Dissertacao_Janaina_da_Silva_Guerra.pdf
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JANAINA DA SILVA GUERRA
O PROGRAMA DE AQUISIO DE ALIMENTOS NO MBITO DO PROGRAMA FOME ZERO: EMANCIPAO ou
COMPENSAO? Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Poltica Social da Universidade
Catlica de Pelotas como requisito parcial para
a obteno do grau de Mestre em Poltica
Social
Orientador: Prof Dr Antnio Cruz
PELOTAS 2010
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O PROGRAMA DE AQUISIO DE ALIMENTOS NO MBITO DO PROGRAMA FOME ZERO: EMANCIPAO ou COMPENSAO?
BANCA EXAMINADORA
Presidente e Orientador Prof. Dr. Antnio Carlos Martins da Cruz______________________
1 Examinador Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira___________________________________
2 Examinador Prof. Dr. Mara Rosange Acosta de Medeiros__________________________
3 Examinador Prof. Dr. Paulo Peixoto Albuquerque_________________________________
Pelotas, 15 de Abril de 2010.
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Aos meus pais, Jlio e Isabel.
Ao meu amado Cassiano.
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Agradecimentos
S o fato de estar onde estou me altera e altera tudo mais. O descobrir no ver o que h (isto impossvel em qualquer nvel), mas projetar-se em uma realidade em contnua criao. J no sou o que era, mas o que hei de ser, como consequncia de que tudo mais deixa de ser o que era para tornar-se o que ser, em uma sntese dialtica constantemente renovada. (MANFRED MAX-NEEF apud TIRIBA, 2001, p. 335)
O descobrir-me nessa sntese dialtica constantemente renovada fruto de um
processo que teve a importante influncia dos meus pais, meu companheiro, amigos,
professores e espaos coletivos dos quais venho participando.
Por isso, agradeo aos meus pais, por terem compreendido minhas ausncias, por
apoiarem minhas decises, pelo amor e estmulo que sempre me proporcionaram.
Agradeo ao Cassiano, meu namorado, marido, companheiro e amigo, pelo enorme
carinho e pacincia com que reagiu mesmo nos momentos mais tensos.
Agradeo aos meus queridos amigos, Mana e Renato, por todo o tempo a mim
dedicado nos momentos de dvidas e angstias.
Agradeo a Silvana Tillmman que no mediu esforos para me ajudar no momento de
maior ansiedade.
Agradeo s minhas amigas de sempre: Bianca, Marry e Veri, pela sincera torcida.
Agradeo ao Instituto de Estudos Polticos Mrio Alves, por ser este, um espao de
discusso e militncia, que me oportuniza refletir e agir no processo de construo da
criticidade.
Agradeo ao NESIC-INTECOOP-UCPEL, por ser este, um espao que possibilita a
troca entre os saberes e a construo coletiva do conhecimento junto aos grupos populares.
Agradeo ao meu orientador, Prof. Antnio Cruz, por estar comigo nesta longa e
conturbada caminhada.
Agradeo aos professores da banca, por suas importantes contribuies crticas no
momento da qualificao. Contribuies essas que foram fundamentais para a construo
desse trabalho.
Meus profundos agradecimentos s mulheres e homens, sujeitos dessa pesquisa, pela
importante contribuio que deram durante os grupos de discusso.
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Desconfiai do mais trivial, na aparncia
singela. E examinai, sobretudo, o que parece
habitual.Suplicamos expressamente: no
aceiteis o que de
hbito como coisa natural, pois em tempo de
desordem
sangrenta, de confuso organizada, de
arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada, nada deve
parecer natural
nada deve parecer impossvel de mudar.
Bertold Brecht
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RESUMO
O presente trabalho versa sobre os desafios e as possibilidades do Programa de Aquisio de
Alimentos (PAA) no mbito do Programa Fome Zero (PFZ) concretizar-se como poltica que propicia
e impulsiona prticas emancipatrias para a totalidade de seus beneficirios - que so as famlias em
situao de insegurana alimentar e nutricional e os pequenos agricultores e pescadores artesanais.
Segundo seus documentos de fundamentao, o PAA se constitui como poltica estruturante para a
agricultura familiar e poltica emergencial para as famlias em risco social. PAA e Economia Solidria
so eixos articuladores do PFZ e, por isso, ambos devem estar interligados no sentido de possibilitar
aes emancipatrias para seu pblico-alvo. Este trabalho, ento, ao buscar (i) estudar a formulao e
os pressupostos tericos do PAA, (ii) compreender como o PAA vem se viabilizando no caso estudado
(municpio de Pelotas), e (iii) verificar se o PAA atinge seus objetivos, tratou de pontuar os desafios e
as possibilidades para o mesmo efetivar-se como poltica capaz de possibilitar prticas emancipatrias
para a totalidade de seus beneficirios atravs de sua concreta articulao com a economia solidria,
como potencializadora deste processo. A pesquisa parte de uma perspectiva dialtica e foi
instrumentalizada metodologicamente pelo uso de grupos focais, realizados em duas cooperativas que
vendem seus produtos ao PAA: a Cooperativa Lagoa Viva e a Cooperativa Sul Ecolgica; e tambm
em trs entidades que recebem e distribuem os alimentos fornecidos pelo PAA e provenientes
daquelas cooperativas s famlias empobrecidas: Comunidade Eclesial de Base Peregrinos do Amor,
OSC GESC-GESTO e Associao Amar: Criana e Famlia. Os resultados obtidos reafirmam a
ambigidade intrnseca do PAA (as aes emancipatrias e compensatrias) que contribui para o
fortalecimento da agricultura familiar, possibilitando aos pequenos a gerao de renda atravs de seu
trabalho, porm no ultrapassa o carter assistencialista e focalizado em sua ao distributiva. Ele
reafirma o histrico das polticas sociais pblicas brasileiras, apesar de sua proposta e da inteno dos
que o formularam. Por ltimo, preciso percorrer um longo caminho para se chegar condio de
eixo articulador do PFZ, no sentido de fortalecer o movimento de economia solidria no pas.
Palavras-chave: Programa Fome Zero; Programa de Aquisio de Alimentos; Economia solidria;
emancipao; compensao.
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ABSTRACT
The present work focuses on the challenges and possibilities of the Programa de Aquisio de
Alimentos (PAA) in the Programa Fome Zero (PFZ) to become real as a policy which enables and
motivates emancipatory practices for all the beneficiaries - families in a situation IF food and
nutritional insecurity and small farmers and fishermen. According to documents, the PAA is
constituted as a structuring policy for the family agriculture and emergency policy for families in
social risk. PAA and Solidary Economy are two of PFZ key programs and, due to this, both must be
connected in order to make possible emancipatory actions towards its target public. This work, then, as
it aims at (i) studying the basic and theoretical purposes of PAA, (ii) understanding how the PAA is
becoming viable in the case studied (city of Pelotas), and (iii) verifying is the PAA reaches its goals,
tried to point out the challenges and possibilities so that the program can become a possible policy to
enable emancipatory practices for all beneficiaries through a concrete articulation with the Solidary
Economy, as a potential key for this process. The research is based on a dialectic perspective and was
methodogically developed by the use of focus groups, performed at two co-operative societies which
sell their products to the PAA: the Lagoa Viva and the Sul Ecolgica Co-operative Societies; and also
in three institutions which receive and distribute the food provided by the PAA and are from those co-
operative societies to the poor families: Base Church Community Peregrinos do Amor, OSC GESC-
GESTO and Associao Amar: Criana e Famlia. The results obtained reaffirm the intrinsic
ambiguity of the PAA (the compensational and emancipatory actions) which contributes for the
empowerment of family agriculture, enabling small farmers to have some income through their work,
though it does not overcome the assistance character and focused on the distributional activity. It
reaffirms the history of Brazilian public social policies, although its proposal and the intention of those
who developed it. At last, it is necessary to cross a long path to reach the condition of the PFZ main
axis, in order to strengthen the movement of Solidary Economy in the country.
Key words: Programa Fome Zero; Programa de Aquisio de Alimentos; Solidary Economy;
emancipation; compensation.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABICRED Associao Brasileira de Instituies de Micro-crdito
ADS Agncia de Desenvolvimento Solidrio
ANTEAG Associao Nacional dos Trabalhadores de Empresas em Autogesto
CAPA Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor
CGT Comando Geral dos Trabalhadores
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
CONCRAB Confederao das Cooperativas de Reforma Agrria do Brasil
CONSEA Conselho de Segurana Alimentar
COOPAR Cooperativa Mista dos Pequenos Agricultores da Regio Sul Ltda.
CUT Central nica dos Trabalhadores
DAP Declarao de Aptido
EZLN Exrcito Zapatista de Libertao Nacional
FARC Fora Armada Revolucionria da Colmbia
FASE Federao de rgos para a Assistncia Social e Educacional
FMI Fundo Monetrio Internacional
GESC Grupo pela Educao, Sade e Cidadania
IBASE Instituto Brasileiro de Anlises Socioeconmicas
IDH ndice de Desenvolvimento Econmico
IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
ITCPs Incubadoras Tecnolgicas de Cooperativas Populares
MAPA Ministrio da Fazenda, Pecuria e Abastecimento
MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio
MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome
MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetizao
MPOG Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
ONG Organizao No-Governamental
OSC Organizao da Sociedade Civil
PAA Programa de Aquisio de Alimentos da Agricultura Familiar
PACS Polticas Alternativas para o Cone Sul
PIB Produto Interno Bruto
PNDU Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
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PP Partido Progressista
PPS Partido Popular Socialista
PLANFOR Plano Nacional de Qualificao do Trabalhador
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PT Partido dos Trabalhadores
PZF Programa Fome Zero
RBSES Rede Brasileira de Scioeconomia solidria
SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidria
UCPEL Universidade Catlica de Pelotas
UDN Unio Democrtica Nacional
UNAIC Unio das Associaes Comunitrias do Interior de Canguu e Regio
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................. 12
1 O PAA PROGRAMA DE AQUISIO DE ALIMENTOS.......................... 161.1 O PAA: a proposta do programa........................................................................ 161.2 O PAA e sua operacionalizao no municpio de Pelotas.................................. 221.3 O PAA como poltica social: primeiras indagaes sobre emancipao e
compensao.......................................................................................................
