dissertacaoTurma2006-JaimeDelgado
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS MESTRADO EM CINCIAS SOCIAIS
NEM TERNO NEM GRAVATA: As mudanas na identidade pentecostal assembleiana.
JAIME SILVA DELGADO
Belm/Par 2 0 0 8
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NEM TERNO NEM GRAVATA: As mudanas na identidade pentecostal assembleiana.
JAIME SILVA DELGADO
Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal do Par (UFPA) como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Cincias Sociais. Orientadora: Dr. Ktia Marly leite Mendona. Co-orientador: Dr. Raymundo Heraldo Maus.
Belm/ Par 2 0 0 8
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JAIME SILVA DELGADO
NEM TERNO NEM GRAVATA: As mudanas na identidade pentecostal assembleiana.
Avaliado por: __________________________________
Dr. Katia Marly Leite Mendona Orientadora
__________________________________
Dr. Raymundo Heraldo Maus Co-Orientador
__________________________________
Dr. Marilu Mrcia Campelo Examinadora
__________________________________
Dr. Aldrin Moura de Figueiredo Examinador
__________________________________
Dr. Daniel Chaves Brito Examinador suplente
Belm/ Par 2 0 0 8
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DEDICATRIA
Dedico este trabalho a todos os leigos da Assemblia de Deus, que tm suas prprias formas de aproximao e apropriao do sagrado.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente quero agradecer a DEUS.
Agradeo a meus orientadores Ktia Mendona e Raymundo Heraldo Maus, que apostaram na possibilidade de realizao deste trabalho.
Agradeo a Saulo Baptista por ter me apresentado as contradies de minha prpria denominao, e a professora e Dr Maril Campelo por ter me apresentado o tema do sincretismo.
Agradeo aos professores: Dr. Daniel Brito, Dr. Wilson Barp e Dr Ftima Carneiro, que me incentivaram na explorao deste tema.
Agradecimentos ao meu amigo Jnior Rocha, que em sua mocidade me fez rir em momentos muito difceis da minha vida. Agradeo a Glucia Baia, Mrcio Cristiano e Adilson Viana amigos incentivadores desta empreitada.
Agradeo a minha esposa, filho e sobrinha, que me agentaram em minhas manias e stress.
Agradeo a minha chefa, Luzia Moraes, a meus amigos: Jos de Arimatia, Consuelo e Suely Ramos, e a meus colegas de trabalho que me cobriram em minhas faltas.
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RESUMO Esta dissertao tem como objetivo fazer um estudo das contradies de uma
identidade pentecostal em processo, buscando na sua origem uma identidade
que lhe era prpria, atravs de uma anlise interpretativa de sua literatura, e de
uma nova linguagem, que mudou nos ltimos vinte anos. Durante oito dcadas
a Assemblia de Deus vinha mantendo firme sua identidade, que fez parte do
cotidiano das pessoas, e de uma cultura religiosa brasileira que se acostumou a
v-las como fora do mundo, separadas. A chegada das igrejas neopentecostais
provocou mudanas no ethos assembleiano. Atualmente possvel perceber
uma mistura de prticas e crenas, que aqui perceberemos atravs das
categorias, identidade e sincretismo. cada vez mais presente uma linguagem
triunfalista ligada a Confisso Positiva.
Palavras chaves: identidade sincretismo, pentecostalismo.
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ABSTRACT This dissertation has as a purpose to do a study of the contradictions of a
pentecostal identity in progress, searching on its origin an identity that was
own its on, through an interpretative analyse of its literature and a new
language which has changed in the last twenty years. During eight decades the
Assembley of God had been holding out tight its identity, that took part of the
peoples daily and of a brazilian religious culture that got used to see them as
outsiders, separated. The incoming of the Neopentecostal churches brought
about changes on the assembleyans ethos. Currently, it is possible to realize a
mixture of practices and beliefs that here we will notice through the
cathegories, identity and and syncretism. It is even more and more present a
triumphalist language linked a Positive Confession.
Key words: identity, syncretism, pentecost.
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LISTA DE SIGLAS
AD Assemblia de Deus
CC Congregao Crist no Brasil
CEB Confederao Evanglica Brasileira.
CGADB Conveno Geral das Assemblias de Deus no Brasil.
CPAD Casa Publicadora das Assemblias de Deus.
EBD Escola Bblica Dominical.
G12 Grupo dos Doze. (Igreja em Clula).
IBMA- Igreja Batista Missionria da Amaznia.
IEQ Igreja do Evangelho Quadrangular.
IPDA Igreja Pentecostal Deus Amor.
IURD Igreja Universal do Reino de Deus.
SETAD Seminrio Teolgico da Assemblia de Deus.
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SUMRIO
Introduo.........................................................................10
1 Parte Azusa Belm.
1.1 - Azusa Street..............................................................................................16 . 1.2 - Gunnar e Berg, os primeiros anos.............................................................21 1.3 - Pentecostalismo mdia............................................................................27
1.4 - A relao com a poltica............................................................................33
2 Parte Nem terno nem Gravata.
2.1 Identidade.................................................................................................46 2.2 - Determinantes da identidade pentecostal..................................................54 2.3 - Este eu sagrado..........................................................................................65 2.4 - Converso e a nova identidade..................................................................75
2.5 - Usos e costumes de identidade. ................................................................88
3 Parte - Retendo o que bom?
3.1 - As outras igrejas........................................................................................100 3.2 - Copiando o que dos outros.....................................................................115 3.3 - A Teologia da Prosperidade......................................................................126
3.4 - A procura da pureza doutrinria................................................................136
Concluso....................................................................................................151
Bibliografia................................................................................................156
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Introduo
Vivemos em um perodo onde h uma espcie de radicalizao ou exacerbao
de processos sociais. As estruturas sociais em seus vrios aspectos mostram-se em
efervescncia constante. So rpidas mudanas, por vezes no possveis de serem
acompanhadas por socilogos e antroplogos, que apontam para uma reformulao de
paradigmas de anlise para compreenso ou aproximao do real.
So velhas categorias pertinentes em uma sociedade que aparenta no mais ser a
mesma. Neste nterim, temos as categorias identidade e sincretismo, duas categorias de
anlise difceis de serem operacionalizadas, talvez pelo fato de serem to presentes e
inseparveis de nossas vidas, porm que no so, como se pode pensar, obvias de mais,
para no figurarem em preocupaes, ou gerarem inquietaes para quem deseja
compreender mudanas em pequenos grupos locais ou at mesmo de naes.
A identidade um processo que se d nas interaes sociais, construda em
sociedade por meio do processo de socializao (Berger, 1995). A identidade relacional
d-se no encontro com o diferente, depende de algo fora dela para ser percebida. Kathryn
Woodward (2000) afirma ser a identidade e a diferena, componentes de um mesmo
processo, so edificados atravs das representaes coletivas.
As representaes produzem significados que do sentido a nossa existncia. As
representaes incluem prticas com significaes que portam sistemas simblicos, a
identidade uma representao social. Roberto Cardoso de Oliveira (1997) soube bem
expressar a identidade, seu conceito de identidade contrastiva atual, pois descreve um
processo dialtico entre o singular e o diferente. A identidade percebida no encontro com
o outro, serve para classificar atravs de processos lingsticos, quem somos ns em relao
aos outros. A identidade sendo um processo social pode ser mudada, remodelada pelas
relaes sociais.
Alm de ser uma linguagem que materializa um cdigo de categorias destinado
a orientar o desenvolvimento das relaes entre as pessoas - isto se pensarmos dentro de
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uma compreenso das representaes coletivas - a identidade como afirma Berger (1996)
um produto da prpria dialtica entre indivduos e sociedade, portanto objeto da sociologia.
O processo de socializao produz uma identidade que contm a objetividade da
realidade da sociedade e do mundo, como afirmou Habermas: os homens formam sua
identidade na medida em que aprendem a dominar a natureza exterior custa da natureza
interior (HABERMAS, 1998, p. 112). Habermas afirmou isto baseado na idia de G.H.
Mead, que denominou a identidade social de Mim, da qual o Eu se torna consciente no
curso do desenvolvimento psicolgico da criana. O Eu como se fosse um desejo ativo
primitivo do individuo (GIDDENS, 2002, p.54). Anthony Giddens desenvolveu o conceito
de auto- identidade, que o Eu compreendido reflexivamente, pode-se dizer que este autor
est mais para as idias de Goffman, que descreve a capacidade dos indivduos escaparem
as foras de coero social, agindo como se fossem atores em uma representao. O sujeito
assim reescreve sua prpria biografia de acordo com os processos societais.
Do resultado do encontro entre identidades h uma troca de elementos que
podem ser emprstimos, imitaes, hibridaes, conscientes ou latentes. O encontro
proporciona processos inevitveis, diacrnicos de incio, mas sincrnicos em seu processo,
assim se a religio um reflexo da sociedade maior envolvente, ou seja, reflexo das
estruturas sociais com sua dinmica de dominao e resistncia, na religio ser possvel
perceber os resultados dos encontros entre as culturas diferentes. O mundo globalizado e
sua fora ideolgica, a chamada ps-modernidade, somente deslocou as contradies
presentes no tempo e espao para a esfera global, o que proporcionou hibridizaes, ou o
sincretismo moderno, agora num nvel global.
A globalizao, forma moderna de dominao capitalista forou a padronizao
de modelos econmicos, de estilos de vida, de culturas, etc. fato este que repercutiu nas
dinmicas da vida religiosa. Isto foi percebido por autores como: Weber, Bourdieu, Berger.
As denominaes padronizam suas prticas e suas crenas para uma melhor competio no
mercado de bens de salvao. As muitas ofertas de bens simblicos, fizeram com que
surgissem no somente uma luta acirrada entre variadas formas de teraputica, que do
sentido a existncia, mas, tambm de um sentimento de segurana em um mundo de riscos.
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No campo das religies os bens simblicos so mais bem descritos pelo
conceito de bens de salvao, uma vez que bens simblicos denotam outras formas de
produo cultural. Tanto bens simblicos quanto os bens de salvao esto sendo cada vez
mais padronizados para atender ao mercado global. Da mesma forma as denominaes do
cristianismo no Brasil, e no mundo, estruturam suas ofertas de salvao dentro desta lgica
de mercado.
Privilegiamos nesta pesquisa aquilo que consideramos ser um produto desta
padronizao, qual seja, o sincretismo, idia mais presente nas representaes ideolgicas
da experincia coletiva. Neste trabalho focamos a igreja Assemblia de Deus onde
possvel perceber um sincretismo religioso e cultural, o primeiro chamado de heresia, pelos
intelectuais da AD, e o segundo de modismos. As heresias e modismos so combatidos
pelos autores, intelectuais proletaroide, da revista da Escola Dominical, que fazem parte do
Corpo Doutrinrio da Conveno Geral das Assemblias de Deus no Brasil, rgo que
representa a ortodoxia, ou a oficialidade do pentecostalismo assembleiano.
