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SERGIO ZAHR FILHO
PENHORA: EXAME DA TCNICA PROCESSUAL LUZ DA
REALIDADE ECONMICA E SOCIAL
Dissertao submetida Faculdade deDireito da Universidade de So Paulocomo requisito parcial obteno do
grau de Mestre em Direito, soborientao do Professor AssociadoFlvio Luiz Yarshell.
Faculdade de Direito da Universidade de So PauloSo Paulo
2009
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SERGIO ZAHR FILHO
PENHORA: EXAME DA TCNICA PROCESSUAL LUZ DAREALIDADE ECONMICA E SOCIAL
Dissertao submetida Faculdade deDireito da Universidade de So Paulocomo requisito parcial obteno dograu de Mestre em Direito, soborientao do Professor AssociadoFlvio Luiz Yarshell.
Faculdade de Direito da Universidade de So PauloSo Paulo
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SERGIO ZAHR FILHO
PENHORA: EXAME DA TCNICA PROCESSUAL LUZ DAREALIDADE ECONMICA E SOCIAL
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RESUMO
O sistema de execuo forada o instrumento previsto no Cdigo de Processo Civil
Brasileiro destinado a satisfazer o credor de obrigaes pecunirias contidas em sentenas ou
em ttulos executivos extrajudiciais. Trata-se de sistema cujo bom funcionamento no s
interessa s partes de um litgio, mas a toda sociedade, em funo de suas importantes
repercusses sociais e econmicas. Por meio da execuo forada o Juiz invade o patrimnio
do devedor, independentemente da vontade deste, e expropria bens em benefcio do credor.
Para o adequado funcionamento da execuo forada essencial que o ato processual de
penhora de bens do devedor seja efetivo. A penhora consiste em apreender e afetar
juridicamente bens do devedor, os quais ficam vinculados ao Juzo da execuo at o
momento prprio de realizao da expropriao dos bens. A penhora ato processual que
incide sobre a realidade econmica e social e padece de suas contingncias. O objetivo desta
dissertao de Mestrado investigar a relao entre o ato de penhora e seu objeto, a partir da
premissa de que o mtodo ou a forma de apreenso judicial deve estar plenamente adaptado
aos atributos sociais, jurdicos e econmicos do bem que se pretende apreender. Nesse
contexto, ser investigado o regime da penhora do Cdigo de Processo Civil Brasileiro, bem
como sero estudados os tipos de penhora de bens de significao econmica mais importante
na realidade atual.
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ABSTRACT
The system of forced execution is the instrument set forth in the Brazilian Code of Civil
Procedure destined to satisfy the creditor of pecuniary obligations contained in judgments or
in extrajudicial execution instruments. It is a system, the good functioning of which is of
interest not only to the parties in a litigation, but also to society as a whole, in view of its
important social and economic repercussions. The Judge, by means of the forced execution,
invades the debtors assets, irrespective of the will of the latter, and expropriates assets to the
benefit of the creditor. For the proper functioning of the forced execution, it is essential that
the procedural act of levy of the debtors assets be effective. The levy consists of seizing and
legally affecting the debtors assets, which become bound to the Court of the execution until
the specific time of performance of the expropriation of the assets. The levy is a procedural act
which applies to economic and social reality, and lacks its contingencies. The objective of this
Masters dissertation is to investigate the relationship between the act of levy and its object,
starting from the premise that the method or the form of judicial seizure must be fully adapted
to the social, juridical and economic attributes of the asset which is intended to be seized. In
this context, the regime of levy in the Brazilian Code of Civil Procedure will be investigated,
as well studying the types of levy of assets of the most important economic significance in the
current reality.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo aos meus pais que fizeram esta jornada intelectual
possvel.
Agradeo Fernanda. Com muita pacincia e carinho, ficou ao meu
lado durante este longo perodo de estudos que roubou muitos dos nossos fins de semana.
Agradeo ao Professor Flvio Luiz Yarshell que confiou em mim,abrindo esta porta no curso de Ps-Graduao da USP, bem como me deu valorosos
conselhos.
Agradeo aos meus scios no escritrio que certamente direta ou
indiretamente contriburam nesta empreitada. Agradeo especialmente equipe do
contencioso, Andr, Raquel, Juliana, Bruna e Thiago, com quem pude contar nos meus
perodos de ausncia.
Agradeo a Hugo Cavaguti que me ajudou na realizao da
pesquisa de jurisprudncia.
Por fim, no poderia deixar de lembrar de Vanderlei Arcanjo da
Silva, amigo de curto perodo, com quem comecei os estudos e atividades da Ps, mas que,
pelos infortnios da vida, nos deixou cedo. Fica seu exemplo de amizade, dedicao e
superao.
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assim que a tarefa dos processualistascresceu enormemente. J nos consideramos ossacerdotes de uma cincia ou de uma arte neutra. Hoje sabemos que a histria e a cincia
poltica, a economia, chegaram a seringredientes necessrios do nosso trabalho.(Mauro Cappelletti)
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SUMRIO
1. INTRODUO 10
2. O SISTEMA DE EXECUO FORADA
2.1. A jurisdio e seus escopos 14
2.2. A tutela jurisdicional e suas espcies 19
2.3. A tutela jurisdicional executiva (satisfativa) 22
2.4. A Execuo Forada 28
2.5. Os escopos da Execuo Forada 29
2.6. Execuo Forada e Economia 31
2.6.1. Delimitao da anlise 31
2.6.2. Os custos de transao 33
2.6.3. O papel das instituies 37
2.6.4. Execuo Forada:uma anlise crtica 41
2.6.5. Um exemplo: o spreadbancrio 46
2.6.6. Execuo Forada e Economia: concluso 49
3. A PENHORA
3.1. Breve anlise histrica 52
3.2. Responsabilidade patrimonial 64
3.3. O conceito e a funo da penhora 67
3.4. O objeto da penhora 70
3.4.1. Objeto da penhora e tipicidade legal 733.4.2. Objeto da penhora e mtodo de apreenso 77
3.4.2.1. A penhora de bens corpreos 80
3.4.2.2. A penhora de bens incorpreos 82
3.5. Efeitos da penhora 87
3.5.1. Efeitos sobre o poder de disposio 89
3.5.2. Efeitos sobre a posse do bem e poderes correlatos 91
3.6. Formalizao da penhora 95
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3.7. A penhora e a tcnica coercitiva 101
3.7.1. O carter coercitivo do regime dos atos atentatrios dignidade dajustia105
3.7.2. A priso do depositrio infiel 108
4. TIPOS DE PENHORA
4.1. Penhora na realidade econmica e social atual 118
4.2. Penhora de dinheiro 122
4.2.1. O dinheiro 1224.2.2. Modo de apreenso 124
4.2.3. Efeitos 128
4.3. Penhora de aplicao em instituio financeira 129
4.3.1. A aplicao em instituio financeira 129
4.3.2. Modo de apreenso 131
4.3.3. Efeitos 138
4.4. Penhora de ttulos e valores mobilirios com cotao em mercado 139
4.4.1. Os valores mobilirios 139
4.4.2. Modo de apreenso 143
4.4.3. Efeitos 146
4.5. Penhora de ttulos da dvida pblica com cotao em mercado 148
4.5.1. Os ttulos da dvida pblica 148
4.5.2. Modo de apreenso 150
4.5.3. Efeitos 151
4.6. Penhora de crditos 1514.6.1. O crdito 151
4.6.2. Modo de apreenso 152
4.6.3. Efeitos 153
4.7. Penhora de aes e quotas de sociedades empresrias 154
4.7.1. As aes e as quotas de sociedades empresrias 154
4.7.2. Modo de apreenso 159
4.7.3. Efeitos 160
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4.8. Penhora de imvel 161
4.8.1. O imvel 1614.8.2. Modo de apreenso 162
4.8.3. Efeitos 165
4.9. Penhora de percentual de faturamento 166
4.9.1. O faturamento 166
4.9.2. Modo de apreenso 169
4.9.3. Efeitos 175
4.10. Penhora de empresa e de estabelecimento comercial 176
4.10.1. A empresa e o estabelecimento comercial 176
4.10.2. Modo de apreenso 178
4.10.3. Efeitos 179
5. CONCLUSO 180
6. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 186
7. OUTRAS FONTES DE PESQUISA 195
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1. INTRODUO
Nos casos em que o devedor no cumpre espontaneamente sua
obrigao, o processo s ser efetivo se a atividade executiva jurisdicional for bem sucedida,
ocorra ela em um processo autnomo de execuo ou na prpria ao de conhecimento.1
Nesse sentido, a execuo fundamental para que a atuao da vontade concreta da Lei se
torne plena, satisfazendo os interesses do credor e encerrando definitivamente o conflito
perante o Poder Judicirio.
No que se refere s obrigaes de pagamento de quantia, na
tradio do sistema brasileiro, a satisfao do credor de quantia se d, por regra, mediante
execuo por expropriao, isto , execuo em seu sentido clssico de atuao da sano
secundria, com invaso da esfera patrimonial do devedor para, contra sua vontade, satisfazer-
se o credor (execuo forada).2
A execuo forada tem seu divisor de guas na penhora. Caso esta
atinja seu intento de propiciar a apreenso de bens do devedor condizentes com o valor do
crdito, a execuo tende a satisfazer o credor, cumprindo adequadamente seu papel de atuar
concretamente o direito material. Do contrrio, caso a penhora no se efetive, a execuo est
fadada ao fracasso e as normas de direito material no produziro os efeitos que delas se
esperam.
1Com a edio da Lei n. 11.232 de 22/12/2005 foi abolido o processo autonmo de execuo para as sentenas,as quais passam a ser executadas no mesmo processo em que proferidas, em fase que se passou a denominar decumprimento. Conforme j ensinava Kazuo Watanabe antes da edio da nova Lei: O binmio cognio-execuo continua a ser utilizado pelos doutrinadores para explicar a natureza da atividade do juiz e a utilidade eo alcance dos provimentos diferenciados. Uma coisa, porm, o binmio cognio-execuo e outra dicotomiaprocesso de cognio (ou de conhecimento) processo de execuo. As atividades de cognio e execuopodem estar aglutinadas num mesmo processo, como ocorre na ao executiva lato sensu e na ao mandamental[...]. (cf.Da cognio no processo civil, p. 53)2 cf. Flvio Luiz Yarshell (Tutela mandamental nas obrigaes de pagamento de quantia in Revista daProcuradoria Geral do Estado de So Paulo, n. especial, pg. 274, 2003).
