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PAISAGENS CULTURAIS EM DELMIRO GOUVEIA, OLHO D’ÁGUA DO CASADO E PIRANHAS NO SERTÃO DE ALAGOAS: A RESSIGNIFICAÇÃO DA IDENTIDADE LOCAL PROMOVIDA PELO TURISMO ROGÉRIA DE SOUZA VIEIRA 1 Resumo As paisagens culturais no Sertão de Alagoas expressam a história do lugar, que através da prática do turismo, tem ganhado novos significados, principalmente no que se refere à identidade do lugar. O turismo é apresentado como motivador da transformação da identidade e da valorização de paisagens culturais e do patrimônio histórico. Os aspectos formais de paisagem estimulam a realização de uma pesquisa que possibilite a verificação das dinâmicas geográficas existentes e a interpretação das significações culturais produzidas pela sociedade na sua relação com os lugares. Assim, busca-se um olhar científico sobre as paisagens culturais, e a ressignificação da identidade local, que é promovido pelo turismo. E este depende fortemente de dois ingredientes fundamentais à região: o patrimônio histórico e o Rio São Francisco. O tema nasce de aportes de autores como Aplin (2007), Castriota (2016), Claval (2007), Cosgrove (2011), Fernandes (2013) e Tuan (1985) nos estudos sobre paisagem cultural; e Carvalho (2012), Choay (2015), Harvey (2008), Pereiro (2006) e Rossler (2009) no debate sobre os conceitos de patrimônio histórico/cultural e identidade. Com isso, essa pesquisa tem como objetivo pensar sobre as transformações e os significados das paisagens culturais nos municípios de Delmiro Gouveia, Olho D’Água do Casado e Piranhas, e considera que o desenvolvimento do turismo regional proporciona à ressignificação da identidade local. Para a efetivação dos objetivos propostos, a pesquisa percorre um caminho metodológico que contempla uma breve investigação teórico-conceitual sobre paisagem cultural e realização de pesquisa de campo, essa que consiste na observação da paisagem. Contudo, a noção de paisagem cultural surge a partir de estudos voltados para a compreensão das relações que a sociedade possui com o lugar. Essas afinidades transformam o espaço através da configuração de vida que os indivíduos apresentam, e resulta em marcas na paisagem. Os resultados mostram que a população das cidades pesquisadas está vivenciando novas formas de vida, devido à paisagem cultural existente e suas transformações, causada pela atividade turística. Por isso, é importante conhecer a ressignificação da identidade local, pois a partir disso, é possível pensar em dinâmicas que valorizem não só os bens, mais também à sociedade. Os municípios pesquisados possuem forte ligação com o passado e presente, devido à ferrovia e ao rio São Francisco. Além disso, esses municípios possuem patrimônios ligados à história da formação da cidade, com símbolos que marcam a paisagem. No edificado é evidente essas marcas, pois essas são reconhecidas como riquezas culturais, o que torna um estudo que considere as paisagens culturais relevantes à análise e à reflexão geográfica. Palavras chave: Identidade Local, Paisagem Cultural, Ressignificação, Sertão de Alagoas, Turismo. Abstract 1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGeo) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Laboratório de estudos sobre Espaço, Cultura e Política da Universidade Federal de Pernambuco (LECgeo). GEPAR - Grupo de Estudos e Pesquisa em Análise Regional. E- mail de contato: [email protected]

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PAISAGENS CULTURAIS EM DELMIRO GOUVEIA, OLHO D’ÁGUA

DO CASADO E PIRANHAS NO SERTÃO DE ALAGOAS:

A RESSIGNIFICAÇÃO DA IDENTIDADE LOCAL PROMOVIDA PELO

TURISMO

ROGÉRIA DE SOUZA VIEIRA1

Resumo

As paisagens culturais no Sertão de Alagoas expressam a história do lugar, que através da prática do turismo, tem ganhado novos significados, principalmente no que se refere à identidade do lugar. O turismo é apresentado como motivador da transformação da identidade e da valorização de paisagens culturais e do patrimônio histórico. Os aspectos formais de paisagem estimulam a realização de uma pesquisa que possibilite a verificação das dinâmicas geográficas existentes e a interpretação das significações culturais produzidas pela sociedade na sua relação com os lugares. Assim, busca-se um olhar científico sobre as paisagens culturais, e a ressignificação da identidade local, que é promovido pelo turismo. E este depende fortemente de dois ingredientes fundamentais à região: o patrimônio histórico e o Rio São Francisco. O tema nasce de aportes de autores como Aplin (2007), Castriota (2016), Claval (2007), Cosgrove (2011), Fernandes (2013) e Tuan (1985) nos estudos sobre paisagem cultural; e Carvalho (2012), Choay (2015), Harvey (2008), Pereiro (2006) e Rossler (2009) no debate sobre os conceitos de patrimônio histórico/cultural e identidade. Com isso, essa pesquisa tem como objetivo pensar sobre as transformações e os significados das paisagens culturais nos municípios de Delmiro Gouveia, Olho D’Água do Casado e Piranhas, e considera que o desenvolvimento do turismo regional proporciona à ressignificação da identidade local. Para a efetivação dos objetivos propostos, a pesquisa percorre um caminho metodológico que contempla uma breve investigação teórico-conceitual sobre paisagem cultural e realização de pesquisa de campo, essa que consiste na observação da paisagem. Contudo, a noção de paisagem cultural surge a partir de estudos voltados para a compreensão das relações que a sociedade possui com o lugar. Essas afinidades transformam o espaço através da configuração de vida que os indivíduos apresentam, e resulta em marcas na paisagem. Os resultados mostram que a população das cidades pesquisadas está vivenciando novas formas de vida, devido à paisagem cultural existente e suas transformações, causada pela atividade turística. Por isso, é importante conhecer a ressignificação da identidade local, pois a partir disso, é possível pensar em dinâmicas que valorizem não só os bens, mais também à sociedade. Os municípios pesquisados possuem forte ligação com o passado e presente, devido à ferrovia e ao rio São Francisco. Além disso, esses municípios possuem patrimônios ligados à história da formação da cidade, com símbolos que marcam a paisagem. No edificado é evidente essas marcas, pois essas são reconhecidas como riquezas culturais, o que torna um estudo que considere as paisagens culturais relevantes à análise e à reflexão geográfica. Palavras chave: Identidade Local, Paisagem Cultural, Ressignificação, Sertão de Alagoas, Turismo.

Abstract

1 Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGeo) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Laboratório de estudos sobre Espaço, Cultura e Política da Universidade Federal de Pernambuco (LECgeo). GEPAR - Grupo de Estudos e Pesquisa em Análise Regional. E-mail de contato: [email protected]

