337.

d. No Chile, a Superintendência de Valores y Seguros, também é responsável

pela regulação dos mercados de resseguro e seguro338;

e. No México, a Comisión Nacional de Seguros y Fianzas é responsável pela

regulação dos mercados de resseguros e seguros. As informações referentes

aos resseguradores em atuação no país, inclusive no que toca à classificação

de solvência dos mesmos – rating - encontram-se disponíveis na Internet339.

f. Na Espanha, à Dirección General de Seguros também foi atribuída a

regulação dos mercados de resseguro e seguro340;

g. Na Itália, o Instituto per la Vigilanza sulle Assicurazioni Private e de

Interesse Colletivo regula os mercados de resseguro e seguro341;

334 Dispõem de autorização para atuar no mercado argentino 7 (sete) resseguradoras nacionais e 82 (oitenta e duas)

resseguradoras estrangeiras. Informações referentes à regulação do mercado de resseguro argentino disponíveis em <http://portal.ssn.gov.ar/storage/Registros/Reaseguros/Reaseguros.htm>, acessado em 25.11.2006.

335 Informações referentes à regulação do mercado de seguros argentino disponíveis em <http://portal.ssn.gov.ar/fwcm/>, acesso em 25.11.2006.

336 No mercado de seguros paraguaio encontram-se instaladas 34 (trinta e quatro) seguradoras e no mercado ressegurador encontram-se instaladas 67 (sessenta e sete) resseguradoras. Fonte: <http://www.bcp.gov.py/supseg/esttri2003/breverese%C3%B1a.htm> , acessado em 20.11.2006.

337 Informações referentes ao mercado de resseguro e seguro no Uruguai encontram-se disponíveis em <http://www.itf-commrisk.org/documents/meetings/AgInsurance%202005/Uru.pdf>, acessado em 20.11.2006.

338 Informações referentes ao mercado de resseguro e seguro no Chile encontram-se disponíveis em <http://www.svs.cl/sitio/html/merc_seguros/f_seguros.html>, acessado em 20.11.2006.

339 Fonte: <http://portal.cnsf.gob.mx/portal/page?_pageid=1058,1&_dad=portal&_schema=PORTAL>, acessado em 25.11.2006.

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=L'ISTITUTO>, acessado em 25.11.2006.

175

h. Em Portugal, o Instituto de Seguros de Portugal é o responsável pela

regulação dos mercados de resseguro e seguro342.

Portanto, examinando esses exemplos pode-se concluir que a regulação dos

mercados de resseguro e seguro é comumente exercida por apenas um órgão, sendo

certo que este exercício a cargo de agência reguladora independente será benéfico para

o próprio Governo e para os regulados.

Traçando um interessante paralelo entre o resseguro, cujo mercado será

implementado, com o setor postal brasileiro, ainda objeto de monopólio exercido pela

União Federal, Maria Neuenschwander Escosteguy Carneiro Goldberg343, ao sugerir a

flexibilização daquele monopólio, comenta que, sem sombra de dúvida, a regulação que

deverá passar a ser realizada sobre o setor postal deverá ser exercida por agência

reguladora independente, trazendo, neste particular, fundamentação convincente. A

seguir, convém observá-la:

Há necessidade de criação de uma agência reguladora para o setor postal? (...) Ora, conforme expõe Sérgio Guerra, se o Estado Regulador traduz um fenômeno de mutação constitucional desencadeado pelas alterações estruturais por que passou a sociedade, e, se estamos sustentando, ao longo do presente trabalho, a mutação constitucional por via interpretativa do “monopólio postal” brasileiro, nada mais adequado do que introduzir neste setor o fenômeno da regulação, hoje inexistente formalmente (...). Para Arnoldo Wald: no momento em que a execução das obras e serviços públicos foi sendo transferida à iniciativa privada, deixou-se de confundir a prestação destes com a regulação e a fiscalização dos mesmos, pois desatrelou-se o Poder Público das tarefas de execução das obras e serviços públicos para fazer com que assumisse a política regulatória de todos os setores da economia em que anteriormente cabia às empresas estatais o papel de concessionárias de serviços públicos, que deixaram de ser prestados pelo Estado, que foram desenvolvidas as Agências Reguladoras no Brasil. Bernardo Mueller e Carlos Pereira apontam, neste sentido, as possíveis razões para criação de uma agência reguladora independente: uma razão possível para criação de uma agência regulatória é para atingir um tipo diferente de flexibilidade administrativa daquele que é possível se ter pelo Poder Executivo. Uma agência autônoma pode estar submetida a diferentes regras que permitirão atrair, pagar e motivar uma força de trabalho talentosa (Bresser-Pereira 1998). Uma segunda razão envolve a outorga de poderes aos reguladores, a fim de que eles tenham incentivo para se especializarem e reduzirem as incertezas daquele determinado setor. (...) Uma terceira razão que pode motivar o governo a criar agências regulatórias independentes é o chamado “blame shifting” (transferência de culpa) (Fiorina 1982). Isto porque as reformas pelas quais estão passando diversos setores necessariamente implicam a redistribuição de riqueza entre

