Direito constitucional descomplicado

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VICENTE PAULO

MARCELO ALEXANDRINO

RESUMO

de DIREITO

TITUCIONALDESCOMPLICADO

ED.ITORAMÉTODO

3.3 ediçãorevista e atualizada

VicenteMarcelo

Page 3: Direito constitucional descomplicado

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CIP-BRASiL. CATALOGAÇÃO NA FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

Paulo, Vicente, 1968-

Resumo de direito constitucional descompücado / Vicente Pauío, MarceloAlexandrino. - 3. ed. - Rio de Janeiro : Forense ; São Paulo : MÉTODO,2010.

Bibliografia

1. Direito constitucional - Brasil - Sínteses, compêndios, etc. I. Alexandrino, Marcelo. II. Título.

08-5006 CDU: 342(81)

ISBN 978-85-309-3162-9

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Impresso no BrasilPrínted in Brazil

2010

SUMARIO

CAPITULO 1

DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 11. Origem, conteúdo e objeto do direito constitucional 1

1.1. Constituição em sentido sociológico, político e jurídico ... 2

2. Classificação das Constituições 4

2.1. Quanto à origem 5

2.2. Quanto à forma 5

2.3. Quanto ao modo de elaboração 6

2.4. Quanto ao conteúdo 6

2.5. Quanto à estabilidade 7

2.6. Quanto à correspondência com a realidade 82.7. Quanto à extensão 8

2.8. Quanto à finalidade 9

2.9. Quanto à sistematização 9

3. Entrada em vigor de uma nova Constituição 10

3.1. Retroatividade mínima 11

3.2. Entrada em vigor da nova Constituição e a Constituiçãopretérita 12

3.2.1. Desconstitucionalízação 12

3.3. Direito ordinário pré-constitucional incompatível 133.4. Direito ordinário pré-constitucional compatível 133.5. Direito ordinário pré-constitucional não vigente 17

3.6. Direito ordinário em período de vacatio legis 18

4. Classificação das normas constitucionais quanto ao grau deeficácia e aplicabilidade 19

4.1. Normas de eficácia plena 19

4.2. Normas de eficácia contida 19

4.3. Normas de eficácia limitada 20

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VI RESUMO DE DiREiTO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

4.3.1. Eficácia das normas programáticas 22

5. Interpretação da Constituição 235.1. Princípio da unidade da Constituição 235.2. Princípio do efeito integrador 245.3. Princípio da máxima efetividade 245.4. Princípio da justeza 245.5. Princípio da harmonização 255.6. Princípio da força normativa da Constituição 255.7. Interpretação conforme a Constituição 25

6. Poder constituinte 26

6.1. Conceito 26

6.2. Titularidade e exercício 27

6.3. Espécies 286.3.1. Poder constituinte originário 286.3.2. Poder constituinte derivado 28

CAPITULO 2

PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS ... 311. Princípios fundamentais 312. Direitos e garantias fundamentais - teoria geral e regime jurí

dico 35

2.1. Origem 352.2. Os quatro status de Jellinek 362.3. Distinção entre direitos e garantias 362.4. Características 37

2.5. Classificação 372.6. Destinatários 39

2.7. Relações privadas 392.8. Natureza relativa 40

2.9. Restrições legais 402.10. Conflito (ou colisão) 41

2.11. Renúncia 42

3. Os direitos fimdamentais na CF/88 - aspectos gerais 42

3.1. Aplicabilidade imediata 433.2. Enumeração aberta 44

SUMARIO Vil

3.3. Tratados e convenções internacionais com força de emendaconstitucional 44

3.4. Tribunal Penal Internacional 45

4. Direitos e deveres individuais e coletivos previstos na CF/88(art. 5.°) 46

4.1. Direito ávida 46

4.2. Direito à liberdade 47

4.3. Princípio da igualdade (art. 5.°, caput, e inciso I) 47

4.4. Princípio da legalidade (art. 5.°, II) 48

4.5. Liberdade de expressão (art. 5.°, IV, V, LX, XFV) 50

4.6. Liberdade de crença religiosa e convicção política e filosófica (art. 5.°, VI, VII, VIII) 52

4.7. Inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honrae da imagem das pessoas (art. 5.°, X) 53

4.8. Inviolabilidade domiciliar (art. 5.°, XI) 54

4.9. Inviolabilidade das correspondências e comunicações (art.5.°, XII) 54

4.10. Liberdade de atividade profissional (art. 5.°, XIII) 56

4.11. Liberdade de reunião (art. 5.°, XVI) 56

4.12. Liberdade de associação (art. 5.°, XVII a XDC) 57

4.13. Direito de propriedade (art. 5.°, XXII a XXXI) 58

4.14. Desapropriação (art. 5.°, XXÍV) 60

4.15. Requisição administrativa (art. 5.°, XXV) 61

4.16. Defesa do consumidor (art. 5.°, XXXII) 61

4.17. Direito de informação (art. 5.°, XXXIII) 62

4.18. Direito de petição (art. 5.°, XXXIV, "a") 62

4.19. Direito de certidão (art. 5.°, XXXIV, "b") 63

4.20. Princípio da inafastabilidade de jurisdição (art. 5.°,XXXV) :. 64

4.21. Proteção ao direito adquirido, à coisa julgada e ao atojurídico perfeito (art. 5.°, XXXVI) 65

4.22. Juízo natural (art. 5.°, XXXVII e LIII) 66

4.23. Júri popular (art. 5.°, XXXVIII) 67

4.24. Princípio da legalidade penal e da retroatividade da leipenal mais favorável (art. 5.°, XXXDC e XL) 68

4.25. Vedação ao racismo (art. 5.°, XLII) 69

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VIII RESUMO DE DiRESTO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

4.26. Tortura, tráfico de entorpecentes, terrorismo, crimes hediondos e ação de grupos armados contra a ordemconstitucional (art. 5.°, XLIII e XLIV) 70

4.27. Pessoalidade da pena (art. 5.°, XLV) 704.28. Princípio da individualização da pena; penas admitidas

e penas vedadas (art. 5.°, XLVI e XLVII) 714.29. Extradição (art. 5.°, LI e LII) 714.30. Devido processo legal (art. 5.°, LIV) 72

4.30.1. Princípio da razoabílidade ou proporcionalidade ... 734.31. Contraditório e ampla defesa (art. 5.°, LV) 74

4.31.1. Ampla defesa e duplo grau de jurisdição 744.32. Vedação à prova ilícita (art. 5.°, LVT) 754.33. Princípio da presunção da inocência (art. 5.°, LVII) 774.34. Identificação criminal do civilmente identificado (art. 5.°,

LVIII) 774.35. Ação privada subsidiária da pública (art. 5.°, LLX) 784.36. Hipóteses constitucionais em que é possível a prisão (art.

5.°, LXI, LXVI) 794.37. Direito à não autoincrimmação e outros direitos do preso

(art. 5.°, LXII, LXID, LXIV e LXV) 804.38. Prisão civil por dívida (art. 5.°, LXVII) 814.39. Assistência jurídica gratuita (art. 5.°, LXXTV) 824.40. Indenização por erro judiciário e excesso na prisão (art.

5.°, LXXV) 834.41. Gratuidade do registro civil de nascimento e da certidão

de óbito (art. 5.°, LXXVI) 834.42. Celeridade processual (art. 5.°, LXXVOI) 844.43. Habeas corpus (art. 5.°, LXVHI) 844.44. Mandado de segurança (art. 5.°, LXTX e LXX) 87

4.44.1. Legitimação ativa 884.44.2. Legitimação passiva 884.44.3. Descabimento 89

4.44.4. Medida liminar 89

4.44.5. Vedação à concessão de medida liminar 894.44.6. Prazo para impetração 904.44.7. Competência 904.44.8. Duplo grau de jurisdição 904.44.9. Honorários advocatícios 90

SUMARIO IX

4.44.10. Desistência 91

4.44.11. Mandado de segurança coletivo 91

4.45. Mandado de injunção 92

4.46. Habeas data 95

4.47. Ação popular 97

5. Direitos Sociais 99

5.1. Noções 99

5.2. Direitos sociais coletivos dos trabalhadores (arts. 8.° a 11) 101

5.3. Direitos sociais e o princípio da proibição de retrocessosocial 103

5.4. Concretização dos direitos sociais e a "reserva do financeiramente possível" 103

6. Nacionalidade 105

6.1. Noções 105

6.2. Espécies de nacionalidade 106

6.3. Critérios de atribuição de nacionalidade 106

6.4. Brasileiros natos (aquisição originária) 106

6.5. Brasileiros naturalizados (aquisição secundária) 108

6.6. Portugueses residentes no Brasil 108

6.7. Tratamento diferenciado entre brasileiro nato e naturali

zado 109

6.8. Perda da nacionalidade 110

6.9. Dupla nacionalidade 110

7. Direitos políticos 111

7.1. Noções 111

7.2. Direito ao sufrágio 111

7.3. Capacidade eleitoral ativa 1127.4. Plebiscito e referendo 113

7.5. Capacidade eleitoral passiva 113

7.6. Inelegibilidades 1157.6.1. Inelegibüidade absoluta 1157.6.2. Inelegibüidade relativa 115

7.6.2.1. Motivos funcionais 116

7.6.2.2. Motivos de casamento, parentesco ou afinidade 117

7.6.2.3. Condição de militar 1197.6.2.4. Previsões em lei complementar 119

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X RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - VicentePauto &MarceloAlexandrino

7.7. Privação dos direitos políticos 1197.8. Princípio da anterioridade eleitoral 120

CAPÍTULO 3

ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA 1211. Introdução 1212. Formas de Estado 121

3. Formas de governo 1234. Sistemas de governo 1235. Regimes de governo 1266. A Federação na Constituição de 1988 127

6.1. União 1286.2. Estados-membros 129

6.2.1. Auto-organização e autolegísiação 1296.2.2. Autogoverno 1306.2.3. Autoadministração 1316.2.4. Vedações ao poder constituinte decorrente 131

6.3. Municípios r 1326.4. Distrito Federal 136

6.5. Territórios Federais 137

6.6. Formação dos estados 1376.7. Formação dos municípios 1386.8. Formação dos Territórios Federais 1396.9. Vedações constitucionais aos entes federados 139

7. Intervenção federal 1407.1. Intervenção federal espontânea 1417.2. Intervenção federal provocada 1417-3. Decreto interventivo 142

7.4. Controle político 1438. Intervenção nos municípios 143

CAPÍTULO 4

REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 1451. Noções -• 145

1.1. Espécies de competências 145

SUMÁRIO XI

1.2. Técnica adotada pela CF/88 146

2. Competências da União 147

3. Competência comum 151

4. Competência legislativa concorrente 152

5. Competências dos estados 154

6. Competências do Distrito Federal 155

7. Competências dos municípios 156

CAPÍTULO 5

PODER LEGISLATIVO 159

1. Funções 159

2. Composição 1602.1. Congresso Nacional 1602.2. Câmara dos Deputados 1612.3. Senado Federal 161

3. Órgãos 1623.1. Mesas diretoras 162

3.2. Comissões 163

3.2.1. Comissões parlamentares de inquérito 164

3.2.1.1. Criação 165

3.2.1.2. Poderes de investigação 165

3.2.1.3. Direitos dos depoentes 166

3.2.1.4. Competência 167

3.2.1.5. Incompetência 168

3.2.1.6. Controle judicial 169

3.3. Plenário 169

4. Reuniões 169

5. Atribuições 1715.Í. Atribuições do Congresso Nacional 1715.2. Atribuições da Câmara dos Deputados 1735.3. Atribuições do Senado Federal 1745.4. Convocação e pedido de informações a Ministro de Es

tado 176

6. Estatuto dos congressistas 177

6.1. Imunidades 177

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Xli RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo S Marcelo Alexandrino

6.1.1. Imunidade material 177

6.1.2. Imunidade formal 178

6.2. Foro especial em razão da função 180

6.3. Afastamento do Poder Legislativo 1816.4. Desobrigação de testemunhar 182

6.5. Incorporação às Forças Armadas 182

6.6. Subsistência das imumdades 182

6.7. Incompatibilidades 182

6.8. Perda do mandato 183

6.9. Renúncia ao mandato 184

6.10. Manutenção do mandato 185

6.11. Deputados estaduais, distritais e vereadores 185

7. Tribunais de contas 186

7.1. Tribunal de Contas da União 186

7.2. Tribunais de contas estaduais, distrital e municipais 190

CAPÍTULO 6

PROCESSO LEGISLATIVO 193

1. Conceito 193

2. Classificação 193

3. Processo legislativo ordinário 194

3.1. Fase introdutória 194

3.1.1. Iniciativa e Casa iniciadora 195

3.1.2. Iniciativa popular 195

3.1.3. Iniciativa privativa do Chefe do Executivo 1963.1.4. Iniciativa dos tribunais do Poder Judiciário 196

3.1.5. Iniciativa em matéria tributária 197

3.1.6. Iniciativa da lei de organização do Ministério Público 197

3.1.7. Iniciativa privativa e emenda parlamentar 1983.1.8. Vício de iniciativa e sanção 198

3.2. Fase constitutiva 199

3.2.1. Abolição da aprovação por decurso de prazo 1993.2.2. Atuação prévia das comissões 1993.2.3. Deliberação plenária 200

3.2.4. Aprovação definitiva pelas comissões 201

SUMARIO XIII

3.2.5. Sanção 202

3.2.6. Veto 202

3.3. Fase complementar 204

3.3.1. Promulgação 204

3.3.2. Publicação 205

4. Procedimento legislativo sumário 207

5. Processos legislativos especiais 2075.1. Emendas à Constituição 2085.2. Medidas provisórias 209

5.2.1. Desnecessidade de convocação extraordinária 2095.2.2. Limitações materiais 210

5.2.3. Procedimento legislativo 2115.2.4. Prazo de eficácia 213

5.2.5. Trancamento de pauta 213

5.2.6. Trancamento subsequente de pauta 2135.2.7. Perda de eficácia 214

5.2.8. Apreciação plenária 214

5.2.9. Conversão parcial 2155.2.10. Reedição 215

5.2.11. Medida provisória e impostos 2165.2.12. Art. 246 da Constituição Federal 216

5.2.13. Medidas provisórias anteriores à EC 32/2001 2175.2.14. Retirada 217

5.2.15. Revogação 218

5.2.16. Apreciação judicial dos pressupostos constitucionais 219

5.2.17. Medida provisória nos estados-membros 2195.3. Leis delegadas , 219

5.4. Decretos legislativos 221

5.5. Resoluções 221

6. Processo legislativo nos estados-membros e municípios 2227. Controle judicial do processo legislativo 222

CAPÍTULO 7

MODIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 2251. Mutação, revisão e reforma 225

Page 8: Direito constitucional descomplicado

XIV RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

1.1. Revisão constitucional 226

1.2. Emenda constitucional 227

2. Limitações ao poder de reforma 2282.1. Limitações temporais 2292.2. Limitações circunstanciais 2292.3. Limitações processuais ou formais 229

2.3.1. Limitações processuais ligadas à apresentação daproposta de emenda à Constituição 229

2.3.2. Limitações processuais ligadas à deliberação sobrea proposta de emenda à Constituição 230

2.3.3. Limitações processuais ligadas à promulgação daemenda 231

2.3.4. Limitações processuais ligadas à vedação de re-apreciação de proposta rejeitada ou havida porprejudicada 231

2.4. Limitações materiais 232

2.4.1. A expressão "não será objeto de deliberação" 2332.4.2. A expressão "tendente a abolir" 234

2.4.3. Cláusula pétrea e "os direitos e garantias individuais" 234

3. Controle judicial do processo legislativo de emenda 235

4. Controle judicial de emenda promulgada 236

5. Reforma da Constituição estadual 237

CAPÍTULO 8

PODER EXECUTIVO 239

1. Noção de presidencialismo 239

2. Funções 2403. Investidura 240

4. Impedimentos e vacância , 242

5. Atribuições 243

6. Vice-Presidente da República 246

7. Ministros de Estado 246

8. órgãos consultivos 2479. Responsabilização 248

9.1. Crimes de responsabilidade 248

SUMARIO XV

9.2. Crimes comuns 250

9.2.1. Imunidades 250

9.2.2. Prerrogativa de foro 251

10. Governadores de estado 253

CAPÍTULO 9

PODER JUDICIÁRIO 255

1. Introdução 255

2. Órgãos do Poder Judiciário 2563. Funções típicas e atípicas 258

4. Garantias do Poder Judiciário 258

5. Organização da carreira 260

6. Garantias aos magistrados 262

7. Vedações 263

8. Subsídios dos membros do Poder Judiciário 263

9. Conselho Nacional de Justiça 264

10. Supremo Tribunal Federal 268

10.1. Competências 268

11. Superior Tribunal de Justiça 271

11.1. Competências 272

12. Justiça Federal 274

13. Justiça do Trabalho 277

14. Justiça Eleitoral 280

15. Justiça Militar 282

16. Justiça Estadual 282

17. Justiça do Distrito Federal 283

18. Justiça dos Territórios 283

19. "Quinto constitucional" 284

20. Julgamento de autoridades 284

21. Precatórios judiciais 286

21.1. Exceção ao regime de precatórios 287

21.2. Ordem de pagamento 287

21.3. Atualização monetária e juros 28821.4. Seqüestro de valor 289

Page 9: Direito constitucional descomplicado

XVI RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

21.5. Vedação ao fracionamento 28921.6. Compensação de créditos 29021.7. Uso e cessão de valor consignado em precatório 290

CAPÍTULO 10

FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA 2911. Introdução 2912. Ministério Público 291

2.1. Composição 2922.2. Posição constitucional 2922.3. Princípios do Ministério Público 293

2.3.1. Princípio da unidade 2932.3.2. Princípio da indivisibilidade 2932.3.3. Princípio da independência funcional 2932.3.4. Autonomia administrativa e financeira 294

2.3.5. Princípio do promotor natural 2952.4. Funções do Ministério Público 2952.5. Ingresso na carreira 2962.6. Nomeação dos Procuradores-Gerais 2962.7. Garantias dos membros : 298

2.8. Vedações constitucionais 2982.9. Conselho Nacional do Ministério Público 299

2.10. Ministério Público junto aos tribunais de contas 3012.11. Prerrogativa de foro 301

3. Advocacia pública 302

4. Advocacia 303

5. Defensoria pública 304

CAPÍTULO 11

CONTROLE DE CONSTITUCIONALEDADE 307

1. Introdução 3072. Conceito e espécies de inconstitucionalidades 309

2.1. Inconstituckmalidade por ação e por omissão 3092.2. Inconstitucionalídade material e formal 310

2.3. Inconstituckmalidade total e parcial 310

SUMÁRIO XVII

2.4. Inconstitucionalídade direta e indireta 311

2.5. Inconstitucionalidade originária e superveniente 3123. Sistemas de controle 313

4. Modelos de controle 313

5. Vias de ação 314

6. Momento do controle 315

7. Características gerais do controle jurisdicional de constítucio-nalidade na Constituição de 1988 315

8. Fiscalização não jurisdicional 317

8.1. Poder Legislativo 3188.2. Poder Executivo 319

8.3. Tribunais de contas 320

9. Controle difuso 320

9.1. Introdução 320

9.2. Legitimação ativa 321

9.3. Espécies de ações judiciais 3219.4. Competência 322

9.5. Efeitos da decisão 323

9.6. Atuação do Senado Federal 324

9.7. Súmula vinculante 326

9.7.1. Iniciativa 327

9.7.2. Atuação do Procurador-Geral da República 3289.7.3. Manifestação de terceiros 328

9.7.4. Requisitos 328

9.7.5. Deliberação 329

9.7.6. Alcance da força vinculante ...., 3299.7.7. Início da força vinculante 330

9.7.8. Descumprimento da súmula vinculante 330

9.7.9. Situação das súmulas anteriores à EC 45/2004 330

10. Controle abstrato 331

10.1. Introdução 331

10.2. Ação direta de inconstitucionalidade 331

10.2.1. Conceito 331

10.2.2. Legitimação ativa 332

10.2.3. Objeto 334.

10.2.4. Causa de pedir aberta 335

Page 10: Direito constitucional descomplicado

XVIII RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

10.2.5. Petição inicial 336

10.2.6. Imprescritibilidade 337

10.2.7. Impossibilidade de desistência 337

10.2.8. Pedido de informações 337

10-2-9. Impossibilidade de intervenção de terceiros 338

10.2.10. Admissibilidade de amicus curiae 338

10.2.11. Atuação do Advogado-Geral da União ....; 339

10.2.12. Atuação do Procurador-Geral da República 340

10.2.13. Medida cautelar em ADI 341

10.2.14. Decisão de mérito 343

10.2.14.1. Deliberação 343

10.2.14.2. Natureza dúplice ou ambivalente 344

10.2.14.3. Efeitos da decisão 344

10.2.14.4. Modulação dos efeitos temporais 346

10.2.14.5. Definitividade da decisão de mérito ... 347

10.2.14.6. Momento da produção de efeitos 34710.3. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão 347

10.3.1. Introdução 347

10.3.2. Legitimação ativa 348

10.3.3. Legitimação passiva 349

10.3.4. Objeto 350

10.3.5. Atuação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República 350

10.3.6. Concessão de medida cautelar 350

10.3.7. Efeitos da decisão de mérito - 351

10.4. Ação declaratória de constitucionalidade 351

10.4.1. Introdução 351

10.4.2. Principais aspectos comuns 352

10.4.3. Objeto 354

10.4.4. Relevante controvérsia judicial 354

10.4.5. Pedido de informações aos órgãos elaboradores danorma 354

10.4.6. Medida cautelar 355

10.4.7. Não atuação do Advogado-Geral da União 355

10.5. Arguição de descumprimento de preceito fundamental ... 356

SUMARIO XIX

10.5.1. Introdução 356

10.5.2. Objeto da ADPF e conteúdo do pedido 35610.5.3. Preceito fundamental 357

10.5.4. Subsidiariedade da ADPF 358

10.5.5. Competência e legitimação 358

10.5.6. Medida liminar 359

10.5.7. Decisão 359

10.6. Controle abstrato nos estados 363

10.6.1. Introdução 363

10.6.2. Competência 364

10.6.3. Legitimação 364

10.6.4. Parâmetro de controle 364

10.6.5. Simultaneidade de ações diretas 364

10.6.6. Recurso extraordinário contra decisão de ADI

estadual 366

10.6.7. Distrito Federal 368

10.6.8. Representação interventiva 368

CAPÍTULO 12

DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS 369

1. Introdução 369

2. Estado de defesa 369

2.1. Prazo 370

2.2. Abrangência 371

2.3. Medidas coercitivas 371

2.4. Controle 372

3. Estado de sítio 373

3.1. Pressupostos 373

3.2. Duração 3743.3. Abrangência 374

3.4. Medidas coercitivas 374

3.5. Controle 375

4. Forças armadas 378

5. Segurança pública 380

Page 11: Direito constitucional descomplicado

XX RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

CAPITULO 13

ORDEM ECONÔMICA E FINANCEERA 383

1. Introdução 3832. Princípios gerais da atividade econômica 384

2.1. Fundamentos: livre-iníciativa e valorização do trabalhohumano 384

2.2. Princípios básicos da ordem econômica 3852.2.1. Soberania nacional 385

2.2.2. Propriedade privadae sua função social 3862.2.3. Livre concorrência 386

2.2.4. Defesa do consumidor 387

2.2.5. Defesa do meio ambiente 387

2.2.6. Redução das desigualdades regionais e sociais ebusca do pleno emprego 388

2.3. Liberdade de exercício de atividades econômicas 388

2.4- Atuação do Estado como agente econômico em sentidoestrito 389

2.5. Atuação do Estado como prestador de serviços públicos ... 3912.6. Atuação do Estado como agente econômico, em regime

de monopólio 3932.7. Atuação do Estado como agente regulador 3942.8. Exploração de recursos minerais e potenciais de energia

hidráulica 395

3. Política urbana 396

4. Política agrícola e fundiária; reforma agrária 3985. Sistema financeiro nacional 401

CAPÍTULO 14

ORDEM SOCIAL 403

1. Seguridade social 4031.1. Saúde (arts. 196 a 200) 4041.2. Previdência social (arts. 201 e 202) 406

1.2.1. Regras para aposentadoria 4071.2.2. Regime de previdência privada complementar 407

1.3. Assistência social (arts. 203 e 204) 408

2. Educação (arts. 205 a 214) 409

SUMARIO XXI

2.1. Princípios constitucionais do ensino 409

2.2. Autonomia das universidades 410

2.3. Deveres do Estado em relação ao ensino 4102.4. Participação da iniciativa privada 4112.5. Organização dos sistemas de ensino 411

2.6. Aplicação de recursos na educação 4122.7. Plano nacional de educação 413

3. Cultura (arts. 215 e 216) 413

4. Desporto (art. 217) 414

5. Ciência e tecnologia (arts. 218 e 219) 4156. Comunicação social (arts. 220 a 224) 415

6.1. Comunicação social e liberdade de informação 4156.2. Regras acerca dos meios de comunicação e programa

ção 416

6.3. Participação do capital estrangeiro 4176.4. Controle pelo Poder Legislativo, outorga e renovação da

concessão, permissão ou autorização 417

7. Meio ambiente (art. 225) 418

8. Proteção à família, à criança, ao adolescente e ao idoso 4199. índios 421

BIBLIOGRAFIA 423

Page 12: Direito constitucional descomplicado

DIREITO CONSTITUCIONAL

E CONSTITUIÇÃO

j 1. ORIGEM, CONTEÚDO EOBJETO DO DIREITO CONSTITUCIONAL

I Denomina-se constitucionalismo o movimento político, jurídico e| ideológico que concebeu ou aperfeiçoou a idéia de estruturação racionalj do Estado e de limitação do exercício de seu poder, concretizadas pelaI elaboração de um documento escrito destinado a representar sua lei fun-| damental e suprema.

| Identifica-se a origem do constitucionalismo com a Constituição dos| Estados Unidos, de 1787, e a Constituição da França, de 1791. Ambas são| Constituições escritas e rígidas, inspiradas nos ideais de racionalidade doI Iluminismo do século XVIII e, sobretudo, na valorização da liberdade formal| (laissez faire) e do individualismo, marcas centrais do Liberalismo, corrente| de pensamento hegemônica nos campos político, jurídico e econômico dos| séculos XVIII, XLX, e primeiro quartel do século XX.? O conteúdo dessas primeiras Constituições escritas e rígidas, de orien-1 tação liberal, resumia-se ao estabelecimento de regras acerca da organizaçãoI do Estado, do exercício e transmissão do poder e à limitação do poder do| Estado, assegurada pela enumeração de direitos e garantias fundamentais doí indivíduo.i| Com o seu desenvolvimento, em um período seguinte, o Direito Cons-I titucional, aos poucos, foi se desvinculando dos ideais puramente liberais. AI Constituição assume uma nova feição, de norma jurídica e formal, protetora1 dos direitos humanos.

Page 13: Direito constitucional descomplicado

2 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Em decorrência dessa evolução de pensamento, a Constituição deixoude retratar exclusivamente uma certa forma de organização política —a doEstado liberal, com sua ideologia - e passou a representar o espelho de todae qualquer forma de organização política. O conteúdo do Direito Constitucional desatou-se de considerações doutrinárias ou ideológicas, passando atratar das regras fundamentais de estruturação, funcionamento e organizaçãodo poder, não importando o regime político adotado.

O Direito Constitucional é um ramo do direito público, fundamental àorganização, ao funcionamento e à configuração política do Estado. Nessepapel, de direito público fundamental, o Direito Constitucional estabelece aestrutura do Estado, a organização de suas instituições e órgãos, o modo deaquisição e exercício do poder, bem como a limitação desse poder, por meio,especialmente, da previsão dos direitos e garantias fundamentais.

O objeto de estudo do Direito Constitucional é a Constituição, entendidacomo a lei fundamental e suprema de um Estado, que rege a sua organizaçãopolítico-jurídica.

As normas de uma Constituição devem dispor acerca da forma do Estado,dos órgãos que integram a sua estrutura, das competências desses órgãos,da aquisição do poder e de seu exercício. Além disso, devem estabeleceras limitações ao poder do Estado, especialmente mediante a separação dospoderes (sistema de freios e contrapesos) e a enumeração de direitos e garantias fundamentais.

No Estado moderno, de cunho raarcadamente social, a doutrina constitu-cionalista aponta o fenômeno da expansão do objeto das Constituições, que têmpassado a tratar de temas cada vez mais amplos, estabelecendo, por exemplo,finalidades para a ação estatal. Isso explica a tendência contemporânea deelaboração de Constituições de conteúdo extenso (Constituições analíticasou prolixas) e preocupadas com os fins estatais, com o estabelecimento deprogramas e linhas de direção para o futuro (Constituições dirigentes ouprogramáticas).

1.1. Constituição em sentido sociológico, político e jurídico

Na visão sociológica, a Constituição é concebida como fato social, e nãopropriamente como norma. O texto positivo da Constituição seria resultadoda realidade social do País, das forças sociais que imperam na sociedade,em determinada conjuntura histórica. Caberia à Constituição escrita, tãosomente, reunir e sistematizar esses valores sociais num documento formal,documento este que só teria eficácia se correspondesse aos valores presentesna sociedade.

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO

Representante típico da visão sociológica de Constituição foi FerdinandLassalle, segundo o qual a Constituição de um país é, em essência, a somados fatores reais de poder que nele atuam, vale dizer, as forças reais quemandam no país. Para Lassalle, constituem os fatores reais do poder as forçasque atuam, política e legitimamente, para conservar as instituições jurídicasvigentes. Dentre essas forças, ele destacava a monarquia, a aristocracia, agrande burguesia, os banqueiros e, com específicas conotações, a pequenaburguesia e a classe operária.

A concepção política de Constituição foi desenvolvida por Carl Schmitt,para o qual a Constituição é uma decisão política fundamental.

Para Schmitt, a validade de uma Constituição não se apoia na justiça desuas normas, mas na decisão política que lhe dá existência. O poder constituinte eqüivale, assim, à vontade política, cuja força ou autoridade é capazde adotar a concreta decisão sobre o modo e a forma da própria existênciapolítica do Estado.

Nessa concepção política, Schmitt estabeleceu uma distinção entre Constituição e leis constitucionais: a Constituição disporia somente sobre as matérias de grande relevância jurídica, sobre as decisões políticas fundamentais(organização do Estado, princípio democrático e direitos fundamentais, entreoutras); as demais normas integrantes do texto da Constituição seriam, tãosomente, leis constitucionais.

Em sentido jurídico, a Constituição é compreendida de uma perspectiva estritamente formal, apresentando-se como pura norma jurídica, comonorma fundamental do Estado e da vida jurídica de um país, paradigmade validade de todo o ordenamento jurídico e instituidora da estruturabásica desse Estado. A Constituição consiste, pois, num sistema de normas jurídicas.

O pensador mais associado à visão jurídica de Constituição é o austríacoHans Kelsen, que desenvolveu a denominada Teoria Pura do Direito.

Para Kelsen, a Constituição é considerada como norma, e norma pura,como puro dever-ser, sem qualquer consideração de cunho sociológico, políticoou filosófico. Embora reconheça a relevância dos fatores sociais numa dadasociedade, Kelsen sempre defendeu que seu estudo não compete ao juristacomo tal, mas ao sociólogo e ao filósofo.

Segundo a visão de Hans Kelsen, a validade de uma norma jurídicapositivada é completamente independente de sua aceitação pelo sistemade valores sociais vigentes em uma comunidade, tampouco guarda relaçãocom a ordem moral, pelo que não existiria a obrigatoriedade de o Direitocoadunar-se aos ditames desta (moral). A ciência do Direito não tem a funçãode promover a legitimação do ordenamento jurídico com base nos valores

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RESUMO DEDIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

sociais existentes, devendo unicamente conhecê-lo e descrevê-lo de formagenérica, hipotética e abstrata.

Kelsen desenvolveu dois sentidos para a palavra Constituição: (a) sentidológico-jurídico; (b) sentido jurídico-positivo.

Em sentido lógico-jurídico, Constituição significa a norma fundamentalhipotética, cuja função é servir de fundamento lógico transcendental da validade da Constituição em sentido jurídico-positivo.

Em sentido jurídico-positivo, Constituição corresponde à normapositivasuprema, conjunto de normas que regulam a criação de outras normas, leinacional no seu mais alto grau. Ou, ainda, corresponde a certo documentosolene que contém um conjunto de normas jurídicas que somente podem seralteradas observando-se certas prescrições especiais.

Dessas concepções de Constituição, a relevante para o Direito modernoé a jurídico-positiva, a partir da qual a Constituição é vista como normafundamental, criadora da estrutura básica do Estado e parâmetro de validadede todas as demais normas.

Sentido Sociológico

A Constituição é a somados fatores reais depoder que regem umanação (poder econômico,militar, político, religiosoetc), de forma que aConstituição escrita sóterá eficácia, isto é, sódeterminará efetivamente

as inter-reiações sociaisdentro de um Estadoquando for construída emconformidade com taisfatores; do contrário, teráefeito meramente retórico

("folha de papel").

Sentido Político

A Constituição é umadecisão poüticafundamental sobre a

definição do perfi! primordialdo Estado, que teria porobjeto, principalmente,a forma e o regimede governo, a formade Estado e a matriz

ideológica da nação; asnormas constantes do

documento constitucional

que não derivem" dadecisão política fundamentainão são "Constituição",mas, tão somente, "leisconstitucionais".

Sentido Jurídico

A Constituição écompreendida de umaperspectiva estritamenteformal, consistindo nanorma fundamental deum Estado, paradigmade validade de todo oordenamento jurídico einstituidora da estrutura

básica do Estado; aConstituição é consideradacomo norma pura, como

puro dever-ser, semqualquer consideração decunho sociológico, políticoou filosófico.

2. CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES

Algumas Constituições possuem texto extenso, dispondo sobre as maisdiversas matérias. Outras apresentam texto reduzido, versando, tão somente,sobre matérias substancialmente constitucionais, relacionadas com a organização básica do Estado. Algumas permitem a modificação do seu texto por

Cap. 1 * DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO

meio de processo legislativo simples, idêntico ao de modificação das demaisleis, enquanto outras só podem ser alteradas por processo legislativo maisdificultoso, solene. A depender dessas e de outras características, recebem dadoutrina distintas classificações, conforme exposto nos itens seguintes.

2.1. Quanto à origem

Quanto à origem, as Constituições podem ser outorgadas, populares oucesaristas.

As Constituições outorgadas são impostas, isto é, nascem sem participaçãopopular. São resultado de um ato unilateral de vontade da pessoa ou do grupodetentor do poder político, que resolve estabelecer, por meio da outorga deum texto constitucional, certas limitações ao seu próprio poder.

As Constituições democráticas (populares ou promulgadas) são produzidascom a participação popular, em regime de democracia direta (plebiscito oureferendo), ou de democracia representativa, neste caso, mediante a escolha,pelo povo, de representantes que integrarão uma "assembléia constituinte"incumbida de elaborar a Constituição.

As Constituições cesaristas são outorgadas, mas dependem de ratificaçãopopular por meio de referendo. Deve-se observar que, nesse caso, a participação popular não é democrática, pois cabe ao povo somente referendar avontade do agente revolucionário, detentor do poder.

Na história do constitucionalismo brasileiro, tivemos Constituições democráticas (1891, 1934, 1946 e 1988) e Constituições outorgadas (1824,1937, 1967 e 1969).

2.2. Quanto à forma

Quanto à forma, as Constituições podem ser escritas ou não escritas.

Constituição escrita é o conjunto de normas sistematizado em um únicodocumento, para determinar a organização fundamental do Estado. A Constituição escrita é elaborada num determinado momento, por um órgão que tenharecebido a incumbência para essa tarefa, sendo formalizada em um documentoescrito e único. É também denominada Constituição instrumental.

Nas Constituições não escritas (costumeiras ou consuetudinárías), asnormas constitucionais não são solenemente elaboradas, em um determinadoe específico momento, por um órgão especialmente encarregado dessa tarefa,tampouco estão codificadas em um documento único. Tais normas encontram--se em leis esparsas, costumes, jurisprudência e convenções. Exemplo é a

Page 15: Direito constitucional descomplicado

6 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Constituição inglesa, país em que parte das normas sobre organização doEstado é consuetudinária.

2.3. Quanto ao modo de elaboração

Quanto ao modo de elaboração, as Constituições podem ser dogmáticasou históricas.

As Constituições dogmáticas, sempre escritas, são elaboradas em umdado momento, por um órgão constituinte, segundo os dogmas ou idéiasfundamentais da teoria política e do Direito então imperantes. Poderão serortodoxas ou simples (fundadas em uma só ideologia) ou ecléticas ou com-promissórias (formadas pela síntesede diferentes ideologias, que se conciliamno texto constitucional).

As Constituições históricas (ou costumeiras), não escritas, resultam dalenta formação histórica, do paulatino evoluir das tradições, dos fatos socio-políticos, representando uma síntese histórica dos valores consoUdados pelaprópria sociedade, como é o caso da Constituição inglesa.

2.4. Quanto ao conteúdo

Quanto ao conteúdo, temos Constituição material (ou substancial) eConstituição formal.

Na concepção material de Constituição, consideram-se constitucionaissomente as normas, escritas ou não escritas, que cuidam de assuntos essenciais à organização e ao funcionamento do Estado e estabelecem os direitosfundamentais (matérias substancialmente constitucionais). Leva-se em conta,para a identificação de uma norma constitucional, o seu conteúdo. Não importa o processo de elaboração ou a natureza do documento que a contém;ela pode, ou não, estar vazada em uma Constituição escrita.

Nessa visão, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição das competências, ao exercício da autoridade,à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais comosociais; tudo quanto for, enfim, conteúdo essencial referente à estruturaçãoe ao funcionamento da ordem político-jurídica exprime o aspecto material(ou substancial) de uma Constituição.

Na concepção formal de Constituição, são constitucionais todas asnormas que integram uma Constituição escrita, elaborada por um processoespecial (rígida), independentemente do seu conteúdo. Nessa visão, leva-seem conta, exclusivamente, o processo de elaboração da norma: todas as

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO

normas integrantes de uma Constituição escrita, solenemente elaborada, serãoconstitucionais. Não importa, em absoluto, o conteúdo da norma.

2.5. Quanto à estabilidade

A classificação das Constituições quanto ao grau de estabilidade (ou alte-rabilidade) leva em conta a maior ou a menor facilidade para a modificaçãodo seu texto, dividindo-as em imutáveis, rígidas, flexíveis ou semirrígidas.

A Constituição imutável é aquela que não admite modificação do seu texto.Essa espécie de Constituição está em pleno desuso, em razão da impossibilidade de sua atualização diante da evolução política e social do Estado.

A Constituição é rígida quando exige um processo legislativo especial paramodificação do seu texto, mais difícil do que o processo legislativo de elaboração das demais leis do ordenamento. A Constituição Federal de 1988 é dotipo rígida, pois exige um procedimento especial (votação em dois turnos, nasduas Casas do Congresso Nacional) e um quorum qualificado para aprovaçãode sua modificação (aprovação de, pelo menos, três quintos dos integrantes dasCasas Legislativas), nos termos do art. 60, § 2.°, da Carta Política.

A Constituição flexível é aquela que permite sua modificação pelo mesmoprocesso legislativo de elaboração e alteração das demais leis do ordenamento, como ocorre na Inglaterra, em que as partes escritas de sua Constituiçãopodem ser juridicamente alteradas pelo Parlamento com a mesma facilidadecom que se altera a lei ordinária.

A Constituição semirrígida é a que exige um processo legislativo maisdifícil para alteração de parte de seus dispositivos e permite a mudança deoutros dispositivos por um procedimento simples, semelhante àquele de elaboração das demais leis do ordenamento.

Na história do Constitucionalismo brasileiro, unicamente a Constituição do Império (1824) foi semirrígida, pois exigia, no seu art. 178, umprocesso especial para modificação de parte do seu texto (por ela mesmaconsiderado substancial), mas, ao mesmo tempo, permitia a modificaçãoda parte restante por meio de processo legislativo simples, igual ao deelaboração das demais leis. Todas as outras Constituições do Brasil foramdo tipo rígida, inclusive a atual.

Vale registrar que o Prof. Alexandre de Moraes classifica a Constituição Federal de 1988 como super-rígida, tendo em conta existirem nela asdenominadas cláusulas pétreas (normas que não podem ser abolidas, nemmesmo mediante emenda à Constituição). Ressalvamos, entretanto, que aexistência de cláusulas pétreas não tem relação necessária com o conceitode rigidez constitucional.

Page 16: Direito constitucional descomplicado

8 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

2.6. Quanto à correspondência com a realidade

O constitucionalista alemão Karl Loewenstein desenvolveu uma classificação para as Constituições, baseada na correspondência existente entre otexto constitucional e a realidade política do respectivo Estado, dividindo--as em três grupos: Constituições normativas, Constituições nominativas eConstituições semânticas.

As Constituições normativas são as que efetivamente conseguem, porestarem em plena consonância com a realidade social, regular a vida políticado Estado. Em um regime de Constituição normativa, os agentes do podere as relações políticas obedecem ao conteúdo, às diretrizes e às limitaçõesconstantes do texto constitucional.

As Constituições nominativas são aquelas que, embora tenham sidoelaboradas com o intuito de regular a vida política do Estado, não conseguem efetivamente cumprir esse papel, por estarem em descompasso cora arealidade social. As disposições constitucionais não conseguem efetivamentenormatizar o processo real de poder no Estado.

As Constituições semânticas, desde sua elaboração, não têm ofim deregulara vida política do Estado, de orientar e limitar o exercício do poder. Objetivam,tãosomente, formalizar e manter o poder político vigente, conferir legitimidadeformal ao grupo detentor do poder. Nas palavras de Karl Loewenstein, seria"uma constituição que não é mais que uma formalização da situação existentedo poder político, em benefício único de seus detentores".

2.7. Quanto à extensão

No tocante à extensão, as Constituições são classificadas em analíticase sintéticas.

Constituição analítica (larga, prolixa, extensa ou ampla) é aquela de conteúdo extenso, que versa sobre matérias outras que não a organização básicado Estado. Em regra, contém normas substancialmente constitucionais, normasapenas formalmente constitucionais e normas progrãmáticas, que estabelecemfins, diretrizes e programas sociais para a atuação futura dos órgãos estatais.É o caso, por exemplo, da Constituição Federal de 1988.

Constituição sintética (concisa, breve, sumária ou sucinta) é aquela quepossui conteúdo abreviado, e que versa, tão somente, sobre a organizaçãobásica do Estado e o estabelecimento de direitos fundamentais, isto é, sobre matérias substancialmente constitucionais, deixando a pormenorização àlegislação infraconstitucional. É o caso, por exemplo, da Constituição dosEstados Unidos da América, composta de apenas sete artigos originais evinte e sete emendas.

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO

2.8. Quanto à finalidade

Uma classificação moderna, de grande relevância, é a que distingue asConstituições em Constituição-garantia, Constituição-balanço e Constituiçãodirigente, no tocante a suas finalidades.

Constituição-garantia, de texto reduzido (sintética), é Constituição que temcomo preocupação maior a limitação dos poderes estatais, isto é, a imposiçãode limites à ingerência do Estado na esfera individual. Daí a denominação"garantia", indicando que o texto constitucional preocupa-se em fixar asgarantias individuais frente ao Estado.

Constituição-balanço é aquela destinada a registrar um dado estágiodas relações de poder no Estado. A Constituição é elaborada para espelharcerto período político, findo o qual é elaborado um novo texto constitucional para o período seguinte. Exemplo típico foi o que aconteceu na URSS,que adotou Constituições seguidas (1924, 1936 e 1977), cada qual com afinalidade de refletir um distinto estágio do Socialismo (fazer um "balanço"de cada estágio).

Constituição dirigente, de texto extenso (analítica), é aquela que definefins, programas, planos e diretrizes para a atuação futura dos órgãos estatais.É a Constituição que estabelece, ela própria, um programa para dirigir aevolução política do Estado, um ideal social a ser futuramente concretizadopelos órgãos do Estado. O termo "dirigente" significa que o legislador constituinte "dirige" a atuação futura dos órgãos governamentais, por meio doestabelecimento de programas e metas a serem perseguidos por estes. Assim,o elemento que caracteriza uma Constituição como dirigente é a existência,no seu texto, das denominadas "normas progrãmáticas", que estabelecemum programa, um ramo inicialmente traçado pela Constituição, que deve serperseguido pelos órgãos estatais.

2.9. Quanto à sistematização

No tocante à sistematização, as Constituições são classificadas em codificadas e legais.

Constituições codificadas são aquelas sistematizadas em um único documento.

Constituições legais são as integradas por documentos diversos, fisicamente distintos, como foi o caso da Terceira República Francesa, formadapor inúmeras leis constitucionais, redigidas em momentos distintos, tratandocada qual de elementos substancialmente constitucionais.

Page 17: Direito constitucional descomplicado

10 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

• Outorgadas

* Populares (Democráticas,Promulgadas)

• Cesaristas

Origem

• Escritas

* Não EscritasForma

* Dogmáticas

• HistóricasModo de Elaboração

• Formal

• Material (Substancial)Conteúdo

, Quadra Geral de -

Ciassificaçãcrdas •*Constituições __

• Rígida

• Flexível

• Semirrígida

Estabilidade

* Normativa

* Nominativa

* Semântica

Correspondência coma Realidade

• Sintética (Concisa)

*Analítica (Prolixa)Extensão

• Garantia

• Balanço

• Dirigente (Programãtica}

Finalidade

* Codificadas

• LegaisSistematização

3. ENTRADA EM VIGOR DE UMA NOVA CONSTITUIÇÃO

As normas de uma nova Constituição projetam-se sobre todo o ordenamento jurídico, revogando aquilo que com elas seja incompatível, conferindonovo fundamentode validade às disposiçõesinfraconstitucionaise reorientandoa atuação de todas as instâncias de poder, bem como as relações entre osindivíduos ou grupos sociais e o Estado.

Neste tópico, serão analisadas as principais situações atinentes à entradaem vigor de uma nova Constituição. Passemos a elas.

Cap. 1 - DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 11

3.1. Retroatívidade mínima

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as novas normasconstitucionais, salvo disposição expressa era contrário, se aplicam de imediato, alcançando, sem limitações, os efeitos futuros de fatos passados.

Essa eficácia especial das normas constitucionais recebe a denominaçãode retroatívidade mínima.

Assim, no Brasil, não havendo norma expressa determinando a retroatívidade - caso houvesse, esta sempre seria possível -, o texto constitucionalalcançará apenas os efeitos futuros de negócios celebrados no passado (re-troatividade mínima).

Como exemplo de aplicação da regra de retroatívidade mínima, tome-seo disposto no art. 7.°, inciso IV, da Constituição Federal, que veda a vincu-lação do salário-mínimo para qualquer fim.

Esse preceito impede, por exemplo, que salários e proventos de aposentadoria ou pensão sejam vinculados ao salário-mínimo - seria algo comoestabelecer que um aposentado fizesse jus a um provento de, por exemplo,"seis salários-mínimos" -, o que implicaria aumento automático do salárioou provento, sempre que houvesse majoração do valor do salário-mínimo.

Pois bem, com base no entendimento de que as normas constitucionaissão dotadas de retroatívidade mínima, o Supremo Tribunal Federal decidiuque a vedação da vinculação do salário-mínimo, constante do inciso IV doart. 7.° da Carta de 1988, teve aplicação imediata, com a promulgação daConstituição, incidindo sobre as prestações futuras de pensões que foramestipuladas antes de 5 de outubro de 1988, não havendo que se falar emdireito adquirido.

Significa dizer, em simples palavras, que a vedação de vinculação dosalário-mínimo tem aplicabilidade imediata, incidindo sobre os efeitos futurosde fatos consumados no passado. Na hipótese tratada no exemplo acima, osproventos de pensão relativos aos meses posteriores à data de promulgaçãoda Constituição de 1988 (efeitos fiituros) deixaram de estar vinculados aosalário-mínimo, muito embora a pensão houvesse sido concedida, com vinculação dos proventos ao salário-mínimo, em período anterior à promulgaçãoda Constituição de 1988 (fato consumado no passado).

É importante anotar que o Supremo Tribunal Federal entende que a regrageral de retroatívidade mínima somente se aplica às normas constitucionaisfederais. As Constituições dos estados, diferentemente, sujeitam-se integralmente à vedação do art. 5.°, inciso XXXVI (proteção ao direito adquirido,ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada), vale dizer, não podem retroagir(admitidas certas exceções, adiante estudadas).

Page 18: Direito constitucional descomplicado

12 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Da mesma forma, a retroatívidade mínima não alcança as normas infra-constitucíonaís (leis e atos normativos em geral). Estas também se submetemà regra da irretroatividade (admitidas certas exceções, adiante estudadas),prescrita no art. 5.°, XXXVI, da Carta Política.

3.2. Entrada em vigor da nova Constituição e a Constituiçãopretérita

A promulgação de uma Constituição revoga integralmente a Constituiçãoantiga, independentemente da compatibilidade entre os seus dispositivos.

Promulgada a nova Constituição, a anterior é retirada do ordenamentojurídico, globalmente, sem que caiba cogitar a verificação de compatibilidadeentre os seus dispositivos, isoladamente. A perda de vigência da Constituição pretérita é sempre total, em bloco. Há uma autêntica revogação total,ou ab-rogação.

Essa é a posição dominante no nosso País, perfilhada, sem controvérsiadigna de nota, pelo Supremo Tribunal Federal, órgão do Poder Judiciárioque dispõe da competência para ditar a última palavra quando o assunto éDireito Constitucional.

Apenas para efeito de registro, mencionamos que há uma corrente doutrinária minoritária que propugna uma orientação diferente, conhecida comotese da desconstitucionalízação, explicada a seguir.

3.2.1 Desconstitucionaiizaçõo

Segundo os partidários da chamada "desconstitucionalização", a promulgação de uma Constituição não acarretaria, obrigatoriamente, a revogaçãoglobal da Constituição passada.

Para eles, seria necessário examinar cada dispositivo da Constituiçãoantiga, a fim de verificar quais conflitariam com a nova Constituição, e quaisseriam compatíveis com ela.

Com base nessa análise, os dispositivos incompatíveis seriam considerados revogados pela nova Constituição, e os dispositivos compatíveis seriamconsiderados por ela recepcionados. Porém, o seriam na condição de leiscomuns, como se fossem normas infraconstitucionais.

Conclui-se que esses preceitos compatíveis, por serem consideradosrecepcionados com o status de lei, poderiam ser modificados ou revogados,no novo ordenamento, por outras normas também infraconstitucionais. Éesse o motivo da denominação "desconstitucionalização": os dispositivos daConstituição antiga, compatíveis com a nova, ao serem recepcionados, in

Cap. 1 • DIREITOCONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 13

gressariam e se comportariam no novo ordenamento como se fossem merasnormas infraconstitucionais.

A vigente Constituição Federal não adotou a desconstitucionalização.

3.3. Direito ordinário pré-constitucional incompatível

As normas integrantes do direito ordinário anterior que sejam incompatíveis com a nova Constituição não poderão ingressar no novo ordenamentoconstitucional. A nova Constituição, ápice de todo o ordenamento jurídico, efundamento de validade deste, não pode permitir que leis antigas, contrárias aseus princípios e regras, continuem a ter vigência sob sua égide. Assim, todas asleis pretéritas conflitantes com a nova Constituição serão revogadas por esta.

Esse é o entendimento consagrado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, e aceito pela doutrina dominante no Brasil. É válido paratodas as espécies normativas pretéritas infraconstitucionais, alcançando nãosó as leis formais, mas decretos, regimentos, portarias, atos administrativosera geral etc.

Entretanto, nem todos os constitucionalistas concordam com essa orientação. Defendem alguns autores que revogação obrigatoriamente pressupõeo confronto entre normas de mesma natureza, de mesma hierarquia. Segundoeles, uma Constituição somente poderia revogar outra Constituição, uma leisó poderia ser revogada por outra lei, um decreto por outro decreto, e assimpor diante. Não seria cabível, por essa lógica, cogitar a revogação de direitoinfraconstitucional pela Constituição Federal, pois as normas respectivas nãotêm a mesma natureza, o mesmo nível hierárquico.

Dessa forma, prosseguindo nesse raciocínio —repita-se, discrepante denossa jurisprudência e doutrina majoritária —, a nova Constituição acarretariaa denominada inconstitucionalidade superveniente do direito subconstitu-cionaí anterior com ela incompatível.

3.4. Direito ordinário pré-constitucional compatível

Se as leis pré-constitucionais em vigor no momento da promulgação danova Constituição forem compatíveis com esta, serão recepcionadas.

Significa dizer que ganharão nova vida no ordenamento constitucionalque se inicia. Essas leis perdem o suporte de validade que lhes dava a Constituição anterior, com a revogação global desta. Entretanto, ao mesmo tempo,elas recebem da Constituição promulgada novo fundamento de validade.

Mas, nem todo o direito pré-constitucional compatível com a nova Constituição poderá ser por ela recepcionado. Para que a norma pré-constitucional

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14 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

seja recepcionada pela nova Constituição, deverá ela cumprir, cumulativamente, três requisitos: (i) estar em vigor no momento da promulgação danova Constituição; (ii) ter conteúdo compatível com a nova Constituição;(iii) ter sido produzida de modo válido (de acordo com a Constituição desua época).

Examinemos, separadamente, esses três requisitos.Pelo primeiro deles é exigido que a norma esteja em vigor na data da

promulgação da nova Constituição para que possa ser recepcionada. Valedizer, a recepção não alcança normas não vigentes. Se a norma não estiverem vigor no momento da promulgação da nova Constituição, a sua situaçãojurídica deverá ser examinada à luz do instituto da repristinação (conformeserá explicado à frente), e não pela aplicação da teoria da recepção.

Consoante o segundo requisito, a norma a ser recepcionada deve ter conteúdo não conflitante com o conteúdo da nova Constituição. Como é sabido,a nova Constituição inaugura uma nova ordem jurídica, rompendo com todaa ordem anterior. Logo, é evidente que a nova Constituição não permitiráque leis antigas, que contenham disposições contrárias aos seus comandos,ingressem no regime constitucional que se inicia. A compatibilidade material(de conteúdo) com a nova Constituição é, portanto, aspecto essencial para ofim de recepção do direito pré-constitucional.

Finalmente, para que a norma pré-constitucional seja recepcionada é indispensável que ela tenha sido produzida de modo válido, isto é, de acordocom as regras estabelecidas pela Constituição de sua época. Se a norma foiproduzida em desacordo com a Constituição de sua época, não poderá seraproveitada (recepcionada) por Constituição futura. Ainda que essa norma,editada em desacordo com a Constituição de sua época, esteja em vigor nomomento da promulgação da nova Constituição, e seja plenamente compatívelcom esta, não será juridicamente possível a sua recepção. Se a lei nasceuinconstitucional, não se admite que Carta Política futura a constitucionalize,vale dizer, no nosso ordenamento, não é juridicamente possível a ocorrênciada constitucionalidade superveniente.

Em linhas bastante simplificadas, constate-se que o direito pré-constitucional ordinário validaraente produzido e em vigor no momento da promulgaçãoda nova Constituição: (a) no caso de compatibilidade, será recepcionadopela nova Constituição; (b) no caso de incompatibilidade, será revogadopela nova Constituição.

Nos parágrafos seguintes pormenorizaremos como se dá o exame dessacompatibilidade entre o direito pré-constitucional e a Constituição futura.

O primeiro ponto relevante diz respeito à identificação dos critérios quedevem ser adotados nesse confronto entre direito ordinário pretérito e novotexto constitucional.

Cap. 1 - DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 15

Deve-se anotar que, no cotejo entre norma antiga e nova Constituição,somente se leva em conta a denominada compatibilidade material, o quesignifica que será a norma recepcionada, se o seu conteúdo for compatívelcom a nova Constituição, ou será revogada, caso o seu conteúdo seja incompatível com a nova Constituição. Em todos os casos, são inteiramenteirrelevantes quaisquer aspectos formais da norma antiga. Em resumo, no casode compatibilidade material, teremos recepção; no caso de incompatibilidadematerial, teremos revogação.

E importante atentar para o fato de que a recepção ou revogação do ordenamento infraconstitucional passado não precisa ser expressa. Promulgadaa nova Constituição, mesmo que não haja nenhum dispositivo em seu textoque assim disponha, ocorrerá, tacitamente, naquele momento, a revogação dasnormas pré-constitucionais com ela materialmente incompatíveis e a recepçãodaquelas com ela materialmente compatíveis.

A força (status), no novo ordenamento constitucional, da norma pré--constitucional recepcionada será determinada pela nova Constituição, deacordo com a espécie normativa por ela exigida para a disciplina da matériasobre a qual versa a norma antiga.

Assim, caso, na vigência da Constituição antiga, fosse exigida lei ordinária para regular a matéria, e a nova Constituição tenha passado a exigirlei complementar para o tratamento do mesmo assunto, a lei ordinária antiga (vaiidamente produzida), sendo materialmente compatível com a novaConstituição, será sem dúvida recepcionada, mas o será com o status de leicomplementar. Vale dizer, sob a nova Constituição a lei ordinária recepcionadaterá força de lei complementar. Portanto, no novo ordenamento constitucional,só poderá ser alterada ou revogada por outra lei complementar, ou por atonormativo de superior hierarquia, como uma emenda à Constituição (nãoé correto afirmar que uma lei só possa ser revogada por outra lei; uma lei- ordinária, delegada ou complementar - pode, também, ser revogada poroutra norma de superior hierarquia, como uma emenda à Constituição quecom ela seja materialmente incompatível).

Outro ponto que merece comentário diz respeito à possibilidade de arecepção alcançar apenas partes de um ato normativo. A análise quanto àcompatibilidade material deve ser feita de maneira individualizada, dispositivorjor dispositivo, conforme a disciplina dada à matéria tratada em cada qual.E possível, por exemplo, em uma lei pretérita que tivesse quarenta artigos,apenas oito deles serem recepcionados.

Pode ocorrer, também, recepção de somente parte de um dispositivo dalei antiga que foi recepcionada. Assim, a parte final do caput de um artigoda lei pré-constitucional, ou alguma expressão desse mesmo caput podemnão ter sido recepcionadas pela nova Constituição Federal de 1988; ou, em

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16 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

um artigo da lei antiga com diversos incisos, podem alguns incisos ter sidorecepcionados, e outros revogados pela nova Constituição.

Da mesma forma, pode acontecer que, na mesma lei pré-constitucional,tenhamos dispositivos recepcionados com diferentes status pela nova Constituição. Imagine-se uma lei pré-constitucional com dois artigos que versemsobre matérias distintas, tendo a nova Constituição passado a exigir leicomplementar para o tratamento da matéria regulada em um deles e continuado a permitir que lei ordinária discipline o assunto constante do outro.Nessa situação hipotética, um dos artigos seria recepcionado com força delei complementar, e o outro com status de lei ordinária.

Conforme afirmamos acima, na data da promulgação da nova Constituição, as normas pré-constitucionais com ela materialmente incompatíveis sãotacitamente revogadas, afastadas do ordenamento jurídico, enquanto as que,validamente produzidas, forem materialmente compatíveis são recepcionadas.Porém, ulteriormente, diante de um caso concreto, poderá surgir dúvida emrelação à validade de determinada lei pré-constitucional, ou seja, sobre elater sido (ou não) recepcionada pela nova Constituição.

Em situações como essa, havendo controvérsiaa respeito da revogação (ouda recepção) de alguma norma pré-constitucional, caberá ao Poder Judiciáriodecidir se a norma foi recepcionada ou revogada pela nova Constituição. Deacordo com a interpretação dada ao texto e aos princípios da nova Constituição, fixará o Poder Judiciário o entendimento a respeito da recepção (ouda revogação) da norma antiga.