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The cultural landscapes in the Sertão of Alagoas express the history of the place, which through the practice of tourism, has gained new meanings, especially with regard to the identity of the place. Tourism is presented as motivator of the transformation of identity end the appreciation of cultural landscapes and historical heritage. The formal aspects of the landscape stimulate the realization of a research that enables the verification of the existing geographic dynamics and the interpretation of the cultural significations produced by society in its relationship with the places. Thus, it seeks a scientific look at the cultural landscapes, and the resignification of the local identity, which is promoted by tourism. And this depends heavily on two essential ingredients in the region: the historical heritage and the River São Francisco. The theme is born of contributions from authors such as Aplin (2007), Castriota (2016), Claval (2007), Cosgrove (2011), Fernandes (2013) and Tuan (1985) in Studies on cultural landscape; and Carvalho (2012), Choay (2015), Harvey (2008), Pereiro (2006) and Rossler (2009) in the debate on the concepts of historical/cultural heritage and identity. Thus, this research aims to think about the transformations and meanings of cultural landscapes in the municipalities of Delmiro Gouveia, Olho D'Água of Casado and Piranhas, and considers that the development of regional tourism provides the resignification of local identity. To accomplish the proposed objectives, the research goes through a methodological path that contemplates a brief theoretical-conceptual research on cultural landscape and conducting field research, that consists in observing the landscape. However, the notion of cultural landscape arises from studies aimed at understanding the relationships that society possesses with the place. These affinities transform space through the setting of life that individuals present, and results in marks in the landscape. The results show that the population of the cities surveyed is experiencing new forms of life, due to the existing cultural landscape and its transformations, caused by tourist activity. Therefore, it is important to know the reshaping of the local identity, because from this, it is possible to think of dynamics that value not only the goods, but also the society. The cities surveyed have a strong connection with the past and present, due to the railroad and the river São Francisco. In addition, these municipalities have heritage linked to the history of the formation of the city, with symbols that mark the landscape. In the built it is evident these marks, since these are recognized as cultural riches, which makes a study that considers the cultural landscapes relevant to the analysis and the geographical reflection. Keywords: Local Identity, Cultural Landscape, Resignification, Sertão of Alagoas, Tourism.

1 – Introdução

A noção de paisagem cultural surge a partir de estudos voltados para a

compreensão das relações que a sociedade possui com o lugar. Essas afinidades

transformam o espaço através da configuração de vida que os indivíduos

apresentam, e resulta em marcas na paisagem. Os símbolos são reconhecidos

como riquezas culturais, o que torna um estudo que considere as paisagens

relevantes à análise e à reflexão geográfica.

Com isso, este estudo apresenta uma breve reflexão sobre a paisagem

cultural dos municípios de Delmiro Gouveia, Olho D’Água do Casado e Piranhas

localizados no Sertão de Alagoas. Esses lugares possuem significados que por meio

da atividade turística vem alterando o modo de vida da população, pois o turismo é

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motivador de transformações da identidade local e de valorização das paisagens

culturais nas cidades.

Deste modo, é importante saber quais são as transformações e os

significados presentes nas paisagens culturais de Delmiro Gouveia, Olho D’Água do

Casado e Piranhas no Sertão de Alagoas, frente à ressignificação da identidade

local promovida pelo turismo.

Todos esses municípios pesquisados têm o Rio São Francisco embelezando

sua paisagem. Os canais do rio fazem desses lugares encantadores, pela sua

formação natural e pela formação histórica que leva esses lugares a possuírem uma

estrutura cultural simbolizada na paisagem.

Esta pesquisa contribui à compreensão dos movimentos mais recentes de

valorização do patrimônio cultural local. No caso das cidades aqui consideradas –

Delmiro Gouveia, Olho D’Água do Casado e Piranhas – estas representam alguns

dos principais pólos turísticos do Baixo São Francisco e do estado de Alagoas e, ao

mesmo tempo, dependem de suas ligações e proximidades com o Rio São

Francisco para a atualização dos destinos, e para o investimento privado fortemente

voltado à vivência fluvial e à experimentação da história e das culturas regionais.

Portanto, o material resultante dessa breve análise sobre as paisagens

culturais, com foco na ressignificação da identidade local promovida pelo turismo,

contribui para a reflexão e a transformação das práticas atuais referentes ao

tratamento dado a paisagem cultural, principalmente por se tratar de estudos

voltados para região semiárida.

2 - Paisagem cultural e seus significados

Os lugares são repletos de imagens que na paisagem apresenta a história

vivenciada temporalmente. A configuração espacial com os edifícios construídos, as

manifestações sociais, a natureza, são objetos que fazem parte do espaço e que

revelam as dinâmicas construídas de forma socioambiental.