342 Fonte: <http://www.isp.pt/ >, acesso em 25.11.2006. 343 GOLDBERG, Maria Neuenschwander Escosteguy Carneiro. Ob. cit., pp. 266/287.

176

diferentes grupos, o que pode causar no governo o desejo de se distanciar deste processo a fim de evitar ser culpado. Uma quarta razão é para assumir um compromisso crível de que o governo não irá interferir arbitrariamente no processo regulatório a fim de se apropriar das rendas das empresas reguladas. (...) em países nos quais a credibilidade é uma preocupação importante para o governo, pode-se explicar muitas das opções de instituições regulatórias como uma maneira de fornecer tal compromisso. Neste trabalho, argumentamos que o motivo mais importante para a criação de agências regulatórias no Brasil assim como a determinação principal do design regulatório específico de cada setor, é a questão da credibilidade. (...) A última modificação institucional proposta foi a criação de uma agência reguladora do Sistema Nacional dos Correios, que é uma estrutura diferenciada, dotada de maior independência e autonomia, cuja atividade consistiria numa permanente ponderação entre custos e benefícios na intervenção sobre os serviços postais, que passariam, então, a ser regulador por atos normativos, executivos e judicantes. Este órgão viabilizaria o controle do setor de forma eficiente. O que se conclui, com relação a este ponto é que a regulação por entidade autárquica especial criada especificamente é um instrumento desejável de não interferência política nos critérios de ponderação técnica entre custos e benefícios da intervenção estatal na liberdade privada e, antes disso, um instrumento necessário à “criação jurídica” de um mercado, que, funciona hoje fora de uma moldura regulatória.

Sintetizando as principais razões determinantes à criação de uma agência

reguladora independente para o setor postal, em primeiro lugar se apresenta a

flexibilidade administrativa diferenciada, que permitiria, por exemplo, uma maior

capacitação de sua força de trabalho, tornando-a mais talentosa; a segunda razão está

traduzida na outorga de poderes à agência reguladora, o que teria como conseqüência

uma maior especialização e, assim, redução das incertezas dos regulados; a terceira

razão foi o chamado blame shifting ou, transferência de culpa, considerando que o

Governo, ao transferir as atribuições regulatórias para agência independente, retira de si

o foco das eventuais cobranças apresentadas pelos regulados; a quarta razão é o

compromisso crível de que o Governo não interferirá naquele mercado, gerando, assim,

maior credibilidade, diminuição do risco-país, o que, por certo, motivará uma maior

convergência de capitais para a economia nacional344.

Essas razões, sem dúvida, são aplicáveis à regulação do resseguro no país e, além

disso, estimulantes à criação de uma agência reguladora independente. É absolutamente

necessário que a mão de obra encarregada de atuar na regulação de mercado tão

específico seja especializada, o que vai ao encontro da primeira razão – flexibilidade

administrativa. 344 As quatro razões para a criação de uma agência reguladora independente foram mencionadas por Bernardo

Müeller e Carlos Pereira em Credibility and the design of regulatory agencies in Brazil In: Revista de Economia Política, v. 22, nº. 3 (87), jul.set , 2002, pp. 65/87, pp. 66-67.