28 2 O CAMPO DE OBSERVAO: O PAA E SEUS ATORES........................... 312.1 A metodologia.................................................................................................... 312.1.1 Amadurecendo as ideias..................................................................................... 312.1.2 A construo metodolgica................................................................................ 332.1.3 Ideias maduras: a metodologia e suas ferramentas............................................. 412.2 O campo de observao o PAA segundo seus atores...................................... 462.2.1 Os atores da pesquisa: quem so e o que disseram?........................................... 462.2.2 O que dizem as famlias em situao de insegurana alimentar e nutricional?.. 472.2.3 O que dizem os (as) cooperados (as) da Sul Ecolgica e da Lagoa Viva?......... 642.3 Uma leitura sobre as falas dos atores................................................................. 832.4 O PAA como programa e o PAA como prtica: novas indagaes sobre
emancipao e compensao..............................................................................
89 3 POLTICAS SOCIAIS EMANCIPATRIAS SOB O CAPITALISMO
TARDIO............................................................................................................. 923.1 O carter do Estado no capitalismo contemporneo.......................................... 923.1.1 Marx, Lnin e Gramsci: a concepo marxista de Estado.................................. 923.1.2 O Estado de Bem-Estar Social e o advento do Estado Neoliberal: uma
definio a partir das ideias de Keynes e Hayek................................................
983.1.3 Polticas Sociais sob o capitalismo tardio.......................................................... 1043.2 No Brasil: Estado e poltica social...................................................................... 1083.2.1 O contra-senso brasileiro: compensao versus emancipao........................... 1083.3 Emancipao humana: uma anlise marxista..................................................... 1143.3.1 Capitalismo e Emancipao............................................................................... 1163.3.2 O processo de conscincia crtica: caminhando para a emancipao humana... 1203.3.2.1 A formao da conscincia................................................................................. 1203.3.2.2 O problema da alienao.................................................................................... 1233.3.2.3 O papel da ideologia........................................................................................... 1293.4 Polticas Sociais emancipatrias sob o capitalismo tardio e o PAA.................. 1363.4.1 Os limites da ao do Estado diante do processo emancipatrio....................... 139 4 PRTICAS EMANCIPATRIAS ECONOMIA SOLIDRIA E PAA........ 1434.1 Economia Solidria e emancipao................................................................... 1434.1.1 As razes histricas da Economia Solidria........................................................ 1434.1.2 A Economia Solidria hoje................................................................................ 1464.1.3 A Economia Solidria na sua dimenso de ao pblica................................... 1494.2 PAA: limites e possibilidades para a potencializao de prticas
emancipatrias..................................................................................................... 153
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CONSIDERAES FINAIS.............................................................................. 167
REFERNCIAS..................................................................................................
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ANEXOS............................................................................................................. 182
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INTRODUO
O Programa de Aquisio de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) um
instrumento de estruturao da agricultura familiar que age na etapa final do processo
produtivo, no momento em que o pequeno produtor, preferencialmente organizado em
cooperativas e associaes, est mais vulnervel por no ter espaos onde escoar sua
produo. Assim, o PAA oportuniza que a agricultura familiar, em especial aquela vinculada
ao cooperativismo e associativismo, tenha a garantia de comercializao dos seus produtos.
Alm disso, na sua modalidade de compra para doao simultnea, o PAA distribui os
alimentos adquiridos dos pequenos agricultores s famlias em situao de insegurana
alimentar e nutricional, atravs da rede scio-assistencial da prpria localidade onde moram
aquelas famlias.
Neste sentido, o presente trabalho trata da possvel articulao entre o cooperativismo
incentivado pelo PAA e o que segue a lgica da Economia Solidria como uma possibilidade
de ao emancipatria para os trabalhadores rurais e urbanos.
Ao reconhecer a ambigidade intrnseca no PAA de ser, ao mesmo tempo, ao
estruturante para os agricultores familiares organizados em grupos cooperados e ao
emergencial para as famlias em situao de insegurana alimentar (DELGADO, et.al., 2005),
o estudo em questo almeja explicitar os desafios e as possibilidades para que o PAA estenda
seu carter de prtica emancipatria totalidade de seus beneficirios. Para isso, sentiu-se a
necessidade de observar a dinmica do Programa junto queles beneficirios a fim de
conhecer os resultados de suas aes distintas para pblicos igualmente distintos.
Reconhecendo que para o fomento da Economia Solidria no pas necessrio
polticas que ajudem os trabalhadores a se auto-organizar coletivamente, o PAA, ao incentivar
o cooperativismo, abre as portas para uma possvel articulao do movimento de economia
solidria com estes espaos. Uma possvel articulao, porque, como ser observado no
decorrer deste trabalho, o incentivo ao cooperativismo no representa diretamente um
incentivo Economia Solidria.
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Assim tambm, o ato de doar alimentos provindos da agricultura familiar s famlias
em situao de risco social, por si s, no representa uma alternativa emancipatria daquelas
famlias. Porm, se a doao dos alimentos for um primeiro passo dado para a construo de
um projeto maior com vis emancipador, ento o PAA tambm pode estender sua ao
estruturante s famlias que, at ento, s recebem os alimentos.
Para melhor analisar a possvel articulao PAA/Programa Fome Zero e Economia
Solidria, se props uma pesquisa com o intuito de responder ao seguinte problema: Quais os
desafios e as possibilidades para que o PAA se concretize como uma poltica que propicia e
impulsiona prticas emancipatrias para a totalidade de seus beneficirios?
Como forma de responder ao problema de pesquisa traamos o seguinte objetivo geral:
Analisar os desafios e as possibilidades para o PAA concretizar-se como uma poltica que
potencialize prticas emancipatrias para a totalidade dos seus beneficirios, na perspectiva
da economia solidria, considerando seus objetivos de ser, ao mesmo tempo, ao
estruturante/emancipatria e ao emergencial/compensatria.
Para atingir esse objetivo maior buscamos contemplar os seguintes objetivos
especficos: 1) Estudar a formulao (objetivos, metas, recursos, etc.) e os pressupostos
tericos do PAA, sendo este ao estrutural do Programa Fome Zero; 2) Compreender como
o PAA vem se viabilizando no Municpio de Pelotas (RS); 3) Verificar se os resultados
oportunizados pelo PAA atingem seus objetivos (de ser, ao mesmo tempo, ao estruturante/
emancipatria voltada aos agricultores familiares e pescadores artesanais organizados em
cooperativas, e ao emergencial/compensatria voltada s famlias em situao de
insegurana alimentar); e 4) Analisar os desafios e as possibilidades para o PAA efetivar-se
como uma poltica que potencializa prticas emancipatrias para a totalidade de seus
beneficirios, na perspectiva da economia solidria.
A pesquisa est centrada no estudo analtico das aes desenvolvidas pelo programa
junto s cooperativas Sul Ecolgica e Lagoa Viva, assim como junto s famlias em situao
de risco social, inseridas em trs entidades assistenciais do Municpio de Pelotas, que so:
Comunidade Eclesial de Base Peregrinos do Amor; OSC Gesto-GESC; e Associao Amar:
Criana e Famlia. A investigao prope partir do mtodo dialtico, por perceber que esta
perspectiva proporciona uma interpretao dinmica e totalizante da realidade. Para os
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estudos interpretativos foi utilizado instrumento qualitativo que mesclou entrevistas
individuais e grupos focais enquanto tcnica de captao de dados.
A estrutura da dissertao est dividida em quatro captulos. Onde o primeiro trata do
objeto de pesquisa; o segundo trata da pesquisa propriamente dita e trabalha com as falas dos
pesquisados; o terceiro aborda as categorias de anlise, sendo elas basicamente alienao,
ideologia e emancipao humana a partir de um vis marxista; e, o quarto captulo trata de ser
mais conclusivo, em que retomamos algumas leituras j abordadas durante o trabalho,
acrescentamos outras e, atravs do dilogo entre teoria e prtica, delineamos os limites e as
possibilidades para que o PAA articulado com a Economia Solidria possa adentrar ao
processo emancipatrio.
Resumidamente, no primeiro captulo intitulado: O PAA Programa de Aquisio de
Alimentos, fazemos uma pequena introduo acerca do PAA e buscamos expor de que forma
ocorre sua operacionalizao na cidade de Pelotas, alm de lanarmos algumas indagaes na
tentativa de inserir no contexto do estudo a ambigidade estruturante/emergencial que existe
no PAA como poltica social.
O segundo captulo trata da pesquisa realizada desde como foi construda, passando
pelas bases tericas para a construo metodolgica e pela metodologia propriamente dita,
chegando aos atores sociais que compem a pesquisa quem so e o que disseram (esta parte
est dividida entre os grupos focais realizados junto s famlias em situao de insegurana
alimentar e nutricional e os grupos focais realizados nas duas cooperativas com sede em
Pelotas) e nos significados que podemos dar s falas daqueles atores. A partir destas falas
retomamos as indagaes acerca da emancipao e compensao, mas desta vez no nos
restringindo a forma pela qual o PAA foi pensado na sua criao e sim na forma como ele se
d na prtica.
No terceiro captulo, salientamos a concepo marxista de Estado que o considera
como um organismo de dominao de classe e de submisso de uma classe por outra at
chegar na concepo gramsciana de Estado ampliado. Aps abordarmos o papel do Estado na
concepo keynesiana e neoliberal e a forma como ele se utiliza das polticas sociais na
sustentao da ideologia dominante. Em seguida abordamos o perfil das polticas sociais sob
o capitalismo tardio e de como vem se expressando o carter do Estado e daquelas polticas na
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realidade brasileira. No item 3.3 adentramos s categorias principais de anlise que precisam
ser consideradas na construo de polticas de cunho emancipatrio, ou seja, a construo de
um processo de conscincia crtico que, atravs do movimento dialtico onde est inserida a
ideologia dominante e com ela as formas de alienao, haja a superao desta ideologia e a
possibilidade da emancipao humana tal como Marx a concebe. Posterior a isso explicitamos
nosso entendimento acerca do que consideramos prticas emancipatrias e como o PAA se
encaixa nesse contexto, alm de pontuarmos os limites do Estado diante desse processo.