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A penhora pode no se realizar por absoluta falta de patrimnio do
devedor, o que pode decorrer da real condio do devedor, ou tambm pela prtica de atosfraudulentos pelo devedor, nem sempre desvendveis, de modo a que se possa fazer valer os
remdios disponveis no ordenamento jurdico para desconstituio da fraude. H ainda uma
outra hiptese a obstar a realizao da penhora representada pela dificuldade de se localizar
bens em nome do devedor e apreend-los a tempo, antes que uma fraude no curso da execuo
se opere.
Como primeiro ato expropriatrio da execuo que, portanto, se
projeta para fora do processo, incidindo sobre bens em circulao na economia, a penhora
ato que necessariamente confronta a realidade,3 advindo da as dificuldades acima
mencionadas.
No toa que os operadores do direito, premidos pela realidade,
busquem alternativas mais eficazes s espcies de penhora consagradas em Lei e
tradicionalmente mais utilizadas, como a penhora de imveis. O exemplo mais conhecido foi o
desenvolvimento e a adoo em nosso sistema da chamada penhora on line, a qual renovou aspossibilidades de penhora de dinheiro depositados em instituio financeira. Outro exemplo
desta tendncia a penhora do faturamento de empresa, cuja legalidade foi por muito tempo
discutida nos Tribunais at que sua utilizao fosse acolhida pela jurisprudncia e aps fosse
positivada no Cdigo de Processo Civil por meio da Lei n. 11.382 de 6 de dezembro de 2006.
Trata-se de demonstrao inequvoca de como o instituto da
penhora sofre influncia direta da realidade social e econmica em que atua e de comoinvariavelmente o ordenamento jurdico positivo fica a reboque das mudanas e do dinamismo
da sociedade.
3 Trata-se do primeiro ato de concreo da atividade executiva ou tambm ...da atividade destinada a tornarrealidade a disposio do Estado, anunciada abstratamente na lei, de produzir os resultados prticos determinados
pelas normas substanciais. (cf. Cndido Rangel Dinamarco, Execuo civil, p.106).
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O fato que a penhora ser mais eficaz, na medida em que esteja
mais adaptada realidade econmica e social sobre a qual incide.4
Esta constatao,provavelmente vlida desde os primrdios da penhora, ganha especial relevo no mundo atual,
no qual uma proporo considervel da propriedade e da riqueza econmica vem assumindo
novas formas, imateriais, ou mesmo virtuais, um fenmeno de nosso tempo, dominado pela
tecnologia digital. Nesse sentido, a penhora, instituto processual antiqssimo, cujo arcabouo
jurdico foi moldado para atingir bens fsicos e corpreos, deve ser repensada e remodelada
luz desta nova realidade, sob pena de no cumprir sua funo processual.
com este debate que pretendemos colaborar. Faremos isso a partir
do estudo do regime jurdico da penhora em confronto com a anlise da natureza e atributos
jurdicos, sociais e econmicos dos tipos de bens que na realidade atual so potencialmente
mais aptos a serem objeto de penhoras mais eficazes.
O faturamento de empresa um bom exemplo da anlise que se
pretende empreender. O que o faturamento de empresa? Trata-se de qualquer receita auferida
ou s aquela decorrente da atividade-fim da empresa? De que forma possvel fazer aapreenso e depsito do faturamento como prprio da penhora? So questes no nosso
entender relevantes que podem ser estudadas sob o enfoque do Direito Processual, em busca
de uma maior adequao do instrumento processual ao objeto sobre o qual este incide.
Nesse contexto, nosso objetivo analisar a penhora, o quanto
possvel, a partir de uma viso que parte do processo, mas que se projeta para fora dele. Nosso
foco estudar a relao do instituto processual com seu objeto e as vicissitudes decorrentes doconfronto dos conceitos abstratos do processo com a realidade concreta. deste confronto que
pretendemos extrair caminhos para uma penhora mais adaptada realidade econmica e social
atual e mais eficaz em sua funo de alterar esta realidade proporcionando atuao concreta do
4Segundo Cndido Rangel Dinamarco ao tratar da renovao do Direito Processual em funo das mutaes daordem constitucional natural que o instrumento se altere e adapte s mutantes necessidades funcionaisdecorrentes da variao dos objetivos substanciais a perseguir. E em nota a esta afirmao pontua o ProfessorDinamarco: Diz-se em sociologia, que os sistema sociais tm certas funes bsicas em comum, sendoautorizadamente indicadas quatro: a) manter seus modelos bsicos; b) adaptar s condies variveis;c) integrarsuas prprias tarefas e funes; d) atingir os seus prprios objetivos (cfr. Deutsch, Poltica e governo,p.154). [...]
(cf.A instrumentalidade do processo, p. 33).
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direito material, conscientes de que os escopos do processo desbordam da rbita puramente
jurdica.
A metodologia aquela propugnada por Cndido Rangel
Dinamarco:
[...] o processualista sensvel aos grandes problemas jurdicossociais e polticos do seu tempo e interessado em obter soluesadequadas sabe que agora os conceitos inerentes sua cincia jchegaram a nveis mais do que satisfatrios e no se justifica mais a
clssica postura metafsica consistente nas investigaes conceituaisdestitudas de endereamento teleolgico. Insistir na autonomia dodireito processual constitui, hoje, como que preocupar-se o fsicocom a demonstrao da divisibilidade do tomo. [...] O queconceitualmente sabemos dos institutos fundamentais deste ramojurdico j constitui suporte suficiente para o que queremos, ou seja,para a construo de um sistema jurdico-processual apto a conduziraos resultados prticos desejados. Assoma, nesse contexto, ochamado aspecto tico do processo, a sua conotao deontolgica.A negao da natureza e objetivo puramente tcnicos do sistemaprocessual ao mesmo tempo a afirmao de sua permeabilidade
aos valores tutelados na ordem poltico-constitucional e jurdico-material (os quais buscam efetividade atravs dele) ereconhecimento de sua insero no universo axiolgico dasociedade a que se destina. [...] Aprimorar o servio jurisdicionalprestado atravs do processo, dando efetividade aos seus princpiosformativos (lgico, jurdico, poltico, econmico), uma tendnciauniversal, hoje. E justamente a instrumentalidade que vale desuficiente justificao lgico-jurdica para essa indispensveldinmica do sistema e permeabilidade s presses axiolgicasexteriores; tivesse ele seus prprios objetivos e justificao auto-suficiente, razo inexistiria, ou fundamento, para p-lo merc das
mutaes polticas, constitucionais, sociais, econmicas e jurdico-substanciais da sociedade.5
5cf.A instrumentalidade do processo, p. 21-22, 24.
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2. O SISTEMA DE EXECUO FORADA
2.1. A jurisdio e seus escopos
A afirmao do poder do Estado de criar e dar eficcia s normas
jurdicas depende necessariamente do poder estatal de decidir conflitos, por meio de decises
passveis de imposio a todos que no as cumpram. Trata-se do poder jurisdicional ou dajurisdio, exercida preponderantemente pelo Poder Judicirio.6
A jurisdio tem a misso de garantir a aplicabilidade das normas
do direito material, de maneira a cumprir sua funo primordial de possibilitar a resoluo de
conflitos sociais.7
O escopo fundamental da jurisdio, na aplicao do direito
material, buscar apaz social8com justia.9
6Nesse sentido: Pelo que j ficou dito, compreende-se que o Estado moderno exerce o seu poder para a soluode conflitos interindividuais. Opoder estatal, hoje, abrange a capacidade de dirimir os conflitos que envolvem aspessoas (inclusive o prprio Estado), decidindo sobre as pretenses apresentadas e impondo as decises. Noestudo dajurisdio, ser explicado que esta uma das expresses do poder estatal, caracterizando-se este comoa capacidade, que o Estado tem, de decidir imperativamente e impor decises. O que distingue a jurisdio dasdemais funes do Estado (legislao, administrao) precisamente, em primeiro plano, a finalidadepacificadora com que o Estado a exerce. (cf. Cintra, Grinover e Dinamarco, Teoria geral do processo, p. 24).7Conforme ensina Trcio Sampaio Ferraz Jr. o problema central da cincia dogmtica do direito na sociedadeatual a decidibilidade de conflitos. E esta cincia costuma encarar seu objeto, o direito posto e dado
previamente, como um conjunto compacto de normas, instituies e decises que lhe compete sistematizar,interpretar e direcionar, tendo em vista uma tarefa prtica de soluo de possveis conflitos que ocorramsocialmente. O jurista contemporneo preocupa-se, assim, com o direito que ele postula ser um todo coerente,relativamente preciso nas suas determinaes, orientado para uma ordem finalista, que protege a todosindistintamente. (cf.Introduo ao estudo do direito, p. 83, 88-89).8A lio de Cndido Rangel Dinamarco: Por esse aspecto, a funo jurisdicional e a legislao esto ligadaspela unidade do escopo fundamental de ambas: a paz social. Mesmo quem postule a distino funcional muitontida e marcada entre os dois planos do ordenamento jurdico (teoria dualista) h de aceitar que direito eprocesso compem um s sistema voltado pacificao de conflitos. uma questo de perspectiva: enquanto aviso jurdica de um e outro em suas relaes revela que o processo serve para a atuao do direito, seminovaes ou criao, o enfoque social de ambos os mostra assim solidariamente voltados mesma ordem debenefcios a serem prestados sociedade. sabido e repetido que a vida em sociedade gera insatisfaes, mercde condutas contrrias aos interesses das pessoas e merc de serem estes literalmente infinitos, enquanto finitosso os bens da vida sobre os quais incidem. Por insatisfaes, entenda-se um sentimento, um fenmeno psquico
que costuma acompanhar a percepo ou a ameaa de uma carncia. So as insatisfaes que justificam toda a
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No tarefa fcil e tambm no nosso objetivo tratar do conceito
de justia, em razo da alta carga subjetiva que o cerca. Deve-se, entretanto, ao menosmencionar a lio de Trcio Sampaio Ferraz Jr., segundo a qual o sentido de justia parece
permear todas as pessoas e, conseqentemente, a sociedade que elas compem. A justia
parece ser assim um atributo que funciona como princpio doador de sentido para o universo
jurdico ou base de sua legitimidade, sem o que o direito, a despeito de ser vlido e vigente,
perde o sentido e se torna instrumento de fora e arbtrio, causando desorientao aos homens
submetidos s suas normas.10 Ao distanciar-se de solues legtimas, que sejam aceitveis
racionalmente pelos homens de uma dada sociedade, o direito distancia-se de sua rdua tarefa
de atingir apaz social.
Sendo assim, o escopo da jurisdio de pacificao social no
poderia prescindir de uma orientao ao justo, sob pena de se admitir a aplicao de um
direito carente de razoabilidade e racionalidade, fundado apenas na fora e no arbtrio.
