Distúrbios fisiológicos em macieira

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143 Frutas do Brasil, 37 Maçã Produção 13 DISTÚRBIOS FISIOLÓGICOS César Luis Girardi Rufino Fernando Flores-Cantillano INTRODUÇÃO Os distúrbios fisiológicos são alterações de caráter não-parasitário que afetam as frutas, alterando seu metabolismo normal durante a maturação e a senescência. Produ- zem aparência (externa ou interna) e/ou sabores anormais na fruta. Os fatores de pré e pós-colheita que condicionam o aparecimento destes problemas são: maturação de colheita, período entre a colheita e a refrigeração, condições climáticas durante o desenvolvi- mento da fruta no pomar, fatores de manejo no pomar e condições de armazenagem. PRINCIPAIS DISTÚRBIOS FISIOLÓGICOS Os principais distúrbios fisiológicos que afetam as pomáceas no Brasil são os descritos a seguir. Escaldadura superficial No Brasil afeta principalmente as cultivares Fuji, Granny Smith e Gala. Ocasiona perdas ao mercado, deixando as frutas suscetíveis a podridões. É um problema que ocorre durante o armazena- mento da fruta, caracterizando-se por um escurecimento superficial das células da hipoderme, as quais entram em colapso e morrem. Em casos severos, a epiderme também é afetada. Os sintomas são mais evidentes depois de 3 a 4 meses de armazenamento refrigerado a 0ºC, aumen- tando quando as frutas são expostas à temperatura ambiente. O desenvolvi- mento da escaldadura apresenta uma fase de indução e uma de expressão da sintomatologia. A indução ocorre com baixas temperaturas, enquanto os sintomas se desenvolvem com baixa e alta temperatura, sendo mais comum este último caso. Os sintomas do distúrbio manifestam-se mais nas partes mais verdes da maçã (Fig. 1). Fig. 1. Fruto de macieira com sintomas de escaldadura superficial. Foto: C. L. Girardi Sua causa não tem sido estabelecida com precisão, sendo que existe uma forte relação com o acúmulo de um sesquiterpeno, denominado alfa-farneseno, na superfície cerosa que cobre a epiderme do fruto. Nesse composto ocorre uma oxidação com formação de trienas conjugadas, que causam danos às células hipodérmicas. Alguns fatores predisponentes são: a) verões secos e quentes; b) fruta colhida imatura; c) fruta de tamanho grande; d) excesso de nitrogênio e baixos teores de cálcio na polpa da fruta; e) baixa temperatura de conservação e deficiente ventilação ou circulação de ar na câmara fria. Seu controle realiza-se com trata- mentos de pós-colheita com antioxidantes

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Distúrbios fisiológicos em macieira

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  • 143Frutas do Brasil, 37 Ma Produo

    13 DISTRBIOSFISIOLGICOSCsar Luis Girardi

    Rufino Fernando Flores-Cantillano

    INTRODUO

    Os distrbios fisiolgicos so alteraesde carter no-parasitrio que afetam asfrutas, alterando seu metabolismo normaldurante a maturao e a senescncia. Produ-zem aparncia (externa ou interna) e/ousabores anormais na fruta.

    Os fatores de pr e ps-colheita quecondicionam o aparecimento destesproblemas so: maturao de colheita,perodo entre a colheita e a refrigerao,condies climticas durante o desenvolvi-mento da fruta no pomar, fatores de manejono pomar e condies de armazenagem.

    PRINCIPAIS DISTRBIOSFISIOLGICOS

    Os principais distrbios fisiolgicosque afetam as pomceas no Brasil so osdescritos a seguir.