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As diversas ações são refletidas na paisagem e demonstram o modo de vida

da sociedade. Assim, “a paisagem, resultado da produção social e da determinação

natural, é uma forma pela qual a sociedade vê o mundo. Ela reclama um sujeito que

a signifique e que lhe confira valor” (PAES, 2009, p. 165). E esses significados

tornam-se os símbolos que representam a cultura do lugar, essa que é valorizada

por fazer parte da história e por ser importante na construção da identidade local.

Reportar ao passado é expressivo no estudo da paisagem cultural. A

configuração do presente é resultado do que aconteceu anteriormente, e com isso

as imagens dos lugares são marcadas pela identidade temporal. É possível afirmar

que uma paisagem apresenta heranças do antes e do agora; e que no mesmo

período diferentes lugares podem apresentar símbolos que sinalizam o mesmo

momento.

Os símbolos que marcam o mesmo período se fazem presente nos

municípios de Delmiro Gouveia, Olho D’Água do Casado e Piranhas. Localizados na

região do Alto Sertão de Alagoas, eles têm sua história representada, dentre outras

formas, através da rede ferroviária, essa que foi fonte de ligação entre as cidades, e

do rio São Francisco que também une os municípios.

O rio São Francisco proporciona uma dinâmica diferenciada nos três

territórios aqui citados. Suas áreas conhecidas como canyons do São Francisco, têm

ganhado destaque na promoção do turismo nacional e internacional. Com isso, a

atividade turística tem se intensificado e proporcionado modificações significativas

na paisagem dessas cidades.

Na atualidade a rede ferroviária não tem mais a função de transporte de

mercadorias e pessoas. Porém ela ainda une as cidades com sua simbologia e suas

histórias. Das três estações ferroviárias, duas ganharam novas dinâmicas. As

estações de Delmiro Gouveia e Piranhas, atualmente funcionam como museus

(figuras 01 e 02). A primeira com a história de vida do Delmiro e a segunda com

representação da história do cangaço na figura de Lampião.

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Os diversos elementos no espaço é que irão determinar a formação cultural

na paisagem. A criação da cultura e a proteção do patrimônio cultural se refere ao

direito que esses têm, isso “porque do nada, nada se cria, a criação sustenta-se na

herança cultural recebida” (MENDES, 2012, p. 33). Por isso é importante que se

realizem políticas de permanência dos bens, pois a paisagem cultural também é

herdada.

Existem diversos lugares que possuem patrimônio com grande significado.

Porém eles não são reconhecidos pelos órgãos de proteção, apensar do seu valor

cultural. Como exemplo, tem-se as estações ferroviárias dos municípios de Olho

D’Água do Casado e Delmiro Gouveia.

O município de Delmiro Gouveia possui bens culturais voltados para a história

da cidade e a natureza. A antiga Vila Operária é símbolo que marca a formação do

lugar, junto à antiga Fábrica da Pedra. Para concretização desses bens tem-se o

seu idealizador, Delmiro Augusto da Cruz Gouveia, que ao olhar à cachoeira de

Paulo Afonso, viu o seu potencial e construiu a hidroelétrica de Angiquinho, cartão

postal da cidade (figuras 03 e 04).

Figura 01 – Museu Regional Delmiro Gouveia Fonte: A Autora (2018).

Figura 02 – Museu do Sertão, Piranhas Fonte: A Autora (2018).

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Figuras 03 e 04 – Hidroelétrica de Angiquinho, Delmiro Gouveia (AL) Fonte: A Autora (2016).

No município de Delmiro Gouveia, além do patrimônio arquitetônico, que vem

desaparecendo na paisagem, devido à falta de proteção por leis, e pela

modernidade, têm-se as belezas naturais com a vegetação caatinga e os canyons

do Rio São Francisco. Toda sua configuração urbana dialoga com a natureza, pois

foi partindo dos recursos naturais que se formou a cidade, e essas dinâmicas fazem

do município um lugar com patrimônio cultural de memória.