Entretanto, enfatize-se que a recepção ou revogação do direito pré--constitucional ocorre, sempre, na data da promulgação do novo textoconstitucional. Não importa a data em que a recepção ou revogação venhaa ser, diante de uma eventual controvérsia, declarada pelo Poder Judiciário. Se, diante de uma controvérsia concreta, o Supremo Tribunal Federalfirma entendimento, hoje, de que determinada norma pré-constitucional foirevogada pela Constituição Federal de 1988, não estará essa revogaçãoocorrendo somente agora, com a prolação do acórdão pelo Tribunal. Adecisão do Poder Judiciário será meramente declaratória, retroativa à datade promulgação da Constituição Federal (05.10.1988), isto é, o Poder Judiciário estará reconhecendo a revogação da norma pré-constitucional desdea promulgação do novo texto constitucional (05.10.1988). Igual raciocínioaplica-se à decisão do Poder Judiciário que reconheça, hoje, a recepção denorma pré-constitucional.

As emendas constitucionais têm o mesmo efeito sobre o direito ordinário a elas anterior, no que concerne à recepção ou à revogação das normasdele integrantes. Dessarte, quando é promulgada uma emenda constitucional,são revogadas as leis até então existentes, que sejam com ela materialmente

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 17

incompatíveis, não cabendo cogitar de inconstitucionalidade supervenientefrente à emenda. Na mesma esteira, permanecem em vigor as normas infraconstitucionais anteriores à emenda, validamente produzidas e que nãoconflitera materialmente com ela, segundo as mesmas regras descritas quantoà recepção das normas ordinárias pretéritas por uma nova Constituição.

3.5. Direito ordinário pré-constitucional não vigente

Conforme visto antes, a recepção é fenômeno tácito, que ocorre independentemente de disposição expressa no texto da nova Constituição. Porém,só é juridicamente possível haver recepção do direito pré-constitucionalcuja vigência não tenha cessado antes do momento da promulgação danova Constituição. Se a norma não mais estiver no ordenamento jurídicono momento da promulgação da nova Constituição, não há que se falarem recepção.

Seria o caso, por exemplo, de uma lei que, editada em 1980, sob a vigência da Constituição Federal de 1969, tenha sido declarada inconstitucionalem controle abstrato —portanto, retirada do ordenamento jurídico - dois diasantes da promulgação da Constituição Federal de 1988, por ofensa à Constituição Federal de 1969. Seria, também, ainda exemplificando, a situaçãode uma lei editada na vigência da Constituição de 1967 que, em razão deincompatibilidade material, não tivesse sido recepcionada pela Constituiçãode 1969.

Em ambos os exemplos, seria irrelevante a eventual constatação de queessas leis tivessem conteúdo plenamente compatível com a ConstituiçãoFederal de 1988. A nova Constituição não restaura, automaticamente, tacitamente, a vigência das leis que não mais estejam em vigor no momentode sua promulgação.

Se o legislador constituinte assim desejar, a vigência das leis poderá serrestaurada pela nova Constituição, mas por meio de disposição expressa noseu texto. Tem-se, nesse caso, a denominada repristinação, que, como dito,forçosamente deve ser expressa.

Em síntese, para as leis que não estejam em vigor no momento depromulgação de uma nova Constituição, por terem sido, antes, retiradas doordenamento jurídico, tem-se o seguinte: (a) se a nova Constituição nada dissera respeito, não haverá a restauração da vigência da lei (não haverá repristinação tácita); (b) a nova Constituição poderá restaurar a vigência da lei,desde que o faça expressamente (poderá ocorrer repristinação expressa).

O quadro abaixo sintetiza as diferenças entre recepção e repristinaçãodo direito pré-constitucional.

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18 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

5?;"£^-s^í^í:>rVRecepção3-\;-^ •;!''.- '̂í:*>-^ i> -£•-£%! fpi '^Z^w^^?^^}S^^'^^C'-iZ:Direito pré-constitucional em vigor nomomento da promulgação da novaConstituição.

Direito pré-constitucional não mais vigenteno momento da promulgação da novaConstituição.

Fenômeno tácito, que ocorreindependentemente de disposição expressana nova Constituição.

Fenômeno que só ocorre se houverdisposição expressa na nova Constituição.

3.6. Direito ordinário em período de vacatio legis

Situação diversa da estudada no tópico anterior é a da lei que esteja no períodode vacatio legis no momento da promulgação de uma nova Constituição.

Conforme consabido, cabe ao legislador a fixação do momento de entradaem vigor da lei que ele edita. Usualmente, no Brasil, o legislador prevê oinício da vigência da lei na data da sua publicação. Para tanto, insere, notexto da própria lei, um artigo determinando: "esta lei entra em vigor nadata de sua publicação".

Nada impede, entretanto, que o legislador estabeleça outro momento,posterior à publicação, para o início da vigência da lei. Isso costuma acontecerquando a matéria tratada na lei possui reflexos muito relevantes nas relaçõessociais em geral. Ilustra essa asserção o Código Civil atual, publicado emjaneiro de 2002, com previsão, em seu art. 2.044, de entrada em vigor umano após a sua publicação.

O legislador poderá, ainda, ser omisso, não fixando no texto da lei a datade início da sua vigência. Nesse caso aplica-se o disposto no art. 1.° da Leide Introdução ao Código Civil (LICC), segundo o qual a lei começa a vigorarno Brasil 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada.

Em todos os casos em que o início da vigência da lei é posterior à datade sua publicação, o período compreendido entre a publicação e a data devigência é denominado vacatio legis (vacância da lei). A lei em vacância jáintegra o ordenamento jurídico, mas permanece sem vigência, sem incidir,sem força obrigatória para os seus destinatários.

Vejamos, agora, uma situação hipotética. Uma lei foi publicada em setembro de 1988, sem conter cláusula que dispusesse sobre seu início de vigência.Diante da omissão, essa lei só entraria em vigor no Brasil 45 (quarenta e cincodias) depois de sua publicação. Logo, na data da promulgação da ConstituiçãoFederal de 1988 (05.10.1988), a lei estaria no período de vacatio legis.

Embora não exista consenso a respeito, a posição doutrinária dominante éque a lei vacante não entrará em vigor no novo ordenamento constitucional,isto é, não poderá ela ser recepcionada pela nova Constituição.

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 19

4. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO AOGRAU DE EFICÁCIA E APLICABILIDADE

As normas constitucionais são dotadas de variados graus de eficáciajurídicae aplicabilidade, de acordo com a normatividade que lhes tenha sido outorgadapelo constituinte, fato que motivou grandes doutrinadores a elaborarem diferentespropostas de classificação dessas normas quanto a esse aspecto.

O Constitucionalismo moderno refuta a idéia da existência de normasconstitucionais desprovidas de eficácia jurídica. Reconhece-se que todas asnormas constitucionais possuem eficácia, mas se admite que elas se diferenciam quanto ao grau dessa eficácia e quanto a sua aplicabilidade.

O Prof. José Afonso da Silva formulou uma classificação das normasconstitucionais, que, sem dúvida, é a predominantemente adotada pela doutrina e jurisprudência pátrias. Para o eminente constitucionalista, as normasconstitucionais, quanto ao grau de eficácia, classificam-se em:

a) normas constitucionais de eficácia plena;

b) normas constitucionais de eficácia contida;

c) normas constitucionais de eficácia limitada.

4.1. Normas de eficácia plena

As normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que, desdea entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade deproduzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações que o legislador constituinte, direta e normativamente,quis regular.

As normas de eficácia plena não exigem a elaboração de novas normaslegislativas que lhes completem o alcance e o sentido, ou lhes fixem o conteúdo, porque já se apresentam suficientemente explícitas na definição dosinteresses nelas regulados. São, por isso, normas de aplicabilidade direta,imediata e integral.

4.2. Normas de eficácia contida

As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos à determinadamatéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competênciadiscricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nostermos de conceitos gerais nelas enunciados.

Page 22: Direito constitucional descomplicado

20 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

As normas de eficácia contida são, assim, normas constitucionais dotadas de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, porque sujeitas arestrições que limitem sua eficácia e aplicabilidade. Essas restrições poderãoser impostas:

a) pelo legislador infraconstitucional (por exemplo, art. 5.°, incisos VIII eXIII);

b) por outras normas constitucionais (por exemplo, arts. 136 a 141, que, diantedo estado de defesa e estado de sítio, impõem restrições aos direitos fundamentais);

c) como decorrência do uso, na própria norma constitucional, de conceitosético-jurídicos consagrados, que comportam um variável grau de indetermi-nação, tais como ordem pública, segurança nacional, integridade nacional,bons costumes, necessidade ou utilidade pública, perigo público iminente(ao fixar esses conceitos, o Poder Público poderá limitar o alcance de normas constitucionais, como é o caso do art. 5.°, incisos XXIV e XXV, queimpõem restrições ao direito de propriedade, estabelecido no inciso XXIIdo mesmo artigo).

Um bom exemplo de norma constitucional de eficácia contida é o art.5.°, inciso XIII:

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ouprofissão, atendidas as qualificações profissionais que a leiestabelecer;

Essa norma assegura, desde logo, o exercício de qualquer trabalho, ofícioou profissão, mas sujeita-se à imposição de restrições por parte do legisladorordinário, devendo ser interpretada da seguinte maneira: (a) enquanto nãoestabelecidas em lei as qualificações profissionais necessárias para o exercíciode determinada profissão, o seu exercício será amplo, vale dizer, qualquerpessoa poderá exercê-la; (b) em um momento seguinte, quando a lei vier aestabelecer as qualificações profissionais necessárias para o exercício dessaprofissão, só poderão exercê-la aqueles que atenderem a essas qualificaçõesprevistas em lei.

4.3. Normas de eficácia limitada

As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que não produzem, com a simples entrada em vigor, os seus efeitos essenciais, porque olegislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria,uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legisladorordinário ou a outro órgão do Estado.

Cap. 1 - DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 21

São de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente a partir de uma normação ulterior que lhes desenvolva aeficácia.

O Prof. José Afonso da Silva ainda classifica as normas de eficácia

limitada em dois grupos distintos:

a) as definidoras de princípio institutivo ou organizativo;

b) as definidoras de princípio programático.

As normas definidoras de princípio institutivo ou organizativo sãoaquelas pelas quais o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que, emum momento posterior, sejam estruturados em definitivo, mediante lei. Sãoexemplos: "a lei disporá sobre a organização administrativa e judiciária dosTerritórios" (art. 33); "a lei disporá sobre a criação, estruturação e atribuiçõesdos Ministérios" (art. 88); "a lei regulará a organização e o funcionamentodo Conselho de Defesa Nacional" (art. 91, § 2.°); "a lei disporá sobre aconstituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições deexercício dos órgãos da Justiça do Trabalho" (art. 113)-

Por sua vez, essas normas constitucionais definidoras de princípio institutivo ou organizativo podem ser impositivas ou facultativas.

São impositivas aquelas que determinam ao legislador, em termos peremptórios, a emissão de uma legislação íntegrativa (por exemplo, art. 20,§ 2.°; art. 32, § 4.°; art. 33; art. 88; art. 91, § 2.°).

São facultativas ou permissivas quando não impõem uma obrigação,mas se limitam a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ouregular a situação nelas delineada (por exemplo, art. 22, parágrafo único;art. 25, § 3.°; art. 125, § 3.°).

As normas constitucionais definidoras de princípios programáticossão aquelas em que o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a lhes traçar os princípiose diretrizes, para serem cumpridos pelos órgãos integrantes dos poderesconstituídos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos),como programas das respectivas atividades, visando à realização dosfins sociais do Estado.

Constituem programas a serem realizados pelo Poder Público, disciplinando interesses econômico-sociais, tais como: realização da justiça social;valorização do trabalho; amparo à família; combate ao analfabetismo etc.Esse grupo é composto pelas normas que a doutrina constitucional denomina normas progrãmáticas, de que são exemplos o art. 7.°, XX; o art. 7.°,XXVII; o art. 173, § 4.°; o art. 216, § 3.°.

Page 23: Direito constitucional descomplicado

22 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo S Marcelo Alexandrino

Eficácia e

Aplicabilidadedas Normas

Constitucionais (JoséAfonso da Silva) -

Eficácia Plena

— Eficácia Contida

Eficácia Limitada

De Princípio Institutivoou Organizativo

De PrincípioProgramático

Impositivas

Facultativas

4.3.1. Eficácia das normas progrãmáticas

Vimos que as normas constitucionais progrãmáticas são aquelas de eficácia limitada que requerem dos órgãos estatais uma detenninada atuação,na consecução de um objetivo traçado pelo legislador constituinte. Como aprópria denominação indica, estabelecem um programa, um rumo inicialmentetraçado pela Constituição - e que deve ser perseguido pelos órgãos estatais(exemplos: arts. 23, 205, 211, 215 e 218 da Constituição).

Essas normas não produzem seus plenos efeitos com a mera promulgaçãoda Constituição. Afinal, corno estabelecem programas a serem implementadosno futuro, é certo que só produzirão seus plenos efeitos ulteriormente, quandoesses programas forem, efetivamente, concretizados.

Entretanto, não se pode afirmar que as normas progrãmáticas sejam desprovidas de eficácia jurídica enquanto não regulamentadas ou implementadosos respectivos programas. As normas que integram uma Constituição do tiporígida são jurídicas e, sendo jurídicas, têm normatividade. Afirmar que essasnormas não produzem os seus plenos efeitos com a entrada em vigor daConstituição, antes da exigida regulamentação e implementação, não significaque sejam elas desprovidas de qualquer eficácia jurídica.

O constitucionalismo moderno firma que as normas progrãmáticas, embora não produzam seus plenos efeitos de imediato, são dotadas da chamadaeficácia negativa, isto é:

a) revogam as disposições contrárias ou incompatíveis com os seus comandos(o direito ínfraconstitucional anterior à norma constitucional programáticanão é recepcionado; diz-se que ela tem eficácia paralisante); e

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 23

b) impedem que sejam produzidas normas ulteriores que contrariem os programas por elas estabelecidos (a norma programática é paradigma paradeclaração de inconstitucionalidade do direito ordinário superveniente quelhe seja contrário; diz-se que ela tem eficácia impeditiva).

Além dessa eficácia negativa (paralisante e impeditiva), a norma programática também serve de parâmetro para interpretação do texto constitucional,uma vez que o intérprete da Constituição deve levar em conta todos os seuscomandos, com o fim de harmonizar o conjunto dos valores constitucionaiscomo integrantes de uma unidade.

5. INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

O-Constitucionalismo-moderno refuta a teso-in-claris cessat interpretatio,que entendia ser desnecessária a interpretação se o conteúdo do dispositivoa ser aplicado fosse por demais evidente. Modernamente, é reconhecida aimprescindibilidade da interpretação em todos os casos, especialmente quandose trata de leis constitucionais.

Interpretar as normas constitucionais significa compreender, investigar oconteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto constitucional. Trata-se de tarefa não só dos tribunais do Poder Judiciário, mastambém dos Poderes Legislativo e Executivo.

A interpretação constitucional não tem natureza substancialmente diferenteda que se opera em outras áreas. São, portanto, aplicáveis à interpretaçãoconstitucional os mesmos métodos de interpretação das demais normas jurídicas - gramatical, teleológico, sistemático, histórico etc. Ao lado destes,entretanto, como decorrência da superioridade hierárquica das normas constitucionais, existem alguns princípios próprios, que norteiam a interpretaçãodas Constituições, apresentados a seguir.

5.1. Princípio da unidade da Constituição

Segundo este princípio, o texto de uma Constituição deve ser interpretadode forma a evitar contradições (antinomias) entre suas normas, sobretudoentre os princípios constitucíonalmente estabelecidos.

O intérprete deve considerar a Constituição na sua globalidade, procurandoharmonizar suas aparentes contradições; não pode interpretar suas disposiçõescomo normas isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados emum sistema interno unitário de regras e princípios. O intérprete, os juizes eas demais autoridades encarregadas de aplicar os comandos constitucionais

Page 24: Direito constitucional descomplicado

24 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

devem compreendê-los, na medida do possível, como se fossem obras de umsó autor, exprimindo uma unidade harmônica e sem contradições.

Como decorrência do princípio da unidade da Constituição, temos que:

a) todas as normas contidas numa Constituição formal tèm igual dignidade- não há hierarquia, relação de subordinação entre os dispositivos da LeiMaior;

b) não existem normas constitucionais originárias inconstitucionais - devidoà ausência de hierarquia entre os diferentes dispositivos constitucionais, nãose pode reconhecer a inconstitucionalidade de uma norma constitucional emface de outra, ainda que uma delas constitua cláusula pétrea;

c) não existem antinomias normativas verdadeiras entre os dispositivos constitucionais —o texto constitucional deverá ser lido e interpretado de modoharmônico e com ponderação de seus princípios, eliminando-se com issoeventuais antinomias aparentes.

5.2. Princípio do efeito integrador

Corolário do princípio da unidade da Constituição, o princípio integradorsignifica que, na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deve-se darprimazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração políticae social e o reforço da unidade política.

5.3. Princípio da máxima efetividade

O princípio da máxima efetividade (ou princípio da eficiência, ou princípio da interpretação efetiva) reza que o intérprete deve atribuir à normaconstitucional o sentido que lhe dê maior eficácia, mais ampla efetividadesocial.

Embora sua origem esteja ligada à eficácia das normas progrãmáticas, éhoje princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais,sendo, sobretudo, invocado no âmbito dos direitos fundamentais (em caso dedúvida, deve-se preferir a interpretação que lhes reconheça maior eficácia).

5.4. Princípio da justeza

O princípio da justeza (ou da conformidade funcional) estabelece que oórgão encarregado de interpretar a Constituição não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecidopelo legislador constituinte.

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Cap. 1 • DIREITOCONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 25

Assim, a aplicação das normas constitucionais proposta pelo intérpretenão pode implicar alteração na estrutura de repartição de poderes e exercício das competências constitucionais estabelecida pelo poder constituinteoriginário.

5.5. Princípio da harmonização

Este princípio é decorrência lógica do princípio da unidade da Constituição, exigindo que os bens jurídicos constitucionalmente protegidospossam coexistir harmoniosamente, sem predomínio, em abstrato, de unssobre outros.

O princípio da harmonização (ou da concordância prática) impõe acoordenação e combinação dos bens jurídicos - quando se verifique conflitoou concorrência entre eles - de forma a evitar o sacrifício (total) de uns emrelação aos outros.

Fundamenta-se na idéia de igualdade de valor dos bens constitucionais(ausência de hierarquia entre dispositivos constitucionais) que, no caso deconflito ou concorrência, impede, como solução, a aniquilação de uns pelaaplicação de outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentosrecíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância práticaentre esses dispositivos.

5.6. Princípio da força normativa da Constituição

Este princípio impõe que, na interpretação constitucional, seja dada prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da Constituição(normativa), contribuem para urna eficácia ótima da Lei Fundamental.

Segundo esse postulado, o intérprete deve valorizar as soluções quepossibilitem a atualização normativa, a eficácia e a permanência da Constituição.

Enfim, o intérprete não deve negar eficácia ao texto constitucional, massim lhe conferir a máxima aplicabilidade.

5.7. Interpretação conforme a Constituição

O princípio da interpretação conforme a Constituição impõe que, nocaso de normas polissêmícas ou plurissignificativas (que admitem mais deuma interpretação), dê-se preferência à interpretação que lhes compatibilizeo sentido com o conteúdo da Constituição.

Page 25: Direito constitucional descomplicado

26 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Como decorrência desse princípio, temos que:

a) dentre as várias possibilidades de interpretação, deve-se escolher a que nãoseja contrária ao texto da Constituição;

b) a regra é a conservação da validade da lei, e não a declaração de suainconstitucionalídade; uma lei não deve ser declarada inconstitucional quando for possível conferir a ela uma interpretação em conformidade com aConstituição.

Porém, a doutrina e a jurisprudência apontam limites à utilização dainterpretação conforme a Constituição:

a) o intérprete não pode contrariar o texto literal e o sentido da norma interpretada, a fim de obter concordância da lei com a Constituição;

b) a interpretação xorjforme.--aXonstituição_só--é_admitida quando existe, defato, um espaço de decisão (espaço de interpretação) em que sejam admissíveis várias propostas interpretativas, estando pelo menos uma delas emconformidade com a Constituição, que deve ser preferida às outras, emdesconformidade com ela;

c) no caso de se chegar a um resultado interpretativo de uma lei inequivocamente em contradição com a Constituição, não se pode utilizar a interpretação conforme a Constituição; nessa hipótese, impõe-se a declaração dainconstitucionalidade da norma;

d) deve o intérprete zelar pela manutenção da vontade do legislador, devendoser afastada a interpretação conforme a Constituição, quando dela resultaruma regulação distinta daquela originariamente almejada pelo legislador. Seo resultado interpretativo conduz a uma regra em manifesta dissintonia comos objetivos pretendidos pelo legislador, há que ser afastada a interpretaçãoconforme a Constituição, sob pena de transformar o intérprete em ilegítimolegislador positivo.

6. PODER CONSTITUINTE

6.1. Conceito

O poder constituinte é o poder de elaborar e modificar normas constitucionais. É, assim, o poder de estabelecer a Constituição de um Estado, oude modificar a Constituição já existente.

A teoria do poder constituinte foi inicialmente esboçada pelo abadefrancês Emmanuel Sieyès, alguns meses antes da Revolução Francesa, emsua obra "Qu'est-ce que le Tiers-État?" ("O que é o Terceiro Estado?").

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 27

Inspirou-se nas idéias üurninistas em voga no século XVTÍI, e foi aperfeiçoadapelos constitucionalistas franceses posteriores, com destaque para Carré deMalberg (que incorporou a ela a idéia de soberania popular, preconizadapor Rousseau).

O ponto fundamental dessa teoria - que explica a afirmação de que elasomente se aplica a Estados que adotam Constituição escrita e rígida, e fazcom que ela alicerce o princípio da supremacia constitucional - é a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos. O poder constituinte é opoder que cria a Constituição. Os poderes constituídos são o resultado dessacriação, isto é, são os poderes estabelecidos pela Constituição.

6.2. Titularidade e exercício

Contemporaneamente, é hegemônico o entendimento de que o titular dopoder constituinte é o povo, pois só este tem legitimidade para determinarquando e como deve ser elaborada uma nova Constituição, ou modificadaa já existente.

Embora a titularidade do poder constituinte seja sempre do povo, temosduas formas distintas para o seu exercício: democrática (poder constituintelegítimo) ou autocrática (poder constituinte usurpado).

O exercício autocrático do poder constituinte caracteriza-se pela denominada outorga: estabelecimento da Constituição pelo indivíduo, ou grupo,líder do movimento revolucionário que o alçou ao poder, sem a participaçãopopular. E ato unilateral do governante, que autolimita o seu poder e impõeas normas constitucionais ao povo (e, teoricamente, a si mesmo). Temos,nesse caso, o que a doutrina chama de poder constituinte usurpado.

O exercício democrático do poder constituinte ocorre pela assembléianacional constituinte ou convenção: o povo escolhe seus representantes(democracia representativa), que formam o órgão constituinte, incumbido deelaborar a Constituição do tipo promulgada.

A atuação do poder constituinte por meio de uma assembléia nacionalconstituinte ou convenção composta de representantes do povo democraticamente eleitos é a forma típica de exercício democrático do poder constituinte,desde as origens do constitucionalismo (Convenção de Filadélfia de 1787 eAssembléia Nacional Francesa de 1789). Com a utilização desse sistema, opovo, legítimo titular dopoderconstituinte, democraticamente, confere poderesa seus representantes especialmente eleitos para a elaboração e promulgaçãoda Constituição.

Na história constitucional do Brasil, podemos apontar como resultantesdo exercício legítimo (democrático) do poder constituinte as Constituições de

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28 RESUMO DEDIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo&Marcelo Alexandrino

1891, de 1934, de 1946, e a vigente, de 1988. Foram outorgadas, resultandode usurpação do poder constituinte, as Cartas de 1824, 1937, 1967 e 1969.

6.3. Espécies

São duas as clássicas espécies de poder constituinte identificadas peladoutrina: o originário e o derivado.

6.3.1 Poder constituinte originário

Poder constituinte originário (genuíno, primário, de primeiro grau ouinicial) é o poder de elaborar uma Constituição.

São cinco as tradicionais características apontadas pela doutrina para opoder constituinte originário: trata-se de um poder político, inicial, incondi-cionado, permanente e ilimitado (ou autônomo).

Com efeito, é um poder essencialmente político, extrajurídico ou pré--jurídico (pois faz nascer a ordem jurídica, isto é, a ordem jurídica começacom ele, e não antes dele), inicial (sua obra é a base da ordem jurídica,pois cria um novo Estado, rompendo completamente com a ordem anterior),ilimitado e autônomo (não tem que respeitar limites estabelecidos pelo direitopositivo anterior), incondicionado (não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade, isto é, não está obrigado a seguir qualquerprocedimento predeterminado para realizar a sua obra) e permanente (poisnão se esgota no momento do seu exercício).

6.3.2. Poder constituinte derivado

O poder constituinte derivado (instituído, constituído, secundário ou desegundo grau) é o poder de modificar a Constituição Federal e, também, deelaborar as Constituições estaduais.

É um poder criado pelo poder constituinte originário. É exercido por umórgão constitucional, conhece limitações constitucionais expressas e implícitase, por isso, é passível de controle de constitucionalidade.

Tem como características ser um poder jurídico (está previsto e reguladono texto da própria Constituição), derivado (é instituído pelo poder constituinte originário), subordinado (encontra limitações constitucionais expressase implícitas, não podendo desrespeitá-las, sob pena deinconstitucionalidade) econdicionado (sua atuação deve observarfielmente as regras predeterminadaspelo texto constitucional).

Cap. 1 • DIREITO CONSTITUCIONAL E CONSTITUIÇÃO 29

O poder constituinte derivado subdivide-se em poder constituinte reformador e poder constituinte decorrente.

O poder constituinte derivado reformador é o poder de modificar aConstituição Federal de 1988, desde que respeitadas as regras e limitaçõesimpostas pelo poder constituinte originário.

O poder constituinte derivado decorrente é o poder que a ConstituiçãoFederal de 1988 atribuí aos estados-membros para se auto-organizarem, pormeio daelaboração de suas próprias Constituições. É,portanto, a competênciaatribuída pelo poder constituinte originário aos estados-membros para criaremsuas próprias Constituições, desde que observadas as regras e limitaçõesimpostas pela Constituição Federal.

;;;í-ÍPader;:;;^-Constituintes

]— Originário

l— Derivado

• Político

Inicial

incondicionado

Permanente

Ilimitado ou

Autônomo

Jurídico

Derivado

Limitado ou

Subordinado

Condicionado

Divide-se emReformador

Decorrente

Page 27: Direito constitucional descomplicado

w.

princípios, direitose garantias fundamentais

1. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

O Título I da Constituição brasileira de 1988, composto por quatroartigos, é dedicado aos denominados "princípios fundamentais" do Estadobrasileiro.

O art. 1.° da Constituição, em seu caput, resume a um só tempo, em umaúnica sentença, as características mais essenciais do Estado brasileiro: trata-sede uma federação (forma de Estado), de uma república (forma de governo),que adota o regime político democrático (traz ínsita a idéia de soberania assentada no povo); constitui, ademais, um Estado de Direito (implica a noção delimitação do poder e de garantia de direitos fundamentais aos particulares).

Todas essas noções nucleares acerca da estrutura do Estado e do funcionamento do poder político encontram-se assim sintetizadas (grifou-se):

Art. l.° A República Federativa do Brasil, formada pela uniãoindissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,constitui-se em Estado Democrático de Direito...

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exercepor meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termosdesta Constituição.

A forma de Estado adotada no Brasil é a de uma federação, o quesignifica a coexistência, no mesmo território, de unidades dotadas de autono-

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32 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &MarceloAlexandrino

mia política, que possuem competências próprias discriminadas diretamenteno texto constitucional.

A Federação brasileira é composta pela União, estados-membros, Distrito Federal e municípios (CF, art. 1.° e art. 18). Todos eles são pessoasjurídicas de direito público autônomas e encontram-se sujeitos ao princípioda indissolubilidade do vínculo federativo (não existe em nosso País odireito de secessão).

Essas pessoas políticas descentralizadas possuem poder de auto-orga-nização, competências legislativas e administrativas e autonomia financeira(têm competências tributárias próprias). Além disso, os estados e o DistritoFederal são representados no órgão formador da vontade política geral doEstado (têm representação no Congresso Nacional - CF, art. 46) e podempropor emendas à Constituição (CF, art. 60, III).

Deve-se anotar, por fim, que-.a-forma federativa de Estado é, no Brasil,cláusula pétrea, não podendo ser nem mesmo objeto de deliberação qualquer proposta de emenda constitucional tendente a aboli-la (CF, art. 60, §4.°> I).

O Brasil é uma república. Essa é a forma de governo adotada emnosso País desde 15 de novembro de 1889, consagrada na Constituição de1891 e era todas as Constituições subsequentes.

A Constituição de 1988 não erigiu a forma republicana de governo aostatus de cláusula pétrea. Entretanto, o desrespeito ao princípio republicanopelos estados-membros ou pelo Distrito Federal constitui motivo ensejadorde medida drástica: a intervenção federal (art. 34, VII, "a").

Conforme a excepcional síntese de Roque Antônio Carrazza, a repúblicaé a forma de governo fundada na igualdade jurídica das pessoas, em que osdetentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, representativo,transitório e com responsabilidade.

Quanto ao regime político, o caputdo art. 1.°da Constituição afirma queo Brasil "constitui-se em Estado Democrático de Direito". Modernamente,a concepção de "Estado de Direito" é indissociável do conceito de "Estado Democrático", o que faz com que a expressão "Estado Democrático deDireito" traduza a idéia de um Estado em que todas as pessoas e todos ospoderes estão sujeitos ao império da lei e do Direito e no qual os poderespúblicos sejam exercidos por representantes do povo visando a assegurar atodos uma igualdade material (condições materiais mínimas necessárias auma existência digna).

Reforça o princípio democrático o parágrafo único do art. 1.° da CF/88,ao declarar que "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio derepresentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". Esse

Cap. 2 - PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 33

dispositivo constitucional nos permite concluirque em nosso Estado vigora adenominada democracia semidireta, ou participativa, na qual são conjugadoso princípio representativo com institutos da democracia direta (plebiscito,referendo, iniciativa popular).

O art. l-° da Constituição de 1988, a par de estabelecer a forma do Estado brasileiro (federação), a forma de seu governo (república) e o regime degoverno (democracia participativa fundada na soberania popular), enumera,em seus cinco incisos, os valores maiores que orientam nosso Estado.

O constituinte denominou esses valores mais gerais de "fundamentosda República Federativa do Brasil", exatamente para transmitir a noção dealicerces, de vigas mestras de nossa ordenação político-jurídica.

Os fundamentos da República Federativa do Brasil são: (1) a soberania;(2) a cidadania; (3) a dignidade da pessoa humana; (4) os valores sociais dotrabalho e da livre-iniciativa; e (5) o pluralismo político.

A soberania significa que o poder do Estado brasileiro, na ordem interna, é superior a todas as demais manifestações de poder, não é superadopor nenhuma outra forma de poder, ao passo que, em âmbito internacional,encontra-se em igualdade com os demais Estados independentes.

Ao alçar a cidadania a fundamento de nosso Estado, o constituinte estáutilizandoessa expressão em sentido abrangente,e não apenas técnico-jurídico.Não se satisfaz a cidadania aqui enunciada com a simples atribuição formalde direitos políticos ativos e passivos aos brasileiros que atendam aos requisitos legais. É necessário que o Poder Público atue, concretamente, a fim deincentivar e oferecer condições propícias à efetiva participação política dosindivíduos na condução dos negócios do Estado, fazendo valer seus direitos,controlando os atos dos órgãos públicos, cobrando de seus representanteso cumprimento de compromissos assumidos em campanha eleitoral, enfim,assegurando e oferecendo condições materiais para a integração irrestrita doindivíduo na sociedade política organizada.

A dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil consagra, desde logo, nosso Estado como uma organizaçãocentrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial. A razão de serdo Estado brasileiro não se funda na propriedade, em classes, em corporações, em organizações religiosas, tampouco no próprio Estado (como ocorrenos regimes totalitários), mas sim na pessoa humana. São vários os valoresconstitucionais que decorrem diretamente da idéia de dignidade humana, taiscomo, dentre outros, o direito à vida, à intimidade, à honra e à imagem.

A dignidade da pessoa humana assenta-se no reconhecimento de duasposições jurídicas ao indivíduo. De um lado, apresenta-se como um direitode proteção individual, não só em relação ao Estado, mas, também, frente

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34 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

aos demais indivíduos. De outro, constitui dever fundamental de tratamentoigualitário dos próprios semelhantes.

É fundamento do nosso Estado, ainda, o valor social do trabalho e dalivre-iniciativa. Assim dispondo, nosso constituinte configura o Brasil comoum Estado obrigatoriamente capitalista e, ao mesmo tempo, assegura que,nas relações entre capital e trabalho será reconhecido o valor social desteúltimo.

Por fim, nossa Carta arvora o pluralismo político em fundamento daRepública Federativa do Brasil, implicando que nossa sociedade deve reconhecer e garantir a inclusão, nos processos de formação da vontade geral,das diversas correntes de pensamento e grupos representantes de interessesexistentes no seio do corpo comunitário.

O art. 2.° da Constituição de 1988 define como Poderes da República-Federativa do -Brasü,--independentes e -harmônicos entre si, o Legislativo, oExecutivo e o Judiciário. Esse artigo consagra o princípio da separação dosPoderes, ou princípio da divisão funcional do poder do Estado.

O critério de divisão funcional consiste em atribuir a órgãos independentes entre si o exercício precípuo das funções estatais essenciais. Assim,ao Poder Executivo incumbe, tipicamente, exercer as funções de Governoe Administração (execução não contenciosa das leis); ao Poder Legislativocabem precipuamente as funções normativa (elaboração de atos normativosprimários) e fiscalizatória (controle do Poder Executivo); ao Poder Judiciário atribui-se, como função típica, o exercício da jurisdição (dizer o direitoaplicável aos casos concretos, na hipótese de litígio).

Além dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o constituintede 1988 explicitou, no art. 3.° de nossa Carta Política, os seguintes objetivosfundamentais a serem perseguidos pelo Estado brasileiro: (a) construir umasociedade livre, justa e solidária; (b) garantir o desenvolvimento nacional; (c)erradicar a pobreza e a margínalização e reduzir as desigualdades sociais eregionais; e (d) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Constata-se que esses objetivos têm em comum assegurar a igualdadematerial entre os brasileiros, possibilitando a todos iguais oportumdadespara alcançar o pleno desenvolvimento de sua personalidade, bem comopara autodeterminar e lograr atingir suas aspirações materiais e espirituais,condizentes com a dignidade inerente a sua condição humana.

O art. 4.°, que finaliza o Título I da Constituição de 1988, enumera dezprincípios fundamentais orientadores das relações do Brasil na ordeminternacional. São eles: (a) independência nacional; (b) prevalência dosdireitos humanos; (c) autodeterminação dos povos; (d) não intervenção; (e)

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 35

igualdade entre os Estados; (f) defesa da paz; (g) solução pacífica dos conflitos; (h) repúdio ao terrorismo e ao racismo; (i) cooperação entre os povospara o progresso da humanidade; (j) concessão de asilo político.

Ao lado dos dez princípios que regem as relações do Estado brasileirona ordem internacional, o parágrafo único do art. 4.° enuncia um objetivo aser perseguido no plano internacional. Com efeito, preceitua esse dispositivo que "a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica,política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formaçãode uma comunidade latino-americana de nações".

2. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS - TEORIA GERAL EREGIME JURÍDICO

O Título II da Constituição de 1988 trata, em cinco capítulos (arts. 5.°ao 17), dos "Direitos e Garantias Fundamentais" assegurados em nossa Federação pelo nosso ordenamento jurídico.

As diferentes categorias de direitos fundamentais foram assim agrupadas:direitos individuais e coletivos (Capítulo I), direitos sociais (Capítulo II),direitos de nacionalidade (Capítulo III), direitos políticos (Capítulo IV) edireitos relacionados à participação em partidos políticos e à sua existênciae organização (Capítulo V).

Antes de adentrarmos o estudo específico dos direitos e garantias fundamentais discriminados no texto constitucional, é importante esboçarmosalgumas noções gerais acerca da origem, evolução e regime jurídico dessesdireitos e garantias.

2.1. Origem

Os primeiros direitos fundamentais têm o seu surgimento ligado à necessidade de se impor limites e controles aos atos praticados pelo Estado esuas autoridades constituídas. Nasceram, pois, como uma proteção à liberdade do indivíduo frente à ingerência abusiva do Estado. Por esse motivo- exigirem uma abstenção, um nãofazer do Estado em respeito à liberdadeindividual - são denominados direitos negativos, liberdades negativas, oudireitos de defesa.

Em suma, os direitos fundamentais surgiram como normas que visavama restringir a atuação do Estado, exigindo deste um comportamento omissivo(abstenção) em favor da liberdade do indivíduo, ampliando o domínio daautonomia individual frente à ação estatal.

Page 30: Direito constitucional descomplicado

36 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

2.2. Os quatro status de Jellinek

Com o fim de auxiliar na compreensão do conteúdo e alcance dos direitos fundamentais, tendo em conta o papel por eles desempenhado na ordemjurídica, o jurista alemão Georg Jellinek desenvolveu, no final do séculoXIX, a doutrina dos quatro status em que o indivíduo pode encontrar-sediante do Estado. São eles: status passivo, status negativo, status positivoe status ativo.

Temos o status passivo (ou status subjectionis) quando o indivíduoencontra-se em posição de subordinação aos poderes públicos, caracterizando--se como detentor de deveres para com o Estado; nessa situação, o Estadopode obrigar o indivíduo, mediante mandamentos e proibições.

Em outras situações, reconhece-se que o indivíduo, possuidor de personalidade, tem o direito de desfrutar de um espaço de liberdade com relaçãoa ingerências dos poderes públicos. Enfim, faz-se necessário que o Estadonão tenha ingerência na autodeterminação do indivíduo, que tem direito agozar de algum âmbito de ação desvencilhado da ingerência estatal. Temos,nessa situação, o status negativo.

O statuspositivo (ou status civitatis) está presente naquelas situações eraque o indivíduo tem o direito de exigir do Estado que atue positivamenteera seu favor, que realize prestações, ofertando serviços ou bens.

Por fim, Jellinek aponta o status ativo, em que o indivíduo desfruta decompetências para influirsobre a formação da vontadeestatal, correspondendoessa posição ao exercício dos direitos políticos, manifestados, especialmente,por meio do voto.

2.3. Distinção entre direitos e garantias

Os direitos fundamentais são os bens em si mesmo considerados, declarados como tais nos textos constitucionais.

As garantias fundamentais são estabelecidas pelo texto constitucionalcomo instrumentos de proteção dos direitos fundamenteis. As garantias possibilitam que os indivíduos façam valer, frente ao Estado, os seus direitosfundamentais. Assim, ao direito à vida corresponde a garantia de vedação àpena de morte; ao direito à liberdade de locomoção corresponde a garantiado habeas corpus; ao direito à liberdade de manifestação do pensamento, agarantia da proibição da censura etc.

Cap. 2 • PRINCÍPIOS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 37

2.4. Característicast

I São características dos direitos fundamentais:

l a) imprescritibilidade (os direitos fundamentais não desaparecem pelo decursodo tempo);

i b) inalienabil idade (não há possibilidade de transferência dos direitos funda-l mentais a outrem);

[ c) irrenuneiabüidade (em regra, os direitos fundamentais não podem ser objeto* de renúncia);

> d) inviolabilidade (impossibilidade de sua não observância por disposiçõesi infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas);

| e) universalidade (devem abranger todos os indivíduos, independentemente det sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção poHtico-fUosófica);

{fj efetividade (a atuação' do Poder Público deve ter por escopo garantir aefetivação dos direitos fundamentais);

\ g) interdependência (as várias previsões constitucionais, apesar de autônomas,I possuem diversas intersecções para atingirem suas finalidades; assim, a li-£ berdade de locomoção está intimamente ligada à garantia do habeas corpus,

4 bem como à previsão de prisão somente por flagrante delito ou por ordemf da autoridade judicial);

-\ h) complementaridade (os direitos fundamentais não devem ser interpretados* isoladamente, mas sim de forma conjunta com a finalidade de alcançar os

fg objetivos previstos pelo legislador constituinte).

§1 Diretamente relacionado a essas características é o entendimento dej| que são imprescritíveis as ações que visem a reparar violação aos direitosI humanos ou aos direitos fundamentais da pessoa humana.j| Porfim, deve-se registrar o fato deserem osdireitos fundamentais normasjj abertas (princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais), oque permiteII que se insiram novos direitos, não previstos pelo constituinte por ocasião dai elaboração do Texto Maior, no âmbito de direitos já existentes.

|j 2.5. Classificação

I Os direitos fundamentais são tradicionalmente classificados em geraçõesU (ou dimensões), levando-se em conta o momento de seu surgimento e reco-|| nhecímento pelos ordenamentos constitucionais.M Os direitos de primeira geração compreendem as liberdades negativas clás-1 sicas, que realçam o princípio da liberdade. São os direitos civis e políticos.

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38 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Surgiram nos finais do século XVIII, e representam uma resposta doEstado liberal ao Estado absoluto. Dominaram todo o século XIX, haja vistaque os direitos de segunda dimensão só floresceram no século XX.

São exemplos de direitos fundamentais de primeira dimensão o direitoà vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à participaçãopolítica e religiosa, entre outros.

Os direitos de segunda geração identificam-se com as liberdades positivas, reais ou concretas, e acentuam o princípio da igualdade entre os homens(igualdade material). São os direitos econômicos, sociais e culturais.

Foram os movimentos sociais do século XDC que ocasionaram, no iníciodo século XX, o surgimento da segunda geração de direitos fundamentais,responsável pela gradual passagem do Estado liberal, de cunho individualista,para o Estado social, centrado na proteção dos hipossuficientes e na buscada igualdade material entre os homens (não meramente formal, como seassegurava no Liberalismo).

Os direitos fundamentais de segunda geração correspondem aos direitosde participação, sendo realizados por intermédio da implementação de políticas e serviços públicos, exigindo do Estado prestações sociais, tais comosaúde, educação, trabalho, habitação, previdência social, assistência social,entre outras. São, por isso, denominados direitos positivos, direitos do bem--estar, liberdades positivas ou direitos dos desamparados.

Os direitos de terceira geração consagram os princípios da solidariedadee da fraternidade. São atribuídos genericamente a todas as formações sociais,protegendo interesses de titularidade coletiva ou difusa. São exemplos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à defesa do consumidor,à paz, à autodeterminação dos povos, ao patrimônio comum, da humanidade,ao progresso e desenvolvimento, entre outros.

Os direitos fundamentais de terceira geração não se destinam especificamente à proteção dos Interesses individuais, de um grupo ou de um determinado Estado. Sua titularidade é difusa, visam a proteger todo o gênerohumano, de modo subjetivamente indeterminado. Representam uma nova erelevante preocupação com as gerações humanas, presentes e futuras, expressando a ideia de fraternidade e solidariedade entre os diferentes povose Estados soberanos.

É interessante constatar que o núcleo da esfera de proteção dos direitosfundamentais de primeira, segunda e terceira gerações corresponde ao lemada Revolução Francesa - liberdade, igualdade e fraternidade.

2.6.

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Classificaçãodos Direitos-

Fundamentais

Destinatários

Primeira

Geração

SegundaGeração

Terceira

Geração

•Final do Século XVill

• Estado Liberal

Direitos "Negativos"Liberdade

Direitos Civis e Políticos

• Início do Século XX• Estado Social

1Direitos Positivos

' Igualdade•Direitos Sociais,Econômicos e Culturais

• Século XX

• Fraternidade

• Direito ao Meio Ambiente,à Paz, ao Progresso, ãDefesa do Consumidor

39

Os direitos fundamentais surgiram tendo como titulares as pessoas naturais, haja vista que, na sua origem, representam limitações impostas aoEstado em favor do indivíduo.

Com o tempo, os ordenamentos constitucionais passaram a reconhecerdireitos fundamentais, também, às pessoas jurídicas.

Modernamente, as Constituições asseguram, ainda, direitos fundamentaisàs pessoas estatais, isto é, o próprio Estado passou a ser considerado titularde direitos fundamentais.

Não significa afirmar, porém, que todos os direitos fundamentais têmcomo titulares as pessoas naturais, as pessoas jurídicas e as pessoas estatais.Há direitos fundamentais que podem ser usufruídos por todos, mas há direitosrestritos a determinadas classes.

2.7. Relações privadas

Os direitos fundamentais regulam, precipuamente, as relações entre oEstado e o particular. Como regra, representam direitos - de índole positivaou negativa - conferidos ao particular frente ao Estado. Regulam, dessarte,as chamadas relações verticais.

Todavia, embora não haja consenso, no constitucionalismo moderno oentendimento doutrinário dominante é de que os direitos fundamentais aplicam-se, também, às relações privadas. Segundo essa orientação, não podem

Page 32: Direito constitucional descomplicado

40 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

os particulares, com amparo no princípio da autonomia da vontade, afastarlivremente os direitos fundamentais.

Assim, na celebração de um negócio privado - contrato de trabalho entreempresa privada e empregado, por exemplo —os sujeitos atuam sob o princípio da autonomia da vontade, no ajuste das respectivas cláusulas. Entretanto,não poderão afastar os direitos fundamentais incidentes sobre o negócio, porexemplo, estabelecendo cláusula em que o obreiro renuncie ao exercício do seudireito fundamental à liberdade de greve (CF, art. 9.°). Caso haja esse ajustecontratual, o contrato de trabalho será válido, mas a cláusula obstativa do direitode greve não terá nenhuma validade frente ao ordenamento jurídico.

2.8. Natureza relativa

Os direitos fundamentais não dispõem de caráter absoluto, visto queencontram limites nos demais direitos igualmente consagrados pelo textoconstitucional.

Não podem os direitos fundamentais ser utilizados como escudo protetivoda prática de atividades ilícitas, tampouco para afastamento ou diminuição daresponsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena da consagraçãodo desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Assim, a liberdade de pensamento não será oponível ante a prática do crime de racismo; a garantia dainviolabilidade das correspondências não poderá ser invocada para acobertardeterminada prática criminosa, e assim por diante.

2.9. Restrições legais

A Constituição Federal não possui direitos ou garantias que se revistamde caráter absoluto, uma vez que razões de interesse público legitimam aadoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas a essas liberdades,na proteção de outros valores constitucionalmente protegidos.

Os direitos e garantias fundamentais expõem-se a restrições autorizadas,expressa ou implicitamente, pelo texto da própria Constituição, já que nãopodem servir como manto para acobertar abusos do indivíduo em prejuízoà ordem pública. Assim, normas infraconstitucionais - lei, medida provisória e outras - podem impor restrições ao exercício de direito fundamentalconsagrado na Constituição.

Entretanto, cabe enfatizar que os direitos e garantias constitucionais nãosão passíveis de ilimitada restrição. Quer seja hipótese de restrição legalsimples, quer seja caso de restrição legal qualificada, as restrições impostaspelo legislador ordinário encontram limites, especialmente no princípio da

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 41

razoabilidade, da proporcionalidade ou da proibição de excesso, que impõemao legislador o dever de não estabelecer limitações inadequadas, desnecessáriasou desproporcionais aos direitos fundamentais.

Essa limitação à atuação do legislador ordinário no tocante à imposiçãode restrições a direito constitucional é denominada teoria dos limites doslimites (refere-se aos limites ao estabelecimento de limitações legais aosdireitos constitucionais).

Assim, se por um lado é inaceitável a ideia de um direito constitucionalabsoluto, intocável mesmo diante de situações de interesse público, por outro,seria absurdo admitir-se que a lei pudesse restringir ilimitadamente os direitosfundamentais, afetando o seu núcleo essencial, extirpando o conteúdo essencial da norma constitucional, suprimindo o cerne da garantia originariamenteoutorgada pela Constituição.

2.10. Conflito (ou colisão)

Ocorre conflito (ou colisão) entre direitos fundamentais quando, em umcaso concreto, uma das partes invoca um direito fundamental em sua proteção,enquanto a outra se vê amparada por outro direito fundamental.

Por exemplo, era determinada relação jurídica, pode haver conflito entre aliberdade de comunicação (CF, art. 5.°, DC) e a inviolabilidade da intimidadedo indivíduo (CF, art. 5.°, X). Outra relação jurídica pode contrapor liberdadede manifestação de pensamento (CF, art. 5.°, IV) e vedação ao racismo (art.5.°, XLII), e assim por diante. Em situações como essas, temos a chamadacolisão entre direitos fundamentais.

Na hipótese de conflito entre direitos fundamentais, o intérprete deverárealizar um juízo de ponderação, consideradas as características do casoconcreto. Conforme _as peculiaridades da situação concreta com que se depara o aplicador do Direito, um ou outro direito fundamental prevalecerá. Épossível que, em um caso em que haja conflito entre os direitos "X" e "Y",prevaleça a aplicação do direito "X" e, em outra ocasião, presentes outrascaracterísticas, a colisão dos mesmos direitos "X" e "Y" resolva-se pelaprevalência do direito "Y".

Desse modo, no caso de conflito entre dois ou mais direitos fundamentais, o intérprete deverá utilizar-se do princípio da concordância prática ouda harmonização, de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos emconflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos outros, realizandouma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual, sempre embusca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas (Alexandre de Moraes).

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42 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

2.11. Renúncia

Os direitos fundamentais são irrenunciáveis. Significa dizer que o titularde um direito fundamental não tem poder de disposição sobre ele, não podeabrir mão de sua titularidade.

Entretanto, modernamente admite-se, diante de um caso concreto, arenúncia temporária e excepcional a direito fundamental. Assim, a renúnciavoluntária ao exercício de um direito fundamental é admitida, desde que emum caso concreto (a renúncia geral de exercício é inadmissível).

Um exemplo de renúncia temporária a direito fundamental individualé o que ocorre nos programas de televisão conhecidos como reality skows(Big Brother Brasil, por exemplo), em que as pessoas participantes, pordesejarem receber o prêmio oferecido, renunciam, durante a exibição doprograma, à inviolabilidade da imagem, da privacidade e da intimidade(CF,-art. 5.°, X).

Cabe ressaltar, ainda, que é assegurada a faculdade de não fruir a posição jurídica decorrente de uma norma constitucional que estabeleça umaliberdade fundamental. Assim, por exemplo, o direito de reunião (art. 5.°,XVI) assegura, também, o direito de não se reunir; o direito de associação(art- 5.°, XVII) implica, igualmente, o direito de não se associar.

3. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CF/88 - ASPECTOS GERAIS

A Constituição Federal de 1988, ao arrolar os direitos fundamentais noseu Título II (arts. 5.° ao 17), classificou-os em cinco grupos distintos: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitospolíticos e direitos relacionados à existência, organização e participação empartidos políticos.

Os direitos individuais correspondem aos direitos diretamente ligadosao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como, porexemplo, o direito à vida, à dignidade, à liberdade. Estão previstos no art.5.° da Constituição, que alberga, especialmente, os direitos fundamentais deprimeira geração, as chamadas liberdades negativas. Nesse mesmo art. 5.°,temos direitos fundamentais coletivos, como são exemplos os previstos nosincisos XVI (direito de reunião); XVII, XVTII, XIX e XXI (direito à associação); LXX (mandado de segurança coletivo).

Os direitos sociais constituem as liberdades positivas, de observânciaobrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por objetivo a melhoriadas condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade material ou substancial. Estão arrolados no art. 6.° e seguintes da Carta

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 43

Política, e são disciplinados em diversos outros dispositivos constitucionais(por exemplo, direito à saúde - art. 196; direito à previdência - art. 201;direito à educação - art. 206).

Os direitos de nacionalidade cuidam do vínculo jurídico-poíítico que ligaum indivíduo a um determinado Estado, capacitando-o a exigir sua proteçãoe sujeitando-o ao cumprimento de determinados deveres. Estão enumeradosno art. 12 da Constituição.

Os direitos políticos cuidam do conjunto de regras que disciplinam asformas de atuação da soberania popular, com o fim de permitir ao indivíduoo exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos doEstado, conferindo-lhe os atributos da cidadania. Estão enumerados no art.14 da Constituição.

Os direitos à existência, organização e participação em partidos políticos regulamentam os partidos políticos como instrumentos necessários àpreservação do Estado Democrático de Direito, assegurando-lhes autonomiae plena liberdade de atuação, para concretizar o sistema representativo (CF,art. 17).

3.1. Aplicabilidade imediata

Determina a Constituição que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art. 5.°, § 1.°).

Esse comando constitucional, embora inserto no art. 5.° da Constituição,não tem sua aplicação restrita aos direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos arrolados nos incisos deste mesmo artigo. Sua incidênciaalcança as diferentes classes de direitos e garantias fundamentais de nossaCarta Magna, ainda que indicados fora do catálogo próprio, a eles destinado(arts. 5.° ao 17).

Essa previsão de aplicação imediata, porém, não é absoluta. Embora aregra seja a eficácia e a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais,o fato é que existem direitos fundamentais que consubstanciam normas deeficácia limitada, dependentes de regulamentação por lei para a produção deseus efeitos essenciais.

Assim, em que pese o texto constitucional determinar que as normasdefinidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata (art. 5.°, § 1.°), o fato é que temos direitos e garantias fundamentais deeficácia limitada, dependentes de regulamentação para a produção de seusplenos efeitos, como são exemplos os incisos XX e XXVII do art. 7.° daCarta Política.

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44 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

3.2. Enumeração aberta

Os direitos fundamentais não são estanques, não podem ser reunidos emum elenco fixo, mas sim constituem uma categoria jurídica aberta.

Com isso, a enumeração dos direitos fundamentais na Constituição daRepública de 1988 não é fechada, exaustiva, podendo ser estabelecidosoutros direitos fundamentais no próprio texto constitucional ou em outrasnormas.

O art. 5.°, § 2.°, da CF/88 é expresso a respeito, prescrevendo que "osdireitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

3.3. Tratados e convenções internacionais com força de emendaconstitucional

Estabelece a Constituição Federal que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do CongressoNacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,serão equivalentes às emendas constitucionais (CF, art. 5.°, § 3.°).

Portanto, os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados de acordo com o rito estabelecido para aaprovação das emendas à Constituição (três quintos dos membros dasCasas do Congresso Nacional, em dois turnos de votação) passarão a gozar de status constitucional, situando-se no mesmo plano hierárquico dasdemais normas constitucionais. Significa dizer que seus termos deverãoser respeitados por toda a legislação infraconstitucional superveniente,sob pena de inconstitucionalidade desta; além disso, somente poderão sermodificados segundo o procedimento legislativo rígido antes mencionado,observada, ainda, a limitação estabelecida pelo art. 60, § 4.°, da Lei Maior(cláusulas pétreas).

No segundo semestre de 2008 tivemos a incorporação ao ordenamentojurídico brasileiro da primeira norma internacional sobre direitos humanoscom força de emenda constitucional. Trata-se da Convenção sobre os Direitosdas Pessoas com Deficiência, assinada em 30 de março de 2007, em NovaIorque, e aprovada, nos termos do § 3-° do art. 5.° da Constituição Federal,pelo Decreto Legislativo 186/2008 (DOU de 10.07.2008).

Por fim, cumpre ressaltar que, ainda quando incorporados ao ordenamentopátrio com status de norma constitucional, na forma do art. 5.°, § 3.°, daCarta Política, poderão os tratados e convenções internacionais sobre direitoshumanos ser ulteriormente declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 45

(tal qual se dá com as emendas constitucionais), na hipótese de ofenderemalgum dos valores constitucionais gravados como cláusulas pétreas, previstosno art. 60, § 4.°, da Constituição da República.

3.4. Tribunal Penal Internacional

Estabelece a Constituição que o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão (CF, art.5.°, § 4.°).

Em regra, o princípio da soberania não permite que um Estado se obriguea acatar decisão judicial proferida por órgão integrante de outro Estado. Paraque uma decisão judicial estrangeira tenha validade no Brasil é necessárioque ela seja homologada pelo nosso Poder Judiciário. A competência para ahomologação de sentenças estrangeiras é do Superior Tribunal _de_Justiça. -STJ (CF, art. 105, I, "i").

O acatamento de decisão judicial proferida por um Tribunal PenalInternacional representa, portanto, um abrandamento da noção de soberaniado Estado, em respeito aos direitos humanos, à proteção da humanidade(vale lembrar, ademais, que não se trata, propriamente, de decisão proferida por "outro Estado", porque o Tribunal Internacional constitui umorganismo internacional, não subordinado a nenhum Estado e, em tese,independente).

O texto originário da Constituição Federal de 1988 já consagrava disposição a respeito da jurisdição internacional, em que se afirmava que "oBrasil propugnará pela formação de um tribunal internacional de direitoshumanos" (ADCT, art. 7.°).

No ano de 2002, surgiu a primeira corte internacional permanente comjurisdição sobre pessoas acusadas de cometerem graves violações aos direitoshumanos: o Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma.

O Tribunal Penal Internacional é competente para julgar os crimes degenocídio, os crimes contra a humanidade, os crimes de guerra e o crimede agressão de um país a outro.

O Estatuto de Roma foi assinado pelo Brasil em 07.02.2000, e aprovadopelo Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo 112, de 06.06-2002.Depois disso, o Presidente da República efetuou sua promulgação por meiodo Decreto 4.388, de 25.09.2002, publicado no Diário Oficial da União em26.09.2002, data em que iniciou sua vigência interna.

Portanto, o Brasil se submete ao Tribunal Penal Internacional, criadopelo Estatuto de Roma, haja vista sua adesão expressa a esse ato internacional.

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46 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

4. DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS PREVISTOS

NA CF/88 ÍART. 5.°)

O art. 5.° da Constituição de 1988 enuncia a maior parte dos direitosfundamentais de primeira geração albergados em nosso ordenamento constitucional (embora nele não haja apenas direitos individuais, mas tambémalguns direitos de exercício coletivo).

O caput desse artigo enumera cinco direitos fundamentais básicos, dosquais os demais direitos enunciados nos seus incisos constituem desdobramentos: (1) direito à vida; (2) direito à liberdade; (3) direito à igualdade;(4) direito à segurança; e (5) direito à propriedade.

O texto do caput do art. 5.° somente assegura esses direitos, de formaexpressa, aos "brasileiros e aos estrangeiros residentes no País". Há consenso,entretanto, pela própria natureza de tais direitos, que eles valem igualmentepara os estrangeiros que se encontrem em território nacional, submetidos àsleis brasileiras, sejam eles residentes ou não no Brasil.

Estudaremos, a seguir, discrimlnadamente, os direitos fundamentaisconstantes do art. 5.° da Carta de 1988.

4.1. Direito à vida

Expresso no caput do art. 5.°, o direito à vida é o mais elementar dosdireitos fundamentais; sem vida, nenhum outro direito pode ser ffuído, ousequer cogitado.

A Constituição protege a vida de forma geral, não só a extrauterina comotambém a intrauterina. Corolário da proteção que o ordenamento jurídicobrasileiro concede à vida intrauterina é a proibição da prática do aborto,somente permitindo o aborto terapêutico, como meio de salvar a vida dagestante, ou o aborto humanitário, no caso de gravidez resultante de estupro(Código Penal, art. 128).