Pois bem, para atingir seu escopo social de pacificar com justia, a
jurisdio dotada de um sistema processual, o qual pode ser entendido como a disciplina
atividade jurdica do Estado e a eliminao delas que lhe confere legitimidade. A vida em sociedade seria bempior se os estados pessoais de insatisfao fossem todos fadados a se perpetuar em decepes permanentes einafastveis; e o Estado, legislando e exercendo a jurisdio, oferece com isso a promessa de pr fim a essesestados. Eis ento que ele define condutas como favorveis ou desfavorveis vida em grupo (licitudes,ilicitudes), acenando com recompensas ou castigos (sanes), alm de estabelecer critrios para o acesso aos bensda vida e s situaes almejadas. O Estado est, com isso, positivando o seu poder, no sentido de evitar ascondutas desagregadoras, estimular as agregadoras, distribuir os bens entre as pessoas e, por essas formas, criaro clima favorvel paz entre os homens, eliminando as insatisfaes. Mas eis que o Estado positiva tambm oseu poder ao definir situaes concretas, decidindo e realizando praticamente os resultados que entende devidos,
decidindo e realizando praticamente os resultados que entende devidos em cada caso. Legislao e jurisdioenglobam-se, assim, numa unidade teleolgica -, ambas engajadas numa tarefa s, de cunho social, que estaria ameio caminho se fosse confiada s legislao e no teria significado algum se se cogitasse da jurisdio semexistirem normas de direito substancial. E essa misso pacificadora no tem os resultados comprometidos pelofato de ordinariamente trazerem situao desvantajosa a pelo menos uma pessoa. O importante no o consensoem torno das decises estatais, mas a imunizao delas contra os ataques dos contrariados, e indispensvel, paracumprimento da funo pacificadora exercida pelo Estado legislando ou sub specie jurisdictionis, a eliminaodo conflito como tal, por meios que sejam reconhecidamente idneos. O que importa, afinal, tornar inevitveise provveis decepes em decepes difusas: apesar de descontentes, as partes aceitam a deciso. Elas sabemque, exauridos os escales de julgamento, esperana alguma de soluo melhor seria humanamente realizvel;alm disso, ainda que inconscientemente, sabem tambm que necessitam da proteo do Estado e no convm tranqilidade de ningum a destruio dos mecanismos estatais de proteo mediante a sistemticadesobedincia. (cf.Instrumentalidade do processo, p. 160/161).9id., ibidem, p. 161.10cf.Introduo ao estudo do direito, p. 321-329.
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jurdica do exerccio da jurisdio11 ou o conjunto de normas e instituies destinadas
atuao do poder jurisdicional.
O sistema processual a face propriamente jurdica da jurisdio e
seu escopo jurdico atuar a vontade concreta da lei, como instrumento de atuao do direito
material.12
Na verdade, tratar dos escopos jurdico e social da jurisdio
evidenciar enfoques distintos sobre o mesmo fenmeno, um estritamente jurdico e
operacional da jurisdio (tcnica processual), mais familiar aos operadores do direito; e outro
mais abrangente para justamente explicitar aos operadores do direito o fato da jurisdio no
se esgotar em si mesma, mas ser dotadas de finalidades maiores em prol da sociedade, as quais
no se restringem ao adequado exerccio da tcnica processual para atuao do direito
material.
O juiz deve assim na aplicao do direito ter conscincia e buscar
exercer a misso pacificadora da atuao jurisdicional, o que no significa dizer que o juiz noexerccio de seu poder jurisdicional pode contrariar o direito material para realizar a almejada
pacificao social com justia. Tal escopo deve ser buscado pelo juiz dentro da lei. No cabe
ao Juiz deslindar dos limites impostos pela constituio e a lei para submeter os
jurisdicionados a uma justia subjetiva e particular, o que no afasta seu poder de fazer as
melhores escolhas dentre as possveis solues emergentes do ordenamento jurdico para cada
caso concreto.13
11cf. Arajo Cintra, Grinover e Dinamarco (Teoria Geral do Processo, p. 24).12 Neste ponto, compartilhamos da viso de Cndido Rangel Dinamarco para rejeitar a teoria unitria doordenamento jurdico, defensora da integrao do sistema processual no lavor de criao das situaes jurdicasde direito material, e concluir que o escopo jurdico da jurisdio no a composio das lides, ou seja, oestabelecimento da regra que disciplina e d soluo a cada uma delas em concreto; a regra do caso concreto jexistia antes, perfeita e acabada, interessando agora dar-lhe efetividade, ou seja, promover a sua atuao. (cf.Instrumentalidade do processo, p. 209).13Conforme Cndido Rangel Dinamarco ao tratar da funo do Juiz: [...] Tanto como o legislador, ele agenteestatal e tem a misso de decidir segundo as escolhas da sociedade. No legislador, porm, nem duplicado dolegislador teria sentido que fosse ante o sistema poltico-constitucional da separao dos Poderes do Estado. Smesmo sob a condio de esvaziar o direito de qualquer contedo axiolgico e reduzi-lo norma entendida comomero preceito positivado e depois liberto de ligaes com a base social, que se poderia talvez pensar nessa
funo como criativa de direito. Os arautos da teoria unitria lanam a barra longe demais, ao equiparar o juiz ao
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E o juiz, bem como todos os operadores do direito, devem terconscincia de que a jurisdio no se encerra em seus escopos jurdico e de pacificao
social, mas h tambm outros escopos, de natureza poltica e social.
Os escopos polticos so de (a)preservao da liberdade, (b) oferta
s pessoas de meios de participao nos destinos da nao e do Estado via processo judiciale
a (c)preservao do ordenamento jurdico e de sua autoridade.14
Um outro escopo social da jurisdio, ao lado da pacificao, de
suma importncia para a anlise que se far a seguir sobre as repercusses econmicas do
sistema jurisdicional, o de educao, compreendida como a misso de conscientizar os
membros da sociedade para direitos e obrigaes a partir do exerccio continuado e eficiente
da jurisdio.15
arranjador ou ao intrprete musical, que participam com maior criatividade e do de si e do seu talento,legitimamente, para o enriquecimento das peas que adaptam ou executam. Quando o juiz extrapola os lindes dalei e dos valores que o clima axiolgico da sociedade projeta sobre os fatos em exame, quando ele traz os seussentimentos e preferncias pessoais e os projeta sobre o julgamento que em nome do Estado chamado a fazer,ele poder estar criando realmente, mais isso no significa que criar seja sua funo institucionalizadora. Tomaro fenmeno (sein) por escopo (sollen) constitui desvio de perspectiva, tanto mais grave quanto as distoresdessa ordem no so sequer apontadas como freqentes. Alm disso, descontados os casos em que o
envelhecimento da lei torna obsoleto os seu sentido gramatical e indispensvel a descoberta de outros sentidoscompatveis com as exigncias axiolgicas atuais, o que se tem como ordinrio a correspondncia da lei realidade scio-poltica da nao. Os louvores interpretao evolutiva no podem chegar a algo que se pareacom as idias da escola do direito livre. O clima de legalidade ditado constitucionalmente no Estado-de-direitorepele a institucionalizao de sentenas contra-legem, ainda que a a lei vigente conduza a resultados viciadosou injustos. A sujeio do juiz lei, que no se traduz em culto servil s palavras desta, impeditiva da livreinveno jurdica, tendo-se o governo das leis como inerncia dos sistemas jurdicos em que vivemos e comoimperativo axiolgico da segurana jurdica. Em casos de formar-se um valo entre o texto da lei e ossentimentos da nao, muito profundo e insupervel, perde legitimidade a lei e isso cria clima para a legitimaodas sentenas que se afastem do que ela em sua criao veio ditar. Fora disso, carece de suporte a sentenavioladora da lei, ante o sistema jurdico como ele ; e suceder tambm de carecer de legitimidade, como no casode exagerada liberalidade no trato da lei penal em tempos de clamor pblico contra a violncia urbana e clima deinsegurana (id., ibidem, p. 198/199).14cf. Cintra, Grinover e Dinamarco (Teoria geral do processo, p. 24).15cf. Cndido Rangel Dinamarco (Instrumentalidade do processo, p. 162).
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H ainda autores que colocam a segurana jurdica como escopo
social da jurisdio.16
Tal escopo ou valor social da jurisdio, cotidianamente ventilado nosjornais do pas como um dos importantes indutores do desenvolvimento econmico,
especialmente por economistas, pode ser entendido como um ambiente de estabilidade e
previsibilidade dos direitos e obrigaes definidas pelas normas de direito material e sua
adequada assegurao pelo sistema jurisdicional.17Trata-se de valor que se liga, e muito, com
o escopo social de educao, acima mencionado, j que um dos benefcios mais aventados da
segurana jurdica o da induo de comportamentos, conforme a lei, em razo da certeza de
que o descumprimento de obrigaes ser objeto de punies ou sanes adequadas.18
A jurisdio dotada, portanto, de escopos sociais, de escopos
polticos e de seu escopo jurdico de atuao da vontade concreta do direito material. E a
explicitao de tais escopos pelos estudiosos do Direito Processual, hoje, no tem o objetivo
meramente informativo. Trata-se de uma opo metodolgica importante, de colocar a
jurisdio e seus escopos no centro do estudo do Direito Processual. Isto porque o
processualista vislumbra o processo como instrumento destinado a atingir determinados fins.