    Escaldadura superficial

    No Brasil afeta principalmente ascultivares Fuji, Granny Smith e Gala.Ocasiona perdas ao mercado, deixando asfrutas suscetveis a podrides. umproblema que ocorre durante o armazena-mento da fruta, caracterizando-se por umescurecimento superficial das clulas dahipoderme, as quais entram em colapso emorrem. Em casos severos, a epidermetambm afetada. Os sintomas so maisevidentes depois de 3 a 4 meses dearmazenamento refrigerado a 0C, aumen-tando quando as frutas so expostas temperatura ambiente. O desenvolvi-mento da escaldadura apresenta uma fase

    de induo e uma de expresso dasintomatologia. A induo ocorre combaixas temperaturas, enquanto os sintomasse desenvolvem com baixa e altatemperatura, sendo mais comum esteltimo caso. Os sintomas do distrbiomanifestam-se mais nas partes mais verdesda ma (Fig. 1).

    Fig. 1. Fruto de macieira com sintomas deescaldadura superficial.

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    Sua causa no tem sido estabelecidacom preciso, sendo que existe uma forterelao com o acmulo de um sesquiterpeno,denominado alfa-farneseno, na superfciecerosa que cobre a epiderme do fruto. Nessecomposto ocorre uma oxidao comformao de trienas conjugadas, que causamdanos s clulas hipodrmicas. Alguns fatorespredisponentes so: a) veres secos e quentes;b) fruta colhida imatura; c) fruta de tamanhogrande; d) excesso de nitrognio e baixosteores de clcio na polpa da fruta; e) baixatemperatura de conservao e deficienteventilao ou circulao de ar na cmara fria.

    Seu controle realiza-se com trata-mentos de ps-colheita com antioxidantes

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    como a difenilamina (DPA) e etoxiquina emdoses variveis entre 1.000 a 3.000 ppm.No Brasil, sua utilizao est proibida, aindaque tenham sido experimentados outrosprodutos como o butilhidroxitolueno, nascvs. Fuji e Granny Smith com dosesvariveis entre 3.000 e 10.000 ppm. O usode atmosfera controlada, em condies deultra baixo oxignio, reduz o problema,embora sejam necessrias concentraesde 0,7% de O2 para ser equivalente a2.000 ppm de DPA, o qual pode provocarproblemas de anaerobiose em muitasvariedades de mas. O pr-aquecimentoda fruta antes de ser armazenada emrefrigerao, inibe a acumulao dealfa-farneseno e trienas conjugadas, dan-do um bom controle a essa alteraofisiolgica.

    Bitter Pit

    Seus sintomas so manchas circulares,deprimidas, escuras de 3 a 6 mm dedimetro, que penetram na polpa (Fig. 2).O tecido abaixo da mancha seco ecorticento. mais abundante entre asregies do clice e a equatorial do fruto,aparecendo durante o primeiro ms dearmazenamento. Em casos severos podeaparecer na colheita.

    Sua causa mais provvel umcomplexo desequilbrio nutricional narelao Mg+K/Ca. Deficincias localiza-das de clcio, somadas a um excesso demagnsio e potssio no fruto, causariameste distrbio. O clcio um importanteconstituinte da parede celular, e suadeficincia afeta negativamente a per-meabilidade seletiva da membrana celular,conduzindo a danos na clula, que causamsua desintegrao e morte. Altos nveis declcio mantm a fruta firme, com menortaxa respiratria, menores ndices depodrido e alteraes fisiolgicas.

    Entre os efeitos que predispem oaparecimento do bitter pit, esto os queafetam a translocao de clcio para afruta e o seu contedo, tais como: a) pero-

    dos de seca prximos colheita; b) colheitaprecoce; c) manejo do pomar (poda e raleioexcessivos); d) desequilbrios nutricionais.

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    Fig. 2. Sintomas internos (A) e externos (B)de bitter pit em frutas de macieira.