Não se resume o direito à vida, entretanto, ao mero direito à sobrevivência física. Lembrando que o Brasil tem como fundamento a dignidade dapessoa humana, resulta claro que o direito fundamental em apreço abrange odireito a uma existência digna, tanto sob o aspecto espiritual, quanto material(garantia do mínimo necessário a uma existência digna, corolário do EstadoSocial Democrático).

Portanto, o direito individual fundamental à vida possui duplo aspecto: sob o prisma biológico traduz o direito à integridade física e psíquica(desdobrando-se no direito à saúde, na vedação à pena de morte, na proibição do aborto etc); em sentido mais amplo, significa o direito a condições

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 47

materiais e espirituais mínimas necessárias a uma existência condigna ànatureza humana.

Por fim, é oportuno destacar que o Supremo Tribunal Federal decidiupela legitimidade da realização de pesquisas com a utilização de células-troncoembrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização invitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as condiçõesestipuladas no art. 5.° da Leí 11.105/2005. Entendeu o STF que essas pesquisas não ofendem o direito à vida, tampouco violam a dignidade humanaconstitucionalmente assegurada.

4.2. Direito à liberdade

O direito à liberdade, de forma ampla e genérica, é afirmado no caputdo art. 5.° da Constituição de 1988.

A liberdade assegurada no caput do art. 5.° deve ser tomada em sua maisampla acepção. Compreende não só a liberdade física, de locomoção, mastambém a liberdade de crença, de convicções, de expressão de pensamento,de reunião, de associação etc.

Sendo os direitos de primeira geração direitos de liberdade, resulta quegrande parte dos incisos do art. 5.° da Constituição de 1988 refletem desdobramentos desse princípio, como veremos passos à frente.

4.3. Princípio da igualdade (art. 5.°, caput, e inciso I)

A igualdade é a base fundamental do princípio republicano e da democracia.

O princípio da igualdade determina que se dê tratamento igual aos quese encontram em situação equivalente e que se trate de maneira desigual osdesiguais, na medida de suas desigualdades. Ele obriga tanto o legisladorquanto o apücador da lei (igualdade na lei e igualdade perante a lei), bemassim o particular (na celebração de negócios privados).

O princípio constitucional da igualdade não veda que a lei estabeleçatratamento diferenciado entre pessoas que guardem distinções de grupo social,de sexo, de profissão, de condição econômica ou de idade, entre outras; oque não se admite é que o parâmetro diferenciador seja arbitrário, desprovidode razoabilidade, ou deixe de atender a alguma relevante razão de interessepúblico. Em suma, o princípio da igualdade não veda o tratamento discriminatório entre indivíduos, quando há razoabilidade para a discriminação.

Assim, exemplificando, o princípio da igualdade não impede tratamentodiscriminatório em concurso público, desde que haja razoabilidade para a

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48 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

discriminação, em razão das exigências do cargo. Restrições como estabelecimento de idade mínima e máxima, previsão de vagas exclusivamente paradeterminado sexo (concurso para o cargo de agente penitenciário restrito àsmulheres, numa prisão feminina, por exemplo) e outras podem ser previstasem concursos públicos, desde que sejam impostas por lei (e não meramentepelo edital do concurso) e as peculiaridades das atribuições do cargo justifiquem. É ilustrativo o teor da Súmula 683 do STF:

683 —O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7.°, XXX, da Constituição,quando possa ser justificado pela natureza das atribuições docargo a ser preenchido.

É relevante registrar que, segundo orientação do Supremo TribunalFederal, o princípio constitucional da isonomia não autoriza o PoderJudiciário a estender vantagens concedidas a um grupo determinado deindivíduos a outros grupos, não contemplados pela lei, sob pena de ofensaao princípio da separação de Poderes (o Poder Judiciário, no exercício desua função jurisdicional, não pode legislar positivamente, criando regrasnão pretendidas pelo Poder Legislativo; cabe ao Judiciário, tão somente,legislar negativamente, isto é, erradicar normas inconstitucionais do ordenamento jurídico).

Assim, não poderá o Poder Judiciário, por exemplo, sob o fundamento deconferir tratamento Isonômico, estender aos servidores públicos da categoria"A" vantagem concedida pela lei apenas à categoria "B", ainda que taiscategorias se encontrem em situação de notória igualdade jurídica.

4.4. Princípio da legalidade (art. 5.°, 11}

Afirma o inciso II do art. 5.° da Constituição que "ninguém será obrigadoa fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Trata-se do princípio da legalidade, base direta da própria noção de Estado de Direito, implantada com o advento do constitucionalismo, porquantoacentua a ideia de "governo das leis", expressão da vontade geral, e nãomais "governo dos homens", em que tudo se decidia ao sabor da vontade,dos caprichos, do arbítrio de um governante.

O enunciado desse inciso II do art- 5.° veicula a noção mais genéricado princípio da legalidade. No que respeita aos particulares, tem ele comocorolário a afirmação de que somente a lei pode criar obrigações e, por outro lado, a asserção de que a inexistência de lei proibitiva de determinadaconduta implica ser ela permitida.

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Relativamente ao Poder Público, outro é o conteúdo do princípio dalegalidade. Sendo ele a consagração da ideia de que o Estado se sujeita àsleis e, ao mesmo tempo, de que governar é atividade cuja realização exigea edição de leis, tem como corolário a confirmação de que o Poder Públiconão pode atuar, nem contrariamente às leis, nem na ausência de lei. Não seexclui, aqui, a possibilidade de atividade discricionária pela AdministraçãoPública, mas a discricionariedade não é, em nenhuma hipótese, atividadedesenvolvida na ausência de lei, e sim atuação nos limites da lei, quandoesta deixa alguma margem para a Administração agir conforme critérios deoportunidade e conveniência, repita-se, segundo os parâmetros genéricosestabelecidos na lei.

Ponto relevante é o que tange à distinção entre princípio da legalidadee princípio da reserva legal.

De um modo geral, os autores prelecionam que devemos falar era "reserva legal" quando o texto constitucional, em um dispositivo determinado,exige expressamente que um dado assunto seja regulado mediante lei. Sãoexemplos de "reserva legal" o inciso XIII do art. 5.° ("é livre o exercíciode qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer") e o § 1.° do art. 9.°, sobre o direito degreve dos trabalhadores em geral ("a lei definirá os serviços ou atividadesessenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis dacomunidade").

A doutrina constitucionalista dominante reconhece uma rigidez menor aoprincípio da legalidade do que às hipóteses de reserva legal. Aquele significaria exigência não só de lei formal para instituir obrigações de fazer ou nãofazer, ou seja, tais obrigações poderiam decorrer, também, de atos infralegais,desde que expedidos nos limites estabelecidos na lei. Por isso, diz-se queo princípio da legalidade é mais abrangente, porém menos denso, ao passoque a reserva legal, exatamente por ser mais específica, é mais rígida, temmaior densidade de conteúdo.

Nessa esteira, o Prof. José Afonso da Silva afirma que "o primeiro(legalidade). significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentroda esfera estabelecida pelo legislador. O segundo (reserva legal) consisteem estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-senecessariamente por lei formal". Note-se que, para o renomado constitucionalista, o princípio da legalidade poderá ser satisfeito não somente coma expedição de lei formal, mas, também, pela "atuação dentro da esferaestabelecida pelo legislador", o que dá margem à expedição de atos infralegais, nos limites fixados pelo legislador, que estabeleçam obrigações defazer ou não fazer.

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50 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • VicentePaulo &MarceloAlexandrino

1ví*íííííí;•'-^t^iNpB^ííiçiatfe y^'M^ 'S;'^^; •-'/^M'Xiií-;;ÍX•^^ser^:iíe^^?:-^TS:í,;^^Exige lei formal, ato com força de lei, ouatos expedidos nos limites destes.

Exige lei formal, ou atos com força de lei.

Maior abrangência. Menor abrangência.

Menor densidade ou conteúdo. Maior densidade ou conteúdo.

4.5. Liberdade de expressão (art. 5.°, IV, V, IX, XIV)

Neste tópico, analisaremos quatro incisos do art. 5.° da Constituiçãoque estão, direta ou indiretamente, relacionados ao direito à liberdade deexpressão.

Nos termos do inciso IV do art. 5.°, "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Trata-se de regra ampla, e não dirigidaa destinatários específicos. Qualquerpessoa, em princípio, pode manifestar oque pensa, desde que não o faça sob o manto do anonimato. Está abrangidoo direito de expressar-se, oralmente ou por escrito, e também o direito deouvir, assistir e ler.

Em respeito à ampla liberdade de expressão, o Supremo Tribunal Federalafastou a exigência do diploma de jornalismo e de registro profissional comocondição para o exercício da profissão de jornalista.

A vedação ao anonimato, que abrange todos os meios de comunicação,tem o intuito de possibilitar a responsabilização de quem cause danos a terceiros em decorrência da expressão de juízos ou opiniões ofensivos, levianos,caluniosos, difamatórios etc.

A vedação ao anonimato impede, também, como regra geral, o acolhimento de denúncias anônimas (delação apócrifa).

Os direitos da pessoa que sofra um dano em razão de manifestaçãoindevida por parte de outrem estão explicitados no inciso V do art. 5.° daConstituição, nestes termos:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

O direito de resposta está orientado pelo critério da proporcionalidade, istoé, a resposta deve ser assegurada no mesmo meio de comunicação era que oagravo foi veiculado, e deve ter o mesmo destaque e a mesma duração (seem meio sonoro ou audiovisual) ou tamanho (se em meio escrito). Deve-seressaltar que o direito de resposta não afasta o direito à indenização.

O direito de resposta e o direito à indenização por danos morais e materiais - anote-se que essas indenizações são curauláveis - aplicam-se tanto às

•m

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 51

pessoas físicas quanto às pessoas jurídicas que sejam ofendidas pela expressãoindevida de juízos ou opiniões.

Considerando esse dispositivo, entre outros, nossa Corte Suprema firmou entendimento de que o Tribunal de Contas da União (TCU) nãopode manter em sigilo a autoria de denúncia a ele apresentada contraadministrador público, pois essa medida impediria o denunciado de adotaras providências asseguradas pela Constituição na defesa de sua imagem,inclusive a de buscar a tutela judicial para esse fim.

Complementando as normas antes vistas acerca do direito à liberdade deexpressão, o inciso IX do art. 5.° estabelece a garantia de vedação à censuraprévia, nestes termos: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística,científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

A liberdade de expressão, mesmo com o fim da censura prévia, nãoreveste caráter absoluto, porquanto encontra limites em outros valores protegidos constitucionalmente, sobretudo, na inviolabilidade da privacidade eda intimidade do indivíduo e na vedação ao racismo.

Tendo era conta esse preceito constitucional, entre outros, o SupremoTribunal Federal considerou integralmente revogada, por incompatibilidadematerial com a Constituição Federal de 1988, a Lei de Imprensa, editadaao tempo do regime militar (Lei 5.250/1967).

Por fim, merece nota o inciso XIV do art. 5.°, na dicção do qual "éassegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte,quando necessário ao exercício profissional".

Consoante afirmado acima, o direito fundamental de acesso à informação, como ocorre com todos os demais, não é absoluto. Ele se refere,essencialmente, a informações que possam ser de interesse público ou geral,não cabendo dele cogitar quando se trate de informações que digam respeitoexclusivamente à intimidade e à vida privada do indivíduo, as quais sãoobjeto de proteção constitucional expressa (art. 5.°, X). Por outras palavras,todos têm o direito de acesso a informações que possam ser de interessegeral, mas não existe um direito de acesso a informações que só interessemà esfera privada de determinada pessoa.

A proteção ao sigilo da fonte, assegurada na parte final do inciso XIVdo art. 5.°, tem como mais importantes destinatários os profissionais dojornalismo, uma vez que possibilita que estes obtenham informações que,sem essa garantia, certamente não seriam reveladas. Com efeito, o fato de osigilo da fonte ser estabelecido como uma garantia fundamental permite queo indivíduo que possua informações que pense dever tornar públicas, mas sereveladas diretamente por ele colocariam em risco sua segurança, ou trariampara ele qualquer outra espécie de prejuízo, transmita essas informações a

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52 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

um jornalista em quem confie, para que este as tome públicas, sem declinaro nome de sua fonte.

Note-se que a garantia do sigilo da fonte não conflita com a vedaçãoao anonimato. O jornalista (ou profissional que trabalhe com divulgação deinformações) veículará a notícia em seu nome, e está sujeito a responderpelos eventuais danos indevidos que ela cause. Assim, embora a fonte possaser sigilosa, a divulgação da informação não será feita de forma anônima,de tal sorte que não se frustra a eventual responsabilização de quem a tenhaveiculado - e a finalidade da vedação ao anonimato é exatamente possibilitar a responsabilização da pessoa que ocasione danos em decorrência demanifestações indevidas.

4.6. Liberdade de crença religiosa e convicção política efilosófica-{art.-5AVI,VII, VIII)

Assegura o inciso VIII do art. 5.° que "ninguém será privado de direitospor motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvose as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-sea cumprir prestação alternativa, fixada em lei".

O dispositivo em comento consagra o direito à denominada "escusa deconsciência", "objeção de consciência", ou ainda "alegação de imperativo deconsciência", possibilitando que o indivíduo recuse cumprir determinadas obrigações ou praticar atos que confíitera com suas convicções religiosas, políticasou filosóficas, sem que essa recusa implique restrições a seus direitos.

A escusa de consciência não permite, entretanto, que a pessoa simplesmente deixe de cumprir a obrigação legal a todos imposta e nada mais faça.Nesses casos - de haver uma obrigação legal geral cujo cumprimento afronteconvicção religiosa, filosófica ou política —, o Estado poderá impor a quemalegue imperativo de consciência uma prestação alternativa, compatível comsuas crenças ou convicções, fixada em lei. Se o Estado estabelece a prestação alternativa e o indivíduo recusa o seu cumprimento, aí sim poderá serprivado de direitos.

Enfim, o indivíduo que alegar imperativo de consciência para eximir-se deobrigação legal geral e também se recusar a cumprir a prestação alternativaestabelecida em lei estará sujeito à suspensão de seus direitos políticos, nostermos do art. 15, inciso IV, da Constituição.

Por fim, particularmente no tocante à liberdade de convicção religiosa,é oportuno mencionar, como complemento, o inciso VI do art. 5.°, o qualdeclara que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei,

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Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 53

a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". E possui também comofundamento a liberdade religiosa o inciso VII do mesmo artigo, determinandoque "é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nasentidades civis e militares de internação coletiva". Esses dois dispositivosreportam ao fato de que o Brasil é um Estado laico, conforme explicitadono inciso I do art. 19 da Constituição, que veda à União, aos estados, aoDistrito Federal e aos municípios "estabelecer cultos religiosos ou igrejas,subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seusrepresentantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma dalei, a colaboração de interesse público".

4.7. Inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra eda imagem das pessoas (art. 5.°, X)

Determina o texto constitucional que "são invioláveis a intimidade, a vidaprivada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenizaçãopelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5.°, X).

A indenização, na hipótese de violação a um desses bens da pessoa, poderáser cumulativa, vale dizer, poderá ser reconhecido o direito à indenizaçãopelo dano material è moral, simultaneamente, se a situação ensejar.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, para a condenação por dano moralnão se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. No entendimento da Corte Suprema, a mera publicação não consentida de fotografiasgera o direito à indenização por dano moral, independentemente de ocorrênciade ofensa à reputação da pessoa, porquanto o uso indevido da imagem, deregra, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento ao fotografado,que deve ser reparado.

A dor sofrida com a perda de ente familiar também é indenizável a títulode danos morais, visto que a expressão "danos morais" não se restringe àshipóteses de ofensa à reputação, dignidade e imagem da pessoa.

Cabe anotar, ainda, que pessoas jurídicas também têm direito à indenizaçãopor danos morais, em razão de fato ofensivo à sua honra e à imagem.

Por fim, cumpre destacar que o sigilo bancário é espécie do direito àprivacidade, inerente à personalidade das pessoas, sendo a sua inviolabilidadeassegurada pelo inciso X do art. 5.°, ora em foco. Não obstante, tendo emconta a inexistência de direitos absolutos em nosso ordenamento constitu

cional, o sigilo deve ceder diante do interesse público, do interesse social edo interesse da justiça, sendo, portanto, perfeitamente possível a quebra dosigilo bancário, desde que observados os procedimentos estabelecidos em leie com respeito ao princípio da razoabilidade.

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54 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Em síntese, tendo em vista o texto constitucional, a jurisprudência doSupremo Tribunal Federal e a lei específica que regulamenta a matéria (LeiComplementar 105/2001), são as seguintes as hipóteses em que, hoje, a garantia de inviolabilidade do sigilo bancário pode ser afastada:

a) por determinação judicial;

b) por determinação do Poder Legislativo, mediante aprovação pelo Plenárioda Câmara dos Deputados, do Senado Federal, ou do plenário de suasrespectivas comissões parlamentares de inquérito - CPI;

c) por determinação do Ministério Público, desde que no âmbito de procedimento administrativo visando à defesa do patrimônio público;

d) por determinação das autoridades e agentes fiscais tributários da União,dos estados, do Distrito Federai e dos municípios, quando houver processoadministrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais examessejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente(LC 105/2001, arts. 5.° e 6.°).

4.8. Inviolabilidade domiciliar (art. 5.°, XI)

Determina o texto constitucional que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvoem caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, duranteo dia, por determinação judicial" (art. 5.°, XI).

A inviolabilidade não alcança somente "casa", residência do indivíduo.Alcança, também, qualquer recinto fechado, não aberto ao público, aindaque de natureza profissional (escritório do advogado, consultório do médico,dependências privativas da empresa etc).

Em cumprimento à ordem judicial, só poderá haver ingresso, sem consentimento do morador, durante o dia. Diferentemente, em caso de flagrantedelito ou desastre, ou para prestar socorro, pode-se adentrar a qualquer horado dia ou da noite, independentemente de consentimento do morador.

Esse dispositivo pôs termo à possibilidade de determinações administrativas de busca e apreensão de documentos, práticas, hoje, absolutamente inconstitucionais. Sob a vigência do atual texto constitucional,buscas e apreensões só sãolegítimas se determinadas pelo Poder Judiciário ("reserva jurisdicional").

4.9. Inviolabilidade das correspondências e comunicações (art.5.°, XII)

Reza o texto constitucional que "é inviolável o sigilo da correspondênciae das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas,

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 55

salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que aleí estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processualpenal" (art. 5.°, XII).

Embora a autorização expressa para a violação excepcional refira-se,tão somente, às comunicações telefônicas, a garantia da inviolabilidade dascorrespondências também não é absoluta, visto que não existem direitos egarantias fundamentais de caráter absoluto no Estado brasileiro. Nesse sentido,o STF deixou assente ser possível, respeitados certos parâmetros, a intercep-tação das correspondências e comunicações telegráficas e de dados sempreque tais liberdades públicas estiverem sendo utilizadas como instrumento desalvaguarda de práticas ilícitas.

Assim, uma "carta confidencial" remetida pelo seqüestrador à família doseqüestrado certamente poderá ser violada e utilizada em juízo como prova,sem se falar em desrespeito ao sigilo das correspondências, pois o seqüestradorfoi quem primeiro desrespeitou os direitos fundamentais do seqüestrado e desua família, merecendo, estes sim, a tutela da ordem jurídica.

Ademais, o próprio texto constitucional prevê circunstâncias excepcionaisque admitem a restrição dessas garantias, como o estado de defesa e o estadode sítio (CF, arts. 136, § 1.°, e 139).

O inciso em comento admite expressamente a possibilidade de intercep-tação das comunicações telefônicas, desde que após ordem judicial e nashipóteses e na forma que a leí estabelecer para fins de investigação criminalou instrução processual penal. São, portanto, três os requisitos necessáriospara a violação das comunicações telefônicas (interceptação telefônica):

a) uma lei que preveja as hipóteses e a forma em que pode ocorrer a interceptação telefônica, obrigatoriamente no âmbito de investigação criminalou instrução processual penal;

b) a existência efetiva de investigação criminal ou instrução processual penal;

c) a ordem judicial específica para o caso concreto (trata-se da denominada"reserva de jurisdição"; nem mesmo comissão parlamentar de inquérito -CPI pode determinar interceptação telefônica).

Enfatize-se que mesmo a atuação do magistrado na autorização da interceptação telefônica é limitada pelo texto constitucional, uma vez que elesó poderá autorizar a escuta para fins de investigação criminal ou instruçãoprocessual penal e, ainda assim, nas estritas hipóteses e termos que a leiestabelecer. Se ocorrer uma autorização judicial para interceptação telefônicadestinada a viabilizar uma investigação administrativa ou civil (em um processo administrativo disciplinar ou numa ação de improbidade administrativa,

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56 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

por exemplo), será ela flagrantemente inconstitucional, e a prova daí resultanteestará contaminada pela ilicitude (teoria dos frutos da árvore envenenada).

A Lei 9.296/1996, que regulamenta esse dispositivo constitucional, veiolegitimar a interceptação das comunicações telefônicas como meio de prova,estendendo também a sua regulação à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática (combinação dos meios decomunicação com informática) - e-mail (correio eletrônico), fax e outros -,nos mesmos moldes em que autorizada constitucionalmente a interceptaçãoda comunicação telefônica propriamente dita, e para os mesmos fins.

Por último, é relevante destacar que o Supremo Tribunal Federal entendeque esse dispositivo constitucional não impede o acesso aos dados em si,mas protege, tão só, a comunicação desses dados. Por exemplo, será legítima a apreensão de um computador ou de equipamentos de informática quecontenham dados do indivíduo, e a utilização desses dados em investigaçõesou instrução processual, desde que a apreensão seja feita regularmente, emcumprimento a mandado judicial fundamentado.

4.10. Liberdade de atividade profissional (art. 5.°, XIII)

Dispõe o texto constitucional que "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a leiestabelecer" (art. 5.°, XIII).

Esse inciso constitucional consubstancia norma de eficácia contida,isto é, dotada de aplicabilidade imediata, porém sujeita a restrições a seremimpostas pelo legislador ordinário.

Assim, enquanto não estabelecidas em lei as qualificações para o exercício de determinada profissão, qualquer indivíduo poderá exercê-la. Quandoestabelecidas as qualificações profissionais pelo legislador, somente aquelesque cumprirem tais qualificações poderão exercer a profissão.

4.11. Liberdade de reunião (art. 5.°, XVI)

Determina o texto constitucional que "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente deautorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocadapara o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente" (art. 5.°, XVI).

O direito de reunião é meio de manifestação coletiva da liberdade deexpressão, em que pessoas se associam temporariamente tendo por objetoum interesse comum, que poderá ser, por exemplo, o mero intercâmbio de

Cap. 2 - PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 57

idéias, a divulgação de problema da comunidade ou a reivindicação de alguma providência.

Essa proteção constitucional refere-se não só às reuniões estáticas, emespecífico local aberto ao público, como também às manifestações em percurso móvel, como as passeatas, os comícios, os desfiles etc.

O direito constitucional de reunião protege, de outra parte, a pretensãodo indivíduo de não se reunir a outros.

São as seguintes as características do direito de reunião assegurado naConstituição Federal de 1988: (a) finalidade pacífica; (b) ausência de armas;(c) locais abertos ao público; (d) não frustração de outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local; (e) desnecessidade de autorização; (f)necessidade de prévio aviso à autoridade competente.

Ademais, vale lembrar que a própria Constituição Federal, em circunstâncias excepcionais, admite-expr£ssamente_a_restriçãQ-e_até a suspensão dodireito de reunião. Assim, na hipótese de decretação do estado de defesa (CF,art. 136, § 1.°, I, "a") e do estado de sítio (CF, art. 139, IV) o direito dereunião, ainda que exercida no seio das associações, poderá sofrer restrições,permitindo-se, até, no caso do estado de sítio, a suspensão temporária desseimportante direito constitucional.

Caso ocorra lesão ou ameaça de lesão ao direito de reunião, ocasionadapor alguma ilegalidade ou arbitrariedade por parte do Poder Público, o indivíduo deverá impetrar um mandado de segurança, e não habeas corpus(este, como se sabe, destina-se à proteção do direito de locomoção, nostermos do art. 5.°, LXVIII, da Constituição).

4.12. Liberdade de associação (art. 5.°, XVII a XIX)

Dispõe a Constituição que "é plena a liberdade de associação para finslícitos, vedada a de caráter paramilitar" (art. 5.°, XVII) e também que "acriação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independemde autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento"(art. 5.°, XVIII).

A Constituição Federal assegura ampla liberdade de associação, independentemente de autorização dos poderes públicos, além de vedar a interferênciaestatal no funcionamento das associações. Tal liberdade, porém, só alcança asassociações para fins lícitos, proibidas expressamente as de caráter paramilitar.Além disso, "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecerassociado" (CF, art. 5.°, XX).

Uma vez criadas, as associações só poderão ser compuísoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se,

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no primeiro caso (dissolução compulsória), o trânsito em julgado (art. 5.°,XIX). Portanto, em qualquer caso, é exigida uma decisão judicial, nuncaadministrativa. Para a suspensão de atividade, não é necessário que a decisãojudicial seja definitiva; para a dissolução compulsória, a decisão judicialdeve ser definitiva, transitada em julgado.

4.13. Direito de propriedade (art. 5.°, XXII a XXXI)

O direito de propriedade, tendo em vista o fato de nossa Constituiçãoconsagrar o Brasil como um Estado capitalista, encontra-se assegurado já nocaput do art. 5.°, ao lado dos outros direitos individuais mais elementares,como a vida, a liberdade e a igualdade.

A par disso, o inciso XXII do art. 5.°, a fim de estremar de dúvida oseu caráter de direito autônomo (e não de mera função), peremptoriamentedeclara que "é garantido o direito de propriedade".

Como os demais direitos fundamentais, o direito de propriedade não possui caráter absoluto. Deveras, nossa Constituição consagra o Brasil como umEstado Democrático Social de Direito, o que implica afirmar que também apropriedade deve atender a uma função social. Essa exigênciaestá explicitadalogo no inciso XXIII do art. 5.°, e reiterada no inciso III do art. 170 (queestabelece os princípios fundamentais de nossa ordem econômica).

Por esse motivo, ao lado dos direitos assegurados ao proprietário, o ordenamento constitucional impõe a ele deveres, essencialmente sintetizáveiscomo dever de uso adequado da propriedade (mormente no que concerne asua exploração econômica). Assim, não pode o proprietário de terreno urbanomantê-lo não edificado ou subutilizado (CF, art. 182, § 4.°), sob pena de sofrer severas sanções administrativas; não pode o proprietário de imóvel ruralmantê-lo improdutivo, devendo atender às condições estabelecidas no art. 186da Carta Política. O desatendimento da função social da propriedade podedar ensejo a uma das formas de intervenção do Estado no domínio privado:a desapropriação (nesse caso dita desapropriação por interesse social).

Além disso, o direito de propriedade deverá ceder quando isso for necessário à tutela do interesse público, como ocorre nas hipóteses de desapropriação por utilidade ou necessidade pública, de requisição administrativa(art. 5.°, XXV), de requisição de bens no estado de sítio (art. 139, incisoVII). Ainda, quando a utilização da propriedade for feita de forma altamentelesiva à sociedade, o Estado poderá impor sua perda, tanto na esfera penal,quanto na administrativa (CF, art. 5.°, XLVI, alínea "b"; CF, art. 243).

O direito de propriedade assegurado na Constituição como direito fundamental abrange tanto os bens corpóreos quanto os incorpóreos. Quanto à

T wr-

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 59

propriedade de bens incorpóreos merece específica proteção constitucional adenominada "propriedade intelectual". A propriedade intelectual abrange os"direitos de autor" e os direitos relativos à "propriedade industrial", como aproteção de marcas e patentes.

Os direitos autorais são referidos nos incisos XXVII e XXVIII do art.5.°, nestes termos:

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização,publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIÜ - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivase à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico dasobras que criarem ou de que participarem aos criadores, aosintérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

A proteção à propriedade industrial é tratada no inciso XXTX do art. 5.°,consoante abaixo transcrito:

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriaisprivilégio temporário para sua utilização, bem como proteçãoàs criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes deempresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interessesocial e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

A Constituição enumera expressamente como direito individual, ainda,o direito de herança (art. 5.°, XXX). Trata-se de um reforço.do direito depropriedade, pelo qual o proprietário tem a garantia de que o patrimônio queacumulou durante toda sua vida poderá ser transmitido conforme sua vontade(desde que respeitadas as disposições legais pertinentes), não representandosua morte oportunidade para o Estado apropriar-se de seus bens.

Ainda, no intuito de proteger especificamente os filhos e o cônjuge dofalecido, quando este fosse estrangeiro e possuísse bens no Brasil, o incisoXXXI do art. 5.° determina que "a sucessão de bens de estrangeiros situadosno País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dosfilhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal dode cujus". Por outras palavras, entre a lei brasileira e a lei estrangeira (dopaís do falecido), deverá sempre ser aplicada a mais favorável ao cônjuge eaos filhos brasileiros, quanto aos bens situados no Brasil.

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60 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Proteção especial foi conferida pela Constituição de 1988 à pequenapropriedade rural produtiva. Além de conceder a ela imunidade ao impostoterritorial rural (atendidas as condições previstas no art. 153, § 4.°, inciso II),a Carta vigente determina que "a pequena propriedade rural, assim definidaem lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora parapagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a leisobre os meios de financiar o seu desenvolvimento" (art. 5.°, XXVI).

4.14. Desapropriação (art. 5.°, XXIV)

A Constituição de 1988, no inciso XXIV do art. 5.°, trata de uma dasmais importantes formas de intervenção do Estado na propriedade privada:a desapropriação.

São os seguintes os termos do mencionado preceito:

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriaçãopor necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social,mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvadosos casos previstos nesta Constituição;

Pode-se definir desapropriação como o procedimento de direito públicopelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, porrazões de utilidade pública, de necessidade pública, ou de interesse social,normalmente mediante o pagamento de justa e prévia indenização.

Além da norma genérica acerca da desapropriação, constante do incisoXXIV do art. 5.°, acima reproduzido, temos ainda no texto constitucionaloutras três hipóteses de desapropriação disciplinadas de forma específica.

A primeira delas está no art. 182, § 4.°, OI, denominada pela doutrina"desapropriação urbanística". Essa hipótese de desapropriação possui carátersancionatório e pode ser aplicada ao proprietário de solo urbano que nãoatenda à exigência de promover o adequado aproveitamento de sua propriedade, nos termos do plano diretor do município.,

A segunda hipótese configura a denominada "desapropriação rural", queincide sobre imóveis rurais destinados à reforma agrária (CF, art. 184). Trata-se de desapropriação por interesse social com finalidade específica (reformaagrária), incidente sobre imóveis rurais que não estejam cumprindo sua funçãosocial, e possui, também, caráter sancionatório.

A terceira espécie de desapropriação encontra-se prevista no art. 243da Constituição Federal, denominada "desapropriação confiscatória", porquenão assegura ao proprietário nenhum direito a indenização, sempre devidanas demais hipóteses de desapropriação. Essa desapropriação incide sobre

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Cap. 2 - PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 61

glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais deplantas psicotrópicas, que serão, após a transferência de propriedade, destinadas ao assentamento de colonos, para cultivo de produtos alimentícios emedicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízode outras sanções previstas em lei.

4.15. Requisição administrativa (art. 5.°, XXV)

Determina a Constituição Federal que, "no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, asseguradaao proprietário indenização ulterior, se houver dano" (art. 5.°, XXV).

Versa o inciso sobre a denominada requisição administrativa, que constituiuma restrição ao direito de propriedade. A propriedade do bem requisitado,entretanto, não é retirada do particular, não é transferida para o Estado;apenas a utilização do bem pelo Poder Público é ao particular imposta, porato autoexecutório. Trata-se de um exemplo típico de direito fundamentalcujo titular é o Estado: em caso de iminente perigo público, ao Estado éoutorgada a prerrogativa de utilizar propriedade privada, de forma compulsória e gratuita.

Se, por um lado, esse dispositivo constitucional outorga ao Estado um direitofundamental - o direito fundamental de requisição de propriedade particularem caso de iminente perigo público -, por outro, é certo que ele assegura aoparticular uma garantia fundamental, que é a garantia de ser indenizado, casoda utilização estatal decorra dano à propriedade. Porém, essa indenização pelouso dos bens alcançados pela requisição é condicionada: o proprietário só farájus à indenização se houver dano; inexistindo dano, não há que se falar emindenização; existindo indenização, será ela sempre ulterior.

4.16. Defesa do consumidor (art. 5.°, XXXII)

O inciso XXXII do art. 5.° da Constituição determina: "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Tão patente foi a preocupaçãodo constituinte originário com esse tema —a defesa do consumidor -, que,em reforço, no art. 170, inciso V, estabeleceu como um princípio fundamental de nossa ordem econômica a "defesa do consumidor". Não bastasse

essa ênfase, no art. 48 do ADCT foi estipulado um prazo de cento e vintedias, contados da promulgação da Constituição, para o Congresso Nacionalelaborar um código de defesa do consumidor.

Não obstante o prazo objetivamente assinalado pelo constituinte, nosso Código de Defesa do Consumidor - Lei 8.078/1990 - somente foi publicado emsetembro de 1990, quase dois anos depois da promulgação de nossa Carta.

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62 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo&Marcelo Alexandrino

A ideia central do texto constitucional, concretizada pelo Código, éque, nas relações de consumo, é presumida a existência de uma disparidadeeconômica entre as partes, de sorte que ao consumidor, que representa olado mais fraco, hipossuficiente, deve ser assegurado um arcabouço jurídicoque compense essa desigualdade fática. Essa compensação dá-se mediantea instituição de medidas de proteção jurídica, como atribuição de responsabilidade objetiva ao fornecedor por danos ocasionados por seus produtosao consumidor, inversão de ônus de prova em determinadas ações contra ofornecedor em que o consumidor seja parte etc.

4.17. Direito de informação (art. 5.°, XXXIII)

A Constituição Federal assegura a todos o "direito a receber dos órgãospúblicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ougeral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedadee do Estado" (art. 5.°, XXXIII).

O indivíduo pode, por exemplo, ingressar com um requerimento solicitando informações para atender a interesse seu ou a interesse coletivo ougeral (Por qual valor foi contratado este serviço público? Quais as cláusulasdo contrato administrativo celebrado com esta empresa?).

O direito de informação não é absoluto: o PoderPúblico poderá recusar-sea prestar informações, porém, unicamente, quando o sigilo for imprescindívelà segurança da sociedade e do Estado.

4.18. Direito de petição (art. 5.°, XXXIV, "a")

A Constituição Federalasseguraa todos, independentemente do pagamentode taxas, "o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos oucontra ilegalidade ou abuso de poder" (art. 5.°, XXXIV, "a").

O direito depetição, denatureza eminentemente democrática e informal (nãohánecessidade de assistênciaadvocatícia), asseguraâo indivíduo, ao mesmotempo,participação políticaepossibilidade defiscalização nagestão dacoisapública,sendo um meio para tornar efetivo o exercício da cidadania. É o instrumento deque dispõe qualquer pessoa para, sem o pagamento de qualquer taxa, levar aoconhecimento dos poderes públicos fato ilegal ou abusivo, contrário ao interessepúblico, para que sejam adotadas as medidas necessárias. Poderá, também, sero instrumento para a defesa de direitos perante os órgãos do Estado.

E importante destacar as duas situações distintas que podem ensejar apetição aos poderes públicos: (a) defesa de direitos; (b) reparação de ilegalidade ou abuso de poder.

Cap- 2 * PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 63

Nesta segunda finalidade, o direito de petição pode ser exercido em proldo interesse coletivo ou geral, absolutamente desvinculado da comprovaçãoda existência de qualquer lesão a interesses próprios do peticionário.

A legitimação é universal: qualquer pessoa, física ou jurídica, nacionalou estrangeira, pode peticionar aos poderes públicos, Legislativo, Executivoou Judiciário, bem como ao Ministério Público, contra ilegalidade ou abusode poder, ou, se for o caso, em defesa de direitos.

Apresentada a petição, a autoridade pública está obrigada constitucíonal-mente ao recebimento, ao exame e à expedição de resposta em tempo razoável - em respeito ao postulado da celeridade processual, previsto no art. 5.°,LXXVIII, da Constituição ~-, sob pena de implicar ofensa ao direito líquidoe certo do peticionário, sanável pela via do mandado de segurança.

Por fim, vale registrar o entendimento do Supremo Tribunal Federalsegundo o qual viola o direito de petição - gênero no qual reclamações,impugnações e recursos administrativos estão inseridos —e também a garantiaconstitucional de ampla defesa a exigência, mesmo que estabelecida em lei,de depósito prévio, arrolamento de bens e qualquer outra imposição onerosa,ou que implique constrição patrimonial, como condição de admissibilidadede recursos em processos administrativos. Essa orientação está explicitadana Súmula Vinculante 21, cujo enunciado reproduzimos abaixo:

21 - É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamentoprévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recursoadministrativo.

4.19. Direito de certidão (art. 5.°, XXXIV, "b")

A Constituição Federal assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, "a obtenção de certidões em repartições públicas, paradefesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal" (art.5.°, XXXIV, "b").

O Estado está obrigado a prestar as informações solicitadas, ressalvadasas hipóteses de proteção por sigilo, sob pena de ofensa a direito líquido ecerto do requerente, por ilegalidade ou abuso de poder, reparável na via domandado de segurança.

A jurisprudência firmou-se no sentido de que não se exige do administrado a demonstração da finalidade específica do pedido.

Cabe ressaltar que, diante da negativa ilegal ao fornecimento de certidões,o remédio judicial idôneo para a repressão da ilegalidade é o mandado desegurança, e não o habeas data.

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64 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

4.20. Princípio da inafastabilidade de jurisdição (art. 5.°, XXXV}

Dispõe o texto constitucional que a lei não excluirá da apreciação doPoder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5.°, XXXV), princípio conhecido como "inafastabilidade de jurisdição" ou de "amplo acesso ao PoderJudiciário".

Estabelece esse postulado que, entre nós, somente o Poder Judiciário decide definitivamente, com força de coisa julgada (sistema de jurisdição única).Trata-se de princípio relacionado à própria estrutura jurídico-política do Estadobrasileiro, especialmente à independência entre os Poderes, obstando que o Legislativo ou o Executivo reduzam o campo de atuação do Judiciário, mediantea edição de leis, medidas provisórias, enfim, de atos que pretendessem excluirdeterminadas matérias ou controvérsias da apreciação judicial.

Por essa razão, não só a lei está impedida de excluir determinadasmatérias ou controvérsias da apreciação do Judiciário; a inafastabilidade dejurisdição, sendo garantia individual fundamental, está gravada como cláusulapétrea (CF, art. 60, § 4.°, IV), insuscetível de abolição, nem mesmo medianteemenda à Constituição.

Não é correto, porém, com fundamento nesse princípio, afirmar que todacontrovérsia, que qualquer matéria possa ser submetida ao Poder Judiciário.Com efeito, existem situações que fogem à apreciação judicial, tais como aprática de atos interna corporis (de competência privativa das Casas Legislativas), o mérito administrativo (valoração administrativa, nos limites da lei,quanto à oportunidade e conveniência para a prática de um ato administrativo,no que respeita aos elementos "motivo" e "objeto" do ato) - dentre outras.

Outra decorrência desse princípio é que, no Brasil, em regra, o esgotamento da via admimstrativa não é condição indispensável para a busca datutela perante o Poder Judiciário (a regra é a inexistência da denominada"jurisdição condicionada" ou da "instância administrativa de curso forçado").Significa dizer que o indivíduo não precisa, necessariamente, valer-se doprocesso administrativo para, somente depois de indeferida administrativamente sua pretensão, recorrer ao Poder Judiciário. Poderá, de pronto, semnecessidade de exaurir (ou mesmo de utilizar) a via administrativa, ingressarcom a ação judicial cabível.

E oportuno, não obstante, anotar a existência de pelo menos três hipóteses em nosso ordenamento jurídico nas quais se exige o exaurimento, ou autilização inicial, da via administrativa como condição para acesso ao PoderJudiciário, a saber:

a) só são admitidas pelo Poder Judiciário ações relativas à disciplina e àscompetições desportivas depois de esgotadas as instâncias da "justiça des-

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 65

portiva" (CF, art. 217, § 1.°); apesar do nome "justiça desportiva", trata-sede órgãos de natureza administrativa;

b) o ato administrativo, ou a omissão da Administração Pública, que contrariesúmula vinculante só pode ser alvo da reclamação ao STF prevista no §3.° do art. 103-A da Constituição depois de esgotadas as vias administrativas(Lei 11.417/2006, art. 7.°, § 1.°);

c) é indispensável para caracterizar o interesse de agir no habeas data "a provado anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou daomissão em atendê-lo; sem que se configure situação prévia de pretensão,

^1 há carência da ação constitucional do habeas data" (STF, HD 22/DF, reiMin. Celso de Mello, 19.09.1991).

Vale anotar que, segundo o Supremo Tribunal Federal, viola a garantiaconstitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limitesobre o valor da causa (Súmula 667).

Por último, é importante registrar que o Supremo Tribunal Federalconsagrou o entendimento de que viola o inciso XXXV do art. 5.° daConstituição (e também a garantia de ampla defesa) a exigência de depósitocomo condição para o ajuízamento de ação em que se discuta a imposiçãode tributo. Tal orientação está sedimentada na Súmula Vinculante 28,abaixo transcrita:

28 - É inconstitucional a exigência de depósito prévio comorequisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretendadiscutir a exigibilidade de crédito tributário.

4.21. Proteção ao direito adquirido, à coisa julgada e ao atojurídico perfeito (art. 5.°, XXXVI)

Determina a Constituição Federal que "a lei não prejudicará o direitoadquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (art. 5.°, XXXVI).

Essa limitação tenciona obstar, em homenagem à segurança jurídica,leis que incidam retroativamente sobre situações atinentes à esfera jurídicado indivíduo, já consolidadas na vigência da lei pretérita.

Portanto, trata-se de direito de defesa do indivíduo ante o Estado, emface de uma nova lei, que pretendesse prejudicar situações já consolidadassob a vigência de lei pretérita. Assim, essa garantia não impede que o Estadoadote leis retroativas, desde que essas leis estabeleçam situações mais favoráveis ao indivíduo do que as consolidadas sob as leis anteriores. O que essedispositivo veda é a ação do Estado em desfavor do indivíduo, afrontando,em uma lei nova, situações constituídas na vigência da lei antiga.

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66 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Ademais, por esse motivo (tratar-se de uma proteção outorgada ao indivíduo frente ao Estado), a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5.°,XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatalque a tenha editado. Como exemplo de aplicação dessa regra, imaginemosuma situação em que não exista bom relacionamento político entre o PoderExecutivo e o Poder Legislativo de um determinado estado. Suponhamos queo Poder Legislativo, em agosto de 2006, vote e aprove uma lei, de sua iniciativa, concedendo um benefício tributário a determinadas pessoas jurídicas,retroativo a primeiro de janeiro daquele ano. Consideremos que essa lei fossevetada, mas o veto fosse rejeitado, e a lei publicada. Nessa situação, seriainadmissível a Administração tributária recusar-se a reconhecer o benefícioprevisto na lei, sob alegação de ofensa ao art. 5.°, XXXVI, da Constituição(invocando, por exemplo, a intangibilidade dos "atos jurídicos perfeitos").

Esse entendimento está sedimentado na Súmula 654 do STF, nestestermos: "A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5.°, XXXVI,da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que atenha editado."

Segundo a jurisprudência do STF, esse preceito constitucional (art. 5.°,XXXVI) se aplica a todo e qualquer ato normativo infraconstitucional, semqualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ouentre lei de ordem pública e lei dispositiva.

Por outro lado, entende o Supremo Tribunal Federal que não existe direito adquirido em face de: (a) uma nova Constituição (texto originário); (b)mudança do padrão monetário (mudança de moeda); (c) criação ou aumentode tributos; (d) mudança de regime jurídico estatutário.

No tocante às emendas constitucionais, o Supremo Tribunal Federal aindanão apreciou a matéria sob a vigência da Constituição Federal de 1988, istoé, o STF ainda não firmou posição quanto à questão acerca da possibilidadede uma emenda desconstituir direitos adquiridos sob a égide do texto constitucional a ela anterior.

4.22. Juízo natural (art. 5.°, XXXVII e LIII)

Reza o texto constitucional que "não haverá juízo ou tribunal de exceção"(art. 5.°, XXXVII) e que "ninguém será processado nem sentenciado senãopela autoridade competente" (art. 5.°, LIII), comandos que, em conjunto,consubstanciam o postulado do "juízo natural".

Esse princípio assegura ao indivíduo a atuação imparcial do Poder Judiciáriona apreciação das questões postas em juízo. Obsta que, por arbitrariedade oucasuísmo, seja estabelecido tribunal ou juízo excepcional (tribunais instituídos

Cap. 2 * PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 67

od hoc, ou seja, para o julgamento de um caso específico, e ex postfacto, istoé, criados depois do caso que será julgado), ou que seja conferidacompetêncianão prevista constitucionalmente a quaisquer órgãos julgadores.

4.23. Júri popular (art. 5.°, XXXVIII)

A Constituição Federal reconhece expressamente a instituição do júripopular, nos seguintes termos (art. 5.°, XXXVIII):

XXXVIII —é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a-soberania-dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contraa vida;

A instituição do júri assenta-se no princípio democrático, pois confereao indivíduo o direito de ser julgado por seus semelhantes, escolhidos aleatoriamente entre os cidadãos da localidade.

No Brasil, o Tribunal do Júri é composto por um juiz togado, seupresidente, e por vinte e cinco jurados que serão sorteados dentre os alistados, sete dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessãode julgamento.

Os jurados têm assegurado o sigilo de seu voto, o que permite que elessejam imparciais e que decidam de acordo com a convicção que tenhamformado a partir do acompanhamento de todo o procedimento.

A garantia de plenitude de defesa, que obviamente diz respeito ao réu,não difere do direito à ampla defesa assegurado aos acusados em geral,mormente na área penal.

A soberania dos veredictos traduz a ideia de que, como regra, a decisão dotribunal do júri não pode ser substituída por outra, proferida pelos tribunais doPoder Judiciário. Não obstante, o Supremo Tribunal Federal firmou orientaçãode que "a soberania do veredicto do júri não exclui a recorribilidade de suasdecisões". Significa dizer que há casos em que a decisão do tribunal do júri épassível de recurso para os tribunais do Poder Judiciário, especialmente quandose tratar de decisão manifestamente contrária à prova constante dos autos.

A decisão do júri pode, ainda, ser objeto de revisão criminal, hipóteseem que poderá resultar, até mesmo, a absolvição do réu definitivamentecondenado, se a decisão tiver sido arbitrária.

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68 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Deve-se ressaltar que a competência do tribunal do júri para o julgamentodos crimes dolosos contra a vida não é absoluta, pois não abrange os crimesdolosos contra a vida praticados por detentores de "foro especial por prerrogativa de função", que são julgados originariamente por certos tribunais doPoder Judiciário, conforme previsto na Constituição Federal.

Exemplificando: se os membros do Congresso Nacional praticarem umcrime doloso contra a vida, serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal(CF, art. 102, I, "b"), e não pelo tribunal do júri; se o prefeito de um município cometer um crime doloso contra a vida, não será ele submetido ajulgamento perante o tribunal do júri, e sim perante o Tribunal de Justiça,por força do art. 29, inciso X, da Constituição Federal.

Entretanto, a competência do tribunal do júri só é afastada pelas hipóteses de foro especial previstas na Constituição Federal, visto que, segundoentendimento do STF, estratificado na Súmula 721, "a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de funçãoestabelecido exclusivamente pela Constituição estadual". Exemplificando:defensor público estadual não possui foro especial definido na ConstituiçãoFederal; a Constituição do estado poderá outorgar-lhe foro especial; porém,caso ele pratique um crime doloso contra a vida, será julgado pelo tribunaldo júri, pois o foro previsto exclusivamente na Constituição do estado nãoafasta a competência do júri.

4.24. Princípio da legalidade penal e da retroatívidade da leipenal mais favorável (art. 5.°, XXXIX e XL)

Visando a tratar de modo específico das condutas objeto de maior repro-vabilidade social - os crimes e as contravenções -, as quais sujeitam aquelesque as pratiquem às mais drásticas sanções que o Direito possibilita, o textoconstitucional traz um enunciado próprio para o princípio da legalidade emmatéria penal- E o que consta do inciso XXXLX do art. 5." da Constituição,abaixo, transcrito:

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nempena sem prévia commação legal;

Observa-se que, além da exigência expressa de lei formal para tipificarcrimes e confinar sanções penais, deflui do dispositivo que a lei somentese aplicará, para qualificar como crime, aos atos praticados depois que elatenha sido publicada. Da mesma forma, a previsão legal abstrata da pena(commação da pena) deve existir, estar publicada, antes da conduta que seráapenada. Trata-se do denominado princípio da anterioridade penal, aplicávelaos delitos e às penas.

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 69

É importante observar que, tão rígido é o princípio da legalidade emmatéria penal, que a Constituição, a partir da EC 32/2001, passou a proibiro uso de medidas provisórias sobre matéria relativa a Direito Penal e Processual Penal (CF, art. 62, § 1.°, I, "b").

O acima reproduzido inciso XXXIX do art. 5.°,que, como visto, representaimportante garantia para os indivíduos, é complementado pelo inciso XL domesmo artigo. O inciso XL do art. 5.° detalha uma das regras implícitas noinciso anterior, acerca da irretroatividade da lei penal. Diz ele:

XL - a lei penai não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Decorrem da leitura desse inciso uma regra geral - a irretroatividadeda lei penal - e uma regra específica, que constitui ressalva à primeira: aretroatívidade da lei penal mais favorável.

Se a nova lei penal for favorável, ela sempre retroagirá para beneficiaro réu, ainda que já tenha ocorrido a sua condenação definitiva, transitadaem julgado, com base na lei antiga, mesmo que ele já esteja cumprindo apena. Lei penal benigna é sempre lei retroativa. Se a lei nova reduzir apena confinada a determinado crime, ou deixar de tratar o fato como crime,será retroativa, beneficiando o réu, ainda que já em fase de cumprimentoda pena.

A lei nova desfavorável ao réu não será retroativa, somente alcançandodelitos praticados após o início da sua vigência.

4.25. Vedação ao racismo (art. 5.°, XLII)

A ConstituiçãoFederal define o crime de racismo como inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (art. 5.°, XLII).

Não há, porém, no texto constitucional de 1988, um claro delineamentoacerca das condutas que, no Estado brasileiro, poderão ser enquadradas nadefinição de "racismo", para o fim de aplicação dos comandos do citado dispositivo, especialmente no tocante à imprescritibilidade desse grave delito.

O Supremo Tribunal Federal enfrentou essa questão era julgado histórico,no qual se discutiu se a publicação de obra discriminatória em relação aosjudeus enquadrava-se no conceito constitucional de "racismo".

Refutando a alegação de que não se poderia cogitar de racismo porqueos judeus não seriam uma raça, decidiu o STF que a edição e publicaçãode obras escritas veiculando idéias antissemitas, que buscam resgatar e darcredibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, constitui crimede racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade.

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70 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Entendeu a Corte que não existe, biologicamente, distinção de raçasentre seres humanos e que a expressão racismo, empregada no art. 5.°, XLIÍ,da Constituição, abrange todas as formas de discriminações que impliquem"distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça,cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensasuperioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, a'negrofobia', a 'islamafobia' e o anti-semitismo".

4.26. Tortura, tráfico de entorpecentes, terrorismo, crimeshediondos e ação de grupos armados contra a ordemconstitucional (art. 5.°, XLIii e XLIV)

Nos incisos XLIII e XLIV do art. 5.° da Constituição são relacionadascondutas às quais o texto constitucional atribui reprovação particularmenteintensa. São os seguintes os termos desses dispositivos:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis degraça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimeshediondos, por eles respondendo os mandantes, os executorese os que, podendo evitá-los, se omitirem;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação degrupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucionale o Estado Democrático;

Observa-se que os crimes de tortura, tráfico ilícito de drogas, terrorismo e a ação de grupos armados contra a ordem constitucional eo Estado Democrático foram expressamente discriminados pelo textoconstitucional (embora a sua tipificação deva ser feita mediante lei ordinária). Diferentemente, no caso dos "crimes hediondos", a enumeraçãodas condutas que devam ser assim consideradas foi deixada a critériodo legislador, sem que sequer tenha o constituinte indicado parâmetrosa serem adotados. É claro que nesse mister deverá o legislador observartodos os princípios constitucionais pertinentes, sobretudo os da razoabilidade e proporcionalidade.

4.27. Pessoalidade da pena (art. 5.°, XLV)

O denominado princípio da intransmissibilidade da pena, ou, simplesmente, da pessoalidade da pena, encontra-se vazado no inciso XLV do art.5.° da Constituição nestes termos:

Cap. 2 *PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 71

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendoa obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimentode bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores econtra eles executadas, até o limite do valor do patrimôniotransferido;

Em razão dessa norma fica afastada a possibilidade de a condenaçãopenal estender-se a parentes, amigos ou sucessores do condenado, que nãotenham participado da conduta por ele praticada. Ao mesmo tempo, a mortedo agente, antes ou depois da condenação, implica automática extinção dapunibilidade ou da execução da pena.

Não fica excluída, entretanto, a possibilidade de a obrigação de reparar o dano e o perdimento de bens alcançarem os sucessores, desde que arespectiva execução não ultrapasse o valor do patrimônio a eles transferidopela sucessão.

4.28. Princípio da individualização da pena; penas admitidas epenas vedadas (art. 5.°, XLVI e XLVII)

Estabelece a Constituição Federal que a lei regulará a individualização dapena, e adotará, entre outras, as seguintes: privação de liberdade, perda de bens,multa, prestação social alternativa, suspensão ou interdição de direitos ou, excepcionalmente, de morte, no caso de guerra declarada (CF, art. 5.°, XLVI).

A enumeração das penas constitucionalmente admitidas não é exaustiva.Dessarte, a lei poderá adotar outras modalidades de pena, desde que não incidanas proibições expressas do art. 5.°, XLVII, da Constituição Federal, que nãopermite a instituição de penas: de morte, salvo em caso de guerra declarada;de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento ou cruéis.

A parte inicial do inciso XLVI determina que a lei regulará a individualização da pena. Significa dizer que o legislador ordinário deverá, ao regulara imposição da pena, levar em conta as características pessoais do infrator,tais como o fato de ser o réu primário, de ter bons antecedentes etc.

4.29. Extradição (art. 5.°, LI e Lll)

Assevera o texto constitucional que nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes danaturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei, estabelecendo, também, que nãoserá concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião(art. 5.°, LI e LII).

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72 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Extraditar é entregar um indivíduo a outro país, no qual praticou determinado crime, para que seja lá julgado, com a aplicação das leis dessepaís. Por exemplo, um canadense pratica um crime no Canadá e foge para oBrasil; o governo canadense, então, pede ao governo brasileiro a extradiçãodo indivíduo, para que ele seja julgado no Canadá, com a aplicação das leiscanadenses.

O brasileiro nato jamais será extraditado. O brasileiro naturalizado, emregra, também não será extraditado, feitas exceções, porém, no caso de crimecomum, praticado antes da naturalização, e na hipótese de comprovação doseu envolvimento, a qualquer tempo, em tráfico ilícito de entorpecentes oudrogas afins.

Quando houver possibilidade de o indivíduo ser condenado no país soli-citante à pena de morte, e não estiver configurada a única hipótese em queela é admitida no Brasil (guerra declarada), só será concedida extradição seo país previamente comprometer-se a realizar a comutação, isto é, substituira pena de morte por pena privativa de liberdade.

Caso o indivíduo possa sercondenado nopaís solicitante àprisão perpétua,a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal exige a redução da penaao limite máximo de prisão admitido no Brasil, que é de trinta anos.

Emnenhuma hipótese haverá extradição de estrangeiro por crime políticoou de opinião (CF, art. 5.°, LU).

4.30. Devido processo legal (art. 5.°, LIV)

Reza a Carta Política que "ninguém será privado da liberdade ou de seusbens sem o devido processo legal" (art. 5.°, LIV).

O princípio do devido processo legal (due process of law) consubstancia uma das mais relevantes garantias constitucionais do processo,garantia essa que deve ser combinada com o princípio da inafastabilidadede jurisdição (CF, art. 5.°, XXXV) e com a plenitude do contraditório eda ampla defesa (CF, art. 5.°, LV). Esses três postulados, conjuntamente,afirmam as garantias processuais do indivíduo no nosso Estado Democrático de Direito. Do devido processo legal derivam, ainda, outros princípiospertinentes às garantias processuais, como o princípio do juiz natural, a sóadmissibilidade de provas lícitas no processo, a publicidade do processo,a motivação das decisões.

O Supremo Tribunal Federal deixou assente queo princípio daproporcionalidade (ou da razoabilidade) tem sua sede material no princípio do devidoprocesso legal (CF, art. 5.°, LIV), considerado em sua acepção substantiva,não meramente formal.

Gap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 73

4.30.1. Princípio da razoabilidade ou proporcionalidade

O princípio da razoabilidade (da proporcionalidade, da proibição deexcesso ou do devido processo legal em sentido substantivo) não se encontra expressamente previsto no texto da Carta Política de 1988, tratando-se,portanto, de postulado constitucional implícito.

A doutrina reconhece que o princípio da proporcionalidade é constituídode três subprincípios ou elementos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

O subprincípio da adequação, também denominado da idoneidade oupertinência, significa que qualquer medida que o Poder Público adote deveser adequada à consecução da finalidade objetivada, ou seja, a adoção deum meio deve ter possibilidade de resultar no fim que se pretende obter; omeio escolhido há de ser apto a atingir o objetivo pretendido.

O pressuposto da necessidade ou exigibilidade significa que a adoçãode uma medida restritiva de direito só é válida se ela for indispensável paraa manutenção do próprio ou de outro direito, e somente se não puder sersubstituída por outra providência também eficaz, porém menos gravosa.

Como terceiro subprincípio, o juízo de proporcionalidade em sentidoestrito somente é exercido depois de verificada a adequação e necessidadeda medida restritiva de direito. Confirmada a configuração dos dois primeiros elementos, cabe averiguar se os resultados positivos obtidos superamas desvantagens decorrentes da restrição a um ou a outro direito. Como amedida restritiva de direito contrapõe o princípio que se tenciona promovere o direito que está sendo restringido, a proporcionalidade era sentido estritotraduz a exigência de que haja um equilíbrio, uma relação ponderada entreo grau de restrição e o grau de realização do princípio contraposto.

Portanto, em essência, o princípio da razoabilidade significa que, ao seanalisar uma lei restritiva de direitos, deve-se ter em vista o fim a que elase destina, os meios adequados e necessários para atingi-lo e o grau de limitação e de promoção que ela acarretará aos princípios constitucionais queestejam envolvidos (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentidoestrito). Se os meios porventura não forem adequados ao fim colunado, ouse sua utilização acarretar cerceamento de direitos em um grau maior do queo necessário, ou ainda se as desvantagens da adoção da medida (restrição aprincípios constitucionais) suplantarem as vantagens (realização ou promoçãode outros princípios constitucionais), deve a lei ser invalidada por ofensa àConstituição, especificamente, por violação ao princípio da razoabilidade ouproporcionalidade.

Conforme antes afirmado, o STF já deixou assente que o princípio daproporcionalidade (da razoabilidade ou da proibição de excesso) tem sua sede

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74 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

material no princípio do devido processo legal (CF, art. 5.°, LIV), consideradoem sua acepção substantiva, não meramente formal.