O resultado do processo passa a ser o centro da preocupao do processualista. Nas palavrasde Cndido Rangel Dinamarco: o direito moderno no se satisfaz com a garantia da ao
16A meno de que usual na doutrina a colocao da segurana jurdicacomo escopo social da jurisdio feita por Cndido Rangel Dinamarco que, entretanto, prefere qualific-la como um valor social importante comoetapa ao objetivo da pacificao. (Instrumentalidade do processo, p. 162).17Conforme os economistas Armando Castelar Pinheiro e Fbio Giambagi, citados por Jairo Saddi, ao tratar doconceito de segurana jurdica em um espectro maior do que apenas da jurisdio, mas do sistema jurdico comoum todo: No Direito positivo, a segurana jurdica sustentada por um amplo conjunto de princpios. Destes,vrios se voltam para assegurar a continuidade das normas jurdicas e a estabilidade das situaes construdas,orientando-se pela regra de que as novas leis so feitas para reger o futuro, e no as situaes pretritas. A certeza
das relaes jurdicas outro objetivo importante buscado pelo princpio da segurana jurdica. Isso abarca, deum lado, o princpio da fico do conhecimento obrigatrio da lei, que significa que cabe s pessoas conhecer anorma, identificar o que obrigatrio, proibido e permitido e, com base nesse conhecimento, definir seucomportamento e estruturar suas relaes. De outro, que as relaes jurdicas nelas baseadas devem serprotegidas pelo poder pblico. A segurana jurdica tambm objetiva permitir que os indivduos programem embases razoveis de previsibilidades suas expectativas em relao s implicaes futuras de sua atuao jurdica.No que tange s relaes jurdicas de cunho econmico, em especial, deve a norma dar ao indivduo apossibilidade de calcular com alguma previsibilidade as conseqncias de suas aes. (cf. Crdito e Judiciriono Brasil, p. 241).18Jairo Saddi afirma: [...] Se o Direito por excelncia um indutor de comportamentos, evidente que preciso,acima de qualquer outra considerao criar um sistema de incentivos em que comportamentos desejados possamser estimulados e em que existam tambm controles para aqueles comportamentos indesejveis. [...] O Direito,como se v, pode estimular um certo comportamento certo ou errado, dependendo da opo legislativa e dasescolhas socialmente desejveis por meio de uma sano especfica que o seu descumprimento embute. (cf.
Crdito e Judicirio no Brasil, p. 242).
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como tal e por isso que procura extrair da formal garantia desta algo de substancial e mais
profundo. O que importa no oferecer ingresso em juzo, ou mesmo julgamentos de mrito.Indispensvel que, alm de reduzir os resduos de conflitos no jurisdicionalizveis, possa o
sistema processual oferecer aos litigantes resultados justos e efetivos, capazes de reverter
situaes injustas desfavorveis, ou de estabilizar situaes justas. Tal a idia de efetividade
da tutela jurisdicional, coincidente com a da plenitude do acesso justia e a do processo
civil de resultados.19
Nesse contexto, surge renovado o conceito de tutela jurisdicional,
conforme se verificar a seguir.20
2.2. A tutela jurisdicional e suas espcies
Sabedores das vivas controvrsias na doutrina sobre o alcance e a
amplitude do termo tutela jurisdicional, com as quais no nossa misso lidar, nos basta para
os fins pretendidos nesta dissertao utiliz-lo como proteo do titular de uma situao
amparada pela norma substancial [...].21Trata-se do resultado da atividade jurisdicional para
o qual se aparelham determinados meios. Esse , alis, o sentido em que a expresso mais
comumente empregada, prestando-se a traduzir, de ordinrio, o resultado do processo em prol
do vencedor. nesse sentido que a expresso tutela jurisdicional viu-se recuperada nos
estudos do direito processual e tem merecido especial nfase na doutrina recente: tanto sob o
19cf. Tutela Jurisdicional in Fundamentos do Processo Civil Moderno, tomo II, p. 798/799.20 Segundo Cndido Rangel Dinamarco: Tutela jurisdicional o amparo que, por obra dos juzes, o Estadoministra a quem tem razo num processo. Tutela ajuda, proteo. jurisdicional a proteo outorgada medianteo exerccio dajurisdio, para que o sujeito beneficiado por ela obtenha, na realidade da vida e das relaes comas coisas ou com outras pessoas, uma situao mais favorvel do que aquela em que antes se encontrava. Sabidoque o escopo magno do processo civil a pacificao das pessoas e eliminao de conflitos segundo critrios dejustia, consistindo nisso a funo estatal a que tradicionalmente se chama jurisdio, segue-se que compete aosrgos jurisdicionais outorgar essa proteo quele cuja pretenso seja merecedora dela. O exerccio consumadoda jurisdio h de ter por resultado a prevalncia efetiva de uma pretenso, para que o conflito se elimine e cadaum obtenha o que lhe devido segundo o direito (bens ou situaes jurdicas). Sem resultados assim o processocivil careceria de legitimidade. (cf.Tutela Jurisdicional in Fundamentos do Processo Civil Moderno, tomo II,p. 808)..21cf. Flvio Luiz Yarshell (cf. Tutela Jurisdicional, p. 27).
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ngulo da viso do Estado, quanto do ponto de vista do consumidor da Justia, o processo tem
sua efetividade medida pelos resultados substanciais que apto a proporcionar.22
A classificao que se faz da tutela jurisdicional focaliza o resultado
que o autor obtm com o ajuizamento da ao, a partir de um determinado conflito de direito
material no resolvido entre as partes espontaneamente.23
Tradicionalmente, tal como a sentena e o processo, a tutela
jurisdicional classificada como de conhecimento,executiva e cautelar. A primeira categoria
ainda sub-dividida em declaratria, constitutiva e condenatria. Esta classificao alvo de
inmeras crticas, mas ser ela extremamente til aos fins objetivados neste trabalho,24com os
devidos temperamentos sempre que sejam pertinentes. Nessa linha, correta a crtica de que
ao pensar-se a tutela jurisdicional como resultado, no o mais adequado qualificar uma tutela
como cognitiva, pois a cognio se refere atividade desenvolvida pelo Juiz e no ao
resultado final do processo.25Pela mesma razo, o mais apropriado seria denominar a tutela
executiva de satisfativa.26
Feita esta ressalva, passemos a analisar as tutelas declaratria,
constitutiva econdenatria, decorrentes do exerccio de atividade jurisdicional cognitiva, pela
qual o Juiz conhece e julga a causa, declarando qual das partes tem razo em uma sentena de
mrito que formula a regra jurdica especial do caso concreto.27
22cf. Flvio Luiz Yarshell (id., ibidem, p. 146).23cf. Jos Roberto dos Santos Bedaque (Direito e Processo p. 30).24 Pontua corretamente Jos Roberto dos Santos Bedaque: De qualquer modo, no se pode esquecer que asclassificaes nada mais so que tentativas de agrupar fenmenos segundo determinado ponto de vista, com oobjetivo de melhor compreend-los. Elas variam, portanto, segundo o ngulo de anlise. Por isso, alm docuidado com a homogeneidade de critrios a serem adotados, necessrio no elegermos determinada classificaocomo sendo a nica admissvel concluso incompatvel com a viso cientfica do direito processual.(Efetividade do processo e tcnica processual, p. 510).25cf. Flvio Luiz Yarshell (Tutela Jurisdicional, p. 151).26Tal como faz Jos Roberto dos Santos Bedaque ao mencionar as tutelas cognitiva(declaratria, constitutiva econdenatria), satisfativa ou executiva e cautelar. (Efetividade do processo e tcnica Processual, p. 508).27cf. Cintra, Grinover e Dinamarco (Teoria Geral do Processo, p. 302).
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A tutela declaratria, ou meramente declaratria,j que as tutelas
constitutiva econdenatria tambm tm contedo declaratrio, destina-se a eliminar uma crisede certeza sobre a existncia ou inexistncia de um direito ou de uma relao jurdica.28
A tutela constitutiva destina-se a modificar uma situao jurdica de
maneira a se constituir uma situao jurdica nova.29
A tutela condenatria destina-se a eliminar a crise gerada pelo
inadimplemento de uma obrigao, mediante a imposio de uma prestao ao devedor e
possibilitando a prtica de atos de execuo tendentes ao cumprimento da prestao imposta.3031
Nesse sentido, verifica-se que as tutelas meramente declaratria e
constitutiva so plenas porque prescindem de atos executivos posteriores sentena para a
satisfao do titular do direito.32J a tutela condenatria incompleta, pois para que ocorra a
satisfao do titular do direito (o credor), aps ter sido proferida a sentena condenatria e
28cf. Dbora Ins Kram Baumohl. (A Nova Execuo Civil A Desestruturao do Processo de Execuo, p.12).29cf. Flvio Luiz Yarshell (Tutela Jurisdicional, p. 156).30cf. Flvio Luiz Yarshell (id., ibidem, p. 168-169).31 Neste ponto, cabe evidenciar a antiga e conhecida crtica doutrinria sobre a classificao acima (chamadaternria) feita pelos defensores da chamada classificao quinria, segundo os quais deveria se acrescer s trsespcies de tutela oriundas da atividade jurisdicional de cognio, as tutelas mandamental e executiva latosensu. (Ver neste sentido Ovdio A. Baptistas da Silva, Ao de imisso de posse, p. 56-66). Sob este outrocritrio, vislumbra-se o provimento mandamental entendido como aquele que contm ordempara o ru (seja eleum ente particular ou estatal), que deve atend-la sob pena de caracterizar crime de desobedincia ou de que lheseja imposta alguma medida coercitiva, tal como multa pecuniria, por exemplo. Outro elemento que caracterizao provimento mandamental o fato de ele, ao contrrio do provimento condenatrio clssico, prescindir dainstaurao de processo subseqente para que cumpra a ordem nele contida. (cf. Dbora Ins Kram Baumohl,A
nova execuo civil a desestruturao do processo de execuo, p.39). O provimento executivo lato sensuteria como sua caracterstica essencial se efetivar imediatamente aps proferida a sentena, com determinaesde atos sub-rogatrios(medidas que substituem a vontade do ru), sem que fosse necessria a instaurao de umnovo processo de execuo (id., ibidem). De todo modo, no objeto de nossa dissertao adentrar nestacontrovrsia doutrinria. De incio, nos parece que a classificao ternria coerente com o conceito de tutelajurisdicional (cf. Flvio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional, p. 177) como resultado da atividade jurisdicional eno como modo de efetivao daquele resultado. Alm disso, a classificao ternria nos operacionalmente tila demonstrar que a atividade jurisdicional cognitiva, na maioria das vezes, no suficiente por si s parasatisfazer a pretenso do titular do direito reconhecido por sentena.32 bom consignar que as tutelas meramente declaratrias e constitutivas podem implicar na prtica de atossimples, usualmente de mero registro da sentena em Cartrio, inseridos no rol do que boa parte da Doutrinadesigna como execuo imprpria. Tal como explica Cndido Rangel Dinamarco: Nesses casos o funcionrioage em funo da relao de servio pblicoque o liga ao juiz, com o fito de dar publicidade ao ato levado aregistro, sem que se caracterize, em sua atividade, a invaso de uma esfera jurdica, que caracterstica
coessencial execuo. (cf. Execuo Civil, p. 99).
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sendo esta executvel, necessria a prtica de atos jurisdicionais executivos que resultem na
tutela executiva(satisfativa).33
2.3. A tutela jurisdicional executiva (satisfativa)
A tutela executiva (satisfativa) destina-se a satisfazer o credor,
entregando-lhe o bem da vida indicado no ttulo executivo,34seja este uma sentena
condenatria ou um ttulo executivo extrajudicial.35
Para que tal tutela seja realizada, o Juiz ter sua disposio os
meios e instrumentos legais destinados sua realizao,36configuradores da atividade
jurisdicional executiva ou simplesmente execuo.