Foram observadas prticas sincrticas na Assemblia de Deus, que por sua vez
foram copiadas das outras igrejas do pentecostalismo. A AD copiou do pentecostalismo da
segunda onda, principalmente da Igreja Quadrangular, prticas rituais, em maior proporo,
e em menor proporo crenas e linguagens ligadas a Confisso Positiva e da Teologia da
Prosperidade, da Igreja Universal do Reino de Deus.
Prticas como as campanhas, que so as novenas da Quadrangular, que no fundo
uma cpia das novenas da Igreja Catlica, assim como prticas rituais mgicas, como o
ato de ungir documentos e objetos, linguagens mgicas como amarrar o diabo, e
supersties diversas da religiosidade brasileira. Alguns destes produtos culturais esto
bastantes presentes, e muitos so refutados pelos intelectuais da AD. Descreveremos
tambm, as transformaes no modo de ser do assembleiano, que em processo de mudana,
aponta para uma cultura gospel, novo modelo moderno de ser crente, que denotam
mudanas na identidade pentecostal assembleiana.
Destarte este trabalho se prope a responder as seguintes perguntas: como se
estrutura, atualmente, a identidade pentecostal assembleiana? Outra pergunta, que est
relacionada a essa : se o sincretismo no subverte de alguma forma a identidade do
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assembleiano? Estas perguntas esto no bojo de anlises, ora em moda nas Cincias Sociais
ora fora de moda ou a margem, como o da identidade, e seus desdobramentos como: a crise
de identidades, problemticas discutidas por Stuart Hall (2003), Kathryn Woodward
(2000), Tomas Tadeu da silva (2000) entre outros. E a problemtica do sincretismo, vez por
outra presente nas anlises socioantropolgicas.
Entre o modelo de representao do pentecostal assembleiano de tempos atrs e
o novo, esto de um lado os apologtas de um ethos pentecostal engendrado pelo
metodismo e pelas tradies batistas, defendidos pelos intelectuais da CGADB e outros
pastores, enquanto de outro lado um pblico jovem que anseia por serem aceitos no
mundo, pela busca de uma sociabilidade fora dos muros de sua igreja.
Utilizamos o mtodo da analise interpretativa da literatura pentecostal
assembleiana, principalmente a que julgamos ser de maior acesso a um bom nmero de
assembleianos, as revistas da Escola Dominical, tambm da literatura acadmica sobre o
pentecostalismo, alm das entrevistas realizadas com pastores com formao teolgica, e
dos membros leigos de faixas etrias e graus de instruo diferentes. Participamos de
jantares, festas, congressos de mocidade, reunio de grupos de jovens e adolescentes.
Foram feitas visitas a casas de irmos, assistimos a programas de Tv e rdio, visitamos
igrejas de bairros perifricos, assim como de bairros centro, como o Templo Central e da
AD em forma de tenda de alvenaria, o Vale da Beno.
Na primeira parte deste trabalho, que trs por titulo Asuza street aluso ao
movimento que foi a mola propulsora do pentecostalismo, coordenado por Seymour,
explanamos os primrdios do movimento pentecostal at a chegada em Belm do Par dos
missionrios Gunnar Vingren e Daniel Berg. Discorreremos tambm sobre os dois fatores
que mais tem atrado a ateno de pesquisadores para o fenmeno pentecostal: a mdia e a
poltica. a primeira inerente ao pentecostalismo e o segundo tido durante um bom tempo
como coisa mundana e perversa, mas que atualmente tornou-se projeto poltico da AD.
Na segunda parte esto os aportes tericos conceituais da problemtica da
identidade, bem como dos condicionantes desta identidade. Analisaremos o ser pentecostal
buscando compreender a forma como foi construda a noo do Eu nos idos primevos da
historia com Marcel Mauss (2003), at a noo de auto-identidade e a reflexividade do Eu
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em Giddens (2002). trabalharemos tambm a questo da converso como nova identidade,
e dos chamados usos e costumes de santidade, que os pastores da CGADB querem manter
como sinais de identidade.
Na terceira parte descreveremos a forma como os intelectuais da AD expem as
outras igrejas e movimentos religiosos, ora colocando-os como ameaa, ora prevenindo os
membros e pastores da AD daqueles erros e equvocos. Mostraremos as contradies
entre a apologia doutrina pentecostal assembleiana, e as formas de vivencia da f leiga,
em que est o sincretismo. Esse, cada vez mais presente na AD, o que pudemos observar
atravs das prticas, crenas, doutrinas e linguagens. E finalmente a forma como os
ortodoxos da AD tentam eliminar as chamadas heresias e modismos vindos do
neopentecostalismo.
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1 PARTE
AZUSA BELM
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1.1 Azusa Street
Para melhor compreender a construo da identidade pentecostal assembleiana,
faz-se necessrio explanao de um pequeno relato da histria do pentecostalismo nos
Estados Unidos e no Par. O pentecostalismo fruto do movimento Holiness inspirado na
teologia de John Wesley. Esta doutrina ficou conhecida como Movimento de Renovao
ou santidade, em que Wesley pregava a busca de uma santificao. Esse era proco
anglicano, foi influenciado pela Introduo carta aos Romanos de Martinho Lutero.
Nessa Lutero esclarece sobre a doutrina da Justificao pela F, base primordial do
protestantismo. Para Wesley no basta a certeza da salvao mediante a f, o que exige uma
espera asctica em Deus. A santificao vem como uma certificao da salvao no aqui e
agora (PASSOS, 2005, p. 48).
O Movimento de Renovao j anunciava a presena do Esprito Santo e sua
ao no indivduo. A reforma proposta por ele, no foi aceita pelo clero anglicano, e apesar
dele no ter a inteno de romper com sua religio, acabou fundando o Metodismo. Esta
nova denominao deu nfase ao sentimento, e a uma experincia de maior aproximao
com Deus atravs da santificao, como atesta Weber na tica Protestante e o Esprito do
Capitalismo:
A nfase no sentimento, despertada em John Wesley pelas influencias luteranas e moravianas, levou o metodismo, que desde o incio viu sua misso entre as massas, assumir um carter fortemente emocional, especialmente na Amrica. A obteno do arrependimento, em certas circunstancias, envolvia uma luta emocional de tal intensidade que levava aos mais profundos xtases, que, na Amrica, ocorriam com freqncia em reunies pblicas. Isso formou as bases de uma crena na imerecida posse da graa divina, ao mesmo tempo, de uma imediata conscincia de justificao e perdo (WEBER, 2002, p, 103).
O Metodismo se desenvolveu melhor na Amrica do norte, onde j havia um
sentimento avivalista, e o metodismo tomou a frente destes movimentos. O avivamento
servia para aquisio de novos adeptos, diz-se que a nfase dava-se na necessidade das
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pessoas terem uma experincia com Deus. O segundo grande avivamento ocorreu no perodo
de 1870 a 1900, este mais importante para entendermos a gnese do pentecostalismo.
Surgiram vrias denominaes metodsticas, algumas delas j utilizavam em seus nomes o
termo pentecostal (SNYDER, ap., NETO, 1994, p. 50).
O pentecostalismo surge assim no seio do metodismo, pode-se considerar que ele
seja uma radicalizao do protestantismo, uma vez que o sinal evidente da santificao pela
f o fenmeno glossollico. Os Holiness falavam de um outro batismo, alm do batismo de
Joo, nas guas. Este era o Batismo com o Esprito Santo. Havia dvidas quanto a essa
doutrina, perguntavam-se em que momento o fiel poderia perceb-lo em sua vida, foi o que
ocorreu na virada do sculo XX. O inicio deu-se em uma Escola Bblica, chamada Escola
Bblica Betel, organizada por Charles Fox Parham. Esse viaja, mas antes disso solicitou
aos seus alunos que pesquisassem no novo testamento a evidncia do Batismo com o
Esprito Santo, quando chegou, viu que seus alunos haviam descoberto, que a evidncia do
batismo era o falar em lnguas estranhas.
Mas no foi com Parham que o pentecostalismo deslanchou. Mas com um de
seus alunos W.J Seymour,1 negro, nascido como escravo e garom, aprendeu sobre a
Doutrina do Batismo com o Esprito Santo ouvindo as aulas de Charles Parham, do lado de
fora da sala. Seymour aplicou seu conhecimento, sobre o batismo, quando convidado por
uma pastora, para pregar em uma Igreja Holiness. A pregao do Pastor batista agradou a
membrasia, mas no pastora, que o expulsou de sua Igreja.
Antes de chegar a Los Angeles, Seymour foi evangelista no Mississipi e pastor de
uma Igreja de Santidade na cidade de Houston, Texas. Foi quando estava no Mississipi que
conheceu vrias pessoas que tiveram contato e foram influenciadas pelas idias de Charles
Parham. Segundo o Pastor e telogo2 Antonio Gilberto, Seymour, ao ser expulso, se
hospedou na casa da famlia Asbery. Nesta casa comeou a fazer oraes de dias seguidos e,
no dia 09 de abril de 1906, orou pela cura de Edward Lee, que alm de receber a cura, foi
batizado com o Esprito Santo. No mesmo dia foram sete os batizados, e no meio desses a
Sra Jennie Moore, futura esposa de Seymour. Ao ser batizada, a Sra Moore cantou em outras
1 Foto nos anexos. 2 Intelectual proletaroide da Assemblia de Deus, escritor e comentarista da revista da Escola Dominical. 3 trimestre de 2006. Foto nos anexos.
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lnguas3 e comeou a tocar piano, sem nunca ter tido aula de msica (GILBERTO, 2006, p.
35).
Seymour fazia uma distino entre a pessoa santificada, ou seja, entre os simples
Holiness e as pessoas que recebiam o Batismo com o Esprito Santo:
H uma grande diferena entre a pessoa santificada e a que batizada com o Esprito Santo e com fogo. O santificado limpo de seus pecados e cheio do amor divino, mas o batizado no Esprito Santo tem poder de Deus em sua alma, poder com Deus e com os homens e poder sobre todos os demnios de satans e todos os seus emissrios (SEYMOUR, 2007, p.20).
Foi da casa dos Asbery, localizada na Rua Bonnie Brae, 214, que saram as doze
pessoas que fundaram a Misso de F Apostlica, das quais sete eram mulheres.4 Seymour
alugou um galpo, que j havia servido Igreja Metodista, e com os doze fundou a Misso
de F Apostlica. A nova denominao se localizava na rua Azusa Street, na cidade de Los
Angeles, cidade que mais se desenvolvia nos Estados Unidos. (FRESTON, 1994, p. 74).