4.31. Contraditório e ampla defesa (art. 5.°, LV)

Os princípios do contraditório e da ampla defesa estão prescritos expressamente na Constituição Federal, nos termos seguintes (art. 5.°, LV):

LV —aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, eaos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampladefesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Por ampla defesa entende-se o direito que é dado ao indivíduo de trazerao processo, administrativo ou judicial, todos os elementos de prova licitamente obtidos para provar a verdade, ou até mesmo de omitir-se ou calar-se,se assim entender, para evitar sua autoincrimmação.

Por contraditório entende-se o direito que tem o indivíduo de tomar conhecimento e contraditar tudo o que é levado pela parte adversa ao processo.O contraditório assegura, também, a igualdade das partes no processo, poisequipara, no feito, o direito da acusação com o direito da defesa.

Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que opostulado da ampla defesa e do contraditório inclui: (a) direito de as partesobterem informação de todos os atos praticados no processo; (b) direito demanifestação, oral ou escrita, das partes acerca dos elementos fáticos e jurídicos constantes do processo; (c) direito das partes de ver seus argumentosconsiderados.

Ademais, por abarcar também o processo administrativo, o vocábulolitigante há de ser compreendido em sentido amplo, ou seja, aplica-se aqualquer situação em que estejam envolvidos interesses contrapostos, nãopossuindo o sentido processual de parte (estrito), a pressupor uma lide judicial ou administrativa.

4.31.1. Ampia defesa e duplo grau de jurisdição

O princípio do duplo grau de jurisdição significa a obrigatoriedadede que exista a possibilidade de uma causa ser reapreciada por um órgãojudiciário (ou administrativo, se for o caso de processo admimstrativo) deinstância superior, mediante a interposição de recurso contra a decisão doórgão de instância inferior. Em termos mais simples, significa que devemexistir ao menos duas instâncias na via em que corre o processo (judicial ouadministrativa) e deve haver um recurso à disposição de ambas as partes que

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 75

implique a devolução da matéria apreciada e decidida em primeira instânciaa uma segunda instância, que novamente a apreciará e decidirá, podendoconfirmar ou modificar a primeira decisão.

O duplo grau de jurisdição, quando obrigatório, afasta a possibilidadeda existência de processos com instância única, com as chamadas decisõesirrecorríveis. Nos ordenamentos constitucionais que adotam o duplo grau dejurisdição como obrigatório, não pode o legislador ordinário criar processos,de índole administrativa ou judicial, com uma única instância, sem direito àrevisão por uma instância superior.

Após muita controvérsia doutrinária ejurisprudencial, o Supremo TribunalFederal firmou orientação de que o princípio do duplo grau de jurisdiçãonão é uma garantia constitucional na vigente Carta.

432. Vedação à prova ilícita (art. 5.°, LVI)

Estabelece o inciso LVI do art. 5.° da Constituição:

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas pormeios ilícitos;

A prova ilícita - por exemplo, a obtida mediante uma escuta telefônicaclandestina, ou a confissão obtida mediante tortura - não pode ser utilizadanem no processo judicial, nem nos processos administrativos (para puniçãode um servidor público, por exemplo).

A simples presença de prova ilícita nos autos não invalida, necessariamente, o processo, se existirem nele outras provas lícitas e autônomas,isto é, colhidas sem necessidade dos elementos informativos revelados pelaprova ilícita. Em verdade, quando constatada a presença de provas ilícitasnos autos de um processo, faz-se,..apenas, a separação das provas lícitas dasilícitas, podendo o processo ter o seu curso continuado, cora base nas provaslícitas nele presentes.

Porém, a prova ilícita originária contamina todas as demais provas obtidasa partir dela, todas as provas decorrentes da ilícita são também ilícitas. É aaplicação, entre nós, da denominada "teoria dos frutos da árvore envenenada"(fruits of the poisonous tree).

Destacamos, a seguir, algumas orientações do Supremo Tribunal Federala respeito da ilicitude de prova:

a) é lícita a prova obtida por meio de gravação de conversa própria, feita porum dos interlocutores, se quem está gravando está sendo vítima de propostacriminosa do outro;

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76 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo <£ Marcelo Alexandrino

Por exemplo, não é prova ilícita, tampouco violação do direito à privacidade, a gravação pela própria vítima de atos criminosos, como o diálogocom seqüestradores ou estelionatários. Assim, se um dos interlocutores estápraticando um delito, não poderá alegar que a gravação realizada pelo outroe utilizada contra ele em um processo seja uma prova ilícita.

b) é lícita a gravação de conversa realizada por terceiro, com a autorizaçãode um dos interlocutores, sem o consentimento do outro, desde que paraser utilizada em legítima defesa;

Situação semelhante à anterior, fundada, como aquela, na ponderaçãode valores constitucionais em conflito, com a única distinção de que agravação, agora, não é realizada por ura dos interlocutores, mas sim porterceiro, que não participa do diálogo. João (terceiro) grava a conversaentre Pedro e Paulo, com autorização de Pedro, sem o consentimento dePaulo, para que Pedro possa usar a gravação em legítima defesa contraPaulo (Pedro pode estar sendo vítima do crime de extorsão por parte dePaulo, por exemplo).

c) é válida a prova de um crime descoberta acidentalmente durante a escutatelefônica autorizada judicialmente para apuração de crime diverso, desdeque haja conexão entre os delitos;

Imagine-se que, no curso de uma investigação criminal, o Poder Judiciárioautorize a interceptação das comunicações telefônicas de João, suspeito docometimento do crime "x". Em seguida, na execução da medida, durante agravação das conversas telefônicas, aparece, num dos diálogos, Pedro, comopraticante do crime "y". Observe-se que, nessa situação, Pedro aparece comoum terceiro, estranho, que até então não era alvo da investigação. Porém,a prova levantada contra ele será considerada lícita, válida, desde que hajaconexão entre os delitos "x" e "y" (afinal, embora a autorização judicialtenha recaído sobre o telefone de João, ela alcança as ligações ativas epassivas deste).

d) a confissão sob prisão ilegal é prova ilícita e, portanto, inválida a condenação nela fundada.

Nesse caso, tem-se a aplicação direta da teoria dos frutos da árvoreenvenenada. Se a prisão é ilegal, as provas levantadas mediante confissãodurante o respectivo período são ilícitas, porque a confissão só ocorreu emdecorrência da prisão ilícita.

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Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 77

4.33. Princípio da presunção da inocência (art. 5.°, LV1I)

O princípio da presunção da inocência está previsto no art. 5.°, LVII, daCarta Política, nos seguintes termos: "ninguém será considerado culpado atéo trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Essa garantia processual penal tem por fim tutelar a liberdade do indivíduo,que é presumido inocente, cabendo ao Estado comprovar a sua culpabilidade.

O princípio da presunção da inocência impede o lançamento do nomedo réu no rol dos culpados antes do trânsito em julgado da sentença penalcondenatória (o lançamento do nome do réu no rol dos culpados é o atode registro da decisão condenatória, destinado a possibilitar que ela produzaos seus diversos efeitos secundários, tais como caracterizar a reincidência,impedir o benefício da suspensão condicional da pena, acarretar a revogaçãode sursis, acarretar a revogação de reabilitação).

Esse princípio impede, também, a prisão do réu antes do trânsito emjulgado da sentença penal condenatória. Deve-se ressalvar, todavia, a possibilidade de prisão preventiva processual, desde que fundamentada em algumdos pressupostos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal (garantiada ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instruçãocriminal e garantia da aplicação da lei penal). Não conflitam, tampouco, como princípio da presunção da inocência as prisões cautelares anteriores à faseprocessual (prisão em flagrante e prisão temporária), desde que concretamentefundamentadas nos pressupostos estabelecidos na legislação penal pertinente.

Em resumo, por força do postulado da presunção da inocência, a regra nonosso ordenamento é o acusado ter direito a recorrer em liberdade e a prisãosó ocorrer depois do trânsito era julgado da sentença penal condenatória;no entanto, excepcionalmente, poderá haver prisão cautelar - em flagrante,temporária ou preventiva -, desde que obedecidos os pressupostos exigidospela legislação penal respectiva.

Por último, ainda em decorrência do princípio da presunção da inocência,o Supremo Tribunal Federal entende que a simples existência de investigaçõespoliciais ou de persecuções criminais em curso, sem o trânsito em julgado,não basta, só por si, para a caracterização de maus antecedentes do réu.

4.34. Identificação criminal do civilmente identificado (art. 5.°,LVII!)

Assegura o inciso LVIII do art. 5.° da Constituição:

LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identi

ficação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;

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78 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

A identificação civil que, como regra, exclui a criminal, é toda identificação oficial, como a carteira de identidade pelo registro geral, as carteirasfuncionais válidas como de identidade, a atual carteira de motorista (carteiranacional de habilitação) etc.

A identificação criminal inclui o processo datiloscópico ("tocar piano")e fotográfico.

Há leis que prevêem situações em que a identificação criminal deveser feita, mesmo para quem já esteja identificado civilmente. É o caso, porexemplo, do disposto no art. 5.° da Lei 9.034/1995, de combate ao crimeorganizado, segundo o qual "a identificação criminal de pessoas envolvidascom a ação praticada por organizações criminosas será realizada independentemente da identificação civil".

4.35. Ação privada subsidiária da pública (art. 5.°, LIX)

A possibilidade de iniciativa privada subsidiária em crimes de ação penalpública está assim prevista no art. 5.°, LLX:

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública,se esta não for intentada no prazo legal;

Uma breve digressão faz-se necessária para que possamos situar o assunto.

Numa conceituação simplificada do direito de ação penal, diz-se que elecorresponde ao direito de pedir ao Estado-juiz a aplicação do direito penalobjetivo (as leis penais, que tipificam os crimes em tese).

Como regra, é o Ministério Público quem ingressa em juízo exercendoo direito de ação para obter do Estado-juiz, não a condenação do réu, massim o julgamento da pretensão punitiva. Nesses casos, diz-se que o Ministério Público exerce o jus persequendi (direito de persecução criminal) oujus accusotionis.

Embora a regra geral seja a legitimação do Ministério Público para oajuizamento da ação penal, casos há em que o particular poderá diretamenteexercer o jus accusotionis.

Por esse critério subjetivo, as ações penais são públicas, quando atitularidade de seu exercício é do Ministério Público, ou privadas (maisadequadamente ações penais de iniciativa privada), quando seu titular é oparticular ofendido ou seu representante legal.

As ações penais públicas comportam, ainda, uma subdivisão, conforme esteja ou não presente uma condição específica de procedibilidade: a

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 79

representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça. Quandoexigido esse requisito, a ação diz-se pública condicionada; nos demaiscasos a ação será pública incondícionada (que são a regra geral em nossoordenamento jurídico).

A Constituição de 1988, em seu art. 129, I, estabelece como funçãoinstitucional do Ministério Público promover, privativamente, a ação penalpública, na forma da lei. Essa regra abrange as ações penais públicas incon-dícionadas e as condicionadas.

Embora se diga que a iniciativa nas ações públicas é privativa do Ministério Público, há uma única exceção, que, como não poderia deixar de ser,encontra-se expressamente prevista no próprio texto constitucional: trata-seexatamente da ação penal privada subsidiária da pública, assegurada comodireito fundamental no ora estudado art. 5.°, LIX.

Esse dispositivo garante aos particulares a ação privada nos crimes deação pública, se esta não for intentada no prazo legal. Essa possibilidade deiniciativa do particular, decorrente da inércia do Ministério Público em açãode iniciativa originalmente pública, consubstancia a denominada ação penalprivada subsidiária.

A admissibilidade da ação penal privada subsidiária da pública pressupõea inércia do Ministério Público em adotar, no prazo legal, uma das seguintes providências: oferecer a denúncia, requerer o arquivamento do inquéritopolicial ou requisitar diligências.

4.36. Hipóteses constitucionais em que é possível a prisão (art.5.°, LXI, LXVI)

Nos termos do inciso LXI do art. 5.°, "ninguém será preso senão eraflagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciáriacompetente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamentemilitar, definidos em lei".

Sendo o direito de liberdade um dos mais elementares direitos fundamentais, é natural que a Constituição, como uma de suas garantias, considere aprisão de um indivíduo medida marcadamente excepcional, restrita a casosdeterminados, ou somente passível de ser imposta por autoridade específica.Assegura, outrossim, a Carta Política, em reforço, que "ninguém será levadoà prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, comou sem fiança" (CF, art. 5.° LXVI).

A Constituição de 1988 limitou às autoridades judiciárias a competênciapara determinar a prisão, salvo quando se trate de prisão em flagrante oumilitar. Assim, a ordem de prisão terá que partir do Poder Judiciário, ficando

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extintas, nãorecepcionadas, todas as normas pretéritas quepreviam decretaçãode prisão por autoridades administrativas.

As prisões em flagrante delito podem ser efetuadas por qualquer pessoa,sendo uma faculdade para o popular e um dever para a autoridade policial.Vale lembrar que até mesmo a inviolabilidade do domicílio é afastada nocaso de flagrante delito, conforme preceitua o inciso XI do art. 5.° da CartaMagna.

As prisões militares podem ser disciplinares, caso em'que são decretadas administrativamente, pela autoridade militar de hierarquia superior à doinfrator, ou decorrerem de crimes militares, caso em que a prisão deve serdecretada pela Justiça Militar. Deve-se notar que, embora as prisões disciplinares militares obedeçam normas próprias, não se tem, de modo nenhum,autorização para prisões arbitrárias, cabendo, desde que haja provocação, ocontrole judicial da medida, que será declarada ilegal sempre que tenha sidocontrária ao Direito.

Duas importantes disposições constitucionais relacionadas a esse comandomerecera menção.

A primeira é que, durante o estado de defesa e o estado de sítio, a própria Constituição Federal admite a prisão administrativa, a ser decretada peloexecutor dessas medidas excepcionais, sem necessidade de prévia autorizaçãojudicial (arts. 136, § 1.°, e 139).

A segunda é que, embora a Constituição autorize genericamente a prisãoem flagrante de qualquer pessoa, essa medida não poderá ser adotada contrao Presidente da República, haja vista que este não se sujeita a nenhuma prisão de natureza cautelar, em razão da imunidade processual de que dispõe,segundo a qual, "enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infraçõescomuns, o Presidente da República não estará sujeito à prisão" (CF, art. 86,§ 3.°). Também não se sujeitam irrestritamente à prisão os congressistas e osdeputados estaduais, pois eles, desde a expedição do diploma, só poderão serpresos em flagrante de crime inafiançável, em face da imunidade processualde que também dispõem (CF, art. 53,. § 2.°, c/c art. 27, § 1.°).

4.37. Direito à não autoincriminação e outros direitos do preso(art. 5.°, LXIi, LXIII, LXIV e LXV)

O preso tem o direito de permanecer calado para não incriminar a sipróprio com as declarações prestadas, seja no inquérito policial, seja perantea autoridade judiciária (CF, art. 5.°, LXIII).

O privilégio contra a autoincriminação traduz direito público subjetivoassegurado a qualquer pessoa, que, na condição de indiciado ou de réu, deva

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 81

prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo (sendo plenamenteinvocável perante as comissões parlamentares de inquérito), do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.

O preso tem o direito de ser informado a respeito dessa garantia constitucional (direito ao silêncio), sob pena de nulidade absoluta do interrogatório.Logo, a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícitaa prova que, contra si mesmo, forneça o acusado, ainda quando observadasas demais formalidades procedimentais do interrogatório.

Além do direito à não autoincriminação, a Carta Política de 1988 assegura expressamente ao preso o respeito à integridade física e moral (art.5.°, XLIX), o direito de receber assistência de sua família e de advogado(CF, art. 5.°, LXIII), a garantia de que a sua prisão e o local em que ele seencontra serão comunicados imediatamente ao juiz competente e a sua famíliaou a pessoa por ele indicada (CF, art. 5.°, LXII), o direito à identificaçãodos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial (CF, art.5.°, LXTV), bem como a garantia de que a prisão ilegal será imediatamenterelaxada pela autoridade judiciária (CF, art. 5.°, LXV).

Por fim, é oportuno registrar que o Supremo Tribunal Federal firmouorientação de que a utilização de algemas deve ter caráter excepcional,configurando o seu uso abusivo violação ao princípio da dignidade da pessoahumana e mesmo à presunção de inocência, sobretudo quando o objetivomanifesto da atuação policial abusiva é expor o preso à execração pública,representando uma verdadeira "condenação sem julgamento". Com base nessaorientação, a Corte Suprema editou a Súmula Vinculante 11, cuja redaçãotranscrevemos abaixo:

11 - Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e defundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificadaa excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidadedisciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidadeda prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízoda responsabilidade civil do Estado.

4.38. Prisão civil por dívida (art. 5.°, LXVII)

Reza a Constituição Federal que "não haverá prisão civil por dívida, salvoa do responsável pelo madimplemento voluntário e inescusável de obrigaçãoalimentícia e a do depositário infiel" (art. 5.°, LXVII).

Esse dispositivo estabelece a regra no nosso sistema, que é a inexistência de prisão civil por dívida, permitida unicamente em duas hipóteses:

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(a) inadímplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia; e (b)depositário infiel.

A respeito da obrigação alimentícia, cabe ressaltar que se o não pagamento ocorrer em razão de um motivo de força maior (o desemprego,quando o indivíduo não possuir nenhuma outra fonte de renda, por exemplo),não há que se falar em prisão do devedor. Em situações assim, perduraráa dívida, mas a prisão não poderá ser utilizada-como meio coercitivo parasua cobrança.

A figura do depositário infiel surgiu a partir do contrato de depósito,originário do direito privado. Nesse contrato, uma pessoa (o depositante)deixa determinada coisa (em regra, bem móvel) sob a custódia de outra (odepositário), que deverá devolvê-la quando aquele exigir. Ocorrendo de o depositante, no momento em que for requisitar a retirada do bem, não o encontrarna posse do depositário, estará este na situação de depositário infiel.

E extremamente relevante enfatizar que a prisão civil por dívida, previstaneste inciso LXVII do art. 5.° da Constituição Federal, é atualmente aplicável apenas ao responsável pelo inadímplemento voluntário e inescusável deobrigação alimentícia, não mais alcançando o depositário infiel. É que oSupremo Tribunal Federal passou a entender que, desde a ratificação, peloBrasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pactode San José da Costa Rica (art. 7.°, 7), ambos no ano de 1992, não há maisbase legal para prisão civil do depositário infiel no Estado brasileiro.

Por fim, cabe mencionar que, em decorrência desse novo entendimento- inaplicabilídade da prisão civil ao depositário infiel -, o Supremo TribunalFederal revogou a sua Súmula 619, que versava sobre o assunto. A orientação atual de nossa Corte Suprema é objeto da Súmula Vinculante 25, cujoenunciado transcrevemos:

25 - E ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer queseja a modalidade do depósito.

4.39. Assistência jurídica gratuita (art. 5.°, LXX1V)

Determina a Constituição Federal que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art.5.°, LXXIV).

No intuito de facilitar o acesso de todos à Justiça, conferiu o legisladorconstituinte a todo aquele que comprovar que sua situação econômica nãolhe permite pagar os honorários advocatícios e custas judiciais, sem prejuízopara seu sustento e de sua família, um direito público subjetivo, qual seja,

Cap. 2 • PRINCÍPIOS. DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 83

a assistência jurídica integral e gratuita, contemplando o pagamento de honorários de advogado e perito.

Essa assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos será prestada, em todos os graus, pela Defensoria Pública,instituição essencial à função jurisdicional do Estado (CF, art. 134).

Por fim, cabe ressaltar que esse benefício da gratuidade constitui direitopúblico subjetivo reconhecido tanto à pessoa física quanto à pessoa jurídicade direito privado, independentemente de esta possuir, ou não, fins lucrativos,desde que devidamente comprovada a insuficiência de recursos para suportaras despesas do processo e o pagamento da verba honorária.

4.40. Indenização por erro judiciário e excesso na prisão (art. 5.°,LXXV)

O inciso LXXV do art. 5.° da Constituição assegura que "o Estadoindenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar presoalém do tempo fixado na sentença". Trata-se de hipóteses de responsabilidadecivil do Estado.

Em sua primeira parte, o inciso LXXV do art. 5.° da Constituição, oraem comento, traz uma importante exceção à irresponsabilidade por atos ju-risdicionais. Com efeito, no caso de erro judiciário (o erro judiciário a quese refere o dispositivo é exclusivo da esfera penal, ou seja, é a condenaçãopenal indevida), há responsabilidade civil do Estado, podendo a pessoa quefoi injustamente condenada pleitear judicialmente indenização pelos danosmorais e materiais decorrentes dessa condenação.

Na hipótese de um indivíduo ficar preso além do tempo fixado na sentença,a responsabilidade civil do Estado não decorre de algum ato jurisdicional, massim de atuação administrativa. A pessoa que tenha sofrido o dano, patrimoniale moral, decorrente dessa atuação (ou omissão) indevida do Estado deverápleitear a indenização diretamente mediante ação cível específica.

4.41. Gratuidade do registro civil de nascimento e da certidão deóbito (art. 5.°, LXXVi)

Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado,porém, mediante delegação do Poder Público (CF, art. 236). Por essa razão,a atividade desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros,embora seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se em vários aspectos aum regime de direito público, bem como à fiscalização exercida pelo PoderJudiciário.

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84 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Em decorrência do caráter privado dos serviços, admite-se a cobrançade emolumentos pela sua prestação, os quais reverterão em benefício dopróprio titular da serventia, cujo ingresso depende de concurso público deprovas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, semabertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses(CF, art. 236, § 3.°).

Não obstante os titulares da serventia fazerem jus aos emolumentospela prestação dos respectivos serviços, determina a Constituição que sãogratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei, o registro civilde nascimento e a certidão de óbito (art. 5.°, LXXVI).

Sem prejuízo dessa disposição constitucional (art. 5.°, LXXVI), o Supremo Tribunal Federal considerou válida previsão legal (Lei 9.534/1997) degratuidade do registro civil de nascimento, do assento de óbito, bem como daprimeira certidão respectiva, para todos os cidadãos (e não somente para osreconhecidamente pobres), sob o fundamento de que o fato de a Constituiçãoassegurar tais direitos apenas aos reconhecidamente pobres (art. 5.°, LXXVI)não impede o legislador de estendê-los a outros cidadãos.

4.42. Celeridade processual (art. 5.°, LXXVIII)

Dispõe a Constituição Federal que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios quegarantam a celeridade de sua tramitação" (art. 5.°, LXXVIII).

Sabe-se que no Brasil a morosidade dos processos judiciais e a baixaefetividade de suas decisões, dentre outros males, retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geramimpunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático.

Esse princípio vazado no inciso LXXVIII do art. 5.° da Carta Magna,que visa a garantir a todos os litigantes, na esfera judicial ou administrativa,a celeridade na tramitação dos processos, veio complementar e dotar de maioreficácia outras garantias já previstas na Constituição Federal, tais como: odireito de petição aos poderes públicos (art. 5.°, XXXrV); a inafastabilidadede jurisdição (art. 5.°, XXXV); o contraditório e ampla defesa (art. 5.°, LV)e o devido processo legal (art. 5.°, LIV).

4.43. Habeas corpus (art. 5.°, LXVI1I)

A Constituição Federal, seguindo a tendência das Constituições contemporâneas, consagra um grande conjunto de direitos ao indivíduo. Como intuito de assegurar efetividade a esses direitos, institui, paralelamente, as

Cap. 2 * PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 85

denominadas "garantias", sendo que, entre essas garantias, destacam-se os"remédios constitucionais".

A expressão "remédios constitucionais" designa determinadas garantiasque consubstanciara meios colocados à disposição do indivíduo para salvaguardar seus direitos diante de ilegalidade ou abuso de poder cometido peloPoder Público. Não se trata de meras proibições endereçadas ao Estado, comoocorre com a maioria das demais garantias; os denominados remédios sãoinstrumentos à disposição do indivíduo para que ele possa atuar quando osdireitos e as próprias garantias são violadas.

Na vigente Constituição, temos remédios administrativos (direito de petição e direito de certidão) e remédios judiciais {habeas data, habeas corpus,mandado de segurança, mandado de injunção e ação popular).

Os remédios administrativos (direito de petição e direito de certidão) jáforam estudados, era tópicos precedentes. Nos itens a seguir, examinaremosos aspectos constitucionais e legais dos denominados remédios constitucionaisde natureza judicial, iniciando pelo remédio heróico (habeas corpus).

Estabelece a Constituição, no inciso LXVIII de seu art. 5.°:

LXVIII —conceder-se-á habeas corpussempre que alguém sofrerou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sualiberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

O habeas corpus é o remédio a ser utilizado contra ilegalidade ou abusode poder no tocante ao direito de locomoção, que alberga o direito de ir, vire permanecer do indivíduo.

O habeas corpus é ação de natureza penal, de procedimento especiale isenta de custas (é gratuito), com objeto específico, constitucionalmentedelineado - liberdade de locomoção -, não podendo ser utilizado para acorreção de qualquer ilegalidade que não implique coação ou iminência decoação, direta ou indireta, à liberdade de ir, vir e permanecer.

O habeas corpus pode ser:

a) repressivo (Hberatório), quando o indivíduo já teve desrespeitado o seudireito de locomoção (já foi ilegalmente preso, por exemplo); ou

b) preventivo (salvo-conduto), quando há apenas uma ameaça de que o seudireito de locomoção venha a ser desrespeitado (o indivíduo está na iminência de ser preso, por exemplo).

A legitimação ativa no habeas corpus é universal: qualquer do povo,nacional ou estrangeiro, independentemente de capacidade civil, política ouprofissional, de idade, de sexo, profissão, estado mental, pode ingressar com

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86 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

habeas corpus, em beneficio próprio ou alheio (habeas corpus de terceiro).Não há impedimento algum para que uma pessoa menor de idade, analfabeta,doente mental, mesmo sem representação ou assistência de terceiro, ingressecom habeas corpus. A jurisprudência admite, inclusive, a impetração de habeas corpus por pessoa jurídica, era favor de pessoa física a ela ligada (umdiretor da empresa, por exemplo).

Não há necessidade de advogado para a impetração de habeas corpus.

O habeas corpus será impetrado contra um ato do sujeito coator, quetanto poderá ser autoridade pública (delegado de polícia, promotor de justiça,juiz, tribunal etc), quanto particular, para fazer cessar uma coação ilegal.

Segundo a jurisprudência do STF, será cabível habeas corpus não sócontra a ofensa direta, mas também frente à ofensa indireta, reflexa ou potencial ao direito de locomoção.

Temos ofensa indireta (ou ameaça de ofensa indireta) ao direito delocomoção quando o ato que se esteja impugnando possa resultar em umprocedimento que, ao final, acarrete detenção ou reclusão do impetrante.

Um exemplo freqüente e bastante ilustrativo é o da utilização do habeascorpus para atacar (ou impedir) a quebra de sigilo bancário.

Em regra, o instrumento idôneo para atacar a quebra do sigilo bancário éo mandado de segurança. Entretanto, há uma situação em que o STF admite,alternativamente, a impetração de habeas corpus: quando a quebra do sigilobancário implicar ofensa indireta ou reflexa ao direito de locomoção!

Essa situação pode ocorrer, por exemplo, com uma pessoa que estejarespondendo a um processo criminal por sonegação fiscal, crime apenadocom reclusão, sendo que, nesse processo, foi determinada pelo magistradocompetente a quebra do sigilo bancário dessa pessoa. Se ela entender queessa medida determinada pelo juiz é arbitrária (por falta de fundamentação,por exemplo) poderá impetrar habeas corpus contra a medida, por representaruma ofensa indireta ao seu direito de locomoção.

A quebra do sigilo bancário representa uma ofensa indireta ao direito de locomoção porque, posteriormente, a pessoa processada poderia sercondenada à pena privativa de liberdade (reclusão) com base nas provaslevantadas durante a quebra do seu sigilo bancário. A quebra do sigilo bancário representa, portanto, uma ofensa indireta e potencial ao seu direito delocomoção (no futuro).

Segundo a jurisprudência do STF, será incabível habeas corpus para:

a) impugnar decisões do Plenário ou de qualquer das Turmas do STF, vistoque esses órgãos, quando decidem, representam o próprio Tribunal;

b) impugnar determinação de suspensão dos direitos políticos;

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Cap. 2 •> PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 87

c) impugnar pena advinda de decisão administrativa de caráter disciplinar(advertência, suspensão, demissão, destituição de cargo em comissão etc.),pois estas não implicam restrição ao direito de locomoção;

d) impugnar decisão condenatória à pena de multa, ou relativa a processo emcurso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada(STF, Súmula 693);

e) impugnar a determinação de quebra de sigilo telefônico, bancário ou fiscal,se desta medida não puder resultar condenação à pena privativa de liberdade;

f) discutir o mérito das punições disciplinares militares (CF, art. 142, § 2.°);

g) questionar afastamento ou perda de cargo público, bem como contra aimposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou defunção pública (STF, Súmula 694);

h) o questionamento de condenação criminal quando já extinta a pena privativade liberdade (STF, Súmula 695);

i) discutir a condenação imposta em processo de impeachment, pela práticade crime de responsabilidade;

j) impugnar o mero indiciamento em inquérito policial, desde que presentesindícios de autoria de fato que configure crime em tese;

k) impugnar omissão de relator de extradição, se fundado em fato ou direitoestrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele provocado arespeito (STF, Súmula 692).

4.44. Mandado de segurança (art. 5.°, LXIX e LXX)

Reza a Constituição de 1988, em seu art. 5.°, inciso LXIX:

LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para protegerdireito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ouhabeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abusode poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídicano exercício de atribuições do Poder Público;

O mandado de segurança é ação judicial, de rito sumário especial, a serutilizada quando direito líquido e certo do indivíduo for violado por ato deautoridade governamental ou de agente de pessoa jurídica privada que estejano exercício de atribuição do Poder Público.

Equiparam-se às autoridades públicas, quanto à prática de atos reparáveisvia mandado de segurança, os representantes ou órgãos de partidos políticose os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de

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88 RESUMO DEDIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poderpúblico, somente no que disser respeito a essas atribuições.

O mandado de segurança é ação de natureza residual, subsidiária, poissomente é cabível quando o direito líquido e certo a ser protegido não foramparado por outros remédios judiciais (habeas corpus ou habeas data,ação popular etc).

4.44.1. Legitimação ativa

Têm legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança (sujeitoativo):

a) as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, domiciliadas ounão no Brasil;

b) as universalidades reconhecidas por lei, que, embora sem personalidade jurídica, possuem capacidade processual para defesa de seus direitos (o espólio,a massa falida, o condomínio de apartamentos, a herança, a sociedade defato, a massa do devedor insolvente etc);

c) os órgãos públicos de grau superior, na defesa de suas prerrogativas eatribuições;

d) os agentes políticos (governador de estado, prefeito municipal, magistrados,deputados, senadores, vereadores, membros do Ministério Público, membrosdos tribunais de contas, ministros de estado, secretários de estado etc), nadefesa de suas atribuições e prerrogativas;

e) o Ministério Público, competindo a impetração, perante os tribunais locais,ao promotor de justiça, quando o ato atacado emanar de juiz de primeirograu de jurisdição.

4.44.2. Legitimação passiva

Têm legitimidade passiva em mandado de segurança:

a) autoridades públicas de quaisquer dos Poderes da União, dos estados, doDistrito Federal e dos municípios, sejam de que categoria forem e sejamquais forem as funções que exerçam;

b) os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores deentidades autárquicas (incluídas as fundações governamentais com personalidade jurídica de direito público);

c) os dirigentes de pessoas jurídicas de direito privado, integrantes ou não daadministração pública formal, e as pessoas naturais, desde que eles estejam

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

no exercício de atribuições do Poder Público, e somente no que disserrespeito a essas atribuições.

4,44.3. Descabimento

Não se concederá mandado de segurança quando se tratar:

I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;

II - de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo;

III - de decisão judicial transitada em julgado.

Também não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedadede economia mista e de concessionárias de serviço público.

4.44.4. Medida liminar

Medida liminar é uma ordem judicial proferida prontamente, medianteum juízo sumário, porém precário, ou seja, não definitivo, de plausibilidadedas alegações e de risco de dano de difícil reparação, se houvesse demorana prestação jurisdicional.

Os pressupostos de uma liminar, portanto, são a plausibilidade jurídicado pedido (fumus boni júris) e o risco de dano irreparável ou de difícilreparação em decorrência da demora na prestação jurisdicional definitiva(periculum in mora).

Ademais, é facultada ao magistrado a exigência ao impetrante de prestação de caução, fiança ou depósito como condição para a concessão damedida liminar.

4.44.5. Vedação à concessão de medida liminar

Não será concedida medida liminar que tenha por objeto:

a) a compensação de créditos tributários;

b) a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior;

c) a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão deaumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.

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90 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

4.44.6. Prazo para impetração

O prazo para impetração do mandado de segurança é de cento e vintedias, a contar da data em que o interessado tiver conhecimento oficial do atoa ser impugnado (publicação do ato na imprensa oficial, por exemplo).

Trata-se de prazo decadencial, não passível de suspensão ou interrupção. Nem mesmo o pedido de reconsideração administrativo interrompe acontagem desse prazo.

Se o ato impugnado é de trato sucessivo (pagamento periódico de vencimentos, prestações mensais de determinado contrato etc), o prazo de centoe vinte dias renova-se a cada ato.

Se o mandado de segurança é do tipo preventivo, não há que se falarem prazo decadencial de cento e vinte dias para sua impetração, porque nãohá um ato coator apto a marcar o termo inicial de contagem.

4.44.7. Competência

A competência para julgar mandado de segurança é definida pela categoria da autoridade coatora e pela sua sede funcional. Desse modo, se aautoridade coatora é federal e desempenha suas atribuições em Fortaleza -CE, o juízo competente será a Justiça Federal nessa cidade, seja qual for amatéria discutida.

Com efeito, é irrelevante, para fixação da competência, a matéria a serdiscutida em mandado de segurança, uma vez que é era razão da autoridadecoatora da qual emanou o ato dito lesivo que se determina o juízo a quedeve ser submetida a ação.

4.44.8. Duplo grau de jurisdição

Concedida a segurança pelo magistrado de primeiro grau, a sentença estarásujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição (reexame necessário).

Todavia, não há duplo grau de jurisdição obrigatório se a decisão foi proferida por tribunal do Poder Judiciário, no uso de competência originária.

4.44.9. Honorários advocatíáos

Não cabe, no processo de mandado de segurança, a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios (ônus de sucumbência), sem prejuízoda aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 91

-4 4.44.10. Desistênciag

R O mandado de segurança admite desistência em qualquer tempo e grau\ de jurisdição, independentemente do consentimento do impetrado, mesmo que

já tenha sido proferida decisão de mérito, desde que, evidentemente, aindanão tenha ocorrido o trânsito em julgado.

4.44.11. Mandado de segurança coletivo

O mandado de segurança coletivo constitui remédio constitucional previstono art. 5.°, LXX, da Constituição Federal direcionado à defesa de direitoscoletivos e individuais homogêneos, contra ato, omissão ou abuso de poderpor parte de autoridade.

O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional, na defesade seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidadepartidária; ou

b) por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmenteconstituída e em funcionamento há, pelo menos, um ano, em defesa dedireitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ouassociados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suasfinalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

Anote-se que a exigência de ura ano de constituição e funcionamentodestina-se apenas às associações, não se aplicando às entidades sindicais eentidades de classe.

A legitimação das entidades aciraa enumeradas, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. Nãose exige, por isso, a autorização expressa dos titulares do direito, diferentemente do que ocorre no caso do inciso XXI do art. 5.° da Carta Política,que contempla caso de representação (e não de substituição).

Assim, se uma associação pleitear judicialmente determinado direitoem favor de seus associados por outra via que não seja a do mandado desegurança coletivo, será necessária a autorização expressa, prescrita no art.5.°, XXI, da Constituição (caso de representação). Entretanto, na hipótese deesse mesmo direito vir a ser defendido pela associação por meio do mandadode segurança coletivo, não haverá necessidade da autorização expressa dosassociados (caso de substituição).

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92 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:I —coletivos, assim entendidos os transindividuais, de naturezaindivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoasligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;

II - individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes deorigem comum e da atividade ou situação específica da totalidadeou de parte dos associados ou membros do impetrante.

E importante frisar que os direitos defendidos por organização sindical,entidade de classe ou associação não precisa ser um direito de todos os seusmembros; pode ser um direito de apenas parte dos membros da entidade. Assim, o sindicato dos Delegados de Polícia Federal, que congrega servidoresativos e inativos, poderá ajuizar ura raandado de segurança coletivo na defesade interesse exclusivo dos Delegados inativos (parte da categoria,_potíanto).

No caso de mandado de segurança coletivo impetrado contra autoridadevinculada a pessoa jurídica de direito público, a liminar só poderá serconcedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica, quedeverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.

4.4S. Mandado de injunção

A vigente Constituição, no intento de assegurar a plena eficácia e aplicabilidade de seus dispositivos, instituiu um novo remédio constitucional, aação denominada mandado de injunção, prevista no art. 5.°, inciso LXXI,nos seguintes termos:

LXXI - conceder~se-á mandado de injunção sempre que a faltade norma regulamentadora tome inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes ànacionalidade, à soberania e à cidadania;

A preocupação evidente é conferir efetiva aplicabilidade e eficácia aotexto constitucional, para que este não se torne "letra morta", era razão deomissão do legislador ordinário na sua regulamentação.

Cabe mencionar que, embora não haja previsão expressa na ConstituiçãoFederal, há pacífica orientação do STF a respeito do cabimento do mandadode injunção coletivo, admitindo-se a impetração pelas entidades sindicais oude classe, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas instituições, o exercício de direitos assegurados pela Constituiçãoe que estejam inviabilizados pela ausência de regulamentação, nos mesmostermos previstos para o mandado de segurança coletivo.

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 93

São três os pressupostos do mandado de injunção:

a) falta de norma regulamentadora de um preceito constitucional de naturezamandatória;

b) inviabilização do exercício de um direito ou liberdade constitucional, ouprerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania, decorrente(a inviabilização) dessa falta da norma regulamentadora; e

c) o transcurso de razoável prazo para a elaboração da norma regulamentadora.

Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não caberámandado de injunção:

a) se já existe norma regulamentadora do direito previsto na Constituição,ainda que defeituosa (mandado de injunção é remédio para reparar a faltade norma regulamentadora de direito previsto na Constituição; seja existea norma regulamentadora, ainda que flagrantemente inconstitucional, nãoserá mais cabível mandado de injunção; nesse caso, a validade da normapoderá ser discutida em outras ações, mas não mais na via do mandadode injunção);

b) diante da falta de norma regulamentadora de direito previsto em normasinfraconstitucionais (mandado de injunção é remédio para reparar faltade norma regulamentadora de direito que esteja previsto na ConstituiçãoFederal);

c) diante da falta de regulamentação dos efeitos de medida provisória nãoconvertida em lei pelo Congresso Nacional (pelo mesmo motivo: mandado de injunção é remédio para reparar falta de norma regulamentadora dedireito previsto na Constituição);

d) se a Constituição Federal outorga mera faculdade ao-legislador para regulamentar direito previsto em algum de seus dispositivos.

O mandado de injunção pode ser intentado por qualquer pessoa, físicaou jurídica, que se veja impossibilitada de exercer um determinado direitoconstitucional por falta de norma que o regulamente. Possui legitimidadeativa no processo, portanto, o próprio titular do direito constitucional obstadopor inércia do legislador.

No mandado de injunção coletivo, a legitimação pertence ao partidopolítico com representação no Congresso Nacional e à organização sindical,entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ouassociados.

Page 59: Direito constitucional descomplicado

94 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

No polo passivo do mandado de injunção, devem figurar os órgãos ouautoridades públicas que têm a obrigação de legislar, mas estejam omissosquanto à elaboração da norma regulamentadora.

Se a omissão for legislativa federal, o mandado de injunção deverá serajuizado em face do Congresso Nacional, salvo se a iniciativa da lei forprivativa, hipótese em que o mandado de injunção deverá ser ajuizado emface do detentor da iniciativa privativa (Presidente da República, nas situaçõesdo art. 61, § 1.°, da Carta Política, por exemplo).

Um dos temas polêmicos do constitucionalismo brasileiro, após a promulgação da vigente Carta Política, diz respeito à eficácia da decisão proferida em mandado de injunção. Cabe ressaltar que as teses jurídicas a seguirapresentadas dizem respeito aos efeitos da decisão de mérito em mandadode injunção, haja vista que, segundo entendimento firmado pelo SupremoTribunal Federal, é incabível a concessão de medida liminar em mandadode injunção.

As duas grandes teses jurídicas propostas costumam ser denominadasposição concretista e posição não concretista.

Pela posição concretista, sempre que presentes os requisitos constitucionais exigidos para o mandado de injunção, o Poder Judiciário deveriareconhecer a existência da omissão legislativa ou administrativa e possibilitarefetivamente a concretização do exercício do direito, até que fosse editada aregulamentação pelo órgão competente.

Essa posição concretista divide-se em duas espécies: (a) concretista geral;e (b) concretista individual.

Pela posição concretista geral, a decisão do Poder Judiciário deveria terefeito geral (eficácia erga omnes), possibilitando, mediante um provimentojudicial revestido de normatividade, a concretização do exercício do direito,alcançando todos os titulares daquele direito, até que fosse expedida a normaregulamentadora pelo órgão competente.

Pela posição concretista individual, a decisão do Poder Judiciário deveria produzir efeitos somente para o autor do mandado de injunção (eficáciainter partes).

Por sua vez, essa posição concretista individual divide-se em duas espécies: (a) concretista individual direta; e (b) concretista individual intermediária.

Pela concretista individual direta, o Poder Judiciário, ao julgar procedente o mandado de injunção, concretiza direta e imediatamente a eficáciada norma constitucional para o autor da ação.

Pela posição concretista individual intermediária, após julgar procedente o mandado de injunção, o Poder Judiciário o Poder Judiciário dá

Cap. 2 - PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 95

ciência ao órgão omisso, fixando-lhe um prazo para a expedição da normaregulamentadora (fala-se no prazo de 120 dias). Ao término desse prazo,se a omissão do órgão competente para expedir a norma regulamentadorapermanecer, o Poder Judiciário, então, fixará as condições necessárias aoexercício do direito por parte do autor do mandado de injunção.

Pela posição não concretista, deverá o Poder Judiciário, apenas, reconhecer formalmente a inércia do Poder Público e dar ciência da sua decisãoao órgão competente, para que este edite a norma faltante. Essa correnteentende que a eficácia da decisão judicial não pode ir além disso, sob penade ofensa ao princípio da separação dos poderes.

A posição não concretista foi inicialmente a seguida pela jurisprudênciadominante do Supremo Tribunal Federal.

Com a mudança em sua composição, o STF reformulou o entendimentosobre a eficácia de suas decisões em mandado de injunção, passando a adotara corrente concretista, a fira de viabilizar o exercício do direito constitucional carente de regulamentação ordinária, afastando as conseqüências dainércia do legislador.

Importante destacar que o tribunal não se firmou, ainda, sobre o alcanceda decisão proferida no mandado de injunção, vale dizer, se será adotada aposição concretista geral (eficácia erga omnes) ou a concretista individual(eficácia inter partes). Com efeito, o Tribunal ora tem adotado a posiçãoconcretista individual direta, possibilitando-se o efetivo exercício do direitoexclusivamente para o impetrante, ora tem perfilhado a posição concretistageral, viabilizando o exercício do direito para todos os seus titulares (eficáciaerga omnes).

Efeitos da

Decisão no

Mandado de

Injunção

Concretista (o Judiciáriotorna exercítável o direito

não regulamentado)

Não Concretista

(o Judiciário apenasdeclara a mora do

órgão omisso)

4.46. Habeas data

Geral

Individual — Direta

Intermediária

O remédio constitucional habeas data está previsto no inciso LXXII doart. 5.° da Constituição Federal, nestes termos:

Page 60: Direito constitucional descomplicado

96 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

LXXII - conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas àpessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dadosde entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lopor processo sígiloso, judicial ou administrativo;

O habeas data é remédio constitucional, de natureza civil, submetidoa rito sumário, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, oexercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: a) direitode acesso aos registros relativos à pessoa do impetrante; b) direito de retificação desses registros; e c) direito de complementação dos registros.

O habeas data encontra-se regulado pela Lei 9.507, de 12 de novembro de1997, que, no inciso III do seu art. 7.°, acrescentou uma outra hipótese de cabimento da medida, além das constitucionalmente previstas, a saber: "para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dadoverdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável".

E relevante anotar que o habeas data não é instrumento jurídico adequadopara pleitear o acesso a autos de processos administrativos.

Ademais, o direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse próprio, em sede de habeas data, não se reveste de caráter absoluto,cedendo passo quanto aos dados protegidos por sigilo, em prol da segurançada sociedade e do Estado.

O habeas data poderá ser ajuizado por qualquer pessoa física, brasileiraou estrangeira, bem como por pessoa jurídica. Saliente-se, porém, que a açãoé personalíssima, vale dizer, somente poderá ser impetrada pelo titular dasinformações.

No polo passivo, podem figurar entidades governamentais, da Administração Pública Direta e Indireta, bem como as instituições, entidades e pessoasjurídicas privadas detentoras de banco de dados contendo informações quesejam ou possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações.

O habeas data somente pode ser impetrado diante da negativa da autoridade administrativa de fornecimento (ou de retificação ou de anotação dacontestação ou explicação) das informações solicitadas.

Portanto, para que o interessado tenha interesse de agir, para o fim deimpetrar o habeas data, é imprescindível que tenha havido o requerimentoadministrativo e a negativa pela autoridade administrativa de atendê-lo.

A impetração do habeas data não está sujeita a prazo prescricional oudecadencial, podendo a ação ser proposta a qualquer tempo.

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 97

Tanto o procedimento administrativo quanto a ação judicial de habeasdata são gratuitos. Ademais, não há ônus de sucumbência (honorários ad-vocatícios) em habeas data. Para o ajuizamento do habeas data, porém,exige-se advogado.

4.47. Ação popular

A Carta da República, valorizando a participação popular no controleda gestão da coisa pública, que deve ser pautada pelos princípios constitucionais administrativos da legalidade e moralidade, dispõe que (CF, art. 5.°,LXXIII):

LXXIII ~ qualquer cidadão é parte legítima para propor açãopopular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou deentidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa,ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficandoo autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais edo ônus da sucumbência;

A ação popular não é ação destinada à defesa de interesse subjetivoindividual, mas sim de natureza coletiva, visando a anular ato lesivo aopatrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Destina-se, assim, à concretização do princípiorepublicano, que impõe ao administrador público o dever de prestar contasa respeito da gestão da coisa pública.

A ação poderá ser utilizada de modo preventivo ou repressivo. Será preventiva quando visar a impedira consumação de um ato lesivo ao patrimôniopúblico, quando for ajuizada antes da prática do ato ilegal ou imoral. Serárepressiva quando já há um dano causado ao patrimônio público, ou seja,quando a ação é proposta após a ocorrência da lesão.

Somente o cidadão pode propor ação popular. O autor da ação popularé a pessoa humana, no gozo dos seus direitos cívicos e políticos, isto é,que seja eleitor (possível a partir dos dezesseis anos de idade, portanto).Somente a pessoa natural munida de seu título de eleitor, no gozo da chamada capacidade eleitoral ativa, poderá propor ação popular. Poderá serbrasileiro - nato ou naturalizado - ou o português equiparado, no gozo deseus direitos políticos (CF, art. 12, § 1.°).

Na sujeição passiva de ação popular devem figurar:

a) todas as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, em nome das quais foipraticado o ato ou contrato a ser anulado;

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98 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

b) todas as autoridades, os funcionários e administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado pessoalmente o ato ou firmadoo contrato a ser anulado, ou que, por omissos, permitiram a lesão;

c) todos os beneficiários diretos do ato ou contrato ilegal.

O Ministério Público atuará na ação popular como parte pública autônoma,incurabindo-lhe, nesse papel, velar pela regularidade do processo e corretaaplicação da lei, podendo opinar pela procedência ou improcedência da ação.Além disso, poderá atuar como substituto e sucessor do autor, na hipótese deeste se omitir ou abandonar a ação, caso repute de interesse público o seuprosseguimento, até o julgamento. Ainda, caberá ao Ministério Público promovera responsabilização dos réus, se for o caso, na esfera civil ou criminal.

A Constituição Federal isenta o autor da ação popular de custas e deônus de sucumbência (honorários advocatícios, no caso de improcedência daação), salvo comprovada má-fé.

A gratuidade beneficia o autor da ação, e não os réus; se julgada procedente a ação popular, serão estes condenados ao ressarcimento das despesashavidas pelo autor da ação.

O âmbito de proteção da ação popular, na vigente Constituição, é bastanteamplo: abrange tanto o patrimônio material quanto o patrimônio moral, oestético, o histórico, o ambiental.

O cabimento de ação popular não exige a comprovação de efetivo danomaterial, pecuniário. Ainda que não comprovada a efetiva ocorrência dedano material, a ilegalidade do ato já poderá ser reprimida na via da açãopopular. Segundo entendimento do STF, "a lesividade decorre da ilegalidade;a ilegalidade do comportamento, por si só, causa o dano".

Segundo orientação do STF, não cabe ação popular contra ato de conteúdojurisdicional, praticado por membro do Poder Judiciário no desempenho desua função típica (decisões judiciais).

Por fim, cabe destacar que a sentença que julga improcedente a açãopopular está sujeita ao duplo grau de jurisdição, vale dizer, a decisão domagistrado que declara a improcedência da ação popular será necessariamentereexaminada pelo tribunal competente.

Segundo orientação do STF, o foro especial por prerrogativa de funçãonão alcança as ações populares ajuizadas contra as autoridades detentorasdessa prerrogativa. Significa dizer que os tribunais do Poder Judiciário (STF,STJ, TJ etc) não têm competência originária para o julgamento de açãopopular, ainda quando proposta contra atos de autoridades que dispõem deforo por prerrogativa de função perante tais tribunais (Presidente da República, congressistas, governador de estado, prefeito etc).

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Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 99

5. DIREITOS SOCIAIS

5.1. Noções

Estabelece o art. 6.° da Constituição Federal (redação dada pela EC64/2010):

Art. 6.° São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdênciasocial, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aosdesamparados, na forma desta Constituição.

Os direitos sociais constituem as liberdades positivas, de observânciaobrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por objetivo a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização daigualdade social.

Os direitos sociais, direitos fundamentais de segunda geração, encontram--se catalogados nos arts. 6.° a 11 da Constituição Federal, e estão disciplinados ao longo do texto constitucional (a saúde é regulada no art. 200, aprevidência social é tratada no art. 201 etc).

Dentre os direitos sociais expressamente indicados no art. 6.° da Constituição Federal encontra-se o direito à moradia, incluído neste rol pelaEmenda Constitucional 26/2000. Em que pese essa proteção constitucionaloutorgada ao direito à moradia, o bem de família de uma pessoa que assumea condição de fiador em contrato de aluguel pode ser penhorado, em casode inadimplência do locatário.

Do capítulo constitucional dos direitos fundamentais sociais, entendemosoportuno transcrever a íntegra do art. 7.°, dispositivo que enumera algunsdos mais importantes direitos sociais individuais dos trabalhadores. É esta aredação, literal, do art. 7.° da Constituição vigente:

Art. 7.° São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alémde outros que visem à melhoria de sua condição social:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ousem justa causa, nos termos de lei complementar, que preveráindenização compensatória, dentre outros direitos;

II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III - fundo de garantia do tempo de serviço;

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às desua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,

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100 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustesperiódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedadasua vinculação para qualquer fim;

V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidadedo trabalho;

VI —irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convençãoou acordo coletivo;

VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para osque percebem remuneração variável;

VIU - décimo terceiro salário com base na remuneração integralou no valor da aposentadoria;

IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

X —proteção do salário na forma da lei, constituindo crimesua retenção dolosa;

XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada daremuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão daempresa, conforme definido em lei;

XII - salário-faraüía pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;

Xin - duração do trabalho normal não superior a oito horasdiárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensaçãode horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV -jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnosininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XV — repouso semanal remunerado, preferencialmente aosdomingos;

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

XVJJ - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos,um terço a mais do que o salário normal;

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e dosalário, com a duração de cento e vinte dias;

XDC - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, medianteincentivos específicos, nos termos da lei;

XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendono mínimo de trinta dias, nos termos da lei;

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio denormas de saúde, higiene e segurança;

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1

Cap. 2 - PRINCÍPIOS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas,insalubres ou perigosas, na forma da lei;

XXIV - aposentadoria;

XXV- assistência gratuitaaos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivosde trabalho;

XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado,quando incorrer em dolo ou culpa;

XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações detrabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após aextinção do contrato de trabalho;

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício defunções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade,cor ou estado civil;

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante asalário e critérios de admissão do trabalhador portador dedeficiência;

XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnicoe intelectual ou entre os profissionais respectivos;XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menoresde dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dequatorze anos;

XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculoempregatício permanente e o trabalhador avulso.

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadoresdomésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIU, XVXVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integraçãoà previdência social.

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5.2. Direitos sociais coletivos dos trabalhadores (arts. 8.° a 11)

E livre a criação de sindicatos, mas eles deverão ser registrados noórgão competente, cabendo aos trabalhadores ou empregadores interessadosestabelecer a base territorial respectiva (CF, art. 8.°, II).

Essa liberdade, porém, não é absoluta, pois a base territorial não poderáser inferior à área de um município e na mesma base territorial é vedada a

Page 63: Direito constitucional descomplicado

102 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativada mesma categoria profissional (trabalhadores) ou econômica (empregadores).Em caso de conflito, resolve-se pela aplicação do princípio da anterioridade,isto é, a representação da categoria caberá à entidade que primeiro realizouo seu registro no órgão competente.

A assembleia-geral fixará a contribuição para custeio do sistema con-federativo, que não terá natureza de tributo (tributo só pode ser criado porlei) e só é devida pelos filiados ao sindicato. Porém, além dessa contribuição, existe outra, fixada em lei, de natureza tributária e devida por todotrabalhador, filiado ou não filiado ao sindicato (CF, art. 8.°, IV, parte final,conjugado com o art. 149). Temos, assim, duas contribuições previstas noinciso IV do art. 8.° da Constituição: a contribuição confederativa, fixadapela assembleia-geral e devida somente pelos filiados, e a contribuiçãosindical, instituída por lei e devida por todos os trabalhadores, filiados ounão à entidade sindical.

Ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato (CF,art. 8.°, V).

É obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivasde trabalho, não podendo ser realizada nenhuma negociação coletiva sem apresença do sindicato dos trabalhadores (CF, art. 8.c, VI).

É vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro dacandidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, aindaque suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer faltagrave nos termos da lei (CF, art. 8.°, VIII).

É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidirsobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam pormeio dele defender. O direito de greve dos trabalhadores, não obstanteconfigurar norma autoaplicável, encontra-se regulamentado em lei (CF,art. 9.°).

O direito de greve, porém, não é absoluto: as necessidades inadiáveisda comunidade deverão ser atendidas e aqueles que abusarem desse direitodurante o movimento paredista sujeitar-se-ão às penas da lei (CF, art. 9.°,§§ L°e2.°).

É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos co-legiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previ-denciários sejam objeto de discussão e deliberação (CF, art. 10).

Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleiçãode um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes oentendimento direto com os empregadores (CF, art. 11).

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Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 103

5.3. Direitos sociais e o princípio da proibição de retrocessosocial

Questão polêmica no constitucionalismomoderno diz respeito ao chamadoprincipio daproibição de retrocesso social, que, embora não esteja expressamente previsto no vigente texto constitucional brasileiro, tem encontradocrescente acolhida no âmbito da doutrina constitucionalista mais afinada comuma concepção material (e não meramente formal) de Estado Democráticoe Social de Direito.

Esseprincípio da vedação de retrocesso (também conhecido pelaexpressãofrancesa effet cliquet) visa a impedir que o legislador venha a desconstituirpura e simplesmente o grau de concretização que ele próprio havia dadoàs normas da Constituição, especialmente quando se trata de disposiçõesconstitucionais que, em maior ou menor escala, acabara por depender dessasnormas infraconstitucionais para alcançarem sua plena eficácia e efetividade.Significa que, uma vez regulamentado determinado preceito constitucional, deíndole social, o legislador não poderia, ulteriormente, retroceder no tocanteà matéria, simplesmente revogando a regulamentação, ou de outra formaprejudicando o direito já reconhecido ou concretizado.

Por fim, é relevante observar que os autores que propõem a necessidadede observância do princípio da vedação de retrocesso social enfatizam estartambém a ele adstrito o legislador constituinte derivado (na elaboração deemendas à Constituição), e não apenas o legislador inffaconstitucional (naelaboração das leis). Dessa forma, afrontaria o postulado da proibição deretrocesso, por exemplo, uma emenda à atual Constituição que pretendessesimplesmente suprimir algum dos direitos sociais do rol constante do seuart. 6.°.

5.4. Concretização dos direitos sociais e a "reserva dofinanceiramente possível"

Os direitossociais, por exigiremdisponibilidade financeira do Estadoparasua efetiva concretização, estão sujeitos à denominada cláusula de "reservado financeiramente possível", ou, simplesmente, "reserva do possível".

Essa cláusula, ou princípio implícito, tem como conseqüênciao reconhecimento de que os direitos sociais assegurados na Constituição devem, sim, serefetivados pelo Poder Público, mas na medida exata em que isso é possível.E importante entender que esse princípio não significa um "salvo conduto"para o Estado deixar de cumprir suas obrigações sob uma alegação genéricade que "não existem recursos suficientes". A não efetivação, ou efetivaçãoapenas parcial, de direitos constitucionalmente assegurados somente se justifica

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104 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

se, em cada caso, for possível demonstrar a impossibilidade financeira (oueconômica) de sua concretização pelo Estado.

Um exemplo sobremodo ilustrativo temos na previsão constitucionalrelativa ao salário-mínimo. Diz o inciso IV do art. 1° da Carta Política queo salário-mínimo deve ser capaz de atender às necessidades vitais básicas dotrabalhador e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

Supondo que se chegasse à conclusão de que, para cumprir o desideratoconstitucional, seria necessário dobrar o valor do salário-mínimo, poderia serefetivamente exigida do Poder Público a adoção dessa medida?

A resposta é negativa, exatamente pela incidência da cláusula de "reservado possível". Ora, se o Poder Público simplesmente editasse lei dobrandoo valor do salário-mínimo, isso certamente desorganizaria toda a economianacional, sendo possível demonstrar, objetivamente, que isso inviabilizaria ascontas da previdência social, que acarretaria um quadro agudo de informalidade no mercado de trabalho (trabalhadores sem "carteira assinada"), queprofligaria as contas dos municípios e estados pelo gasto com o funcionalismo,que todo esse desequilíbrio implicaria descontrole inflacionário etc

Assim, embora seja evidente que o valor atual do salário-mínimo nãocumpre a determinação constitucional plasmada no inciso IV do art. 7.°, nãose pode exigir um reajuste integral e imediato de seu valor, porque essaprovidência esbarra na cláusula de "reserva do possível".

Sabe-se, ademais, que no âmbito das funções institucionais do PoderJudiciário, em homenagem ao postulado da separação de Poderes, não seencontra a de formular e implementar políticas públicas, atribuição típicados Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, em basesexcepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãosestatais competentes, descumprindo os encargos político-jurídicos que sobreeles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia ea integridade de direitos individuais ou coletivos de estatura constitucional,inclusive os derivados de normas constitucionais progrãmáticas.

