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REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ANCHIETA

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Ano V - N o 9 - Novembro/2004

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REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ANCHIETA

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Ano V - N o 9 - Novembro/2004

ISSN 1519-1656REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ANCHIETA.

Jundia-SP: Sociedade Padre Anchieta il. 23cm. Semestral Inclui bibliografia

CDU 34(05)

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EDITORIAL

com grande prazer que apresentamos o nononmero da nossa Revista da Faculdade de Direito do agora Centro Universitrio Padre Anchieta. Este , sem dvida, o fato mais importante do ano para todos aqueles que integram a famlia Anchieta. A transformao para Centro Universitrio traz consigo enormes responsabilidades para todos: alunos, professores, funcionrios e dirigentes, mas temos certeza de que, em breve, estaremos comemorando os primeiros frutos de tal mudana, com a ampliao dos horizontes para todos os cursos, ps-graduao, etc. Neste exemplar da Revista h muitos artigos interessantes para os leitores, abordando temas variados e atuais, como: a Conveno sobre a eliminao de todas as formas de discriminao contra a mulher; Um novo enfoque do acesso Justia; Autonomia da vontade, autonomia privada e livre iniciativa, sob a tica do Cdigo Civil de 2002; Caracterizao jurdico-ambiental do bairro So Bento, em Jundia; Fiana locatcia: a responsabilizao do garante at a entrega das chaves e a faculdade de exonerao do artigo 835 do Cdigo Civil; Justia Penal, classes sociais e a manipulao poltica da criminalidade; O cullto Ecologia e os Direitos Humanos; O Meio Ambiente na Constituio Federal; Responsabilidade Criminal dos Mdicos; Sociologia Jurdica ou Sociologia do Direito? e, finalmente, O Trabalho Infantil. Esperamos que possam ter, como sempre, uma agradvel leitura e uma fonte valiosa de consulta sobre doutrina. At o prximo exemplar. CONSELHO EDITORIAL

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A REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ANCHIETA uma publicao semestral aberta colaborao de estudiosos e pesquisadores das Faculdades Padre Anchieta e de outras instituies. Os trabalhos publicados foram selecionados pelo Conselho Editorial, sendo os conceitos e opinies neles expressos de responsabilidade exclusiva de seus autores, aos quais deve ser requerida autorizao para a reproduo parcial ou total dos artigos, relatos de pesquisa etc.

Conselho Editorial Alexandre Barros Castro Cludio Antnio Soares Levada Joo Carlos Jos Martinelli Luiz Carlos Branco Mrcio Franklin Nogueira Paulo Eduardo Vieira de Oliveira Correspondncia R. Bom Jesus de Pirapora, 140, Centro, Jundia/SP. CEP. 13.207-660 Fax 4521-8444 ramal 238 Caixa Postal 240 [email protected] www.anchieta.br

Editorao DEPARTAMENTO DE PUBLICIDADE Escolas e Faculdades Padre Anchieta

Reviso Joo Antonio de Vasconcellos Tiragem 3.000 Revista da Faculdade de Direito Padre Anchieta. Pede-se permuta Pide-se canje We ask for exchange 4

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NDICE A conveno sobre a eliminao de todas as formas de discriminao contra a mulher e o seu protocolo facultativo: impacto no direito Eliana Faleiros Vendramini Carneiro e Tatiana Lages Aliverti ....... 7 Um novo enfoque do acesso justia Jos Jair Ferraretto e Samuel Antonio Merbach de Oliveira ........ 25 Autonomia da vontade, autonomia privada e livre iniciativa: uma viso sob a tica do cdigo civil de 2002 Fernanda Pessanha do Amaral Gurgel ........................................ 37 Caracterizao jurdico-ambiental do bairro So Bento, Jundia-SP Eugnio Duarte Vieira Jnior e Rogrio Stacciarini ..................... 59 Fiana locatcia: a responsabilizao do garante at entrega das chaves e a faculdade de exonerao do artigo 835 do cdigo civil Cludio Antnio Soares Levada ................................................... 69 Justia penal, classes sociais e a manipulao poltica da criminalidade Vinicius Sampaio DOttaviano ..................................................... 75 O culto ecologia e aos direitos humanos provm da mesma raiz Joo Carlos Jos Martinelli .......................................................... 81 O meio ambiente na Constituio Federal Luciana Cordeiro de Souza .......................................................... 87 Responsabilidade criminal dos mdicos Lgia Priscila Dominicale ............................................................. 93 Sociologia Jurdica ou Sociologia do Direito? Glauco Barsalini ......................................................................... 107 Trabalho infantil Oris de Oliveira ........................................................................... 121 Normas para apresentao de originais ................................ 127

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A CONVENO SOBRE A ELIMINAO DE ODAS DISCRIMINAO TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAO PRO OCOLO CONTRA A MULHER E O SEU PROTOCOLO FACULT TIVO: IMPACTO DIREITO FACULTATIVO: IMPACTO NO DIREITO BRASILEIRO Eliana Faleiros Vendramini Carneiro1 e Tatiana Lages Aliverti2

INTRODUO O presente artigo tem por objetivo o estudo de pontos relevantes da Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher, seu Protocolo Facultativo e seus impactos no direito brasileiro. Inicialmente, sem a pretenso de esgotar o tema, faremos um apontamento objetivo de alguns momentos do cenrio histrico, internacional e nacional, no sentido de demonstrar que discriminao contra a mulher fato, no retrica. Em seguida, destacaremos as Conferncias Mundiais sobre a Mulher, que foram a mola propulsora a exigir um tratado sobre a matria, para analisarmos o teor da Conveno, incursionando pelo seu objetivo, seus mecanismos de monitoramento e suas adeses e reservas. Mereceu, tambm, nossa ateno o Protocolo Facultativo Conveno, importante evoluo no acesso das mulheres justia internacional. Por fim, demonstraremos importantes impactos desse tratado no direito brasileiro, considerando, especialmente, o Relatrio Nacional sobre o tema. I. HISTRICO I. 1. INTERNACIONAL O direito pela igualdade das mulheres se insere na problemtica dos direitos humanos.

Promotora de Justia de Vinhedo/SP. Mestranda em Direito Penal na PUC/SP. Instrutora de Ensino em Direito Penal na PUC/SP. 2 Advogada. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Mestranda em Direito Penal na PUC/SP. Professora de Direito Penal das Faculdades Padre Anchieta Jundia/SP. Professora de Direito Penal do Instituto de Ensino e Pesquisa de Cincias Jurdicas e Sociais So Paulo/SP.

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Desde a Antiguidade a mulher vem sofrendo discriminaes. Na Grcia, elas e os escravos ocupavam a mesma posio social. Alm disso, o homossexualismo entre os homens era comum, ficando as mulheres reduzidas, exclusivamente, s funes de me, prostituta ou cortes. Em Roma, o paterfamilias legitimava o poder do homem sobre a mulher, a qual jamais chegou a ter poder de deciso no Imprio3. A Idade Mdia, no perodo que vai do fim do sculo XIV at meados do sculo XVIII, foi palco de uma das maiores perseguies contra a mulher: a caa as bruxas, quando a Igreja, atravs do Santo Ofcio (Inquisio), liderou o massacre, qualificado como verdadeiro genocdio contra o sexo feminino. H referncias de que no sculo XIV, em um nico dia, foram executadas trs mil mulheres4. O pretexto maior das perseguies era a cpula, pelas mulheres, com o demnio. A opresso e a discriminao poca eram tamanhas que as estatsticas de morte revelaram que, enquanto um homem era queimado vivo na fogueira da Inquisio, dez mulheres tinham o mesmo destino. A Inquisio perpetrou crimes silenciosos e permitidos, sendo Joana DArc um exemplo dessa poca. Embora tenha optado pela guerra e chefiado exrcitos buscando salvar a Frana contra os ingleses na Guerra dos 100 anos, foi acusada de feiticeira, o que ocultou o carter poltico de seu processo. Em 1789, com a Revoluo Francesa, e apesar dos inmeros movimentos na Europa, a mulher permanecia ainda socialmente em segundo plano, pois o homem continuava em destaque social. Com o fim do feudalismo e incio do capitalismo, a Frana tornou-se o palco de protestos, ocasio em que surgiu o movimento feminista. Em 1791, a francesa Marie Gouze (1748-1793), filha de um aougueiro do sul da Frana, que adotou o nome Olympe de Gouges para assinar panfletos e peties em uma variedade de frentes de luta, props, perante a Assemblia Nacional da Frana, a Declarao dos Direitos da Mulher e da Cidad, para igualar-se do homem, que antes fora aprovada. Por sua coragem e audcia, foi condenada morte, como revolucionria e mulher desnaturada, acabando guilhotinada. Interessante a existncia de documento antigo acerca do tema, especialmente porque, embora com as caractersticas do seu tempo, j utilizava expresses a que hoje damos realce: direitos inalienveis da mulher, expresso da vontade geral e dignidade5.

KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras: Malleus Maleficarum. Traduo de Paulo Fres. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1991, p. 13. De acordo com o relato histrico de Rose Marie Muraro, na introduo do livro que traz o documento Malleus Maleficarum que foi o manual oficial da Inquisio para caa s bruxas durante quatro sculos novecentas bruxas foram executadas num nico ano na rea de Wertzberg, e cerca de mil na diocese de Como. Em Toulouse, quatrocentas foram assassinadas num nico dia; no arcebispado de Trier, em 1.585, duas aldeias foram deixadas apenas com duas mulheres moradoras cada uma. Muitos escritores estimaram que o nmero total de mulheres executadas subia casa dos milhes, e as mulheres constituam 85% de todos os bruxos e bruxas que foram executados. (in O martelo das feiticeiras: Malleus Maleficarum. Traduo de Paulo Fres. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 1991, p. 13). 5 Prefcio do documento, intitulado Declarao dos Direitos da Mulher e da Cidad. Disponvel em http:// www.direitoshumanos.usp.br biblioteca virtual de Direitos Humanos da Universidade de So Paulo. Acesso em 14.04.03.4