No quarto e ltimo captulo, abordamos as razes histricas da Economia Solidria,
como ela se expressa hoje e vemos nela uma poltica que ao articular solidariedade,
cooperao e autogesto nas relaes de trabalho, vem a ter o vis emancipatrio do qual
falamos e, por isso, defendemos uma poltica pblica para seu fortalecimento. Finalizando
este captulo, retomamos o PAA e tratamos de pontuar seus limites e possibilidades para
estender totalidade de seus beneficirios seu possvel carter estruturante-emancipatrio
articulado Economia Solidria.
Por ltimo, cabe destacar que a busca por aes emancipatrias para a totalidade dos
beneficirios do PAA, atravs da incluso da Economia Solidria como potencializadora do
processo emancipatrio, torna este trabalho relevante no sentido de traar caminhos que
instiguem o protagonismo das classes populares por meio de sua organizao no trabalho
coletivo.
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CAPTULO I: O PAA PROGRAMA DE AQUISIO DE ALIMENTOS 1.1 O PAA: a proposta do programa
Em 2003, com a vitria nas urnas de um lder sindical, homem vindo do povo, criou-se
vrias expectativas quanto s medidas que seriam adotadas principalmente na rea social, em
beneficio das camadas populares, cujas angstias e necessidades so ntimas conhecidas do
Presidente Luis Incio Lula da Silva.
Os nmeros comprovam que o Brasil vem melhorando sua distribuio de renda.
Segundo levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), que
deu origem ao documento Desigualdade e Pobreza no Brasil Metropolitano Durante a Crise
Internacional: primeiros resultados, no primeiro semestre de 2009, a desigualdade no pas
caiu 4,1%. Com base no ndice de Gini coeficiente que varia entre 0 e 1, sendo que quanto
mais prximo de zero menor a desigualdade de renda num pas o IPEA revela que em
junho de 2009, o pas atingiu 0,493 pontos nas suas seis principais regies metropolitanas
(Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, So Paulo e Porto Alegre), sendo este o
menor ndice j alcanado desde 20021.
Porm, mesmo com estes dados, a concentrao de renda ainda alta no pas (cujo
ndice de Gini de 0,544 relativo ao ano de 2008, divulgado em 20092) e foco de discusses
entre autores e setores populares que se preocupam com os que pouco ou nada possuem, pois
a lgica de primeiro esperar o bolo crescer para que, posteriormente, suas fatias sejam
distribudas entre a populao em geral, permaneceu a mesma dos governos anteriores.
Mas em meio s estratgias para o crescimento econmico, algumas medidas
significativas foram tomadas no mbito social, como a reestruturao do antigo Programa
Bolsa Escola do governo FHC para o Bolsa Famlia, o fortalecimento da Agricultura Familiar
atravs do PAA e a gerao de trabalho e renda pela Economia Solidria, estando estes trs
eixos dentre as aes articuladoras do PFZ, carro-chefe do programa de governo do
Presidente Lula. 1Informao disponvel em: Acesso em: 27 Mar. 2010. 2 Informao disponvel em: < http://desafios2.ipea.gov.br/003/00301009.jsp?ttCD_CHAVE=12284> Acesso em: 27 Mar. 2010.
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17
A construo de uma poltica de segurana alimentar para o Brasil centrada na
responsabilizao do Estado por assegurar o direito alimentao iniciada em outubro de
2001 atravs do documento Projeto Fome Zero Uma Proposta de Poltica de Segurana
Alimentar para o Brasil que tem como Coordenadores Gerais Jos Alberto de Camargo e
Luiz Incio Lula da Silva, e foi elaborado pelo Instituto de Cidadania em conjunto com de
representantes de ONGs, sindicatos, movimentos sociais, instituies de pesquisa,
organizaes populares e especialistas vinculados questo da segurana alimentar no pas
(Instituto Cidadania, 2001).
Na sntese daquele documento so apontadas trs provveis causas para a fome no
Brasil. A primeira diz respeito a ideia malthusiana de que h escassez de alimentos devido ao
nmero elevado de habitantes do pas, ou seja, a agricultura brasileira no tem capacidade
para fornecer os alimentos necessrios populao e ainda exportar (Instituto Cidadania,
2001, p. 79). A segunda causa est centrada nos problemas relativos a distribuio e
comercializao, pois, segundo os debatedores do projeto, h capacidade produtiva para uma
produo suficiente de alimentos, mas a estrutura de distribuio to inadequada que, alm
dos desperdcios, causa um tal encarecimentos dos preos desses produtos, que eles se tornam
inacessveis populao de mais baixa renda (Instituto Cidadania, 2001, p. 79). E, por
ltimo, tece-se uma terceira causa que est centrada na falta de poder aquisitivo da populao
decorrente do desemprego e subemprego, limitando, assim, o acesso das famlias em situao
de insegurana alimentar e nutricional aos alimentos.
As trs causas apontadas no so necessariamente independentes, mas se revezam de
acordo com o perodo histrico pelo qual a sociedade est passando. Por exemplo, se
tomarmos o Brasil da sua condio de colnia at incio do sculo XX, vemos que a causa
bsica da fome estava realmente ligada questo da insuficincia da oferta agrcola, porm,
se caminharmos mais alguns anos, mais especificamente na dcada de 1960, vemos ser
concebida a poltica de implantao das Centrais de Abastecimento Alimentar CEASAs,
com o objetivo explcito de aproximar o produtor do consumidor (Instituto Cidadania, 2001,
p. 79).
A partir do sculo XXI, por sua vez, a principal causa da fome
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est na insuficincia da demanda efetiva que inibe uma maior produo de alimentos por parte da agricultura comercial e da agroindstria do pas [...] causada por concentrao excessiva de renda, baixos salrios, elevados ndices de desemprego e baixos ndices de crescimento econmico [...] forma-se, assim, um verdadeiro crculo vicioso [...], qual seja, desemprego crescente, queda do poder aquisitivo, reduo da oferta de alimentos, mais desemprego, mais queda do poder aquisitivo, maior reduo na oferta de alimentos. (Instituto Cidadania, 2001, p. 81)
Aps apontadas as trs possveis causas para a fome no Brasil, o mesmo documento
chega a concluso de que a questo da fome no pas tem trs dimenses fundamentais, sendo
elas:
a insuficincia de demanda, decorrente da concentrao de renda existente no pas, dos elevados nveis de desemprego e subemprego existentes e do baixo poder aquisitivo dos salrios pagos maioria da classe trabalhadora; a incompatibilidade dos preos atuais dos alimentos com o baixo poder aquisitivo da maioria da sua populao; e a terceira e no menos importante, a excluso daquela parcela da populao mais pobre do mercado, muitos dos quais trabalhadores desempregados e subempregados, velhos, crianas e outros grupos carentes, que necessitam de um atendimento emergencial. (Instituto Cidadania, 2001, p. 81)
O alimento direito bsico do ser humano e a discusso acerca desta temtica no se
inicia com a construo do documento Projeto Fome Zero, ela est na pauta nacional desde o
incio da dcada de 1990 com o movimento encabeado pelo socilogo Herbert de Souza,
intitulado Ao de Cidadania Contra a Fome e a Misria e Pela Vida. Este movimento eclode
na formao de milhares de comits de solidariedade e no Conselho de Segurana Alimentar
Consea (Instituto Cidadania, 2001).
Entre as principais questes que estavam na pauta de reivindicaes da sociedade civil
organizada, o PFZ, engloba a Economia Solidria e o incentivo agricultura familiar atravs
do PAA.
O fato do PFZ englobar reivindicaes como a Economia Solidria e a Agricultura
Familiar deve-se, entre outras questes, histrica luta dos trabalhadores rurais, articulados
ao Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), s entidades pblicas e privadas
que impulsionam o movimento da Economia Solidria e ao histrico apoio das administraes
do Partido dos Trabalhadores (PT) ao desenvolvimento da solidariedade no Brasil.
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No Rio Grande do Sul (pioneiro no desenvolvimento de polticas pblicas para
economia solidria) temos como modelo as prefeituras de Porto Alegre (na dcada de 1990) e
Santa Maria e o governo do Estado na gesto Olvio Dutra (1999-2002).
O PFZ formado por quatro eixos articuladores: 1- acesso aos alimentos; 2-
fortalecimento da agricultura familiar; 3- gerao de renda; e 4- articulao, mobilizao e
controle social. Seus princpios tem por base a transversalidade e intersetorialidade das aes
estatais nas trs esferas de governo [...] atravs de medidas emergenciais com aes
estruturantes e emancipatrias3.
no segundo e terceiro eixos do PFZ que esto o PAA de incentivo agricultura
familiar e segurana alimentar e a Economia Solidria contribuindo na construo da
autogesto e cooperao com vis solidrio.
O PFZ articula polticas estruturais e polticas compensatrias. De acordo com o
Projeto do PFZ, seu eixo central est na conjugao adequada entre as chamadas polticas
estruturais voltadas redistribuio de renda, crescimento da produo, gerao de
empregos, reforma agrria, entre outros e as intervenes de ordem emergencial, muitas
vezes chamadas de polticas compensatrias (Instituto Cidadania, 2001, p. 06).
No bojo das aes estruturantes do governo est o PAA, que como instrumento de
poltica pblica, foi institudo pelo art. 19 da Lei n. 10.696, de 02 de Julho de 2003 e
regulamentado pelo Decreto n. 5.873, de 15 de Agosto de 2006.
O programa uma ao federal que articula poltica agrria (no incentivo agricultura
familiar) e poltica de segurana alimentar (quando torna acessvel s famlias em situao de
risco social uma alimentao de qualidade).
A operacionalizao do Programa feita pelo Ministrio do Desenvolvimento Social e
Combate Fome (MDS) e Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), em parceria
com governos estaduais e municipais, organizaes da sociedade civil e movimentos sociais.
Um grupo gestor coordenado pelo MDS e por representantes do Ministrio da Fazenda,
3 Informao disponvel em: . Acesso em: 08 Jun. 2008.
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Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA), Ministrio do
Desenvolvimento Agrrio (MDA), Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto
(MPOG), e Ministrio da Educao faz o acompanhamento do programa, definindo as normas
para sua implementao.