Todos esses aspectos concernentes à concretização dos direitos sociais -eficácia do conteúdo programático dos direitos sociais, limites da aplicação dareserva do financeiramente possível, omissão escusável, ou não, dos PoderesPúblicos e implementação de políticas públicas pelo Poder Judiciário - têmsido reiteradamente enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, diante decontrovérsias a ele submetidas. Com efeito, ao examinar a omissão do PoderPúblico no tocante à obrigação constitucional de implementação de direitossociais - tais como o direito à distribuição gratuita de medicamentos a pacientes com AIDS; o direito à educação infantil; o direito à vida e à saúde- a jurisprudência do STF tem assentado os importantes entendimentos que

t

Cap. 2 *PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 105

resumimos acima, especialmente a necessidade deobjetiva demonstração, peloPoder Público, da impossibilidade material de atendimento a determinadocomando constitucional programático, que justifique a invocação da cláusulade "reserva do possível", e a possibilidade excepcional de o Poder Judiciáriointerferir na implementação de políticas públicas.

6. NACIONALIDADE

6.1. Noções

Nacionalidade é o vínculo jurídico-político de Direito Público internoque faz da pessoa um dos elementos componentes da dimensão do Estado.

Cada Estado é livre para dizer quais são os seus nacionais. Serão nacionais de um Estado, portando, aqueles que o seu Direito definir como tais;os demais serão estrangeiros: todos aqueles que não são tidos por nacionaisem um determinado Estado são, perante ele, estrangeiros.

Nação é o agrupamento humano cujos membros, fixados num território,são ligados por laços históricos, culturais, econômicos e lingüísticos; o fatode possuírem as mesmas tradições e costumes, bem como a consciênciacoletiva dão os contornos ao conceito de nação.

Povo é o conjunto de pessoas que fazem parte de um Estado, é o elemento humano do Estado, ligado a este pelo vínculo da nacionalidade.

População é conceito meramente demográfico, maisamplo queo conceitode povo, utilizado para designar o conjunto de residentes de um território,quer sejam nacionais, quer sejam estrangeiros.

Nacionais são todos aqueles que o Direito de um Estado define comotais; são todos aqueles que se encontram presos ao Estado por um vínculojurídico que os qualifica como seus integrantes.

Cidadão é conceito restrito, para designar os nacionais (natos ou naturalizados) no gozo dos direitos políticos e participantes da vida do Estado.

Estrangeiros são todos aqueles que não são tidos por nacionais, em relação a um determinado Estado, isto é, as pessoas a que o Direito do Estadonão atribuiu a qualidade de nacionais.

Polipútrida é aquele que possui mais de uma nacionalidade, em razãode o seu nascimento o enquadrar em distintas regras de aquisição de nacionalidade. Dois ou mais Estados reconhecem uma determinada pessoa comoseu nacional, dando origem à multinacionalidade. Essa situação ocorre, porexemplo, com os filhos oriundos de Estado que adota o critério ius songui-nis (nacionalidade determinada pela ascendência), quando nascem em um

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106 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Estado que acolhe o critério ius solis (nacionalidade determinada pelo localdo nascimento).

Apátrida ("sem pátria" ou heimatlos) é aquele que, dada a circunstância de seu nascimento, não adquire nacionalidade, por não se enquadrar emnenhum critério estatal que lhe atribua nacionalidade.

6.2. Espécies de nacionalidade

A nacionalidade pode ser primária (de origem ou originária) ou secundária (adquirida).

A nacionalidade primária resulta de fato natural (nascimento), a partirdo qual, de acordo com os critérios adotados pelo Estado (sangüíneos outerritoriais), será estabelecida. Cuida-se de aquisição involuntária de nacionalidade, decorrente do simples nascimento ligado a um critério estabelecidopelo Estado.

A nacionalidade secundária é a que se adquire por ato volitivo, depoisdo nascimento (em regra, pela naturalização). Cuida-se de aquisição voluntáriade nacionalidade, resultante da manifestação de um ato de vontade.

6.3. Critérios de atribuição de nacionalidade

São dois os critérios para a atribuição da nacionalidade primária, ambospartindo do nascimento da pessoa: o de origem sangüínea - ius sanguinis - eo de origem territorial - ius solis.

O critério ius sanguinis funda-se no vínculo do sangue, segundo o qualserá nacional todo aquele que for filho de nacionais, independentemente dolocal de nascimento.

O critério ius solis atribui a nacionalidade a quem nasce no território doEstado que o adota, independentemente da nacionalidade dos ascendentes.

A Constituição Federal de 1988 adotou, como regra, o critério ius solis,admitindo, porém, ligeiras atenuações. Portanto, no Brasil, não só o critérioius solis determina a nacionalidade; existem situações de preponderância docritério ius sanguinis.

6.4. Brasileiros natos (aquisição originária)

São brasileiros natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

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Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 107

Nessa hipótese, adotou a Constituição o critério ius solis (origem territorial), considerando nato aquele nascido no território brasileiro, independentemente da nacionalidade dos ascendentes.

A Constituição, porém, estabelece urna exceção ao critério ius solis, excluindo da nacionalidade brasileira os filhos de pais estrangeiros que estejama serviço de seu país.

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde quequalquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

Nessa hipótese, o legislador constituinte adotou o critério ius sanguinis,combinado com um requisito adicional, qual seja, a necessidade de que opai ou a mãe brasileiros (ou ambos, evidentemente), natos ou naturalizados,estejam a serviço da República Federativa do Brasil (critério funcional),expressão que abrange serviços prestados a órgãos e entidades da Administração Direta ou Indireta da União, dos estados, do Distrito Federal ou dosmunicípios.

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde quesejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residirna República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois deatingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira.

Essa hipótese aplica-se àquele que tenha nascido no estrangeiro, de paibrasileiro ou mãe brasileira, quando estes —pai brasileiro e mãe brasileira -não estejam a serviço do Brasil (caso estivessem, o filho seria, de pronto,brasileiro nato, por enquadramento na hipótese precedente).

Percebe-se que há duas alternativas para a aquisição de nacionalidadecom base nessa hipótese, constante do art. 12, I, "c", da Constituição: (a)registro em repartição brasileira; e (b) vir o nascido no estrangeiro residirno Brasil e optar, quando atingida a maioridade.

A segunda possibilidade é hipótese de nacionalidade originária potesta-tiva, uma vez que, manifestada a opção, não se pode recusar o reconhecimento da nacionalidade ao interessado. É ato que depende exclusivamenteda vontade do interessado.

Anote-se que ambas as possibilidades são fundadas no critério ius sanguinis, exigíndo-se, porém, alternativamente:

a) o registro em repartição brasileira competente; ou

b) a residência no território brasileiro e, uma vez adquirida a maioridade,expressa opção pela nacionalidade brasileira.

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108 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

6.5. Brasileiros naturalizados (aquisição secundária)

A Constituição Federal prevê a aquisição da nacionalidade secundáriapor meio da naturalização, sempre mediante manifestação de vontade dointeressado.

Em regra, não há direito subjetivo à obtenção da naturalização: a plenasatisfação das condições e dos requisitos não assegura ao estrangeiro o direitoà nacionalização, visto que a concessão da nacionalidade «brasileira é ato desoberania nacional, discricionário do Chefe do Poder Executivo.

A naturalização poderá ser tácita ou expressa.

A naturalização tácita é aquela adquirida independentemente de manifestação expressa do naturalizando, por força das regras jurídicas de nacionalização adotadas por determinado Estado.

A naturalização expressa depende de requerimento do interessado,demonstrando sua intenção de adquirir nova nacionalidade.

A Constituição Federal só contempla hipóteses de naturalização expressa,sempre dependente de manifestação efetiva de vontade do interessado.

São brasileiros naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aosoriginários de países de língua portuguesa apenas residência por um anoininterrupto e idoneidade moral (naturalização ordinária);

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativado Brasil há mais de quinze anos ininterruptose sem condenaçãopenal, desdeque requeiram a nacionalidade brasileira (naturalização extraordinária).

São três os requisitos para aquisição da naturalização extraordinária: (Í)residência ininterrupta no Brasil há mais de quinze anos; (ii) ausência decondenação penal; (üi) requerimento do interessado.

Nessa espécie de naturalização, ao contrário da ordinária, não há discricio-nariedade para o Chefe do Poder Executivo, tendo o interessado direito subjetivo à nacionalidade brasileira, desde que preenchidos os pressupostos.

6.6. Portugueses residentes no Brasil

A Constituição Federal confere tratamento favorecido aos portuguesesresidentes no Brasil, ao dispor que "aos portugueses com residência permanente no país, se houver reciprocidade era favor dos brasileiros, serãoatribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nestaConstituição" (CF, art. 12, § 1.°).

Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 109

Nessa hipótese, não ocorre concessão da nacionalidade brasileira aosportugueses (sedesejarem adquirir nacionalidade brasileira, deverão instauraro processo de naturalização ordinária, valendo-se da condição de estrangeiro originário de país de língua portuguesa). Os portugueses residentesno Brasil continuam portugueses e os brasileiros que vivera em Portugalcontinuam com a nacionalidade brasileira. O que acontece é que, uns eoutros, recebem direitos que, no geral, somente poderiam ser concedidosaos nacionais de cada país.

São dois os pressupostos para que os portugueses possam gozar dosdireitos de brasileiro naturalizado: (i) que tenham residência permanenteno Brasil; (ii) que haja reciprocidade, ou seja, que o ordenamento jurídicoportuguês outorgue ao brasileiro cora residência permanente em Portugal o

"#1 mesmo direito.

É relevante notar que a Constituição Federal concede aos portuguesesaqui residentes a condição de brasileiro naturalizado, e não de brasileironato.

6.7. Tratamento diferenciado entre brasileiro nato e naturalizado

A Constituição de 1988 não permite que a lei estabeleça distinção entrebrasileiro nato e naturalizado. Os únicos casos de tratamento diferenciado

admitidos são aqueles expressamente constantes do próprio texto constitucional, a saber:

a) cargos: são privativos de brasileiro nato os cargos de Presidente da República e Vice-Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados,Presidente do Senado Federal, Ministro do Supremo Tribunal Federal,Carreira Diplomática, Oficial das Forças Armadas e de Ministro de Estadode Defesa (CF, art. 12, § 3.°);

b) função no Conselho da República: no Conselho da República, órgão superior de consulta do Presidente da República, foram constitucionalmentereservadas seis vagas a cidadãos brasileiros natos (CF, art. 89, VII);

c) extradição: o brasileiro nato não pode ser extraditado, o que pode ocorrercom o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentese drogas afins, na forma da lei (CF, art. 5.°, LI);

d) direito de propriedade: o brasileiro naturalizado há menos de dez anosnão pode ser proprietário de empresa jornalística e de radiofusão sonorade sons e imagens, tampouco ser sócio com mais de trinta por cento docapital total e do capital votante e participar da gestão dessas empresas(CF, art. 222).

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110 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

6.8. Perda da nacionalidade

A perda da nacionalidade só poderá ocorrer nas hipóteses expressamenteprevistas na Constituição Federal, não podendo o legislador ordinário ampliartais hipóteses, sob pena de manifesta inconstitucionalidade.

Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que (CF, art. 12§ 4.°):

a) tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional;

b) adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira ou de imposição de naturalização,pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro,como condição para permanência em seu território ou para o exercíciode direitos civis.

6.9. Dupla nacionalidade

Em regra, o brasileiro que adquire outra nacionalidade perde a condiçãode nacional brasileiro. Porém, a Constituição Federal admite, era duas situações, a dupla nacionalidade:

a) reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira: nãoperderá a nacionalidade o brasileiro que tiver reconhecida outra nacionalidadepor Estado estrangeiro, originariamente, em virtude de adoção do critérioius sanguinis;

É o caso da Itália, que reconhece aos descendentes de seus nacionais acidadania italiana. Os brasileiros descendentes de italianos que adquiriremaquela nacionalidade não perderão a nacionalidade brasileira, uma vez que setrata de mero reconhecimento de nacionalidade originária italiana, em virtudede vínculo sangüíneo (terão eles dupla nacionalidade).

b) imposição da lei estrangeira: imposição de naturalização, pela normaestrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitoscivis.

Nessa hipótese, o brasileiro não perde a nacionalidade brasileira porque aaquisição da segunda nacionalidade não se deu em razão de ato volitivo, demanifestação de vontade sua, mas sim de imposição do Estado estrangeiro.O brasileiro não possuía a intenção de abdicar da nacionalidade brasileira,mas, por força da norma estrangeira, vê-se praticamente obrigado a adquirir

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Cap. 2 •> PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 111

a nacionalidade estrangeira, por motivos de trabalho, acesso aos serviçospúblicos etc.

7. DIREITOS POLÍTICOS

7.1. Noções

Nos termos expressos da Constituição Federal, a soberania popular seráexercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valorpara todos e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativapopular (CF, art. 14).

São estes, portanto, os direitos políticos expressamente consignados naCarta da República de 1988: (a) direito ao sufrágio; (b) direito ao voto naseleições, plebiscitos e referendos; (c) direito à iniciativa popular de lei.

7.2. Direito ao sufrágio

O direito ao sufrágio é materializado pela capacidade de votar e de servotado, representando, pois, a essência dos direitos políticos. O direito aosufrágio deve ser visto sob dois aspectos: capacidade eleitoral ativa e capacidade eleitoral passiva.

A capacidade eleitoral ativa representa o direito de votar, o direito dealistar-se como eleitor (alistabilidade).

A capacidade eleitoral passiva consiste no direito de ser votado, deeleger-se para um cargo político (elegibiíidade).

O direito ao sufrágio poderá ser: universal ou restrito.

O sufrágio é universal quando assegurado o direito de votar a todos osnacionais, independentemente da exigência de quaisquer requisitos, tais comocondições culturais ou econômicas etc

O sufrágio será restrito quando o direito de votar for concedido tãosomente àqueles que cumprirem determinadas condições fixadas pelas leisdo Estado. O sufrágio restrito, por sua vez, poderá ser censitário ou capa-citárío.

O sufrágio censitário é aquele que somente outorga o direito de votoàqueles que preencherem certas qualificações econômicas. Seria o caso, porexemplo, de não se permitir o direito de voto àqueles que auferissem rendamensal inferior a um salário-mínimo.

O sufrágio capacitário é aquele que só outorga o direito de voto aosindivíduos dotados de certas características especiais, notadamente de natureza

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112 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo&Marcelo Alexandrino

intelectual. Seria o caso, por exemplo, de se exigir para o direito ao voto aapresentação de diploma de conclusão do curso fundamental, ou médio ousuperior.

A Constituição de 1988 consagra o sufrágio universal, não exigindo parao exercício do direito de voto a satisfação de nenhuma condição econômica,profissional, intelectual etc

7.3. Capacidade eleitoral ativa

A capacidade eleitoral ativa é a que garante ao nacional o direito devotar nas eleições, nos plebiscitos ou nos referendos.

No Brasil, a aquisição dessa capacidade dá-se com o alistamento realizadoperante os órgãos competentes da Justiça Eleitoral, a pedido do interessado(não há inscrição de ofício no Brasil). É, pois, cora o alistamento eleitoralque o nacional adquire a capacidade eleitoral ativa (capacidade de votar).

Ademais, a obtenção da qualidade de eleitor, comprovada por meio daobtenção do título de eleitor, dá ao nacional a condição de cidadão, tornando-oapto ao exercício de direitos políticos, tais como votar, propor ação popular,dar início ao processo legislativo das leis (iniciativa popular) etc

Entretanto, a obtenção do título de eleitor não permite ao cidadão oexercício de todos os direitos políticos. O gozo integral de tais direitosdepende do preenchimento de outras condições que só gradativamente seincorporam ao cidadão. É o que acontece, por exemplo, com o direito deser votado (capacidade eleitoral passiva), que não é adquirido com o meroalistamento eleitoral.

Assim, todo elegível é obrigatoriamente eleitor; porém, nem todoeleitor é elegível. Em outras palavras: todo aquele que possui a capacidadeeleitoral passiva (elegibilidade) possui, também, a capacidade eleitoral ativa(alistabilidade). Porém, nem todo aquele que dispõe da capacidade eleitoralativa é detentor da capacidade eleitoral passiva. Por exemplo, o analfabetoe o menor entre dezesseis e dezoito anos possuem a capacidade eleitoralativa (alistabilidade); porém, não dispõem da capacidade eleitoral passiva(elegibilidade).

O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores dedezoito anos e facultativos para os analfabetos, os maiores de setenta anose os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

A Constituição brasileira não permite o alistamento dos estrangeiros e,durante o serviço militar, dos conscritos.

Cabe destacar que, no nosso Estado democrático de Direito, ainda existeuma hipótese de eleição indiretapara governante. Cuida-sedo disposto no art.

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Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 113

81, § 2.°, da Constituição Federal, segundo o qual, se houver vacância doscargos de Presidente e Vice-presidente da República nos dois últimos anosdo mandato, haverá eleição para ambos os cargos, pelo Congresso Nacional,em trinta dias depois da última vaga, na forma da lei.

7.4. Plebiscito e referendo

A Constituição Federal prevê que uma das formas de exercício da soberania popular será a realização de consultas à população, por meio de plebiscito e referendo (CF, art. 14), que deverão ser autorizados pelo CongressoNacional (CF, art. 49, XV).

Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que deliberesobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativaou administrativa.

O plebiscito é convocado corri anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenhasido submetido.

O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.

A distinção entre os institutos é feita levando-se em conta o momentoda manifestação dos cidadãos: se a consulta à população é prévia, temos oplebiscito; se a consulta à população sobre determinada matéria é posteriorà edição de um ato governamental, temos o referendo.

7.5. Capacidade eleitoral passiva

Assim como a capacidade eleitoral ativa diz respeito ao direito de votar(alistabilidade), a capacidade eleitoral passiva diz respeito ao direito de servotado, de ser eleito (elegibilidade).

Conforme vimos anteriormente, no Brasil a elegibilidade não coincidecom a alistabilidade (não basta ser eleitor para ser elegível; nem todo eleitoré elegível).

É verdade que a condição de eleitor é indispensável para ser alcançadaa condição de elegível (todo elegível é eleitor; não há elegível que não seja,também, eleitor). Porém, não basta ser eleitor para ser elegível, porquanto éexigido o cumprimento de outros requisitos para a elegibilidade.

Assim, para que alguém possa concorrer a um mandato eletivo nos Poderes Executivo ou Legislativo (ser elegível), é necessário o cumprimento dealguns requisitos gerais, denominados condições de elegibilidade, e a não

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114 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandnno

incidência em nenhuma das inelegibilidades, que consistem era impedimentosà capacidade eleitoral passiva.

As condições de elegibilidade são as seguintes:

a) nacionalidade brasileira ou condição de equiparado a português, sendo quepara Presidente e Vice-Presídente da República exige-se a condição debrasileiro nato (CF, art. 12, § 3.°);

b) pleno exercício dos direitos políticos (aquele que teve suspensos ou perdeuseus direitos políticos não dispõe de capacidade eleitoral passiva);

c) alistamento eleitoral (comprovado pela apresentação do título de eleitor,regularmente inscrito perante a Justiça Eleitoral);

d) domicílio eleitoral na circunscrição (o eleitor deverá ser domiciliado nolocal pelo qual se' candidata, pelo período mínimo exigido pela legislaçãoeleitoral subconstitucional);

e) idade mínima, que deverá ser verificada tendo por referência a data da posse(e não a data do alistamento ou do registro), sendo as seguintes: trinta ecinco anos, para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República esenador da República; trinta anos, para os cargos de Governador e Vice--Governador de Estado e do Distrito Federai; vinte e um anos, para os cargosde deputado federal, deputado estadual ou distrital, Prefeito, Vice-Prefeitoe juiz de paz; dezoito anos, para vereador;

f) filiação partidária (não se admite, no Brasil, a denominada candidaturaautônoma ou avulsa, sem filiação a partido político).

Em relaçãoaospartidospolíticos,dispõea Constituição que é livre a criação,fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberanianacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentaisda pessoa humana e observados os seguintes preceitos: (a) caráter nacional,(b) proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governoestrangeiros ou de subordinação a estes; (c) prestação de contas à Justiça Eleitoral; (d) funcionamento parlamentar de acordo com a lei (CF, art. 17).

É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estruturainterna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e oregime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entreas candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendoseus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na formada lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (CF,art. 17, § 2.°).

Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acessogratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei (CF, art. 17, § 3.°).

Cap. 2 - PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 115

É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar(CF, art. 17, § 4.°).

Por fim, além do cumprimento das condições de elegibilidade, para queo cidadão possa ser eleito é indispensável que ele não se enquadre em nenhuma das hipóteses de inelegibüidade, a seguir comentadas.

7.6. Inelegibilidades

As inelegibilidades afastara a capacidade eleitoral passiva, constituindoimpedimento à candidatura a mandato eletivo nos Poderes Executivo e Legislativo.

A própria Constituição Federal estabelece certas hipóteses de inelegibi-lidade (CF, art. 14, §§ 4.° ao 7.°). Porém, essas hipóteses de inelegibüidadeconstitucionalmente previstas não são exaustivas (numerus clousus), porque aConstituição expressamente permite que lei complementar venha estabeleceroutras hipóteses de inelegibüidade (CF, art. 14, § 9.°).

A doutrina distingue as hipóteses de inelegibüidade em absoluta e relativa.

7.6.1. Inelegibüidade absoluta

A inelegibüidade absoluta impede que o cidadão concorra em qualquereleição, a qualquer mandado eletivo.

São os seguintes os casos de inelegibüidade absoluta:

a) os analfabetos, que, embora possam alistar-se e votar (capacidade eleitora! ativa), não dispõem de capacidade eleitoral passiva (não poderão ser eleitos);

b) os não alistáveis, uma vez que a elegibilidade tem por pressuposto a alistabilidade, isto é, para ser elegível é imprescindível ser, antes, alistável;logo, os estrangeiros e os conscritos, durante o período do serviço militarobrigatório, são não alistáveis e, como tais, inelegíveis.

As hipóteses de inelegibilidade absoluta, em virtude de sua natureza excep-cionalíssiraa, somente podem ser expressamente estabelecidas na ConstituiçãoFederal, sendo inconstitucionais quaisquer leis tendentes a ampliar esse rol.

7.6.2. inelegibüidade relativa

A inelegibilidade relativa, ao contrário da absoluta, não está relacionadacom a condição pessoal daquele que pretende candidatar-se.

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116 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

A inelegibüidade relativa consiste em restrições impostas à elegibilidade para alguns cargos eletivos, em razão de situações especiais em que seencontra o cidadão-candidato no momento da eleição.

A inelegibüidade relativa poderá decorrer de: (a) motivos funcionais; (b)motivos de casamento, parentesco ou afinidade; (c) da condição de militar;(d) previsões em lei complementar.

7.6.2.1. Motivos funcionais

Dispõe a Constituição Federal que "o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houversucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos paraum único período subseqüente" (CF, art. 14, § 5.°).

Percebe-se, assim, que o legislador constituinte, ao passar a permitir areeleição para um único período subsequente, está vedando a reeleição paraura terceiro mandato sucessivo.

Impende destacar que a Constituição Federal não proíbe que uma mesma pessoa venha a exercer a chefia do Executivo por mais de duas vezes(três, quatro, cinco vezes); o que se veda é a eleição sucessiva ao terceiromandato para o mesmo cargo.

Cabe destacar, também, que a Constituição Federal não exige a denominada desincompatibilização do Chefe do Poder Executivo que pretendacandidatar-se à reeleição, isto é, não se exige que o Chefe do Executivorenuncie, ou que se afaste temporariamente do cargo, para que possa candidatar-se à reeleição.

Diversa é a candidatura do Chefe do Executivo para outros cargos,cuja regra está fixada no art. 14, § 6.°, da Carta Federal, nos seguintestermos:

§ 6." Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e osPrefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seismeses antes do pleito.

São, pois, inelegíveis para concorrerem a outros cargos, o Presidenteda República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos que não renunciarem aos respectivos mandatos até seis meses antes dopleito. Essa inelegibilidade aplica-se a qualquer outro cargo eletivo, inclusivea suplente de senador.

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Cap. 2 - PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 117

7.6.2.2. Motivos de casamento, parentesco ou afinidade

Dispõe a Constituição Federal que (art. 14, § 7.°):

§ 7." São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, ocônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundograu ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito oude quem os haja substituído dentro dos seis meses anterioresao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato àreeleição.

Essa hipótese é denominada inelegibilidade reflexa, porque incide sobreterceiros.

Observa-se que a inelegibilidade reflexa alcança, tão somente, o territóriode jurisdição do titular. Assim, temos:

a) o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Prefeito não poderãocandidatar-se a vereador ou Prefeito do mesmo município;

b) o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Governador não poderãocandidatar-se a qualquer cargo no estado (vereador, deputado estadual,deputado federal e senador pelo próprio estado e Governador do mesmoestado);

c) o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Presidente da Repúblicanão poderão candidatar-se a qualquer cargo eletivo no País.

Cabe ressaltar que se aplicam as mesmas regras àqueles que tenhamsubstituído os Chefes do Executivo dentro dos seis meses anteriores aopleito eleitoral.

É importante anotar oentendimento do Supremo Tribunal Federal segundoo qual nem mesmo a dissolução da relação conjugai, quando, ocorrida no cursodo mandato, tem o dom de afastar a inelegibilidade reflexa ora em foco. Talorientação está consolidada na Súmula Vinculante 18, abaixo transcrita:

18 - A dissolução da sociedade ou dó vínculo conjugai, nocurso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no §7° do artigo 14 da Constituição Federal.

Porém, por disposição expressa da Constituição Federal, a inelegibüidade reflexa não é aplicável na hipótese de o cônjuge, parente ou afim jápossuir mandato eletivo, caso era que poderá candidatar-se à reeleição, ouseja, candidatar-se ao mesmo cargo, mesmo que dentro da circunscrição

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118 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

de atuação do Chefe do Executivo. É o caso, por exemplo, de parente ouafim de Governador de Estado, que poderá disputar a reeleição ao cargo dedeputado ou de senador por esse estado, se já for titular desse mandatonessa mesma jurisdição.

Faz-se oportuno examinar outra relevante hipótese de afastamento daaplicação da inelegibüidade reflexa, em decorrência de interpretação do Tribunal Superior Eleitoral —TSE, referendada pelo Supremo Tribunal Federal- STF, conforme a seguir exposto.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, se o Chefe do Executivo renunciar seis meses antes da eleição, seu cônjuge, parentes ou afins até segundograu poderão candidatar-se a todos os cargos eletivos da circunscrição, desdeque ele pudesse concorrer à sua própria reeleição (isto é, no final doprimeiro mandato).

Anote-se que, nessa hipótese - renúncia do Chefe do Executivo atéseis meses antes da eleição, na hipótese de ele ter direito à reeleição -,restou totalmente afastada a inelegibilidade reflexa. Assim, por exemplo,irmão do Governador de Estado poderá candidatar-se a deputado federal,senador da República, deputado estadual, Prefeito ou vereador, desde quehaja renúncia do Governador ao seu primeiro mandato (pois, só nessahipótese ele teria direito à reeleição) nos seis meses anteriores ao pleitoeleitoral.

Ademais, segundo a orientação do Tribunal Superior Eleitoral, o cônjuge,os parentes e afins são elegíveis até mesmo para o mesmo cargo do titular(Chefe do Executivo), quando este tiver direito à reeleição e houver renunciado até seis meses antes do pleito eleitoral.

Essa tese foi referendada pelo STF, para o qual os parentes podem concorrer nas eleições, desde que o titular do cargo tenha o direito à reeleiçãoe não concorra na disputa. Subsistindo, em tese, a possibilidade de reeleiçãodo próprio titular de mandato eletivo para o período subsequente, é tambémlegítima a candidatura de seus parentes para cargos eletivos, desde que hajarenúncia do titular nos seis meses anteriores ao pleito.

Assim, por exemplo, a esposa do Chefe do Executivo Estadual poderá candidatar-se ao cargo de Governador do mesmo Estado quando oseu marido tiver direito à reeleição (quando estiver cumprindo o primeiromandato), desde que haja renúncia deste até seis meses antes do pleito.Essa situação ocorreu concretamente, nas eleições para Governador doEstado do Rio de Janeiro era 2002. O então Governador ("Garotinho"),que tinha direito à reeleição, afastou-se do cargo nos seis meses anterioresao pleito eleitoral, para assegurar a legitimidade da candidatura, para operíodo subsequente, de sua esposa, que veio a ser eleita Governadorado Estado ("Rosinha").

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Cap. 2 • PRINCÍPIOS, DIREITOSE GARANTIAS FUNDAMENTAIS 119

7.6.2.3. Condição de militar

O militar é alistável, podendo ser eleito (CF, art. 14, § 8.°). Porém, évedado ao militar, enquanto estiver em serviço ativo, estar filiado a partidopolítico (CF, art. 142, § 3.°, V).

Assim, em face da vedação à filiação partidária do militar, o TribunalSuperior Eleitoral firmou entendimento de que, nessa situação, suprirá aausência da prévia filiação partidária o registro da candidatura apresentadapelo partido político e autorizada pelo candidato.

Atendida essa formalidade, o militar alistável é elegível, atendidas asseguintes condições:

a) se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

b) se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para ainatividade.

7.6.2.4. Previsões em lei complementar

A Constituição Federal deixa expresso que as hipóteses de inelegibilidaderelativa previstas no texto constitucional não são exaustivas, podendo sercriadas outras, desde que por meio de lei complementar da União, editadapelo Congresso Nacional (emenda à Constituição Federal também poderiafazê-lo).

É o que dispõe o art. 14, § 9.°:

§ 9.° Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandatoconsiderada vida pregressa do candidato, e a normalidade elegitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego naadministração direta ou indireta.

7.7. Privação dos direitos políticos

O cidadão pode, em situações excepcionais, ser privado, definitivamenteou temporariamente, dos direitos políticos, o que importará, como efeitoimediato, na perda da cidadania política.

A privação definitiva denomina-se perda dos direitos políticos; a privaçãotemporária denomina-se suspensão dos direitos políticos.

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120 RESUMO DEDIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto &Marcelo Alexandrino

A Constituição Federal não permite, em nenhuma hipótese, a cassaçãodos direitos políticos. A vedação expressa à cassação de direitos políticos temporfim evitar a supressão arbitrária, normalmente motivada por perseguiçõesideológicas, dos direitos políticos, prática presente em outros momentos,antidemocráticos, da vida política brasileira.

Essa matéria está disciplinada no art. 15 da Lei Maior, que dispõe:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perdaou suspensão só se dará nos casos de:I - cancelamento da naturalização por sentença transitada emjulgado;

II - incapacidade civil absoluta;III - condenação criminal transitada em julgado, enquantodurarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestaçãoalternativa, nos termos do art. 5.°, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4.°.

7.8. Princípio da anterioridade eleitoral

Nos termos do art. 16 da Constituição, com a redação dada pela EC4/1993, "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data desua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano dadata de sua vigência", norma conhecida como "princípio da anterioridadeeleitoral", ou "princípio da anualidade" em matéria eleitoral.

Esse princípio constitui cláusula pétrea, por representar uma garantiaindividual do cidadão-eleitor (CF, art. 60, § 4.°, IV).

ORGANIZAÇÃO POLÍTICOADMINISTRATIVA

1. INTRODUÇÃO

Estabelece a Constituição Federal que a organização político-adminis-trativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os estados,o Distrito Federal e os municípios, todos autônomos, nos termos do textoconstitucional (art. 18).

Essedispositivo constitucional indicaa opção do legislador constituinte pelaforma federativa de Estado para a repartição territorial de poderes. Aponta,também, a adoção da forma republicana de governo, para a regulação dosmeios de aquisição e exercício do poder pelos governantes- Apresenta, ainda,a enumeração dos entes federativos que compõem a federação brasileira -União, estados, Distrito Federal e municípios -, todos dotados de autonomiapolítica, nos termos em que delineada pela própria Constituição.

FORMAS DE ESTADO

O conceito de forma de Estado está relacionado cora o modo de exercíciodo poder político em função do território de um dado Estado. A existência(ou não) da repartição regional de poderes autônomos é, pois, o núcleo ca-racterizador do conceito de forma de Estado.

O Estado será federado (federal, complexo ou composto) se o poder político estiver repartido entre diferentes entidades governamentais autônomas,

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122 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

gerando uma multiplicidade de organizações governamentais que coexistemem um mesmo território. O Estado federado - nascido nos Estados Unidos,em 1789, com a promulgação da Constituição dos Estados Unidos daAmérica- é caracterizado por serum modelo de descentralização política, a partirda repartição constitucional de competências entre as entidades federadasautônomas que o integram. O poder político, em vez de permanecer concentrado na entidade central, é dividido entre as diferentes entidades federadasdotadas de autonomia.

Não há subordinação hierárquica entre as entidades políticasque compõemo Estado federado. Todas elas encontram-se no mesmo patamar hierárquico,para o exercício autônomo das competências que lhes são atribuídas pelaConstituição Federal. Porém, a nenhuma delas é reconhecido o direito desecessão, pois não poderão dissolver a unidade, imprescindível para a man-tença do próprio Estado soberano.

O Estado será unitário (ou simples) se existir um único centro de poderpolítico no respectivo território. A centralização política em uma só unidadede poder é, pois, a marca dessa forma de Estado.

O Estado unitário pode assumir a feição de Estado unitário puro ouEstado unitário descentralizado administrativamente.

OEstado unitário puro (ou centralizado) é aquele emque ascompetênciasestatais são exercidas de maneira centralizada pela unidade que concentra opoder político. Acentralização do exercício do poder é, pois, a característicadessa forma de Estado unitário.

O Estado unitário descentralizado administrativamente (ou regional) éaquele em que as decisões políticas estão concentradas no poder central, masa execução das políticas adotadas é delegada por este a pessoas e órgãoscriados para esse fim administrativo.

Outra forma de organização de Estado reconhecida é a denominada confederação, consistente numa união dissolúvel de Estados soberanos, que sevinculara, mediante a celebração de um tratado, sob a regência do DireitoInternacional, no qual estabelecem obrigações recíprocas e podem chegar,mesmo, a criar um órgão central encarregado de levar a efeito as decisõestomadas (Celso Bastos).

Federação Confederação,

Constituição Tratado

Autonomia Soberania

Indissolubilidade (vedada a secessão) Dissolubiiidade (direito de secessão)

'<

Cap. 3 • ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA 123

A Constituição Federal de 1988 adotou como forma de Estado o federado, integrado por diferentes centros de poder político. Assim, temos umpoderpolítico central (União), poderes políticos regionais (estados) e poderespolíticos locais (municípios), além do Distrito Federal, que, em virtude davedação constitucional à sua divisão em municípios, acumula os poderesregionais e locais (CF, art. 32, § 1.°).

3. FORMAS DE GOVERNO

O conceito de forma de governo refere-se à maneira como se dá a instituição do poder na sociedade, e como se dá a relação entre governantes egovernados.

Caso a instituição do poder se dê por meio de eleições, diretas ou indiretas, por um período certo de tempo, e o governante represente o povo,bem como tenha o dever de prestar contas de seus atos (responsabilidade),teremos a forma de governo republicana (res publica, coisa do povo).

Se a forma de governo for marcada pela hereditariedade, vitaliciedade eausência de representação popular, teremos a monarquia.

Na monarquia, a instituição do poder não se dá por meio de eleições(e sim pela hereditariedade), o mandato é vitalício (e não temporário) eo monarca não representa o povo (e sim a linhagem de alguma família),tampouco responde perante o povo pelos atos de governo (não há o deverde prestar contas).

O Brasil não nasceu república. A primeira forma de governo adotada noPaís foi a monarquia, com a chegada da família real portuguesa. Somentecom a Constituição de 1891 implantou-se a forma republicana de governo.

República Monarquia

Eieíividade Hereditariedade

Temporalidade Vitaliciedade

Representatividade popular Não representatividade popular

Responsabilidade (dever de prestar contas) irresponsabilidade (ausência de prestaçãode contas)

4. SISTEMAS DE GOVERNO

O conceito de sistema de governo está ligado ao modo como se relacionamos Poderes Legislativo e Executivo no exercício das funções governamentais.

Page 74: Direito constitucional descomplicado

124 RESUMO DEDIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Se há uma maior independência entre esses Poderes, temos o presidencialismo. Se há maior colaboração, uma corresponsabilidade entre esses Poderes na condução das funções governamentais, estaremos diante do sistemaparlamentarista.

O presidencialismo é um sistema de governo que tem as seguintes características:

a) o Presidente da República exerce o Poder Executivo era toda a sua inteireza, acumulando as funções de Chefe de Estado (quando representao Estado frente a outros Estados soberanos), Chefe de Governo (quandocuidada política interna) e Chefeda Administração Pública(quando exercea chefia superior da Administração Pública). Entre nós, por exemplo, achefia do Executivo é monocrática, concentrada na figura do Presidente daRepública, porquanto os Ministros são meros auxiliares, de livre nomeaçãoe exoneração;

b) o Presidente da República cumpre mandato autônomo, por tempo certo,não dependendo do Legislativo, nem para sua investidura, nem para suapermanência no poder;

c) o órgão do Legislativo (Congresso, Assembléia, Câmara) não é propriamenteParlamento, sendo seus membros eleitos por período fixo de mandato;

d) o órgão do Legislativo não está sujeito à dissolução, porque os seus membros são eleitos para um período certo de mandato;

e) as relações entre os Poderes são mais rígidas, vigorando o princípio dadivisão de Poderes, que são independentes e autônomos entre si (emboranão mais com a clássica rigidez; modernamente fala-se em harmonia);

f) a responsabilidade pela execução dos planos de governo, mesmo quandoaprovados por lei, cabe exclusivamente ao Executivo (significa que, bemou mal executados tais planos, ou mesmo não executados, o Chefe doExecutivo tem assegurado o direito à permanência no poder até o términodo mandato);

g) é sistema típico das repúblicas.

No sistema parlamentarista, a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo é bem diferente. Era vez de independência, fala-se em colaboraçãoentre os Poderes Executivo e Legislativo no exercício do poder, isto é, amanutenção do poder no âmbito de um depende da vontade do outro. Emresumo, temos o seguinte: (a) o Chefe do Executivo, que exerce a chefia deEstado, escolhe o Primeiro Ministro, para que exerça a chefia de Governo;(b) uma vez escolhido, o Primeiro Ministro elabora um plano de governoe o submete à apreciação do Parlamento; (c) a partir de então, o PrimeiroMinistro somente permanecerá no poder enquanto o seu plano de governo

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Cap. 3 • ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA 125

obtiver apoio do Parlamento; (d) por outro lado, o governo poderá, em certascircunstâncias, dissolver o Parlamento, convocando novas eleições, comoforma de renovar a composição parlamentar e, em conseqüência, aumentaro apoio ao seu plano de governo.

Assim, o parlamentarismo é um sistema de governo que tem as seguintescaracterísticas:

a) o Poder Executivo se divide em duas frentes distintas: chefia de Estado(exercida pelo Monarca ou Presidente da República) e.chefia de Governo(exercida pelo Primeiro Ministro); por isso, ao contrário do presidencialismo, em que o Executivo é monocrático, no parlamentarismo, diz-se quesua chefia é dual;

b) o Primeiro Ministro é indicado pelo Presidente da República (feita aindicação, cabe a ele elaborar um plano de governo e submetê-lo à aprovação do Legislativo, a fim de obter apoio da maioria; aprovado o planode governo, aprovada estará sua indicação; constata-se, dessarte, que oLegislativo assume responsabilidade de governo, vinculando-se politicamente perante o povo);

c) o Legislativo (Parlamento) assume função político-govemamental maisampla, uma vez que compreende o próprio Governo, na figura do PrimeiroMinistro;

d) o Governo é responsável ante o Parlamento, dependendo de seu apoio econfiança para manter-se (assim, se o Parlamento, a qualquer tempo, retirara confiança no Governo, ele cai, exonera-se, para dar lugar à constituiçãode um novo Governo);

e) o Parlamento é responsável perante o povo (forma-se, então, a seguintecadeia: há responsabilidade política do Governo para com o Parlamento edeste para com os eleitores; se o Governo perde a confiança no Parlamento,poderá dissolvê-lo e convocar novas eleições para a formação de um novoParlamento);

f) classicamente é sistema típico das monarquias, embora atualmente sejamuito adotado nas repúblicas da Europa.

Presidencialismo Parlamentarismo

independência entre os Poderes Interdependência entre os Poderes

Chefia monocrática Chefia dual

Mandatos por prazo certo Mandatos por prazo indeterminado

Responsabilidade do governo perante opovo

Responsabilidade do governo perante opariamento

Page 75: Direito constitucional descomplicado

126 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

O sistema adotado pela Constituição Federal de 1988 é o presidencialismo. Entretanto, vale notar que o Brasil já viveu, na sua história política,duas experiências parlamentaristas: uma, na época do Império; outra, de curtaduração, às vésperas do golpe militar de 1964 (1961-1963).

5. REGIMES DE GOVERNO

Distinguem-se os regimes de governo em democráticoe autocrático, combase na existência, ou não, de participação do povo - destinatário das açõesgovernamentais - na escolha dos governantes, na elaboração e controle daexecução das políticas públicas e na elaboração das normas a que o Estadoe o próprio povo estarão sujeitos.

Na autocracia, os destinatários das normas e da política governamentalnão participam da sua produção. Trata-se de regime estruturado de cimapara baixo, de imposição da vontade do governante ao povo, sem o direitode manifestação deste.

Na democracia, temos a participação dos destinatários das normas epolíticas públicas na escolha dos titulares de cargos políticos, na produçãodo ordenamento jurídico e no controle das ações governamentais, formandoo governo de baixo para cima - governo do povo. Na democracia, prevalece a vontade da maioria, conquanto sejam reconhecidos e protegidos osdireitos das minorias. Suas principais características são: a liberdade dopovo para votar, a divisão de poderes e o controle popular da atividadedos governantes.

A democracia poderá ser exercida de diferentes formas, originando:democracia direta, democracia indireta ou representativa, e democracia se-midireta ou participativa.

Na democracia direta o povo exerce, por si mesmo, os poderes governamentais, elaborando diretamente as leis, administrando e julgando asquestões do Estado.

A democracia indireta ou representativa é aquela na qual o povo, fonteprimária do poder, não podendo dirigir os negócios do Estado diretamente,em face da extensão territorial, da densidade demográfica e da complexidadedos problemas sociais, outorga as funções de governo aos seus representantes,que elege periodicamente.

A democracia semidireta combina a democracia representativa coraalguns institutos de participação direta do povo nas funções do governo, taiscomo o referendo e o plebiscito. Essa é a forma adotada pela ConstituiçãoFederal de 1988 (art. 1.°, parágrafo único; art. 14).

Cap. 3 • ORGANIZAÇÃO POLfTICO-ADMINISTRATIVA

Regimèè:de"Governo ./

Autocracia

Democracia

Direta

indireta ou Representativa

Semidireta ou Participativa

127

6. A FEDERAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O Brasil não surgiu como Estado federado. Inicialmente, adotou-se noPaís a forma unitária de Estado, a qual foi substituída pelo modelo federativocom a Constituição de 1891.

A Federação brasileira não é um típico Estado federado, porque nasfederações clássicas só há um poder político central (União) e os centrosregionais de poder (estados). A República Federativa do Brasil é compostade quatro espécies de entes federados dotados de autonomia, duas delas deentes federados típicos (União e estados) e duas de entes federados atípicosou anômalos (Distrito Federal e municípios).

O Estado federado pode formar-se por agregação ou por desagregação.A federação é formada por agregação quando antigos Estados indepen

dentes ou soberanos abrem mão de sua soberania e se unem para a formaçãode ura único Estado federal, indissolúvel, no qual gozarão, apenas, de autonomia. Ocorre um movimento centrípeto, de fora para dentro. É o modeloclássico de federação, como a dos Estados Unidos da América.

A federação é formada por desagregação quando um Estado unitáriodescentraliza-se, instituindo uma repartição de competências entre entidadesfederadas autônomas, criadas para exercê-las. Ocorre um movimento centrífugo, de dentro para fora. É o caso, por exemplo, da Federação brasileira.

Quanto ao modo de separação de competências entre os entes quecompõem a federação, temos duas espécies de federalismo: o federalismocooperativo e o federalismo dual.

O federalismo dual é identificado por uma rígida separação das competências entre a entidade central (União) e os demais entes federados, comoé o caso da federação dos Estados Unidos da América.

O federalismo cooperativo é caracterizado por uma divisão não rígidade competências entre a entidade central e os demais entes federados. É ocaso, por exemplo, da Federação brasileira.

Seja qual for a espécie de federalismo, deve-se ressaltar que somenteo Estado é soberano, não os entes federados, separadamente considerados;estes possuem apenas autonomia.

Page 76: Direito constitucional descomplicado

128 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

Assim, é o Estado federado, a República Federativa do Brasil, pessoa jurídica reconhecida pelo Direito Internacional, o único titular de soberania. Osentes federados - União, estados, Distrito Federal e municípios - são pessoasjurídicas de direito público interno que gozara, apenas, de autonomia.

Na República Federativa do Brasil, nem todos os entes federadosparticipam da formação da vontade nacional. Os estados-membros e oDistrito Federal têm efetiva participação, por meio dos seus representantes no Senado Federal (CF, art. 46) e da possibilidade de apresentaçãode proposta de emenda à Constituição Federai (CF, art. 60, III). Os municípios, diferentemente, não participam de nenhum modo na formaçãoda ordem jurídica nacional, pois não possuem representação no PoderLegislativo federal, nem atuam no processo legislativo de modificação daConstituição Federal.

A República Federativa do Brasil enquadra-se no tipo federação deequilíbrio, o que significa que está fundada no equilíbrio entre as competências e a autonomia conferidas aos entes federados pela Constituição Federal.Esse equilíbrio está consubstanciado, também, nas regras constitucionais decriação de regiões de desenvolvimento entre os estados (CF, art. 43) e deregiões metropolitanas entre os municípios (CF, art. 25, § 3.°), de concessãode benefícios fiscais (CF, art. 151, I) e da repartição de receitas tributárias(CF, arts. 157 a 159).

A Federação é cláusula pétrea no Brasil. Com efeito, a Constituição daRepública veda a possibilidade de proposta de emenda constitucional tendentea abolir a forma federativa de Estado (CF, art. 60, § 4.°, I).

6.1. União

A União é entidade federativa autônoma em relação aos estados-membrose municípios- É pessoa jurídica de direito público interno, com competências administrativas e legislativas enumeradas no texto constitucional. Cabeà União, também, exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro,quando representa a República Federativa do Brasil nas relações internacionais.Trata-se de atribuição exclusiva da União, pois os demais entes integrantesda Federação não dispõem de competência para representar o Estado federalbrasileiro frente a outros Estados soberanos.

Mas, frise-se, a União somente representa o Estado federal nos atos deDireito Internacional. Quem efetivamente pratica atos de Direito Internacionalé a República Federativa do Brasil, juridicamente representada por um órgãoda União, que é o Presidente da República.

A Constituição Federal enumera, em seu art. 20, os bens da União.

.

Cap. 3 - ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA 129

As competências da União - administrativas e legislativas - serão estudadas oportunamente, no capítulo destinado especificamente ao exame darepartição de competências.

6.2. Estados-membros

Os estados-membros são os entes típicos do estado Federal; são eles quedão a estrutura conceituai da forma de Estado federado, como uma uniãode estados autônomos.

A autonomia dos estados-membros caracteriza-se pela sua capacidadede auto-organização e autolegislação, de autogovemo e de autoadministração(CF, arts. 18 e 25 a 28).

6.2.7. Auto-organização e autolegislação

A capacidade de auto-organização e autolegislação está expressa nocaput do art. 25 da Constituição da República, que dispõe que os estadosorganizara-se e regera-se pelas Constituições e leis que adotarem, observadosos princípios da Constituição Federal.

Os estados se auto-organizam mediante a elaboração de suas Constituições, resultado da atuação do poder constituinte derivado decorrente (exercidopelas respectivas assembléias legislativas). Também autolegislam, vale dizer,editam leis próprias, fruto da atuação do legislador ordinário estadual (asrespectivas assembléias legislativas).

No exercício da capacidade de auto-organização e de autolegislação, osestados devem obediência aosprincípios estabelecidos naConstituição Federal.Esses princípios são tradicionalmente denominados princípios constitucionaissensíveis, extensíveis e estabelecidos.

Os princípios constitucionais sensíveis da ordem federativa são aqueles cuja observância é obrigatória, sob pena de intervenção federal. Estãoenumerados no art. 34, VII, da Constituição Federal:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da Administração Pública, Direta e Indireta;

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais,compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.

Page 77: Direito constitucional descomplicado

130 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Os princípios constitucionais extensíveis consistem nas regras de organização que a Constituição estendeuaos estados-membros, ao DistritoFederale aos municípios. São, portanto, de observância obrigatória no exercício dopoder de auto-organização do estado (CF, arts. 1.°, I ao IV; 3.°, I ao IV; 6.°a 11; 93, I a XI; 95, I, II e III).

Os princípios constitucionais estabelecidos são aqueles que, dispersos aolongo do texto constitucional, limitam a autonomia organizatória do estado,estabelecendo preceitos centrais de observância obrigatória. Alguns geramlimitações expressas vedatórias (CF, arts. 19, 150 e 152), outros limitaçõesexpressas mandatárias (CF, arts. 37 a 41, 125), outros limitações implícitas(CF, arts. 21, 22, 30) e outros, ainda, limitações decorrentes do sistemaconstitucional adotado, que são limitações que defluem naturalmente, comoconseqüência lógica dos princípios constitucionais adotados pela Constituição Federal de 1988, por exemplo, do princípio federativo, dos princípiosdo Estado Democrático de Direito, dos princípios da ordem econômica esocial etc.

6.2.2. Autogoverno

A capacidade de autogoverno está assentada nos arts. 27, 28 e 125 daConstituição Federal, que outorgam competência aos estados-raembros paraorganizar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário locais.

O Poder Legislativo estadual é unicameral, formado pela assembléialegislativa, composta de deputados estaduais eleitospelo sistemaproporcional,para mandados de quatro anos, aplicando-se-lhes as regras da ConstituiçãoFederal sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração,perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às forças armadas(CF, art. 27, § 1.°).

É obrigatória a existência de iniciativa popular de lei no processo legislativo estadual, devendo a lei dispor a respeito do seu exercício peloscidadãos (CF, art. 27, § 4.°).

A eleição do Governador e do Vice-Govemador de Estado, para mandatode quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiroturno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do anoanterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá emprimeiro de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais, as regrasconstitucionais sobre eleições para Presidente da República (CF, art. 28).

Perderá o mandato o Governador que assumir outro cargo ou função naAdministração Pública Direta ou Indireta, ressalvada a posse em virtude deconcurso público, hipótese em que será afastado do seu cargo, emprego ou

Cap. 3 • ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA 131

função, mantendo-se a contagem do tempo de serviço para todos os efeitoslegais, exceto para promoção por merecimento (CF, art. 28, § 1.°).

O subsídio dos deputados estaduais é fixado por lei de iniciativa da assembléia legislativa, na razão de, no máximo, 75% (setenta e cincopor cento)daquele estabelecido, era espécie, para os deputados federais. Note-se que osubsídio não é fixado por resolução da assembléia legislativa, mas sim porlei, a partir de projeto apresentado pela assembléia legislativa, que, portanto,se sujeita ao poder de veto do Governador (CF, art. 27, § 2.°).

O subsídio do Governador, do Vice-Governador e dos secretários de estadoé fixado por lei de iniciativa da assembléia legislativa (CF, art. 28, § 2.°).

Compete às assembléias legislativas dispor sobre seu regimento interno,polícia e serviços administrativos de sua secretaria, e prover os respectivoscargos (CF, art. 27, § 3.°).

6.2.3. Autoadministração

A capacidade de autoadministração decorre das normas que distribuem as competências entre União, estados, Distrito Federal e municípios,especialmente do art. 25, § 1.°, segundo o qual são reservadas aos estadosas competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição. Assim, osestados-membros se autoadministram no exercício de suas competências administrativas, legislativas e tributárias definidas constitucionalmente.

Os estadospoderão, mediante lei complementar, instituirregiõesmetropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentosde municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e aexecução de funções públicas de interesse comum (CF, art. 25, § 3.°).

São três, portanto, os requisitos constitucionais para a atuação dos estados nas três hipóteses (criação de regiões metropolitanas, de aglomeraçõesurbanas e de microrregiões):

a) lei complementar estadual;

b) tratar-se de um conjunto de municípios limítrofes;

c) ter por fim a organização, planejamento e execução de funções públicas deinteresse comum.

6.2.4. Vedações ao poder constituinte decorrente

A Constituição Federal de 1988, ao atribuir aos estados a capacidade deauto-organização e autolegislação, de autogoverno, e de autoadministração

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132 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

(arts. 18, 25 a 28), impõe limitações a esses poderes e determina que sejamrespeitados os princípios nela estabelecidos.

Apresentamos, a seguir, algumas matérias que não poderão ser disciplinadas na Constituição do estado.

A Constituição do estado não pode condicionar a nomeação, a exoneração e a destituição dos secretários de estado, tampouco a nomeação doProcurador-Geral da Justiça do estado, à prévia aprovação da assembléialegislativa.

A Constituição do estado não pode fixar em proporção diferente detrês quintos dos membros da assembléia legislativa o quorum para aprovaçãode emendas à Constituição do estado.

A Constituição do estado não pode tratar de matérias de iniciativaprivativa do Chefe do Executivo, tais como regime jurídico, aposentadoria,remuneração e concessão de vantagens a servidores públicos do Poder Executivo.

A Constituição do estado não pode outorgar ao Governador do estadoimunidade à prisão em flagrante, à prisão preventiva e à prisão temporária,tampouco pode estabelecer a irresponsabilidade, na vigência do mandato,pelos atos estranhos ao exercício de suas funções.

A Constituição do estado não pode estabelecer a monarquia como formade governo, nem o parlamentarismo como sistema de governo.

A Constituição do estado não pode adotar outros sistemas eleitoraisdistintos daqueles previstos na Constituição Federal.

A Constituição do estado não pode definir os crimes de responsabilidadedo Governador, tampouco confinar as respectivas penas.

A Constituição do estado não pode estabelecer que a perda do mandatode parlamentar será decidida em votação aberta, em desrespeitoso modelofederal, previsto no art. 55, § 2.°, da Constituição Federal.

6.3. Municípios

A Constituição Federal de 1988 consagrou o município como entidadefederativa, integrante da organização político-admínistrativa da República Federativa do Brasil, outorgando-lhe plena autonomia (CF, arts. 18, 29 e 30).

Assim como ocorre com os estados-membros, a autonomia municipalestá assentada na capacidade de auto-organização e normatização própria(elaboração da Lei Orgânica e das leis municipais), autogoverno (eleição doPrefeito, Vice-Prefeito e vereadores sem ingerência da União e do estado) e

Cap. 3 *ORGANIZAÇÃO POÜTICO-ADMINISTRATIVA 133

autoadministração (exercício de suas competências administrativas, tributáriase legislativas).

O município reger-se-á por Lei Orgânica, votada em dois turnos, cora ointerstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros dacâmara municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidosna Constituição Federal, na Constituição do respectivo estado e os seguintespreceitos (CF, art. 29):

a) eleição doPrefeito, doVice-Prefeito e dosvereadores, paramandato de quatroanos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País;

b) eleição do Prefeito e do Vice-Prefeito realizada no primeiro domingo deoutubro do ano anterior ao término do mandato dos que devam suceder,aplicadas as regras para eleição do Presidente da República, no caso demunicípios com mais de duzentos mil eleitores;

c) possedo Prefeito e do Vice-Prefeito no dia 1° dejaneirodo ano subsequenteao da eleição;

d) perderá o mandato o Prefeito que assumir outro cargo ou função na Administração Pública Direta ou Indireta, ressalvada a posse em virtude deconcurso público, hipótese em que será afastado do seu cargo, empregoou função, sendo-íhe facultado optar pela sua remuneração, mantendo-sea contagem do tempo de serviço para todos os efeitos legais, exceto parapromoção por merecimento (CF, art. 29, XIV);

e) os subsídios do Prefeito,do Vice-Prefeito e dos secretários municipais devemser fixados por lei de iniciativa da câmara municipal;

f) o total da despesa coma remuneração dos vereadores não poderá ultrapassaro montante de cinco por cento (5%) da receita do município;

g) inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos no exercício do mandato e na circunscrição do município;

h) as proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, devem sersimilares, no que couber, ao disposto na Constituição Federal para osmembros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo estadopara os membros da assembléia legislativa;

i) organização das funções legislativas e fiscalizadoras da câmara municipal;

j) cooperação das associações representativas no planejamento municipal;

k) deve ser prevista iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do município, da cidade ou de bairros, mediante manifestação de, pelomenos, cinco por cento do eleitorado;

1) a câmara municipal não gastará mais de setenta por cento (70%) de suareceita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seusvereadores.

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134 RESUMO DEDIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vícenfe Paulo &Marcelo Alexandrino

A EC 58/2009 deu nova redação ao inciso IV do art. 29 da ConstituiçãoFederal, aumentando o número de vereadores por municipalidade, mediantea criação de vinte e quatro novos limites máximos para a composição dascâmaras municipais. De acordo com o novo regramento constitucional, passaram a ser os seguintes os limites máximos para a composição das câmarasmunicipais, considerada a população local:

N.° de habitantes do MunicípioLimite máximode vereadores

Até 15.000 9

De 15.001 a 30.000 11

De 30.001 a 50.000 13

De 50.001 a 80.000 15

De 80.001 a 120.000 17

De 120.001 a 160.000 19

De 160.001 a 300.000 21

De 300.001 a 450.000 23

De 450.001 a 600.000 25

De 600.001 a 750.000 27

De 750.001 a 900.000 29

De 900.001 a 1.050.000 31

De 1.050.001 a 1.200.000 33

De 1.200.001 a 1.350.000 35

De 1.350.001 a 1.500.000 37

De 1.500.001 a 1.800.000 39

De 1.800.001 a 2.400.000 41

De 2.400.001 a 3.000.000 43

De 3.000.001 a 4.000.000 45

De 4.000.001 a 5.000.000 47

De 5.000.001 a 6.000.000 49

De 6.000.001 a 7.000.000 51

De 7.000.001 a 8.000.000 53

Mais de 8.000.000 55

Essa mesma EC 58/2009 deu, também, nova redação ao art. 29-A daConstituição Federal, fixando novos percentuais máximos do total de despesas para as câmaras municipais, válidos a partir de 1.° de janeiro de 2010.Desse modo, a partir de 1.° de janeiro de 2010, o total da despesa do PoderLegislativo municipal, incluídos os subsídios dos vereadores e excluídos os

Cap. 3 - ORGANIZAÇÃO POÜTICO-ADMINISTRATIVA 135

gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências constitucionaistributárias, efetivamente realizado no exercício anterior:

N.° de habitantesPercentual máximo

de despesa

Até 100.000 7%

De 100.001 a 300.000 6%

De 300.001 a 500.000 5%

De 500.001 a 3.000.000 4,5%

De 3.000.001 a 8.000.000 4%

Acima de 8.000.001 3,5%

O subsídio dos vereadores será fixado pelas respectivas câmaras municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe aConstituição Federal, os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânicae os seguintes limites máximos, fixados como percentuais do subsídio dosdeputados estaduais:

t H.° de habitantes do município Subsídio máximo do vereador (em percentualdo subsídio dos deputados estaduais}

Até 10.000 20%

De 10.001 a 50.000 30%

De 50.001 a 100.000 40%

De 100.001 a 300.000 50%

De 300.001 a 500.000 60%

Acima de 500.000 75%

Estabelece a Constituição Federal que o Prefeito será julgado perante oTribunal de Justiça (CF, art. 29, X).