177

A agência responsável pela regulação do resseguro e, possivelmente, do seguro

também, deverá ser especializada nesse mister, ante à complexidade das questões

apreciadas, dos grandes riscos discutidos, de todo o impacto social de que se revestem

tanto a atividade securitária quanto a atividade ressecuritária.

Prosseguindo, a transferência de culpa – blame shifting, fruto da assunção de

responsabilidade pela agência reguladora, afigura-se extremamente vantajosa para o

Governo que, retirando de si a pressão, o foco, poderá dedicar-se a questões realmente

essenciais em que o Estado, invariavelmente, deverá estar presente, como educação,

segurança pública e saúde.

Por fim, o ganho de credibilidade em relação ao mercado de resseguro tornou-se

realmente necessário. Desde 1996, com a Emenda à Constituição nº. 13, de 21 de agosto

de 1996, com a supressão do termo “órgão oficial ressegurador” do art. 192 da

Constituição da República, resseguradores estrangeiros e o próprio mercado segurador

nacional acreditaram, à época, que ocorreria a flexibilização do monopólio exercido

pelo IRB.

A criação de uma agência reguladora independente, exatamente com relação a

este aspecto, revelaria que o Governo, de fato, teria tomado a iniciativa de não mais se

imiscuir diretamente nessas questões, o que, a toda evidência, gerará ganhos em matéria

de confiança, de credibilidade, por parte dos resseguradores estrangeiros, que, ao

optarem pela instalação no país, estarão trazendo insumos à economia nacional.

Por esses motivos, entende-se que a SUSEP deverá ceder espaço à agência

reguladora independente, como forma de que a regulação do mercado ressegurador

nacional possa ser desempenhada de maneira essencialmente técnica, imparcial, imune

às pressões exercidas pelos agentes públicos e/ou privados (imune à captura).

4.9 Conclusões Parciais

Demonstrou-se ao longo deste capítulo que o resseguro, por se tratar de negócio

eminentemente internacional, em não raras ocasiões coloca frente a frente ordenamentos

jurídicos de países distintos, fato este que, em princípio, poderia suscitar problemas

relacionados à opção pelo ordenamento que seria adotado.

178

A prática reiterada, ao longo dos tempos, demonstrou que os usos e costumes

figuram como típica fonte de obrigações em matéria de Direito aplicado ao resseguro,

apenas antecedidos pelo que for disciplinado pelas partes (ressegurador e segurador)

quando da celebração do contrato de resseguro, desde que, por certo, não seja

contrariada a ordem pública.

Por esses motivos, a intervenção estatal, a ser realizada por agência reguladora

independente, deverá ser leve, em estrita observância ao princípio da subsidiariedade,

considerando tanto a autonomia da vontade das partes, quanto os usos e costumes

internacionais em matéria ressecuritária. Com relação à força dos costumes, vale

lembrar que a própria Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 4º, reconhece a sua

força normativa.

Nessa senda, a auto-regulação do mercado ressegurador nacional floresce como

uma alternativa absolutamente bem postada, viável, considerando que os próprios usos e

costumes internacionais em larga medida é que norteiam a atuação dos resseguradores e

dos seguradores. Ora, se estes mesmos é que, por si, disciplinam a sua atuação,

realmente não faria o menor sentido impor a atuação de um órgão regulador que, ao que

tudo indica, criaria embaraços ao que já estaria fluindo de maneira eficiente.

Explicou-se, também, que a implementação da auto-regulação não será levada a

cabo de maneira automática, instantânea, fazendo-se necessário o amadurecimento do

mercado para, então, torná-lo realmente auto-regulável.

Com relação às funções que serão desempenhadas pelo IRB no mercado

ressegurador nacional, demonstrou-se, objetivamente, que este não poderá permanecer

exercendo as atribuições regulatórias, já que, como competidor, não lhe seria lícito

continuar formulando as “regras do jogo”.

Quanto à sua desestatização, sustenta-se posição a esta favorável, considerando

que, assim como se procedeu com as telecomunicações, com a energia elétrica e com

tantos outros segmentos importantes da economia nacional, tudo sugere que o Estado

não continue detendo o controle do IRB.