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Em 1848 surgiu o Manifesto Feminista, inspirado no Manifesto Comunista de Marx, na Conveno de Seneca Falls, em Nova Iorque. As condies de trabalho eram ruins para os homens e muito piores para as mulheres. Foi nesse contexto que 129 mulheres tecels da Fbrica de Tecido Cotton de Nova Iorque, em 1857, iniciaram um movimento reivindicatrio por aumento salarial e reduo da jornada de trabalho, o que deu origem primeira greve organizada por mulheres. Os donos das fbricas norte-americanas patrocinaram um dos episdios mais absurdos da histria: as fbricas foram incendiadas e as operrias trancadas nas instalaes da tecelagem, morrendo queimadas. Da o Dia Internacional da Mulher 08 de maro6 data em que ocorreu a matana. As duas grandes Guerras Mundiais e o capitalismo garantiram, em parte, mais espao s mulheres no mercado de trabalho, pois foram empurradas para fora do lar, deixando de lado a condio de esposa e me para integrar o mercado de trabalho. A consolidao do capitalismo trouxe tambm o surgimento de lutas e organizaes pelos direitos da mulher, no s na Frana, mas na Amrica, na Inglaterra e na Alemanha. Nos anos seguintes foram consolidadas importantes conquistas femininas. Na Rssia, a Revoluo de 1917 garantiu s mulheres o direito ao voto. Um ano mais tarde as alems galgaram esse direito e, no ano seguinte, as norte-americanas ganharam o direito de ir s urnas. No Brasil, a participao feminina nas eleies foi permitida a partir de 1934, enquanto na Frana, na Itlia e no Japo s em 1.945. Na dcada de 40, Simone de Beauvoir, em seu livro O Segundo Sexo, acendeu o debate sobre o masculino e o feminino. Vinte anos depois o tema ganhou novo impulso, com o lanamento do livro A Mstica Feminina, de Betty Friedan, que fundou em 1966 o NOW, National Organization of Women. A Carta das Naes Unidas, de 1945, estabeleceu, dentre seus propsitos e princpios, conseguir uma cooperao internacional (...) para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e s liberdades fundamentais para todos, sem distino de raa, sexo... (artigos 3 e 55, alnea c - grifos nossos). A ateno pela erradicao da discriminao, de qualquer natureza, contra a mulher, teve tambm como germe, no Direito Internacional, a Declarao Universal dos Direitos do Homem, de 1948, seja por todo o seu contedo, seja por nominao especfica: (...) Considerando que os povos das Naes Unidas reafirmaram, na Carta, suaO Dia Internacional da Mulher foi criado em homenagem a 129 operrias que morreram queimadas em ao da polcia para conter manifestao em uma fbrica de tecidos. Essas mulheres pediam a diminuio da jornada de trabalho de 14 para 10 horas por dia e o direito licena-maternidade. Isso aconteceu no dia 08 de maro de 1857, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Desde ento, essa data tem sido referncia para homenagear as mulheres de todo o mundo em sua luta na busca de direitos e dignidade pessoal, social e profissional. Inmeros desafios j foram superados e certamente muitas conquistas ainda esto por vir, resultantes da fora e da coragem da mulher.6

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f nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher (...) Artigo II 1. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declarao, sem distino de qualquer espcie, seja raa, cor, sexo, lngua, religio, (...) Artigo XVI 1. Os homens e as mulheres de maior idade, sem qualquer restrio de raa, nacionalidade ou religio, tm o direito de contrair matrimnio e fundar uma famlia. Gozam de iguais direitos em relao ao casamento, sua durao e sua dissoluo. (grifos nossos) Conforme destaque de Norberto Bobbio, a Declarao no vai e no pode ir alm da enunciao genrica, j que deve entender que, quando o texto fala em indivduos, refere-se indiferentemente a homens e mulheres7. Contudo, malgrado o extenso contedo genrico, permitimo-nos observar que o artigo referente ao casamento j se apresenta como enunciado em tema especfico. Flvia Piovesan tambm anota que a Declarao , em sua maioria, genrica. Anota, ainda, que existem posies no sentido de que o texto no apresentaria fora jurdica obrigatria e vinculante8, embora no compactue com tal viso. Mesmo com essa generalizao e com a problemtica positivista, inegvel que a Declarao Universal de 1948 deu expresso aos direitos humanos, projetando-se a numerosos e sucessivos tratados e instrumentos de proteo, nos planos global e regional9, o que no foi diferente com relao ao tema mulher, ou melhor, vem construindo o direito internacional da mulher. A Declarao Universal, contudo, foi juridicizada atravs do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, aprovados em 1.966 (em vigor em 1976). Mais tarde, a Declarao Universal e os Pactos formariam a Carta Internacional de Direitos Humanos International Bill of Rights. Ambos os Pactos, em seus artigos 2, 1, reiteraram os termos do artigo II, 1, da Declarao Universal, acima transcrito. Seus artigos 3 dispem expressamente: Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar a homens e mulheres igualdade no gozo de todos os direitos civis e polticos (sociais, econmicos e culturais) enunciados no presente Pacto. (grifos nossos) O artigo 23 do Pacto de Direitos Civis e Polticos reiterou os termos do artigo XVI da Declarao Universal, acima transcrito. O artigo 7, a, i, do Pacto de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais determina que: Artigo 7 - Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de7 8

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduo Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1.992, p. 35. PIOVESAN, Flvia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4. ed. So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 159. 9 CANADO TRINDADE, Antnio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 58.

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toda pessoa de gozar de condies de trabalho justas e favorveis, que assegurem especialmente: a) uma remunerao que proporcione, no mnimo, a todos os trabalhadores: (...) i) um salrio eqitativo e uma remunerao igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distino; em particular, as mulheres devero ter a garantia de condies de trabalho no inferiores s dos homens e receber a mesma remunerao por ele, por trabalho igual. (grifos nossos) Na cadeia histrica de pactos sobre os direitos da mulher, em 20 de dezembro de 1952, a Assemblia Geral da ONU aprovou a Conveno sobre os Direitos Polticos da Mulher, onde se iniciou uma especificao dos direitos, em campos claros, como o poltico. Nessa Conveno, cuidou-se, por exemplo, do mais basilar direito poltico, como o de votar e o da acessibilidade igualitria aos cargos pblicos. de se notar que, em relao ao restante da histria dos direitos em estudo, essa primeira Conveno relativamente antiga e demonstra esprito vanguardista. Os anos 60 e 70 foram marcados por vrios movimentos feministas, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Em 1975, as mulheres deram um grande passo e conseguiram que a ONU decretasse este como Ano Internacional da Mulher, o que revigorou o movimento feminista. Aps esses esforos, impulsionada pela proclamao de 1975 como o Ano Internacional da Mulher e pela realizao da Conferncia Mundial sobre a Mulher, a ONU, em 1979, aprovou a Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher. Esta Conveno, no entanto, no tratou do tema violncia contra a mulher. Os anos 80 serviram para que os estudos sobre a condio da mulher fossem aprofundados, ocasio em que comearam a surgir os conceitos e a teoria de gnero. Em 1993, face sentida ausncia do tema violncia na Conveno acima mencionada, foi aprovada a Declarao sobre a Eliminao da Violncia contra a Mulher e, em 1994, a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher Conveno de Belm do Par. Finalmente, reforaram os direitos da mulher como partes inalienveis, integrais e indivisveis dos direitos humanos universais a Declarao e Programa de Ao de Viena, de 1993, e a Declarao e Plataforma de Ao de Pequim, de 1995. I. 2. NACIONAL O Brasil, paulatinamente, foi recepcionando o direito internacional (embora devendo ser observadas as diferentes datas), formatando parte do direito interno tambm baseado nas Convenes e Pactos. Em 13/08/1963, o Brasil ratificou a Conveno sobre os Direitos Polticos da Mulher (1952). Somente em 01/02/1984, ratificou a Conveno sobre a Eliminao

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de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher (1979) e, em 24/01/1992, os Pactos Internacionais dos Direitos Civis e Polticos e o dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais. Finalmente, em 27/11/1995, ratificou a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher Conveno de Belm do Par. Observa-se que a Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher foi ratificada antes mesmo dos Pactos Internacionais de Direitos, o que no se revela como malfico, pois, como visto anteriormente, so mais genricos quanto ao tema mulher. Como exigncia das Convenes ratificadas, coube ao Brasil viabilizar/tornar realizvel os direitos reconhecidos. Nesse diapaso, seguiram-se as leis e programas de ao internos, a serem analisados posteriormente, nos impactos no direito brasileiro. II. PRECEDENTES - AS CONFERNCIAS MUNDIAIS SOBRE A MULHER A Organizao das Naes Unidas - ONU - designou 1975 como o Ano Internacional da Mulher e estabeleceu os anos de 1976 a 1985 como a Dcada da Mulher10. Desde ento, realizaram-se as seguintes Conferncias Mundiais sobre a Mulher: Conferncia Mundial sobre a Mulher, na cidade do Mxico, Mxico, de 16 de junho a 02 de julho de 1975, que foi a mola propulsora a exigir um tratado sobre o tema; II Conferncia Mundial sobre a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz, em Copenhague, Dinamarca, 1980; III Conferncia Mundial sobre a Dcada da Mulher, em Nairobi, Qunia, de 15 a 26 de julho de 1985. Durante essa Conferncia adotou-se, com unanimidade, o documento Estratgias Encaminhadas para o Futuro do Avano da Mulher; IV Conferncia Mundial sobre a Mulher: Ao para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz, em Pequim, China, de 04 a 15 de setembro de 1995, qual compareceram mais de 180 pases e cerca de 35.000 pessoas. Foi o maior evento da ONU. A Plataforma de Ao aprovada reafirmou os avanos conseguidos pelas mulheres nas ltimas Conferncias, com destaque para os direitos sexuais e reprodutivos, bem como a incluso da discriminao racial/tnica como um obstculo igualdade e eqidade entre as mulheres. III. A CONVENO SOBRE A ELIMINAO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAO CONTRA A MULHER - CEDAW11

O objetivo traado para a Dcada da Mulher foi o de obter plena participao da mulher na vida social, econmica e poltica. 11 Esta a sigla de Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination Against Women.