Entretanto, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, acompetência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimesde competência da justiça comum estadual. Nos demais casos, a competênciaoriginária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau (Súmula 702).

Por exemplo, se a prática for de crime eleitoral, a competência para ojulgamento do Prefeito será do Tribunal Regional Eleitoral - TRE.

Nos crimes praticados contra bens, serviços ou interesses da União, desuas autarquias ou de empresas públicas federais, a competência para julgaro Prefeito é do Tribunal Regional Federal - TRF.

Page 80: Direito constitucional descomplicado

136 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

No caso de crime doloso contra a vida praticado por Prefeito, a competência originária será do Tribunal de Justiça, afastando-se a competênciado Tribunal do Júri (CF, art. 5.°, XXXVIII).

Era relação aos crimes de responsabilidade, é necessário diferenciar osdenominados delitos próprios (infrações político-administrativas, cuja sançãoé a perda do mandato e a suspensão dos direitos políticos) dos delitos impróprios (infrações penais propriamente ditas, apenadas com penas privativasde liberdade). No primeiro caso, a competência para julgamento é da câmaramunicipal, uma vez que se trata de responsabilização de índole política; nosegundo caso, o Prefeito será julgado perante o Tribunal de Justiça.

A Constituição Federal não outorgou foro especial aos vereadores peranteo Tribunal de Justiça, assegurando a eles, apenas, a imunidade material, aodispor que são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos no exercíciodo mandato e na circunscrição do município (CF, art. 29, VIII).

6.4. Distrito Federal

A Constituição Federal assegurou ao Distrito Federal a natureza de entefederativo autônomo, assentada na sua capacidade de auto-organização enormatização própria, autogoverno e autoadministração (CF, arts. 18, 32 e34).

Compete ao Distrito Federal se auto-organizar por lei orgânica, votadaem dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por doisterços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípiosestabelecidos na Constituição Federal. A auto-organização do Distrito Federal completa-se pelas leis distritais editadas no uso de sua competêncialegislativa (CF, art. 32).

O autogoverno do Distrito Federal materializa-se na eleição do Governador e Vice-Governador, segundo as regras da eleição para Presidente daRepública, e dos deputados distritais, integrantes do Poder Legislativo local(Câmara Legislativa), segundo as regras da eleição para deputados estaduais.O Distrito Federal só não dispõe de competência para organizar e manter oPoder Judiciário local, haja vista que essa competência foi atribuída à União(CF, art. 21, XIII).

O Distrito Federal se autoadministra, ao exercer as competências administrativas, legislativas e tributárias constitucionalmente a ele atribuídas.

O Distrito Federal não é um estado, nem um município. Em regra,em razão da vedação à sua divisão em municípios, foram-Ihe atribuídas ascompetências legislativas e tributárias reservadas aos estados e municípios(CF, arts. 32, § 1.°, e 147).

Cap. 3 • ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA 137

Porém, não se pode afirmar que o Distrito Federal tenha sido, era tudo,equiparado aos estados-membros, pois nem todas as competências legislativasestaduais foram a ele estendidas. Com efeito, compete privativamenteà Uniãolegislar sobre organização judiciária, do Ministério Público e da DefensoriaPública do Distrito Federal, bem como sobre sua organização administrativa(CF, art. 22, XVII).

Ademais, ao contrário dosestados-membros, o Distrito Federal nãodispõede competência para organizar e manter, no seu âmbito, o Ministério Público,o Poder Judiciário, a Defensoria Pública, a polícia civil, a polícia militar e ocorpo de bombeiros militar. É da União a competência para a organização emanutenção desses órgãos no Distrito Federal (CF, art. 21, XIII e XIV).

Ao contrário do que ocorre com os demais entes federados, não há previsão constitucional para alteração dos limites territoriais do Distrito Federal(CF, art. 18, §§ 3.° e 4.°).

Brasília é a capital federal (CF, art. 18, § 1.°).

6.5. Territórios Federais

Os Territórios Federais integram a União, e sua criação, transformaçãoem estado ou reintegração ao estado de origem serão reguladas em lei complementar federal (CF, art. 18, § 2.°). Os Territórios Federais não são entesfederados, não dispõem de autonomia política.

Não existem, atualmente, Territórios Federais, mas o texto constitucionalreconhece a possibilidade teórica de que venham a ser criados.

6.6. Formação dos estados

Estabelece a Constituição Federal que os estados podem incorporar-seentre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da populaçãodiretamente interessada, por plebiscito, e do Congresso Nacional, pela ediçãode lei complementar (CF, art. 18, § 3.°).

Esse dispositivo constitucional deve ser combinado com o inciso VI doart. 48, que faz referência à obrigatoriedade de manifestação das assembléiaslegislativas envolvidas.

São, portanto, três os requisitos para a incorporação, a subdivisão e odesmembramento de estado:

a) consulta prévia às populações diretamente interessadas, por meio de plebiscito;

Page 81: Direito constitucional descomplicado

138 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

b) oitiva das assembléias legislativas dos estados interessados;

c) edição de lei complementar pelo Congresso Nacional.

6.7. Formação dos municípios

A EC 15/1996 passou a exigir novos requisitos para a alteração doslimites territoriais dos municípios, estabelecendo que a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios far-se-ão por lei estadual,dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerãode consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos municípios envolvidos, após divulgação dos estudos de viabilidade municipal, apresentados epublicados na forma da lei.

Atualmente, portanto, são cinco as medidas necessárias para a criação,a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios:

a) aprovação de lei complementar federal fixando genericamente o períododentro do qual poderá ocorrer a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios;

b) aprovação de lei ordinária federal prevendo os requisitos genéricos exigí-veis e a forma de divulgação, apresentação e publicação dos estudos deviabilidade municipal;

c) divulgação dos estudos de viabilidade municipal, na forma estabelecida pelalei ordinária federal acima mencionada;

d) consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos municípios envolvidos;

e) aprovação de lei ordinária estadual formalizando a criação, a incorporação,a fusão ou o desmembramento do município, ou dos municípios.

Note-se que, desde a promulgação da EC 15/1996, a alteração dos limites territoriais dos municípios passou a depender da vontade do CongressoNacional, haja vista que a alteração do território municipal somente poderáocorrer dentro do período determinado por lei complementar federal. Enquanto não editada essa lei complementar pelo Congresso Nacional, nãopoderá ocorrer nenhuma criação, incorporação, fusão ou desmembramentode município no Brasil.

Alertamos, porém, para o fato de que, não obstante a inexistência dareferida lei complementar federal, foram criados, após a introdução dessaexigência pela EC 15/1996, mais de cinqüenta municípios em nosso País,em situação de flagrante desrespeito ao § 4.° do art. 18 da Carta Política.

Cap. 3 • ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADM1NISTRATIVA 139

Em ações movidas perante o Supremo Tribunal Federal, este se manifestoupela inconstitucionalidade dos procedimentos de criação de tais municípios,e, também, reconheceu a inconstitucionalídade por omissão do CongressoNacional, configurada pela ausência de elaboração da lei complementarreclamada pela Constituição, fixando ura prazo de 18 (dezoito) meses paraque esse órgão legislativo suprisse tal omissão.

Em face desse quadro, o Congresso Nacional promulgou a EC 57/2008,que acrescentou o art. 96 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,convalidando os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramentode municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006,atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo estado àépoca de sua criação. Foi essa a forma adotada pelo legislador constituintederivado para regularizar a situação desses mais de cinqüenta municípios,criados, na época, com desrespeito ao § 4.° do art. 18 da ConstituiçãoFederal.

6.8. Formação dos Territórios Federais

Os Territórios Federais integrara a União e, embora não sejam entesfederados, poderão ser criados, transformados em estado ou reintegradosao estado de origem, nos termos de lei complementar federal (CF, art. 18,§ 2.°).

A Constituição prevê, ainda, que os estados poderão desmembrar-separa formarem novos Territórios Federais, desde que mediante aprovação dapopulação diretamente interessada, por plebiscito (CF, art. 18, § 3.°).

De seu turno, o inciso VI do art. 48 da Carta da República estabeleceque cabe ao Congresso Nacional dispor sobre incorporação, subdivisão oudesmembramento de áreas de Territórios, ouvidas as assembléias legislativasdos estados interessados.

Da combinação desses três dispositivos constitucionais, podemos concluirque a criação de um Território federal a partir do desmembramento de Estadodepende de três requisitos: (a) aprovação da população diretamente interessada, por plebiscito; (b) manifestação da assembléia legislativa interessada;(c) edição de lei complementar pelo Congresso Nacional.

6.9. Vedações constitucionais aos entes federados

Determina a Constituição Federal que é vedado à União, aos estados,ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas,subvencioná-los, embaraçar-lhes o fiincionamento ou manter com eles ou seus

Page 82: Direito constitucional descomplicado

140 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma dalei, a colaboração de interesse público (CF, art. 19, I).

Conclui-se, portanto, que a República Federativa do Brasil é leiga oulaica, isto é, não podem a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios adotar uma "religião oficial".

Todavia, o Brasil não é um Estado ateu. Cora efeito, o próprio preâmbuloda Constituição refere-se a Deus, e há dispositivos constitucionais resguardando o direito à convicção religiosa (CF, arts. 5.°, VI; 150, VI, "b").

É, também, vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios recusar fé aos documentos públicos (CF, art. 19, II).

É vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios criardistinções entre brasileiros ou preferências entre si (CF, art. 19, III).

7. INTERVENÇÃO FEDERAL

A Constituição brasileira admite o excepcional afastamento da autonomiapolítica, por meio da intervenção de uma entidade política sobre outra, diantedo interesse maior de preservação da própria unidade da Federação.

Em nosso País, somente podem ser sujeitos ativos de intervenção a Uniãoe os estados-membros. Não existe intervenção praticada por município oupelo Distrito Federal.

A União tem competência para intervir nos estados e no Distrito Federal. Em hipótese nenhuma a União intervirá em municípios localizados eraestado-membro. A União só dispõe de competência para intervir diretamenteera município se este estiver localizado em Território Federal (CF, art. 35).

Os estados são competentesunicamente para a intervenção nos municípiossituados em seu território.

A intervenção - seja ela federal ou estadual - somente poderá efetivar--se nas hipóteses taxativamente descritas na Constituição Federal, porquantorepresenta medida patentemente excepcional, em virtude da autonomia política dos entes federados, cujo corolário é, como regra geral, o denominadoprincípio da não intervenção (arts. 34 e 35).

A decretação da intervenção é um ato político, executado sempre, exclusivamente, pelo Chefe do Poder Executivo (Presidente da República ouGovernador de Estado).

A intervenção federalpoderáefetivar-se de maneiraespontânea (de ofício)ou provocada, conforme explicitado nos itens seguintes. -li

Cap. 3 • ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA 141

7.1. Intervenção federal espontânea

Há intervenção espontânea (de ofício) nas hipóteses em que a Constituiçãoautoriza que a medida seja efetivada diretamente pelo Chefe do Executivo,e por sua própria iniciativa. O Chefe do Executivo, dentro de seu juízo dediscricionariedade, decide pela intervenção e, de ofício, a executa, independentemente de provocação de outros órgãos.

São hipóteses de intervenção federal espontânea:

a) para a defesa da unidade nacional (CF, art. 34, I e II);

b) para a defesa da ordem pública (CF, art. 34, III);

c) para a defesa das finanças públicas (CF, art. 34, V).

7.2. Intervenção federal provocada

Há intervenção provocada quando a medida depende de provocação dealgum órgão ao qual a Constituição conferiu tal competência.

Nessas hipóteses, não poderá o Chefe do Executivo tomar a iniciativa eexecutar, de ofício, a medida. A intervenção dependerá da manifestação devontade do órgão que recebeu tal incumbência constitucional.

Segundo a Constituição, a provocação poderá dar-se mediante "solicitação" ou "requisição".

Nos casos de solicitação, entende-se que o Chefe do Executivo nãoestará obrigado a decretar a intervenção. Ao contrário, diante de requisição,o Chefe do Poder Executivo não dispõe de discricionariedade, isto é, estaráobrigado a decretar a intervenção.

A provocação mediante requisição está prescrita nos seguintes dispositivos constitucionais: art. 34, IV (requisição do STF), art. 34, VI (requisiçãodo STF, STJ ou TSE), e art. 34, VII (requisição do STF).

A provocação mediante solicitação está prevista no art. 34, IV, na defesados Poderes Executivo ou Legislativo.

Nas hipóteses de intervenções provocadas, são os seguintes os órgãos quereceberam a incumbência constitucional de iniciar o processo interventivo:

a) Poder Legislativo (assembléia legislativa estadual ou Câmara Legislativado Distrito Federal) ou Poder Executivo local (Governador de Estado oudo Distrito Federal);

Na hipótese do art. 34, IV, da Constituição ("garantir o livre exercíciode qualquer dos Poderes nas unidades da Federação"), esses Poderes locais

Page 83: Direito constitucional descomplicado

142 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

solicitarão ao Presidente da República a intervenção federal, a fim de que aUnião venha garantir o livre exercício de suas funções. Nessas hipóteses, asolicitação do Poder Legislativo ou Executivo local não vincula o Presidenteda República, haja vista tratar-se de solicitação (e não de requisição).

b) Supremo Tribunal Federal (STF);

Caso o Poder Judiciário local esteja sendo coagido (CF, art. 34, IV),caberá ao Supremo Tribunal Federal requisitar a intervenção federal aoPresidente da República, que estará obrigado a decretá-la, pois se cuida dehipótese de requisição.

c) STF, STJ ou TSE;

No caso de desobediência à ordem ou decisão judicial (CF, art. 34, VI),a intervenção dependerá da requisição de-um desses tribunais ao Presidenteda República, de acordo com a origem da decisão descumprida: se o des-cumprimento for de ordem ou decisão da Justiça Eleitoral, caberá ao TribunalSuperior Eleitoral - TSE a requisição; se o descumprimento for de ordem oudecisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ, caberá a ele a requisição; se odescumprimento for de ordem ou decisão do Supremo Tribunal Federal - STF,da Justiça do Trabalho ou da Justiça Militar, caberá ao STF a requisição.

d) Procurador-Geral da República.

No caso de recusa à execução de lei federal (CF, art. 34, VI) e deofensa aos "princípios sensíveis" (CF, art. 34, VII), a intervenção dependeráde representação interventiva do Procurador-Geral da República perante oSupremo Tribunal Federal (CF, art. 36, III).

Na primeira hipótese - recusa à execução de lei federal - teremos achamada ação de executoriedade de lei federal, porquanto não se visa àdeclaração da inconstitucionalidade do ato, mas sim de obrigar o ente federado ao cumprimento da lei.

No segundo caso - ofensa aos princípios sensíveis - teremos a denominada representação interventiva ou ação direta de inconstitucionalidadeinterventiva, pois a provocação do Poder Judiciário tem por fim a declaraçãoda inconstitucionalidade do ato ilegítimo praticado pelo ente federado.

7.3. Decreto interventivo

A intervenção federal será implementada mediante decreto expedido peloPresidente da República, que, uma vez publicado, terá eficácia imediata, legitimando os demais atos do chefe do Executivo na execução da medida.

%.

Cap. 3 • ORGANIZAÇÃO POÜTICO-ADMINISTRATIVA 143

O decreto interventivo especificará a amplitude, o prazo e as condiçõesde execução da intervenção e, se for o caso, nomeará temporariamente ointerventor, com o conseqüente afastamento das autoridades locais de suasfunções (CF, art. 36, I).

Nas hipóteses de intervenção não vinculada (espontâneas e provocadasmediante solicitação), o Presidente da República ouvirá os Conselhos daRepública (CF, art. 90, I) e de Defesa Nacional (CF, art. 91, § 1.°, II), queopinarão a respeito (não há vinculação do Presidente da República à opiniãomanifestada).

A intervenção será sempre temporária e, cessados os seus motivos,as autoridades afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimentolegal (CF, art. 36, § 4.°).

Vale lembrar que, durante a execução da intervenção federal, a Constituição Federal não poderá ser emendada (CF, art. 60, § 1.°).

7.4. Controle político

O decreto presidencial de intervenção deverá ser submetido à apreciaçãodo Congresso Nacional no prazo de vinte e quatro horas. Se o Congressoestiver era recesso, será convocado extraordinariamente, no mesmo prazo devinte e quatro horas.

Importante destacar que o chefe do Executivo não solicita autorização aoCongresso Nacional para decretar a intervenção. Ele decreta a intervenção eas medidas interventivas já começam a ser praticadas desde a decretação. Emseguida, ele submete a medida adotada à apreciação do Congresso Nacional,que a aprovará, por decreto legislativo, ou determinará a sua suspensão.

Porém, nem todo decreto interventivo será apreciado pelo Poder Legislativo. Não há controle político do Congresso Nacional naquelas hipótesesde intervenção decididas pelo Poder Judiciário, em que o Presidente daRepública é provocado mediante requisição, cabendo-lhe meramente adotara medida interventiva (atividade vinculada).

8. INTERVENÇÃO NOS MUNICÍPIOS

Os estados-membros poderão intervir nos municípios localizados era seuterritório, mediante a expedição de decreto pelo Governador.

A intervenção em município localizado em Território Federal é dacompetência da União, que o fará por meio de decreto do Presidente daRepública.

Page 84: Direito constitucional descomplicado

144 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto &Marcelo Alexandrino

Ressalvada a hipótese de intervenção federai em município localizadoem Território Federal, todas as intervenções em município serão decretadas eexecutadas pelos estados. Em nenhuma hipótese haverá intervenção da Uniãoem município localizado em Estado-membro.

As hipóteses que autorizara a intervenção estadual estão enumeradas noart. 35 da Constituição Federal, aplicando-se a essa intervenção as mesmasregras atinentes à intervenção federal (decreto do Chefe do Executivo, controle político pelo Legislativo, temporaiidade etc).

Na hipótese de intervenção prevista no inciso FV do art. 35, a decretação da intervenção dependerá de provimento pelo Tribunal de Justiça derepresentação interventiva do Procurador-Geral de Justiça (Chefe do Ministério Público do estado), e, nos termos do art. 36, § 3.°, será dispensada aapreciação pela assembléia legislativa.

IntervençõesFederais nos

Estados e

no DF

Espontâneas - art. 34, I a V

Provocadas —

Para garantir o livre exercíciodos Poderes Executivo eLegislativo

Solicitação do respectivoPoder coado ou

impedido (art. 36, I)

Para garantir o livre exercíciodo Poder Judiciário

Requisição do STF(art. 36, I)

Para prover a execução de leifederal ou a observância dos

princípios sensíveis

Representação do PGRperante o STF(art. 36, III)

Para prover a execução deordem ou decisão judicial

Requisição do STF, STJou TSE

REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

1. NOÇÕES

Em um Estado do tipo federado, a autonomia dos entes federativospressupõe repartição, constitucionalmente estabelecida, de competências administrativas, legislativas e tributárias.

Repartição de competências é, pois, a técnica que a Constituição utilizapara partilhar entre os entes federados as diferentes atividades do Estadofederal. Trata-se do ponto central do conceito jurídico de Estado federal,haja vista que a autonomia dos entes federativos assenta-se, precisamente, naexistência de competências que lhes são atribuídas como próprias diretamentepela Constituição da Federação.

1.1. Espécies de competências

As competências são tradicionalmente classificadas em competênciasadministrativas, competências legislativas e competências tributárias.

As competências administrativas (materiais ou não legislativas) especificam o campo de atuação político-administrativa do ente federado.São competências para a atuação efetiva, para executar tarefas, para arealização de atividades concernentes às matérias nelas consignadas. Porexemplo, a Constituição Federal outorga à União competência exclusivapara a emissão de moeda (CF, art. 21, VII), bem como competência comum a todos os entes federados para proteger as florestas, a flora e afauna (CF, art. 23, VII).

Page 85: Direito constitucional descomplicado

146 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

As competências legislativas, como a própria denominação indica, estabelecem o poder para normatizar, para estabelecer normas sobre as respectivasmatérias. Não dizem respeito à atuação em si, à execução de uma atividade,mas sim à edição das normas que regularão determinada atuação.

A competência tributária diz respeito ao poder de instituir tributos, queé outorgado a todos os entes federativos, como uma das formas de assegurarsua autonomia. A competência tributária está disciplinada em capítulo próprioda Constituição Federal (Capítulo I do Título VI).

1.2. Técnica adotada pela CF/88

Na Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte adotou comocritério ou fundamento para a repartição de competências entre os diferentesentes federativos o denominado principio da predominância do interesse.

Esse princípio impõe a outorga de competência de acordo com o interesse predominante quanto à respectiva matéria. Parte-se da premissa deque há assuntos que, por sua natureza, devem, essencialmente, ser tratadosde maneira uniforme em todo o País e outros em que, no mais das vezes, épossível ou mesmo desejável a diversidade de regulação e atuação do PoderPúblico, ou em âmbito regional, ou em âmbito local.

Um exemplo que facilita a compreensão da aplicação do princípio dapredominância do interesse é o que ocorre com a prestação de serviços detransporte público de passageiros. Se o transporte é intramunícípal, de interesse nitidamente local, a competência para sua exploração é do respectivomunicípio. Caso o transporte seja intermunicipal (mtraestadual), a competênciaserá do estado-membro, por envolver interesse predominantemente regional.Se o transporte é interestadual ou internacional, há predominância do interessegeral, cabendo, portanto, à União.

Ao Distrito Federal, em razão da vedação à sua divisão em municípios,foram outorgadas, em regra, as competências legislativas, tributárias e administrativas dos estados e dos municípios (CF, art. 32, § 1.°).

Norteado pelo princípio da predominância do interesse, o legisladorconstituinte repartiu as competências entre os entes federados da seguinteforma:

a) enumerou taxativa e expressamente as competências da União - competênciaenumerada expressa (arts. 21 e 22, principalmente);

b) enumerou taxativamente as competências dos municípios (art. 30, principalmente), mediante arrolamento de competências expressas e indicação deum critério de determinação das demais, qual seja, o interesse local (legislar

-^F-~

Cap. 4 • REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 147

sobre assuntos de interesse local; organizar e prestar os serviços públicosde interesse local - art. 30, I e V);

c) outorgou ao Distrito Federal, em regra, as competências dos estados e dosmunicípios (art. 32, § 1.°);

d) não enumerou expressamente as competências dos estados-membros, reservando a estes as competências que não lhes forem vedadas na Constituição - competência remanescente, não enumerada ou residual (art. 25, §1.°); em matéria tributária, porém, é a União que dispõe de competênciaresidual, para a instituição de novos impostos (CF, art. 154, I) e de novascontribuições de seguridade social (CF, art. 195, § 4.°);

e) fixou uma competência administrativa comum - em que todos os entes federados poderão atuar paralelamente, em situação de igualdade (art. 23);

f) fixou uma competência legislativa concorrente —estabelecendo uma concorrência vertical legislativa entre a União, os estados e o Distrito Federa!(art. 24).

Esse modelo de partilha constitui a regra para a divisão das chamadascompetências materiais entre os entes federativos. Não deve, porém, serentendido como inflexível, absoluto.

Assim, embora a regra seja a outorga da competência sobre as matériasde interesse local aos municípios, não se pode afirmar que todos os assuntos de interesse local tenham sido outorgados a esses entes federativos. Aexploração do gás canalizado, por exemplo, constitui matéria de interessepredominantemente local que, porém, foi outorgada aos estados-membros(CF, art. 25, § 2.°).

2. COMPETÊNCIAS DA UNIÃO

As principais competências enumeradas da União estão previstas nosarts. 21 e 22 da Constituição Federal.

O art. 21. da Constituição Federal estabelece a denominada competênciaexclusiva da União, ao dispor que compete à União:

I - manter relações com Estados estrangeiros e participar deorganizações internacionais;

II - declarar a guerra e celebrar a paz;

III - assegurar a defesa nacional;

TV - permitir, nos casos previstos em lei complementar, queforças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nelepermaneçam temporariamente;

Page 86: Direito constitucional descomplicado

148 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

V - decretar o estado de sítio, o estado de defesa e a intervenção federal;

VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de materialbélico;

VII - emitir moeda;

VIII - administrar as reservas cambiais do País e fiscalizar as

operações de natureza financeira, especialmente as de crédito,câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada;

IX - elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

X - manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessãoou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos dalei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação deum órgão regulador e outros aspecto.s institucionais;

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessãoou permissão: os serviços de radiodifusão sonora, e de sonse imagens; os serviços e instalações de energia elétrica e oaproveitamento energético dos cursos de água, em articulaçãocom os estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portosbrasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limitesde estado ou Território; os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; os portos marítimos,fluviais e lacustres;

XÜI - organizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Públicoe a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;

XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar eo corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem comoprestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execuçãode serviços públicos, por meio de fundo próprio;

XV - organizar e manter os serviços oficiais de estatística,geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional;

XVI - exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversõespúblicas e de programas de rádio e televisão;

XVII - conceder anistia;

XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações;

XIX - mstituir sistema nacional de gerenciamento de recursoshídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;

Cap. 4 - REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 149

XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos;

XXI - estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacionalde viação;

XXII - executar os serviços de polícia marítima, aeroportuáriae de fronteiras;

XXIII - explorar os serviçose instalações nucleares de qualquernatureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra,0 enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e ocomércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos osseguintes princípios e condições: (a) toda atividade nuclear emterritório nacional somente será admitida para fins pacíficos emediante aprovação do Congresso Nacional; (b) sob regime depermissão, são autorizadas a comercialização e a utilização deradioisótopos para a pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais; (c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção,comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igualou inferior a duas horas; (d) a responsabilidade civil por danosnucleares independe da existência de culpa;

XXFV - organizar, manter e executar a inspeção do trabalho;

XXV - estabelecer as áreas e as condições para o exercício daatividade de garimpagem, em forma associativa.

Trata-se de competências administrativas, nas quais a União deverá atuarcom absoluta exclusividade, não havendo, sequer, autorização constitucionalpara a delegação a outros entes federativos. Sua principal característica é,pois, a indelegabilidade.

O art. 22 da Constituição Federal estabelece a competência privativa daUnião, ao dispor que compete privativamente à União legislar sobre:

1 - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

II - desapropriação;

LU - requisições civis e militares, em caso de iminente perigoe em tempo de guerra;

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

V - serviço postal;

VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dosmetais;

VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência devalores;

Page 87: Direito constitucional descomplicado

150 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

VTII - comércio exterior e interestadual;

IX - diretrizes da política nacional de transportes;

X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima,aérea e aeroespacial;

XI - trânsito e transporte;

XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;

XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização;

XIV - populações indígenas;

XV - emigração e imigração, entrada, extradição e expulsãode estrangeiros;

XVI - organização do sistema nacional de emprego e condiçõespara o exercício de profissões;

XVII - organização judiciária, do Ministério Público e daDefensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bemcomo organização administrativa destes;.

XVTJI - sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologianacionais;

XLX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupançapopular;

XX - sistemas de consórcios e sorteios;

XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico,garantias, convocação e mobilização das polícias militares ecorpos de bombeiros militares;

XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviáriae ferroviária federais;

XXIII - seguridade social;

XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;

XXV - registros públicos;

XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;

XXVII - normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas;

XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima,defesa civil e mobilização nacional;

XXIX - propaganda comercial.

Trata-se de competências legislativas privativas da União, para a ediçãode normas sobre as matérias acima enumeradas. Porém, é possível que osestados e o Distrito Federal venham a legislar sobre questões específicasdas matérias enumeradas no art. 22 da Constituição Federal, desde que a

Cap. 4 • REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 151

União delegue competência, por meio de lei complementar (CF, art. 22,parágrafo único). Ao contrário da competência administrativa exclusiva, amarca da competência legislativa privativa da União é a sua delegabüidadeaos estados e ao Distrito Federal.

•"*"• "V1 ^ -j> "r^ _ ^ "-"Competências da União — - ^ < ~Art 21 Art. 22

Administrativa Legislativa

Exclusiva Privativa

índelegávei Detegávet

Além das competências enumeradas nos arts. 21 e 22 - competênciaadministrativa exclusiva e competência legislativa privativa -, a União dispõede outras competências indicadas em diversos dispositivos constitucionais,dentre as quais destacamos as seguintes:

• competência administrativa comum, paralela ou cumulativa - na qual, emcondições de igualdade com os demais entes federativos, poderá atuar naconcretização,dos respectivos comandos constitucionais (art. 23);

• competência legislativa concorrente - na qual é estabelecida uma concorrência legislativa entre a União, os estados e o Distrito Federal (art. 24);

• competências tributárias - para a instituição das diferentes espécies tributárias: impostos federais, inclusive os residuais e extraordinários de guerra,taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais, inclusive as residuaisde seguridade social, contribuições de interesse de categorias profissionaisou econômicas, contribuições de intervenção no domínio econômico e empréstimos compulsórios (arts. 145, 148, 149, 154, I e II, 195, I a IV, e §4.°, 212, § 5.°, 239 e 240).

3. COMPETÊNCIA COMUM

O art. 23 da Constituição Federal enumera as matérias integrantes dadenominada competência comum (paralela ou cumulativa), dispondo que écompetência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios:

I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituiçõesdemocráticas e conservar o patrimônio público;

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantiadas pessoas portadoras de deficiência;

Page 88: Direito constitucional descomplicado

152 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valorhistórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagensnaturais notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização deobras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico oucultural;

V —proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação eà ciência;

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição emqualquer de suas formas;

VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

X - combater as causas da pobreza e os fatores de margina-lização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;

• XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitosde pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais emseus territórios;

XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.

A competência comum é uma competência administrativa, consubstanciada na outorga à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios depoder para atuar, paralelamente, sobre as respectivas matérias. Todos os entesfederativos exercem-na em condições de igualdade, sem nenhuma relação desubordinação; ademais, a atuação de um não exclui a dos outros.

A fim de evitar conflitos e superposição de esforços no âmbito da competência comum, a Constituição Federal determina que leis compleraentaresfixarão normas para a cooperação entre a União e os estados, o DistritoFederal e os municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento edo bem-estar era âmbito nacional (CF, art. 23, parágrafo único).

4. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE

O art. 24 da Constituição Federal estabelece a competência legislativaconcorrente, ao dispor que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

Cap. 4 • REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico eurbanístico;

II - orçamento;

- juntas comerciais;

- custas dos serviços forenses;

produção e consumo;

- florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambientee controle da poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,turístico e paisagístico;

IX - educação, cultura, ensino e desporto;

X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenascausas;

XI - procedimentos ern matéria processual;

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;XIII - assistência jurídica e defensoria pública;

XXV - proteção e integração social das pessoas portadoras dedeficiência;

XV - proteção à infância e à juventude;

XVI - organização, garantias, direitos e deveres das políciascivis.

III

IV

V-

VI

153

No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar--se-á a estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1.°).

A atuação da União, fixando as normas gerais, não exclui a atuaçãosuplementar dos estados e do Distrito Federal (CF, art. 24, § 2°). Assim,fixadas as normas gerais pela União, caberá aos estados e ao Distrito Federalcomplementar a legislação federal, tendo em vista as peculiaridades regionais, por meio da expedição de normas específicas estaduais e distritais. Éa chamada competência suplementar dos estados-membros e do DistritoFederal.

A atuação dos estados-membros e do Distrito Federal, contudo, não édependente da expedição das normas gerais pela União. Caso a União nãoedite suas leis de normas gerais, os estados e o Distrito Federal exercerãoa competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades (CF, art.24, § 3.°).

Page 89: Direito constitucional descomplicado

154 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • VicentePauto &MarceloAlexandrino

Por outras palavras, a omissão da União implica outorga tácita de competência legislativa plena aos estados e ao Distrito Federal, o qüe significapoderem eles estabelecer, no seu âmbito, normas gerais e normas específicassobre a respectiva matéria, para o atendimento de suas peculiaridades.

A competência legislativa plena dos estados, porém, não é definitiva,tampouco o seu exercício afasta o poder da União para a ulterior fixação denormas gerais sobre a matéria. Determina a Constituição que a superveniênciade lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no queesta for contrária àquela (CF, art. 24, § 4.°).

Finalmente, cabe ressaltar que os municípios não foram contempladoscom a possibilidade de legislar concorrentemente com os demais entes federativos na regulação das matérias enumeradas no art. 24 da Constituição,segundo a sistemática nele prevista.

5. COMPETÊNCIAS DOS ESTADOS

Como regra, a Constituição Federal não enumerou taxativamente as matérias de competência dos estados-membros, reservando a eles a denominadacompetência remanescente (CF, art. 25, § 1.°).

Um bom exemplo de aplicação da competência remanescente dos estados-membros é a exploração do serviço de transporte intermunicipal (entremunicípios, no âmbito do mesmo estado).

A Constituição Federal estabeleceu expressamente a competência exclusiva da União paraexplorar os transportes terrestres rodoviários interestadual einternacional de passageiros (art. 21, XII, "e"). Dispôs, também, que competeaos municípios a exploração do transporte coletivo no âmbito local (art. 30,V). Nada disse, porém, acerca da competência para a exploração do serviçode transporte intermunicipal.

Diante dessa realidade constitucional, conclui-se que compete aos estados--merabros a exploração e, consequentemente, a regulamentação do serviçode transporte intermunicipal, por força do que dispõe o § 1.° do art. 25 daConstituição Federal.

Conquanto os estados-membros detenham a genérica competência remanescente, residual ou reservada, estabelecida no § 1.° do art. 25 da Constituição, encontramos no texto constitucional algumas poucas competênciasexpressamente conferidas aos estados, como a competência para a criação,incorporação, fusão e desmembramento de municípios (CF, art. 18, § 4.°);para a exploração direta, ou mediante concessão, dos serviços locais de gáscanalizado (CF, art. 25, § 2.°); para a instituição de regiões metropolitanas,

Cap. 4 • REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 155

aglomerações urbanas e microrregiões (CF, art. 25, § 3.°)e para a organizaçãoda sua própria Justiça (CF, art. 125).

A Constituição Federal outorga, ainda, aos estados outras competências,a saber:

• competência comum, paralela ou cumulativa - em que, em condições deigualdade com os demais entes federativos, poderão os estados atuar sobreas respectivas matérias (art. 23);

0 competência legislativa delegada pela União - em decorrência da qualpoderão os estados, desde que autorizados por lei complementar federa!,legislar sobre questões específicas das matérias da competência privativada União (art. 22, parágrafo único);

competência legislativa concorrente —em que os estados poderão legislar,em concorrência com a União, sobre as respectivas matérias (art. 24);

competência tributária - para a instituição das diferentes espécies tributáriasde competência dos municípios, a saber: impostos estaduais, taxas, contribuições de melhoria e contribuições previdenciárias (arts. 145, 149, § 1.°,e 155).

6. COMPETÊNCIAS DO DISTRITO FEDERAL

Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas, administrativas e tributárias reservadas aos estados e aos municípios (CF, art.32, § 1.°).

Entretanto, nem todas as competências dos estados foram outorgadas aoDistrito Federal. Com efeito, no âmbito do Distrito Federal, compete à Uniãoorganizar e manter o Poder Judiciário, o Ministério Público e a DefensoriaPública, bem como a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeirosmüitar (CF, art. 21, XIII e XIV).

O Distrito Federal ocupa, assim, posição anômala em relação aos demais entes federativos. Não foi equiparado aos municípios, porque dispõe,além das competências municipais, de parcela das competências estaduais.Não foi equiparado em tudo aos estados, porque, como visto, nem todas ascompetências estaduais lhe foram outorgadas.

Podemos, então, enumerar as seguintes competências constitucionais doDistrito Federal:

• competência remanescente dos estados-membros (art. 25, § 1.°);

competência enumerada dos municípios (art. 30);

Page 90: Direito constitucional descomplicado

156 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

7.

competência comum, paralela ou cumulativa - na qual, em condições deigualdade com os demais entes federativos, poderá o Distrito Federal atuarsobre as respectivas matérias (art. 23);

competência legislativa delegada pela União - em decorrência da qual poderá o Distrito Federal, desde que autorizado por lei complementar federal,legislar sobre questões específicas das matérias da competência privativa daUnião (art. 22, parágrafo único);

competência legislativa concorrente - em que o Distrito Federal poderálegislar, em concorrência com a União, sobre as respectivas matérias(art. 24);

competência tributária - para a instituição das diferentes espécies tributárias de competência dos estados e dos municípios, a saber: impostosestaduais e municipais, taxas, contribuições de melhoria, contribuiçõesprevidenciárias e contribuição de iluminação pública (arts. 145, 147, 149,§ 1.°, 149-A, 155-e-I56).

COMPETÊNCIAS DOS MUNICÍPIOS

A Constituição Federal de 1988 conferiu aos municípios natureza de entefederativo autônomo, dotado da capacidade de auto-organização e autolegislação, autogoverno e autoadministração.

As competências municipais estão enumeradas, sobretudo, no art. 30 daConstituição Federal, a saber:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

n - suplementar a legislação federal e a estadual no quecouber;

III —instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bemcomo aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade deprestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislaçãoestadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessãoou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluídoo de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da Uniãoe do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da Uniãoe do estado, serviços de atendimento à saúde da população;

Cap. 4 * REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS 157

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamentoe da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-culturaílocal, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal eestadual.

A competência dos municípios pode ser dividida em competência legislativa e competência administrativa.

A competência legislativa corresponde à competência exclusiva paralegislar sobre assuntos de interesse local (CF, art. 30, I) e à competênciasuplementar, para suplementar a legislação federal ou estadual, no quecouber (CF, art. 30, II).

A competência administrativa autoriza o município a atuar sobre os assuntos de interesse local, identificados a partir do princípiodapredominânciado interesse, especialmente sobre as matérias expressamente consignadas nosincisos III ao XX do art. 30 da Constituição Federal.

No uso da competência suplementar, podem os municípios suprir aslacunas da legislação federal e estadual, regulamentando as respectivas matérias para ajustar a sua execução às peculiaridades locais. Entretanto, nouso dessa competência suplementar, não poderão os municípios contraditar alegislação federal e estadual existente, tampouco extrapolar a sua competênciapara disciplinar, apenas, assuntos de interesse local.

Merecera menção, ainda, as seguintes competências constitucionais dosmunicípios:

competência comum, paralela ou cumulativa - na qual, em condições deigualdade com os demais entes federativos, poderá o município atuar sobreas respectivas matérias (art. 23);

competência tributária - para a instituição das diferentes espécies tributárias de competência dos municípios, a saber: impostos municipais, taxas,contribuições de melhoria, contribuições previdenciárias e contribuição deiluminação pública (arts. 145, 149, § 1.°, 149-A e 156).

Page 91: Direito constitucional descomplicado

PODER LEGISLATIVO

1. FUNÇÕES

Ao consagrar o princípio da separação dos poderes, a ConstituiçãoFederalde 1988 atribuiu funções determinadas a cada um dos três poderes (órgãos),mas não de forma exclusiva. Todos eles possuem, pois, funções próprias outípicas e, também, funções atípicas, que ora são exercidas para a consecuçãode suas finalidades precípuas, ora o são para impor limites à atuação dosdemais poderes, no âmbito do mecanismo de freios e contrapesos (checksand balances).

As funções típicas do Poder Legislativo são legislar e fiscalizar. Nodesempenho da função legislativa, cabe a ele, obedecidas as regras constitucionais do processo legislativo, elaborar as normas jurídicas gerais e abstratas.Em cumprimento à função fiscalizadora, cabe ao Congresso Nacional realizara fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial doPoder Executivo (CF, art. 70), "fiscalizare controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da adniinistraçãoindireta" (CF, art. 49, X), bem como investigar fato determinado, por meio dacriação de comissões parlamentares de inquérito - CPI (CF, art. 58, § 3.°).

E importante destacar que essas duas funções típicas do Poder Legislativodispõem da mesma dignidade, do mesmo grau de importância, vale dizer, nãohá hierarquia entre elas. As duas foram atribuídas pelo constituinte originárioao Poder Legislativo, sem nenhuma relação de subordinação entre elas.

As funções atípicas do Poder Legislativo são administrar e julgar. OLegislativo exerce função atípica administrativa quando, por exemplo, dispõe

Page 92: Direito constitucional descomplicado

160 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • VicentePaulo &MarceloAlexandrino

sobre a sua organização interna ou sobre a criação dos cargos públicos desuas Casas, a nomeação, a promoção e a exoneração de seus servidores. Odesempenho da função atípica de julgamento ocorre, especialmente, quandoo Senado Federal julga certas autoridades da República nos crimes de responsabilidade (CF, art. 52, I, II, e parágrafo único).

2. COMPOSIÇÃO

2.1. Congresso Nacional

O Poder Legislativo federal é bicameral (composto de duas Câmaras),exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputadose do Senado Federal.

Essa forma de composição do Legislativo federal está diretamente ligadaà opção do legislador constituinte pela forma federativa de Estado, que feznascer, entre nós, o chamado bicameralismofederativo. Diz-se bicameralismofederativo porque uma das Casas Legislativas, o Senado Federal, é composta de representantes dos estados e do Distrito Federal, de forma paritária(três representantes de cada entidade federativa), assegurando-se com isso oequilíbrio entre eles.

A Câmara dos Deputados é composta de representantes do povo, proporcionalmente à população de cada ente federado, valorizando o princípiorepublicano-democrático.

Impende lembrarque, diferentemente do que se verificano plano federal,nos estados, no Distrito Federal e nos municípios o Legislativo é unicameral,composto por uma única Casa integrada de representantes do povo - assembléia legislativa, Câmara Legislativa e câmara municipal, respectivamente.

Era regra, o Congresso Nacional atua por meio da manifestação das duasCasas Legislativas, em separado, situação em que as proposições tramitampelas duas Casas e essas, de forma autônoma e sem subordinação, sobreelas deliberam.

Mas, há situações excepcionais em que a Constituição exige o trabalhosimultâneo das duas Casas, hipótese em que temos a denominada sessãoconjunta. Na sessão conjunta, como a própria denominação indica, as Casasatuam ao mesmo tempo, embora as deliberações sejam em separado, isto é,a contagem de votos se dá entre os pares de cada Casa.

O § 3.° do art. 57 da Constituição estabelece que, além de outros casosprevistosno texto constitucional, a Câmarados Deputados e o SenadoFederalreunir-se-ão em sessão conjunta para:

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 161

I - inaugurar a sessão legislativa;

II - elaborar o regimento comum e regular a criação de serviçoscomuns às duas Casas;

III - receber o compromisso do Presidente e do Vice-Presidenteda República;

IV - conhecer do veto e sobre ele deliberar.

Dentre os outros casos previstos no texto constitucional ern que as Casas atuarão em sessão conjunta, merece destaque a reunião para discussão evotação da lei orçamentária (art. 166).

2.2. Câmara dos Deputados

A Câmara dos Deputados compõe-se de.representantes do povo, eleitospelo sistema proporcional, para mandatos de quatro anos, permitidas sucessivas reeleições.

A representação de cada estado e do Distrito Federal é proporcional àpopulação, isto é, quanto mais populoso, maior será o número de representantes do ente federado na Câmara dos Deputados.

A Constituição Federal atribui à lei complementar a fixação do númerototal de Deputados, bem como a representação por estado e pelo Distrito Federal, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários,no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelasunidades da Federaçãotenha menos de oito ou mais de setenta Deputados (art. 45, § 1.°).

Como se vê, a proporcionalidade à população não é absoluta, porquantoa Constituição estabelece o limite mínimo de oito e o máximo de setentadeputados por entidade federativa. Assim, por mais populoso que seja oente federado (São Paulo, por exemplo), não disporá ele de mais de setentarepresentantes na Câmara dos Deputados. Da mesma forma, por menor queseja a população da entidade federativa (Acre, por exemplo), terá ela direitoa eleger oito representantes.

Nos Territórios Federais não se optou pelo critério da proporcionalidadeà população. Deveras, caso algum venha a existir, elegerá o número fixo dequatro deputados, independentemente da sua população.

2.3. Senado Federal

O Senado Federal é composto por representantes dos estados e doDistrito Federal, de forma paritária, assegurando-se, com isso, o equilíbriofederativo.

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162 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

É correto afirmar, portanto, que no Brasil os senadores não representamo povo, mas sim os estados e o Distrito Federal, como meio de fazer valera vontade deles na formação da vontade nacional, característica marcante daforma federativa de Estado.

Cada estado e o Distrito Federal elegem o número fixo de três senadores, com mandato de oito anos. Diferentemente da Câmara dos Deputados,na qual há renovação integral dos seus representantes a cada quatro anos,no Senado Federal a representação de cada estado e do Distrito Federal ésempre renovada parcialmente, de quatro em quatro anos, alternadamente,por ura e dois terços. Assim, numa eleição são eleitos dois senadores; naeleição subsequente (quatro anos depois), elege-se ura senador; na eleiçãoulterior (quatro anos depois), dois senadores - e assim sucessivamente.

Os senadores são eleitos pelo princípio majoritário simples, ou seja, considera-se eleito o candidato que obtiver o maior número de votos nas eleições,excluídos os em branco e os nulos, sempre em ura só turno de votação.

Cada senador é eleito com dois suplentes, vale dizer, ao elegermosum senador estamos, na realidade, elegendo três candidatos, o titular e oprimeiro e o segundo suplentes. Esses últimos só exercerão efetivamentea cadeira em caso de afastamentos ou impedimentos, temporários ou definitivos, do titular.

3. ÓRGÃOS

3.1. Mesas diretoras

O órgão administrativo de direção das Casas Legislativas é sua mesa.A mesa é o órgão responsável pelas funções meramente administrativas,

bem como pela condução dos trabalhos legislativos que se desenvolvem emcada Casa. Temos, então, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa do SenadoFederal e, também, a Mesa do Congresso Nacional, que atua nas sessõesconjuntas deste.

A Mesa do Congresso Nacional será presidida pelo Presidente do SenadoFederal, e os demais cargos serão exercidos, alternadamente, pelos ocupantesde cargos equivalentes na Câmara dos Deputados e no Senado Federal (CF,art. 57, § 5.°).

As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal são eleitas,respectivamente, pelos deputados e senadores, devendo ser assegurada, tantoquanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocosparlamentares que participam da respectiva Casa (CF, art. 58, § 1.°).

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 163

Os membros das mesas são eleitos para mandato de dois anos. Comisso, temos duas eleições para a mesa em cada legislatura. A ConstituiçãoFederal veda a recondução de membro da mesa para o mesmo cargo naeleição imediatamente subsequente (CF, art. 57, § 4.°).

Essa proibição só alcança a eleição realizada no âmbito da mesmalegislatura. Terminada a legislatura, os membros da mesa poderão ser reconduzidos, para o mesmo cargo, na primeira eleição da nova legislaturaque se inicia.

3.2. Comissões

As Casas Legislativas, para o bom desempenho de seus trabalhos legislativos, constituem comissões, que são órgãos colegiados, compostos pornúmero restrito de membros.

A atuação do Legislativo por meio de comissões visa, na realidade, afacilitar o trabalho do Plenário das Casas, pois caberá às comissões estudare examinar as diversas proposições legislativas e apresentar pareceres queorientarão as discussões e deliberações plenárias.

A previsão genérica das atribuições das comissões parlamentares está no§ 2.° do art. 58 da Constituição Federal, nos termos seguintes:

§ 2° Às comissões, em razão da matéria de sua competência,cabe:

I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma doregimento, a competência do Plenário, salvo se houver recursode um décimo dos membros da Casa;

II - realizar audiências públicas com entidades da sociedadecivil;

III - convocar Ministros de Estado para prestar informaçõessobre assuntos inerentes a suas atribuições;

IV - receber petições, reclamações, representações ou queixasde qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ouentidades públicas;

V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão;

VI - apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais esetoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.

As comissões do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e doSenado Federal são criadas pelas Casas correspondentes, na forma e comatribuições definidas no regimento interno respectivo. As comissões integradas

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164 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

conjuntamente por deputados e senadores são chamadas Comissões Mistasdo Congresso Nacional.

A própria Constituição Federal determina a criação de importantes comissões mistas do Congresso Nacional, como a Comissão Misto destinada aapreciar as medidas provisórias adotadas pelo Presidente da República (art.62, § 9.°) e a Comissão Mista do Orçamento, prevista no seu art. 166.

As comissões podem ser permanentes ou temporárias.

As comissões permanentes são órgãos técnicos criados pelo regimentointerno, com a finalidade de discutir e votar as proposições e projetos quesão apresentados à respectiva Casa, ou com atribuições fiscalizadoras.

As comissões temporárias são aquelas criadas para apreciar determinadoassunto, e se extinguem ao término da legislatura, ou antes, quando alcançadoo fim a que se destinavam ou expirado o seu prazo de duração. São exemplos de comissões temporárias.^as comissÕes...representativas, destinadas arepresentar a Casa Legislativa em congressos, solenidades ou atos públicos,e as comissões parlamentares de inquérito (CPI), criadas para investigarfato determinado de interesse público.

3.2.1. Comissões parlamentares de inquérito

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são comissões temporárias,criadas pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal ou pelo CongressoNacional, com o fim de investigar fato determinado de interesse público.

Vale lembrar que a atuação das comissões parlamentares de inquéritoconsubstancia atuação típica do Poder Legislativo, no desempenho da suaatribuição fiscalizatória de atos conexos ao Poder Público.

A previsão constitucional para a criação das comissões parlamentares deinquérito está no § 3.° do art. 58, nos termos seguintes:

§ 3.° As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, alémde outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serãocriadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, emconjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terçode seus membros, para a apuração de fato determinado e porprazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadasao Ministério Público, para que promova a responsabilidadecivil ou criminal dos infratores.

Com fundamento nesse dispositivo constitucional e na rica jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal sobre a atuação das comissões parlamentares de

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 165

inquérito, passemos ao exame, separadamente, dos aspectos mais relevantessobre essas comissões temporárias de investigação.

3.2.1.1. Criação

Para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito é indispensávelo cumprimento de três requisitos constitucionais, a saber: (a) requerimentode um terço dos membros da Casa Legislativa; (b) indicação de fato determinado a ser objeto de investigação; (c) fixação de um prazo certo para aconclusão dos trabalhos (temporalidade).

No caso de comissão parlamentar mista de inquérito - CPMI, o requerimento deverá ser de um terço dos membros de ambas as Casas Legislativas,Câmara dos Deputados e Senado Federal.

É condição indispensável para criação de comissão parlamentar de inquérito o apontamento de um fato determinado a ser investigado. Não seadmite a criação de uma CPI para uma investigação de objeto genérico,inespecífico, abstrato.

E certo que o fato determinado não precisa serúnico. Nada impede quea comissão parlamentar investigue mais de um fato, desde que eles sejamdeterminados.

A comissão parlamentar de inquérito deve ser criada por prazo certo.Essa indicação de umprazo certo paraa conclusão dos trabalhos, porém, nãoé peremptória, haja vista que são permitidas sucessivas prorrogações, desdeque no âmbito da mesma legislatura, observados os requisitos regimentaispara essa postergação.

Umavezcumpridos esses trêsrequisitos, a criação da comissão parlamentarde inquérito é detenriinada no ato mesmo da apresentação do requerimento aoPresidente da Casa Legislativa, independentemente de deliberação plenária.

A criação de comissões parlamentares de inquérito nos estados, por forçado pacto federativo, deve observar compulsoriamente o modelo federal.

Por fim, vale anotar que, em tese, podem ser criadas CPIs simultâneas,pelas duas Casas do Congresso Nacional, para investigar o mesmo fato determinado. Cora efeito, em razão da autonomia das Casas do Congresso Nacional, é plenamente possível a criação simultânea de uma CPI da Câmara dosDeputados e outra CPI do Senado Federal para investigar idêntico fato.

3.2.1.2. Poderes de investigação

Determina a Constituição Federal que ascomissões parlamentares deinquérito dispõem de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais.

Page 95: Direito constitucional descomplicado

166 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

É certo, porém, que essespoderes não são ilimitados, tampouco alcançamtodas as matérias de competência dos membros do Poder Judiciário. Comefeito, veremos, adiante, que há medidas determináveís pelos membros doPoder Judiciário que não podem ser adotadas pelas comissões parlamentaresde inquérito, tais como a autorização para interceptação das comunicaçõestelefônicas e a decretação da indisponibilidade de bens do investigado, matérias protegidas pela cláusula de "reserva de jurisdição".

É possível a criação de comissão parlamentar de inquérito para investigarfato determinado que já esteja sendo investigado era inquéritos policiais ouprocessos judiciais regularmente instalados, situação em que as investigaçõescorrerão paralelamente.

Os poderes de investigação das comissões parlamentares de inquéritocriadas pelas Casas do Congresso Nacional não alcançam fatos ligados estritamente à competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios,pois essa medida implicaria interferência indevida da União na esfera deautonomia desses entes federados. Tais fatos, se for o caso, devem ser investigados por comissões parlamentares criadas no âmbito da casa legislativado ente federado interessado (assembléia legislativa, Câmara Legislativa oucâmara municipal).

Da mesma forma, os poderes da investigação parlamentar não alcançamos chamados atos de natureza jurisdicional, assim entendidos aqueles praticados por membros do Poder Judiciário no desempenho de sua atividadetípica (decisões judiciais).

Por fim, esclarecemos que os poderes de investigação das comissõesparlamentares de inquérito alcançamsomente fatos determinados relacionadosao interesse público. Se o fato ou negócio é de Interesse exclusivamenteprivado, sem nenhum nexo causai com a gestão da coisa pública, sua investigação poderá ser realizada por outros órgãos do Estado, tais como aspolícias, mas não por comissão parlamentar.

3.2.1.3. Direitos dos depoentes

As comissões parlamentares de inquérito têm competência para, por atopróprio, convocar e inquirirpessoas, seja na condição de testemunha, seja nacondição de investigado. Podem, até mesmo, lançar mão da polícia judiciáriapara localizar testemunha cujo endereço seja desconhecido, para o fira deproceder à intimação. Podem, ainda, determinar a condução coercitiva detestemunha, no caso de recusa ao comparecimento.

Entretanto, a comissão parlamentar tem o dever de respeitar os direitosconstitucionais dos depoentes durante as sessões de trabalho, sob pena deinvalidade de seus atos.

Cap. 5 * PODER LEGISLATIVO 167

O depoente tem o direito de permanecer calado durante o interrogatório,negando-se a responder àquelas indagações formuladas pelos integrantes dacomissão parlamentar que, no seu entender, possam incriminá-lo, pois ninguém pode ser obrigado a depor contra si mesmo.

O depoente pode, também, invocar o seu direito ao sigilo profissional,negando-se a responder às indagações relacionadas ao exercício de sua atividade profissional.

Também é direito do depoente ser assistido por advogado era seusdepoimentos nas sessões de CPI, seja na condição de investigado, seja nacondição de testemunha.

3.2.1.4. Competência

Conforme vimos, o texto constitucional outorgou às comissões parlamentares de inquérito poderes de investigação próprios das autoridadesjudiciais, para o bom desempenho da função fiscalizatória própria do PoderLegislativo.

As comissões parlamentares de inquérito podem convocar particularese autoridades públicas para depor, na condição de testemunhas ou comoinvestigados.

Ressalte-se que a convocação de testemunhas e de indiciados deve serfeita com a observância das regras constantes do Código de Processo Penalsobre o chamamento de indivíduos para participar do processo. Por isso, nãoé viável a intimação por via postal ou mediante comunicação telefônica; aconvocação deve ser feita pessoalmente. Ademais, o privilégio de que gozam certas autoridades de, no processo penal, marcar dia e hora para sereminquiridas deve ser observado pela CPI.

Podem, também, determinar as diligências, as perícias e os examesque entenderem necessários, bem como requisitar informações e buscar todosos meios de prova legalmente admitidos.

Na obtenção de documentos e informações necessárias à comprovaçãodo fato investigado, poderão as comissões determinar a busca e apreensãode documentos, desde que essa medida não implique violação do domicíliodas pessoas, porquanto a busca e apreensão domiciliar é medida da competência exclusiva do Poder Judiciário, em razão da reserva de jurisdiçãoconstitucionalmente estabelecida (art. 5.°, inciso XI).

As comissões parlamentares de inquérito podem, ainda, determinar aquebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico do investigado.

A comissão parlamentar tem a obrigação de motivar todas as suas decisõesque impliquem restrição de direito, comprovando a pertinência temática e a

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168 RESUMO DEDIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

imprescindibüidade da medida excepcional para a investigação, sob pena deabsoluta nulidade do seu ato. Deverá, ainda, indicar o lapso temporal alcançado pela medida, isto é, durante que período incidirá a violação do sigilo(quebra do sigilo bancário relativamente aos dois últimos anos, por exemplo).A decisão, com o atendimento de todos esses requisitos, deverá ser tomadaobedecendo-se ao princípio da colegialidade, isto é, a medida só poderáser adotada por deliberação da maioria absoluta dos membros da comissãoparlamentar (e não isoladamente, pelo seu presidente, por exemplo).

Por fim, é relevante anotar que as regras e entendimentos jurisprudenciaisacerca da atuação e poderes das comissões parlamentares de inquérito dasCasas do Congresso Nacional são, também, aplicáveis às CPIs criadas noâmbito dos Legislativos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

3.2.1.5. incompetência

Os poderes de investigação das comissões parlamentares de inquéritonão são absolutos. Eles encontram limites, sobretudo, na cláusula "reservade jurisdição", que reserva a competência para a prática de certas medidas exclusivamente aos membros do Poder Judiciário, conforme abaixoexpendemos.

As comissões parlamentares de inquéritonão podem determinar qualquerespécie de prisão, ressalvada a possibilidade de prisão em flagrante.

As comissões parlamentares de inquérito não podem determinar medidascautelares de ordem penal ou civil - tais comoprisões preventivas e temporárias, indisponibilidade de bens, arresto, seqüestro, proibição de ausentar-sedo país - haja vista que o poder geral de cautela é exclusivo dos membrosdo Poder Judiciário, no exercício de sua atividade jurisdicional.

As comissões parlamentares não podem determinar a busca e apreensão domiciliar de documentos, haja vista que, em respeito à inviolabilidadeconstitucional do domicílio (art. 5.°, inciso XI), essa medida só poderá serdeterminada por ordem judicial.

As comissões parlamentares de inquérito não dispõem de poderes paradeterminar a quebra de sigilo judicial (segredo de justiça). Se o processojudicial tramita sob segredo de justiça, as comissões parlamentares não poderão ter acesso ao respectivo conteúdo protegido.

As comissões parlamentares de inquérito não também podem autorizara interceptação das comunicações telefônicas ("escuta"). Deveras, essaexcepcional medida só pode ser determinada por ordem judicial, para finsde investigação criminal ou instrução processual penal, nos estritos termosdo art. 5.°, inciso XII, da Constituição da República.

Cap. 5 * PODER LEGISLATIVO 169

Vale lembrar, ainda, que as comissões parlamentares de inquérito, qualquer que seja o resultado de suas investigações, não podem determinar aanulação de atos do Poder Executivo.

Pelo atéaqui exposto, verifica-se queo papel das comissões parlamentaresde inquérito é o de investigação. Não dispõem elas de competência paraprocessar e julgar os investigados, cora o fira de apurar a sua responsabilidadecivil ou penal. Não lhes cabe, sequer, o papel de acusar os investigados, pormeio da formulação da competente denúncia. Sua função é somente investigar, produzir provas acerca do fato determinado que fundamentou a suacriação. Vale dizer, CPI não acusa, não processa, não julga, não condena,não impõe pena!

3.2.1.6. Controle judicial

A atuação das comissões parlamentares de inquérito submete-se à fiscalização do Poder Judiciário, sempre que qualquer pessoa invoque a proteçãodeste, diante de lesão ou ameaça a direito que entenda existir.