Seymour no era um pregador eloqente, mas sabia de cor, como a maioria dos
pentecostais, os versculos e captulos bblicos que sustentam a Doutrina do Batismo com o
Esprito Santo e sua evidncia fsica inicial de falar em outras lnguas. Depois de pregar,
assentava-se no plpito, botava a mo no rosto e no parava de interceder pela operao de
Deus, enquanto ele orava os crentes falavam em lnguas estranhas (GILBERTO, 2006, p.
26).
O incio do pentecostalismo foi ecumnico, no sentido social, pois havia negros e
brancos, pobres e ricos, homens e mulheres, pessoas cultas e um simples garom. Essa
aparente democracia racial unida sobre uma mesma doutrina e uma mesma lngua
(glossolalia) no durou muito. Segundo Campos (1997, p. 252) a primeira ciso deu- se com
uma querela entre Seymour e Durham, por causa da idia de que havia estgios da vida
crist. Seymour era adepto da idia de que primeiro o cristo se converte, depois de Batizado
com Esprito torna-se santificado. J C.H. Durham afirmava haver apenas dois estgios:
converso-Santificao e Batismo com o Esprito. O conflito levou Seymour a excluir 3 Fenmeno difcil de ser percebido na AD. Observamos esse fenmeno somente uma vez numa congregao da Igreja Batista Missionria da Amaznia, no bairro do Tapan. 4 Fotos nos anexos.
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Durham. Outra perda foi da Senhora Florence Crawford, que ajudava Seymour no Jornal
Apostolic Faith, que ao sair da misso em 1908, levou tambm os assinantes do jornal.
Nascido do protestantismo, o pentecostalismo herdou a caracterstica da ciso. As
divises sejam por querelas doutrinrias, sejam pela questo da observncia dos chamados
usos e costumes, o que Weber chamou de sinais externos de santidade, ora causam a
fundao de uma nova denominao, ora dividem os pentecostais em novos ministrios, ou
ainda, no caso em questo, dividem os crentes em grupos, onde temos os conservadores que
querem manter uma tradio assembleiana, o que Mariano chamou de contra cultura, e um
grupo que quer se libertar dos usos e costumes, que so os adeptos e proclamadores de uma
maior liberdade e proximidade com a cultura envolvente, principalmente as mulheres, que
sempre foram as mais cobradas nas observncias dos usos e costumes. No incio, nos EUA
as mulheres tiveram posio de destaque, entre outras coisas, escreviam para o Jornal
Apostolic Faith. Elas fundarem igrejas pentecostais sendo pastoras.5
O metodismo foi uma ciso da Igreja Estatal Anglicana, deste nasceu o
movimento holiness, que por sua vez deu origem ao pentecostalismo. A marca do
pentecostalismo a chamada Lngua Estranha. No incio acreditavam que as lnguas
estranhas, falada no momento do batismo, era uma lngua que existia, assim supe-se que o
crente possua o dom da Xenolalia, lngua estrangeira concedida pelo Esprito Santo para
facilitar na pregao em outros pases (BAPTISTA, 2002, p. 23). No demorou muito para
se pensar que a lngua falada pelos pentecostais era a o fenmeno da Glossolalia,6 lngua
desconhecida. A lngua estranha7 causou a ciso na Igreja Batista. Podemos ento afirmar
5No Brasil, as mulheres ficaram distantes de uma atividade de maior relevncia at 1930. Nesse ano os suecos sentiram a necessidade de engaj-las em atividades secundarias, como em lideranas dos departamentos. H missionrias, mas ainda hoje no possvel a ordenao de pastoras na AD, salvo em congregaes independentes. 6 Vale aqui uma observao do professor Heraldo Maus: Glossolalia em termos tcnicos a emisso de sons ritmados, mas sem sentido aparente. E pode ser interpretada culturalmente tanto como um fenmeno religioso, mstico, como no religioso (por exemplo, cantores de jazz, quando improvisam, fazem uma espcie de glossolalia ver sobre o assunto em Ioan Lewis, xtase Religioso). Xenolalia falar numa lngua estrangeira. O episdio narrado em Atos 2, xenolalia. O que ocorre mais comumente, inclusive nas igrejas pentecostais a glossolalia (mas no s, e no s no cristianismo) e sobre glossolalia ver sobre o assunto uma autora francesa, Angelina Polack. (sic). 7 Segundo Aurlio Buarque, dicionrio da lngua portuguesa glossolalia : Fenmeno, que pode ocorrer em situao de exaltao religiosa, caracterizado pelo comportamento de certos indivduos que comeam,
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que a Doutrina Pentecostal saiu do metodismo, porm, a sua prtica causou primeiramente
ciso na Igreja Batista, ou seja, a Assemblia de Deus, enquanto Igreja que pratica o dom
glossollico, surgiu de uma ciso na Igreja Batista. Primeiro na igreja onde Seymour
pregava, depois na igreja onde Gunnar Vingren foi pastor. O mesmo fenmeno ocorreu na
Sucia, onde Pethrus, tambm batista, organizou a Igreja Filadlfia.
A histria das Assemblias de Deus no Par se confunde com a histria dos
pioneiros, Assim at hoje, nas edies publicadas pela CPAD (Casa Publicadora das
Assemblias de Deus) sobre o surgimento da Igreja, h ainda, o costume de se contar a
histria pelos grandes feitos de seus pastores, que assim, pretendem ganhar notoriedade. Na
ltima verso de 2005, metade do livro dedicado a contar os grandes feitos do atual pastor
presidente da AD em Belm Ministrio Misso, Pr. Samuel Cmara, desde a 5 edio o seu
discurso de posse editado na ntegra, ocupando onze pginas do livro.
Para tentar reconstituir a histria das Assemblias de Deus, acentuando os pontos
doutrinais e culturais, que firmaram sua identidade, utilizaremos alm da literatura do
pentecostalismo, os dirios dos pioneiros. A histria do pentecostalismo nos parece um
quebra-cabea gigantesco e com peas bastante coloridas.
Partiremos do pressuposto de que no havia no incio, ou no possvel falar de
uma identidade assembleiana, e sim de uma Identidade Batista-Protestante. Visto que
Gunnar Vingren, Daniel Berg, Samuel Nistron, Nels Nelson, e Lewi Pethrus, eram todos
batistas. As bases fundamentais da AD se encontram no Puritanismo, no Pietismo, no
Avivalismo, e no fundamentalismo, todos movimentos nascidos dentro do protestantismo
mais conservador. Estas questes sero discutidas no segundo captulo.
espontaneamente, a falar lnguas desconhecidas, tidas como frutos de dom divino, mas que, geralmente so lnguas inexistentes. Xenolalia ou xenoglossia : A fala espontnea em lngua(s) que no fora (m) previamente aprendida (s).
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1.2 Gunnar e Berg, os primeiros anos.
Um nome bastante conhecido na literatura pentecostal, Gunnar Vingren, era
sueco, nasceu em Ostra Husby, em 1879, regio agrcola do sudeste da Sucia (FRESTON,
1994, p. 80), filho de um jardineiro batista, aos onze anos, quando concluiu o primrio, foi
ajudar o pai na jardinagem. Esse ltimo fato refora a tese de que o pentecostalismo nasce
quase sempre de lderes pertencentes s camadas pobres da populao. Em seu dirio,
Gunnar confessa que apesar de aos nove anos, juntava seus coleguinhas para orar; desviou-
se8 aos 12, somente voltando igreja aos 17anos. Depois de ser batizado, aos 18, se tornou
lder da Escola Dominical substituindo o pai (VINGREN, 2000, p. 19).
Em 1903, Gunnar migra para os EUA em busca de trabalho, assim como muitos
suecos, fugindo da recesso econmica de seu pas. Segundo Freston (1994, p. 76) a Sucia
era estagnada e com pouca diferenciao social. No campo da religio, a igreja estatal
luterana era elitista, reprimiam e marginalizavam as dissidncias batistas. Freston afirma que
no havia catolicismo, mas no dirio de Daniel Berg h o relato de um fato curioso, o padre
da pequena cidade de Vargn, que segundo Berg, era o homem mais importante da cidade,
queria convencer a famlia Berg a batizar seus filhos, dizendo que se as crianas no se
batizassem jamais sairiam de Vargn (BERG, 2000, p. 13).
Nos Estados Unidos, Gunnar trabalhou de foguista, porteiro e finalmente na
profisso que aprendeu com o pai, jardineiro. Em Chicago, terminou seus estudos cursando o
Seminrio Teolgico Sueco Batista, de 1904 a 1909. Foi pastor da Igreja Batista em
Menomine, Michingam, de junho de 1909 a fevereiro de 1910. Em uma conveno batista,
em Chicago, aprendeu sobre a Doutrina do Batismo com o Esprito Santo, na qual depois de
cinco dias foi batizado. Foi expulso ao levar a novidade Igreja que pastoreava, mais logo
8 Desviar, para os batistas assim como para os assembleianos e sair dos caminhos do Senhor ir para o mundo e deixar de praticar a crena. muito comum, no pentecostalismo, as pessoas afirmarem dizendo, que j foram crentes, quando desviadas. Diferentes dos protestantes histricos, que apesar de no estarem praticando, se dizem evanglicos (esta ltima informao nos foi dada pelo Socilogo Saulo Baptista). Os lderes atuais jamais procuram deixar registradas suas fraquezas, diferente dos pioneiros que relatavam seu lado humano, em seus dirios, a exemplo do terceiro pastor Nels Nelson, que declarou passar por momentos de dvida e de irritao.
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foi contratado por outra Igreja Batista, em South Bend, indiana, onde a pentecostalizou
ficando nesta at outubro de 1910.
Ainda neste ano, na casa de Olaf Uldin, Gunnar teve uma revelao atravs de
profecia. A profecia dizia que Gunnar e Berg deveriam ir ao Par, e evangelizar um povo
simples, que comiam uma comida muito simples. Em Xenolalia os suecos escutaram um
hino cantado em portugus por Uldin.9
Os pioneiros tinham cerca de noventa dlares para viajar, mas Gunnar os doou
para uma revista evanglica organizada por Durhan, branco que foi excludo da Misso
Azusa. Conseguindo o dinheiro de volta, por doao de um amigo negociante ingls,
juntamente com Daniel Berg saram no dia 05 de novembro, chagando ao Par dia 19 de
novembro de 1910. Diferente do que dizem alguns, eles no foram direto para a Igreja
Batista, antes se hospedaram em um hotel e l viram num jornal, um nome conhecido, era o
nome de Justos Nelson, pastor metodista conhecido de Vingren. Aquele levou ambos ao
Pastor Eric Nilson,10 tambm de origem sueca, que fundou a Igreja Batista em Belm
(BERG, 2000, p. 46, 77).