O Ministrio da Educao passa a compor o grupo gestor do PAA sob o Decreto 6.447
de 07 de Maio de 2008. Decreto esse que determina que os agricultores familiares possam
vender seus produtos diretamente para a merenda escolar. A aprovao do Projeto de Lei
2.877/2008 prev que no mnimo 30% dos recursos sejam utilizados na aquisio de gneros
alimentcios dos pequenos produtores.
Entre 2003 e 2005, o PAA foi operado, exclusivamente, com recursos disponibilizados
para o MDS. A partir de 2006, os recursos oramentrios destinados ao programa passaram a
ter origem no Fundo de Combate e Erradicao da Pobreza, que foi regulamentado pela Lei
Complementar n 111, de 2001.
O PAA/PFZ adquire alimentos, com iseno de licitao, por preos de referncia que
no podem ser superiores, nem inferiores aos praticados nos mercados regionais. O valor
antigo, at julho de 2009, era de R$3.500,00 ao ano por agricultor familiar que tenha
Declarao de Aptido (DAP) do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (PRONAF).
A partir do dia 15 de Setembro de 2009, mediante o Decreto Presidencial 6.9594, o
limite anual de algumas das modalidades de venda abaixo especificadas passou a ser de at
R$8.000,00 ao ano por pequeno agricultor, portanto a agricultura familiar passa a receber at
128% a mais do PAA. Os reajustes fazem parte do Plano Safra da Agricultura Familiar
anunciado pelo MDA.
O PAA composto por quatro modalidades5:
4 Informao disponvel em: Acesso em 18 Set. 2009 5 Informao disponvel em: Acesso em 15 Mar. 2008.
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Na Compra Direta da Agricultura Familiar, os produtos so adquiridos a preo de referncia, com iseno de licitao. O limite de R$ 3,5 mil ao ano por agricultor familiar. necessrio que o agricultor se enquadre no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). A modalidade Formao de Estoques pela Agricultura Familiar visa adquirir alimento da safra vigente, prprios para o consumo humano. Tais alimentos so oriundos de agricultores familiares organizados em grupos articulados para a formao de estoques em suas prprias organizaes. A Compra para a Doao Simultnea articula a produo dos agricultores com as demandas locais de suplementao alimentar e nutricional das famlias preferencialmente j includas em programas sociais das localidades. Por ltimo, a modalidade Incentivo Produo e Consumo do Leite, objetiva contribuir para a diminuio da vulnerabilidade social, combatendo a fome e desnutrio e contribuindo para o fortalecimento do setor produtivo familiar, mediante a aquisio e distribuio do leite com garantia de preo6.
Os limites para esses tipos de comercializao passam a ser de R$8.000,00, para as
duas primeiras modalidades, de R$4.500,00 e de R$4.000,00 para as demais, respectivamente.
Os valores so anuais como anteriormente mencionado, com exceo do PAA-Leite, que
semestral7.
O PAA possui dois tipos de beneficirios: os beneficirio-fornecedores que so os
pequenos agricultores e pescadores artesanais, preferencialmente organizados em
cooperativas e associaes, e os beneficirio-consumidores, grupos, que pertencem as famlias
em situao de insegurana alimentar e nutricional e demais cidados em situao de risco
alimentar como os indgenas, quilombolas, acampados da reforma agrria e atingidos por
barragens.
A aquisio dos produtos oriundos da agricultura familiar, trazendo segurana e
incentivo aos pequenos agricultores o objetivo imediato do PAA. Ao comprar o produto
familiar, o governo federal incentiva permanncia e a incluso social do produtor na zona
rural. Assim, o governo promove maior gerao de trabalho e renda e, consequentemente,
oportuniza uma maior rotatividade do dinheiro na economia regional.
Os produtos arrecadados atravs da compra direta, via CONAB, so distribudos entre
as famlias pobres por intermdio de entidades da rede scioassistencial (Igrejas, Creches, 6 Cabe mencionar que esta ltima modalidade, at o momento, no est disponvel para o sul do pas, apenas para os Estado de Alagoas, Bahia, Cear, Maranho, Minas Gerais, Paraba, Pernambuco, Piau, Rio Grande do Norte e Sergipe. 7 Informao retirada da seo Rural do Dirio Popular, com data de 25 de Julho de 2009.
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Associaes de Bairro, entidades filantrpicas, ONGs, etc.). Com isso, eleva-se o padro
nutricional dos habitantes locais atravs do consumo de produtos de qualidade que respeitam
a biodiversidade.
Ento, o PAA, da forma como foi pensado, no se baseia apenas na compra dos
produtos agrcolas e sua doao s famlias em situao de insegurana alimentar, ele
proporciona o desenvolvimento sustentvel, pois incentiva a diversidade produtiva, permite a
incorporao da mo-de-obra familiar aos meios de produo e ainda cultiva hbitos da
cultura local.
Conforme levantamento anual realizado pela Superintendncia Regional do Rio
Grande do Sul da CONAB, em 2009, s neste Estado, o PAA encontrava-se em 93 cidades.
Na regio sul do Estado, dentre os municpios de So Loureno do Sul, Pelotas e Canguu e
mais recentemente Canguu, esto includos no programa quatro empreendimentos de
trabalho coletivo que so: a Cooperativa Mista dos Pequenos Agricultores da Regio Sul
LTDA (COOPAR), Cooperativa de Pescadores Profissionais e Artesanais Lagoa Viva Ltda e
a Cooperativa Sul Ecolgica de Agricultores Familiares; e a Unio das Associaes
Comunitrias do Interior de Canguu e Regio (UNAIC); cuja modalidade Compra para
Doao Simultnea comum a ambos: municpios e empreendimentos.
O campo de observao desta pesquisa est centrado apenas no Municpio de Pelotas
(ver Captulo II deste trabalho), portanto, o item a seguir busca conhecer como o PAA vem se
operacionalizando nesta cidade, para possibilitar emergir subsdios que oportunizem conhecer
os limites e as possibilidades do PAA ser caracterizado como ao estruturante do PFZ.
1.2 O PAA e sua operacionalizao no Municpio de Pelotas
Com o intuito de conhecer como o PAA vem se desenvolvendo em Pelotas,
primeiramente entramos em contato com o Coordenador Geral do Comit Gestor do
Programa em Pelotas, o Sr. Rodemar vila de Veiga e tambm com os Presidentes das duas
cooperativas pesquisadas, o Sr. Everaldo Peres Motta (na poca presidente da Cooperativa
Lagoa Viva)8 e o Sr. Ivo Gilberto Scheunemann (da Cooperativa Sul Ecolgica).
8Atualmente o Presidente desta cooperativa o Sr. Emerson da Silva Redu.
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Segundo o Sr. Rodemar apesar do PAA receber alimentos das cooperativas de
Canguu, Pelotas e So Loureno do Sul, a primeira cidade a inserir o Programa em suas
aes foi Pelotas, na poca governada pelo Prefeito Fernando Marroni (PT).
O processo de instalao do PAA neste Municpio teve ativa participao do Centro de
Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA)9 conforme nos mostra o recente estudo realizado por
Wagner (2009). Segundo este estudo o CAPA, no ano de 2003, em parceria com a Prefeitura
Municipal de Pelotas promove o Primeiro Seminrio Regional da Agricultura Familiar que,
alm de discutir uma alternativa de Rede de Cooperao e Comercializao Solidria10,
tambm ali apresentado o PAA como uma possibilidade de garantir aquilo que mais
custoso para o pequeno agricultor e o pescador artesanal, ou seja, a comercializao dos seus
produtos.
Naquele mesmo ano , ento, implantado o PFZ em Pelotas, inicialmente com o
Programa Alimentando a Cidadania, que em algumas comunidades carentes fornecia sopa e
arroz de carreteiro, e, em outras, fornecia sacolas de alimentos, j provenientes da agricultura
familiar. O programa Alimentando a Cidadania era vinculado ao Gabinete do Prefeito e
ligado primeira-dama do municpio que, na poca, era tambm vereadora.
O Sr. A.E.C., cooperado da Sul Ecolgica, coloca que antes era mais complicado, era
pingadinho, pouca mercadoria. Antes ia mais pra aqueles sopo e tambm pras merendas,
ento saa mais era a couve. Depois que comeou a vim a plantar repolho, plantar mais uma
coisa e outra (sic). Aqui, ele, durante o grupo de discusso, compara o incio do PFZ em
Pelotas com a forma como este programa, hoje atravs do PAA, tem evoludo com relao
qualidade e quantidade dos produtos oferecidos.
Neste perodo o PAA cujo responsvel pelo primeiro projeto encaminhado
CONAB foi o CAPA , passou a ser gerido com a imprescindvel participao da Prefeitura
9 O CAPA, segundo informaes de seu sitio, uma Organizao No-Governamental fundada pela Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil, em 17 e 18 de maio de 1978). 10 Esta rede, tambm conhecida por Rede Solidria o aporte para que o PAA surtisse o efeito desejado: interligasse as entidades meio, com destaque ao CAPA, as cooperativas e associaes de produtores, assim como as comunidades que distribuem alimentos para os beneficirios (WAGNER, 2009, p. 59).
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atravs da Secretaria de Cidadania e Direitos Humanos de Pelotas que se torna responsvel
por mapear nas comunidades, escolas, entidades religiosas etc., as famlias em situao de
insegurana alimentar e nutricional, estipulando alguns critrios que so mantidos at hoje e
servem de parmetro para a incluso ou no da famlia no Programa.
O processo do PAA no municpio desenvolvia-se na gesto do PT da seguinte forma:
primeiramente cada grupo de agricultores familiares, incluindo os pescadores artesanais, era
responsvel pela construo de um projeto com o apoio do CAPA, onde constava o que seria
vendido CONAB durante os prximos dez meses (prazo aproximado de execuo de cada
projeto). Quando o projeto era aprovado, aqueles passavam a fornecer seus produtos s
famlias, sempre por intermdio da prefeitura que era responsvel por cadastrar as
comunidades que tinham como pblico-alvo famlias com o perfil j mencionado. Alm disso,
a prefeitura tambm era responsvel por recolher e armazenar os produtos provenientes da
agricultura familiar e tambm por distribu-los semanalmente.