É na paisagem que a cultura é representada. Nela estão presentes os

símbolos, esses que exibem a história, o ocorrido no passado, a exemplo das

“rugosidades” (SANTOS, 2009) que no município de Piranhas está fortemente

presente no centro histórico, com seus edifícios antigos; e na atualidade com a

“heterogeneidade e o hibridismo”, palavras essenciais no entendimento da categoria

paisagem cultural na contemporaneidade (FERNANDES, 2013).

A paisagem cultural se configura em patrimônio. Através de ações para a sua

manutenção e permanência, os bens são reconhecidos pelos órgãos de proteção,

que no Brasil podem ser nas esferas Federal, Estadual e/ou Municipal. Como

exemplo, tem-se o tombamento (instrumento de proteção dos centros urbanos) do

“Sítio Histórico e Paisagístico de Piranhas, Alagoas” (figuras 05 e 06), pelo IPHAN,

que reconhece o valor histórico-paisagístico que o município possui (BARRO, 2005).

Figuras 05 e 06 – Sítio Histórico e Paisagístico de Piranhas, Alagoas Fonte: A Autora (2018).

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Dentre os fatores que levaram o município de Piranhas a ser tombado pelo

IPHAN, tem-se a sua forma urbana e a paisagem natural ou urbana circundante.

É inegável a riqueza cultural que Piranhas possui. Com seus casarios e o rio

São Francisco, ela abriga uma paisagem que apresenta a história da formação do

território alagoano, com a sua arquitetura monumental, os costumes e crenças, o

ribeirinho que faz da pesca sua arte, as pessoas que dão vida ao lugar.

No município de Olho D’Água do Casado, seu patrimônio cultural versa sobre

o Sítio Arqueológico o Rio São Francisco. O Sítio Arqueológico é protegido pelas

legislações brasileiras que salvaguarda esse tipo de bem e pelo IPHAN. As ações

dos órgãos governamentais são fundamentais para a preservação da paisagem

cultural histórica.

O patrimônio é uma construção histórica. A memória reflete “passados futuros

e futuros passados” (HARVEY, 2008, p. 21). Ele resgata historicamente a memória

dos lugares e apresenta o patrimônio como herança do processo do passado, uma

“construção discursiva”, que resulta em matéria. Assim,

(…) o património emerge na encruzilhada da (re)construção de memórias e identidades, como configura um recurso estratégico dos processos de requalificação, refuncionalização e renovação da imagem dos territórios, um suporte de iniciativas (formais e informais) de educação patrimonial, e uma oportunidade de envolver a sociedade na compreensão da linguagem de estruturação dos seus territórios e nas relações dinâmicas com os outros (CARVALHO, p. 15).

Harvey (2001) defende que o patrimônio possui um potencial amplo, e que é

preciso realizar investigações que explorem e reconheçam os bens como

importantes objetos de pesquisa na análise geográfica. O lugar vive em constantes

transformações, e as narrativas contribuem para o entendimento e o

desenvolvimento local.

A partir do entendimento histórico inicia-se o reconhecimento dos patrimônios.

A princípio, eram visualizados apenas os bens monumentais. Com o tempo, passou-

se a reconhecer e valorizar os demais patrimônios histórico-culturais, que são

instrumentos de interpretação do modo de vida da sociedade (VIEIRA, 2016). Os

bens reúnem aspectos individuais e coletivos construídos por sentidos que

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representam o lugar. É a construção de expressões com significados (percepções),

atitudes, visão de mundo e valores da coletividade (TUAN, 1985).

Os entendimentos dos significados estão presentes em estudos culturais. São

consideradas as afetividades que as pessoas têm com o lugar, com as experiências

vividas e estabelecidas, que se contextualizam e originam visões do mundo (TUAN,

1985). Essas que irão apresentar suas especificidades.