Segundo Araken de Assis: D-se o nome de execuo quelas
operaes que, em decorrncia da natureza do provimento reclamado e obtido pelo vitorioso,
se destinam a entregar-lhe o bem da vida. diferena do que acontece com a certeza e o
33 Sobre esta questo Jos Roberto dos Santos Bedaque observa:Em termos de efetividade do processo, aproteo conferida pela tutela declaratria plena, pois prescinde de qualquer providncia ulterior para assegurarpor completo a satisfao da pretenso reclamada. O mesmo ocorre com a tutela constitutiva que, do ponto devista prtico, opera automaticamente modificao no plano substancial, atendendo integralmente necessidade deseu titular. Por este mesmo prisma da utilidade da prestao jurisdicional, a tutela executiva aproxima-se bastanteda constitutiva, visto que ambas operam concretamente transformaes no plano substancial, satisfazendoplenamente aquela pretenso trazida ao mundo exterior. J, a tutela condenatria a menos completa, pois no d
soluo definitiva situao da vida. Sua utilidade muitas vezes vai depender de outro provimento jurisdicional o satisfativo- consubstanciado na tutela executiva, pois nem sempre o acatamento do direito nela declarado se fazespontaneamente. (cf.Direito e Processo, p. 37/38).34cf. Flvio Luiz Yarshell (Tutela jurisdicional, p. 172).35Na lio de Jos Carlos Barbosa Moreira ...a lei confere eficcia executiva a certos ttulos, considerando queneles j se acha contida a norma jurdica disciplinadora das relaes entre as partes, com suficiente certeza paraque o credor se tenha por habilitado a pleitear, desde logo, a realizao dos atos materiais tendentes a efetiv-la.(cf.Novo processo civil brasileiro, p. 203).36Lembra Flvio Luiz Yarshell que entre o momento de invocao da tutela jurisdicional (estudo feito sob ongulo da ao) e a edio do provimento final, situam-se os meios predispostos consecuo desses objetivos.[...] Impende tambm, e desde logo, frisar a impossibilidade de desvinculao entre resultados (tutela em favor dovencedor), de um lado, eformas de invocao desse resultado e os meios empregados para a respectiva formao.No h e nunca haver resultado adequado sem que se estabeleam canais e instrumentos adequados para queaquele seja alcanado. nisso, alis, que consiste a instrumentalidade do processo. (Tutela jurisdicional, p.
146/147).
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estado jurdico novo, que decorrem da prpria resoluo do juiz, os demais efeitos precisam
ser arrancados do mundo dos fatos. Uma bem conhecida metfora assevera que, atravs dafuno predominantemente cognitiva, o juiz transforma fatos na regra jurdica concreta
aplicvel ao litgio, enquanto a execuo percorre o caminho inverso, converte semelhante
regra em realidade material. O emprego de outra palavra, em lugar do termo clssico
execuo, como cumprimento, efetivao ou atuao, em muito pouco altera a natureza da
respectiva operao. Ela se realiza no mundo real e, portanto, padece das respectivas
contingncias.37
Trata-se de uma conceituao abrangente de execuo tida como
quaisquer operaes exercidas pelo Juiz para tornar concreto ou real o provimento reclamado.
Tais operaes de execuo, continuando na lio de Araken de
Assis, se estruturam no sistema processual em diferentes meios executrios, aquilo que o
legislador designa no Livro II, Ttulo II do Cdigo de Processo Civil como as diversas
espcies de execuo.38
Assim que, a depender do objeto perseguido, o Legislador
estabelece meios executrios ou meios executivos aderentes ao fim a que se objetiva
realizar com a execuo.39 40Nesse sentido, como j tivemos oportunidade de salientar, os
meios processuais devem ser adequados aos resultados que se pretende alcanar.
37cf. Cumprimento da sentena, p. 4.38cf.Manual da Execuo, p. 128-129.39
Mais uma vez nos apoiando em Araken de Assis: Ora, basta a sinalizao do senso comum para indicar que,conforme o objeto colimado corpus, genusefacere, o ltimo preventiva ou repressivamente, pouco importa -, omeio de atuao variar de maneira dramtica. Impedir a poluio do lenol fretico por indstria qumica,despoluir guas do aude e compelir o obrigado inadimplente a entregar determinada quantia so metas dspares,inconfundveis, que exigem tcnicas executivas equivalentemente desiguais. O inadimplemento de deveresprximos ou remotos, oriundos de direitos relativos ou absolutos, j implica condutas dessemelhadas. E efetivao coativa das pretenses respectivas, mediante execuo, correspondero, simetricamente, mecanismosbastante diferentes. (id., ibidem, p. 129).40 Cndido Rangel Dinamarco aduz que: As medidas executivas em que consiste a sano apresentam umavariedade de manifestaes, correlativas diversidade das situaes em que o Poder Judicirio chamado a daratuao ao direito. A lei institui diferentes meios executivos e os pe disposio dos rgos jurisdicionais daexecuo, para que atravs do seu emprego os escopos finais de pacificao social e atuao do direito possamser realizados. [...] Os meios executivos variam segundo a natureza do direito substancial que est base dademanda deduzida em cada processo de execuo, ou do seu objeto, ou da condio do devedor (civil,
comerciante; solvente, insolvente). (cf. Execuo Civil, p. 312-313).
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Em sntese, nosso sistema processual dispe de duas classesfundamentais de meios executivos, tambm chamados de tcnicas de execuo: (a) a sub-
rogatria, que prescinde da participao do devedor e (b) a coercitiva que visa a influenciar a
vontade do executado.4142
A tcnica coercitiva tambm chamada de execuo indireta e visa
a impor sanes ao devedor, no diretamente relacionadas ao objeto da obrigao executada,
de forma a impeli-lo ao cumprimento do provimento judicial. Trata-se de impor uma pena ao
devedor que ser aplicada, caso a obrigao no seja por ele adimplida. Cria-se um incentivo
ou um estmulo ao cumprimento da obrigao, representado pelo afastamento da penalidade
imposta.43
Tal tcnica a nica cabvel para as obrigaes de fazer infungveis
e especialmente adequada para as obrigaes de fazer ainda que fungveis. No nosso sistema
processual pode ser utilizada tambm para o implemento de obrigaes de entrega de coisa
certa. Em tese, poderia ser utilizada para o implemento de obrigaes de pagar, na medida emque a imposio de pena visa a criar no obrigado um estmulo para que ele cumpra a obrigao
espontaneamente, sendo indiferente a natureza da obrigao para que tal estmulo se faa
eficaz. Contudo, o nosso sistema processual no prev a utilizao da tcnica coercitiva para
execuo fundada em inadimplemento de obrigao de pagar, com a nica exceo, e de modo
41cf. Araken de Assis (Op. cit., p. 130).42Na lio de Jos Roberto dos Santos Bedaque fazendo referncia a Proto Pisani: Dependendo da natureza da
obrigao, sero atos de sub-rogao (penhora, alienao do bem, realizao do ativo e pagamento) ou de coero(multa, ordem e sanes de natureza vria). Nada impede a combinao de ambas as tcnicas. S precisoatentar para o fato de que algumas obrigaes, como as de fazer infungveis, no comportam sub-rogao. Paraelas, s restam os atos de coero. (cf. Algumas consideraes sobre o cumprimento da sentena condenatriain Revista doAdvogado, 85/69).43Conforme Cndido Rangel Dinamarco: O sentido latssimo aqui examinado conduz a tratar como execuo,ainda, as medidas de presso psicolgica exercidas sobre o obrigado, para que cumpra. Trata-se das sanes dedireito material, multas inclusive, bem como da priso admissvel em certos casos e das astreintes, de que sefalar a seguir. Na realidade, tais medidas no do efetividade aos preceitos jurdicos mas to somente pem oobrigado em verdadeiros dilemas. No se integram ao conceito tcnico-processual de execuo, ou execuoforada. Melhor design-las como execuo indireta. (cf. Execuo Civil, p. 98). bom notar desde j que oAutor citado, seguindo a doutrina de Liebman e outros, rejeita atribuir tcnica coercitiva o conceito deexecuo, apontando em nota que ....os chamados meios de coero no tm natureza executiva: agindo sobre avontade do obrigado, eles tm o objetivo de conduzi-lo ao cumprimento voluntrio do preceito, o que em si
inconcilivel com o conceito de execuo. (id. ibidem, p. 98-99, nota 5).
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restrito, nos casos de cumprimento de sentena (CPC, art. 475-J, capu), ao estabelecer multa
de 10% pelo no pagamento no prazo de 15 dias.
A tcnica sub-rogatria pode ser estritamente definida como
medida substitutiva da vontade do executado pelo Estado-Juiz, o que, contudo, no
suficiente para a compreenso da extenso da atuao do Estado-Juiz na aplicao de tal
tcnica. O conceito de execuo forada, utilizado usualmente como equivalente execuo
por sub-rogao, cumpre melhor este desgnio, sendo definida por Cndido Rangel
Dinamarco como o conjunto de atos estatais atravs de que, com ou sem o concurso da
vontade do devedor (e at contra ela), invade-se seu patrimnio para, custa dele, realizar-se o
resultado prtico desejado concretamente pelo direito objetivo material.44
Trata-se de tcnica pela qual o Estado-Juiz, independentemente da
vontade do devedor, por meio de um conjunto de atos de fora visa a realizar o mesmo
resultado que decorreria do adimplemento normal ou voluntrio da obrigao pelo devedor.45
No sistema processual brasileiro a tcnica sub-rogatria ou deexecuo forada ocorre pelas tcnicas de (a) expropriao (CPC, art. 647), (b)
desapossamento(CPC, art. 625) e (c) transformao(CPC, art. 634).46
A transformao pode ocorrer nos casos em que o devedor se furta
a cumprir determinada obrigao de fazer, passvel de prestao por terceiro. Nesta situao o
credor pode requerer ao Juiz que o fato seja prestado por terceiro custa do devedor. Cabe,
contudo, ao credor adiantar a quantia necessria realizao da prestao pelo terceiro.
Trata-se de maneira pela qual o credor, por intermdio de terceiro,
objetiva implementar o cumprimento da prestao, constante de ttulo executivo, e busca
44cf. Cndido Rangel Dinamarco (Execuo Civil, p. 112).45Segundo Cndido Rangel Dinamarco h muito tempo ...o direito dos pases civilizados institui e cultiva umsistema de medidas destinadas a realizar o mesmo resultado que por ato de sua prpria vontade o prprioobrigado deixou de realizar. Trata-se da execuo forada, disposta de modo abstrato na lei e destinada a operarsempre que ocorra uma situao de resistncia a fazer alguma prestao pretendida por outrem. (id, ibidem, p.102-103).46cf. Araken de Assis (Manual da execuo, p. 131).