Em se tratando de comissão de inquérito das Casas do Congresso Nacional, o foro para o ajuizamento dos remédios constitucionais mandado desegurança e habeas corpus é o Supremo Tribunal Federal, pois cabe à CorteMaior apreciar, originariamente, essas ações quando impetradas contra atosdo Congresso Nacional, de suas Casas e seus respectivos órgãos, como sãoas comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 102, I, "i").

3.3. Plenário

O Plenário é o órgão de deliberação máxima de cada Casa Legislativa,composto por todos os parlamentares que a integram.

4. REUNIÕES

O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2de fevereiro a 17 de julho e de 1.° de agosto a 22 de dezembro.

Esse período em que ordinariamente o Congresso Nacional se reúnerecebe a denominação de sessão legislativa ordinária (SLO). Cada sessãolegislativa ordinária é composta de dois períodos legislativos, ura em cadasemestre (2/2 a 17/7 e 1.78 a 22/12). Os intervalos entre os períodos legislativos são chamados deperíodos de recesso parlamentar.

Page 97: Direito constitucional descomplicado

170 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Cada legislatura tem a duração de quatro anos.

Determina a Constituição que a sessão legislativa não será interrompidasem a aprovação do projeto de lei de diretrizes orçamentárias - LDO (art.57, § 2.°).

Durante os períodos de recesso, a Constituição prevê a possibilidade deconvocação extraordinária do Congresso Nacional, hipótese em que temos adenominada sessão legislativa extraordinária (SLE).

O Presidente do Senado Federal poderá convocar extraordinariamente oCongresso Nacional nas hipóteses de decretação de estado de defesa ou deintervenção federal, de pedido de autorização para a decretação de estadode sítio e para o compromisso e a posse do Presidente e do Vice-Presidenteda República.

Em caso de urgência ou interesse público, a convocação poderá ser feitapelo Presidente da República, pelos Presidentes da Câmara dos Deputadose do Senado Federal ou a requerimento da maioria dos membros de ambasas Casas, mas, nestas hipóteses, a convocação dependerá de aprovação damaioria absoluta de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

Note-se que somente a convocação feita pelo Presidente do SenadoFederal tem a força de, por si, forçar a reunião extraordinária do Congresso Nacional, haja vista que sua manifestação de vontade não dependeráde aprovação da maioria absoluta de cada uma das Casas do CongressoNacional. As convocações realizadas pelos demais legitimados dependerãode aprovação da maioria absoluta de cada uma das Casas do CongressoNacional.

Determina a Constituição que na sessão legislativa extraordinária o Congresso Nacional somente deliberará sobre a matéria para a qual foi convocado(CF, art. 57, § 7.°). Essa regra, porém, não impede a apreciação de matériasvariadas, constantes de medidas provisórias em vigor na data da convocação.Isso porque, se houver medidas provisórias em vigor na data de convocaçãoextraordinária do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídasna pauta da convocação, independentemente da matéria por elas disciplinada(art. 57, § 8.°).

Não há mais nenhum pagamento extra para os parlamentares em razãoda convocação extraordinária do Congresso Nacional. Em resposta ao clamorpopular, o legislador constituinte derivado incluiu disposição expressa no textoconstitucional, vedando o pagamento de parcela indenizatória era razão daconvocação extraordinária (art. 57, § 7.°, com a redação dada pela EmendaConstitucional 50, de 2006).

No primeiro ano da legislatura, os trabalhos das Casas Legislativas começam mais cedo, em 1.° de fevereiro, com as sessões preparatórias, para

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 171

a posse de seus membros e a eleição das respectivas mesas. As sessõespreparatórias ocorrem nas duas Casas Legislativas e, na prática, já integrama sessão legislativa ordinária.

5. ATRIBUIÇÕES

5.1. Atribuições do Congresso Nacional

O Congresso Nacional é o órgão legislativo federal, cabendo a eledispor sobre todas as matérias de competência da União. O legisladorconstituinte arrolou, em caráter meramente exemplificativo, as atribuiçõesdo Congresso Nacional, nos incisos dos arts. 48 e 49 da Constituição, nostermos seguintes:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nosarts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competênciada União, especialmente sobre:

I - sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;

II - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual,operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado;

III - fixação e modificação do efetivo das Forças Armadas;

IV - planos e programas nacionais, regionais e setoriais dedesenvolvimento;

V - limites do território nacional, espaço aéreo e marítimo ebens do dornínio da União;

VI —incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreasde Territórios ou Estados, ouvidas as respectivas AssembléiasLegislativas;

VII - transferência temporária da sede do Governo Federal;

VIII - concessão de anistia;

IX - organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União e dos Territórios eorganização judiciária, do Ministério Público e da DefensoriaPública do Distrito Federal;

X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos efunções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b;

XL - criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública;

Page 98: Direito constitucional descomplicado

Ali RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto 3. Marcelo Alexandrino

XII - telecomunicações e radiodifusão;

XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituiçõesfinanceiras e suas operações;

XIV - moeda, seus limites de emissão, e montante da dívidamobiliária federal;

XV - fixação do subsídio dos Ministros do Supremo TribunalFederal, observado o que dispõem os arts. 39, § 4.°; 150, II;153, III; e 153, § 2.°, I.

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravososao patrimônio nacional;

II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, acelebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitempelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente,ressalvados os casos previstos em lei complementar;

III - autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da Repúblicaa se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinzedias;

IV - aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizaro estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas;

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegaçãolegislativa;

VI - mudar temporariamente sua sede;

VII - fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e osSenadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4.°,150, II, 153, III, e 153, § 2.°, I;

VIII - fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente daRepública e dos Ministros de Estado, observado o que dispõemos arts. 37, XI, 39, § 4.°, 150, II, 153, III, e 153, § 2.°, I;

IX - julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente daRepública e apreciar os relatórios sobre a execução dos planosde governo;

X —fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suasCasas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta;

XI - zelar pela preservação de sua competência legislativa emface da atribuição normativa dos outros Poderes;

XII - apreciar os atos de concessão e renovação de concessãode emissoras de rádio e televisão;

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Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 173

XIII - escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contasda União;

XIV - aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes aatividades nucleares;

XV - autorizar referendo e convocar plebiscito;

XVI —autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezasminerais;

XVII - aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terraspúblicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares.

As matérias do art. 48 deverão ser disciplinadas por meio de lei (ordinária ou complementar, conforme o caso), haja vista que, em relação a elas,o texto constitucional exige a sanção do Presidente da República.

No tocante às matérias arroladas no art. 49 da-Constituição-a-conclusãoé distinta, porque o caput desse dispositivo implicitamente dispensa a sançãodo Presidente da República, o que índuz à conclusão de que elas deverãoser reguladas por meio de decreto legislativo.

5.2. Atribuições da Câmara dos Deputados

As matérias da competência privativa da Câmara dos Deputados estãoenumeradas no art. 51 da Constituição, nos termos seguintes:

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração deprocesso contra o Presidente e o Vice-Presidente da Repúblicae os Ministros de Estado;

II - proceder à tomada de contas do Presidente da República,quando não apresentadas ao Congresso Nacional dentro desessenta dias após a abertura da sessão legislativa;

III —elaborar seu regimento interno;

IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia,criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos efunções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação darespectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidosna lei de diretrizes orçamentárias;

V - eleger membros do Conselho da República, nos termosdo art. 89, VII.

Afirmar que essas matérias são da competência privativa da Câmara dosDeputados significa dizer que serão elas disciplinadas por resolução dessa

Page 99: Direito constitucional descomplicado

174 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Casa Legislativa, promulgada pelo presidente de sua Mesa, sem nenhumainterferência do Senado Federal ou do Presidente da República.

Há, porém, uma exceção a essa regra. De fato, dispõe o inciso IV doart. 51 da Constituição que compete privativamente à Câmara dos Deputados"a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados osparâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias". Desse modo,a Câmara dos Deputados não dispõe de competência para a fixação daremuneração dos cargos, empregos e funções de seus serviços por meio deresolução. A Casa Legislativa tem, apenas, a iniciativa de lei sobre essamatéria, isto é, compete privativamente a ela apresentar o respectivo projetode lei, mas este deverá, depois de aprovado pelas duas Casas Legislativas,ser submetido a sanção ou veto do Presidente da República.

5.3. Atribuições do Senado Federal

As competências privativas do Senado Federal estão enumeradas no art.52 da Constituição Federal, nos termos seguintes:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente daRepública nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exércitoe da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com

aqueles;

II - processar e julgar os Ministros do Supremo TribunalFederal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e doConselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geralda República e o Advogado-Geral da União nos crimes deresponsabilidade;

III - aprovar previamente, por voto secreto, após arguiçãopública, a escolha de:

a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;

b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados peloPresidente da República;

c) Governador de Território;

d) Presidente e diretores do banco central;

e) Procurador-Geral da República;

f) titulares de outros cargos que a lei determinar;

IV - aprovar previamente, por voto secreto, após arguição emsessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática decaráter permanente;

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Cap. 5 •> PODER LEGISLATIVO 175

V — autorizar operações externas de natureza financeira, deinteresse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;

VI - fixar, por proposta do Presidente da República, limitesglobais para o montante da dívida consolidada da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios;

VII —dispor sobre limites globais e condições para as operaçõesde crédito externo e interno da União, dos Estados, do DistritoFederal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidadescontroladas pelo Poder Público federal;

VIII - dispor sobre limites e condições para a concessão degarantia da União em operações de crédito externo e interno;

IX - estabelecer limites globais e condições para o montanteda dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicípios;

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do SupremoTribunal Federal;

XI - aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes dotérmino de seu mandato;

XII - elaborar seu regimento interno;

XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia,criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos efunções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação darespectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidosna lei de diretrizes orçamentárias;

XIV - eleger membros do Conselho da República, nos termosdo art. 89, VII;

XV - avaliar periodicamente a funcionalidade do SistemaTributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, eo desempenho das administrações tributárias da União, dosEstados e do Distrito Federal e dos Municípios.

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II,funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferidapor dois terços dos votos do Senado Federal, à perda docargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício defunção pública, sem prejuízo das demais sanções judiciaiscabíveis.

Essas matérias da competência privativa do Senado Federal são disciplinadas por resolução dessa Casa Legislativa, promulgada pelo presidente

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176 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

de sua Mesa, sem nenhuma interferência da Câmara dos Deputados ou doPresidente da República.

Porém, assim como vimos em relação à Câmara dos Deputados, o Senado Federal não dispõe de competência para fixar, por resolução própria, aremuneração dos seus cargos, empregos e funções públicos. O Senado Federal dispõe, apenas, da iniciativa de lei sobre essa matéria, isto é, competeprivativamente ao Senado Federal apresentar o respectivo projeto de lei, maseste deverá, depois de aprovado pelas duas Casas Legislativas, ser submetidoa sanção ou veto do Presidente da República (art. 52, XIII).

Quando o Senado Federal julga as autoridades enumeradas nos incisos I eII do art. 52 da Constituição, temos o denominado processo de impeachment,situação em que o Senado Federal, sob a presidência do Presidente do SupremoTribunal Federal, atuará como verdadeiro "tribunal político".

O impeachment nada mais é do que o impedimento da autoridade parao exercício do cargo ou mandato, em razão da prática de crime de responsabilidade. Além da perda do mandato, que só poderá ser imposta pordeliberação de dois terços dos membros do Senado Federal, a condenaçãoimpõe a inabilitação, por oito anos, para o exercício de qualquer funçãopública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (CF, art. 52,parágrafo único).

5.4. Convocação e pedido de informações a Ministro de Estado

Além da investigação por raeio das comissões parlamentares de inquérito, estabelece a Constituição a possibilidade de que órgãos do Legislativoconvoquem ou solicitem informações a Ministro de Estado ou a quaisquertitulares de órgãos diretamente subordinados ao Presidente da República paraprestarem esclarecimentos, pessoalmente ou por escrito, na forma prescritano art. 50, a seguir transcrito:

Art. 50. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ouqualquer de suas Comissões, poderão convocar Ministro deEstado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente,informações sobre assunto previamente determinado, importando crime de responsabilidade a ausência sem justificaçãoadequada.

§ 1.° Os Ministros de Estado poderão comparecer ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, ou a qualquer de suasComissões, por sua iniciativa e mediante entendimentos coma Mesa respectiva, para expor assunto de relevância de seuMinistério.

6.

Cap. S • PODER LEGISLATIVO

§ 2.° As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federalpoderão encaminhar pedidos escritos de informações a Ministrosde Estado ou a qualquer das pessoas referidas no caput desteartigo, importando em crime de responsabilidade a recusa, ou onão atendimento, no prazo de trinta dias, bem como a prestaçãode informações falsas.

ESTATUTO DOS CONGRESSISTAS

177

A Constituição Federal estabelece um conjunto de prerrogativas e vedações aos parlamentares, para que o Poder Legislativo e os seus membros,individualmente, tenham condições de atuar com independência e liberdadeno desempenho de suas funções constitucionais. Esse conjunto de regras -estabelecido nos arts. 53 a.56 da Constituição - é denominado Estatuto dosCongressistas.

Essas prerrogativas não devera ser vistas como privilégios pessoais dosocupantes dos mandatos eletivos, mas sim como garantia da independênciado Legislativo perante os outros Poderes, afastando, em relação aos parlamentares, o cerceamento da liberdade de pensamento, bem como a possibilidadede abusos, pressões, prisões e processos arbitrários.

Por esse motivo, as prerrogativas parlamentares, incluídas todas as espécies de imunidades, são de ordem pública e não admitem renúncia, ou seja,o parlamentar não pode abrir mão de suas imunidades.

Examinaremos, nos itens seguintes, o conjunto de regras que consubstanciao Estatuto dos Congressistas, a saber: (a) as imunidades, (b) as prerrogativasde foro, de serviço militar, de vencimentos e de isenção do dever de testemunhar e (c) as incompatibilidades.

6.1. Imunidades

As imunidades parlamentares são tradicionalmente classificadas era: imunidade material (também denominada inviolabilidade material) e imunidadeformal (ou processual).

6.1.1 Imunidade material

A imunidade material está prevista no caput do art. 53 da Constituição,que determina que os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras ou votos.

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178 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

A imunidade material protege o congressista da incrirainação civil, penalou disciplinar em relação aos chamados "crimes de opinião" ou "crimes dapalavra", tais como a calúnia, a difamação e a injúria. Trata-se de prerrogativaconcedida aos congressistas para o exercício de sua atividade legislativa comampla liberdade de expressão, fomentando o debate de idéias, a discussão eo voto nas questões de interesse dos seus representados.

A imunidade material é absoluta, permanente, de ordem pública. A inviolabilidade é total, haja vista que as palavras e opiniões sustentadas pelocongressista ficam excluídas de ação repressiva ou condenatória, mesmodepois de extinto o mandato.

Entretanto, a imunidade material só protege os congressistas quandosuas manifestações se derem no exercício do mandato. Opiniões, palavrase votos proferidos sem nenhuma relação com o desempenho do mandatorepresentativo não são alcançados pela inviolabilidade.

A inviolabilidade material abrange, dentre outras manifestações: os discursos pronunciados, em sessões ou nas comissões; os relatórios e parecereslidos ou publicados; os votos proferidos pelos deputados ou senadores; osatos praticados nas comissões parlamentares de inquérito; as entrevistas jornalísticas, em qualquer meio de comunicação, na imprensa televisiva, faladaou escrita; a transmissão, para a imprensa, do conteúdo de pronunciamentosou de relatórios produzidos nas Casas Legislativas; e as declarações feitasaos meios de comunicação social.

A inviolabilidade material protege, ainda, a publicidade dos debatesparlamentares, afastando a possibilidade de responsabilização do jomalistaque os tenha divulgado, desde que se limite a reproduzir na íntegra, ou emextrato fiel, o que se passou nas Casas Legislativas.

Essa garantia só protege o congressista no exercício da titularidade domandato. A condição político-partidária do suplente de congressista não lheconfere as garantias e prerrogativas constitucionais inerentes ao titular domandato eletivo. Da mesma forma, não ostentará a imunidade o parlamentarque se ausentar do Legislativo para o exercício de cargo no Poder Executivo(de Ministro de Estado, por exemplo).

6.1.2. Imunidade formal

A imunidade formal protege o parlamentar contra a prisão e, nos crimespraticados após a diplomação, torna possível a sustação do andamento doprocesso penal instaurado pelo Supremo Tribunal Federal.

A imunidade formal relacionada cora a prisão está estabelecida no art.53, § 2.°, da Constituição Federal, nos termos seguintes:

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 179

§ 2.° Desde a expedição do diploma, os membros do CongressoNacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crimeinafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro devinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto damaioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

A imunidade protege o parlamentar desde a expedição do diploma pelaJustiça Eleitoral competente. A diplomação é ato anterior à posse. O diplomaé o atestado expedido pela Justiça Eleitoral certificando a regular eleição docandidato.

Por força dessa imunidade formal, desde a diplomação o parlamentarnão poderá mais ser vítima de qualquer tipo de prisão penal ou processual- prisão temporária, prisão em flagrante por crime afiançável, prisão preventiva, prisão por pronúncia ou prisão por sentença condenatória recorrível-, tampouco de prisão civil por dívida nas hipóteses admitidas pelo art. 5.°,inciso LXVII, da Constituição - inadímplemento voluntário e inescusável deobrigação alimentícia e depositário infiel.

Alertamos que essa impossibilidade de prisão do parlamentar o protegenão só em relação aos crimes praticados após a diplomação, mas, também,em relação aos crimes praticados em data anterior a esto. Assim, se em dataanterior à diplomação o indivíduo havia cometido certo crime e estava respondendo por ele perante a justiça comum, com possibilidade de ser preso,com a expedição de sua diplomação a prisão não poderá mais ser determinadapelo Poder Judiciário, em respeito ao art. 53, § 2°, da Constituição.

A única situação em que se admite a prisão do parlamentar é a de flagrante de crime inafiançável. Mas, mesmo nesse caso, a manutenção da suaprisão dependerá de autorização da Casa Legislativa, e não da vontade doPoder Judiciário. Com efeito, determina a Constituição que no caso de prisãoem flagrante por crime inafiançável os autos deverão ser remetidos dentrode vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria deseus membros, resolva sobre a prisão. A manutenção da prisão dependerá,então, de formação de culpa pela Casa Legislativa, pelo voto ostensivo enominal da maioria de seus membros (maioria absoluta). Se a Casa Legislativanão autorizar a formação de culpa, o parlamentar será posto em liberdade,independentemente da gravidade de sua conduta criminosa.

Além dessas garantias em relação à prisão, a imunidade formal incide,também, sobre o processo de incriminação do congressista, com a possibilidadede que a Casa Legislativa suste o andamento da ação perante o SupremoTribunal Federal, na forma prevista no art. 53, §§ 3.° ao 5.°:

§ 3.° Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, porcrime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal

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180 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partidopolítico nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

§ 4.° O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectivano prazo improrrogável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.

§ 5.° A sustação do processo suspende a prescrição, enquantodurar o mandato.

A partir da promulgação da Emenda Constitucional 35/2001 não há maisnecessidade de prévia autorização da Casa Legislativa para que possa serinstaurado processo criminal contra congressista. Com a promulgação dessaemenda constitucional, a imunidade formal em relação ao processo passoua assegurar ao congressista, apenas, a possibilidade de que a Casa Legislativa venha, ulteriormente, em qualquer momento antes da decisão final doSupremo Tribunal Federal, sustar o andamento da ação referente aos crimespraticados após a diplomação.

Uma vez apresentado o pedido de sustação pelo partido político, a CasaLegislativa deverá apreciá-lo no prazo improrrogável de quarenta e cincodias, a contar do seu recebimento pela Mesa Diretora.

Se a Casa Legislativa decidir pela sustação do andamento da ação contra o parlamentar, ocorrerá a suspensão da prescrição, enquanto perdurar omandato.

A imunidade formal era relação ao processo só alcança crimes praticadosapós a diplomação do mandato em curso. Se o crime foi praticado antesda diplomação do mandato em curso, não há que se falar em imunidade, istoé, não há nenhuma possibilidade de a Casa Legislativa sustar o andamentoda ação.

6.2. Foro especial em razão da função

A prerrogativa de foro dos congressistas está prevista no art. 53, § 1.°,da Constituição Federal, que determina que os deputados e senadores, desdea expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o SupremoTribunal Federal.

Cabe, portanto, ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, origina-riamente, os membros do Congresso Nacional pela prática de crimes comuns,conforme estabelecido pelo art. 102, I, "b", da Constituição Federal.

Essa competência do Supremo Tribunal Federal para julgar os congressistas alcança todas as infrações penais a eles eventualmente imputadas, mesmoque se trate de simples ilícitos tipificados em lei como contravenção ou de

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 181

crimes sujeitos à competência dos ramos especializados da Justiça da União,como os crimes eleitorais, ou mesmo os crimes dolosos contra a vida, queordinariamente são julgados pelo júri popular.

A prerrogativa de foro impõe, também, que todos os inquéritos policiaiscontra congressista sejam instaurados perante o Supremo Tribunal Federal, aoqual caberá, no que se refere à apuração dos supostos crimes atribuídos a parlamentares federais, ordenar toda e qualquer providência necessária à obtençãode dados probatórios essenciais à demonstração da alegada prática delituosa,inclusive a decretação da quebra do sigilo bancário, bem como determinar aadoção de quaisquer outras medidas com vistas à apuração dos ilícitos.

Entretanto, a prerrogativa de foro não alcança as ações de natureza cívelajuizadas contra congressistas. Isso porque a competência do foro especialrestringe-se às ações de natureza penal, não abrangendo o julgamento dequaisquer ações civis.

A prerrogativa de foro tem como termo inicial a diplomação do congressista.

O termo final da prerrogativa de foro é o término do mandato, isto é, oscongressistas só dispõem de foro especial perante o Supremo Tribunal Federalna vigência do mandato (atualidade do mandato). Encerrado o mandato, cessaa prerrogativa de foro e, em conseqüência, não subsistirá a competência doSupremo Tribunal Federal para dar continuidade ao processo e julgamentodo parlamentar. Por isso, com a cessação do mandato, os processos era cursono Supremo Tribunal Federal serão remetidos à justiça comum competente,para prosseguimento, sendo válidos todos os atos praticados pela Corte Maioraté esse momento.

6.3. Afastamento do Poder Legislativo

Estabelece a Constituição que os congressistas não perderão o mandatose forem investidos no cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura deCapital ou chefe de missão diplomática temporária (art. 56, I).

O congressista afastado de suas funções parlamentares para exercer cargono Poder Executivo não dispõe de imunidades.

Situação distinta ocorre com o direito do congressista à prerrogativa deforo. O congressista que se afasta do Poder Legislativo para exercer cargo noPoder Executivo mantém o direito à prerrogativa de foro perante o SupremoTribunal Federal, em relação aos crimes comuns, haja vista que a investidurano novo cargo, por disposição expressa da Constituição (art. 56, I), não lheretira a condição de deputado ou senador.

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182 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

6.4. Desobrigação de testemunhar

Estabelece a Constituição que os deputados e senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão doexercício do mandato, nem sobre as pessoas que lhes confiaram ou delesreceberam informações (art. 53, § 6.°).

Essa prerrogativa não abrange a sua obrigação de testemunhar quandoconvocado na condição de cidadão comum, sobre fatos que nada tenham aver com o exercício da atividade congressual, no interesse de instrução penalou civil. Nessa hipótese, assim como qualquer do povo, terá o parlamentaro dever de testemunhar.

6.5. Incorporação às Forças Armadas

A incorporação às Forças Armadas de deputados e senadores, ainda quemilitares, e mesmo em tempo de guerra, dependerá de prévia licença da Casarespectiva (CF, .art. 53, § 7.°).

Trata-se de prerrogativa que afasta, em relação aos congressistas, a obrigação a todos imposta pelo art. 143 da Constituição Federal, relativamenteao serviço militar. Note-se que, mesmo na hipótese de congressista militar,ainda que em tempo de guerra, a Casa Legislativa poderá denegar a suaincorporação às Forças Armadas.

6.6. Subsistência das imunidades

As imunidades de deputados e senadores subsistirão durante o estado desítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membrosda Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida (CF,art. 53, § 8.°). Para os atos praticados no recinto do Congresso Nacional, amanutenção das imunidades parlamentares é absoluta.

6.7. Incompatibilidades

O art. 54 da Constituição estabelece algumas proibições aos parlamentares, denominadas incompatibilidades, nos termos seguintes:

Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão:

I —desde a expedição do diploma:

a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 183

ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando ocontrato obedecer a cláusulas uniformes;

b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado,inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidadesconstantes da alínea anterior;

II —desde a posse:

a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa quegoze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica dedireito público, ou nela exercer função remunerada;

b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum,nas entidades referidas no inciso I, a;

c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, a;

d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

A leitura das incompatibilidades acima permite facilmente concluir quese trata de medidas que visam a, preventivamente, resguardar a moralidadeadministrativa, afastar conflitos de interesses, garantir a independência e aimpessoalidade do parlamentar no exercício de suas funções, de tal sorte queo interesse público seja atendido da melhor maneira possível.

6.8. Perda do mandato

O art. 55 da Constituição enumera as hipóteses de perda do mandato dedeputado e senador, nos termos seguintes:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigoanterior;

II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, àterça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvolicença ou missão por esta autorizada;

IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V —quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstosnesta Constituição;

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitadaem julgado.

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184 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Os parágrafos do mesmo art. 55 da Constituição estabelecem os procedimentos para a decretação da perda do mandato do parlamentar que incorrernas diferentes situações previstas nos incisos I a VI, nos termos a seguirexaminados.

Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato não será automática, pois dependerá de um juízo político de conveniência do Plenário daCasa Legislativa. Mesmo com o trânsito em julgado de sentença criminalcondenatória, a Casa Legislativa poderá decidir, politicamente, pela manutenção do mandato parlamentar. De fato, nos casos desses incisos, a perdaserá decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por votosecreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou departido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa(art. 55, § 2.°).

Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pelaMesa da Casa respectiva, de oficio ou mediante provocação de qualquer deseus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional,assegurada ampla defesa (CF, art. 55, § 3.°). Nessas situações, não há espaçopara juízo de conveniência da Casa Legislativa. Se comprovada a ocorrênciadas situações previstas nos incisos III a V, a Mesa está obrigada a declarara perda do cargo.

6.9. Renúncia ao mandato

Consoante o § 4.° do art. 55 da Constituição, a renúncia de parlamentarsubmetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato terá seusefeitos suspensos até as deliberações finais da Casa respectiva, de que tratamos §§ 2.° e 3.° do mesmo artigo.

Por força dessa regra constitucional, temos a situação abaixo explicada.Se o parlamentar renunciar ao mandato antes do início do processo que

vise à decretação da perda do seu mandato, a renúncia será plenamenteválida,hipótese em que o referido processo sequer será iniciado.

Diferentemente, depois de iniciado o processo, a renúncia do parlamentar ficará com seus efeitos suspensos, até as deliberações finais da Casa, arespeito da perda, ou não, do mandato.

Ao final das deliberações, se a Casa Legislativa decidir pela perda domandato, a renúncia do parlamentar não produzirá nenhum efeito, hipóteseem que será simplesmente arquivada. Ao contrário, se a Casa Legislativadecidir pela manutenção do mandato, a renúncia produzirá seus efeitos, e oparlamentar perderá o mandato em virtude de sua própria manifestação devontade, isto é, pela declaração de renúncia.

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 185

É oportuno registrar que, uma vez instaurado o processo - portanto, nahipótese de o parlamentar não haver renunciado antes da sua instauração -, adecisão da Casa Legislativadesfavorável ao parlamentar, que considere haver eleinfringido o inciso I ou o inciso II do art. 55 da Constituição, implicará, além daperda do mandato, a decretação de sua inelegibilidade pelo prazo de oito anos,subsequentes ao término da legislatura em que deveria findar o seu mandato.

6.10. Manutenção do mandato

O art. 56 da Constituição enumera casos em que o congressista poderáausentar-se do Poder Legislativo para o exercício de determinadas funçõespúblicas ou solicitar certas licenças sem a perda do mandato, nos termosseguintes:

Art. 56. Não perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I - investido no cargo de Ministro de Estado, Governador deTerritório, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou chefe de missão diplomáticatemporária;

II - licenciado pela respectiva Casa por motivo de doença, oupara tratar, sem remuneração, de interesse particular, desde que,neste caso, o afastamento não ultrapasse cento e vinte dias porsessão legislativa.

Na hipótese de afastamento para o exercício de uma das funções públicas previstas no inciso I, o parlamentar poderá optar pela remuneração domandato eletivo.

No caso de ocorrência de vaga (em virtude de perda do mandato, defalecimento etc), de investidura nas funções enumeradas no inciso I do art.56 ou de licença superior a cento e vinte dias, o suplente do parlamentarserá convocado para a assunção do mandato eletivo. O suplente exerceráas atividades congressuais até que a hipótese de vacância cesse ou até otérmino do mandato. Ocorrendo vaga e não havendo suplente, far-se-á novaeleição para preenchê-la, se faltarem mais de quinze meses para o términodo mandato. Porém, se faltarem menos de quinze meses para o término domandato, não haverá nova eleição, hipótese em que a vaga não será preenchida na respectiva legislatura.

6.11. Deputados estaduais, distritais e vereadores

Os deputados estaduais e distritais dispõem das mesmas prerrogativasatribuídas constitucionalmente aos congressistas, por força do § 1.° do art.

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186 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

27 da Constituição, que determina a aplicação a eles das regras previstasna Constituição Federal sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades,remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação àsForças Armadas.

Dessa forma, as prerrogativas aqui estudadas em relação aos congressistas são extensíveis aos deputados estaduais e distritais, por determinaçãoda própria Constituição Federal.

Os vereadores não dispõem das mesmas prerrogativas e imunidades asseguradas aos congressistas. Os parlamentares da câmara municipal só possuemimunidade material, sendo invioláveis por suas palavras, opiniões e votos noexercício do mandato e na circunscrição do município (CF, art. 29, VIII).

Portanto, os vereadores não dispõem da prerrogativa concernente àimunidade formal, ou seja, em relação ao processo, razão pela qual poderãosofrer persecução penal por quaisquer delitos, sem possibilidade de sustaçãodo andamento da ação pela câmara municipal. Da mesma forma, poderãoser presos durante a vigência do mandato, pois não são a eles aplicáveis asprerrogativas da imunidade processual em relação à prisão, prevista no § 2.°do art. 53 da Constituição Federal.

Por fim, cabe destacar que a inviolabilidade material só protege as manifestações do vereador na circunscrição do município, ficando suas manifestaçõesexpendidas fora do território municipal sujeitas normalmente à Incriminação,ainda que diretamente relacionadas ao exercício da vereança.

7. TRIBUNAIS DE CONTAS

7.1. Tribunal de Contas da União

Os tribunais de contas são órgãos vinculados ao Poder Legislativo,que o auxiliam no exercício do controle externo da administração pública,sobretudo o controle financeiro.

Não existe hierarquia entre as cortes de contas e o Poder Legislativo.

Os tribunais de contas não praticam atos de natureza legislativa, mas tãosomente atos de fiscalização e controle, de natureza administrativa.

O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sedeno Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o territórionacional, podendo exercer, no que couber, as atribuições administrativas doart. 96 da Constituição, outorgadas aos tribunais do Poder Judiciário.

Os Ministros do Tribunal de Contas da União gozam das mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do

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Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 187

SuperiorTribunal de Justiça, aplicando-se-lhes, no tocante à aposentadoria epensão, as normas do art. 40 da Constituição. Os requisitos para a investidurano cargo de Ministro estão enumerados no § 1.° do art. 73 da Constituição,nos termos seguintes:

§ í.° Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeadosdentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos:

I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anosde idade;

II - idoneidade moral e reputação ilibada;

III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicose financeiros ou de administração pública;

IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetivaatividade profissional que exija os conhecimentos mencionadosno inciso anterior.

Caberá ao Presidente da República escolher um terço dos membros doTribunal de Contas da União (três), cora ulterior aprovação dos nomes peloSenado Federal, e ao Congresso Nacional caberá a escolha dos outros doisterços (seis), na forma que dispuser seu regimento interno.

O Presidente da República não é livre para escolher os três Ministros,pois, dentre esses, dois deverão ser escolhidos alternadamente entre auditorese membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal de Contas da União, segundo os critérios de antigüidadee merecimento. Logo, dentre os três Ministros escolhidos pelo Presidente daRepública, apenas um será de sua livre escolha.

Em consonância com a função típica fiscalizatória do Poder Legislativo,dispõe a Constituição que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária,operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração Diretae Indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação dassubvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional,mediante controle externo, sem prejuízo do sistema de controle interno decada Poder (art. 70).

Determina, ainda, que está obrigada a prestar contas qualquer pessoafísica ou entidade pública que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda,ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (art. 70,parágrafo único).

Assim, o controle externo das contas públicas é incumbência constitucional do Congresso Nacional, que o exercerá com o auxílio do Tribunal deContas da União (art. 71).

Page 106: Direito constitucional descomplicado

188 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Entretanto, cabe ressaltar que o Tribunal de Contas da União possuiatribuições constitucionais próprias de apreciação, fiscalização e julgamento de contas públicas, enumeradas no art. 71 da Constituição Federal, nostermos seguintes:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional,será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União,ao qual compete:

I —apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente daRepública, mediante parecer prévio que deverá ser elaboradoem sessenta dias a contar de seu recebimento;

II ~ julgar as contas dos administradores e demais responsáveispor dinheiros, bens e valores públicos da administração diretae indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas emantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles quederem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de queresulte prejuízo ao erário público;

III —apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos deadmissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta eindireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo PoderPúblico, excetuadas as nomeações para cargo de provimentoem comissão, bem como a das concessões de aposentadorias,reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores quenão alterem o fundamento legal do ato concessório;

IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados,do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária,operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dosPoderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidadesreferidas no inciso II;

V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionaisde cujo capital social a União participe, de forma direta ouindireta, nos termos do tratado constitutivo;

VI —fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelaUnião mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentoscongêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivasComissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditoriase inspeções realizadas;

VIII —aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei,

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 189

que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcionalao dano causado ao erário;

IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificadailegalidade;

X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado,comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao SenadoFederal;

XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ouabusos apurados.

Note-se que o Tribunal de Contas da União dispõe de competênciapara julgar, administrativamente, as contas dos administradores e demaisresponsáveis por recursos públicos, no âmbito dos três Poderes da União -Executivo, Legislativo e Judiciário (inciso II).

Porém, a Corte de Contas não dispõe de competência para julgar ascontas do Presidente da República, cabendo-lhe, neste caso, apenas aprecia--Ias, mediante a elaboração de parecer prévio, meramente opinativo, noprazo de sessenta dias (inciso I), porquanto é o Congresso Nacional quemdispõe de competência para julgar as contas do Presidente da República(CF, art. 49, IX).

Na realidade, a competência para o julgamento das contas do chefe doPoder Executivo, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal é sempreexclusiva do respectivo Poder Legislativo (Congresso Nacional, assembléialegislativa, Câmara Legislativa e câmara municipal, respectivamente). Nessahipótese, caberá às cortes de contas competentes, apenas, a elaboração deum parecer prévio, meramente opinativo, como forma de auxílio à tarefa dacasa legislativa.

Outro aspecto que merece exame diz respeito à competência do Tribunalde Contas da União para a sustação de atos e contratos administrativos.

Se for verificada irregularidade em ura ato administrativo, compete aoTribunal de Contas da União fixar um prazo para que o órgão ou entidadeque o praticou adote as providências necessárias ao exato cumprimento dalei. Se essa determinação do Tribunal de Contas da União não for atendida,dispõe ele de competência para sustar diretamente a execução do ato administrativo, comunicando ulteriormente a sua decisão à Câmara dos Deputadose ao Senado Federal (CF, art. 71, X).

Porém, se for verificada irregularidade em um contrato administrativo,o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, quesolicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis (CF, art.71, § 1.°).

Page 107: Direito constitucional descomplicado

190 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Entretanto, se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo denoventa dias, não efetivar as medidas cabíveis para sanar a irregularidadeverificada no contrato, o Tribunal de Contas da União adquirirá competênciapara decidir a respeito (CF, art. 71, § 2.°).

A fim de assegurar efetividade ao desempenho de suas atribuições, dispõe a Constituição que as decisões do Tribunal de Contas da União de queresulte iraputação de débito ou multa têm eficácia de título executivo, istoé, consubstanciam instrumento idôneo para instruir e subsidiar o processo deexecução do devedor perante o Poder Judiciário (art. 71, § 3.°).

Vale registrar que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os tribunais de contas, no desempenho de suas atribuições, podemrealizar o controle de constitucionalidade das leis, isto é, no exame de umprocesso submetido à sua apreciação, podem afastar a aplicação de uma leiou ato normativo do Poder Público por entendê-lo inconstitucional (controle incidental). Essa declaração de inconstitucionalidade pelos tribunaisde contas deverá ser proferida por maioria absoluta de seus membros, porforça da cláusula "reserva de plenário", estabelecida no art. 97 da Constituição Federal.

Entretanto, o Tribunal de Contas da União —e, em decorrência da simetria,as demais cortes de contas —não dispõe de competência para determinar aquebra do sigilo bancário das pessoas submetidas ao seu controle.

Ademais, em atenção ao direito de resposta, proporcional ao agravo,e à inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, cuja lesão ensejaindenização por dano moral ou material (CF, art. 5.°, V e X), o Tribunalde Contas da União não pode manter em sigilo a autoria de denúnciaa ele apresentada contra administrador público.

Por fim, é oportuno registrar que o Supremo Tribunal Federal editou aSúmula Vinculante 3, acerca da abrangência do direito ao contraditório eampla defesa nos processos que tramitam no TCU, cujo enunciado transcrevemos abaixo:

3 - Nos processos perante o Tribunal de Contas da Uniãoasseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisãopuder resultar anulação ou revogação de ato administrativo quebeneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade doato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

7.2. Tribunais de contas estaduais, distrital e municipais

O art. 31 da Constituição estabelece que o controle externo da câmaramunicipal será exercido com o auxílio dos tribunais de contas dos estados

Cap. 5 • PODER LEGISLATIVO 191

ou do município ou dos conselhos ou tribunais de contas dos municípios,onde houver.

Com isso, o texto constitucional reconheceu, sem ressalvas, a existênciados tribunais de contos dos estados e do Distrito Federal, existência essaexpressamente confirmada pelo art. 75.

No tocante aos conselhos ou tribunais de contas dos municípios, só foramreconhecidos aqueles já existentes na data da promulgação da Constituição,uma vez que a própria Constituição veda aos municípios a criação de tribunais, conselhos ou órgãos de contas municipais (art. 31, § 4.°).

Porém, a proibição à criação de tribunais, conselhos ou órgãos de contasmunicipais, prevista no § 4.° do art. 31 da Constituição Federal, dirige-seexclusivamente aos municípios, que não poderão criar esses órgãos comointegrantes da estrutura orgânica municipal.

Deteixnina a Constituição Federal. que_as normas estabelecidas no seutexto sobre a fiscalização contábil, financeira e orçamentária aplicam-se, noque couber, à organização, composição e fiscalização dos tribunais de contasdos estados e do Distrito Federal, bem como dos tribunais e conselhos decontas dos municípios (art. 75).

Por força desse dispositivo constitucional, o modelo de composição einvestidura dos Ministros do Tribunal de Contas da União deverá ser observado pelos estados-membros, na fixação do processo de escolha e investidurados conselheiros dos respectivos tribunais de contas estaduais, devendo serresguardada a proporcionalidade de escolha entre o Poder Executivo (umterço) e o Poder Legislativo (dois terços).

Em relação à fiscalização das contas municipais, dispõe a Constituiçãoque o parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que oPrefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão dedois terços dos membros da câmara municipal (art. 31, § 2.°).

Por fira, vale lembrar que junto aos tribunais de contas atuará um Ministério Público, cujos membros têm os mesmos direitos, vedações e formade investidura dos membros do Ministério Público comum (CF, art. 130).Esse Ministério Público especial Integra a própria estrutura orgânica do correspondente tribunal de contas e tem a sua organização formalizada por leiordinária, de iniciativa privativa da corte de contas respectiva.

Page 108: Direito constitucional descomplicado

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PROCESSO LEGISLATIVO

1. CONCEITO

A expressão "processo legislativo" compreende o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sançãoe veto, promulgação e publicação) realizadospelos órgãos competentes na produção das leis e outras espécies normativasindicadas diretamente pela Constituição.

As espécies normativas abrangidas pelo processo legislativo estão enumeradas no art. 59 da Carta da República de 1988: emendas à Constituição,leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias,decretos legislativos e resoluções.

2. CLASSIFICAÇÃO

A doutrina classifica os processos legislativos quanto às formas de organização política em: a) autocrático; b) direto; c) indireto ou representativo;d) semidireto.

O processo legislativo é autocrático quando as leis são elaboradas pelopróprio governante, ficando excluída a participação dos cidadãos, seja deforma direta ou por meio de seus representantes.

Processo legislativo direto é aquele em que ocorre discussão e votaçãodas leis pelo próprio povo, diretamente.

No processo legislativo indireto ou representativo, os cidadãos escolhemrepresentantes e lhes conferem poderes para a elaboração das espécies normativas que o integram, segundo o procedimento previsto na Constituição.

Page 109: Direito constitucional descomplicado

194 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Há processo legislativo semidireto quando a elaboração legislativa exigea concordância da vontade do órgão representativo e, também, da vontadedo eleitorado, esta manifestada por meio de referendum (ou referendo) popular.

Quanto ao rito e aos prazos, os processos legislativos poderão ser: (a)ordinário; (b) sumário; (c) especiais.

O processo legislativo ordinário destina-se à elaboração das leis ordinárias, caracterizando-se pela inexistência de prazos rígidos para conclusãodas diversas fases que o compõem.

O processo legislativo sumário segue as mesmas fases do processo ordinário, com a única diferença de que existem prazos para que o CongressoNacional delibere sobre o assunto.

Os processos legislativos especiais seguem rito diferente do estabelecido para a elaboração das leis ordinárias, como é o caso, na Carta de 1988,dos processos especiais de elaboração das emendas à Constituição, das leisdelegadas, das medidas provisórias etc.

3. PROCESSO LEGISLATIVO ORDINÁRIO

O processo legislativo ordinário é aquele destinado à elaboração de umalei ordinária. Desdobra-se era três fases: fase introdutória, fase constitutivae fase complementar.

A fase introdutória resume-se à iniciativa de lei, ato que desencadeia oprocesso de sua formação.

A fase constitutiva compreende a discussão e votação do projeto de leinas duas Casas do Congresso Nacional, bera como a manifestação do Chefedo Executivo (sanção ou veto) e, se for o caso, a apreciação do veto peloCongresso Nacional.

A fase complementar abrange a promulgação e a publicação da lei.

3.1. Fase introdutória

A fase introdutória dá início ao processo de formação do ato legal, pormeio da denominada iniciativa de lei.

Na atual Constituição, essa faculdade foi atribuída a qualquer membro ouComissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidenteda República, ao Supremo Tribunal Federal, aos TribunaisSuperiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos (CF, art. 61).

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Cap. 6 * PROCESSO LEGISLATIVO 195

3.1.1. Iniciativa e Casa iniciadora

A iniciativa de cada parlamentar ou de comissão é exercida perante suarespectiva Casa. Assim, a apreciação dos projetos de lei de iniciativa dosdeputados ou de comissão integrante da Câmara dos Deputados terá inícionesta Casa Legislativa, atuando o Senado Federal como Casa Revisora. Aoinvés, se o projeto de lei é de iniciativa de senador ou de comissão doSenado Federal, esta Casa iniciará a sua apreciação e a revisão caberá àCâmara dos Deputados.

A iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal,dos Tribunais Superiores, do Procurador-Geral da República e dos cidadãos(iniciativa popular) será exercida perante a Câmara dos Deputados.

Caso a iniciativa seja de Comissão Mista do Congresso Nacional (integrada por deputados e senadores), o projeto de lei deverá ser apresentadoalternadamente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, conformedispositivo do Regimento Comum do Congresso Nacional

Como se vê, ressalvada a iniciativa de senador, de comissão do Senado Federal ou de comissão mista, todas as demais iniciativas previstasno art. 61 da Constituição Federal são exercidas perante a Câmara dosDeputados.

3.1.2. Iniciativa popular

A iniciativa popular é um dos meios de participação direta do cidadãona vida do Estado, nos atos de governo (CF, art. 14).

A Constituição Federal não outorgou a iniciativa popular a qualquerdo povo, mas tão somente ao cidadão, isto é, ao detentor da denominadacapacidade eleitoral ativa (capacidade de votar), possuidor do título eleitoral,no pleno gozo dos direitos políticos.

Ademais, não é qualquer cidadão, individualmente, que poderá apresentarum projeto de leià Câmara dos Deputados. A Constituição exige a subscriçãodo projeto por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuídopelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por centodos eleitores de cada um deles (CF, art. 61, § 2.°).

No âmbito dos estados-membros e do Distrito Federal, a ConstituiçãoFederal deixou à lei a tarefa de dispor sobre a iniciativa popular no processolegislativo (CF, art. 27, § 4.°, e art. 32, § 3.°).

A respeito do processo legislativo municipal, estabeleceu a ConstituiçãoFederal a possibilidade de iniciativa popular de projetos de lei de interesse

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196 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

específico do município, da cidade ou de bairros, através de manifestaçãode, pelo menos, cinco por cento do eleitorado (CF, art. 29, XLII).

O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um sóassunto, e não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmarados Deputados, por meio de seu órgão competente, providenciar a correçãode eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação.

No mais, o projeto de lei resultante de iniciativa popular segue o processolegislativo ordinário, isto é, poderá ser objeto de emendas parlamentares ourejeitado por qualquer das Casas do Legislativo (exceto por vício de forma),estará sujeito à sanção ou ao veto do Chefe do Executivo etc.

3.1.3. Iniciativa privativa do Chefe do Executivo

O art. 61, § 1.°, da Constituição Federal enumera as matérias cuja iniciativa de lei é privativa do Presidente da República.

Esse dispositivo é de observância obrigatória para os estados, o Distrito Federal e os municípios, ou seja, as matérias cuja discussão legislativadepende de iniciativa privativa do Presidente da República (CF, art. 61, §1.°), devem sujeitar-se à análoga exigência no âmbito dos estados-membros,do Distrito Federal e dos municípios, que, ao disciplinarem o seu respectivoprocesso legislativo, somente poderão atribuir o poder de iniciativa de leisconcernentes àquelas matérias ao Chefe do Executivo.

Ademais, a iniciativa reservada estabelecida no art. 61, § 1.°, da Constituição Federal restringe, igualmente, a atuação do legislador constituinteestadual (tanto na elaboração da Constituição, quanto na promulgação deemendas a ela) e a do legislador da Lei Orgânica do município e do DistritoFederal. Significa dizer, por exemplo, que é inconstitucional a disciplina pelaConstituição estadual de matérias —a exemplo da relativa a aposentadoriae remuneração de servidores públicos — incluídas, no processo legislativoordinário, na reserva de iniciativa do Poder Executivo.

3.1.4. Iniciativa dos tribunais do Poder Judiciário

Dispõe a Constituição Federal que é da iniciativa privativa do SupremoTribunal Federal a lei complementar que disporá sobre o Estatuto da Magistratura (CF, art. 93).

Dispôs, ainda, que compete ao Supremo Tribunal Federal, aos TribunaisSuperiores e aos Tribunais de Justiça a iniciativa de lei sobre a alteraçãodo número de membros dos tribunais inferiores; a criação e a extinção de

Cap. 6 - PROCESSO LEGISLATIVO 197

cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lheforem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dosjuizes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; a criação e extinçãode tribunais inferiores; a alteração da organização e da divisão judiciárias(CF, art. 96, O).

Cabe ao Tribunal de Justiça a iniciativa da lei de organização judiciáriado respectivo estado (CF, art. 125, § 1.°).

3.1.5. Iniciativa em matéria tributária

Estabelece a Constituição Federal que são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre organização admimstrativae judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoalda administração dos Territórios (CF, art. 61, § 1.°, II, "b").

Esse dispositivo constitucional, ao se referir à iniciativa privativa doPresidente da República era matéria tributária, aplica-se exclusivamente aostributos que digam respeito aos Territórios Federais. Em qualquer outro casorelativo ao Direito Tributário não há iniciativa legislativa privativa.

Assim, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios matéria tributária não é de iniciativa privativa do Chefe do PoderExecutivo.

3.7.6. Iniciativa da lei de organização do Ministério Público

A iniciativa da lei complementar de organização do Ministério Público daUnião é concorrente entre o Presidente da República e o Procurador-Geralda República (CF, art. 61, § 1.°, II, "d", c/c art. 128, § 5.°).

Na esfera estadual, a iniciativa da lei complementar de organização doMinistério Público estadual é concorrente entre o Governador de Estado eo Procurador-Geral de Justiça.

No âmbito do Distrito Federal, considerando que compete à Uniãoorganizar e manter o Ministério Público local (CF, art. 21, XIII), e que oMinistério Público do Distrito Federal é um ramo do Ministério Público daUnião (CF, art. 128,1, "d"), a iniciativa da lei complementar de organizaçãodo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, exercida perante oCongresso Nacional, é concorrente entre o Procurador-Geral da Repúblicae o Presidente da República.

Cabe destacar, porém, que a concorrência entre o Procurador-Geral eo Chefe do Executivo não se aplica aos Ministérios Públicos que atuam

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198 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

junto aos Tribunais de Contas (CF, art. 130), uma vez que estes integrama estrutura das respectivas Cortes de Contas. A organização destes deveráser veiculada por meio de lei ordinária de iniciativa privativa do respectivoTribunal de Contas (da União, dos estados-membros, do Distrito Federal -ou dos municípios, onde houver).

Vale lembrar que a iniciativa de lei para a organização do MinistérioPúblico não pode ser confundida com a iniciativa de lei para dispor sobrea criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, a política remu-neratória e os planos de carreira respectivos (que, nos termos do § 2.° doart. 127 da Constituição, é de iniciativa privativa do respectivo MinistérioPúblico), tampouco com a iniciativa de lei para dispor sobre normas geraispara a organização do Ministério Público dos Estados, do Distrito Federal edos Territórios, que é privativa do Presidente da República, por determinação do art. 61, § 1.°, II, "d", da Constituição.

3.1.7. Iniciativa privativa e emenda parlamentar

Mesmo nas hipóteses de iniciativa reservada a outros Poderes da República, a apresentação de projeto de lei pelo seu detentor não impede que oscongressistas a ele apresentem emendas.

Esse poder de emenda parlamentar a projeto resultante de iniciativa reservada, porém, não é ilimitado, absoluto. Segundo orientação do SupremoTribunal Federal, a reserva de iniciativa a outro Poder não implica vedaçãode emenda de origem parlamentar desde que:

a) não impliquem aumento de despesa nos projetos de iniciativa exclusiva doPresidenteda República (ressalvadas as emendas aos projetos orçamentários- CF, art. 63, I; art. 166, §§ 3.° e 4.°) e nos projetos sobre organização dosserviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dostribunais federais e do Ministério Público;

b) tenham pertinência temática com a matéria tratada no projeto apresentado,isto é, tratem do mesmo assunto versado no projeto, ou de temas a elecorrelatos.

3.1.8. Vício de iniciativa e sanção

O defeito de iniciativa não é suprido pela posterior sanção do Chefedo Executivo. Significa dizer que, ainda que sancionado o projeto de leiresultante de iniciativa viciada, a respectiva lei padecerá de inconstitucionalidade formal, cujo reconhecimento poderá ser requerido, nas vias próprias,ao Poder Judiciário.

Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 199

Por exemplo, se um congressista apresentar um projeto de lei sobrematéria reservada à iniciativa do Presidente da República, que venha a seraprovado pelas Casas do Congresso Nacional e posteriormente sancionadopelo Chefe do Executivo, a sanção não tem o condão de suprir o vício deiniciativa, não convalida o defeito de iniciativa. Portanto, a lei resultanteapresenta vício de inconstitucionalidade formal.

3.2. Fase constitutiva

Afase constitutiva compreende duas atuações distintas: uma atuação legislativa, em que o projeto de lei apresentado será discutido e votado nas duasCasas do Congresso Nacional, e uma manifestação do Chefe do Executivo,por meio da sanção ou veto, caso o projeto venha a ser aprovado nas duasCasas do Congresso Nacional (tratando-se de lei federal, evidentemente).

Se o projeto for aprovado pelo Legislativo e vetado pelo Chefe do Executivo, teremos, ainda na fase constitutiva, a obrigatória apreciação do vetopelo Congresso Nacional.

3.2.1. Abolição da aprovação por decurso de prazo

A vigente Constituição aboliu do nosso ordenamento a figura do "decursode prazo", que permitia a aprovação de projetos pela simples expiração doprazo previsto para a sua análise, sem que houvesse qualquer apreciaçãopor parte do Congresso Nacional. Cora isso, não há mais a possibilidade deo Poder Legislativo aprovar tacitamente, por decurso de prazo, projetos delei no Brasil.

O único resquício de manifestação tácita que temos no processo legislativo brasileiro ocorre no âmbito do Poder Executivo, em que o silêncio doChefe do Executivo implica sanção tácita (CF, art. 66, § 3.°).

3.2.2. Atuação prévia das comissões

Apresentado o projeto de lei ao Congresso Nacional, começa a fase dediscussão desuas proposições, com vistas a delinear o conteúdo a seraprovadopelo Poder Legislativo - se o projeto vier a ser aprovado, evidentemente.

Em regra, o projeto, tanto na Casa Legislativa iniciadora quanto na Casarevisora, é submetido à apreciação de duas comissões distintas, uma delasencarregada de examinar aspectos materiais (comissão temática ou técnica),e a outra incumbida de analisar os aspectos formais, ligados à sua constitucionalidade (Comissão de Constituição e Justiça).

Page 112: Direito constitucional descomplicado

200 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

Caberá às comissões temáticas a discussão sobre o conteúdo da proposição, da qual poderá resultar a apresentação de emendas ou simplesmente aemissão de um parecer, a favor ou contra a aprovação da matéria. O parecerdas comissões temáticas é meramente opinativo, não obriga a deliberaçãoplenária.

O projeto também passará por um exame de natureza formal, de competência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em que serão verificadosos seus aspectos constitucionais, legais, jurídicos, regimentais e de técnicalegislativa.

Ao contrário dos pareceres das comissões temáticas, o parecer da Comissãode Constituição e Justiça - CCJ é terminativo, e não meramente opinativo.Significa dizer que, se o projeto receber parecer negativo da CCJ, será elerejeitado e arquivado, não havendo, daí por diante, nenhuma tramitação.

Aprovado nas comissões - quanto aos aspectos materiais e formais -, oprojeto de lei será encaminhado ao plenário da Casa respectiva, onde seráobjeto de discussão e votação.

3.2.3. Deliberação plenária

Na Casa Legislativa, o projeto em votação será aprovado por maioriasimples ou relativa (CF, art. 47), se se tratar de lei ordinária, ou por maioriaabsoluta (CF, art. 69), caso se trate de lei complementar, seguindo o trâmitea seguir examinado.

Devidamente instruído, o projeto será posto em discussão e, no passoseguinte, em votação, sempre na forma estabelecida nos regimentos dasCasas Legislativas.

Na Casa iniciadora, o projeto poderá ser aprovado ou rejeitado. Casoocorra sua aprovação, será encaminhado à outra Casa para revisão. Se rejeitado, será arquivado, aplicando-se-lhe o princípio da irrepetibilidade, istoé, a respectiva matéria somente poderá constituir objeto de novo projeto, namesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membrosde qualquer das Casas do Congresso Nacional (CF, art. 67).

Na Casa revisora, após a tramitação regimental (comissões, discussãoe votação), uma destas três hipóteses pode ocorrer: o projeto ser aprovadocomo foi recebido da Casa iniciadora, ser aprovado com emendas ou serrejeitado.

Na primeira hipótese - aprovação sem emendas -, o projeto será encaminhado ao Chefe do Executivo, para sanção ou veto.

Na terceira hipótese - rejeição —, o projeto será arquivado, aplicando-se--Ihe o acima aludido princípio da irrepetibilidade (CF, art. 67).

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Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 201

Na segunda hipótese - aprovação com emendas ~~, o projeto voltará àCasa iniciadora, para que esta aprecie exclusivamente as emendas. Se asemendas forem aceitas, o projeto com as emendas aprovadas é enviado aoChefe do Executivo, para sanção ou veto. Se rejeitadas, o projeto é enviado,sem as emendas, para o mesmo fim (isto é, o projeto seguirá para sançãoou veto com o texto originário da Casa iniciadora).

Em qualquer hipótese, recebido o projeto pelo Chefe do Executivo, elepoderá adotar uma destas três medidas: sancioná-lo expressamente, sanciona--Io tacitamente ou vetá-lo.

Ocorrerá a sanção expressa se o Presidente da República concordar como texto aprovado pelo Legislativo, formalizando, por escrito, o ato de sançãono prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento. Decidindopela sanção expressa, o Chefe do Executivo, subseqüentemente, promulgaráe determinará a publicação da lei.

Ocorrerá a sanção tácita se o Presidente da República deixar transcorrero prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento do projetode lei, sem emitir qualquer manifestação quanto a ele. Esgotado esse prazosem sua manifestação expressa, o silêncio importará sanção tácita. Nessahipótese, o Presidente da República disporá do prazo de quarenta e oitohoras para promulgar a lei resultante da sanção tácita. Se não o fizer nesseprazo, o Presidente do Senado, em igual prazo, a promulgará. Se este nãoo fizer, no prazo estabelecido, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo(CF, art. 66, § 7.°).

Caso o Presidente da República considere o projeto, no todo ou eraparte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, deverá vetá-lo, noprazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, comunicando aoPresidente do Senado Federal, no prazo de quarenta e oito horas, os motivosdo veto (CF, art. 66, § 1.°).

3.2.4. Aprovação definitiva pelas comissões

A Constituição Federal outorga competência às comissões para discutire votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competênciado Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa(CF, art. 58, § 2.°, I).

Cabe aos regimentos das Casas Legislativas especificar os projetos quepoderão ser votados em caráter definitivo nas comissões, sem necessidadede deliberação plenária. Vale dizer, é possível que um projeto de lei sejaaprovado sem jamais haver sido apreciado pelo Plenário, quer da Câmara,quer do Senado.

Page 113: Direito constitucional descomplicado

202 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Ressalte-se, contudo, que os congressistas podem inibir a deliberaçãoconclusiva ou terminativa nas comissões, obrigando a que o projeto sejalevado ao exame do Plenário, desde que apresentem, nos termos do art. 58,§ 2.°, inciso I, da Constituição Federal, recurso assinado por, pelo menos,um décimo dos membros da respectiva Casa.

3.2.5. Sanção

Sanção é a concordância do Chefe do Poder Executivo com o projetode lei aprovado pelo Legislativo.

A sanção incide sobre o projeto de lei, dando origem, com a sua incidência, ao nascimento da lei, resultado da conjugação das vontades dosPoderes Legislativo e Executivo. É ato de competência privativa do Chefe

•do-Poder Executivo, não existindo nenhuma hipótese de sanção por partedo Legislativo.

A sanção poderá ser expressa ou tácita. Será expressa quando o Chefedo Executivo der sua aquiescência formal, escrita, no prazo de quinze diasúteis contados do recebimento do projeto. Será tácita se ele permanecer emsilêncio, deixando escoar esse prazo sem manifestação de discordância.