Como apresentado, as paisagens culturais são construções do passado e do

presente, com as relações entre a sociedade e a natureza que vai dando forma aos

lugares. As interações entre os sujeitos contribuem para a formação da paisagem

cultural e seu prestígio.

Não obstante, as análises das paisagens culturais contribuem para o

entendimento da formação da identidade local. As transformações e significados dos

lugares resultam das interações sociais, essas que possuem valores sociais e

históricos.

3 - Ressignificação da identidade e atividade turística

O entendimento dos significados na paisagem é crucial para entender a

identidade local. Eles dão sentido ao lugar e revela sua identificação, como

apontado nos vastos escritos de Denis Cosgrove (2011), que considera com

propriedade nos seus estudos empíricos sobre paisagem, o simbólico.

O simbólico reflete a identidade do lugar. Na cidade de Piranhas, por

exemplo, a história do cangaço é um dos símbolos mais marcantes, proporciona

ressignificação, pois a narrativa da paisagem está fortemente presente na vida da

população desse local. Com isso “a paisagem estrutura e é estruturada pelo poder

simbólico” (COSGROVE, 2011, p. 129). Ela envolve alegorias da diversidade cultural

que se tornam patrimônio cultural. Portanto,

A significação e a autenticidade dessas paisagens vão envolver também elementos que se relacionam com a dimensão imaterial do patrimônio, dependendo frequentemente da continuidade e da vitalidade de sistemas tradicionais de cultura e de produção, que criaram ao longo do tempo

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padrões característicos de uso da terra e um sentido único de lugar (CASTRIOTA, 2016, p. 223).

Com isso, o entendimento da paisagem cultural e identidade local perpassam

pelo reconhecimento e apreciação dos moradores e dos visitantes (turistas). Assim

“o sentido da paisagem cultural pode ser construído e reconstruído pelos diversos

grupos sociais a partir de suas experiências” (CORRÊA, 2009, p. 4). Essas

experiências transformam o lugar, o promove, e constroem acepções na paisagem

que são importantes para a memória local.

Na paisagem é possível descobrir constituições que marcam a história do

lugar. Como exemplos têm-se os modos de fazer (artesanato, culinária), as formas

naturais específicas, dentre outros; que simbolizam o cultural. Com isso “a paisagem

cultural possui uma visão integrada do patrimônio que engloba os bens naturais e os

bens culturais e atinge as dimensões materiais e imateriais” (FIGUEIREDO, 2014, p.

149). É nela que estão presentes todos os patrimônios construídos de forma

temporal e que dão sentido ao lugar.

Os formatos de reconhecimento dos ambientes dão sentido ao lugar, o

simboliza, é uma topofilia, uma construção da identidade local. Assim “o património

cultural é uma expressão da cultura dos grupos humanos que recupera memórias,

ritualiza sociabilidades, seleciona bens culturais e transmite legados para o futuro”

(PEREIRO, 2006, p. 25).

Ao considerar os diferentes patrimônios e realidades culturais, existem

diversas tipologias utilizadas pelo turismo para promoção dos bens. Por exemplo, no

turismo cultural, é possível encontrar o Turismo Cívico, Religioso, Místico e

Esotérico, Étnico, Cinematográfico, Arqueológico, Gastronômico, Ferroviário,

Enoturismo, dentre outros (MT, 2010). Além desses, existe o Turismo de Base Local

que tem ganhado espaço pela sustentabilidade que o mesmo proporciona.

O futuro é construído através do passado e do presente. Ele está simbolizado

na paisagem cultural, tornando-se bens atrativos para o turismo. Nos municípios de

Delmiro Gouveia, Olho D’Água do Casado e Piranhas, a atividade turística ao longo

dos anos vem ganhando espaço e na atualidade possui um papel importante, no que

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diz respeito à valorização e permanência do patrimônio, bem como na economia

local e regional.