Ao chegarem foram bem recebidos no incio (BERG, 2000), mas com a pregao
da doutrina pentecostal foram expulsos junto com 19 pessoas. Tambm foram expulsos do
poro da Igreja, onde residiam de forma precria. Para Antonio Almeida, historiador da
Igreja Batista, Vingren mentiu quando se apresentou como pastor batista, segundo o prprio
Antonio Almeida e Francisco Rolin (1985) os dois haviam se desligado da igreja batista e se
filiado a Assemblia de Deus, nos EUA. Neto (1994) em sua dissertao de mestrado
contesta essa idia, afirmando que vingren no quis enganar o pastor Batista. Berg no seu
dirio afirma que ao serem expulsos, Vingren ficou muito preocupado no pela expulso,
pois j havia sido expulso antes por causa da nova doutrina, mas por no terem dinheiro para 9 Por ocasio do jubileu de ouro da AD, o pastor Gideo Uldim, filho de Olaf Uldin, confirma a histria dos Pioneiros. Em South Bend, indiana, no ano de 1910, Uldim profetiza (revela) que Vingren e Berg deveriam ir ao Par. Gideo Uldim afirma que seu pai no conhecia o idioma portugus, pois era sueco. Ao chegar ao Par, os missionrios escutaram o hino que Uldim cantou pelo fenmeno xenollico (Histria da Igreja Me das Assemblia de Deus no Brasil, 2005; BERG, 2000, p. 67). 10 Segundo Vingren, Eric Nilson ao chegar ao Par, buscou o batismo com o Esprito Santo, e aps 14 dias orando comeou a sentir algo estranho, ficou com medo e assustou a esposa, que o proibiu de continuar, desde ento Eric Nilson passou a negar a Doutrina do Batismo com o Esprito Santo. No dirio de Berg h o relato de que Nilson passou por dificuldades financeiras a ponto de receber ajuda dos novos convertidos da Misso de F Apostlica. Segundo Berg a igreja de Nilson esvaziou comprometendo o seu sustento (BERG, 2000, p.63).
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alugar um quarto ou casa. No dirio de Berg, onde o pastor trava um dilogo com Gunnar,
este afirmou que no tinha a inteno de se separar da Igreja (BERG, 2000, p.54 a 57).
Ao serem expulsos no dia 13 de junho de 1911, formaram um grupo ao estilo
holiness, era o incio da Assemblia de Deus, fundada dia 18 de junho do mesmo ano, com o
nome de Misso de F Apostlica, mais uma prova de que ambos no haviam se filiado
Assemblia de Deus norte americana, que no existia com esse nome. O nome Assemblia
de Deus passou a ser usado a partir de 1917. Sobre isso h uma referncia no dirio de
Gunnar, um relato de sua Esposa Frida Vingren, que ao chegar ao Par, em 1917, se
emocionou quando viu o letreiro em cima da porta da Igreja, que dizia ASSEMBLIA DE
DEUS. A Igreja somente foi registrada no dia 11 de janeiro de 1918, com o nome
Sociedade Assemblia de Deus. No livro que conta histria da AD, um dos 19, que saram
da Igreja Batista para fundar a Misso de F apostlica, afirma que foi uma deciso tomada
democraticamente com os membros.
Para Paul Freston, o nome Assemblia de Deus surgiu da dissidncia entre
brancos e negros. Aparentemente no incio, brancos e negros conviveram harmoniosamente
na Misso de F Apostlica da Azusa Street. Os brancos iriam aprender com negros, mas
com a diviso racial nos EUA a convivncia no foi duradoura. Seria arriscado afirmar que
Vingren intentou identificar a Assemblia de Deus, em Belm, como igreja de brancos, ou
seja, se desvinculando do nome da igreja pentecostal negra dos EUA, que, segundo Rubem
Alves, estava engajada em Lutas polticas. No incio do pentecostalismo em Belm, havia
poucos brancos. Frida Vingren relata que ao chegar em 1917, ao se aproximar do porto, viu
um homem alto e branco que se destacava entre os outros, era Samuel Nistron, em meio
populao de estatura mediana e de cor parda ou negra.
As verses das Histrias da Assemblia de Deus, que so reeditadas a cada dois
anos, no trazem uma pista sobre o motivo da troca de nome. O nome importante para se
efetivar a posio de uma identidade. Muitas igrejas de outras denominaes foram visitadas
por Vingren, que segundo ele se pentecostalizaram, principalmente Igrejas Batistas, que ao
que parece no trocaram de nome, continuando a se denominarem batistas.
Os missionrios suecos encontraram quatro igrejas estabelecidas. As primeiras
incurses na Amaznia deram-se a princpio com missionrios agentes de Sociedades
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Bblicas. As primeiras Igrejas foram a Metodista em 1883, e a Presbiteriana em 1894. O
primeiro Missionrio a chegar foi Daniel Parish Kidder, metodista episcopal, que chegou a
Belm em 1839. Entre outras funes era representante da Sociedade Bblica dos Estados
Unidos. Esse distribua folhetos e bblias e pregava em casas de pessoas amigas e em navios
que atracavam no porto de Belm. Outros cultos, alm da missa catlica, eram proibidos, e
no havia templos protestantes. Na obra Histria da Igreja no Brasil, Tomo II/2, publicado
pela Comisso de Histria da Igreja na Amrica Latina, na pgina 241, o autor afirma que
houve certa tolerncia em relao propagao do evangelho protestante (FRAGOSO,
1992). Mas segundo Martin Dreher (DREHER, 1992) havia muita resistncia11 por parte dos
sacerdotes catlicos e da populao em relao aos protestantes, contudo, o apoio aos
primeiros protestantes veio de membros da Maonaria, principal opositora do catolicismo.
Outro missionrio que por aqui passou, foi Robert Nesbit, em 1857, tambm
distribuiu Bblias e folhetos. O bispo da poca proibia os catlicos de comprarem ou
receberem as Bblias dos missionrios protestantes. O Bispo Jos Afonso Torres escreveu
uma carta pastoral orientando os fiis sobre os livros vendidos por Nesbit. Em Belm, dos
fins de 1860, outro missionrio enviado pelo Conselho de Misses da Igreja Episcopal dos
Estados Unidos, se estabeleceu na cidade de Belm. Trata-se do reverendo Richard Holden,
que adquiriu no centro da cidade um ponto comercial para venda de seus livros. O principal
adversrio de Holden, e dos protestantes em geral, foi o recm chegado Bispo Dom Antnio
de Macedo Costa, que alertou sobre a ligao dos protestantes com o projeto norte
americano de tomada do Amazonas.
Em 19 de julho de 1880, chega a Belm do Par, o missionrio metodista Justus
Nelson, professor de lnguas e mdico, esse criou um curso de enfermagem, fundou um
trabalho regular e publicava o jornal, O Apologista Cristo,12 Nelson foi preso por quatro
meses, por entrar em choque com a hierarquia catlica local. O jornal criticava os erros e
supersties da Igreja Catlica, o lema do Jornal era Saibamos a Verdade Custe o que
11 No foi somente no incio que houve resistncia aos pentecostais, o que se pode observar nos dirios de Gunnar e de Berg, em que relatam muitos conflitos com os catlicos, principalmente nos interiores. Na pesquisa de Heraldo Maus, em Itapu na dcada de 70, este observou que havia resistncia aos pentecostais por parte dos catlicos (MAUES, 2001). 12 Talvez tenha sido este o jornal que Gunnar Vingren tenha visto no quarto de hotel onde passou um dia, sem saber ler em portugus reconheceu o nome de Justus Nelson, que conheceu nos Estados Unidos e com quem teve aulas de portugus. Justus Nelson era mdico e professor de Lnguas.
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Custar. Nelson sofreu apedrejamentos at por crianas, por ordem do padre local, chegou a
ser agredido em plena via pblica, por no levantar o chapu ao passar em frente a uma
igreja catlica (NETO, 1994, pp. 172, 173).
A primeira Igreja Batista foi fundada em 1897, pelo pastor Erik Nilsson, que em
1910, contava com 170 membros. O pastor era conhecido como Eurico Nelson. Este pastor
ainda Bastante lembrado pelos Batistas. Diferentemente dos assembleianos, que quase no
conhecem a histria de seus fundadores. Conhecem os nomes, que so repetidos nos plpitos
quando do aniversrio da Igreja. Um fato que guardam em sua memria, e com orgulho, a
origem humilde dos trabalhos iniciais, o fato de que os missionrios, sem dinheiro, se
alimentavam de mangas. A verdade que este fato se deu, em Bragana, com Daniel Berg,
ele se alimentou de manga durante dois dias, porque seu dinheiro havia acabado.
A propagao do pentecostalismo, segundo Freston (1994, p. 82) foi lenta
durante os primeiros 15 anos. O mtodo era o da pregao de porta em porta, chamado de
evangelismo pessoal. Berg evangelizava pelos interiores utilizando o mesmo mtodo dos
primeiros protestantes no Par, distribuindo folhetos e Bblias. Com uma diferena, as
Bblias eram vendidas para sustentar a misso de Berg. Este missionrio relata, em seu
dirio, que somente 20% da populao sabia ler.13 Ao evangelizar de porta em porta, lia a
bblia para pessoas simples e humildes do interior. Segundo ele, elas se maravilhavam em
saber que havia Bblias em portugus, pois o contato que tinham com elas era em latim e
havia pouqussimas, Berg relata que os caboclos lamentavam o fato de os padres proibirem a
leitura da Bblia.
Em Belm, Gunnar pastoreava a Igreja, pregava de porta em porta, e tambm em
Igrejas que o convidavam. Ao passar por essas, sua pregao sempre era relacionada ao
Batismo com o Esprito Santo. Pentecostalizou algumas igrejas independentes no interior do
estado, entre elas igrejas batistas, fez vrias viagens pelos interiores, seja evangelizando,
seja para batizar14 os recm convertidos, e algumas vezes para intervir quando das
13 O mesmo fato foi observado por Lewi Petrhus, em 1930. 14 Somente os pastores podem batizar nas guas, Berg no era pastor, mas missionrio, tornou-se pastor depois.
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perseguies sofridas pelos dirigentes.15Dificilmente os missionrios conseguiam
ultrapassar a incgnita desse jogo entre curiosidade e averso, hospitalidade e hostilidade,
docilidade e perseguio que regia as relaes dos missionrios evanglicos com os nativos
catlicos (MAFRA, 2001, p. 16).