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Cabe lembrar que conveno sinnimo de tratado, pacto, protocolo, carta, convnio ou acordo internacional e, portanto, submete-se teoria geral dos tratados. So acordos de vontades, escritos, entre sujeitos de Direito Internacional, vinculando-os sob o primado da boa-f e da prevalncia da dignidade da pessoa humana. III.1. CONTEDO E OBJETIVO A Conveno um tratado internacional de direitos humanos que busca assegurar a igualdade entre homens e mulheres e eliminar a discriminao contra a mulher no exerccio de seus direitos civis e polticos, econmicos, sociais e culturais, tanto na esfera pblica como na privada. A Assemblia Geral das Naes Unidas, por meio dessa Conveno, reconheceu que a discriminao contra a mulher viola os princpios de igualdade de direitos e do respeito dignidade humana, constituindo-se em obstculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da famlia, alm de dificultar o desenvolvimento das potencialidades da mulher. A presente Conveno veio a definir a discriminao contra a mulher, em seu artigo 1, como: Toda distino, excluso ou restrio baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exerccio da mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos poltico, econmico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Tem ela duplo objetivo: eliminar a discriminao e assegurar a igualdade entre homens e mulheres. Para tanto, trouxe pioneiros instrumentos, como a ao afirmativa, prevista em seu artigo 4, que autoriza a chamada discriminao positiva, mecanismo temporrio para acelerar o processo de igualao. Ressaltou o Relatrio Nacional sobre a Conveno, realizado em 2002, que, no Brasil, a discusso a respeito das aes afirmativas bastante recente, embora, a prpria Constituio - que contempla mais dispositivos que vedam a discriminao do que permitam a ao afirmativa - preveja duas delas, sendo a do artigo 7, inciso XX, relativa mulher12. As aes afirmativas, no entanto, foram adotadas no Brasil, primeiramente, na poltica. Por meio da Lei n 9.100/95, prescreveu-se a observncia da cota mnima de 20% para que mulheres integrassem as vagas de cada partido com12

Como exemplos de aes afirmativas implementadas em relao proteo do mercado de trabalho da mulher, citamos: a) Lei n 9.799, de 26/05/1.999, que inseriu na Consolidao das Leis do Trabalho CLT dispositivos, proibindo, dentre outras, a publicao de anncio de emprego que faa referncia ao sexo, salvo quando a natureza da atividade exigir; a considerao do sexo como varivel determinante para fins de remunerao; a exigncia de atestado ou exame para comprovao de esterilidade ou gravidez, para admisso ou permanncia no emprego; b) Lei n 10.421, de 15/05/2.002, que alterou a CLT ao estender s mes adotivas o direito licenamaternidade e ao salrio-maternidade.

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representatividade no Legislativo13. Mais tarde, a Lei n 9.504/97 determinou o mnimo de 30% e o mximo de 70% para candidaturas de cada sexo, em cada partido ou coligao. Os Estados-partes da Conveno assumem o compromisso de eliminao progressiva das formas de discriminao, assegurando, sempre, a igualdade de gnero. Vrios aspectos relativos discriminao so enfrentados pela Conveno: os artigos 7 e 8 referem-se aos direitos polticos; o artigo 9 ao direito nacionalidade; o artigo 10 ao direito educao; o artigo 11 aos direitos trabalhistas; o artigo 12 ao direito sade; o artigo 13 aos direitos econmicos; o artigo 14 ao direito da mulher em zonas rurais; o artigo 15 igualdade perante a lei; e, o artigo 16 igualdade no casamento. Como ensina Andrew Byrnes a Conveno em si mesma contm diferentes perspectivas sobre as causas de opresso contra as mulheres e as medidas necessrias para enfrent-las. Ela impe a obrigao de assegurar que as mulheres tenham uma igualdade formal perante a lei e reconhece que as medidas temporrias de ao afirmativa so necessrias em muitos casos, para que as garantias de igualdade formal transformem-se em realidade. Inmeras previses da Conveno tambm incorporam uma preocupao de que os direitos reprodutivos das mulheres devem estar sob o controle delas prprias, e que o Estado deve assegurar que as escolhas das mulheres no sejam feitas sob coero e no sejam elas prejudiciais, no que se refere ao acesso s oportunidades sociais e econmicas14. (grifos nossos) importante frisar que a CEDAW constitui o piso protetivo mnimo dos direitos das mulheres, no prejudicando quaisquer disposies das legislaes internas ou de outros tratados vigentes em cada Estado-parte, que sejam mais propcios obteno da igualdade entre homens e mulheres (artigo 23). A Conveno, entretanto, como ressalta Flvia Piovesan, no enfrentou a temtica da violncia contra a mulher de forma explcita15, causadora de grandes males sociais. Em 1993, sentida a falta, foi aprovada a Declarao sobre a Eliminao da Violncia contra a Mulher e, em 1994, a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher Conveno de Belm do Par, que inovou ao prescrever em seu artigo 12 o direito de petio como mecanismo de monitoramento, embora com regras formais. A Conveno Interamericana foi editada, no mbito da Organizao dos EsSegundo Maria Lcia de Santana Braga, na ltima dcada, a organizao da bancada feminina no Congresso Nacional contribuiu para tornar mais visvel a agenda das mulheres no Parlamento e na sociedade. (...) Entretanto, o resultado nas ltimas trs eleies (1996, 1998 e 2000) foi muito aqum e mostrou mais uma vez que sem o apoio institucional e financeiro dos partidos polticos a Lei de Cotas no sai do papel. (in A participao feminina nas instncias decisrias: limites e possibilidades. Disponvel em http://www.oab.org.br/comissoes/cnma/noticia/ noticia.asp?id=577. Acesso em 28.05.03). 14 BYRNES, Andrew apud PIOVESAN, Flvia. Temas de direitos humanos. 2. ed. So Paulo: Max Limonad, 2003, p. 208. 15 PIOVESAN, Flvia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4. ed. So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 189.13

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tados Americanos - OEA, em 09 de junho de 1994, assinada pelo Brasil nesta mesma data, porm ratificada somente em 27 de novembro de 1995, como primeiro tratado internacional de proteo aos direitos humanos, reconhecendo, de forma generalizada, a violncia contra a mulher. Violncia esta concebida como padro especfico, baseado no gnero que cause morte, dano ou sofrimento fsico, sexual ou psicolgico16 mulher, tanto na esfera pblica como privada. Nota-se o direito internacional adentrando nas casas das vtimas, o direito pblico no mais privado dos direitos, tamanha a importncia da tutela. III.2. MECANISMOS DE MONITORAMENTO Na esteira de seu duplo objetivo e fomentando o progresso interno dos Estados na aplicao da Conveno, ficou determinada a criao do Comit sobre a Eliminao da Discriminao contra a Mulher Comit da CEDAW composto por peritos eleitos por indicao dos Estados-partes, com exerccio a ttulo pessoal, para um mandato de 4 anos (artigo 17), tendo atribuio de examinar relatrios enviados pelos Estados, emitir opinies e recomendaes de carter geral, orientando os Estados na aplicao da Conveno. Conforme dispe o artigo 18 da Conveno, os Estados, no prazo de um ano da entrada em vigor do tratado em seu territrio e, posteriormente, pelo menos a cada quatro anos e toda vez que o Comit solicitar, devero encaminhar relatrios sobre as dificuldades encontradas e as medidas legislativas, judicirias, administrativas e outras adotadas na implementao da Conveno. Os relatrios so mecanismo de monitoramento limitado, na medida em que se resumem s exposies dos Estados-membros, ao contrrio de outros modelos previstos em Convenes. No tm poder judicial para sancionar o Estado descumpridor, nem para prever remdios apropriados. Contudo, a reviso pblica de relatrio, com parecer favorvel ou no, forma de pressionar o respectivo governo, com o chamado power of shame. Como analisa Andrew Byrnes, uma avaliao positiva em um frum internacional a respeito do desempenho e dos esforos de um Estado pode dar ensejo a progressos futuros. Uma avaliao crtica pode causar embaraos ao governo, no plano domstico e internacional, idealmente significando um incentivo para que se empenhe mais no futuro17. Assim, a Declarao de Viena, de 1993, determinou que os Comits disseminassem informaes necessrias que permitissem s mulheres fazerem uso mais efetivo dos procedimentos de implementao existentes, inclusive elaborando um protocolo optativo Conveno no sentido de introduzir o direito de petio e a comunicao interestatal.16

O Brasil ainda no tem legislao que aborde a violncia psicolgica contra a mulher, o que causa freqentes mazelas femininas. Note-se que esta ausncia foi reconhecida pelo Relatrio Nacional sobre a Conveno, realizado em 2002. 17 BYRNES, Andrew apud PIOVESAN, Flvia. Temas de direitos humanos. 2. ed. So Paulo: Max Limonad, 2003, p. 210.

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No demais lembrar que a CEDAW s previu os relatrios como mecanismo de monitoramento para viabilizar a ratificao pelos Estados de Conveno de tamanha importncia, ou seja, foi uma forma poltica para facilitar a sua vigncia. Aps maior conscientizao dessa importncia, j se demonstram necessrios outros mecanismos. III.3. O PROTOCOLO FACULTATIVO Diante da determinao da Declarao de Viena, foi elaborado e adotado pela Organizao das Naes Unidas ONU, em 06/10/1999, o Protocolo Facultativo Conveno sobre a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra a Mulher - CEDAW, que s entrou em vigor no mbito internacional em 22 de dezembro de 200018. O Protocolo Facultativo um instrumento jurdico-procedimental, que no cria direito substantivo novo s mulheres, mas fortalece os j previstos na Conveno, uma vez que garante a elas o acesso justia internacional, recorrendo ao Comit da CEDAW, quando o Estado mostrar-se falho ou omisso na proteo dos direitos humanos consagrados na Conveno. Amplia-se, por meio do Protocolo Facultativo, o exerccio de cidadania das mulheres, uma vez que institui como mecanismos de monitoramento, alm dos relatrios, a petio e o procedimento investigativo. Tais mecanismos permitem o encaminhamento de denncias de violaes aos direitos previstos na Conveno e a instaurao de investigao em caso de graves ou sistemticas violaes Conveno. Ressalta-se que no so permitidas quaisquer reservas ao Protocolo (artigo 17). O Brasil assinou o Protocolo Facultativo em 13 de maro de 2001, data em que deu incio oficial ao processo de sua ratificao, cumprindo, com isso, os compromissos que assumira na Conferncia Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993) e na IV Conferncia Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995). Em 26 de abril de 2.001, o Executivo brasileiro enviou ao Congresso Nacional Mensagem Presidencial (MSC 0374/01) para aprovao do Protocolo Facultativo CEDAW. Entretanto, somente, em 12 de dezembro de 2001, o Projeto de Decreto Legislativo referente ao Protocolo Facultativo (PDC 1357/01) foi aprovado, por unanimidade, pelo Plenrio da Cmara dos Deputados Federais e encaminhado ao Senado Federal. No Senado Federal, o Projeto do Protocolo, agora sob o nmero PDS 1/02, foi aprovado, tambm, por unanimidade, na Comisso de Relaes Exteriores e Defesa Nacional, em 16 de abril de 2002, com base no parecer favorvel da relatora Senadora Emlia Fernandes (PT/RS) e, em seguida, encaminhado para votao18

O Protocolo Facultativo s entrou em vigor em 2.000, porque, de acordo com o seu artigo 16, exigia-se o depsito de dez instrumentos de ratificao ou adeso junto ao Secretrio Geral das Naes Unidas.