Por outro lado, caso a opção governamental seja no sentido de não perder o

controle do IRB, demonstrou-se também, com base no exemplo da Korean-Re que,

mesmo após a flexibilização do monopólio coreano do resseguro, sua empresa estatal

permaneceu detendo fatias substanciais daquele mercado, fruto dos bons serviços

179

oferecidos aos seguradores locais e estrangeiros. Caberá à estatal brasileira, nesta

situação, esforçar-se para implementar melhores coberturas em condições mais

vantajosas do que as que serão oferecidas por seus concorrentes, como forma de cativar

a sua clientela e, assim, melhorar os seus números.

Demonstrou-se, também, que seguindo a mesma linha que vem sendo adotada nos

Estados Unidos e na União Européia, o IRB, por intermédio da União, deverá esforçar-

se para que no âmbito do Mercosul o cadastramento para exploração do resseguro

habilite o ressegurador a exercer as suas atividades nos demais países integrantes do

grupo econômico, o que, indubitavelmente, aumentará o lastro de atuação da

resseguradora brasileira. O desenvolvimento de um trabalho eficiente junto aos

mercados de resseguro vizinhos norteará (ou não) o crescimento de sua produtividade.

Finalmente, sustentou-se que a regulação do resseguro no país deverá ficar a cargo

de agência reguladora independente, a cujos Diretores sejam assegurados mandatos

fixos, com a finalidade de que a mão de obra lotada nesta agência possa especializar-se

com maior profundidade e, além disso, para que o próprio Governo Federal possa

transferir as responsabilidades regulatórias que, ordinariamente, lhes são características,

garantindo-se, com isso, a imparcialidade e a liberdade necessárias para que a regulação

do resseguro seja livre das capturas pública e/ou privada.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento da relação existente no país entre o Estado e o Mercado, de

maneira geral, demonstrou, com riqueza de exemplos, que a ordem econômica

constitucional brasileira não guarda mais espaço para que prevaleça um regime

monopolista. Nos segmentos voltados à distribuição de gás canalizado, ao fim da

reserva de mercado na navegação de cabotagem, às telecomunicações, à distribuição de

energia elétrica e ao petróleo e gás natural, foram dados passos importantes rumo à

flexibilização dos monopólios outrora existentes, sendo certo que a recém sancionada

Lei Complementar nº. 126, de 15 de janeiro de 2007, representou o marco que carecia

de ser alcançado para os mercados segurador e ressegurador brasileiros.

De fato, seja com motivação na livre iniciativa ou na livre concorrência, aliando-

se a esses motivos o fato de que em âmbito mundial praticamente inexiste a exploração

do resseguro em regime de monopólio, sustentou-se que, mesmo antes da sanção da

mencionada Lei Complementar já se encontravam reunidas as condições necessárias

para que o Estado, com as características que o século XXI lhe impõe, passasse a

regular o resseguro no país, ao invés de ser o responsável por sua execução direta.

Demonstrou-se que a exploração do resseguro em regime de monopólio não gera

efeitos positivos nem sob a perspectiva da higidez econômico-financeira, nem sob a

perspectiva da livre iniciativa e da livre concorrência e muito menos sob a perspectiva

dos acordos de cooperação, especialmente os horizontais, já que absolutamente

inexistentes.

Os principais pilares sobre os quais o órgão responsável pela regulação do

resseguro deverá assentar-se são: (i) a higidez econômico-financeira dos resseguradores

locais e daqueles resseguradores que pretendam instalar-se no país, sejam eventuais ou

admitidos; (ii) livre concorrência, de maneira que esta, efetivamente, seja observada por

aqueles que estiverem atuando no mercado ressegurador nacional, tornando-se

plenamente cabíveis as medidas que visem sancionar as condutas anti-concorrenciais,

traduzidas em abuso de posição dominante; (iii) quanto aos acordos de cooperação que,

possivelmente, serão entabulados pelos resseguradores entre si e por estes com os

181

seguradores, estudou-se que caso os benefícios decorrentes de sua implementação, em

cotejo com os prejuízos decorrentes de eventual conduta anti-competitiva, sejam

maiores, isto é, caso o propósito seja lícito, consubstanciado na obtenção de garantias

mais estendidas, não deverá haver restrição alguma à sua consecução. Por outro lado,

caso os prejuízos superem os benefícios, caberá ao seu órgão regulador deste mercado

tomar as medidas necessárias para evitar práticas desta natureza e/ou sancioná-las.