Os missionrios eram sustentados pelas misses suecas da Amrica do norte, e
pela Igreja Filadlfia, do pastor Lewi Petrhus. Gunnar Vingren recebia uma parte do sustento
da igreja Filadlfia, mas era insuficiente, a outra parte vinha de um amigo da Misso
Americana. Em 1932, quando Vingren j estava no Rio de Janeiro, deixou de receber a ajuda
do amigo americano por trs meses. Na poca ocorreu um boato de que ele estava
enriquecendo em detrimento dos irmos, que eram muito pobres. Assim no incio do
pentecostalismo j havia denncias de enriquecimento de pastores. Atualmente o exemplo de
Edir Macedo sempre citado. No caso de Gunnar, parecia ser um boato, em uma carta ele
relata as dificuldades financeiras que passou, o que se pode deduzir segundo suas palavras:
Eu sei que ficaste triste comigo, pois pensavas que eu vivia em abundncia, enquanto os
outros estavam padecendo necessidades, e por esta razo paraste de enviar a oferta mensal
que costumavas mandar (VINGREN, 2000, p. 221).
Daniel Berg era sustentado pela Igreja Filadlfia, de seu amigo de infncia, Lewi
Petrhus, sua renda era complementada pela venda de Bblias. Ele era forte e robusto, tinha
dois metros e dez de altura, e tambm passou grandes dificuldades nos interiores. Pelos
dirios dos pioneiros possvel observar a situao social do pas e do Estado do Par,
relatos de altssimas taxas de analfabetismo, casas de terra batida (barro ou adobe) e cobertas
com palhas ou telhas de barro, forro era um luxo. H relatos de epidemias de malria, febre
amarela, hansenase dentre outras. Os missionrios sempre relatavam a comida simples dos
paraenses: feijo, arroz, farinha e carne seca, cozidos com gua e sal. Nos interiores era pior,
chegaram a comer manga ou somente banana com farinha. Devido a esta alimentao
deficitria, Vingren que j era magro,16 acabou adquirindo uma doena de estmago, que o
levou morte em 1933.
15 Dirigentes so leigos, que ascendem a este cargo passando por outros menores. No inicio dos trabalhos na AD, foram diretamente colocados neste cargo pelos missionrios, alguns vieram do catolicismo devoto, outros de igrejas batistas, ou seja, j possuam alguma experincia em liderana leiga e com a cultura Crist. 16 Fotos nos anexos.
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1.3 Pentecostalismo Mdia.
Leonildo Campos (1997) lembra aos crticos do neopentecostalismo que a
propaganda nasceu exatamente no campo religioso. Desde o incio o pentecostalismo tem
usado jornais, revistas e transmisses de rdio, para divulgar sua mensagem de salvao.
Segundo este autor a deciso do pentecostalismo de produzir seu prprio jornal, foi devido
forma preconceituosa de como os jornais seculares apresentavam o movimento pentecostal.
Na Revista Graa, publicada pela Graa Show da F,17 h uma matria sobre
Centenrio Pentecostal, essa traz a maneira como foi noticiado o movimento da Asuza
Street: Uma seita religiosa bizarra, na qual os seguidores fazem estranhos sussurros e
recitam um credo que, aparentemente, nenhum mortal em s conscincia seria capaz de
entender, afirmando ter recebido o dom de Lnguas (MIRANDA, ano 6-n 81, p. 24-25).
Os jornais evanglicos j eram bastante comum nas nascentes comunidades Holiness dos
EUA. Um exemplo disso foi o jornal Apostolic Faith, que a misso Asuza publicou.
Em Belm do Par, o primeiro jornal da AD foi o jornal Voz da Verdade, com
apenas duas edies, depois surgiu o jornal Boa Semente. Esse era produzido nos pores
do primeiro templo que se localizava a rua 9 de Janeiro, n 75. Os historiadores da AD se
orgulham de ter produzido o primeiro jornal pentecostal de Belm. O jornal Boa Semente
circulou at os anos 30.18
Por ocasio do que foi chamado de 1 conveno das ADs no Brasil, em 1930, o
jornal Boa Semente e o jornal Som Alegre foram fundidos para surgir o jornal
Mensageiro da Paz, at hoje em circulao. O jornal Boa Semente em Belm e o Som
Alegre no Rio de Janeiro foi uma iniciativa de Gunnar Vingren. O pastor Alcebades
Vasconcelos criou um jornal de circulao mais restrita a Belm, foi o jornal Estandarte
Evanglico, que servia para divulgar as atividades dos jovens da Igreja, e logo depois,
tambm, para outras atividades das igrejas locais.
17 Produo da Igreja Internacional da Graa, de RR. Soares, com tiragem de 150.000 exemplares. 18 Conferir: Histria da Igreja Me das Assemblias de Deus no Brasil, 2005, p.168.
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Atualmente tem chamado ateno, a presena da mensagem evanglica nos
meios de comunicao. As igrejas pentecostais e sua mensagem de plpito se adequaram s
ondas de rdio e Tv, ultrapassando as paredes sem imagens dos templos, se fazendo ouvir a
centenas de pessoas ao mesmo tempo. A pregao pentecostal no est mais restrita a
algumas dezenas de pessoas em cada uma de suas pequenas Igrejas.19
Mas nem sempre foi assim. O rdio nem tanto, mas, a televiso foi durante muito
tempo considerada um veculo de satans, para fazer desviar o crente. Hoje mudou, apesar
de algumas ressalvas. O discurso parece ser ainda coerente, qual seja, assim como os ritmos
musicais a Tv foi mais um dos objetos satnicos tomados das mos do diabo. A televiso
agora o aparelho que leva as bnos aos lares cristos e no cristos.
O aparelho de rdio foi inventado em 1901, pelo Nobel da Paz Guilherme
Marconi, porm demorou 20 anos para o surgimento da primeira estao de rdio. Um fato
marcante na histria do rdio foi presena do sentimento religioso, pois o contedo de sua
primeira transmisso em 1909, foi leitura de uma passagem bblica por Reginald
Ferzenden, pelo fato podemos perceber uma sociedade americana com valores religiosos
bastantes arraigados. A primeira estao comercial de rdio foi ao ar, no dia 02 de novembro
de 1920, com a estao KDKA na cidade de Pittsburgh.
Nos Estados Unidos no demorou dois meses para que uma igreja protestante
tivesse no rdio a possibilidade de cumprir o mandamento de pregar o evangelho a todo o
mundo. Em janeiro de 1921, foi ao ar o primeiro programa religioso de rdio, trata-se do
programa da Calvary Episcopal Church. No ano seguinte, entrou em operao a primeira
emissora ligada a uma igreja, a National Presbyterian Church de Washington (CAMPOS,
1997, p. 266).
A primeira igreja pentecostal a levar sua mensagem via ondas de rdio, foi a
International Church of The Four-Square Gospel, no Brasil conhecida como Igreja do
Evangelho Quadrangular. A controvertida e lendria Missionria Aimee McPherson, lder da
Igreja, tinha um programa em 1922, dois anos depois, a International Church of The Four-
Square Gospel possua sua prpria emissora, a KFSG.
19 O termo pequenas igrejas se refere ao tamanho pequeno dos templos do incio do pentecostalismo, em relao as grandes catedrais dos neopentecostais, principalmente as da IURD.
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Como podemos ver, desde o incio o pentecostalismo se apropriou dos meios de
comunicao. Dos primeiros jornais pentecostais com Parhan e Seymour, at a utilizao das
ondas hertzianas, os pentecostais levam suas mensagens proselitistas.20 Todas as igrejas e
seitas tm a pretenso de ser a legtima e verdadeira religio, e nenhuma delas admite
fazer proselitismo. A pregao do evangelho pronunciada como mensagem de salvao, de
felicidade, ou conforto, sempre o cumprimento de um mandamento, uma obrigao do
crente.21
A transmisso da mensagem de salvao deve ser levada a todos os cantos, e h
um leque de opes para os desejosos desse tipo de servio, ou bem simblico. As pessoas
convertidas atravs das mensagens radiofnicas, trazem sempre em seus testemunhos uma
experincia de passagem por uma crise, que pode estar ligada a vrios fatores, seja de ordem
econmica at a uma desiluso amorosa, que pelo exagero das paixes humanas podem levar
ao suicdio.
No incio seu uso, no ganhou a simpatia de todos os pentecostais, eles o
consideravam um meio imprprio para evangelizao, pois encaravam o ar como morada de
demnios (CAMPOS, 1997, p. 267). Na Igreja Assemblia de Deus, na pessoa do pioneiro
Gunnar Vingren, este j expressava o desejo de levar o evangelho pelas ondas de rdio, este
desejo deixou escrito, em seu dirio, em sua viagem de navio a Sucia. 22
Nos Estados Unidos o primeiro programa de rdio das Assemblias de Deus foi
ao ar em 1925 com o pastor e radioevangelista Robert Graig (CAMPOS, 1997, p. 266). No
Brasil, a primeira transmisso foi no dia 07 de setembro de 1922, por ocasio do centenrio
da Proclamao da Independncia apenas 800 aparelhos. A primeira transmisso
evanglica da AD ocorreu dia 15 de novembro de 1955, com o nome de Som do
Evangelho, pela Rdio Marajoara (Histria da Igreja Me das Assemblias de Deus no
20 As igrejas se acusam mutuamente de prticas proselitistas. Este termo muito utilizado para desacreditar, uma vez que, como outros termos, adquiriu pela banalizao de seu uso, um sentido pejorativo. 21 At mesmo a Igreja Catlica, da ocasio da visita do Papa Bento XVI, transmitia pelas vozes dos jovens, a necessidade de evangelizao, como se o Brasil fosse ainda um campo missionrio, e no um pas j constitudo de um leque de opes de Igrejas crists e de religies medinicas. 22 Esta foi a ultima viagem de vingren. Os suecos voltavam Sucia para morrer.
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Brasil, 2005, p. 169).23 O desejo de Vingren, de levar o evangelho via rdio, foi projetado
por Nels Nelson e concretizado pelo pastor Francisco Pereira do Nascimento.24 O primeiro
programa de rdio da AD era sustentado pela doao de alguns colaboradores, ia ao ar as
06h e 15min, com msicas, que eram gravadas diretamente dos plpitos pois havia escassez
de discos.
Alcebades Vasconcelos deu maior incentivo ao uso do rdio. Com a vinda de
Walter Derick Mendes Ribeiro, novos programas foram criados, que passaram a ser
transmitidos pela Rdio Clube, com o nome de Voz da Assemblia de Deus.25 que ia ao ar,
s 19 horas, do dia 17 de junho de 1967, aos sbados. No observamos relatos da durao
dos primeiros programas. Com a criao da Secretaria de Divulgao e Cultura, pelo Pr
Firmino, a AD passou a ter seis programas em trs emissoras, quais sejam na Marajoara, na
Rdio Clube do Par e na Rdio Guajar, alm de um programa na TV Guajar. Na televiso
o pastor Firmino tinha a maior parte nas programaes, aparecia do peito para cima, parecia
estar em p atrs de um plpito, e s vezes sentado a uma mesa.