O município de Delmiro Gouveia possui investimentos de permanência para o

turista, mas ainda de forma precária. Existem diversos hotéis e pousadas, porém

através de observações da infraestrutura das ofertas, é possível concluir que muitos

desses estabelecimentos ainda não estão preparados para receber turistas, pois

faltam pessoas capacitadas para o atendimento dessa demanda.

Em Delmiro, ganham destaque às pousadas e restaurantes as margens do rio

São Francisco, que proporcionam aos turistas, vivências com a natureza. Como

exemplo tem-se à Pousada Verde Canyon de Luz e o Restaurante Ecológico

Castanho. Na cidade e na área rural, é possível encontrar diversos restaurantes,

oferta de trilhas e artesanato diferenciado.

Em Piranhas, são encontrados diversos empreendimentos para receber

turistas. Como exemplo, tem-se hotéis, pousadas, restaurantes, que ofertam

passeios pelo rio São Francisco, trilhas, dentre outros. Também é possível observar

que existe valorização do patrimônio cultural local por meio da atividade turística,

pois o município está presente nos destinos a serem visitados pelas agências de

turismo.

Já o município de Olho D’Água do Casado só possui investimentos turísticos

na área ecológica e alimentos. Apesar de possuir as pinturas rupestres e o Rio São

Francisco como atrações principais; é possível observar que o lugar só oferta trilhas,

passeios no rio e almoço. Isso faz com que o lugar seja rota de passagem para os

turistas, considerando que a cidade não oferece estabelecimentos para pernoite.

Os municípios aqui apresentados possuem paisagens culturais de grande

relevância. Com isso, tem-se apostado na atividade turística como forma de

promover a permanência e valorização dos bens, através dos visitantes e dos

moradores. O turismo “[…] entende-se como uma estratégia para garantir a

valorização e preservação do património, na medida em que através dele se

poderiam incentivar na população atitudes a favor do seu conhecimento e

preservação” (FERNANDES e CARVALHO, 2003, p. 199).

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O turismo é uma atividade que pode contribuir positivamente para

permanência do patrimônio cultural. Porém, para que isso aconteça, é necessário

que ocorra uma gestão sustentável do patrimônio.

Existem diversos exemplos positivos e negativos da prática turística. De forma

positiva, tem-se o restauro e conservação dos bens materiais, além da valorização

do patrimônio e melhora da econômica local e regional. Como ponto negativo, tem-

se o grande fluxo turístico que pode provocar degradação dos bens e prejudicar a

vida dos moradores.

O turismo proporciona mudanças significativas no modo de vida da

população. Isso ocorre porque as transformações no lugar proporcionam novos

costumes. Com isso, é preciso que a identidade local esteja consolidada para que

esses espaços possam apresentar sua ressignificação, sem prejuízos no que se

refere às tradições locais.

4 – Conclusões

A paisagem cultural possui significados históricos/culturais que atraem

turistas. Isso é observado nas cidades de Piranhas, Olho D’Água do Casado e

Delmiro Gouveia.

A sociedade que vive nesses lugares mudara seu modo de vida, devido aos

investimentos realizados nos patrimônios históricos e naturais que

consequentemente incentivou investimentos em empreendimentos turísticos.

A pesquisa sobre a paisagem cultural nos municípios citados contribui para

compreender a dinâmica existente no espaço que tem se transformado devido à

atividade turística, e procura conhecer as possíveis transformações nas vidas da

sociedade que ali habitam.

A população das cidades pesquisadas está vivenciando novas formas de

vida, devido à paisagem cultural existente e suas transformações, causada pela

atividade turística. Por isso, é importante conhecer a ressignificação da identidade

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local, pois a partir disso, é possível pensar em dinâmicas que valorizem não só os

bens, mais também à sociedade.

Contudo, é preciso que a sociedade local esteja no foco principal quando se

for pensar na dinâmica a ser utilizada na atividade turística. Isso porque é a

população que vai cuidar do patrimônio e receber os visitantes.

Referências Bibliográficas

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