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    O controle possvel, regulando-se osfatores predisponentes. O mtodo de controlemais efetivo, consiste em realizar de cinco adez pulverizaes com cloreto de clcio a0,5% - 0,6%, iniciando-se 1 ms aps a plenaflorao. No Brasil, por causa das altastemperaturas durante o vero, os produtosutilizados base de clcio, podem produzirmanchas nos frutos (calcium spot) e/ouqueimaduras nas folhas. Em algumas regies,tambm se aplica clcio no solo, sendo estemenos efetivo. O uso isolado de clcio emps-colheita (cloreto de clcio a 2%), apesarde importante, s complementa as aplicaesanteriores realizadas no campo.

    Pingo-de-mel (Water Core)

    Esta alterao fisiolgica, no Brasil,afeta principalmente mas da cultivar Fuji

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    e, secundariamente, as do grupo Delicious eGranny Smith. Caracteriza-se pela presenade manchas translcidas, vidrosas, espon-josas e midas na polpa do fruto (feixesvasculares), na regio carpelar e nos tecidosadjacentes (Fig. 3). um dano interno, quese apresenta na colheita, podendodesaparecer posteriormente, durante oarmazenamento, se o dano for leve. Emcasos severos, durante o armazenamento,transforma-se em degenerescncia interna.Ocorre pela presena de lquido nos espaosintercelulares com altos nveis de sorbitol.O sorbitol, que um carboidrato detransporte importante em mas, no podeser utilizado diretamente pelo fruto, devendoser transformado previamente em frutose.Porm, esta converso no se realiza nostecidos afetados pelo pingo-de-mel e asuscetibilidade da cultivar a este problemadepende de sua capacidade de converter osorbitol em frutose. Altos contedos desorbitol conduzem acumulao de etanol eacetaldedo.

    As causas dessa alterao fisiolgicaesto relacionadas a: a) colheita de frutacom maturao avanada; b) alta relaofolha/fruto; c) altas temperatura e lumino-sidade na colheita; d) fertilizao nitroge-nada excessiva e deficincia de clcio;e) frutos de tamanho grande.

    O controle pode ser feito evitando-secolheitas tardias, por meio do manejoadequado da poda e do raleio. Alm disso,deve-se proceder a pulverizaes comclcio e armazenagem rpida dos frutoscom pr-disposio a este distrbio.

    Manchas-de-Cortia

    Ocorre internamente, na polpa dofruto, podendo manifestar-se a qualquermomento do desenvolvimento, sendo maisfreqente prximo da maturao. As man-chas so marrons, com tecido esponjosopodendo ocorrer rachaduras (Fig. 4).

    Geralmente ocorre em virtude dadeficincia de boro, no devendo serconfundido com dano causado por inseto.Perodos de estiagem, excesso de gua oudanos nas razes, agravam o problema.

    O controle pode ser feito pelaaplicao de 30 kg de brax por hectare,como adubao de correo antes daimplantao do pomar, ou por 2 a 3 pulve-rizaes quinzenais nas plantas com braxna concentrao de 0,4%.

    Fig. 3. Sintomas de pingo-de-mel (watercore) em mas.

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    Fig. 4. Sintomas de manchas-de-cortia em mas.

    Russeting

    Caracteriza-se por apresentar manchasirregulares de colorao marrom-clara comepiderme spera prximo cavidade pistilarou afastada dela (Fig. 5). O russeting queocorre na cavidade peduncular (foto) uma caracterstica varietal, sendo a cultivarGolden Delicious a mais susceptvel,constituindo um defeito comercial.

    As causas mais provveis estorelacionadas a temperaturas prximas de

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    Pode-se reduzir a incidncia derusseting recorrendo s seguintes prticas:a) aplicar, no perodo crtico, produtosneutros ou que reduzam a incidncia dorusseting, tais como: dimetoato, brax,captan, dithianon, thiabendazole, enxofree AIA; b) aplicar giberelinas A4 ou A7(10 ppm i.a) com intervalo de 10 dias,desde a plena florao at 1 ms aps; c)ensacar os frutos; d) realizar o raleio dosfrutos; e) evitar excesso de adubaonitrogenada.