Na poca o CAPA, parceiro da prefeitura, assumiu o papel de criao da Central de
Informaes responsvel pela logstica do programa, ou seja, pela organizao das entregas
dos produtos e pela atualizao e planejamento da produo (FRES apud WAGNER, 2009,
P. 58).
Porm, esta contribuio do poder pblico local teve curta durao, pois com a vitria
nas urnas de um candidato de oposio (Bernardo de Souza, PPS)11 o PAA, em 2005, deixa
de ser responsabilidade da prefeitura e passa a ser gerido por um Comit Gestor informal
composto por representantes das entidades que distribuem os alimentos s famlias em
situao de insegurana alimentar e tm como mediador o CAPA.
A princpio no houve uma explicao concreta por parte dos novos gestores
municipais para no aderirem ao PAA, a nica informao que temos a esse respeito est no
trabalho de Wagner:
11 Neste mandato o vice-prefeito de Bernardo de Souza foi Adolfo Fetter Junior do PP. Este, em 2008, disputa eleio municipal, mas agora como candidato a Prefeito e eleito, assumindo o poder pblico municipal em Janeiro de 2009.
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Martinez12 afirma que, quando Bernardo de Souza assumiu a prefeitura municipal de Pelotas, no comeo de 2005, a CONAB tentou realizar uma reunio com a nova administrao para dar continuidade parceria. Esta aconteceu, porm sem a presena de Bernardo e de seu vice Fetter Junior [...]. Segundo Martinez, mesmo com vrias tentativas para que o governo municipal assumisse o PFZ, este se mostrou alheio e ignorou essa possibilidade. (2009, p. 62)
O Sr. Rodemar, atual Coordenador Geral do Comit Gestor, representante da
comunidade So Francisco de Assis do Bairro Navegantes II e foi eleito pelas comunidades
que participam do PAA no municpio.
Por ainda no estar legalizado, o Comit Gestor no possui recursos prprios, por isso
tem sua sede no CAPA e ali so realizadas as reunies que ocorrem a cada dois meses. O Sr.
Ivo coloca que a sede no CAPA, porque o CAPA tambm tem uma participao, como eles
so assistncia tcnica pra ns, mais no incio eles tambm organizaram, tiveram a iniciativa
de trazer o programa pra c pra regio. O CAPA foi uma das entidades, uma ONG, no caso,
que trabalhou tambm pra esse programa dar certo aqui (sic).
Segundo nos informou o Sr. Rodemar, existem dois tipos de reunies do Comit
Gestor: uma reunio da coordenao (composta por um coordenador, secretrio, tesoureiro,
seus respectivos vices, e tambm pelo Conselho Fiscal, composto por representantes de trs
entidades); e outra reunio referente a Assemblia Geral que conta com a participao da
coordenao, dos representantes das entidades (sua coordenadora/coordenador e as
voluntrias que auxiliam na formao e distribuio das sacolas), juntamente com a
participao dos pequenos produtores.
O Sr. Rodemar informou que as famlias que recebem os alimentos no tm acesso s
reunies, pois o CAPA no conta com espao suficiente para realizar reunies com um
pblico muito grande. As informaes so repassadas s famlias pelos (as) coordenadores
(as) de cada entidade que assistem s reunies e tambm pelo prprio Sr. Rodemar quando
este visita a entidade. Visita esta que no ocorre com freqncia, visto que o Comit Gestor
no dispe de automvel prprio, ento o Sr. Rodemar utiliza o transporte coletivo
gratuitamente para realiz-la, pois tem mais de 60 anos de idade.
12 Ernesto Martinez Engenheiro Agrnomo e funcionrio do CAPA.
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A partir do momento que o poder pblico municipal no mais se responsabiliza pelo
PAA, todas as atividades que antes eram desenvolvidas pela prefeitura passam a ser de
responsabilidade do Comit Gestor com o apoio do CAPA. As entidades comunitrias so que
selecionam as famlias necessitadas com a superviso do Sr. Rodemar; cada cooperativa
responsvel pelo recolhimento e tambm pela distribuio dos produtos nas comunidades,
estas por sua vez, compe a sacola de alimentos e entrega-as s famlias.
Para isso, tanto a Sul Ecolgica, quanto a Lagoa Viva tm caminhes prprios. Porm,
como cada uma possui um caminho, o trajeto para recolhimento dos alimentos junto aos
pequenos produtores torna-se mais demorado e, por isso, desde que as cooperativas passaram
a ser as responsveis pelo recolhimento e distribuio dos alimentos nas entidades
comunitrias, ele no mais entregue semanalmente, mas sim de quinze em quinze dias
(teras e quintas-feiras), conforme informao dos cooperados da Cooperativa Sul Ecolgica.
Esta demora no recolhimento dos alimentos observada, principalmente, entre os cooperados
desta ltima, pois habitam em oito cidades distintas, sendo elas: Cerrito, Herval, Pelotas,
Turuu, So Loureno do Sul e Canguu, Turuu e Arroio do Padre; e recolher os produtos de
todas estas regies com apenas um caminho torna o trabalho moroso.
Segundo o Sr. Ivo, o PAA
um convnio, um contrato que a gente assina com a CONAB. um repasse do MDS, o recurso do MDS, via CONAB. Geralmente a gente faz o contrato com a CONAB por um ano, 10 meses, e dentro desse prazo, ento, se tem o preo garantido e as quantias tambm. A gente faz um projeto dizendo: ns vamos fazer entrega a cada 15 dias ou a cada 30 dias. Porque ns temos projeto em trs municpios: aqui em Pelotas (a cada 15 dias); So Loureno (a cada 15 dias); e Canguu (a cada 30 dias a gente faz uma entrega). Ento, no so iguais, tem diferenas. (sic)
O Sr. Ivo nos relatou tambm que o beneficirio-fornecedor no pode ser
individual e sim deve obrigatoriamente estar vinculado a alguma cooperativa, pois a entidade
que entrega o produto tem que ser uma entidade que tenha CNPJ, que esteja apta a
comercializar. Um agricultor individual, no pode, tem que ser atravs de uma organizao
legalmente constituda (sic).
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Atualmente (novembro de 2009), segundo o Sr. Rodemar, em Pelotas existem 37
entidades cadastradas para receber o alimento e 2339 famlias para as quais os alimentos so
doados.
Como j abordamos anteriormente, o PAA estipula critrios para os beneficirio-
consumidores onde estes devem participar das atividades oferecidas pelas entidades, cuja
terceira falta aos cursos oferecidos, sem justificativa acarreta na excluso da famlia do
programa. Alm disso, a renda familiar per capita no pode ser superior a R$69,00 mensais,
acompanhando a mesma renda per capita exigida no Programa Bolsa Famlia para a condio
de extrema pobreza. O programa d prioridade a mulheres com filho menor de idade, porm,
caso haja outras famlias que no correspondam a esse perfil, podem tambm ser inseridas
desde que a renda mensal no ultrapasse o valor acima referido.
Ao referir-se sobre as exigncias para manter as comunidades e as famlias inseridas
no PAA, o Sr. Ivo relata que uma exigncia da CONAB, MDS, que as comunidades
beneficiadas no s recebam o alimento, mas que elas faam alguma atividade. Ou uma horta
comunitria, ou um artesanato [...] alguma coisa que a comunidade j sabe fazer ou que eles
esto acostumados a fazer, ou que eles tm vontade de fazer. Isso uma exigncia do PAA
(sic).
Diferentemente da atitude tomada pela Prefeitura de Pelotas que optou por no se
responsabilizar pela gesto do PAA, a Prefeitura de So Loureno do Sul bastante atuante
nas questes referentes ao programa. Tambm o Sr. Ivo nos diz que neste municpio eles
participam, inclusive, bastante; praticamente bastante coisa que se concentra por l, tem
uma Assistente Social liberada pra fazer esse trabalho. Ento, varia muito de municpio pra
municpio (sic). Aqui, a Assistente Social do municpio responsvel por fazer o que, em
Pelotas, fica a cargo dos representantes de cada comunidade e do coordenador geral do
Comit Gestor, ou seja, estes representantes estipulam, sem respaldo tcnico, alguns critrios
para a insero e manuteno das famlias no programa.
A partir desta sucinta introduo observamos quanto importante o papel do Estado
na criao e execuo de polticas que vo ao encontro dos anseios da populao em
vulnerabilidade social. Porm, como o Estado faz parte de um cabo de guerra onde o mais
forte o que tem toda sua ateno; suas polticas sociais, na maioria das vezes, alm de
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atender emergencialmente as camadas populares, ainda correm o risco de no serem
assumidas pelos sucessivos governos federais ou pelos governos das demais instncias
(estadual e municipal) por divergncias polticas, que, freqentemente, esto acima dos
interesses coletivos.
1.3 O PAA como poltica social: primeiras indagaes sobre emancipao e
compensao
Partindo para uma anlise mais detalhada do que podemos encontrar na lei que institui
o PAA, observamos no caput do artigo 1913 uma certa ambiguidade do programa que
considerado ao estruturante do PFZ.
A partir da leitura que fizemos antes mesmo de conhecer a forma pela qual o programa
se materializa, mais especificamente, na cidade de Pelotas, j antevamos que ele no pode ser
chamado de estruturante na sua totalidade, pois designa aes diferenciadas para seus
diferentes beneficirios.
Para os agricultores familiares, preferencialmente organizados em cooperativas e/ou
associaes, so dadas as condies necessrias para viabilizar economicamente seus
empreendimentos atravs de uma estratgia de comercializao. Por outro lado, para as
famlias em situao de insegurana alimentar as aes se restringem a simples doao de
alimentos provenientes da agricultura familiar.
claro que tem toda importncia o ato de dar alimento para quem tem fome, visto que
para viver, preciso antes de tudo comer, beber, ter habitao, vestir-se e algumas coisas
mais (MARX, 1999, p.39), mas no momento em que a fome saciada, qual o segundo
passo?
Alm disso, o simples fato de dar condies para a gerao de trabalho e renda ao
produtor familiar no contempla a condio de eixo articulador com as demais aes do PFZ
e tampouco torna o PAA uma ao estruturante.
13 Informao disponvel em: . Acesso em: 25 Mai 2008.
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Isto porque aprovar preferencialmente os projetos daqueles agricultores familiares
organizados em cooperativas e associaes por si s no subentende uma articulao entre
PAA e Economia Solidria. Cooperativismo e/ou associativismo est longe de ser sinnimo
de solidariedade e autogesto nas relaes de trabalho. Uma empresa pode ter carter legal de
cooperativa, mas no passar de uma empresa convencional capitalista nas relaes internas
entre dirigentes e cooperados como as conhecidas coopergato14.