A rdio Trans-paz AM foi adquirida em 1988, ainda no AR, e a TV Boas
Novas, antes TV Guajar, foi adquirida em 14 de maro de 1995. A televiso foi um dia
para os assembleianos considerado um veculo de satans, tanto que em 1961, por ocasio
da XIX Conveno das Assemblias de Deus, os pastores foram proibidos de possuir
televiso em casa, e foi solicitado que os membros se desfizessem do aparelho (CAMPOS,
1997, p. 271). Ainda no incio da dcada de 80, o pastor Firmino por determinao da
Conveno, proibiu mais uma vez o uso da televiso pelos crentes. A desconfiana para com
a Tv perdurou at 1995, como se pode observar do discurso do pastor Firmino Golveia,
quando da compra da TV Guajar:
Este momento acredito, um dos mais significativos da histria da nossa Igreja aqui em Belm. Isso porque est nos empurrando para um campo de atividades at ento por ns desconhecidos, campo que tem sido explorado negativamente, pois nele se explora um meio de comunicao chamado mdia eletrnica, para a
23 Nesse mesmo ano Manoel de Melo tambm estreou no rdio, primeiramente pela rdio Amrica, posteriormente pela Tupi, rdios que retardaram o processo de falncia devido s programaes evanglicas (CAMPOS, 1997, p. 271). 24 Primeiro pastor brasileiro na direo da AD, em Belm. 25 Atualmente h um programa de televiso na RBN, com esse nome, esse dirigido pelo pastor Samuel Cmara e pelo Pr Jairinho, cantor de forr evanglico.
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perverso do homem. Estamos nos predispondo a adquiri-lo para o uso do evangelho (HISTRIA DA ASSEMBLIA DE DEUS EM BELM DO PAR, 2003, p. 114).
De aparelho do diabo a instrumento nas mos de Deus, assim que os
assembleianos se referem ao uso da televiso. Tudo indica que a compra da rdio Guajar
tenha feito parte de um projeto maior, uma vez que, logo ela se uniu a uma emissora de
Manaus, fundada pelo atual pastor Samuel Cmara. Com a juno a Tv evanglica paraense
com o nome de Tv Boas Novas passou a fazer parte da Rede Boas Novas, com transmisso
pelo Jesus Sat.
O estilo de pregao, tanto no rdio, quanto nos primeiros programas de
televiso, era do Tipo Cultura da Oralidade,26 uma herana tipicamente protestante
(CAMPOS, 1997), onde a palavra oral predominou durante muito tempo, e ao que tudo
indica ainda perdura nos meios protestantes, e de sua expresso popularizada, os
pentecostais. Segundo Campos (1997) a mensagem evanglica no perdeu o sentido da
oralidade em sua forma escrita, esta a perpetuou. A palavra de Deus dada pela escritura
Solla Scriptura, um fator de forte aproximao entre pentecostais e protestantes.
Atualmente na Rede Boas Novas (RBN) alguns programas veiculados, so de
utilidade pblica, ainda que voltados moralidade crist. H um jornal ao meio dia,
programas sobre culinria, debates, programas musicais etc. Alguns desses so do tipo Talk
Show, ou estilo Hebe Camargo, no qual h um entrevistador e os convidados esto
acomodados em sofs. Esses ltimos com contedos diversos, como: direito do consumidor,
violncia, direitos trabalhistas, receitas de como melhor educar os filhos, etc. sem prejuzo
de programas do tipo evangelstico.
O estilo igreja, onde o pastor falava de um plpito, ou atrs de uma mesa, aos
poucos so substitudos, imitando estilos de programas seculares, como exemplo, temos os
programas realizados pelos filhos de Samuel Cmara, onde um faz um programa do tipo
Serginho Grosman, em que o entrevistador em roda com seus entrevistados, est ladeado
por uma pequena platia, sentados em uma espcie de anfiteatro, trata-se do programa
26 Sobre isso conferir Campos (1997, p. 246).
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Antenados de Phillipe Joo Cmara. Outro filho, Andr Cmara, comanda um programa
do tipo MTV, em que h entrevistas, curiosidades, esportes radicais, agendas culturais etc.
No poucos so ainda os cultos transmitidos, como os do Templo Central e os do
Vale da Beno, alm do de outras Igrejas, em que ainda predomina o estilo igreja. Nesses
os pastores no ficam inibidos ao berrar, utilizando a tpica estratgia de entonao da voz
para provocar a emoo da platia, no se inibem, tambm, ao falar em lnguas, e a orar da
forma mais pietista possvel.
A RBN vende espaos a outras igrejas como a do Evangelho Quadrangular, onde
se observa uma pregao voltada venda dos produtos pentecostais do tipo bnos e
prosperidade, ou seja, uma mensagem do tipo promessa de vitrias, tpicos de um
triunfalismo neopentecostal ps-moderno, fazendo propaganda de uma teraputica para
problemas diversos. H espaos para igrejas dissidentes da AD, como para a Igreja
Assemblia de Deus: misso apostlica de f.
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1.4 A relao com a poltica
Outra caracterstica marcante tem chamado ateno de pesquisadores, uma
maior presena dos pentecostais na poltica, com isso afirma-se que os pentecostais aos
poucos esto deixando sua forte caracterstica sectria. A atuao no governo chamou mais
ateno devido falta de tica, com relao a questes mais profundas da sociedade
brasileira, como o forte clientelismo e fisiologismo, alm de escndalos envolvendo propinas
e enriquecimento ilcito, por parte de pastores em cargos de deputados e senadores.
Os pentecostais na poltica tornou-se um tema atual entre os pesquisadores. So
monografias, dissertaes e teses de doutorado. Na atuao nas Cmaras legislativas, ou no
Congresso Nacional, os projetos dos pentecostais geralmente so de ordem moral, as vezes
ultrapassada, ou de assuntos relacionados mais a uma religiosidade judaica crist.
Tem-se afirmado que os pentecostais so alienados, que no esto engajados nas
lutas sociais. Os missionrios batistas que fundaram a Assemblia de Deus tiveram
experincias negativas em seu pas de origem. Primeiramente com relao Igreja Luterana,
que tinha os batistas como uma seita, esses eram poucos e se ressentiam de uma Igreja
Estatal liderada por uma elite intelectualizada. Havia pouca diferenciao religiosa, e a
dissidncia batista era em nmero reduzida e marginalizada, tanto, a ponto de emigrarem,
tambm, por motivos religiosos (FRESTON, 1994, p. 77). No mbito da poltica partidria,
os batistas desconfiavam da Social Democracia, e no religioso de um clero elitista e
opressor, e pouco aberto ao misticismo. Assim os batistas reagiam com uma religio
contracultural. Freston (1994, p. 77) citando a tese Martin,27 afirma que em culturas
luteranas a dissidncia demora a chegar, e quando chega tem forte tendncia ao
pentecostalismo.
A Igreja Luterana estava intimamente ligada ao estado monrquico sueco e havia
pouca liberdade para outras expresses religiosas. A adeso Igreja Luterana era de 95%,
27 MARTIN, Bernice. Simbolic knowledg and forces at the forntiers of post-modernism: Qualitative market Researcheers. In Heuberger, F & Keller, H. (org) Hidden Technocrats: the New Class and the New Captalists, Nova Yorque, Transaction Press, 1991.
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mas somente 5% eram os que poderamos chamar de luteranos praticantes. Com maioria de
luteranos a Sucia se assemelhava ao Brasil, no que tange a uma hegemonia religiosa. O
Brasil, a poca dos missionrios, era um pas de predominncia massiva de catlicos.
A Sucia era um pas que iniciara sua revoluo industrial28 de forma muito
incipiente e acompanhada de uma forte recesso, sentida principalmente por jovens suecos,
que em busca de oportunidades de emprego migravam. Assim mais de um milho de suecos
emigraram para os Estados Unidos (FRESTON, 1994, p. 76). Os luteranos inicialmente se
associaram ao marxismo, e posteriormente predominou uma tendncia a social democracia,
que Freston chamou de Carter Protestante, ou seja, subordinada ao estado, e malevel a
mudanas que pudessem ocorrer neste (ibid., p. 77). Este autor talvez estivesse se referindo a
uma forma de ideologia poltica baseada em uma social democracia, mas que no
intensionava revolucionar as bases produtivas, aos moldes da revoluo de 1917.
Nos Estados Unidos, os missionrios presenciaram uma sociedade com
fortssimo aparthaide social e racial, a exemplo do que se pode depreender da histria da
Azusa Street, onde Seymour, que era negro, assistia s aulas de Parhan, do lado de fora da
sala de aula, este ltimo era branco e membro da Ku Klus Klan. Quanto ao aparthaide
social, fica claro no relato dos pioneiros, quando da viagem ao Brasil, o navio em que
viajavam era um antigo navio negreiro, e a bordo receberam um tratamento semelhante o
dos escravos. A comida, uma sopa rala, era pssima e tinham que lavar suas louas, tanto
para pegar a comida, quanto para lavar a loua, foram organizados em filas, o que causava
muitos constrangimentos. No navio havia muitos migrantes de cor, os missionrios relatam
que eram os nicos brancos do navio.
Daniel Berg29 era declaradamente contra qualquer forma de manifestao
poltica. Conviveu em sua cidade com um padre autoritrio, ele era o diretor da escola, e
muito respeitado por todos, esse ultimo queria forar Berg a ser batizado quando criana.
Ainda nos Estados Unidos Berg deixou um dos empregos, porque queriam que ele se filiasse
ao sindicato. Em sua viagem ao Brasil no puderam levar todas as suas malas, por causa de
28 No dirio de Berg ele descreve a neve que, ao se misturar com a fuligem que saia das chamins das fbricas se tornava marrom e no branca como de natureza, demorando mais a se dissolver no cho, deixando a cidade com um aspecto pouco apresentvel. 29 Foto nos anexos.
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uma greve nos portos do Estados Unidos. Os outros missionrios que escreviam sobre ele
ressaltaram o fato dele no se envolver com a poltica, at mesmo em contendas internas
com a liderana da Igreja, procurava escapar, conforme o relato em sua autobiografia,
quando sentia que poderia entrar em atrito com Gunnar Vingren, logo, em uma atitude que
demonstra forte atitude pietista, ambos se ajoelhavam oravam e cantavam, e a paz reinava.