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reaver do devedor a quantia por ele adiantada. No limite, trata-se de procedimento pelo qual o
credor obtm a prestao constante do ttulo, ainda que s suas prprias expensas, e h umaconverso da obrigao de fazer do devedor em uma obrigao de pagar, passvel de execuo
pela via expropriatria.47
Verifica-se, portanto, que esta tcnica atua independentemente da
vontade do devedor, mas no h necessariamente a invaso do patrimnio do devedor, 48o que
pode se dar em momento posterior na execuo das quantias incorridas pelo credor na
implementao da obrigao de fazer por terceiro.
Nos casos em que se busca a implementao de obrigao de
entregar coisa certa, ou de fazer valer direitos reais, a tcnica posta disposio do titular do
direito do desapossamento, regulada pelo art.461-A e 621 do Cdigo de Processo Civil, bem
como nas disposies que regulam os procedimentos especficos para proteo de direitos
reais.49
Por meio desta tcnica o Estado-Juiz, diante da individualizao decoisa ilegitimamente detida por algum, tomar a coisa e entregar ao seu legtimo titular, via
busca e apreenso, no caso de mveis, e imisso na posse, no caso de imveis.
Trata-se de tcnica inequivocamente substitutiva da vontade do
executado (ou sub-rogatria), mas h divergncias na Doutrina sobre se, nos casos em que se
objetiva a implementao de direitos reais, h de fato invaso do patrimnio do ofensor do
direito real pois, segundo alguns, este no teria o bem legitimamente em seu patrimnio e, por
47Tal como observa Araken de Assis: O aspecto mais saliente da transformao radica, indubitavelmente, napossibilidade de surgir pretenso a executar a quantia necessria ao custeamento do empreendimento a cargo doterceiro. Tal execuo seguir o modelo expropriativo comum e, diferentemente, do disposto no art. 935-2 doCPC portugus, h o direito de o executado nomear bens. O valor da dvida se apura em liquidao prvia,abrangendo toda a dvida. (cf.Manual da execuo, p. 532-533).48A no ser nos casos em que o objeto da prestao tenha que ocorrer em bem de propriedade do executado. Arealizao de uma obra, por exemplo, para garantir a segurana do imvel vizinho. Ou tal como exemplificaAraken de Assis: ...a extirpao de certo defeito construtivo do edifcio, localizado na unidade autnoma de umcondmino recalcitrante e incivil que impede o uso regular dos equipamentos sanitrios do vizinho, terminar porrefluir ao figurino do art. 634. (Manual da execuo, p. 137).49cf. Araken de Assis (Manual da Execuo, p. 136).
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esta razo, tal bem j deveria ser considerado como integrante do patrimnio do titular do
direito real.50
Nos casos de inadimplemento de obrigaes de pagar o sistema
processual prev a utilizao da tcnica de expropriao, a mais conhecida dos operadores do
direito, pois, como prprio de uma economia de mercado, na seara do recebimento de
dinheiro e liquidao de crdito que gira a maior parte das aes judiciais que tramitam em
nossos Tribunais.51
A expropriao consiste em apreender ou assegurar bens do
devedor, com valor equivalente obrigao de pagar inadimplida, e expropri-lo em favor do
credor.
A expropriaopode se dar de diferentes formas: pelo desconto em
folha de pagamento no caso de execuo de prestao alimentcia (CPC, art. 734), e nas outras
espcies de obrigaes de pagar, pelo usufruto de bens do devedor (CPC, art. 716), pela
adjudicao pelo credor de bens do devedor (CPC, art. 685-A) e pela alienao de bens dodevedor, na modalidade particular (CPC, art. 685-C) ou pblica (CPC, art. 686).52
50Tal divergncia gira em torno de outra mais profunda, relativa classificao das sentenas. Veja neste sentidoa posio de Enrico Tullio Liebman que no v diferena entre a execuo para entregar coisa certa comfundamento em direito real ou com fundamento em direito pessoal, tratando-se em ambos os casos de execuocom invaso do patrimnio do devedor (cf. Processo de execuo, p. 225-226). Outra posio tem Araken deAssis, fazendo referncia a Ovdio A. Baptista da Silva, pela qual nas aes executivas com fundamento emdireitos reais a execuo se d sobre bem do patrimnio do vencedor da ao (titular do direito real)
ilegitimamente detido pelo vencido (ofensor do direito do real). (cf.Manual da execuo, p. 504).51 Nesse sentido, ainda que haja um incentivo cada vez maior em nosso ordenamento jurdico para que osjurisdicionados busquem satisfazer suas pretenses especficas ligadas ao fazer e ao entregar coisa certa,continuam vlidas as seguintes observaes de Enrico Tullio Liebman ao tratar das execues por quantia certaaduzindo que ocorrem com mais freqncia do que as outras espcies ...porque na vida de nossos dias maisfreqente a existncia de obrigaes de dar quantia certa de dinheiro e tambm porque muitas vezes asobrigaes de contedo diferente, no podendo receber execuo especfica, convertem-se em obrigaesderivadas do equivalente pecunirio. A posio especial desta espcie de execuo conseqncia da funoeconmica da moeda, que de servir como medida comum do valor das coisas e como instrumento universal dopagamento das obrigaes. Todos os bens econmicos podem ser avaliados em termos monetrios e todos podemtambm ser convertidos (liquidados) em dinheiro. Por isso, qualquer obrigao pode, em caso de necessidade, sersubstituda pelo equivalente pecunirio; e de qualquer patrimnio se pode extrair dinheiro, enquanto houver bens.Deste modo qualquer espcie de crdito pode, em ultima ratio, ser satisfeita por meio de dinheiro. (cf. Processode execuo, p. 29/30).52cf. Araken de Assis (Manual da execuo, p. 131).
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2.4. AExecuo Forada
A tcnica de expropriao constitui-se na tcnica da execuo
forada por excelncia, na medida em que se faz presente de maneira indubitvel a invaso do
Estado-Juiz sobre o patrimnio do devedor, independentemente de sua vontade, de maneira a
dar aos bens componentes daquele uma destinao econmica favorvel ao credor (seja por
desconto em folha, usufruto, adjudicao ou alienao).
Por isso, neste trabalho, passaremos a designar a tcnica da
expropriao como execuo forada, termo que por opo metodolgica e para evitar
equvocos de entendimento no se referir s tcnicas da transformao e do desapossamento.
Cabe ento, neste ponto, enfatizar que a execuo forada a
tcnica destinada a concretizar as sentenas e os ttulos executivos extrajudiciais de forma a
satisfazer o credor de obrigao de pagar quantia. Considerando ainda as recentes reformas de
nosso Cdigo de Processo Civil, a execuo forada no caso de sentenas ter lugar no mesmo
processo em que proferidas (CPC, art. 475-J) e no caso de ttulos executivos extrajudiciais em
processo autnomo de execuo (CPC, art. 646).
Nos casos de sentena penal condenatria, sentena arbitral e
sentena estrangeira homologada pelo Superior Tribunal de Justia a execuo forada ter
lugar em processo autnomo, em razo da necessidade de citao do devedor, mas o rito do
processo ser o mesmo que o aplicado para as demais espcies de sentenas (CPC, art. 475-J).
E embora haja algumas diferenas de rito na execuo de sentenas
(tambm chamada cumprimento de sentenas) e na execuo de ttulos executivos
extrajudiciais, em ambas, caso o devedor no satisfaa espontaneamente a obrigao de pagar,
a tcnica destinada satisfao do credor ser a mesma, qual seja, a expropriao ou a
execuo forada.
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Por isso, ao nos referirmos execuo forada neste trabalho
estamos nos referindo tanto execuo de sentenas como execuo de ttulos executivosextrajudiciais.
A penhora, nosso tema central, nada mais do que um dos atos
processuais que integram os meios executivos que compem o sistema da execuo forada.
Assim, a penhora ser por ns analisada no contexto do sistema da
execuo forada, considerando o seu modo de ser e principalmente as finalidades ou os
escopos objetivados por este sistema.
2.5. Os escopos daExecuo Forada
A execuo forada destina-se a satisfazer o credor de obrigao de
pagamento de quantia em dinheiro, mediante a expropriao de bens do patrimnio do
devedor.
Como j se teve oportunidade de mencionar, o escopo da execuo
forada a satisfao do credor, mediante a entrega de dinheiro ou de bem, resultante da
expropriao do patrimnio do devedor, em valor equivalente ao da obrigao inadimplida.
Trata-se do escopo jurdico da execuo forada que s com asatisfao integral do credor ter efetivado a atuao da vontade concreta do direito material.
E assim tanto na execuo forada decorrente de sentena condenatria como naquela
decorrente de ttulo executivo extrajudicial. Em verdade, como tambm j tivemos
oportunidade de mencionar, a tutela condenatria por si no plena, havendo necessidade da
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efetiva satisfao do credor via execuo para que o direito material possa ser considerado
atuado e o processo atingido sua finalidade.53
A resoluo do conflito, caracterizado pelo inadimplemento de uma
obrigao de pagar, s ocorrer no momento em que o estado de insatisfao do credor estiver
concretamente eliminado com o recebimento do dinheiro ou bem em valor equivalente (no
caso de adjudicao). Com isso, o escopo social da execuo forada, depacificao social,
ser atingido.
De outro lado, a execuo forada, seja por ttulo judicial ou
extrajudicial, no ter tido qualquer utilidade ao credor se ele no conseguir obter o bem da
vida por ele perseguido. E tal situao no s frustra os interesses do particular, mas frustra
tambm os desgnios da jurisdio ao no conseguir promover a atuao do direito na
sociedade, falhando em sua tarefa de tornar a ordem prescrita nas normas jurdicas uma
realidade concreta,54o que gera um permanente estado de insatisfao social com repercusses
negativas para a sociedade.