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em Plenrio. Em 25 de abril de 2002, entretanto, a votao em Plenrio no Senado Federal do Projeto do Protocolo Facultativo CEDAW foi adiada para o dia 05 de junho de 2002, em razo do documento Rejeio do Protocolo Facultativo CEDAW apresentado pela Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil CNBB, nesse ato representada por seu secretrio-executivo, D. Raymundo Damasceno, ao Presidente da Casa na poca, Senador Ramez Tebet, e s senadoras e aos senadores na manh desse dia, antes da sesso do Plenrio. O documento apresentado pela CNBB declarava que se o Protocolo Facultativo fosse aprovado pelo Congresso Nacional colocaria em risco a soberania nacional, pois ao ser ratificado permitiria uma enorme ingerncia externa sobre assuntos internos. Alm disso, a Carta da CNBB afirmava que o Protocolo estimularia o lesbianismo, recomendaria a descriminalizao do aborto, defenderia a prostituio, dentre outros absurdos. Em 17 de maio de 2002, foi aprovada Moo de Apoio Aprovao do Protocolo Facultativo CEDAW em Plenria da VII Conferncia Nacional de Direitos Humanos, fornecendo subsdios para esclarecer e contestar alguns pontos da Carta da CNBB em relao aprovao do Protocolo Facultativo. A Moo rebateu as crticas formuladas pela CNBB, lamentando que os Bispos no tivessem condies de superar esteretipos e preconceitos arraigados na sociedade brasileira e, em especial, na ortodoxia catlica. As recomendaes do Comit abominadas pela CNBB, segundo a mesma Moo, buscavam eliminar os esteretipos na rea da sexualidade e da reproduo, fortemente desrespeitadores da autonomia e da liberdade de escolhas existenciais por parte das mulheres. De acordo com o texto Debate Protocolo Facultativo CEDAW: um compromisso internacional com os direitos humanos das mulheres, realizado em 21/ 05/2002, no Senado Federal, o Protocolo Facultativo no fere a soberania nacional, porque o sistema internacional de proteo aos direitos humanos dentro do qual o Protocolo Facultativo se insere parte do princpio de que a forma como um Estado trata os seus cidados e cidads no tema de exclusiva competncia nacional, mas de legtimo interesse internacional e, portanto, de que toda pessoa titular de direitos humanos protegidos na esfera internacional e deve poder a ela recorrer na medida em que o sistema nacional se mostrar falho ou omisso na proteo de seus direitos (Flvia Piovesan). E ainda, no domnio da proteo internacional dos direitos humanos, os Estados aderem aos tratados, contraindo obrigaes internacionais, no livre e pleno exerccio de soberania (Antnio Augusto Canado Trindade). Assim, a assertiva da CNBB de que o Protocolo ameaaria a soberania nacional no passava de mito e lobby criados pela Igreja Catlica para frear processos de avanos contra os estigmas que, infelizmente, ainda existem em relao s mulheres. Alm disso, as afirmaes feitas pela CNBB de supostos abusos nas reco-

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mendaes do Comit da CEDAW em relao ao aborto, ao lesbianismo e prostituio so, segundo a Moo, equivocadas, pois no reproduzem o fiel intuito em que foram feitas, dando margem a interpretaes errneas sobre o papel da Conveno, do Comit e do Protocolo. Segundo Carole Paterman19, A Conveno no se refere expressamente ao aborto, mas estabelece a obrigao por parte dos Estados de oferecer informaes e todas as condies para um planejamento responsvel..., bem como, para que as mulheres tenham acesso aos servios de sade, pois ... o aborto clandestino o responsvel pelo maior ndice de mortalidade materna no Brasil e no mundo. Logo, o Comit recomendara a certos pases que diminussem as restries ao aborto, visando a defender o direito vida das mulheres. Quanto ao lesbianismo, continua Carole Paterman, a proibio por parte de alguns Estados s relaes homossexuais, ou at a no proteo jurdica destas relaes representa uma afronta condio de humanidade que (...) tem como pressuposto a diversidade, pois a heterossexualidade no e nunca foi a nica das opes humanas. O fato de ser a majoritria no pode justificar desrespeito a outras formas de vivncia sexual. De mais a mais no h que considerar patolgico o comportamento homossexual pois, inclusive h mais de uma dcada a OMS retirou a homossexualidade do elenco das patologias. Verifica-se, dessa forma, que o Comit no propunha a legalizao do lesbianismo, mas sim que tal prtica deixasse de ser considerada crime em alguns pases, como, por exemplo, no Quirquisto, j que a criminalizao do lesbianismo implica em discriminao. Vale lembrar que no Brasil o lesbianismo no considerado conduta criminosa. Em relao prostituio, ao contrrio do que a Carta da CNBB afirmara, a CEDAW no expressamente contrria a essa conduta, porm, insurge-se contra todas as formas de trfico de mulheres e explorao da prostituio feminina. O Protocolo Facultativo no propunha a legalizao da prostituio, mas sim que tal prtica deixasse de ser considerada crime em alguns pases, assim como no considerada crime no Brasil20. Superados todos os impasses e absurdos levantados pela CNBB em relao ao Projeto de Protocolo Facultativo CEDAW e constatado que o Protocolo constitua-se em importante instrumento de fortalecimento CEDAW, em 06 de junho de 2002, o Presidente do Senado Federal na poca, Senador Ramez Tebet, por meio do Decreto Legislativo n 107, aprovou o texto do referido Protocolo.

In Protocolo Facultativo: mais um passo rumo igualdade de direitos. O Cdigo Penal Brasileiro considera criminosas todas as condutas relacionadas com o favorecimento, a explorao e o trfico da prostituio, previstas no Captulo V, Ttulo VI, deste Estatuto. A conduta de se prostituir, em si, no considerada crime no Direito Penal Brasileiro.20

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Em 28 de junho de 2002, o Protocolo Facultativo foi ratificado21 pelo Brasil, constituindo-se em importante instrumento de renovao da vontade do Governo brasileiro em promover e proteger os direitos das mulheres. Por fim, importante ressaltar que, de acordo com a ltima atualizao da Division for the Advancement of Women das Organizaes das Naes Unidas ONU22, datada de 18/06/2004, 75 (setenta e cinco) pases j assinaram o Protocolo Facultativo CEDAW e 62 (sessenta e dois) j o ratificaram. III.4. ADESES E RESERVAS A Conveno teve ampla adeso, contando, neste ano, com 177 (cento e setenta e sete) Estados-partes, j havendo outras 98 (noventa e oito) assinaturas23. Essa caracterstica j despontava em 1996, quando havia 154 (cento e cinqenta e quatro) Estados-partes, s perdendo para a Conveno sobre os Direitos da Criana, com 195 (cento e noventa e cinco) Estados-partes no mesmo ano. Ostenta a Conveno outro recorde, embora desabonador: tem o maior nmero de reservas formuladas. Como conclui Rebecca Cook24, a Conveno pode ter maximizado sua aplicao universal ao custo de ter comprometido sua integridade. A questo legal acerca das reservas feitas conveno atinge a essncia dos valores da universalidade e integridade. O artigo com maior reserva o de nmero 29, que determina que as controvrsias entre os Estados-partes, com relao interpretao ou aplicao da Conveno, que no puderem ser dirimidas por meio de negociao, sero, a pedido de um deles, submetidas arbitragem. O segundo em reservas o artigo 16, que determina a adoo de medidas internas para eliminar a discriminao contra a mulher no casamento. Outras tantas reservas vm acerca de temas centrais como a ao afirmativa do artigo 4; a eliminao de preconceito e esteretipos do artigo 5; a eliminao de discriminao na vida poltica e pblica do pas do artigo 7; a igualdade nos direitos cidadania do artigo 9 e a discriminao na educao (artigo 10), no emprego (artigo 11), no crdito financeiro (artigo 13) e na plena capacidade legal (artigo 15). Chegou-se ao absurdo da reserva prpria definio de discriminao do

Nota-se que, em funo da divergncia quanto incorporao automtica do tratado ratificado no direito interno, o Presidente da Repblica ainda fez promulgar o Decreto n 4.316, de 30/07/2.002, com entrada em vigor em 28/09/2002, para as disposies do Protocolo no ordenamento interno. Mesmo diante da tese da incorporao no-automtica, louvvel a rapidez com que o Executivo tratou de elaborar o Decreto. 22 Disponvel em www.um.org/womenwatch/daw/cedaw/sigop.htm. Acesso em 23.08.04. 23 Segundo a Division for the Advancement of Women da ONU, 177 (cento e setenta e sete) pases j ratificaram a Conveno e 98 (noventa e oito) a assinaram. Disponvel em www.un.org/womenwatch/daw/cedaw/states.htm. Acesso em 23.08.04. 24 COOK, Rebecca apud PIOVESAN, Flvia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4 ed. So Paulo: Max Limonad, 2.000, p. 187.

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artigo 1 e ao compromisso de erradic-la, do artigo 2. Por bvio, tais reservas contrariam o artigo 28, 2, da Conveno, que probe reserva incompatvel com o seu objeto e o seu propsito e a Conveno de Viena sobre o Direito dos Tratados. Como analisa Jos Augusto Lindgren Alves25, No se esmaece a importncia do documento para a comunidade internacional, mas adeso ao instrumento por parte de alguns pases so um ato despiciendo, seno um embuste. Parecenos, mesmo, um embuste, ratificao para ingls ver, e no um ato meramente a ser desprezado. Pelo contrrio, deve ser observado com grande ateno, uma vez que tal Estado faz crer o respeito aos direitos, sob o manto da legalidade internacional, mas comete discriminaes inaceitveis. O Brasil assinou a referida Conveno em 31/03/1981 e a ratificou em 01/02/ 1984, com reservas. O Brasil fez reserva ao artigo 15, 4, e ao artigo 16, 1, alneas a, c, g e h, segundo o ento Ministro Celso Lafer26, diante da dificuldade para implementao no pas, uma vez assimtrica a legislao interna referente aos direitos do homem e da mulher. Contudo, com o advento da Constituio Federal de 1.988, sanado o problema da legislao interna, o Decreto Legislativo n 26, de 22 de junho de 1994, retirou tais reservas. Por meio do Decreto n 4.377, de 13 de setembro de 2002, o Presidente da Repblica revogou o Decreto n 89.460, de 02 de maro de 1984, que promulgara da Conveno no Estado Brasileiro com reservas, fazendo-a valer na sua integralidade. III.5. IMPACTO NO DIREITO BRASILEIRO A populao brasileira majoritariamente formada por mulheres, especialmente nas regies urbanas. Uma vez ratificada a Conveno, rdua a tarefa de fazer valer a igualdade, reconhecida no prprio Relatrio Brasileiro como ainda distanciada da declarao formal. Mais rdua, ainda, se considerados outros fatores, como raa27 e classe social. A Conveno demonstrou ser uma verdadeira Carta Magna dos Direitos da Mulher, como analisou Fernando Henrique Cardoso28, coroando todo um caminho