Agora, na sua condio de ao emergencial/compensatria o PAA cumpre em parte
seus dois papis: o de tratar pontualmente a questo imediata da fome e o de eixo articulador,
pois comum que as famlias em situao de risco que esto inseridas no programa tambm
participem do Programa Bolsa Famlia.
O PAA, para ser pensado como ao pblica que, enquanto eixo articulador do PFZ
possibilita o fortalecimento da Economia Solidria, necessita romper com esta ambiguidade
superando sua condio de poltica compensatria. A Economia Solidria pode materializar-
se, no espao oportunizado pelo PAA, como poltica pblica, porm limites devem ser
superados e alternativas de avano devem ser traadas.
Por isso, a construo de um segundo passo para efetivar a articulao entre PAA e
Economia Solidria, estendendo sua ao estrutural para a totalidade de seus beneficirios
torna-se providencial quando se visa o incio de uma prtica emancipatria.
Mas, afinal, que prtica emancipatria essa? Quando o PAA considerado ao
estruturante, qual o conceito de emancipao que se est defendendo? E na sua condio de
programa compensatrio, ela faz parte do processo para um projeto poltico maior que
engloba as famlias em vulnerabilidade ou um fim em si mesma?
Estruturante, assim que seus idealizadores caracterizam o PAA. Porm, o
significado desta terminologia no claramente explicitado nos documentos que originam o
14 Segundo Pereira citando Oliveira, [...] a criao de falsas cooperativas para burlar a legislao trabalhista, com o fim nico de reduzir custos, tem denegrindo o movimento das cooperativas de trabalho (1999, p. 13). Estas falsas cooperativas so providas de patro que exploram seus trabalhadores da mesma forma que as empresas convencionais, no existindo uma relao de cooperao, de horizontariedade nas relaes de trabalho.
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programa. A justificativa adotada para caracterizar o PFZ e seus eixos articuladores como
polticas emancipatrias est no fato de que ele vem oportunizando uma mudana na vida das
pessoas por ele atendidas. E de fato est?
em busca de respostas para este conjunto de questes que partimos agora para o
segundo captulo deste trabalho. Captulo este que tem o objetivo de explicitar a pesquisa
realizada e os resultados proporcionados atravs dela para possibilitar-nos conhecer o PAA
que realmente existe.
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CAPTULO II O CAMPO DE OBSERVAO: O PAA E SEUS ATORES
2.1 A metodologia
2.1.1 Amadurecendo as ideias
Durante o processo de construo do projeto de pesquisa para o Mestrado em Poltica
Social, tratamos de buscar uma poltica onde um dos objetivos fosse a articulao com a
Economia Solidria. Este tema foi escolhido no ao acaso, ele faz parte da nossa histria de
militncia por um projeto poltico que oportunize a construo de uma nova ordem societria.
Militncia que se d em todos os espaos de fortalecimento da Economia Solidria, entre eles
as Incubadoras Tecnolgicas de Cooperativas Populares (ITCPs), e, em especial, a
incubadora do qual fazemos parte, a Incubadora Tecnolgica de Cooperativas Populares da
Universidade Catlica de Pelotas (INTECOOP-UCPEL).
Na caminhada, repleta de avanos e limites, conhecemos um programa do qual alguns
empreendimentos que possuem contato direto com a INTECOOP-UCPEL participam e tem,
neste, a principal fonte de comercializao para seus produtos. Este programa, o PAA do PFZ,
foi o que proporcionou trabalhar temas com os quais temos forte afinidade, sendo eles: a
construo da emancipao humana atravs do processo de conscincia crtica e a Economia
Solidria como um dos caminhos que pode oportunizar a constituio de espaos e prticas
emancipatrias.
Com o intuito de melhor conhecer como este programa vem se desenvolvendo no
Municpio de Pelotas, realizou-se uma pesquisa exploratria junto aos presidentes de dois
empreendimentos (Sul Ecolgica e Lagoa Viva) que vendiam os produtos para a CONAB e
tambm junto ao presidente do Comit de Gestor do PAA/Fome Zero, conforme abordamos
no primeiro captulo deste trabalho.
As entrevistas realizadas foram gravadas, com exceo das informaes dadas pelo
presidente do Comit Gestor, e baseavam-se no conhecimento do programa; como ele
funciona na regio; quais os critrios de insero das cooperativas; como a cooperativa avalia
o programa no seu todo; o que poderia melhorar no PAA; conhecer se o PAA a principal
fonte de comercializao do empreendimento etc.
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32
A pesquisa, at a qualificao, contou com uma metodologia baseada na coleta de
dados quanti-qualitativa, desvinculada com as at ento utilizadas na vida acadmica, visto
que a pesquisa realizada na poca da graduao baseava-se no mtodo de histria oral de vida.
A metodologia quanti-qualitativa foi utilizada por parecer a que mais representaria a
avaliao dos beneficirios a respeito do PAA e que contemplaria a anlise dos desafios e
possibilidades para que ele efetive-se como poltica emancipatria na sua totalidade.
Aps a qualificao, com as orientaes que ali foram dadas optamos por redefinir a
metodologia que seria empregada na pesquisa. Primeiramente, restringiu-se o campo de
pesquisa apenas ao municpio de Pelotas, pois foi a primeira cidade da metade sul do Rio
Grande do Sul em que o programa ocorreu. O que tambm foi mudado refere-se ao processo
de coleta e anlise dos dados, onde foi substituda a pesquisa quanti-qualitativa pela pesquisa
apenas qualitativa, cujo instrumento de grupo focal passou a ser utilizado.
Optou-se por restringir o campo e substituir a metodologia, para estar presente em
todos os momentos da pesquisa, desde o contato com os beneficirios a partir das discusses
que a coleta de dados proporcionaria at a degravao e anlise das falas dos grupos que
seriam estudados. Enfim, a substituio foi feita, porque, aps a qualificao, observou-se que
os critrios de representatividade estatstica no so determinantes [...] o mais importante so
(grifo nosso) os critrios qualitativos, ou seja, de representatividade poltica (HAGUETTE,
2007, p. 119).
Por isso a metodologia adotada contou com um processo de construo iniciado pela
leitura da Enqute Operria, com o questionrio de 1880, elaborado por Karl Marx, atravs de
dois livros principais: Crtica Metodolgica, Investigao Social e Enqute Operria de
Michel Thiollent e Metodologias Qualitativas na Sociologia de Teresa Maria Frota Haguette.
Porm, a leitura da enqute operria aqui utilizada apenas como ponto de partida para a
construo de questes que estimulem o grupo a explorar sua condio de classe, ou seja,
elas se destinam produo de um efeito de conhecimento dentro da atividade mental dos
respondentes e de uma avaliao crtica sobre sua condio (HAGUETTE, 2007, p. 119) e
no como forma de pesquisa-ao como Thiollent prope visto que esta no a inteno
da pesquisa, principalmente em funo do curto perodo exigido pelo mestrado para sua
realizao.
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33
2.1.2 A construo metodolgica
Falando um pouco da enqute operria, esta surge na primeira metade do sculo XIX,
como um instrumento de pesquisa utilizado primeiramente pelos governos dos pases
europeus marcados pelo capitalismo industrial para criar estratgias de conteno da massa
operria que j sofria com a misria, a explorao e alienao do e no processo de trabalho
(THIOLLENT, 1987).
J na segunda metade do mesmo sculo, a enqute operria passou a ser utilizada para
que grupos socialistas pudessem fortalecer o movimento de enfrentamento classe burguesa,
utilizando-o no apenas para obter informaes para anlise da realidade da classe operria,
mas principalmente como possibilidade de oportunizar a construo da criticidade a partir do
reconhecimento pelo prprio proletrio, da sua condio de subalternidade dentro da relao
patro-empregado.
Analisando o questionrio de 1880, formulado por Karl Marx a pedido da Revue
Socialiste na Frana, Thiollent coloca que:
As perguntas contidas no questionrio estimulam os respondentes a explorarem o universo das condies de trabalho e de remunerao ligadas s relaes de produo capitalistas. Em vez de ser incitado a manifestar apenas sentimentos, afetos ou opinies, o respondente convidado a descrever o que ele conhece a partir da sua prpria experincia na vida material. (THIOLLENT, 1987, p. 103)
As questes que compem a enqute devem ser formuladas pelo pesquisador de forma
que o prprio questionamento que elas so capazes de gerar seja mais importante do que suas
respostas. Isto porque ela um instrumento que tem uma finalidade diferente das tcnicas
convencionais, a enqute mais que uma coleta de dados propriamente dita, seu sentido est
na possibilidade de realizar duas aes concomitantemente: produzir resultados concretos ao
que se deseja conhecer e tambm oportunizar que o prprio processo de pesquisa seja um
meio de incitar do conhecimento crtico daqueles que participam da pesquisa como
entrevistados, pois atravs dos questionamentos as pessoas tomam conscincia da sua
condio de oprimidas e podem iniciar numa condio de protagonistas do processo histrico
vivido.
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Segundo Haguette (2007, p. 117), o questionamento na enqute deve obedecer a
certos fins didticos, ou seja, deve levar os respondentes a produzirem suas prprias
explicaes. [...] as respostas se justificam, pois quebram a passividade e impedem as
respostas fceis, de contedo vazio ou sem compromisso.
Apesar dessas possibilidades, a enqute operria tem limites como qualquer outro
instrumento de pesquisa. Thiollent (1987, p. 111) aborda pelo menos dois: o primeiro seria
que as perguntas explicativas so um meio de influenciar a resposta do entrevistado, [...]
assim, os resultados obtidos nestas condies seriam distorcidos e sem objetividade; outra
objeo enqute est na iluso de pretender conscientizar uma determinada populao
atravs dela mesma ou de amostra representativa.