Tais repercusses negativas so sensveis e verificveis na
economia. O bom funcionamento do sistema jurisdicional tende a gerar efeitos positivos na
economia e o mau funcionamento efeitos negativos. Isto ocorre porque o funcionamento do
sistema jurisdicional afeta o comportamento das pessoas em suas transaes econmicas
(agentes econmicos). Ao tratar do escopo social de educao, embora sem ter mencionado
especificamente a questo econmica, Cndido Rangel Dinamarco bem vislumbrou esta
questo ao afirmar que um eficiente exerccio da jurisdio educa as pessoas sobre o exercciode seus direitos e obrigaes, ou seja, as incentiva a agir conforme a Lei, na medida em que se
sabe que seus direitos sero preservados e que o descumprimento Lei resultar
concretamente nas sanes pertinentes. Ao contrrio, um ineficiente exerccio da jurisdio
53Conforme exposto por Flvio Luiz Yarshell: Quando se pensa na tutela jurisdicional como resultado em proldo vencedor, o provimento de natureza condenatria , de fato, insuficiente para proporcionar ao credor (como talreconhecido em provimento jurisdicional) o bem da vida por ele pretendido. De fato, excetuada a hiptese decumprimento voluntrio do comando judicial, a tutela para que seja assim adequadamente qualificada positiva-se por meio do binmio condenao/execuo. Da falar-se em tutela condenatria/executiva. (cf.Tutela jurisdicional, p. 172).54cf. Jos Igncio Botelho de Mesquita (Ao civil, p. 85).
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gera incentivos para infraes Lei e fundado receio sobre a capacidade do Estado preservar
direitos.
Sob o aspecto econmico, tais incentivos ou desincentivos ao
cumprimento da Lei decorrentes do funcionamento da jurisdio em uma dada sociedade ir
gerar reaes das pessoas em suas transaes econmicas, o que resultar em benefcios ou
malefcios ao desenvolvimento econmico daquela sociedade.
Tal relao entre jurisdio e economia no pode ser ignorada ao se
analisar o sistema de execuo forada, na medida em que esta visa a solucionar conflitos com
direto impacto econmico, quais sejam, os inadimplementos de obrigaes de pagar. H srios
estudos econmicos, oriundos inclusive do Banco Central do Brasil, apontando que a taxa de
juros bancrias, por exemplo, afetada pelos entraves de nosso sistema processual para a
cobrana de devedores inadimplentes. Assim, nos parece que instrumentos processuais
efetivos podem trazer benefcios econmicos e sociais para a sociedade como, por exemplo,
uma taxa de juros mais baixa para empresas e cidados bons pagadores que deixariam de ser
penalizados por um ambiente jurdico favorvel ao descumprimento de obrigaes contratuaisem decorrncia da ineficincia do sistema judicirio de fazer valer os direitos de quem tem
razo.
o que procuraremos demonstrar a seguir.
2.6.Execuo Forada e Economia
2.6.1. Delimitao da anlise
Primeiramente, cabe dizer que a nossa anlise sobre a relao entre
execuo forada e economia cinge-se quela gama de litgios relacionados a obrigaes de
pagar por contratos inadimplidos. Nesse sentido, nossa anlise no abrange a execuo
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forada atinente a obrigaes de pagar decorrentes de atos ilcitos extracontratuais, pois nestes
casos a anlise econmica tem pressupostos distintos.55
Ao celebrar um contrato as pessoas, em princpio, pretendem
cumpri-lo. Assim nos contratos de mtuo, bancrios ou no, na concesso de linha de crdito
por fornecedor para seu cliente adquirir mercadorias, na atribuio de um carto de crdito
pela Administradora a seu cliente etc..
Caso ocorra o inadimplemento contratual, independentemente de ter
o contrato sido formalizado por escrito ou verbalmente, cabe jurisdio estatal atuar a
vontade concreta do direito material, de forma que as partes sejam contempladas com suas
respectivas prestaes na mesma medida que ocorreria se o contrato tivesse sido cumprido
normalmente.
A execuo forada a tcnica utilizada pelo credor para receber
quantia no paga, por inadimplemento de obrigaes de pagar constantes de sentenas
condenatrias ou documentos reputados pela Lei como ttulos executivos extrajudiciais, taiscomo o documento particular assinado por duas testemunhas, a nota promissria, o cheque, a
duplicata etc. (CPC, art. 585). Como j tivemos oportunidade de mencionar, a execuo
forada a tcnica processual que o credor deve utilizar para receber quantia certa tanto na
agora chamada fase de cumprimento de sentena do processo em que esta foi proferida (CPC,
art. 475-J), como tambm no processo autnomo de execuo de ttulos executivos
extrajudiciais (CPC, art. 646).
Munido do ttulo executivo (extrajudicial ou judicial) o credor
iniciar a execuo forada, tcnica expropriatria pela qual o Poder Judicirio ir apreender
bens do devedor para, por meio de alienao judicial ou transferncia direta, conforme o caso,
transferir ao credor dinheiro ou bem do patrimnio do devedor no exato montante de seu
crdito em cumprimento ao contrato.
55 Para conhecer as linhas da anlise econmica do ato ilcito extracontratual ver Cooter e Ulen, Law &
Economics, p. 307/349.
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O funcionamento do sistema jurisdicional da execuo foradatemrelevantes consequncias econmicas, pois se trata de instituio que afeta os custos de
transao dos agentes econmicos e, portanto, a performance do agregado da atividade
econmica.56 Antes, porm, de adentrarmos nesta discusso preciso tratar de alguns
conceitos que utilizaremos em nossa anlise, tirados do estudo do Law&Economics ou da
Anlise Econmica do Direito.
2.6.2. Os custos de transao
Em uma economia de mercado, tal como a brasileira em que a
propriedade privada e o regime o da livre iniciativa dos agentes econmicos, pessoas e
empresas interagem entre si para transacionar direitos de propriedade,57em busca de ganhos
mtuos.
A definio, proteo e manuteno dos direitos de propriedade
trazem custos para seus titulares,58os quais so incorridos inclusive e principalmente nomomento de transacion-los com terceiros (definio dos direitos transacionados, modo e
condies da transao e garantia do exerccio pleno e efetivo do novo arranjo dos direitos de
propriedade que emergem da transao).
56
Segundo Dcio Zylbersztajn e Raquel Sztajn, estudiosos doLaw and Economics ou da Anlise Econmica doDireito: [...] As instituies, por seus efeitos sobre os custos de troca e produo, afetam decisivamente aperformance econmica e, juntamente, com a tecnologia empregada, elas, as instituies, determinam os custosde transao e transformao que formam os custos totais da atividade econmica em determinado ambiente.(cf. Anlise Econmica do Direito e das Organizaes in Direito & Economia, p. 3).57 Conforme Sztajn, Zylbersztajn e Mueller: A definio dominante de direitos de propriedade, tanto emEconomia como em Direito, de propriedade como sendo um conjunto de direitos (bundle of rights) sobre umrecurso, que o dono est livre para exercer e cujo exerccio protegido contra interferncia por outras agentes.Nessa definio, propriedade consiste em uma srie de relaes entre pessoas e s incidentalmente envolve umacoisa ou um bem.( cf. Economia dos direitos de propriedade. In:Direito & Economia, p. 92)58 De acordo com Sztajn, Zylbersztajn e Mueller: Note que os direitos que constam do conjunto no soabsolutos e dependem dos esforos que o proprietrio coloca em defender cada direito das tentativas de capturapor outros indviduos e da proteo provida pelo governo. Como nota Barzel, razovel supor que os custos deproteger cada direito so crescentes no nvel de segurana desejado, de modo que nunca compensar tentar obter
um direito perfeitamente seguro (cf. Economia dos direitos de propriedade. in Direito & Economia, p. 92).
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De maneira didtica Cooter e Ulen afirmam que os custos de
transao so os custos de troca, os quais so de trs espcies, (a) os custos de localizar oparceiro comercial, (b) os custos da barganha por meio de negociao e redao do
instrumento contratual e (c) os custos do monitoramento da performance das partes e da
aplicao de punies a violaes ao acordo (enforcement).59
O Teorema de Coase deduzido a partir do clssico artigo The
Problem of Social Cost do economista Ronald Coase nos ensina que em um ambiente ideal
com direitos de propriedade bem definidos e custos de transao igual a zero, sob o enfoque
da eficincia econmica, no importa em uma transao a distribuio inicial dos
direitos/obrigaes entre as partes feita pela Lei, uma vez que as partes vo negociar para
utilizar os recursos objeto da transao da maneira mais eficiente possvel.
Neste ponto, cabe uma breve explicao sobre o conceito de
eficincia para os economistas, ferramenta fundamental para se entender a abordagem dos
problemas legais feita pela Anlise Econmica do Direito, mtodo de estudo que utilizamos
neste trabalho. Para esta definio h dois critrios mais utilizados. Nesse sentido, umamudana na distribuio de recursos na sociedade considerada eficiente, segundo o critrio
de Pareto, quando ao menos uma pessoa ganhe sem que nenhuma outra pessoa na sociedade
sofra uma perda. Uma evoluo deste critrio, considerada hoje mais apropriada, a chamada
eficincia Kaldor-Hicks pela qual, ainda que algum sofra uma perda, uma soluo eficiente
na distribuio de recursos ocorre quando os ganhos gerados aos ganhadores so maiores do
que as perdas ocasionadas aos perdedores, situao que gera um ganho para a sociedade.60
Volta-se agora ao Teorema de Coase, a partir de um exemplo
bastante didtico de Sztajn, Zylbersztajn e Mueller:
[...] Suponha uma fbrica que jogue dejetos em um rio do qual umfazendeiro retira gua para irrigar sua plantao. A poluio no rioreduz a renda do fazendeiro em $ 500. O fazendeiro pode evitar
59cf.Law & Economics (p. 91/92).60cf. Cooter e Ulen (Law & Economics,p. 48).
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esse custo construindo uma planta de purificao de gua que custa$ 300. J a fbrica pode eliminar a poluio colocando um filtro que
custa $ 100. Se a fbrica ou o fazendeiro fecharem ou se mudarem,o custo individual ser superior a $ 1000. A questo determinarcomo a lei deve lidar com esse caso. A quem ela deve dar oDireito de Propriedade sobre o uso da gua de modo a levar alocao eficiente de recursos?