ALVES, Jos Augusto Lindgren apud PIOVESAN, Flvia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4. ed. So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 188. 26 CEDAW: Relatrio Nacional Brasileiro: Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher, Protocolo Facultativo. Coordenao Flvia Piovesan e Silvia Pimentel. Braslia: Ministrio das Relaes Exteriores, Ministrio da Justia, Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, 2002, p. 11. 27 Em artigo publicado no IBCCRIM, em abril de 2003, Renato Srgio de Lima, Alessandra Teixeira e Jacqueline Sinhoretto reiteram: com as mulheres negras que a dupla via discriminatria se torna alarmante (...) mais um mecanismo de excluso em nossa sociedade. Estes dados ainda so consoantes com a renda mensal (...) as mulheres negras recebem o pior rendimento mdio, depois dos homens brancos, mulheres brancas e homens negros, nesta ordem. 28 CEDAW: Relatrio Nacional Brasileiro: Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher, Protocolo Facultativo. Coordenao Flvia Piovesan e Silvia Pimentel. Braslia: Ministrio das Relaes Exteriores, Ministrio da Justia, Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, 2002. p. 9.

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de lutas anuais, perante a ONU e outros organismos internacionais, embora no possamos deixar de pontuar seu Protocolo Facultativo e a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violncia contra a Mulher Conveno de Belm do Par como complementos necessrios. Para o Brasil no foi menor a importncia, especialmente tendo que apresentar seus Relatrios29 e arrumar a casa, com propostas de prticas efetivas. No se trata, como tambm ressaltou Fernando Henrique30, de uma nova preocupao de cunho assistencialista, mas de uma conscincia viva de cidadania, que se prope a romper, mediante prticas do Estado e da sociedade, com as estruturas arcaicas e com a injustia social. O tema mulher tem tamanha importncia, que se alastra pelas discusses de outras tantas Convenes, como aquelas contra a discriminao racial e os pactos internacionais. Prova disso que o Relatrio Paralelo ao Pacto Internacional de Direitos Econmicos, Sociais e Culturais - PIDESC - elaborado pelo CLADEM, abordou a discriminao contra a mulher e suas perspectivas nos mais diferentes aspectos, como: trabalho, salrio, sindicalizao, seguridade social, proteo da famlia, nvel de vida adequado, alimentao, moradia, sade fsica e mental, educao e cultura. Nesse processo, em nosso pas, no pode ser esquecida a Constituio Federal de 1988, e todos os debates que a precederam, certamente j contaminados pelo esprito, na matria ora analisada, da Conveno ratificada. Alm de seus termos universalistas ( comum a utilizao do termo todos), clebre a disposio entre os direitos e garantias fundamentais: todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza (...) homens e mulheres so iguais em direitos e obrigaes (artigo 5, caput e inciso I). E, mais, a insero desses direitos dentre as clusulas ptreas (artigo 60, 4, inciso IV) e do reconhecimento dos direitos consagrados pelos tratados ratificados pelo Brasil como tambm direitos fundamentais (artigo 5, 2) e de aplicabilidade imediata (artigo 5, 1). Vrias Constituies Estaduais vieram a reforar o texto federal (p. ex. Par, Cear, So Paulo, Minas Gerais, Paraba, Gois, etc.), nos mais diferentes aspectos. Tambm merece destaque a Consolidao das Leis do Trabalho, que passou a garantir importantes direitos s mulheres, como remunerao durante licena-maternidade31 e proibio de demisso por gravidez32. Trouxe, tambm, alento o novo Cdigo Civil, em vigor desde 11 de janeiroO primeiro Relatrio do Brasil, alm de contemplar os anos de 1984 a 2002, assumiu especial singularidade, pois envolveu a participao, no s do Governo, mas de entidades referenciais e pessoas militantes experts em direitos humanos no pas. 30 CEDAW: Relatrio Nacional Brasileiro: Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher, Protocolo Facultativo. Coordenao Flvia Piovesan e Silvia Pimentel. Braslia: Ministrio das Relaes Exteriores, Ministrio da Justia, Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, 2002. p. 9. 31 Verificar Lei n 8.861, de 25/03/1994. 32 Verificar Lei n 9.029, de 13/04/1995.29

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de 2003, que fez do antigo diploma nota do passado e extirpou graves vcios como, por exemplo, at porque semanticamente ilustrativo, o ptrio poder, que hoje poder familiar. A legislao federal vasta, especialmente a partir de 1989, sempre no esprito da Conveno. Mesmo assim, a legislao interna ainda contm dispositivos, especialmente do Cdigo Penal, refletindo uma tica discriminatria com relao mulher. Para que faamos justia, contudo, no podemos esquecer que est tramitando o Anteprojeto da Parte Especial do Cdigo Penal, que no se esqueceu de abolir algumas graves distores, como, por exemplo, o elemento mulher honesta do tipo penal de rapto33. Nem se diga de alguns resqucios na jurisprudncia que ainda sustentam a legtima defesa da honra34, garantindo a impunidade de assassinos de mulheres. Prova de que a mudana no e no deve ser s do legislador, nem deve partir s do Governo, questo de postura e conscincia social. H o entrave que o Relatrio Nacional chama de banalizao do problema na cultura da subalternidade feminina35. Na prtica, foram criados o Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres de So Paulo (1980), o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (1985) e as Delegacias Especializadas (a primeira em 1985). Hoje, so 97 Conselhos que, junto com o Conselho Nacional, participam dos eventos internacionais, fazem seminrios, campanhas na mdia, materiais de consulta, etc. Tambm cada Ministrio passou a contar com comisses voltadas para a mulher (p. ex. no Ministrio da Agricultura, a Comisso de Apoio Mulher Trabalhadora Rural). Sem prejuzo destas medidas, como orientao da prpria Conveno, tambm foram adotadas algumas aes afirmativas, como anteriormente citado. Vemos tais medidas como uma das formas de se atingir a igualdade, sempre dentro de sua caracterstica essencial de temporariedade, e com a cautela de cuidadosa anlise de sua melhor forma e abordagem.

O Relatrio Brasileiro aborda tal dispositivo, reconhecendo a existncia do vcio: no cabe subjugar o discernimento da mulher em relao a condutas sexuais, considerando-a passvel de ser ludibriada ou induzida a pratic-las. (...) Vale dizer ainda que tal conceito no aplicvel pela lei aos casos em que homens e meninos figuram como vtimas (CEDAW: Relatrio Nacional Brasileiro: Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher, Protocolo Facultativo. Coordenao Flvia Piovesan e Silvia Pimentel. Braslia: Ministrio das Relaes Exteriores, Ministrio da Justia, Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, 2002. p. 49). 34 O mesmo Relatrio Nacional, contudo, informa que, em 1999, apenas 15 acrdos foram proferidos analisando o tema legtima defesa da honra e, mesmo assim, 11 deles no acolheram a tese (p. 61-66). 35 CEDAW: Relatrio Nacional Brasileiro: Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher, Protocolo Facultativo. Coordenao Flvia Piovesan e Silvia Pimentel. Braslia: Ministrio das Relaes Exteriores, Ministrio da Justia, Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, 2002. p. 69.

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CONCLUSO A disparidade de direitos no pas, no s quanto questo feminina, embora evidente, fora-nos reconhecer que passos esto sendo dados, especialmente com a mobilizao do Governo em comunho com as entidades no-governamentais. essencial ouvir a voz do povo, na medida em que dele so os direitos, para ele serviro e com ele todos cresceremos. A modificao no apenas legislativa; exige-se, sobretudo, uma mudana de pensamento, trajeto que ser longo, mas que j se iniciou. De qualquer forma, a Lei Mxima do pas j ditou os direitos humanos como regentes de suas relaes internacionais, trazendo para seu interior a nova postura de globalizao dos direitos, onde se insere o respeito s cidads mulheres. BIBLIOGRAFIA BANCALEIRO, Cludia. O feminismo no fim de sculo. Disponvel em http:// ultimahora.publico.pt/documentos/textos/mulher/histdois.html. Acesso em 14.04.03. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduo Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRAGA, Maria Lcia de Santana. A participao feminina nas instncias decisrias: limites e possibilidades. Disponvel em http://www.oab.org.br/comissoes/cnma/ noticia/noticia.asp?id=577. Acesso em 28.05.03. CANADO TRINTADE, Antnio Augusto. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. CEDAW: Relatrio Nacional Brasileiro: Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao contra a Mulher, Protocolo Facultativo. Coordenao Flvia Piovesan e Silvia Pimentel. Braslia: Ministrio das Relaes Exteriores, Ministrio da Justia, Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher, 2002. DEBATE: Protocolo Facultativo CEDAW: Um compromisso internacional com os direitos humanos das mulheres. Contribuio AGENDE Aes em Gnero, Cidadania e Desenvolvimento. 21.05.2002. KRAMER, Heinrich; SPRENGER, James. O martelo das feiticeiras: Malleus Maleficarum. Traduo de Paulo Fres. 7. ed. Rio de Janeiro: Editora Rosa

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dos Tempos, 1991. PIMENTEL, Silvia. Evoluo dos direitos da mulher. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1978. PIOVESAN, Flvia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4. ed. So Paulo: Max Limonad, 2000. ________________. Temas de direitos humanos. 2. ed. So Paulo: Max Limonad, 2003. LIMA, Renato Srgio; TEIXEIRA, Alessandra; SINHORETTO, Jacqueline. Raa e gnero no fundamento da justia criminal. Boletim do IBCCRIM, ano 11, n 125, Abril, 2003.