Os contra-argumentos para as duas objees apresentadas acima esto em que no
existe neutralidade na pesquisa como um todo, a diferena que a pesquisa convencional
quase sempre favorece aqueles que esto no poder, enquanto que instrumentos dialgicos
favorecem a construo de uma nova realidade a partir do coletivo de despossudos. Cada
instrumento, mtodo, metodologia tem neles impregnados a viso de mundo daquele que
pesquisa. Portanto, tanto as perguntas explicativas quanto s no explicativas acabam de
alguma forma influenciando as respostas daquele que pesquisado. A diferena da enqute
que a influncia exercida pelas perguntas tem por objetivo tornar os interlocutores capazes
de ultrapassarem o plano da resposta estereotipada, ou resposta condicionada pela
conformidade ideologia ou moral dominante (THIOLLENT, 1987, p. 112).
Quanto ao segundo limite apresentado, o que se pode afirmar que a enqute operria
no tem a pretenso de, por si s, requerer a conscientizao.
O papel conscientizador da enqute no associado iluso de falar com o conjunto da populao ou da classe considerada. Trata-se de um descondicionamento para com o senso comum ou a ideologia dominante, de tal modo que seja possvel a descrio do universo de vida ou de trabalho, o qual dificilmente atingido por outros procedimentos. (THIOLLENT, 1987, p. 113)
Abrindo um parntese: a conscientizao que pode ser iniciada pela enqute
operria, em nada se equivale invaso cultural abordada por Freire (1992), onde,
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dependendo do pesquisador, a metodologia de pesquisa utilizada pode retardar ao invs de
potencializar o processo de emancipao humana.
A metodologia de investigao realizada atravs de questionrios tradicionais, na
maioria das vezes, no remete a outra coisa seno ao conformismo, passividade do
entrevistado que, no sendo instigado a pensar sua relao com o meio no qual est inserido,
acaba tornando-se um mero objeto. Isto , atravs dos meios convencionais, estende-se
lgica do homem mercadoria para dentro da investigao, onde de seus resultados nada se
espera a no ser a reproduo da lgica dominante nua e crua, sem que se possibilite ao
menos sua crtica pelo entrevistado. No mtodo de pesquisa convencional no h focalizao
da pesquisa na dinmica de transformao desta situao numa outra situao desejada
(THIOLLENT, 2000, p. 19).
O pesquisador tem um papel fundamental no processo tanto de reproduo quanto de
ruptura com a ideologia dominante. Isto porque sua ida a campo, querendo ou no, acaba
interferindo na rotina daquela comunidade, daquelas pessoas, das vidas daquele universo
pesquisado.
Sua interferncia pode ser radical, mas tambm, e mais comumente, reacionria, pois
ao invs de instigar, acaba impedindo a possibilidade da crtica para a transformao, ao invs
de contribuir para fazer emergir as contradies sociais, as encobre mantendo o indivduo na
sua condio de ser humano alienado.
O pesquisador conservador, avesso mudana, utiliza mtodos tradicionais de
pesquisa e os dados coletados a partir destes no permitem uma viso dinmica da situao
(THIOLLENT, 2000, p. 19). Ele no pretende uma interao com os pesquisados, tomando
estes como objeto de seu aperfeioamento intelectual. O pesquisador que opta pelos mtodos
tradicionais trata o indivduo como mero informante, e ao nvel da ao ele mero executor
(THIOLLENT, 2000, p. 19).
Esta distino entre o pesquisador radical e o conservador se faz pertinente pela
necessidade de uma vanguarda para, entre outras tarefas, desenvolver a conscincia poltica
da classe operria por meio de um trabalho terico e de um trabalho de propaganda e agitao
apropriados que no se limitam esfera das limitaes trabalhistas (THIOLLENT, 1987, p.
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115). Neste sentido os pesquisadores radicais desempenham o papel de vanguarda das massas
e a enqute operria tida aqui como um tipo de investigao associada a uma ao poltica,
ou seja, um instrumento de conhecimento da realidade concreta e um meio de ao de base
que consiste em estabelecer contato com os trabalhadores (THIOLLENT, 1987, p. 124).
O pargrafo acima se torna relevante medida que o processo de conscincia com vis
crtico no se d espontaneamente junto s massas populares. Ento, a opo por
procedimentos metodolgicos que ofeream s pessoas a possibilidade ou mesmo a
necessidade de raciocinar para que seja captada uma informao relevante e no a vaga reao
moral baseada na desinformao (THIOLLENT, 1987, p. 106) torna-se condio sine qua
non para iniciar o processo de construo daquela conscincia. Cada momento da
metodologia implica certo esclarecimento didtico para estimular o participante [grifos
nossos] a produzir suas explicaes e a colocar-se em situao de observador, individual ou
coletivo, para descrever a realidade (THIOLLENT, 1987, p. 109).
Ento, alm de tomar como base a enqute operria para a formulao de questes que
seriam abordadas junto aos grupos trabalhados, optou-se tambm nesta pesquisa por utilizar o
instrumento de coleta de dados baseado no grupo focal, atravs de perguntas abertas que
oportunizassem o dilogo entre os sujeitos da pesquisa, estabelecendo critrios de ruptura
com o senso comum e outras formas de iluso onde o pressuposto de no-neutralidade
explcito e considerado como critrio (THIOLLENT, 1987, p. 106).
A partir do estudo feito por Gatti (2005), a tcnica de grupo focal tem utilizao
recente dentro das cincias sociais, porm sua histria como fonte de coleta de dados data do
incio do sculo passado.
Inicialmente esta tcnica de pesquisa foi mais utilizada em marketing nos anos 1920,
com a inteno de a partir da formao de pequenos grupos conhecer, por exemplo, se
determinado produto estava sendo ou no aceito por seu pblico-alvo, ou ainda, durante
perodos eleitorais, cujo objetivo era saber qual a aceitabilidade de certo candidato perante o
eleitorado.
Nas cincias sociais foi o socilogo americano Paul Lazarsfeld que, na dcada de
1940, utilizou a metodologia para analisar como ficava a moral das pessoas durante as
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transmisses da Segunda Guerra Mundial pelos programas de rdio da poca (LEITO,
2003).
Em seguida, 1950, a tcnica passa a ser trabalhada nas pesquisas sobre a avaliao da
eficcia da comunicao, do tambm socilogo americano Robert K. Merton que estudou
minuciosamente a tcnica, e no trabalho em conjunto com Fiske e Kendall resultou, em 1956,
na publicao do livro The focused interview: a manual of problems and procedures.
Porm, nos anos 1970 e incio dos 1980 que este instrumento de coleta de dados
torna-se comum em reas muito particulares como na pesquisa em comunicao, na
avaliao de materiais diversos ou de servios, em estudos sobre recepo de programas de
televiso ou de filmes, em processos de pesquisa-ao ou pesquisa-interveno (GATTI,
2005, p. 08).
Apesar de R. Merton ser considerado um dos precursores do grupo focal ou pelo
menos o socilogo que sistematiza e insere este instrumento nas cincias sociais, este no se
desenvolveu como tcnica de pesquisa naquela rea, isto s ocorreu na dcada de 1990.
Segundo Gaskell (2007), existem pelo menos mais dois progenitores dos grupos focais
alm de R. Merton que so: W.R. Bion (1961), com a tradio da terapia de grupo do
Tavistock Institute; e K. Lewin (1958), com a tradio da dinmica de grupo em psicologia
social.
A construo de grupos focais no significa a realizao da mera entrevista com um
grupo, mas deve-se criar condies para que este se situe, explicite pontos de vista, analise,
infira, faa crticas, abra perspectivas diante da problemtica para o qual foi convidado a
conversar coletivamente (GASKELL, 2007, p. 09).
O grupo focal, segundo Powell e Single (apud GATTI, 2005, p. 07), um conjunto
de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que
objeto de pesquisa, a partir de sua experincia pessoal.
Entre as potencialidades do grupo focal pode-se destacar o tipo de material que
emerge nas discusses. A partir dele pode-se conhecer as idias, opinies, modo de ver,
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atitudes, valores, que so evidenciados e processados num coletivo, mostrando mudanas,
influncias recprocas, acordos e desacordos, que se produzem e se alteram ao longo da
dinmica do trabalho (GATTO, 2005, p. 67).
Porm, o trabalho com o grupo focal tambm possui limitaes. Primeiro, com relao
ao nmero de pessoas envolvidas no processo, dando a ideia de que uma amostragem
pequena no possibilita generalizaes cerca de um determinado tema. Uma segunda
limitao diz respeito interferncia do pesquisador correndo-se o risco de direcionar a
discusso realizada dentro do grupo para atender a necessidade de responder positivamente s
hipteses da pesquisa.
Com relao amostragem quando se refere a pesquisas qualitativas, Gaskell (2007, p.
70) diz que o objetivo da pesquisa qualitativa apresentar uma amostra do espectro dos
pontos de vista. Diferentemente da amostra do levantamento, onde a amostra probabilstica
pode ser aplicada na maioria dos casos, no existe um mtodo para selecionar os entrevistados
das investigaes qualitativas.
Ou seja, quando a pesquisa qualitativa no importa a quantidade de pessoas que se
pretende pesquisar, o nmero irrelevante quando o objetivo conhecer a viso de mundo,
suas posies, seus argumentos sobre um determinado tema. Por isso, em se tratando de grupo
focal, o pequeno nmero que este abarca, variando entre 6 e 12 participantes por grupo15, no
chega a ser uma limitao efetiva, visto o objetivo da metodologia em questo.
Cabe destacar ainda que:
Em sua essncia, a pesquisa mostra que o grupo, distinto de determinado nmero de pessoas em um mesmo local, mais do que a soma das partes: ele se torna uma entidade em si mesma. Ocorrem processos dentro do grupo que no so vistos na interao didtica da entrevista em profundidade. A emergncia do grupo caminha lado a lado com o desenvolvimento de uma identidade compartilhada, esse sentido de um destino comum presente quando dizemos ns. (GASKELL, 2007, p. 75)
15 Existem divergncias quanto ao nmero mximo de participantes dentro do grupo focal. Gatti (2005) coloca que o grupo no deve ser grande, nem excessivamente pequeno, variando entre 6 e 12 pessoas. J Gaskell, (2007) afirma que o grupo focal tradicional compreende 6 a 8 pessoas.