O argumento de Coase que se no houver custos de transao,ento basta que os direitos de propriedade sejam bem definidos, queambos os agentes iro voluntariamente negociar de modo a levar osrecursos a seu uso mais eficiente. Em outras palavras, contanto que
os direitos de propriedade sejam bem definidos e no hajacustos de transao, o uso eficiente dos recursos serautomaticamente atingido independente de quem tenha direito gua do rio.Note que o uso eficiente de recursos no exemplo que a fbrica instale o filtro, que custa $ 100. Qualquer outroresultado levaria a um custo maior do que $ 100, quer seja acessao de produo pela fbrica ou pela fazenda ($ 1000), ainstalao da planta de purificao ($ 300) ou o fazendeirocontinuar usando gua poluda ($ 500). Dessa forma, qualquerdesses resultados representaria uma alocao ineficiente dosrecursos. Quando o fazendeiro tem direito a gua limpa, ele estaria
disposto a abrir mo daquele direito e deixar a fbrica poluirse estalhe compensasse em $ 300 ou mais, pois ento poderia construir aplanta de purificao. Todavia, a fbrica prefere colocar um filtro,que lhe custa $ 100, e continuar produzindo. Nesse caso, no hbarganha, mas o resultado final o eficiente. J se a fbrica tem oDireito de Propriedade de poluir o rio, o melhor que o fazendeiropode fazer lhe oferecer $ 100 ou mais para instalar o filtro. Emambos os casos, independente de quem detinha o Direito dePropriedade, o resultado foi eficiente, ou seja, a instalao dofiltro.A distribuio de renda entre os agentes aps a barganha afetada pelo Direito de Propriedade. Aquele que detm o direito
sempre sai ganhando. No entanto, a distribuio de renda no oque est sendo discutido no Teorema de Coase e sim a eficinciaeconmica. (grifos nossos.)61
Verifica-se a partir do exemplo acima que em um ambiente de
custos de transao igual a zero, seja na hiptese da Lei responsabilizar a fbrica pelos danos
causados fazenda pela poluio do rio ou, ao contrrio, na hiptese da Lei afastar a
incidncia desta responsabilidade da fbrica, as partes vo negociar de modo a alcanar a
61cf. Economia dos direitos de propriedade in Direito & Economia, p. 92.
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soluo mais eficiente do ponto de vista econmico que instalar o filtro na fbrica, a um
custo de $ 100, independentemente de qual seja a distribuio inicial dos direitos depropriedade definida pela Lei.
Contudo, o Teorema de Coase tambm nos ensina que no mundo
real os custos de transao so usualmente positivos e nos casos em que os custos so altos a
ponto de tornar difcil a negociao entre as partes para se estabelecer um novo arranjo dos
direitos de propriedade estabelecidos pela Lei, a definio legal sobre a distribuio inicial dos
direitos de propriedade afetar diretamente a eficincia econmica. No exemplo acima, em um
ambiente de custos de transao positivos, caso a fbrica estivesse legalmente eximida de
responder pela poluio causada ao rio ou de preveni-la adequadamente, possvel que o
fazendeiro ao invs de oferecer $ 100 fbrica para que ela instalasse um filtro ele decidisse
por gastar $ 300 para instalar em sua propriedade a planta de purificao. Tal poderia ocorrer,
por exemplo, pela dificuldade de acesso informao pelo fazendeiro de que a contratao
pela fbrica de um filtro de $ 100 resolveria o problema da poluio no rio; pela dificuldade de
acesso aos representantes da fbrica; pela necessidade de contratar peritos em problemas de
poluio de rios, enfim, todos fatores que representam custos de transao positivos.
Por isso Ronald Coase ressalta que ...as cortes exercem uma
influncia direta sobre a atividade econmica. Parece ento desejvel que as cortes devam
entender as conseqncias econmicas de suas decises, e deveriam, na medida em que isso
seja possvel sem criar muita incerteza sobre o prprio posicionamento legal, levar em conta
essas conseqncias ao tomar suas decises.62
Nesse sentido, dado que na realidade os custos de transao so
normalmente positivos, a definio e distribuio inicial dos direitos de propriedade pela lei e
sua aplicao pela jurisdio afeta diretamente a eficincia econmica na distribuio de
recursos de uma dada sociedade.
62cf. The Problem of Social Cost. Trata-se de traduo livre do seguinte excerto: ...the courts directly influenceeconomic activity. It would therefore seem desirable that the courts should understand the economicconsequences of their decisions and should, insofar as this is possible without creating too much uncertanty
about the legal position itself, take these consequences into account when making their decisions.
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O Teorema de Coase recomenda ento que os legisladores seesforcem para reduzir os custos de transao, de forma que haja menos obstculos para que as
partes barganhem, pois estas tendem a encontrar solues mais eficientes na distribuio dos
direitos de propriedade do que o sistema legal.63
De outro lado, sabido que nem sempre as partes cooperam entre si
na barganha de direitos, ainda que os custos de transao sejam baixos, o sistema legal deve
procurar minimizar os danos causados sociedade pela perda do ganho que seria gerado pela
negociao entre as partes, fazendo a atuao da lei da forma mais eficiente possvel. Este
princpio chamado por Cooter e Ulen de Teorema de Hobbes.64
Disto resulta dois princpios: a) o sistema legal deve reduzir custos
de transao para incentivar a realizao de transaes privadas e b) o sistema legal deve
procurar alocar os direitos de propriedade, em caso de no cooperao, de maneira eficiente.
2.6.3. O papel das instituies
O termo sistema legal utilizado no tpico precedente deve ser
entendido como denominao genrica para o arcabouo de normas jurdicas (de direito
material e de direito processual), rgos governamentais e rgos jurisdicionais que regulam a
vida em sociedade. O sistema legal pode ser entendido como uma instituio que estabelece e
aplica um determinado conjunto de regras na sociedade.
63 Segundo Cooter e Ulen: By lubricating bargaining, the law enables the private parties to exchange legalrights, thus relieving lawmakers of the difficult task of allocating legal rights efficiently. (Law & Economics, p.97) E segundo Oliver Williamson: ...a maior parte das disputas incluindo muitas que poderiam ser levadas scortes, resolvida por medidas de precauo, auto-suporte e formas similares. Isso ocorre, pois em muitascircunstncias os envolvidos esto mais capacitados a identificar solues satisfatrias para as suas disputas doque os profissionais restritos aplicao de regras gerais baseados no conhecimento limitado da disputa. (cf.Por que direito, economia e organizaes?, in Direito & Economia, p. 48).64Segundo os Autores: Besides encouraging bargaining, a legal system tries to minimize disagreements andfailures to cooperate, which are costly to society. The importance of minimizing the losses from disagreementswas especially appreciated by the 17th-century English philosopher Thomas Hobbes. Hobbes thought that peoplewould seldom be rational enough to agree on a division of the cooperative surplus, even when there were noserious impediments to bargaining.Their natural cupidity would lead them to quarrel unless a third, stronger
party forced them to agree.[...] (cf.Law & Economics, p. 97).
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Com instituies que reduzam os custos de transao e garantam opleno exerccio dos direitos de propriedade os pases dotados de economia de mercado
ganham em eficincia e em desenvolvimento econmico.65
Na lio de Douglass North, citado por Mary M. Shirley, em
lugares onde as instituies aumentam a certeza de que sero honrados contratos e protegida
a propriedade, os indivduos estaro mais propensos a especializar, investir em ativos
irrecuperveis, empreender transaes complexas, e acumular e partilhar
conhecimento,66com ganhos econmicos para a sociedade.
Em seu artigo Mary M. Shirley cita dois grupos de instituies: (i)
os que promovem permuta mediante a reduo de custos de transao e encorajamento de
confiana, e (ii) os que influenciam o estado e outros protagonistas poderosos a proteger a
propriedade privada e pessoas ao invs de expropri-las e subjug-las. O primeiro conjunto
de instituies inclui os contratos e mecanismos de execuo de contratos, normas e regras
comerciais, e hbitos e crenas que favoream valores compartilhados e a acumulao decapital humano. No segundo conjunto de instituies, esto constituies, regras eleitorais,
leis que regem a expresso e educao, e normas que motivam as pessoas a acatar as leis e
cooperar em monitorar o governo.67
Para o objeto deste trabalho nos interessa analisar os contratos e o
funcionamento da jurisdio.
65cf.Institutions and Development, p. 614..66id, ibidem, p. 611.Trata-se de traduo livre do seguinte excerto:[...] in places where institutions increase thecertainty that contracts will be honored and property protected, individuals will be more willing to specialize,invest in sunk assets, undertake complex transactions and accumulate and share knowledge [...]67op. cit., p. 611. Trata-se de traduo livre do seguinte excerto: [...] (i)those that foster exchange by loweringtransaction costs and encouraging trust, and (ii) those that influence the state and other powerful actors toprotect private property and persons rather than expropriate and subjugate them. The first set of institutionsincludes the contracts and contracts enforcement mechanisms, commercial norms and rules, and habits andbeliefs favoring shared values and the accumulation of human capital. Among the second set of institutions areconstitutions, electoral rules, laws governing speech and education, and norms that motivate people to abide by
laws and cooperate in monitoring government[...].
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O contrato um importante instituto de direito privado que visa a
reduzir incertezas e riscos naturalmente existentes em transaes com prestaes a seremcumpridas no futuro. Trata-se de acordo de vontades dotado daquilo que os norte-americanos
denominam enforceability, algo que poderamos transpor para o portugus para exequibilidade
ou capacidade de ser executado de maneira forada.
Os elementos bsicos de qualquer transao so comprometimento
e cooperao das partes. Celebrando um contrato, as partes so estimuladas a cooperar, ainda
que o cumprimento das prestaes seja diferido para momento futuro, em razo da
enforceability.
Como ensinam Coter e Ulen, pelos quais nos pautamos tambm
nos dois pargrafos precedentes, [...]ao executar a promessa, a corte poder dar a ambas as
partes o que desejam. Dando-lhes o que desejam promove a permuta e encoraja a cooperao
atravs da reduo de incerteza e risco.68
E segundo Zylbersztajn e Sztajn, explicando a contribuio deOliver Williamson ao Law & Economics, os agentes abster-se-o de quebrar os contratos se
os custos de rompimento forem maiores do que os benefcios de faz-lo, de acordo com a tese
sugerida por Benjamin Klein [...]. Cabe destacar que os custos de romper os contratos de
modo oportunstico esto associados a mecanismos privados (perda de reputao) ou pblicos
(penalizao pela justia).69
O papel da jurisdio ou do sistema processual ento o de garantiro cumprimento dos contratos, fazendo valer de fato um de seus elementos principais que a
enforceability, conferindo direitos parte que os tem e impondo parte inadimplente os
encargos e prestaes com os quais se comprometeu, o que nada mais , em uma linguagem
processual, do que a atuao da vontade concreta do direito material.
68cf. Law and Economics(p. 196). Trata-se de traduo livre do seguinte trecho:[...] by enforcing the promise,the court can give both parties what they want. Giving them what they want promotes exchange and encouragescooperation by reducing uncertainty and risk.[...].69cf. Anlise Econmica do Direito e das Organizaes in Direito & Economia, p. 9.
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Uma jurisdio eficiente que garanta o cumprimento dos contratos,conferindo ressarcimento integral parte prejudicada pel