Com relação às experiências colhidas dos mercados resseguradores dos Estados

Unidos da América e da Comunidade Européia, demonstrou-se a importância de que

seja dedicada atenção ao controle da higidez econômico-financeira dos resseguradores,

o que tem como reflexo evitar que haja retenção exagerada de riscos por parte dos

seguradores, tudo com o propósito de que o mercado possa desenvolver-se livre da

insolvência de seus agentes. No que toca à atuação dos resseguradores em todos os

países integrantes da Comunidade Européia, comentou-se que a autorização concedida

num dos países integrantes do bloco permite a atuação em todos os demais países, isto

é, a as normas aplicáveis a um país também são aplicáveis nos demais países, sem

restrições.

Por se tratar de negócio eminentemente internacional, o contrato de resseguro,

usualmente, coloca frente a frente ordenamentos jurídicos de países distintos, fato este

que, em princípio, poderia suscitar problemas relacionados à opção pelo ordenamento

que seria adotado. Nesse sentido, justamente visando evitar questões desta jaez

demonstrou-se que os usos e costumes figuram como típica fonte de obrigações em

matéria de Direito aplicado ao resseguro, apenas antecedidos pelo que for disciplinado

pelas partes (ressegurador e segurador) quando da celebração do contrato, desde que,

por certo, não seja contrariada a ordem pública.

Por esses motivos, a intervenção estatal, a ser realizada por agência reguladora

independente a ser criada com esta finalidade específica, deverá ser leve, em estrita

observância ao princípio da subsidiariedade, considerando tanto a autonomia da vontade

das partes, quanto os usos e costumes internacionais em matéria ressecuritária.

Nessa linha, a auto-regulação do mercado ressegurador nacional floresce como

uma alternativa juridicamente viável, considerando que os próprios usos e costumes

internacionais em larga medida é que norteiam a atuação dos resseguradores e dos

seguradores.

182

Concernentemente às funções que serão desempenhadas pelo IRB – Brasil

Resseguros S.A. no mercado ressegurador nacional, demonstrou-se, objetivamente, que

este não poderá permanecer exercendo as atribuições regulatórias, já que, como

competidor, não lhe seria lícito continuar formulando as “regras do jogo”.

Quanto à sua desestatização, sustentou-se posição a esta favorável, considerando

que, assim como se procedeu com as telecomunicações, com a energia elétrica e com

tantos outros segmentos importantes da economia nacional, tudo sugere que o Estado

não continue detendo o controle do IRB.

Por outro lado, caso a opção governamental seja no sentido de não perder o

controle do IRB, demonstrou-se também, com base no exemplo da Korean-Re que,

mesmo após a flexibilização do monopólio coreano do resseguro, sua empresa estatal

permaneceu detendo fatias substanciais daquele mercado, fruto dos bons serviços

oferecidos aos seguradores locais e estrangeiros.

Analisou-se, também, que seguindo a mesma linha que vem sendo adotada nos

Estados Unidos e na União Européia, o IRB, por intermédio da União, deverá esforçar-

se para que no âmbito do MERCOSUL o cadastramento para exploração do resseguro

habilite o ressegurador a exercer as suas atividades nos demais países integrantes do

grupo econômico, o que, indubitavelmente, aumentará o lastro de atuação da

resseguradora brasileira. O desenvolvimento de um trabalho eficiente junto aos

mercados de resseguro vizinhos norteará (ou não) o crescimento de sua produtividade.

Finalmente, concluiu-se que a regulação do resseguro no país deverá ficar a cargo

de agência reguladora independente, a cujos Diretores sejam assegurados mandatos

fixos, com a finalidade de que a mão de obra lotada nesta agência possa especializar-se

com maior profundidade e, além disso, para que o próprio Governo Federal possa

transferir as responsabilidades regulatórias que, ordinariamente, lhes são características,

garantindo-se, com isso, a imparcialidade e a liberdade necessárias para que a regulação

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