A experincia na Sucia, de um monoplio da Igreja Luterana, tanto do
conhecimento, erudio, quanto na poltica, alm de outras experincias, talvez expliquem o
apoliticismo dos pioneiros, e tambm explique a falta de interesse em fundar um seminrio
teolgico, talvez pelo medo de que novos conhecimentos causassem uma mudana em
relao mstica pentecostal, o que os crentes chamam de esfriamento. No somente isso,
mas no Brasil perceberam um pas socialmente dominado pela religio catlica. Para alguns
autores, os missionrios temiam que ao se envolverem na poltica no Brasil, pudessem ser
expulsos, e isto prejudicar a obra missionria. Para outros, principalmente protestantes
histricos, h uma cobrana pelo fato dos assembleianos no estarem engajados em lutas
sociais e por assim dizer em poltica, tendo-os por alienados.
Os protestantes da segunda metade do sculo XIX, tiveram o apoio dos liberais,
maons e republicanos. Estes atores sociais tinham um inimigo comum o clero
ultramontano. O Brasil vivia uma Monarquia fortemente influenciada pela Igreja Catlica,
por conta disso os protestantes no podiam se candidatar a cargos eletivos, o que s mudou
com a lei Saraiva de 1881. O primeiro protestante em cargo eletivo foi o reverendo Karl Von
Koseritz, eleito para a Assemblia Provincial do Rio Grande do Sul, em 1881. Das primeiras
reivindicaes dos protestantes havia nfase de uma poltica de imigrao mais acentuada,
baseada na oferta de pequenas propriedades rurais.
Em janeiro de 1890, o Regime Republicano separa o Estado da Igreja, e em 1891,
a Constituio Republicana atende a reivindicaes anticlericais, partilhadas por
protestantes, como o casamento civil, cemitrios seculares, e liberados para o enterro de
protestantes, alm de ensino pblico e laico. Por parte dos liberais havia uma inteno de
diminuir ou eliminar a influncia do catolicismo no Estado, e da dos protestantes uma maior
liberdade de atuao na vida civil e poltica. Um fato interessante observado por Freston
(1994), na poca a maioria dos protestantes eram de luteranos, esses eram monarquistas, que
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se mantiveram isolados na repblica. No incio as primeiras demandas estavam relacionadas
ao direito da prpria participao dos evanglicos em espaos pblicos, e maior liberdade e
participao econmica. Nos dias atuais contraditoriamente, o argumento da AD, para
participao na poltica, e de que o pentecostal tem que participar, para garantir a liberdade
de culto, como se a participao de evanglicos fosse uma coisa muito recente, e ainda, o
pensamento de que devem manter a liberdade de culto, que j foi garantida na constituio
de 1988. O discurso pentecostal parece inocente, mas em ultima analise proposital, pois
serve para ganhar as massas, funcionando para uma populao com baixa escolaridade e
pouca participao em mbitos polticos.
A fora do clero catlico se fez ver ainda no perodo Vargas. Segundo Paul
Freston (1994) houve, em 1925, tentativas de se estabelecer uma religio do Estado. Das
reivindicaes dos evanglicos desse perodo, o que marcou, no mbito secular, foi o direito
ao divrcio, um tabu para catlicos e pentecostais assembleianos. Dentro da lgica
protestante havia reivindicaes para que as eleies no ocorressem aos domingos, dia
escolhido pelos cristos, principalmente presbiterianos,30 para ser guardado e consagrado.
No perodo Vargas um metodista ficou registrado como o mais importante
poltico protestante, e nico a fazer parte da constituinte em 1933, 1934 e 1946, trata-se de
Guaracy, pastor metodista que ganhou notoriedade nos meios evanglicos, pela divulgao e
criao da Unio de Escolas Dominicais. Guaracy Silveira se elegeu sem homologao de
qualquer igreja, pelo Partido Socialista Brasileiro. Ele prprio se considerava um socialista,
mas tinha averso ao comunismo, entre suas propostas estavam o divrcio, a livre
sindicalizao e nacionalizao das jazidas minerais. Na constituio de 1933-34, duas de
suas propostas foram realizadas: a autonomia sindical e a nacionalizao das guas e
riquezas minerais.
Na constituio de 1946, Guaracy conseguiu incluir na constituio o direito de
no matar em guerra. Este fato demonstra uma preocupao com a f protestante e crist. A
atuao de Guaracy despertou o interesse de outros protestantes para a poltica, tanto que
em 1947 e em 1950, vrios deles se elegeram deputados estaduais, e para as cmaras
legislativas nos municpios (FRESTON, 1994, p. 24).
30 Sobre isso conferir Alves (2005)
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No perodo militar, houve uma certa relao entre os evanglicos e a ditadura. A
Igreja Presbiteriana do Brasil foi a mais comprometida com o regime, vrios lderes leigos
tinham posies de importncia, e trs protestante foram nomeados para governarem
Estados. O primeiro foi o presbiteriano Geremias Fontes em 1966, no Rio de Janeiro, ele era
advogado, foi tambm deputado federal pelo PTB. O segundo foi outro Presbiteriano, Eraldo
Gueiros Leite em Pernambuco, seu governo foi de 1971 a 1975. O terceiro governador
interventor cooptado pelo regime foi Enoc Reis, no estado do amazonas de 1975 a 1979
(FRESTON, 1994, p. 36). Neemias foi redator do AI-2. A Presbiteriana Independente (IPI)
tambm teve sua represso interna e forneceu quadros importantes para o regime. A
Conveno Batista deu total apoio ao regime militar (ibid., p. 26).
Segundo Baptista (2002) os assembleianos ficaram muito contentes com a nova
ordem. A conquista do poder pelos militares foi tida como providncia divina, para conter o
comunismo. Havia boas relaes entre a AD e o Regime, tanto que houve subveno do
governo para os empreendimentos da AD, que recebia doaes para suas obras, como
exemplo o Seminrio Teolgico, o abrigo feminino Etelvina Bloise, e o Colgio Samuel
Nystron.31
Para os militares era interessante uma religio que ensinasse a submisso s
autoridades. Isto legitimado pela seguinte passagem bblica: Todos se submetam s
autoridades constitudas. Pois no h autoridade que no venha de Deus, e as existentes
foram institudas por Deus. De sorte que quem resistir autoridade resiste ordem de Deus
(Rm 13,1-2).32 O pastor Firmino Golveia fez um curso de quatro meses na Escola Superior
de Guerra, fato este contado com entusiasmo pelos historiadores da denominao. A abertura
democrtica, a queda do regime, e a volta das eleies diretas marcam a entrada de um
evanglico eleito pelo voto direto, este era Iris Rezende.
A entrada dos pentecostais na poltica se fez mais notria na constituinte de 1986.
Essa entrada marca um perodo tenebroso para os sinais de converso de protestantes e
pentecostais, que pecaram justamente naquilo que mais serviu de ideologia para legitimar
31 O colgio Samuel Nistron durou pouco tempo, pois deixou de receber a ajuda do governo, e o abrigo Etelvina Bloise foi desativado. 32 Carta de Paulo aos Romanos. Bblia Sagrada. Editora Santurio & Editora Vozes. 1992. 40 edio. Esta passagem bblica j foi muito usada para legitimar a autoridade do pastor.
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sua participao na poltica, qual seja, o discurso moralizador e tico. A entrada de
evanglicos na poltica mostrou aos incautos,33 que os evanglicos no so nem anjos nem
santos. A atuao dos evanglicos na poltica fez com que Caio Fbio, presidente da
Associao Evanglica Brasileira aparecesse na mdia para pedir desculpas em nome dos
evanglicos que ainda eram srios. Baptista (2002) afirmou que os pentecostais assumiram
a mesma cultura poltica corrupta da grande maioria dos polticos brasileiros, o que ele
chama de cultura poltica parece mais um vcio que em nada condiz com a identidade do
pentecostal, cristalizada no imaginrio popular.
Os argumentos para a insero na poltica, tanto nos plpitos, quanto nos veculos
de comunicao da AD, e outras igrejas, perduram at hoje. Ainda muito presente o
discurso reducionista baseado sempre em versculos isolados, e fora de seus contextos, ou
baseado em personalidades da Bblia, qual seja, o discurso ideolgico de que um pentecostal
no poder v mudar o pas. A presena de assembleianos na poltica j foi um tabu, hoje,
justificam a necessidade de presena de servos de Deus em todos os setores da sociedade.
Entre a ideologia para justificar a mudana de pensamento, ainda h a velha questo, que
vem desde os protestantes, de moralizar o Pas e at mesmo de servir como missionrio
entre os polticos. Alm do combate ao comunismo,34 ao homossexualismo,35 liberao do
aborto, liberao da maconha,36 ao ecumenismo, ao secularismo etc.
Todos os cidados esto diretamente envolvidos com a poltica, quer queiram quer no. Haver sempre algum governando, sugerindo os destinos das pessoas, e estas, mesmo que no tenham se envolvido diretamente no processo poltico, nem por isso estar alheias ou neutras [...] Outro erro mais grave ainda achar que a Igreja deva ficar fora do processo poltico. Por que a Igreja deveria se alienar desse processo, quando est em jogo o poder que vai governar seu destino?[...] Se a Igreja pode e deve influenciar na vida das pessoas, quanto a questes to profundas como a salvao, ensinando-as a terem uma conduta crist e viverem com dignidade a sua f, por que no pode faz-lo com questes menores, ainda que importantes, como a poltica. (CABRAL, 1996, n 119, 02 jun./1996).
33 No sentido de crdulo ingnuo 34 Pode parecer destoante falar em comunismo depois da queda do muro, mas como exemplo nas eleies de 2000 para prefeito de Belm, o candidato Ramiro Bentes, em um debate, insistiu com Edmilson Rodrigues para que esse se declarasse comunista, era uma manobra para que esse no tivesse votos de evanglicos. 35 Falar em casamento de homem com homem para um pentecostal afrontar a sua Bblia. 36 Em uma entrevista, um pentecostal, se disse a favor da liberao da Maconha.
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Na citao acima podemos perceber outra idia muito comum na ideologia
pentecostal, trata-se da Teologia do Domnio. Outra forma de legitimar o argumento da
necessidade de pentecostais na poltica, est na Teologia do Domnio (ROMEIRO, 1999, pp.
168, 169). A Teologia do Domnio uma criao americana, que prega que o crente deve
dominar o mundo, tirando-o das mos de satans, essa teoria pode ser entendida no bojo
da chamada guerra espiritual. Nos EUA, um de seus idealizadores foi o televangelista Pat
Robertson, que a utilizou para tentar chegar ao mais alto posto daquele pas, que como
costumam dizer os analistas polticos, de o homem mais importante do mundo, presidente
dos Estados Unidos.