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NOV ENFOQUE UM NOVO ENFOQUE DO ACESSO JUSTIA Jos Jair Ferraretto * Samuel Antonio Merbach de Oliveira**INTRODUO O desenvolvimento da cincia processual, operado nas ltimas dcadas pelo movimento por acesso a justia, representou a mais importante expresso de uma radical transformao do pensamento jurdico e das reformas normativas e institucionais em um nmero crescente de pases. Assim, importante ressaltar quanto ao movimento universal de acesso justia que a expresso acesso justia tem uma conotao peculiar e mais abrangente. No se limita o acesso ao ingresso, no Judicirio, das pretenses de potenciais lesados em seus direitos. Significa a efetiva prestao jurisdicional, com a entrega, real, da justa composio do conflito levado ao Judicirio. Com efeito, as mutaes que atingiram o processo civil foram desenvolvidas principalmente, por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em torno das denominadas trs ondas renovatrias, exemplificadas como a abertura da ordem processual aos menos favorecidos social e economicamente; a defesa de direitos e interesses supraindividuais; e, a racionalizao do prprio processo como um meio de torn-lo mais humano, participativo e menos burocrtico. Dessa forma, quando descrevemos sobre um novo enfoque do acesso justia, na verdade nos referimos terceira onda ou terceira fase do movimento de acesso justia, ou seja, ao momento em que as reformas devem ser empreendidas nos Cdigos existentes, mediante o emprego de tcnicas processuais diferenciadas, tais como a simplificao dos procedimentos e a criao de vias alternativas de soluo de controvrsias, a fim de tornar a Justia mais acessvel e clere, garantindo-se a plena realizao do direito material. Assim, observam-se diversas reformas nas leis processuais, visando agilizao do Poder Judicirio, onde se insere a questo de meios alternativos ao modelo tradicional de resoluo de conflitos: Conciliao e Mediao. A relativa informalidade, o fato de se resolver o conflito muitas vezes sem julgamento, de se permitir a continuao de um relacionamento prolongado, so algumas das vantagens destes meios de soluo de conflitos. As recentes alteraes no Cdigo de Processo Civil buscam a simplificao dos procedimentos possibilitando ao juiz a realizao de uma audincia preli* Mestre em Direito pela UNIP-Campinas, Professor da Faculdade de Direito Padre Anchieta e Advogado. ** Mestre em Direito pela PUC-Campinas, Mestre em Filosofia pela PUC-Campinas e Professor das Faculdades de Direito e de Administrao de Empresas Padre Anchieta.

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minar para tentativa de conciliao e a maior interao entre o juiz e as partes, de forma a no se necessitar de grandes debates, grandes percias, que encaream e prolonguem demasiadamente os processos. A finalidade no fazer uma justia mais pobre, mas torn-la acessvel a todos, inclusive aos pobres, visando sempre a busca da verdade e da justia social do processo. Entretanto, a busca por mecanismos mais eficientes e baratos que visem desobstruir o acesso justia no pode prejudicar o direito das partes s garantias fundamentais do processo civil, como a de um julgador imparcial, do contraditrio, e, sobretudo, de serem julgadas em consonncia com os princpios e normas dispostos em uma ordem jurdica constitucional e democraticamente determinada. A terceira onda envolve todas as tentativas de tornar o Judicirio mais aprimorado, tendo por objetivo uma melhoria na prestao jurisdicional. Nesse contexto, pode-se afirmar que as reformas pontuais produzidas no excluem e no substituem as reformas sociais e polticas, sendo mesmo inteis em ambientes sociais profundamente injustos. Nem podem ser simplesmente transplantadas de um pas para outro, pois cada regio tem suas caractersticas prprias; tambm se deve evitar a especializao demasiada, uma vez que esta traz problemas bvios de dvidas de competncia e estreitamento das vises a respeito das questes. Entretanto, embora estejamos evidenciando o momento da terceira onda, de se questionar se as reformas sugeridas pelo Poder Judicirio real concentram ateno no sentido de uma verdadeira democratizao deste Poder com a efetiva garantia do cidado justia. Parece, realmente, que o mvel que ir concretizar o acesso justia reside, isto sim, na vontade poltica de transformar conquistas legais em conquistas efetivas. 1 - FORMAS DE SOLUO DE CONTROVRSIAS 1.1 - CONCILIAO O verbo conciliar encontra sua origem etimolgica no latim conciliatio, que significa composio de nimos em diferena (DORFMANN, 1989: 43). Exprime a composio amigvel sem que se verifique alguma concesso por qualquer das partes do pretenso direito alegado ou extino de obrigao civil ou comercial (desistncia da ao, renncia ao direito, reconhecimento do pedido) (FIGUEIRA JNIOR, 1999: 126). Durante um longo perodo, os mtodos informais de soluo das controvrsias foram considerados prprios das sociedades primitivas e tribais, enquanto o processo judicial representava importante conquista da civilizao. No obstante, atualmente assistimos ao ressurgimento da conciliao, que decorre, em grande parte, da crise da Justia. De fato, o grandioso progresso cientfico do direito processual no foi equivalente ao aperfeioamento do aparelho judicirio e da administrao da Justia.

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A sociedade de massas gera conflitos de natureza coletiva ou difusa, dificilmente tratveis nos moldes clssicos da processualstica de carter individualista. Contudo, h outros problemas que tambm obstam o acesso justia, como: a demora, o custo e a burocracia processual, que afastam o cidado do Poder Judicirio, trazendo conseqncias prejudiciais sociedade. Diante dessa realidade, embora a conciliao no seja capaz de resolver todos os conflitos, pode contribuir para minimizar, sobretudo, os considerados como de pequena monta: os direitos dos consumidores, a composio dos danos mais leves, o direito de vizinhana, certas questes de famlia e as conexas ao crdito, dentre outros, podem encontrar na conciliao um instrumento adequado para uma pronta e pacfica soluo, aliviando o exerccio da funo jurisdicional, oferecendo baixos custos, alm da celeridade, e, o que mais importante, facilitando o acesso Justia. Como se sabe, temos a conciliao judicial, que a tentativa de conciliao judicial, realizada aps a instaurao do processo, e a conciliao pr-processual, entendida como instrumento alternativo de soluo dos litgios e como meio para evitar o processo. A priori, vamos abordar a conciliao judicial. O Cdigo de Processo Civil brasileiro instituiu como princpio genrico nas causas cveis o princpio da conciliao. Em todas as causas que tratarem sobre direitos disponveis, que so os direitos privados de natureza patrimonial, no incio da audincia o juiz tenta a conciliao das partes. Igual tentativa ser feita nas causas relativas a direitos de famlia desde que a matria comporte transao entre as partes e no haja ofensa ao interesse pblico (art. 447 e pargrafo nico). Tem ela natureza jurisdicional, funcionando o prprio juiz da causa como mediador; solucionada a lide, por acordo das partes, o ato resultante tem valor de sentena (art. 449), produzindo coisa julgada e s sendo rescindvel por ao rescisria (art. 485, VIII). Dispe a lei que o juiz determine de ofcio o comparecimento das partes audincia de instruo e julgamento, para antes dela tentar a conciliao (arts. 447, caput, e 448). Em virtude do pequeno xito da tentativa de conciliao, realizada apenas na audincia de instruo e julgamento a que as partes j chegam nervosas devido s atividades postulatrias, alguns juzes tm antecipado essa tentativa para momento sucessivo citao, conseguindo excelentes resultados. Segundo Cimino, a inovao, consistente na designao de audincia prvia de conciliao, dentro de 20 dias a partir da citao e durante o prazo para a resposta, tem proporcionado resultados satisfatrios. Obteve, assim, o magistrado 80% de acordos, no segundo semestre de 1979, perante a 2 Vara Distrital do Jabaquara (CIMINO, apud MORAES, 1991: 75). Observa-se que os melhores resultados da conciliao so obtidos nas questes de famlia, a par do disposto no Cdigo de Processo Civil; outros casos de conciliao vm previstos por leis especiais (separao judicial, divrcio e alimentos).

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Tambm importante salientar que a ausncia da parte audincia de conciliao tida como a presuno de que a parte no deseja acordo, devendo o juiz considerar prejudicada essa fase processual e passar instruo e julgamento, e a falta da tentativa de conciliao pelo juiz no causa prejuzo s partes, as quais, podem a qualquer tempo transigir, no havendo motivo, portanto, para se decretar a nulidade. No Direito do Trabalho brasileiro, so previstos na Consolidao das Leis do Trabalho vrios dispositivos que exigem a conciliao. O art. 764 esclarece que os dissdios individuais ou coletivos submetidos apreciao da Justia do Trabalho sero sempre sujeitos conciliao. Os juzes e Tribunais do Trabalho empregaro sempre os seus bons ofcios e persuaso no sentido de uma soluo conciliatria de conflitos (art. 764, pargrafo 1). Inexistindo acordo, o juzo conciliatrio converter-se- obrigatoriamente em arbitral, quando o juiz proferir sentena (art. 764, pargrafo 2). Mesmo depois de encerrado o juzo conciliatrio, as partes podero celebrar acordo para pr fim ao processo (art. 764, pargrafo 3). Em dois momentos, a conciliao obrigatria: antes da apresentao da defesa (art. 846) e aps as razes finais (art. 850). Entretanto, no direito do trabalho brasileiro, a conciliao recebe inmeras crticas, pela forma como costuma ser conduzida, pressionando-se indevidamente o hipossuficiente. Nesse contexto, Jorge Luiz Souto Maior descreve que: Quanto ltima tendncia determinada pela terceira onda do acesso justia, de incentivo a prticas no judiciais de soluo dos conflitos individuais, entendemos que ela no se apresenta eficaz nas relaes jurdicas trabalhistas, pois o avano para essa idia pressupe, primeiro, a eficincia de outras que lhe so antecedentes, especialmente a que diz respeito aos servios de informao sobre os direitos sociais s classes que devem ser beneficiadas por eles, e segundo, a igualdade de condies das partes que se sujeitam a uma soluo dessa natureza. Esses pressupostos no se acham presentes na realidade brasileira (SOUTO MAIOR, 1998: 149-150). A tentativa de conciliao judicial no exclui a segunda espcie de conciliao, vista como alternativa ao processo e como meio de evit-lo. Ainda, com relao Justia Trabalhista, a Lei n. 9.958/2000 inovou no cenrio jurdico trabalhista, introduzindo as Comisses de Conciliao Prvia. Mesmo com a extino do juiz classista, o juzo trabalhista no perdeu seu carter conciliatrio. Entretanto, como sabemos, o juiz de carreira, diante de suas inmeras atividades, no dispe de tempo suficiente para gastar em cada audincia na tentativa de buscar a conciliao das partes, embora seja de sua obrigao ao menos lanar propostas de pacto. Por outro lado, a conciliao fora do juzo minimiza o elevado nmero de reclamaes trabalhistas, que so interpostas nas Varas do Trabalho. Entretanto, conforme descreve Jorge Luiz Souto Maior, a tentativa de conciliao na Comisso de Conciliao Prvia no pode ser tida como condio para o ingresso em juzo, seja porque a Lei n. 9.958/2000 assim no previu expressamente, seja porque, ainda que se pudesse vislumbr-la, por uma interpretao