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Alm de um nmero limite de pessoas na composio do grupo focal, outra condio
defendida por alguns autores que quando se trata de um vis tradicional daquele instrumento
de pesquisa importante que as pessoas sejam desconhecidas entre si, ou seja, no seja um
grupo preexistente, porm, esta no uma precondio. Estudos indicam que quando o grupo
preexiste, ou seja, no foi formado pelo pesquisador para a coleta de dados, as pessoas
aproveitam a oportunidade para falar sobre o papel de ensinar e na medida em que elas,
individualmente e coletivamente, explicam sua situao, alguns aspectos do conhecimento
tcito auto-evidente so elaborados de um modo que seria difcil de conseguir a partir de um
conjunto de perguntas (GASKELL, 2007, p. 82).
condio para a formao do grupo focal que seus componentes tenham
caractersticas homogneas entre si. Estas caractersticas comuns dizem respeito, por
exemplo, ao fato de pertencerem a mesma classe social, mesma comunidade, escolaridade,
espao de trabalho, idades pouco variveis etc.
Para que seja possvel a construo de grupos focais imprescindvel presena de
um moderador que faa encaminhamentos sobre o tema abordado, faa intervenes que
facilitem as trocas e no se perca dos objetivos que levaram a formao daquele grupo.
O papel do moderador o de introduzir o assunto, propor algumas questes, ouvir,
procurando garantir, de um lado, que os participantes no se afastem muito do tema e, de
outro que todos tenham a oportunidade de se expressar, de participar (GATTI, 2005, p. 30-
1).
O moderador deve tomar cuidado para que suas interferncias no prejudiquem os
objetivos que se buscou atingir com a construo do grupo. Deve cuidar para que o grupo
desenvolva a comunicao sem ingerncias indevidas da parte dele, como intervenes
afirmativas ou negativas, emisso de opinies particulares, concluses ou outras formas de
interveno direta (GATTI, 2005, p. 08).
Mas, por outro lado, o moderador no deve ser passivo, ele deve atuar estimulando o
debate em pontos onde, de outra maneira, ele teria terminado, desafiando os participantes em
questes tidas como certas e dadas e encorajando-os a discutir as inconsistncias dos
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argumentos dos participantes ou de um participante (KITZINGER apud GATTI, 2005, p.
33).
A flexibilidade na construo do roteiro de questes importante, pois imprevisvel
saber se aquelas questes tidas na proposta inicial construda pelo pesquisador so de
interesse do grupo ou ainda se outras questes, que no foram abordadas no roteiro,
necessitam ser acrescentadas no decorrer da discusso. Ento, devido necessidade de tornar
o grupo dinmico para que a discusso de fato acontea, imprescindvel que o pesquisador
seja capaz de ter jogo de cintura para no tornar o momento exaustivo, pouco interessante, e
nem que o grupo descambe para uma discusso que no tenha relao com a pesquisa em si.
Esta flexibilidade nas questes que esto sendo abordadas no grupo importante
tambm para que haja a efetiva interao entre seus participantes, principalmente porque este
instrumento de coleta de dados no se restringe a apenas conhecer o que as pessoas pensam,
mas como e porque pensam de tal maneira. Por isso, para utilizarmos o instrumento de grupo
focal, foi importante uma leitura prvia da enqute operria
Resumidamente, o grupo focal uma espcie de entrevista, que depende de um roteiro
ou tpico guia (GASKELL, 2007) estipulado pelo pesquisador para que os objetivos da
pesquisa sejam atingidos. Este roteiro tende a ser flexibilizado no decorrer na discusso
conforme a demanda do prprio grupo e a necessidade do pesquisador em aprofundar
questes que foram emergindo nos dilogos. Envolve um nmero mnimo de 6 e mximo de
12 componentes por grupo. Alm disso, o nmero de grupos que sero pesquisados no
estipulado, pois varia de acordo com a necessidade da prpria pesquisa. Os componentes
devem ter caractersticas comuns e a durao de cada encontro no pode ultrapassar trs
horas. O moderador deve ser participante, mas ter cautela, para que no sobreponha sua viso
de mundo sobre as demais vises. Por ltimo, o grupo focal pode interagir com outras
metodologias, inclusive junto ao mesmo grupo, onde o pesquisador pode optar por realizar
algumas entrevistas individuais se julgar necessrio, porm, quando usado isoladamente,
tambm rica tcnica de coleta de dados.
Ento, cabe salientar que a leitura prvia da enqute operria foi importante para que o
instrumento de grupo focal no se limitasse mera coleta de dados, mas que, a partir do
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roteiro de questes, houvesse uma possibilidade de instigar os sujeitos da pesquisa a pensarem
sua realidade, a realidade do seu grupo e sobre o lugar que ocupam dentro do PAA.
2.1.3 Ideias maduras: a metodologia e suas ferramentas
Para melhor analisar a possvel articulao PAA/PFZ e Economia Solidria,
propusemos uma pesquisa com o intuito de responder ao seguinte problema: Quais os
desafios e as possibilidades para que o PAA se concretize como uma poltica que propicia e
impulsiona prticas emancipatrias para a totalidade de seus beneficirios?
Para respond-lo, o objetivo geral trata de: Analisar os desafios e as possibilidades
para o PAA concretizar-se como uma poltica que potencialize prticas emancipatrias para
a totalidade dos seus beneficirios, na perspectiva da economia solidria; considerando seus
objetivos de ser, ao mesmo tempo, ao estruturante/emancipatria e ao
emergencial/compensatria. E com ele, os objetivos especficos trataram de: 1) Estudar a
formulao (objetivos, metas, recursos, etc.) e os pressupostos tericos do PAA, sendo este
ao estrutural do PFZ; 2) Compreender como o PAA vem se viabilizando no Municpio de
Pelotas; 3) Verificar se os resultados oportunizados pelo PAA atingem seus objetivos (de ser,
ao mesmo tempo, ao estruturante/ emancipatria voltada aos agricultores familiares e
pescadores artesanais organizados em cooperativas, e ao emergencial/compensatria
voltada s famlias em situao de insegurana alimentar); e 4) Analisar os desafios e as
possibilidades para o PAA efetivar-se como poltica que potencializa prticas emancipatrias
para a totalidade de seus beneficirios, na perspectiva da economia solidria.
Seguindo o problema e o objetivo proposto neste trabalho, os procedimentos
metodolgicos aqui utilizados buscam a interseco entre a opinio individual e o contexto
social, considerando a relao teoria-prtica-teoria na explicao que os sujeitos atribuem aos
fenmenos sociais, oferecendo subsdios para que se possa pensar em aes emancipatrias
para a totalidade dos beneficirios do PAA, atravs da incluso da Economia Solidria como
potencializadora deste processo.
Neste sentido, a metodologia est centrada no estudo analtico, onde os fenmenos
sociais no foram apenas descritivos, mas minuciosamente analisados atravs do estudo do
universo (produtores rurais organizados em cooperativas e/ou associaes e famlias em
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situao de insegurana alimentar) e da amostra (formao de cinco grupo focais: trs
compostos pelas famlias que recebem o alimento e dois formados por integrantes das duas
cooperativas que vendem seus produtos CONAB16) da pesquisa. Seguindo a linha de
investigao da confrontao dos dados obtidos entre os dois campos pesquisados, a pesquisa
ser estruturada sob o mtodo comparativo, descrevendo, explicando e comparando por
justaposio e comparao propriamente dita os fenmenos (TRIVIOS, 1987, p. 136),
visto que o enfoque comparativo enriquece a pesquisa qualitativa, especialmente se ele se
realiza na perspectiva histrico-estrutural (TRIVIOS, 1987, p. 136).
A presente pesquisa referenciou-se na teoria dialtica, pois este fornece as bases para
uma interpretao dinmica e totalizante da realidade, j que estabelece que os fatos no
podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstrados de suas influncias
polticas, econmicas, culturais, etc. (GIL, 1999, p. 32). Para isto foi utilizado o instrumento
qualitativo para os estudos interpretativos atravs do grupo focal enquanto tcnica de captao
de dados, sendo um recurso valioso no processo de estudo. Optou-se pela investigao
qualitativa, por considerar que, lembrando Sanches e Minayo (1993), ela trabalha com
valores, crenas, hbitos, representaes, opinies, oportunizando aprofundar a complexidade
dos fatos e processos particulares de cada indivduo ou grupo estudado.
O instrumento de grupo focal, cujo roteiro de questes seguiu o princpio que orienta a
enqute operria, utilizado, por entender que a partir dele, o pesquisador consegue subtrair
do depoente como este percebe determinado tema do contexto social no qual est inserido,
possibilitando que o trabalho cientfico condiga com a verdade a partir da ptica do
entrevistado, neste caso, do grupo. Como relata Alberti (2003, p. 03), que interessante
reconhecer que, em meio a conjunturas, em meio a estruturas, h pessoas que se movimentam,
que opinam, que reagem, que vivem!. A tcnica de grupo focal
permite compreender processos de construo da realidade por determinados grupos sociais, compreender prticas cotidianas [...], alm de ajudar na obteno de perspectivas diferentes sobre uma mesma questo, permite tambm a compreenso de idias partilhadas por pessoas no dia-a-dia e dos modos pelos quais os indivduos so influenciados pelos outros. (GATTI, 2005, p. 11)
16 As famlias j tinham grupos formados dentro das comunidades onde foi feita a pesquisa, j dentro das cooperativas, foram compostos grupos menores.
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Optamos pela utilizao dos instrumentos acima na presente pesquisa, por
entendermos que os mesmos oportunizaro um movimento dialtico de troca entre os saberes,
dando nfase ao processo dialgico, tornando ambos pesquisador e pesquisados sujeitos
fundamentais na construo do conhecimento.
Em Pelotas foram pesquisadas trs comunidades que recebem o alimento proveniente
da agricultura familiar: Comunidade Eclesial de Base Peregrinos do Amor, Organizao da
Sociedade Civil Gesto GESC (Grupo pela Educao, Sade e Cidadania)17, e Associao
Amar: Criana e Famlia; e tambm pesquisadas duas cooperativas: a Cooperativa Sul
Ecolgica de Agricultores Familiares e a Cooperativa de Pescadores Artesanais Lagoa Viva
Ltda.
A pesquisa contou com a amostragem no-probabilstica por acessibilidade ou por
convenincia, pois o pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que
estes possam, de alguma forma, representar o universo (GIL, 1999, p.104). Ou seja, os
sujeitos da pesquisa foram organizados em grupos focais para a discusso a cerca