Em um artigo do Mensageiro da Paz de 1998,37 o autor citando o deputado Peniel
Pacheco, esse afirma que os missionrios no se metiam em poltica por causa da presso da
Igreja Catlica sobre o Estado, de que se falassem em poltica seriam expulsos do pas. Em
relao ao medo da perseguio catlica atravs dos organismos estatais importante o
seguinte relato de Gunnar Vingren em seu dirio: O senhor nos guardou durante a
revoluo, e podemos continuar a trabalhar com a mesma liberdade de sempre
(VINGREN, 2000, p. 173).
O missionrio se referia revoluo de 1930, que levou Getlio Vargas ao Poder.
Nessa poca Gunnar estava comandando o trabalho no Rio de Janeiro. Ivar Vingren, que
compilou os dirios do pai, descreveu a revoluo como dias de muita tenso com o
exercito se defrontando em So Paulo com compatriotas, muitos morreram, e foi o gacho
Getlio Vargas que se rebelou contra o governo. No se poderia esperar que Ivar Vingren,
filho mais velho de Gunnar, e tambm missionrio, fizesse uma anlise poltica do fato,
assim descreve a revoluo de trinta, de forma bem inocente, o que importante destacar,
era o medo de mudanas no regime poltico do Brasil, outro exemplo foi quando em
novembro de 1917, houve o que Gunnar descreve como revoluo,38 ele voltava da Sucia, e
no seu dirio afirma que esta revoluo no impediu os trabalhos.
Ainda no artigo do Mensageiro da Paz, de 1998, o autor afirma que os
assembleianos resolveram participar da poltica porque souberam das intenes de
37 O peso do voto. Jornal Mensageiro da Paz, Rio de Janeiro, N 1318, p. 5, setembro/1998. 38 No sabemos dizer se Gunnar se referia greve geral de 1917 no Brasil ou da revoluo na Rssia. Ou se ouve outro levante a nvel local.
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Tancredo Neves de fazer do Brasil um pas catlico (Jornal Mensageiro da Paz, Rio de
Janeiro, N 1318, p. 5, setembro/ 1998).
A conveno geral de 1985, em Anpolis, Gois, preparou o terreno para
incurso dos assembleianos na poltica. Foram convidados polticos de outras denominaes
para que no uso da palavra incentivassem os pastores para o ingresso na poltica, foram eles
ris Rezende e Daso Coimbra (FRESTON, 1994, p. 42).
Outra figura chave foi Jose Fernandes, o primeiro membro da AD a chegar no Congresso. Fernandes de famlia pioneira da AD no Amazonas, e filho de pastor. Foi incentivado nas aspiraes polticas pelo pastor presidente local Alcebades Vasconcelos, defensor da projeo social da igreja [...] De 1979 a 1982 foi prefeito nomeado em Manaus. Diz no ser o tpico poltico da AD, mas mesmo assim defendendo a vida e a liberdade religiosa. Frase reveladora das expectativas mnimas da igreja com relao aos seus deputados (defender a vida significa opor-se ao aborto) (FRESTON, 1994, p.42).
As Convenes Estaduais da AD escolheram os candidatos oficiais da igreja,
para concorrerem como deputado federal e, s vezes como senador e deputado estadual.
Houve at quem escrevesse um livro, cujo ttulo popularizou o jargo crente vota em
crente, irmo vota em irmo.39 O livro de Josu Sylvestre argumenta que se os
evanglicos devem fazer sempre o bem, deveriam votar em candidatos da igreja (FRESTON,
1994, p. 43), com isso estariam fazendo o bem para a igreja e para a nao.
A poltica facilita o acesso mdia, e esta ltima se configura em uma das formas
de se estabelecer lideranas, que ficam conhecidas e posteriormente lanadas como
candidatos. H, assim, uma relao ntima entre mdia e poltica. Alm do discurso tico e
moralizador, as concesses de rdio e TV, ou aquisies dos mesmos, foram mais um dos
motivos que levaram os pentecostais a se inserir na poltica. Na prtica os pentecostais foram
alm, pois negociavam toda sorte de benefcios que uma igreja ou associao evanglica
39 Quando Duciomar Costa, atual prefeito, concorreu com Edmilson Rodrigues em 2000, foi apoiado pelos caciques da AD. Na poca foi confeccionada uma ventarola - leque de papel, daqueles que distribudo no Crio de Nazar em Belm - com os seguintes dizeres Sou Evanglico, Sou da Paz. Quanto a dizer ser da paz, Duciomar em campanha vinculava a imagem de Edmilson e do PT a baderneiros e bagunceiros. Quanto ao fato de ser evanglico, Duciomar, segundo relatos de informantes, esprita Kardecista. Sua ex-esposa Maria Costa evanglica da Quadrangular.
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poderia obter do Estado. O clientelismo e o fisiologismo se tornaram caractersticos de
polticos evanglicos.
Na Constituinte as concesses de rdio viraram moedas de troca. Alguns
constituintes adquiriram concesses para si mesmo. Para conquista dos meios de
comunicao os pentecostais venderam seus votos em um pensamento deturpado de meios e
fins. O comportamento dos evanglicos foi muito criticado, principalmente na atuao da
Confederao Evanglica do Brasil que recebia dinheiro do governo, e doaes de polticos.
Alm de verbas a fundo perdido da LBA, e da Secreta especial de Ao Comunitria
(SEAC), dinheiro este que tinha destino incerto (FRESTON, 1994, p. 72). Desgastada pela
crtica do Jornal do Brasil, a CEB foi defendida pela Assemblia de Deus, e at mesmo Jos
Welington presidente da CGADB40 entrou para diretoria com o propsito de salvar a
confederao. A partir de 1989, as regionais da CEB fecharam e em 1990, a sede em Braslia
foi encerrada.
Os evanglicos tinham averso esquerda.41 Discordavam de propostas como
legalizao do aborto, e liberdade de escolha sexual, segundo os pentecostais, essas
reivindicaes feriam os princpios Bblicos. Tambm no se alinhavam direita, e no
foram fiis ao que se chamou de centro. Destarte se organizavam em blocos para votar em
assuntos, que segundo eles feriam a moral e a tica do pas, e de suas crenas religiosas. J
em assuntos como reforma agrria cada um votava por si, mas acabou que a maioria votou
contra, e para isso receberam contribuies da UDR. Pode-se dizer que, o que ficou
conhecido como bancada evanglica, foi mais um balco de negcios.
O discurso moralizador e triunfalista dos evanglicos ficaram somente em suas
frases de efeito. Quanto ameaa liberdade religiosa, no houve nenhuma proposta que
pudesse prejudic-los. Houve muito boato, e ao que parece, prtica comum na Assemblia
40 Conveno Geral das Assemblias de Deus. 41 Em entrevistas a maioria dos pentecostais afirmou que votariam em candidatos da esquerda, porm quando perguntados sobre a escolha de um candidato de esquerda com excelentes propostas, para beneficiar toda a populao, e outro evanglico, de direita, com propostas meramente corporativas, a resposta foi que o voto seria no evanglico, por causa dos projetos da igreja, ou ainda por obedincia aos pastores. Poucos jovens, nesta pergunta, disseram que continuaria com o candidato de esquerda. A meno aos projetos da igreja envolve prticas clientelistas, vista como coisa natural.
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42
de Deus, crena de que um dia o pentecostalismo possa vir a ser perseguido,42 ou que haja
proibies na realizao de seus trabalhos, este um dos motivos de serem antiecumnicos,
pois acreditam que quem lidera o movimento ecumnico a Igreja Catlica, e que esta se
conseguir seu intuito, obrigar a todos a se submeterem autoridade do Papa.
Deus j me disse que um evanglico vai ser presidente, esta foi frase de
Manoel Ferreira, lder da Assemblia de Deus Madureira.43 Modernamente quase tudo pode
ser argumentado atravs de revelaes.44 A relao entre revelao a f, est no
pressuposto de que ela verdadeira, a lgica evanglica diz que crente no mente, porque
tem que ser santificado, e se for pastor, que o caso, mais ainda, pastor o homem ungido
de Deus. Manoel Ferreira45 afirmou que Deus teria lhe dito que ris Rezende seria o
presidente da repblica nas eleies de 1989.
ris Rezende era ministro da agricultura e era evanglico. Perdeu na conveno
do PMDB. A maioria dos evanglicos que o apoiaram, no apoiou outro candidato no
primeiro turno, mas no segundo apoiaram Fernando Collor de Mello. Mais uma vez no
faltou revelaes; de que Collor era o escolhido de Deus para governar este pas. O medo
do comunismo, e de tudo o que isso representava, ainda persiste no imaginrio, no somente
dos evanglicos, mas em boa parte da populao alienada, o que favoreceu a Collor.
Collor soube aproveitar o interesse dos evanglicos por sua candidatura. Fez
aliana com a IURD, visitou templos e se dizia temente a Deus, numa aluso clara idia de
atesmo atribudo ao candidato Lula. Collor prometeu combater a corrupo, o que agradou
aos evanglicos. Diz-se que houve boa participao dos votos evanglicos na vitria de
42 No livro de Mateus, capitulo 24, novo testamento, h uma previso de perseguio igreja, prenunciando a volta de Cristo. 43 A Assemblia de Deus Madureira uma dissidncia da Assemblia de Deus Misso. O fundador Paulo Leivas Macalo era um pregador agressivo e mais apegado a doutrinas do que os prprios pioneiros. Era um lder carismtico. O trabalho no bairro de Madureira em So Paulo cresceu muito, e ameaou a liderana sueca. Macalo continuou vinculado a CGADB, mas seus sucessores esperaram sua morte para se desvincularem de vez, formando uma conveno prpria. 44 Recentemente descobrimos que uma mulher fundou uma Assemblia de Deus renovada, onde o que impera so as revelaes. Ela era quadrangular, e a nfase na revelao pertence a Deus amor. 45 Alguns pastores para legitimar suas idias, por mais estapafrdia que seja, afirmam que conversam diretamente com Deus. Um exemplo o de Kenneth Hagim, que afirma que foi o prprio Jesus quem lhe revelou, que deveria se valer do poder de suas palavras em vez de confiar somente na providncia divina.
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Collor. Nas eleies de 1989, o pastor Firmino Golveia deu amplo apoio e incentivou a
pastores e crentes a votarem nesse candidato.46
Nos Mandatos em que os pentecostais assembleianos fizeram parte, nos anos
seguintes, continuou sendo marcado por escndalos e corrupo, envolvendo propinas, falta
de tica, falta de decoro parlamentar e muitas trocas de partido. Os evanglicos no so
comprometidos com qualquer ideologia de qualquer partido, a sua viso clientelista foi o que
falou, e ainda fala, mais alto.
Baptista (2002) em sua dissertao de mestrado, em Belm, discorreu sobre