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ampliativa - o que no seria correto sob o ponto de vista da cincia hermenutica -, tal exigncia seria inconstitucional, por ferir a garantia do acesso justia (SOUTO MAIOR, 2000:140). Clvis Gorczevski afirma que: a conciliao extrajudicial, s vezes, se impe como condio prejudicial e obrigatria em certos tipos de processos; em outras, est disposio dos interessados, facultativa, porm, efetiva e til para resolver, sem crise de fadiga judicial, problemas de singular relevncia. Portanto, o terceiro (conciliador) pode ser imposto por uma lei ou eleito voluntariamente (GORCZEVSKI,1999: 27). Aps estas observaes, passamos a analisar os vrios sistemas de conciliao extrajudicial. Como exemplo de conciliao obrigatria temos a Constituio da Repblica Oriental do Uruguai, que no art. 225 estabelece: no se podr iniciar ningn pleito en materia civil sin acreditarse que se h tentado la conciliacin ente la Justicia de Paz, salvo las excepciones que estableciere la ley (GORCZEVSKI,1999:27). Em El Salvador, os processos sobre acidentes de trnsito sem leses s ingressam na fase judicial aps audincia de conciliao ante os Juzes de paz; na Colmbia, o Cdigo Processual Civil de 1989 determina a audincia de conciliao em todas as reas do direito, como pr-requisito para a fase judicial; no Chile, a legislao civil estabelece a tentativa de conciliao, realizada pelo Juiz de Direito, antes de prosseguir o feito; igual forma seguida na Costa Rica. Na Espanha, o ato de conciliao era tido como pressuposto de admissibilidade da ao (cujo cumprimento o juiz devia examinar antes de dar curso ao processo) at 1984, quando a reforma da legislao de processo civil tornou-o de natureza facultativa (GORCZEVSKI, 1999: 28). O modelo japons exemplo do largo uso da conciliao. Cortes de conciliao, compostas por dois membros leigos e (ao menos formalmente) por um juiz, existe h muito tempo no Japo, para ouvir as partes informalmente e recomendar uma soluo justa. A conciliao pode ser requerida por uma das partes, ou um juiz pode remeter um caso judicial conciliao. Embora seu uso e eficcia estejam em relativo declnio, a conciliao ainda muito importante no Japo. Nesse contexto os professores Kojima e Taniguchi salientam que as causas de famlia e as indenizaes por acidentes de veculos demonstram-se particularmente apropriadas ao processo de conciliao no Japo e talvez tambm o possam ser em outros pases (CAPPELLETTI & GARTH, 1998: 84). Isto posto, passamos a analisar a conciliao prvia extrajudicial no Brasil. A Constituio de 1824 estabeleceu a funo conciliativa prvia para os juzes de paz, honorrios e leigos, a qual era condio obrigatria para o incio de qualquer processo. Contudo, a instituio aos poucos foi perdendo importncia, at a transformao dos juzes de paz em rgo incumbido unicamente da habilitao e celebrao de casamentos. Dessa maneira, perdeu-se a oportunidade de se utili-

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zar a instituio como uma forma de minimizar a litigiosidade e que poderia ter dado margem ao aprimoramento de institutos tais como os juizados de conciliao, de vizinhana, de bairros etc. Todavia, a sociedade moderna propicia e incentiva as vias alternativas de soluo de conflitos. A primeira experincia, neste campo, dirigiu-se s controvrsias prprias das relaes de consumo. A proliferao de rgos estatais de defesa do consumidor foi acompanhada pelo incremento s vias conciliativas, muito utilizadas principalmente nas cidades industrializadas, com excelentes resultados. importante salientar que a proteo ao consumidor, no Brasil, no se restringe ao usurio de produtos industrializados, mas compreende as relaes locatcias, securitrias, de utilizao de servios etc. Com efeito, foi a partir da instalao dos Juizados de Conciliao no Brasil que se pde sentir uma abertura das vias de ingresso justia no tradicional, tornando os canais conciliativos uma excelente alternativa em relao emperrada justia tradicional, uma vez que esses mtodos informais parecem atingir com maior eficincia e celeridade os novos interesses da moderna sociedade de consumo. De fato, foi na experincia dos Conselhos de Conciliao do Estado do Rio Grande do Sul, depois disseminados em outros estados do sul, que se colheram os dados empricos que conduziram elaborao da lei de pequenas causas. Isto posto, o xito ou no da conciliao extrajudicial se deve primordialmente a fatores sociolgicos e antropolgicos, tendo sido tambm indicada a importncia da anlise econmica do Direito, para efeito do estudo da relao custo benefcio aplicvel a toda reforma que pretenda introduzir procedimentos no contenciosos de soluo dos conflitos de interesse. Assim, a conciliao extrajudicial reduz os bices ao acesso Justia, sendo um poderoso instrumento de soluo de certos conflitos, alternativo ao processo, mas no excludente deste. Tambm visa maior racionalizao e eficincia na administrao da Justia, bem como pacificao social, compondo e prevenindo situaes de tenses, alm de propiciar a informao, a tomada de conscincia e a politizao que decorrem da orientao jurdica. Finalmente, sendo a conciliao fruto do dilogo, da tolerncia, da renncia recproca de pequenas exigncias ou at mesmo impertinncias, ela pode ser um caminho de acesso Justia, buscando tambm a humanizao do processo. 1.1.1 - CONCILIAO NOS JUIZADOS ESPECIAIS De fato, na Lei 9099/95, o sistema dos Juizados Especiais valoriza extremamente a conciliao (arts. 21/26 e 57), devendo ser buscada sempre, a todo o momento e no somente na audincia. Nada impede que o juiz, antes de proferir a sentena, volte a insistir na conciliao; nada impede que ela ocorra antes do julgamento do recurso. Com efeito, a lei valorizou a conciliao e no deseja somente a mera tenta-

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tiva plida de acordo com simples indagao s partes sobre sua possibilidade. Deseja, sim, uma maior interao das partes com o conciliador ou juiz, desarmando-se os espritos, indicando-se os caminhos com sugestes e opes para a celebrao de um acordo que coloque fim demanda. A mudana no s de comportamento, antes de mentalidade. O rgo que representa a Justia sai de sua posio inerte e, mantendo evidentemente a igualdade das partes, formula hipteses, sugere formas de composio do litgio, adverte para os riscos em caso de prosseguimento do pleito, enfim, exerce atuao preponderante no entendimento das partes. Os conciliadores so elementos fundamentais para o bom desempenho dos Juizados Especiais. A finalidade principal do Juizado , na medida do possvel, buscar a conciliao das partes. No tocante rea criminal, o escopo fundamental do Juizado Especial Criminal obter, sempre que possvel, a reparao dos danos sofridos pela vtima e a aplicao de pena no privativa de liberdade. Nesse sentido, com muita propriedade descreve Mrcio Franklin Nogueira: Por isso, a proposta a ser formulada pelo Ministrio Pblico deve limitar-se somente a penas restritivas de direitos e multa. Seu espao de atuao limitado, ao contrrio do que ocorre no Direito NorteAmericano, em que vige em sua plenitude o princpio da oportunidade. O legislador ptrio, como j se disse, abriu um espao pequeno a este princpio. Como regra, em nosso sistema processual penal impera o princpio da legalidade (ou da obrigatoriedade da ao penal), admitindo-se, com a Lei 9099/1995, uma certa obrigatoriedade mitigada. (NOGUEIRA, 2003: 187). 1.2 - MEDIAO A mediao como forma alternativa de solucionar conflitos enquadra-se no pensamento de Mauro Cappelletti, uma vez que, ao contrrio da jurisdio tradicional, objetiva aproximar as partes, pois a autocomposio nasce e se encerra a partir das prprias partes, com a interveno de um terceiro imparcial, o mediador. A mediao ocorre quando um terceiro, chamado pelas partes, vem mediar o conflito, ouvindo as partes, aconselhando-as e fazendo propostas, para que se chegue a termo. As partes no esto obrigadas a aceitar as propostas, mas poder haver composio mediante o acordo de vontades. O mediador no tem poder de coao ou de coero sobre as partes; no toma qualquer deciso ou medida, apenas serve de intermedirio entre as partes. O mediador pode ser qualquer pessoa, mesmo sem conhecimentos jurdicos (MARTINS, 2001: 78). A mediao, em regra, extrajudicial. Todavia, tambm poder ser judicial. A mediao no se assemelha totalmente conciliao, embora haja semelhana entre ambas. Naquela, o mediador tenta aproximar os litigantes promovendo o dilogo entre eles a fim de que as prprias partes encontrem a soluo e ponham termo ao litgio. Funda-se a tcnica nos limites estritos da aproximao

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dos contendores. Diversamente, na conciliao, o terceiro imparcial chamado a mediar o conflito, o conciliador, no s aproxima as partes como ainda realiza atividades de controle das negociaes, aparando as arestas porventura existentes, formulando propostas, apontando as vantagens ou desvantagens, buscando sempre facilitar e alcanar a autocomposio (FIGUEIRA JNIOR, 1999: 132). A mediao e as outras formas alternativas de solucionar conflitos no so um fenmeno novo, e sim uma adaptao do que j existia em outros momentos histricos, sendo redescobertas em virtude das crises dos sistemas judicirios. No Brasil, exemplificando, assistimos no somente a uma crise estrutural (instalaes), funcional (pessoal) e substancial (mtodos), do Poder Judicirio, como tambm a uma crise generalizada nas Instituies (educao, sade, previdncia social, economia etc.). Na antiga China, a mediao era o principal meio de resoluo de conflitos. Conforme Confcio, a melhor soluo de um litgio se dava atravs da persuaso moral e o acordo, e no sob coao. A mediao ainda bastante utilizada na Repblica Popular da China atravs dos Comits Populares. No Japo, a mediao tambm tem uma ampla aplicao nas leis e costumes; o lder de uma comunidade ajuda os membros a solucionar seus litgios. Devido globalizao, a mediao tem se propagado bastante nos pases de origem romano-cannica, ainda no muito simpticos a esse tipo de mecanismo, mas que aos poucos vm prestigiando esse instituto jurdico, atravs da criao de diversas cmaras voltadas a essa prtica. No Brasil, por exemplo, temos o Centro de Conciliao e Arbitragem da Cmara de Comrcio Argentino-Brasileira de So Paulo. No Paraguai, a Lei 1879/02 define a mediao em seu artigo 53: La mediacin es um mecanismo voluntrio orientado a la resolucin de conflictos, atravs del cual dos o ms personas gestionan por si mismas la solucin amistosa de sus diferencias, com la asistencia de um tercero neutral y calificado, denominado mediador. O artigo 54 acrescenta que: Podrn ser objeto de mediacin todos los asuntos que deriven de uma relacin contractual u outro tipo de relacin jurdica, o se vincule a ella, siempre que dichos asuntos sean susceptibles de transacin, conciliacin o arbitraje. Na Espanha existe o IMAC Instituto de Mediao, Arbitragem e Conciliao. Na Gr-Bretanha, o Servio Consultivo de Conciliao e Arbitragem funciona tambm como procedimento de mediao, pois muitas vezes os conciliadores tambm atuam como mediadores, propondo solues. Na Austrlia, o procedimento inicial na soluo dos conflitos a mediao. vedado o acesso do pblico s reunies. Se as partes chegam a uma soluo, podem apresentar um memorando do que foi acordado. Na mediao, por constituir um mecanismo consensual, as partes apropriamse do poder de gerir seus conflitos, diferentemente da Jurisdio estatal tradicional, onde este poder delegado aos profissionais do Direito, com preponderncia queles investidos das funes jurisdicionais. Contrariamente aos processos judiciais, que so