    Cork Spot

    Ocorre durante o desenvolvimentodo fruto, aparecendo os sintomas em pr-colheita com formao de depresses. Essedistrbio no ocorre durante o perodo defrigoconservao, sendo uma caractersticaque o diferencia do bitter pit. O tamanhodas depresses formadas, deve-se aoaumento do tecido necrosado durante ocrescimento do fruto. Ao cortar o local do

    sintoma, observa-se a formao de cortiainterna (Fig.6).

    O cork spot ocorre por conta dedesequilbrios nutricionais da planta,principalmente de clcio. Altos nveis denitrognio no fruto, tambm podemfavorecer o aparecimento. A reduo daincidncia pode ser obtida por meio de: a)proceder calagem do solo; b) evitar oexcesso de crescimento vegetativo e aadubao nitrogenada e c) fazer pulveri-zaes quinzenais de cloreto de clcio a0,6%, iniciadas 1 ms aps a florao.

    0oC e umidade no fruto entre a florao eat 1 ms aps, aplicao de determinadosprodutos qumicos no perodo crtico deinduo e ao ataque por odio em frutosjovens. Alm disso, plantas velhas ou doentesou com excesso de carga e determinadasvariedades so mais susceptveis.

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    Fig. 5. Sintomas de russeting em mas.

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    Fig. 6. Sintomas de cork spot em mas.

    Rachadura peduncular

    um problema que ocorre em pr-colheita nas cultivares Gala e Fuji nasprincipais regies produtoras do mundo.Pode atingir valores bastante altos,estendendo-se profundamente pela polpado fruto, comprometendo, assim, aqualidade da fruta colhida e reduzindo seuvalor comercial. Esse distrbio no deveser confundido com rachadura da casca,de natureza superficial (Fig. 7).

    A sua ocorrncia pode estar associadaa condies restritas ao crescimento dofruto no incio do desenvolvimento,tornando a casca com menor capacidadede expanso, o que predispe rachadura.Esse fato ocorre quando fatores ambientais,como elevada disponibilidade de gua,estimulam o crescimento do fruto prximo

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    a colheita. A deficincia de clcio tambmpode estar associada a esse distrbio.Tambm observou-se que a regiopeduncular amadurece mais rapidamenteque a regio equatorial do fruto, podendoaumentar a incidncia desse distrbioquando a colheita retardada em frutosque j atingiram o tamanho e a coradequados para a comercializao.

    Apesar de nenhuma prtica culturalestudada ter-se mostrado eficiente nocontrole, sabe-se que a manuteno dobalano entre o vigor vegetativo e ocrescimento dos frutos pode reduzir aincidncia desse distrbio. Pulverizaescom clcio durante o desenvolvimentodos frutos podem reduzir a incidncia,visto que este aumenta a fora de coesoentre as paredes celulares dos tecidos dacasca. Alguns autores sugerem aplicaode altas concentraes de clcio prximoda maturao, em perodos seguidos semchuvas.

    Rachadura anelar interna

    Aparece em pr-colheita, sendo umarachadura concntrica que ocorre nacavidade peduncular, na regio de inserodo pedicelo, desenvolvendo um anel duroe lignificado. Essa salincia enrijecidaparece comprimir o tecido prximo dapolpa, que por ser desprovido de cutculae espaos intercelulares, no conseguemsuportar o presso interna exercida, rom-pendo as clulas adjacentes (Fig.8.).

    Semelhante rachadura-peduncular,a incidncia aumenta com o avano damaturao do fruto. Porm, estudosrealizados em Washington no indicaramassociao entre estas as desordens.Sua causa pode estar associada deficinciade clcio.

    Como esse distrbio pouco estudadono Brasil, no existem trabalhos queindiquem seu controle, sendo recomendadasas mesmas precaues estabelecidas para arachadura peduncular.

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    Fig. 7. Sintomas de rachadura peduncularem mas.

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    Fig. 8. Sintoma de rachadura anelar internaem ma.