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demorados e caros, o Instituto da Mediao tende a resolver os conflitos em um lapso de tempo muito menor do que levariam se fossem levados Justia tradicional, o que, por conseguinte, traz uma diminuio do custo indireto, pois, como sabemos, quanto maior a demora de um litgio, maiores sero os gastos para a sua soluo. No tocante ao nus financeiro, caber ao mediador esclarecer previamente os custos e honorrios para as partes. Os seus honorrios devero ser razoveis, considerando, dentre outras coisas, o servio da Mediao, o tipo e complexidade da matria, a especializao do mediador, o tempo necessrio para a concluso do processo, e a tabela de custos na comunidade em questo. A melhor maneira de se tratar de custos atravs do desenvolvimento de um acordo escrito constando os acertos em relao s despesas e honorrios. A mediao um processo informal, no qual as partes tm a oportunidade de debater os problemas que as envolvem, visando a encontrar a melhor soluo para elas. Inmeras vezes pessoas que possuem convivncia cotidiana (ou interesses ligados a relaes continuadas, tais como: vizinhana, famlia, emprego etc.) entram em discordncia por um motivo qualquer. Este o caso das relaes continuadas, no qual a questo que seria debatida na Justia tradicional uma, porm o verdadeiro conflito pode ser outro. O que ocorrer durante as reunies ser envolvido do mais absoluto sigilo. Esse dever tico do mediador de tal maneira pressuposto de sua atividade, que implicar, mediante compromisso assumido em conjunto com os mediados, o no envolvimento de seu testemunho em qualquer instncia, inclusive em juzo. Entretanto, este princpio ser desconsiderado quando o interesse pblico se sobrepuser ao das partes, ou seja, quando a quebra da privacidade for determinada por deciso legal ou judicial, ou ainda por uma atitude de poltica pblica. As decises tomadas pelas partes no necessitaro ser alvo de futura homologao pelo Judicirio. Tudo ser realizado conforme os interesses do mediados. Entretanto, pode-se produzir uma deciso totalmente injusta ou imoral, o que indicaria que houve alguma falha durante o procedimento de Mediao; ou, quando uma deciso tomada havendo comprovao de m-f, no processo, por qualquer das partes, ou pelo mediador, havendo prejuzo de uma das partes em relao s demais, poder o juiz togado, nesses casos, anular os resultados firmados. Quando da ocorrncia das decises neste sentido, entendem alguns que o mediador deve intervir, alertando para o fato. No compete ao mediador oferecer a soluo do conflito, porm de sua competncia a manuteno e a orientao do processo. Podem ser objeto da mediao todos os negcios que no incidam nas sanes da lei e no ofendam a moral e os bons costumes, ou seja, todos os negcios lcitos. Aqui, como em todos os contratos, os preceitos do art. 104, I a III, do Cdigo Civil. Nesse sentido podem ser objeto de corretagem todos os negcios, versem sobre coisas corpreas e incorpreas, mveis ou imveis, direitos e obrigaes. Assim, o art. 723 do Cdigo Civil estabelece que a mediao feita pelo corretor

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deve ser executada dentro dos princpios de diligncia e prudncia de acordo com a natureza do negcio realizado. Devido a sua natureza de contrato acessrio, a mediao pode estar presente nas convenes humanas. Mediao h na compra e venda, na hipoteca, no penhor, na fiana, na locao de servios, na locao de coisas, na empreitada, na permuta, na edio, no mtuo, no seguro, na capitalizao, na anticrese etc. Resumindo, todos os contratos onerosos podem ser objeto de mediao. A medio tambm poder ser utilizada eficazmente em problemas relativos s questes do quotidiano, tais como discordncias entre membros de instituies de ensino ou lazer, discusses familiares e entre vizinhos e conflitos sobre o meio ambiente, que tm sido as principais matrias submetidas a esse processo, muito embora seja permitido discutir em tal processo praticamente qualquer conflito cuja tentativa de resoluo por meio desse mecanismo venha a interessar s partes. No Direito Trabalhista brasileiro, a mediao exercida pelo Ministrio do Trabalho e Emprego, atravs dos delegados e inspetores do trabalho, que atuando como mediadores na mesa-redonda tentam acordos entre as partes conflitantes. H mediaes nos conflitos coletivos, principalmente no caso de greve, quando qualquer dos interessados poder comunicar a existncia do conflito ao Ministrio, que convidar a parte contrria para uma reunio. Havendo entendimento, ser formalizado o acordo coletivo de conveno coletiva, finalizando a controvrsia. Em caso contrrio, o Ministrio enviar os autos para o Tribunal Regional do Trabalho, perante o qual ser processado dissdio coletivo. As normas sobre o procedimento observado pelo Ministrio nas mediaes so previstas na CLT, art. 616, e pela Portaria n. 3.097, de 17 de maio de 1988. De fato, a inadequao de certas estruturas tradicionais para a resoluo de conflitos de massas no tocante questo dos interesses transindividuais, bem como o crescimento do nmero de demandas, buscando assumir parte de causas referentes a relaes de consumo e locao, demonstram a eficcia da utilizao da mediao como forma de complemento da atividade jurisdicional. Assim, diante da necessidade de mtodos alternativos para a soluo de conflitos, a Mediao adota como proposta bsica, a atuao facilitadora da comunicao e da negociao entre pessoas, diminuindo os bices para um efetivo acesso Justia, colaborando para a humanizao do processo. CONCLUSO Os ensinamentos traados pelo processualista Mauro Cappelletti em sua obra Acesso Justia consagram a incessante peregrinao do mesmo em busca de novos rumos ou caminhos que tornem a Justia mais idnea e adequada Sociedade e aos homens do nosso tempo, caracterizando-se sempre por um compromisso de reforma, denominada de a terceira onda renovatria. Esta trata dos entraves formais e materiais que o obstacularizam, a problemtica quanto utilizao de diferentes tcnicas processuais para tornar a Justia mais acessvel, que 34

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constitui o palco das atuais preocupaes dos processualistas modernos. Fala-se, portanto, de um novo enfoque de acesso Justia, enfoque este que reconhece a necessidade de correlacionar e adaptar o processo civil ao tipo do litgio. fundamental a reforma dos procedimentos judiciais em geral, com o emprego de tcnicas processuais diferenciadas, para tornar a Justia mais acessvel, com a simplificao dos procedimentos e a criao de vias alternativas de soluo de controvrsias. Os meios alternativos ao modelo tradicional de resoluo de conflitos, Conciliao e Mediao, com o desenvolvimento do movimento do acesso justia, vm adquirindo prestgio e importncia no mundo contemporneo. A conciliao, tambm como meio para evitar o processo, mediante solues de mediao institucionalizada, a qual pode funcionar como canal idneo para resolver certos conflitos, principalmente referentes a pequenos litgios: os direitos dos consumidores, a composio dos danos mais leves, o direito de vizinhana, certas questes de famlia e as conexas ao crdito e tantas outras contendas poderiam encontrar na conciliao o instrumento adequado para uma pronta e pacfica soluo. Embora no seja capaz de resolver todos os conflitos, pode contribuir para minimizar o exerccio da funo jurisdicional, oferecendo baixos custos, alm da celeridade, e, o que mais importante, facilitando o acesso Justia. Com efeito, sendo a conciliao fruto do dilogo, da tolerncia, da renncia recproca de pequenas exigncias ou at mesmo impertinncias, pode ser um caminho de acesso Justia, colaborando tambm para a humanizao do processo. A mediao como forma de soluo alternativa de conflitos enquadra-se muito bem no pensamento de Mauro Cappelletti a respeito de justia coexistencial, tendo-se em vista a busca da satisfao dos litigantes sem causar reflexos negativos comumente identificveis nas imposies dos julgados (ato de imprio marcado por violncia simblica), porquanto a autocomposio nasce e se encerra a partir das prprias partes, com a interveno de um terceiro imparcial, o mediador. Por fim, o acesso ordem jurdica justa, como acesso justia quer dizer acesso a um processo justo, a garantia de acesso a uma justia imparcial, que no s possibilite a participao efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que tambm permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posies sociais e as especficas situaes de direito substancial. Acesso justia significa, ainda, acesso informao e orientao jurdicas e a todos os meios alternativos de composio de conflitos. BIBLIOGRAFIA CAPPELLETTI, Mauro & GARTH Bryant. Acesso Justia. Traduo de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1998.

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Ano V - N o 9 - Novembro/2004

UTONOMIA DA ONTADE, UTONOMIA AUTONOMIA DA VONTADE, AUTONOMIA PRIVAD ADA INICIATIV TIVA: PRIVADA E LIVRE INICIATIVA: UMA VISO SOB A TICA DO CDIGO CIVIL DE 2002 Fernanda Pessanha do Amaral Gurgel*

1. INTRODUO Tem-se, com o presente trabalho, o objetivo de mostrar o contedo e a abrangncia dos princpios da autonomia privada, da autonomia da vontade e da livre iniciativa, buscando-se, para tanto, suas perspectivas no atual sistema jurdico brasileiro, e, principalmente, sua concepo nesta nova etapa de reconstruo do Direito Privado. Desta feita, primeiramente se faz necessria uma breve anlise filosfica do conceito de liberdade, vez que se trata de valor inspirador para o tema ora proposto. Sob a tica jurdica propriamente dita, vale analisar os princpios informadores do sistema jurdico de Direito Privado, ressaltando, desde j, que a