Ademais, a sanção ao projeto de lei pelo Chefe do Executivo não impedeque, ulteriormente, a lei resultante seja por ele impugnada perante o PoderJudiciário. Com efeito, pode o Presidente da República sancionar o projetode lei e, mais tarde, questionar a validade da lei resultante mediante umaação direta de inconstitucionalidade, por exemplo.

Por fira, cabe anotar que os outros atos integrantes do nosso processolegislativo - que não sejara as leis ordinárias e corapleraentares - prescindemde sanção, a exemplo das emendas constitucionais, leis delegadas, decretoslegislativos e resoluções.

3.2.6. Veto

O veto é a manifestação de discordância do Chefe do Executivo com oprojeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo.

Dispõe a Carta da República que, se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário aointeresse público, veta-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze diasúteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarentae oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto (art.66, § 1.°).

Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 203

Vê-se, assim, que o veto poderá resultar de um juízo de reprovação concernente à compatibilidade entre a lei e a Constituição (entendimento de quehá inconstitucionalidade formal ou material da lei) ou de um juízo negativodo conteúdo da lei quanto a sua conveniência aos interesses da coletividade,ou à oportunidade de sua edição (contrariedade ao interesse público), porparte -do Presidente da República. No primeiro caso (inconstitucionalidade),estaremos diante do chamado veto jurídico; no segundo (contrariedade aointeresse público), do veto político.

O veto poderá ser total ou parcial. Será total quando incidir sobre todoo projeto de lei, e parcial quando houver recusa à sanção de apenas algunsdos dispositivos do projeto de lei.

O poder de veto parcial do Presidente da República, porém, não é absoluto, ilimitado. Sofre ele uma relevante restrição constitucional: somentepoderá abranger texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea(CF, art. 66, § 2.°).

No Brasil, o veto parcial não impede que a parte não vetada do projeto(e, portanto, sancionada) seja promulgada e publicada, de imediato, independentemente da apreciação do veto pelo Legislativo.

O Presidente da República dispõe do prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, para vetar o projeto de lei. Esse prazo para aexpressa manifestação do veto é fatal: uma vez transcorrido, o silêncio doPresidente da República importará sanção tácita (CF, art. 66, § 3.°).

O veto pode incidir sobre texto apresentado pelo próprio Chefe do Executivo. Cora efeito, o Presidente da República pode encaminhar ao PoderLegislativo projeto de lei versando sobre certa matéria e, posteriormente,depois da aprovação pelas Casas do Congresso Nacional, vetar o respectivoprojeto, ainda que o veto incida, especificamente, sobre o texto que haviasido proposto pelo próprio Presidente da República, sem ter sofrido qualquermodificação durante a tramitação do projeto no Congresso Nacional.

O veto do Chefe do Executivo será apreciado pelo Congresso Nacional,na forma e no prazo estabelecidos constitucionalmente: o veto será apreciadoera sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, sópodendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos deputados e senadores, em escrutínio secreto (CF, art. 66, § 4.°).

Esgotado o prazo constitucional para a apreciação do veto, determina aConstituição que o veto seja colocado na ordem do dia da sessão imediata, so-brestadas as demais proposições, até sua votação final (CF, art. 66, § 6.°).

Quando o veto é rejeitado pelo Congresso Nacional, segue a lei parapromulgação do Presidente da República, que terá o prazo de quarenta eoito horas para fazê-lo. Decorrido esse prazo sem sua manifestação, a com-

Page 114: Direito constitucional descomplicado

204 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

petência desloca-se para o Presidente do Senado, que deverá promulgar emigual prazo, sob pena de a competência passar ao Vice-Presidente do Senado(CF, art. 66, § 7.°).

Não há vedação constitucional à rejeição parcial do veto, podendo oCongresso Nacional rejeitar apenas parte do veto imposto pelo Presidenteda' República (superação parcial de veto).

Não se obtendo contra o veto a maioria absoluta dos votos do CongressoNacional, estará ele mantido e consequentemente será arquivado o projeto,aplicando-se-lhe o princípio da irrepetibilidade, isto é, a respectiva matériasomente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa,mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casasdo Congresso Nacional (CF, art. 67).

Cabe observar que o veto é um ato formal, sempre escrito, assim comodevem ser escritas as razões do veto. Deve, ademais, ser obrigatoriamentemotivado. Uma vez formalizado e comunicado ao Presidente do SenadoFederal, não pode o Chefe do Executivo desistir do veto, ou pretender dealguma forma alterá-lo, isto é, o veto é um ato irretratável.

Por fira, é importante consignar que o veto constitui ato político do Chefedo Executivo, insuscetível de ser enquadrado no conceito de ato do PoderPúblico, para o fim de controle judicial. Assim, não se admite o controlejudicial das razões do veto, em homenagem ao postulado da separação dePoderes (essa restrição aplica-se tanto ao denominado veto político quantoao veto jurídico).

3.3. Fase complementar

A fase complementar compreende a promulgação e a publicação da lei.Estas não integram propriamente o processo de elaboração da lei, porque incidem sobre atos que já são leis, desde a sanção ou a superação do veto.

3.3.1. Promulgação

A promulgação é o ato solene que atesta a existência da lei, inovandoa ordem jurídica. A promulgação incide sobre a lei pronto, com o objetivode atestar a sua existência, de declarar a sua potencialidade para produzirefeitos. Em suma: a lei nasce cora a sanção, mas tem a sua existência declarada pela promulgação.

A promulgação é um ato de execução, é a autenticação de que uma leifoi regularmente elaborada, de que juridicamente existe e de que, portanto,

Cap. 6 * PROCESSO LEGISLATIVO 205

está potencialmente apta a produzir efeitos. Por meio dela, o órgão competenteverifica a adoção da lei pelo Legislativo, atesta a sua existência e afirma asua força imperativa e executória.

Em regra, a competência para promulgar a lei é do Chefe do Executivo.

No caso de sanção expressa pelo Presidente da República, a sanção e apromulgação ocorrem ao mesmo tempo. Trata-se de dois atos juridicamentedistintos que se perfazem em um mesmo momento.

Há casos em que, diante da omissão do Presidente da República, apromulgação será feita pelo Poder Legislativo. Tal se dá nas hipóteses desanção tácita e de rejeição do veto, quando o Presidente da República nãoformaliza a promulgação no prazo de quarenta e oito horas. Em face dessaomissão, caberá ao Presidente do Senado Federal promulgar a lei, tambémno prazo de quarenta e oito horas, findas as quais a competência - a rigor,a obrigação impreterível de promulgar - passa ao Vice-Presidente do Senado(CF, art. 66, § 7.°).

3.3.2. Publicação

A publicação não é, propriamente, fase de formação da lei, mas simpressuposto para sua eficácia. A publicação é exigência necessária para aentrada em vigor da lei, para a produção de seus efeitos. Atualmente, realiza--se pela inserção da lei no Diário Oficial.

A publicação é uma comunicação destinada a levar o texto da lei aoconhecimento daqueles aos quais obriga. Trata-se de mera comunicaçãodirigida a todos os que devem cumprir o ato normativo, informando-os desua existência. E condição de eficácia da lei, visto que esta somente podeser exigida depois de oficialmente publicada.

Embora muito próximos, promulgação e publicação são atos juridicamentedistintos. "Aquela atesta, autentica a existência de um ato normativo válido,executável e.obrigatório. Esta comunica essa existência aos sujeitos a queesse ato normativo se dirige. Esta é notícia de um fato, que não se confundecom o fato" (Manoel Gonçalves Ferreira Filho).

Na vigente Constituição, não há prazo estabelecido para o ato de publicação da lei.

Page 115: Direito constitucional descomplicado

206 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

PROCESSO LEGISLATIVO DAS LEIS

Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 207

4. PROCEDIMENTO LEGISLATIVO SUMÁRIO

Em termos constitucionais, o processo legislativo sumário não apresentauma diferenciação de procedimentos em relação ao processo ordinário, antesanalisado. O que o diferencia do processo legislativo ordinário é, tão somente, a existência de prazos constitucionalmente fixados para que as Casas doCongresso Nacional deliberem sobre o projeto apresentado.

No Brasil, o processo legislativo sumário ou de urgência está disciplinadono art. 64, § 1.°, da Constituição Federal, que estabelece que o Presidenteda República poderá solicitar urgência para a apreciação de projetos de suainiciativa.

São dois, portanto, os pressupostos para a instalação do processo legislativo sumário:

1) projeto de lei apresentado pelo Chefe do Executivo (não é necessário quea matéria seja de sua iniciativa privativa, basta que o projeto seja por eleapresentado);

2) solicitação de urgência pelo Chefe do Executivo.

Solicitada a urgência pelo Chefe do Executivo, se a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cadaqual, sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas asdemais deliberações legislativas da respectiva Casa (trancamento de pauta),com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até quese ultime a votação.

Caso o Senado Federal emende o projeto aprovado pela Câmara dosDeputados, esto Casa deverá apreciar as emendas no prazo máximo de dezdias, sob pena de ocorrência do sobrestamento das demais deliberaçõeslegislativas, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado(art. 64, § 2.°).

Por fim, registre-se que a Constituição Federal determina que o processolegislativo sumário (ou de urgência) não pode ser aplicado aos projetos decódigos.

5. PROCESSOS LEGISLATIVOS ESPECIAIS

Os processos legislativos especiais são aqueles aplicáveis à elaboraçãodas demais espécies legislativas, que fogem às regras fixadas para o processolegislativo das leis ordinárias e complementares.

Page 116: Direito constitucional descomplicado

208 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Na vigente Carta Política, temos os processos legislativos de elaboraçãodas emendas à Constituição, das leis delegadas, das medidas provisórias, dosdecretos legislativos e das resoluções.

5.1. Emendas à Constituição

O processo legislativo de aprovação de uma emenda à Constituição estáestabelecido no art. 60 da Constituição Federal e compreende, em síntese,as seguintes fases:

a) apresentação de uma proposta de emenda, por iniciativa de um dos legitimados (art. 60, I a III);

b) discussão e votação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,considerando-se aprovada quando obtiver, em ambos, três quintos dos votosdos membros de cada uma delas (art. 60, § 2.°);

c) sendo aprovada, será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputadose do Senado Federal, com o respectivo número de ordem (art. 60, § 3.°);

d) caso a propostaseja rejeitadaou havida por prejudicada, será arquivada, nãopodendo a matéria dela constante ser objeto de nova proposta na mesmasessão legislativa (art. 60, § 5.°).

PROCESSO LEGISLATIVO DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS

Primeira.ÜásáXég%latÍya

1.° Turno de Votação •*

Se Aprovada por3/5 dos Membros

2.° Turno de Votação

Se Aprovada por3/5 dos Membros

Para Reapreciaçãoem Dois Turnos

A EC só será promulgada se for aprovada, por 3/5 dosmembros, nas duas Casas, em ambos os turnos.

*A qualquer tempo, se houver rejeição, a matéria não poderáconstituir nova proposta na mesma sessão legislativa.

Segunda" Casa Legislativa

1.° Turno de Votação

TSe Aprovada por3/5 dos' Membros

T2° Turno de Votação

Se Houver

ModificaçãoSubstancial

Se Aprovadapor 3/5 dos

Membros

Promulgação peiasMesas da Câmara

dos Deputados edo Senado Federai

Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 209

Para o estudo completo do procedimento estabelecido pelo legisladorconstituinte originário para a modificação da Carta da República de 1988,bera como das orientações doutrinárias e jurisprudenciais que têm demarcadoa atuação do poder constituinte derivado desde a promulgação do vigentetexto constitucional, consultar o capítulo específico desta obra "Modificaçãoda Constituição de 1988".

5.2. Medidas provisórias

A vigente Constituição aboliu a espécie normativa decreto-lei do nossoprocesso legislativo, substituindo-a, de certo modo, pela medida provisória,instituída no art. 59 da Carta Política e disciplinada no seu art. 62.

As medidas provisórias tiveram dois regimes jurídicos distintos, desdea promulgação da Constituição Federal até hoje: o primeiro vigorou dapromulgação da Constituição Federal até a promulgação da EC 32/2001; ooutro regime, hoje vigente, foi introduzido pela EC 32/2001, e é aplicável àsmedidas provisórias editadas em data posterior à promulgação dessa emendaconstitucional.

Comentaremos, a seguir, o regime jurídico introduzido pela EC 32/2001,atualmente em vigor, aplicável às medidas provisórias editadas a partir dasua promulgação.

5.2.7. Desnecessidade de convocação extraordinária

Estabelece o art. 62 da Constituição Federal:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente daRepública poderá adotar medidas provisórias, com força de lei,devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

Nesse dispositivo, foi suprimida a parte final do texto originário, queestabelecia que, estando o Congresso Nacional em recesso, seria convocadoextraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

Entretanto, havendo medidas provisórias em vigor na data de convocaçãoextraordinária do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídasna pauta de convocação (CF, art. 58, § 8.°).

Portanto, temos o seguinte: a edição de medida provisória nos períodos derecesso legislativo não obriga, necessariamente, a convocação extraordináriado Congresso Nacional; porém, caso o Congresso Nacional seja convocadoextraordinariamente, nas hipóteses constitucionalraente previstas (art. 57, §

Page 117: Direito constitucional descomplicado

210 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

6.°), as medidas provisórias em vigor na respectiva dato serão automaticamente incluídas na pauta da convocação.

5.2.2. Limitações materiais

Embora consubstancie espécie normativa primária, é certo que a medidaprovisória não pode disciplinar qualquer matéria, em virtude da existênciade limitações constitucionais à sua edição (CF, art. 25, § 2.°; art. 62, § 1.°;art. 246).

E vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria (CF, art. 62,§ 1.°):

I - relativa a:

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticose direito eleitoral;

b) direito penal, processual penal e processual civil;

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, acarreira e a garantia de seus membros;

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento ecréditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto noart. 167, § 3.°;

II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupançapopular ou qualquer outro ativo financeiro;

III —reservada a lei complementar;

IV - já disciplinada em projeto de leí aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente daRepública.

Além dessas vedações, outros três dispositivos constitucionais estabelecemrestrições à adoção de medida provisória:

i) o art. 25, § 2.° (que veda a edição de medida provisória estadual para aregulamentação da exploração do gás canalizado);

ii) o art. 246 (que veda a adoção de medida provisória na regulamentação deartigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emendapromulgada entre 1.° de janeiro de 1995 e a promulgação da EC 32/2001,inclusive); e

üi) o art. 73 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT (quevedou a adoção de medida provisória na regulamentação do Fundo Socialde Emergência).

3í -

Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 211

Embora não haja disposição constitucional expressa nesse sentido, é certoque as matérias de competência privativa do Congresso Nacional (art. 49),da Câmara dos Deputados (art. 51) e do Senado Federal (art. 52) tarabéranão podem ser disciplinadas por medidas provisórias, pois todas elas sãodisciplinadas por atos próprios das respectivas Casas Legislativas (decretolegislativo, no caso do art. 49; resolução, nos casos dos arts. 51 e 52).

5.2.3. Procedimento legislativo

Em caso de urgência e relevância, adotada a medida provisória peloPresidente da República, esta deve ser submetida, de imediato, ao CongressoNacional, que terá o prazo de sessenta dias (prorrogável por mais sessentadias) para apreciá-la, não correndo esses prazos durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.

No Congresso Nacional, as medidas provisórias serão apreciadas poruma comissão misto (composta de senadores e deputados), que apresentaráum parecer favorável ou desfavorável à sua conversão em lei.

Emitido o parecer, o plenário das Casas Legislativas, iniciando-se pelaCâmara dos Deputodos, examinará a medida provisória e:

a) na hipótese de ela ser integralmente convertida em lei, o Presidente daMesa do Congresso Nacional a promulgará, remetendo-a para publicação(observa-se que, nesse caso, não haverá possibilidade de sanção ou vetopor parte do Presidente da República, uma vez que a medida provisória foiaprovada exatamente nos termos por ele propostos);

b) se for integralmente rejeitada (ou perder sua eficácia por decurso de prazo,em decorrência da não apreciação pelo Congresso Nacional no prazo consti-tucionalmente estabelecido), a medida provisória será arquivada; o CongressoNacional baixará ato declarando-a ínsubsistente e deverá disciplinar, pormeio de decreto legislativo, no prazo de sessenta dias contados da rejeiçãoou da perda de eficácia por decurso de prazo, as relações jurídicas deladecorrentes; caso o Congresso Nacional não edite o decreto legislativo noprazo de sessenta dias, as relações jurídicas surgidas no período permanecerão regidas pela medida provisória;

c) caso sejam introduzidas modificações no texto adotado pelo Presidenteda República (conversão parcial), a medida provisória será transformadaem "projeto de lei de conversão", e o texto aprovado no Legislativo seráencaminhado ao Presidente da República, para que o sancione ou vete(a partir da transformação da medida provisória em "projeto de lei deconversão", este segue idêntico trâmite ao dos projetos de lei em geral);aos dispositivos eventualmente rejeitados aplica-se o descrito na letra"b", acima.

Page 118: Direito constitucional descomplicado

212 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

PROCESSO LEGISLATIVO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS

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Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 213

5.2.4. Prazo de eficácia

As medidas provisórias têm eficácia pelo prazo de sessenta dias a partirde sua publicação, prorrogável uma única vez por igual período, se o prazoinicial não for suficiente para a conclusão do processo legislativo nas duasCasas do Congresso Nacional.

Esses prazos não correm durante os períodos de recesso do CongressoNacional (18 de julho a 31 de julho e 23 de dezembro a 1.° de fevereiro).Assim, se uma medida provisória for editada pelo Presidente da República em20 de junho, conta-se o prazo até 17 de julho, suspende-se á contagem duranteo recesso, recomeça-se a contagem a partir de 1.° de agosto; se for adotada em23 de dezembro, a contagem dos prazos acima somente terá início em 2 defevereiro, data de retorno dos trabalhos legislativos do Congresso Nacional.

5.2.5. Trancamento de pauta

Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco diascontados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente,em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestodas, até quese ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa emque estiver tramitando (CF, art. 62, § 6.°).

Constata-se que a Constituição Federal estabelece dois prazos em relaçãoao processo legislativo de medida provisória, que não podem ser confundidos: (a) prazo para apreciação da medida provisória (conversão em lei ourejeição); (b) prazo para trancamento da pauta da Casa Legislativa era queestiver tramitando.

O prazo para apreciação da MP é de sessenta dias, prorrogáveis por maissessenta, não computados os períodos de recesso do Congresso Nacional.

O prazo para o trancamento de pauto é de quarenta e cinco dias corridos,improrrogáveis, contados da edição da MP, não computados os períodos derecesso do Congresso Nacional.

Assim, se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cincodias contados de sua publicação (não computados os períodos de recessodo Congresso Nacional), ocorrerá o trancamento de paute da Casa era queestiver tramitando.

5.2.6. Trancamento subsequente de pauta

A partir da edição da MP, começa a contagem do prazo de quarenta ecinco dias para sua apreciação, sob pena de trancamento de pauta.

Page 119: Direito constitucional descomplicado

214 RESUMO OE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Se a Câmara dos Deputodos votar a MP dentro de quarenta e cinco dias(contados da sua edição), a matéria será encaminhada ao Senado Federal. Seo Senado Federal também conseguir apreciar a matéria antes de esgotado oprazo, concluindo todo o processo legislativo dentro dos quarenta e cincodias (contados da edição da MP), não haverá nenhum trancamento de pauto,em nenhuma das Casas Legislativas.

Entretanto, se ocorrer o esgotamento do prazo de quarenta e cinco dias(contados da edição da MP) sem a conclusão da votação, ocorrerá o automático trancamento da pauta da Casa Legislativa em que estiver tramitando(Câmara ou Senado, onde vencerem os quarenta e cinco dias).

Se, esgotado o prazo de quarenta e cinco dias, a MP estiver em trâmitena Câmara dos Deputados, sua pauta restará trancada. Se, expirados os 45dias, a MP estiver em trâmite no Senado Federal, a pauta desta Casa é queserá trancada.

Ademais, se o trancamento ocorrer na Câmara dos Deputodos, depois deela votar a MP (destrancando a sua pauta), a matéria seguirá para o SenadoFederal, para que esto Casa a aprecie, hipótese em que a MP já chegará aoSenado Federai trancando a sua pauta de votação, vale dizer, não haverácontagem de um novo prazo de quarenta e cinco dias no Senado Federal.

5.2.7. Perda de eficácia

Caso não sejam convertidas era lei no prazo constitucionalmente estabelecido, as medidas provisórias perderão sua eficácia desde a edição (ex tunc),devendo o Congresso Nacional disciplinar, por meio de decreto legislativo,no prazo de sessenta dias contados da rejeição ou da perda de eficácia pordecurso de prazo, as relações jurídicas delas decorrentes.

Se o Congresso Nacional não editar o decreto legislativo no prazo desessenta dias, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da medida provisória permanecerão por ela regidas(CF, art. 62, § 11).

5.2.8. Apreciação plenária

As medidas provisórias serão apreciadas pelo plenário das duas Casasdo Congresso Nacional, separadamente, iniciando-se a votação na Câmarados Deputados.

Porém, antes da apreciação em separado pelas Casas Legislativas, caberáà comissão mista de deputados e senadores examinar as medidas provisóriase sobre elas emitir parecer.

Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 215

É o que dispõe o § 5.° do art. 62 da CF: "A deliberação de cada umadas Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisóriasdependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais."

5.2.9. Conversão parcial

Estabelece a Constituição Federal (art. 62, § 12):

§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o textooriginal da medida provisória, esta manter-se-á integralmenteem vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.

Esse dispositivo cuida da hipótese de conversão parcial de medidaprovisória pelo Congresso Nacional, quando a medida provisória adotadapelo Presidente da República é convertida em "projeto de lei de conversão",em razão de alterações no seu texto original no momento da apreciaçãopelo Congresso Nacional. Nessa hipótese, assegura o texto constitucionalque, uma vez aprovado (pelo Poder Legislativo) o projeto de lei de conversão, a medida provisória manter-se-á integralmente em vigor até queseja sancionado ou vetado (pelo Chefe do Poder Executivo) o projeto deleí de conversão.

Anote-se que, nessa hipótese, como haverá necessidade de sanção ouveto do Presidente da República, poderá ser ultrapassado o prazo limite devalidade da medida provisória sem que sua eficácia seja prejudicada. Se oprojeto de lei de conversão for apreciado e aprovado pelo Congresso Nacionaldentro do prazo limite, a sanção ou o veto poderá ocorrer mesmo depoisdo referido prazo. Enquanto o projeto de lei de conversão estiver pendenteda -sanção ou do veto, o texto original da medida provisória manter-se-áintegralmente era vigor, ainda que expirado o prazo constitucionalmentefixado para a apreciação dessa espécie normativa (sessenta + sessenta dias,desconsiderados os períodos de recesso parlamentar).

5.2.10. Reedição

É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisóriaque tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso deprazo (CF, art. 62, § 10).

O texto constitucional vigente permite a reedição de medida provisóriaque tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de

Page 120: Direito constitucional descomplicado

216 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

prazo, mas somente em sessão legislativa distinta. Na mesma sessão legislativa, não se admite a reedição.

5.2.11. Medida provisória e impostos

A Constituição Federal possui regra específica sobre a produção deefeitos de medida provisória que institua ou majore impostos: ela só poderá produzir efeitos no exercício financeiro seguinte se for convertida emlei até o último dia do ano em que foi editada (CF, art. 62, § 2.°). A regraaplica-se aos impostos em geral, excetuados, unicamente, o de importação(II) , o de exportação (IE), o imposto sobre produtos industrializados (IPI), oimposto sobre operações financeiras (IOF) e eventual imposto extraordináriode guerra (IEG).

Essa norma amplia a garantia de não surpresa dos contribuintes, reforçando o princípio da anterioridade tributária (CF, art. 150, III, "b"), oqual proíbe, como regra, que uma lei que institua ou aumente tributos emgeral produza efeitos no mesmo ano de sua publicação.

5.2.72. Art. 246 da Constituição Federal

O art. 246 da Constituição Federal veda a adoção de medida provisóriapara a regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sidoalterada por emenda promulgada entre 1.° de janeiro de 1995 e a dato depromulgação da EC 32/2001, inclusive.

A Emenda Constitucional 32/2001, ao dar nova redação a esse dispositivo constitucional, afastou a incidência da vedação nele previsto para operíodo posterior à sua promulgação, mas a manteve em relação ao períodocompreendido entre 1.° de janeiro de 1995 e a promulgação das própriasmodificações trazidas pela EC 32/2001.

Com isso, os artigos da Constituição cuja redação tenha sido alterada apartir de 1.° de janeiro de 1995 até a EC 32/2001 (inclusive os artigos alteradospela EC 32/2001) não podem ser regulamentados por medida provisória.

Cap. 6 * PROCESSO LEGISLATIVO

VEDAÇÃO À ADOÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA (CF, ART. 246)

01.01.1995 EC 32/2001

Artigos da CF cujaredação tenha sido

alterada por emendano período

Não podem serregulamentados pormedida provisória*

Essa vedação não alcança os artigos da CF cuja redação tenha sido alterada por emendasem data anterior a 01.01.1995 ou posterior à EC n.° 32, de 11.09.2001.

217

5.2.13. Medidas provisórias anteriores à EC 32/2001

Estabelece o art. 2.° da EC 32/2001:

Art. 2.° As medidas provisórias editadas em data anterior à dapublicação desta emenda continuam em vigor até que medidaprovisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberaçãodefinitiva do Congresso Nacional.

Constata-se que essas medidas provisórias editadas em data anteriorà publicação da EC 32/2001, tornaram-se, independentemente de qualqueroutro ato, espécies normativas com vigência indeterminada, com força delei, até que medida provisória ulterior as revogue expressamente ou até queo Congresso Nacional as aprecie (ou, ainda, até que sejam revogadas poralguma lei ou emenda constitucional a elas superveniente).

5.2.74. Retirada

As medidas provisórias, com a sua publicação no Diário Oficial, subtraem-se ao poder de disposição do Presidente da República e ganham, emconseqüência, autonomia jurídica absoluta, desvínculando-se da autoridadeque as instituiu.

Assim, não se admite que seja retirada do Congresso Nacional medidaprovisória ao qual foi remetida para o efeito de ser, ou não, convertidaem lei.

Page 121: Direito constitucional descomplicado

218 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

5.2.15. Revogação

Embora a medida provisória submetida ao Congresso Nacional nãopossa ser retirada pelo Chefe do Executivo, pode ela ser revogada por outramedida provisória.

Ern tal hipótese - quando medida provisória ainda pendente de apreciaçãopelo Congresso Nacional é revogada por outra - ficará suspensa a eficácia daquelaque foi objeto de revogação, até que haja pronunciamento do Poder Legislativosobre a medida provisória revogadora. Posteriormente, na apreciação da medidaprovisória revogadora, se esto for convertida em lei, tornará definitiva a revogação; se não o for, retomará os seus efeitos a medida provisória que houverasido objeto de revogação pelo período que ainda lhe restava para vigorar.

Era decorrência desse entendimento - de que é possível a revogação demedida provisória em tramitação por outra —, ternos que é juridicamente viávela revogação de medida provisória de uma das Casas Legislativas mediantea adoção de nova medida provisória pelo Presidente da República, hipóteseem que teremos o afastamento do sobrestamento de pauta previsto no art.62, § 6.°, da Constituição Federal.

Entretanto, é importante destacar que a matéria constante de medidaprovisória revogada não pode ser reeditada, em nova medida provisória,na mesma sessão legislativa. Assim, se o Presidente da República editoa medida provisória "y" para revogar a medida provisória "x", a matériaconstante desta última não poderá ser objeto de nova medida provisória namesma sessão legislativa.

REVOGAÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA POR OUTRA MEDIDA PROVISÓRIA

MP1

90 dias

após oenvio ao

CongressoNacional

MP2

(revogadora)

Na

publicaçãoda MP2

Na

apreciaçãoda MP2

Fica suspensa aeficácia da MP1

até a apreciaçãoda MP2

Se

convertida

em lei

Opera-se arevogaçãodefinitiva

da MP1

Se—>•

Restaura-se

rejeitada a eficácia da

MP1, peloprazo que lherestava para

vigorar (nesteexemplo, pormais 30 dias)

Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 219

5.2.16. Apreciaçãojudicial dos pressupostos constitucionais

Os conceitos de relevância e de urgência a que se refere o art. 62 daConstituição, como pressupostos para a edição de medidas provisórias,decorrem, em princípio, de juízo político, discricionário, do Presidente daRepública e do Poder Legislativo, mas admitem o excepcional controlejudiciário quando há excesso do poder de legislar.

Ademais, a lei de conversão não convalida os vícios existentes namedida provisória, concernentes à eventual inobservância dos requisitosde urgência e relevância, isto é, tais vícios poderão ser objeto de exame pelo Poder Judiciário mesmo depois da conversão era lei da medidaprovisória.

Significa dizer que a ausência dos pressupostos de urgência e relevânciana edição da medida provisória configura vício capaz de contaminar a leide conversão, podendo acarretar o reconhecimento da invalidade desta peloPoder Judiciário. Caso não estivessem presentes os referidos pressupostosna edição da medida provisória, a sua conversão em lei pelo CongressoNacional não tem o condão de sanar essa irregularidade, que torna viciada,inclusive, a própria lei.

5.2.17. Medida provisória nos estados-membros

Os estados-membros podem adotar medidas provisórias, desde que essaespécie normativa esteja expressamente prevista na Constituição estadual enos mesmos moldes impostos pela Constituição Federal, tendo era vista anecessidade da observância simétrica do processo legislativo federal.

Portanto, é legítimo ao Governador do estodo-raembro expedir medidasprovisórias em caso de relevância e urgência, desde que, primeiro, esse instrumento esteja expressamente previsto na Constituição do estado e, segundo, sejam observados os princípios e limitações impostas pela ConstituiçãoFederal.

Entendemos que seria também legítimo aos municípios instituírem a espécie legislativa medida provisória, desde que prevista na sua Lei Orgânicae, na sua adoção, fossem fielmente observados os limites estabelecidos pelaConstituição Federal.

5.3. Leis delegadas

As leis delegadas são elaboradas pelo Presidente da República, que solicitará a competente delegação ao Congresso Nacional (CF, art. 68).

Page 122: Direito constitucional descomplicado

220 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • VicentePaulo &MarceloAlexandrino

O campo de atuação da lei delegada sofre algumas restrições, não podendo cuidar de qualquer matéria, tendo em vista o disposto no art. 68, §1.°, da Constituição Federal.

O processo de elaboração de lei delegada é desencadeado por meio dasolicitação de autorização pelo Presidente da Repúblicaao Congresso Nacionalpara a edição de lei sobre determinada matéria.

Efetivada a solicitação pelo Chefe do Executivo, o Congresso Nacionala examinará e, sendo aprovada, terá a forma de resolução, que especificaráo conteúdo e os termos para o exercício da delegação concedida.

A delegação poderá ser típica ou atípica.Na delegação típica (que é a regra, presumível nesse tipo de ato), o

Congresso Nacional concede os plenos poderes para que o Presidente daRepública elabore, promulgue e publique a lei delegada, sem participaçãoulterior do Poder Legislativo.

Entretanto, a resolução poderá determinar a apreciação do projetopelo Congresso Nacional, caso em que teremos a denominada delegaçãoatípica. Nesse caso, o Presidente da República elaborará o projeto de leidelegada e o submeterá à apreciação do Congresso Nacional, que sobreele deliberará, em votação única, vedada qualquer emenda (somente poderáaprovar ou rejeitar, integralmente, o projeto elaborado pelo Presidente daRepública).

Caso o projeto seja aprovado, a lei delegada será encaminhada ao Presidente da República, para que a promulgue e publique. Se ocorrer rejeiçãointegral do projeto de lei delegada, este será arquivado, somente podendo serreapresentado, na mesmasessãolegislativa, por solicitação da maioriaabsolutados membros de uma das Casas do Congresso Nacional (CF, art. 67).

A delegação não vincula o Presidente da República, que, mesmo diantedela, poderá não editor lei delegada alguma, vale dizer, mesmo havendo solicitado a delegação e obtido a resolução do Congresso Nacional o Presidenteda República pode abster-se de elaborar a lei delegada.

Por outro lado, o ato de delegação do Congresso Nacional não impedeque o Legislativo venha a cuidar da matéria, mediante lei, diante da omissão do Presidente da República em editor a lei delegada. Mesmo durante oprazo concedido ao Presidente da República para a edição da lei delegada,o Congresso Nacional pode disciplinar a matéria objeto da delegação, mediante lei ordinária.

Da mesma forma, não há impedimento para que o Congresso Nacional,antes de encerrado o prazo fixado na resolução, revogue a delegação.

O Congresso Nacional pode, ainda, sustar os atos do Poder Executivoque exorbitem os limites da delegação legislativa (CF, art. 49, V).

m

Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO

PROCESSO LEGISLATIVO DE LEI DELEGADA

Resolução doCongressoNacional

(delegação)

So|icitaçãq .doPresidente da"República

-*-

Delegaçãotípica

Delegaçãoatípica

Presidente

da República j . |elabora a lei j-^jPromulgação [-^j Publicação

delegada

Congresso Nacionalaprecia o projeto em

votação única, vedadaqualquer emenda

Se rejeitarintegralmente

Arquiva-se o projeto ese aplica o disposto

no art. 67 da CF

Se aprovarintegralmente

Presidente da Repúblicaelabora o projetode lei delegada

Presidente da

República

Promulgação

Publicação

221

5.4. Decretos legislativos

Os decretos legislativos são atos do Congresso Nacional destinados aotratamento de matérias da sua competência exclusiva, para as quais a Constituição dispensa a sanção presidencial.

Na Constituição de 1988, o campo do decreto legislativo é o das matériasmencionadas no art. 49. Fora esse artigo, e ressalvado o campo específico dalei, a espécie cabível é a resolução, especialmente nos casos especificadosnos arts. 51 e 52 da Constituição Federal.

Entre as funções do decreto legislativo,destacam-sea aprovaçãodefinitivados tratados, acordos e atos internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil (CF, art. 49, I) e a regulação dos efeitos de medida provisórianão convertida era lei pelo Congresso Nacional (CF, art. 62, § 3.°).

Cabe destacar, ainda, que o processo legislativo do decreto legislativo,como ato privativo do Congresso Nacional, envolve obrigatoriamente aatuação das duas Casas do Congresso Nacional e que, ademais, não haveráparticipação do Chefe do Executivo no procedimento, para o fim de sanção,veto ou promulgação.

5.5. Resoluções

As resoluções são deliberações que uma das Casas do Congresso Nacional, ou o próprio Congresso Nacional toma, fora do processo de elaboraçãodas leis e sem ser lei (Pontes de Miranda).

Page 123: Direito constitucional descomplicado

222 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

São atos utilizados pelas Casas Legislativas, separadamente, ou peloCongresso Nacional, para dispor sobre assuntos políticos e administrativosde sua competência, que não estejam sujeitos à reserva de lei.

Cabe destacar que, no processo legislativo de aprovação das resoluções,como ato privativo do Poder Legislativo, não haverá participação do Chefedo Executivo para o fim de sanção, veto ou promulgação.

As matérias constitucionais que recebem tratamento por meio de resolução são, basicamente, aquelas constantes dos arts. 51 e 52 da ConstituiçãoFederal, que apontam as competências da Câmara dos Deputados e do SenadoFederal, respectivamente.

Entretanto, a Constituição Federal requer a edição de resolução, também,em outros dispositivos, a exemplo de regras, constantes do seu art. 155, acercada fixação de alíquotas máximas e/ou mínimas para os impostos estaduais,e de-seu-art. 52, X, que confere competência para suspensão da execuçãode lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, atribuiçãoesta exercida por meio de resolução do Senado Federal.

6. PROCESSO LEGISLATIVO NOS ESTADOS-MEMBROS EMUNICÍPIOS

As regras básicas do processo legislativo previstas na Constituição Federal são de observância obrigatória no âmbito dos estados-membros, DistritoFederal e municípios, dada a sua implicação com o princípio fundamentalda separação e independência dos Poderes.

Com isso, temos que os estados-membros, o Distrito Federal e os municípios poderão adotar as mesmas espécies legislativas previstas na Constituição Federal (CF, art. 59), mas, ao fazê-lo, deverão obedecer ao modelode processo legislativo estabelecido pelo legislador constituinte federal, notocante à iniciativa, aos procedimentos legislativos para sua elaboração, àsdeliberações, às vedações etc.

7. CONTROLE JUDICIAL DO PROCESSO LEGISLATIVO

O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de controle íncidental pelo Poder Judiciário, sempreque houver possibilidade de lesão à ordem jurídico-constitucional.

O controle judicial do processo legislativo somente é possível na viaíncidental, exercido por meio da impetração de mandado de segurança. Não

Cap. 6 • PROCESSO LEGISLATIVO 223

se admite esse controle mediante ação direta de inconstitucionalidade, vistoque o ajuizamento desta ação pressupõe uma norma pronta e acabada, jápublicada, inserida no ordenamento jurídico.

Não é qualquer pessoa que poderá dar início ao controle judicial doprocesso legislativo. A legitimação é restrito: somente os congressistas daCasa Legislativa em que estiver tramitando a proposto poderão impetrar oraandado de segurança, porquanto o direito líquido e certo a ser defendidono mandado de segurança será o direito dele, congressista, de não participarde uma deliberação que afronte flagrantemente a Constituição.

Era se tratando de processo legislativo federal, o controle será exercidooriginariamente perante o Supremo Tribunal Federal, pois cabe a esta Corteapreciar, originariamente, os atos emanados dos órgãos das Casas do Congresso Nacional.

Page 124: Direito constitucional descomplicado

MODIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃOFEDERAL DE 1988

1. MUTAÇÃO, REVISÃO E REFORMA

A doutrina distingue os conceitos de mutação constitucional, revisãoconstitucional e reforma constitucional.

As mutações (ou transições) constitucionais descrevem o fenômenoque se verifica em todas as Constituições escritas, mormente nas rígidas, emdecorrência do qual ocorrem contínuas, silenciosas e difusas modificaçõesno sentido e no alcance conferidos às normas constitucionais, sem que hajamodificação na letra de seu texto. Consubstanciam a chamada revisão nãoformal da Constituição. Em uma frase: ocorre uma mutação constitucionalquando "muda o sentido da norma sem mudar o seu texto".

As mutações constitucionais resultam do evoluir dos costumes, dosvalores da sociedade, das pressões exercidas pelas novas exigências eco-nômico-sociais, que terminam por ensejar a atualização do modo de seenxergar e interpretar uma norma constitucional, sob pena de a Constituiçãopermanecer em pleno descompasso com os valores sociais prevalentes noseio da nação.

Em síntese, podemos afirmar que as mutações constitucionais consubstanciam o caráter dinâmico, mutável da Constituição. Resultam da interpretaçãoconstitucional, sobretudo daquela efetivada pelas cortes do Poder Judiciário,bem como da evolução dos usos e costumes.

A reforma constitucional é processo formal de mudança das Constituições rígidas, por meio da atuação do poder constituinte derivado, com a

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226 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

aprovação de emendas constitucionais, segundo os procedimentos estabelecidos na própria Constituição pelo legislador constituinte originário.

Na vigente Carta Política, a expressão "reforma constitucional" albergadois diferentes meios de modificação formal da Constituição, por obra dopoder constituinte derivado reformador: o de revisão (ADCT, art. 3.°) e ode emenda (CF, art. 60).

1.1, Revisão constitucional

O procedimento de revisão constitucional foi previsto no art. 3.° do Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias (ADCT), nos termos seguintes:

Art. 3." A revisão constitucional será realizada após cinco anos,contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessãounicameral.

Esse procedimento encerrou-se em junho de 1994, após a realizaçãode uma tímida e discreta revisão do texto constitucional, que teve comoresultado a aprovação de apenas seis emendas de revisão ao texto originalda Carta de 1988, a maioria sobre temas de menor relevância ou poucopolêmicos.

As emendas empreendidas segundo esse procedimento são denominadasemendas constitucionais de revisão - ECR e receberam numeração distintadas outras emendas, aprovadas com fulcro no procedimento rígido de reforma,estabelecido no art. 60 da Carta Política.

São características do procedimento de revisão constitucional:

a) procedimento simplificado;

O procedimento de revisão era mais simples do que aquele exigido paraa aprovação de emenda à Constituição, estabelecido no art. 60 da Constituição Federal. No procedimento de revisão exigia-se, apenas, aprovaçãopor maioria absoluta, em sessão unicameral (discussão e deliberação emconjunto, envolvendo os congressistas das duas Casas Legislativas). Cabiaà Mesa do Congresso Nacional a promulgação das emendas constitucionaisde revisão.

b) tempo certo para sua realização;

O legislador constituinte originário pré-fixou a data para a realização darevisão constitucional, estabelecendo que esta deveria ocorrer após cinco anos,

Cap. 7 • MODIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE1988 227

contados da promulgação da Constituição (ADCT, art. 3.°). Era consonânciacom esse comando, o processo desencadeou-se após outubro de 1993, tendoa primeira emenda de revisão sido promulgada em março de 1994 (ECR 1)e a última em junho de 1994 (ECR 6).

c) processo único;

O legislador constituinte originário autorizou a realização de apenas umprocedimento simplificado de revisão. Não há mais, com base no art. 3.° doADCT, a possibilidade de modificação do texto constitucional mediante oprocesso simplificado ali estabelecido.

Ademais, uma vez concretizada a revisão constitucional nos termos doart. 3.° do ADCT, não é legítimo ao poder constituinte derivado criar, pormeio de emenda, nova hipótese de procedimento simplificado de revisão,distinto daquele estabelecido no art. 60, para a modificação da nossa CartaPolítica.

d) processo sujeito a limites;

Oprocesso derevisão constitucional, do mesmo modo que o procedimentode reforma à Constituição (CF, art. 60), deve obediência às limitações impostaspelo constituinte originário ao poder de reforma, especialmente às chamadaslimitações circunstanciais (art. 60, § 1.°) e materiais (art. 60, § 4.°).

e) inapücabilidade aos estados-membros.

O procedimento simplificado de revisão constitucional, previsto no art.3.° do ADCT, não pode ser adotado pelos estados-membros como mecanismode modificação da Constituição estadual.

1.2. Emenda constitucional

A emenda constitucional (procedimento também denominado, simplesmente, "reforma constitucional", por alguns autores) é resultado de um processo legislativo especial e mais laborioso do que o ordinário, previsto paraa produção das demais leis. Tal procedimento especial encontra-se reguladono art. 60 da Constituição Federal.

O procedimento de emendaconstitucional é permanente, isto é, enquantoestiver em vigor a Constituição Federal de 1988 poderá ela ser modificadamediante a aprovação de emenda constitucional segundo o procedimentorígido do art. 60. Trata-se do único meio legítimo de modificação formaldo vigente texto constitucional.

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228 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

O processo legislativo de aprovação de uma reforma à Constituição estáestabelecido no art. 60 da Constituição Federal e compreende, em síntese,as seguintes fases:

a) apresentação de uma proposta de emenda, por iniciativa de um dos legitimados (art. 60, I a III);

b) discussão e votação em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,considerando-se aprovada quando obtiver, em ambos, três quintos dos votosdos membros de cada uma delas (art. 60, § 2.°);

c) sendo aprovada, será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputadose do Senado Federai, com o respectivo número de ordem (art. 60, § 3.°);

d) caso a proposta seja rejeitada ou havida por prejudicada, será arquivada, nãopodendo a matéria dela constante ser objeto de nova proposta na mesmasessão legislativa (art. 60, § 5.°).

Modificação da Constituição FederaE de 1988

Revisão (ADCT art 3 °) Emendd (CF ert 60)

Frocctí.mento uniro Procedimento permanente

Procedimento unicameral e simplificado. Procedimento bicamerai e laborioso, rígido.

Não pode ser criada nova revisão por EC. Procedimento e limitações não podem sermodificados por EC.

Não extensível aos estados. Vinculante para os estados.

ECR promulgadas peia Mesa doCongresso Nacional.

EC promulgadas pelas Mesas da Câmarados Deputados e do Senado Federai.

2. LIMITAÇÕES AO PODER DE REFORMA

É sabido que o Congresso Nacional, no exercício do poder constituintereformador, submete-se às limitações impostas pelo legislador constituinteoriginário, devendo agir em estrita obediência aos seus termos, sob pena deincorrer em vício de inconstitucionalidade.

Essas limitações ao poder constituinte de reforma são tradicionalmenteclassificadas em quatro grupos:

a) limitações temporais;

b) limitações circunstanciais;

c) limitações processuais ou formais;

d) limitações materiais.

•VSí

Cap.7 •MODIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 229

2.1. Limitações temporais

As limitações temporais consistem na vedação de alteração das normasconstitucionais pordeterminado lapso de tempo. A Constituição insere normaproibitiva de modificação de seus dispositivos por um prazo determinado.

Limitações dessa ordem não estão presentes nanossa vigente Constituição.No Brasil, apenas na Constituição do Império, de 1824, existiu esse tipo delimitação; seu art. 174 determinava que somente após quatro anos do iníciode sua vigência a Constituição poderia ser modificada.

2.2. Limitações circunstanciais

As limitações circunstanciais impedem modificações na Constituiçãoquando severificam, nopaís, determinadas situações anormais e excepcionais,em que poderia estar ameaçada a livre manifestação do órgão reformador.

O constituinte de 1988 consagrou tais limitações ao proibir que a Constituição seja emendada na vigência de estado de sítio, de intervenção federalou de estado de defesa (art. 60, § 1.°).

23. Limitações processuais ou formais

As limitações processuais dizem respeito aos procedimentos especiaisestabelecidos pelo legislador constituinte originário para o início e o trâmitedo procedimento de reforma da Constituição, distintos do processo de elaboração das leis. Podemos agrupá-las em quatro grupos, a saber:

a) relativas à iniciativa de apresentação de uma proposta de emenda à Constituição (art. 60, I, II e III);

b) relativas à deliberação para aprovação da proposta (art. 60, § 2.°);

c) relativas à promulgação da emenda (art. 60, § 3.°);

d) relativas à vedação de reapreciação de proposta rejeitada ou havida porprejudicada (art. 60, § 5.°).

2.3.1. Limitações processuais ligadas à apresentação da proposta deemenda à Constituição

A legitimação para a iniciativa de apresentação de uma proposta deemenda à Constituição (CF, art. 60, I, II e III) é bem mais restrita do que aestabelecida constitucionalmente para a iniciativa das leis (CF, art. 61).

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230 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • VicentePaulo &MarceloAlexandrino

Com efeito, a Constituição somente poderá ser emendada medianteproposta:

a) de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou doSenado Federal;

b) do Presidente da República;

c) de mais da metade dasAssembléias Legislativas das unidades da Federação,manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Ao contrário do que ocorre com os estados-membros e o DistritoFederal,os municípios não dispõem de legitimidade para apresentação de propostode emenda à Constituição Federal.

Diferentemente do que se verifica no processo legislativo de elaboraçãodas leis (CF, art. 61, § 2.°), não foi contemplada pela vigente Carta daRepública a possibilidade de iniciativa popular no processo de reforma daConstituição, isto é, os cidadãos não dispõem de legitimidade para apresentaruma proposta de emenda à Constituição.

Vale destacar, ainda, que o legislador constituinte não estabeleceu, noprocedimento de emenda à Constituição Federal, a chamada iniciativa reservada ou privativa.

2.3.2. Limitações processuais ligadas à deliberação sobre a proposta deemenda à Constituição

Uma das mais importantes limitações processuais impostas pelo legislador constituinte originário ao poder de emenda à Constituição diz respeitoà rigidez do procedimento legislativo exigido para a respectiva aprovação,estabelecido nos termos seguintes (CF, art. 60, § 2.°):

§ 2.° A proposta será discutida e votada em cada Casa doCongresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovadase obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivosmembros.

Em consonância com o texto expresso da Constituição, a proposta, paraser aprovada, deve, necessariamente, ter o seu texto aprovado pelas duasCasas Legislativas, nos dois turnos de votação, com a deliberação qualificada de, no mínimo, três quintos dos votos dos respectivos membros. Se amatéria for aprovada nos dois turnos na primeira Casa, mas não o for nosdois turnos na segunda Casa, a proposta não estará aprovada.

Cap. 7 • MODIFICAÇÃO DACONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 231

Entretanto, têm ocorrido casos em que, durante a deliberação na segundaCasa Legislativa, são suprimidos ou modificados certos dispositivos do textoaprovado na Casa que iniciou a votação e, mesmo assim, a emendaé promulgada pelas Mesas da Câmara e do Senado Federal, sem o retorno da matériapara apreciação da Casa em que teve início a tramitação da proposta.

Essa prática, verificada na aprovação de algumas importantes emendas, recebeu o aval do Supremo Tribunal Federal, que tem entendidoque somente é obrigatório o retorno quando a modificação na segundaCasa Legislativa implicar alteração substancial no texto da proposto deemenda à Constituição aprovado na primeira. Se a modificação do textopor uma das Casas Legislativas não importar em mudança substancial doseu sentido, a proposta de emenda constitucional não precisa retornar àCasa iniciadora.

Por fim, vale lembrar que a Constituição Federal não estabeleceu CasaLegislativa iniciadora obrigatória no processo legislativo de emenda à Constituição. Assim, a discussão e a votação de proposta de emenda à Constituiçãopoderão ser iniciadas em qualquer das Casas do Congresso Nacional (Câmarados Deputados ou Senado Federal).

2.3.3. Limitações processuais ligadas à promulgação da emenda

A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dosDeputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem (CF,art. 60, § 3.°)-

As emendas à Constituição não se submetem à promulgação pelo Chefedo Executivo. São elas promulgadas, conjuntamente, pelas Mesas da Câmarados Deputados e do Senado Federal.

Ademais, as propostas de emenda à Constituição não se submetem àsanção ou veto do Chefe do Executivo.

2.3.4. Limitações processuais ligadas à vedação de reapreciação deproposta rejeitada ou havida por prejudicada

Estabelece a Constituição Federal que a matéria constante de propostade emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de novaproposta na mesma sessão legislativa (CF, art. 60, § 5.°).

É denotar que essa limitação possui natureza absoluta, isto é, emhipótesenenhuma a matéria rejeitada ou havida por prejudicada poderá constituir objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Nesse ponto, é importante

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232 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

destacar que essa regra é distinto daquela estabelecida para a hipótese derejeição de um projeto de lei, prescrita no art. 61 da Carta da República.

Com efeito, em relação ao projeto de lei rejeitado, estabeleceu o legislador constituinte que a matéria dele constante poderá constituir objetode novo projeto, na mesma sessão legislativa, desde que haja proposta damaioria absoluto dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional(art. 67).

Diferentemente, a matéria constante de proposta de emenda rejeitada ouhavida por prejudicada não poderá, em nenhuma circunstância, ser objeto denova proposta na mesma sessão legislativa (art. 60, § 5.°).

2.4. Limitações materiais

As limitações materiais, como defiuí de seu nome, excluem determinadasmatérias ou conteúdos da possibilidade de abolição, visando a assegurar aintegridade da Constituição, impedindo que eventuais reformas provoquema destruição de sua unidade fundamental ou impliquem profunda mudançade sua identidade.

As limitações materiais são tradicionalmente divididas era dois grupos:limitações explícitos e limitações implícitas.

As limitações materiais explícitas correspondem àquelas matérias queo constituinte definiu expressamente na Constituição como não passíveis desupressão. O próprio poder constituinte originário faz constar na sua obraum núcleo inderrogável. Essas limitações inserem-se, pois, expressamente,no texto constitucional.

Na vigente Constituição, estão prescritas no art. 60, § 4.°, segundo o qualnão será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (a) aforma federativa de Estado; (b) o voto direto, secreto, universal e periódico;(c) a separação dos Poderes; e (d) os direitos e garantias individuais. Sãoessas as denominadas "cláusulas pétreas expressas".

As limitações materiais implícitas concernem a matérias que, apesar denão mencionadas expressamente no texto constitucional como insupriraíveis,estão implicitamente fora do alcance do poder.de reforma, sob pena de ruptura da ordem constitucional. Isso porque, caso pudessem ser modificadaspelo poder constituinte derivado, de nada adiantaria a previsão expressa dasdemais limitações. São apontadas pela doutrina três importantes limitaçõesmateriais implícitas, a saber:

a) a titularidade do poder constituinte originário, pois uma reforma constitucional, obra do poder constituinte constituído, não pode mudar o titular

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Cap. 7 • MODIFICAÇÃO DACONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 233

do poder que cria o próprio poder reformador (a criatura não poder retirardo criador essa qualidade);

b) a titularidade do poder constituinte derivado, pois quem a estabelece é opoder constituinte originário, único poder legitimado para determinarquemtem competência para alterar a Constituição (e o processo mediante o qualisso pode ser feito); um poder constituído não pode autorizara modificaçãoda Constituição por outro poder constituído;

A fim de ilustrar o despautério que resultaria da refutação a essa limitação implícita, imagine-se, a título de exemplo, uma emenda constitucionalautorizando o Presidente da República a, mediante decreto, modificar avigente Constituição. Essa emenda, evidentemente, padeceria de flagranteinconstitucionalidade.

c) o próprio processo de modificação da Constituição (revisão e reforma), bem como os artigos que estabelecem todas as limitações explícitas impostas pelo constituinte originário, pois, caso contrário, opoder constituinte derivado poderia alargar indefinidamente sua esferade atuação (poderia até mesmo transformar a Constituição rígida emflexível, eliminando, assim, a própria distinção entre poder constituinteoriginário e derivado).

No vigente texto constitucional, como decorrência dessa limitação material implícita, resto impedida a introdução de modificações substanciais noart. 60 da Constituição, que estabelece as restrições expressas ao poder deemenda constitucional, bem como no art. 3.° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que disciplina o procedimento de revisão constitucional(já exaurido).

2.4.1. A expressão "não será objeto de deliberação"

Ao estatuir as cláusulas pétreas expressas, dispõe o art. 60, § 4.°, daConstituição Federal que "não será objeto de deliberação" a proposta deemenda tendente a abolir uma (ou mais) das matérias ali arroladas.

Cabe frisar: uma proposta tendente a abolir cláusula pétrea não deve,sequer, ser objeto de deliberação no Congresso Nacional.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem admitido o cabimentode mandado de segurança, impetrado por um dos congressistas da Casaem que tramito a proposto, diretamente perante o Tribunal, com o fim desustar o trâmite da proposta de emenda tendente a abolir cláusula pétrea, sobo argumento de que, nessas situações, a inconstitucionalidade diz respeito

Page 129: Direito constitucional descomplicado

234 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

ao próprio andamento do processo legislativo. A inconstitucionalidade, seexistente, já está configurada antes de a proposta se transformar em emenda constitucional, porque o próprio processamento, por si só, desrespeita aConstituição.

2.4.2. A expressão "tendente a abolir"

Essa expressão, vazada no caput do § 4.° do art. 60 da Carta, aponta overdadeiro sentido e alcance das chamadas cláusulas pétreas.

Da expressão "tendente a abolir" infere-se, com segurança, que nemsempre a aprovação de uma emenda à Constituição tratando de uma dasmatérias arroladas nos incisos do § 4.° do art. 60 afrontará cláusula pétrea.Somente haverá desrespeito a cláusula pétrea, caso a emenda "tenda" a suprimir uma das matérias ali arroladas.

Um exemplo de emenda constitucional versando matéria protegida pelomanto de cláusula pétrea, sem que se possa cogitar inconstitucionalidade,tivemos com o acréscimo de mais um inciso à enumeração dos direitosfundamentais do art. 5.° da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional 45/2004 (inciso LXXVIII: "a todos, no âmbito judicial e administrativo,são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam aceleridade de sua tramitação").

Nesse caso, embora a EC 45/2004 tenha versado sobre direitos e garantiasindividuais, matéria expressamente gravada como cláusula pétrea (CF, art.60, § 4.°, IV), certamente não há que se falar em inconstitucionalidade, porofensa a limitação material, haja vista que não houve, por parte do legisladorderivado, "tendência a abolir" qualquer direito ou garantia fundamental (aocontrário, o constituinte reformador ampliou o catálogo dos direitos fundamentais expressos estabelecido pelo legislador constituinte originário).

2.4.3. Cláusula pétrea e "os direitos e garantias individuais"

A Constituição Federal, no Título II, dedicado aos direitos e garantiasfundamentais, destinou o Capítulo I aos direitos e deveres individuais e coletivos, enunciando estes no art. 5.° e seus setenta e oito incisos.

Ao apontar as matérias protegidas com o manto de cláusula pétrea, olegislador constituinte gravou cora essa cláusula assecuratória "os direitos egarantias individuais" (CF, art. 60, § 4.°, IV).

Em face desse tratamento constitucional, resta-nos examinar se somentesão inabolíveis os direitos e garantias expressamente enumerados no art. 5.°

Cap. 7 • MODIFICAÇÃO DACONSTITUIÇÃO FEDERALDE 1988 235

da Carta Política, ou se, também, outros direitos e garantias dispersos notexto da Constituição estão acobertados pela proibição de supressão.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que a garantia insculpida no art.60, § 4.°, IV, da CF alcança um conjunto amplo de direitos e garantiasconstitucionais de caráter individual dispersos no texto da Carta Magna, enão apenas os enumerado no seu art. 5.°.

Em consonância com esse entendimento, considerou a Corte Supremaque o princípio da anterioridade eleitoral (CF, art. 16) constitui cláusulapétrea, por representar uma garantia individual do cidadão-eleitor, bem comoo princípio da anterioridade tributária (CF, art. 150, III, "b"), por constituirgarantia individual do contribuinte.

Limitaçõesao Poder

Constituinte í-Derivado

na CF/88

Temporais - Não Há

Circunstanciais -Art. 60, § 1.e

Processuais ou Formais — Art. 60,

i a III, e §§ 2.°, 3.° e 5.°

Materiais

Expressas ou Explícitas - Art. 60, § 4.°

* A Titularidade do Poder

Constituinte Originário eDerivado

* O Próprio Procedimento deModificação da Constituição

Implícitasou Tácitas

3. CONTROLE JUDICIAL DO PROCESSO LEGISLATIVO DE EMENDA

O fato de nosso constituinte originário haver diretamente estabelecidono texto constitucional uma série de exigências concernentes ao processolegislativo de produção de emendas à Constituição tem como corolário apossibilidade de aferição, pelo Poder Judiciário, da observância dos requisitos procedimentais e, se for o caso, de trancamento do processo legislativomediante a declaração Íncidental de inconstitucionalidade atinente à suatramitação.

Caso se conclua pela inobservância de requisitos procedimentais plasmados no texto da Constituição, tranca-se o processo legislativo cora base nadeclaração Íncidental da inconstitucionalidade do procedimento.

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236 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

É mister sublinhar que o controle judicial do processo legislativo deemendas à Constituição (bem como o de quaisquer outros atos normativos)é realizado exclusivamente pela via do mandado de segurança, perante oSupremo Tribunal Federal.

Ademais, a legitimação ativa é extremamente restrita: somente os congressistas integrantes da Casa Legislativa em que estiver tramitando aproposta são legitimados para impetrar o mandado de segurança comessa finalidade. Em nenhuma circunstância terceiros têm legitimidade paraintentar o controle judicial do procedimento constitucional de elaboração dosatos normativos.

4. CONTROLE JUDICIAL DE EMENDA PROMULGADA

Conforme vimos, ao reformar a obra do poder constituinte originário, nãopode o constituinte derivado desbordar dos limites impostos a sua atuação,sob pena de incorrer no vício de inconstitucionalidade. Vale dizer, havendodesrespeito ao procedimento ou a quaisquer limitações impostas pelo poderconstituinte originário ao exercício do poder de reforma, a emenda seráinconstitucional, devendo ser assim declarada e expurgada do ordenamentojurídico, com observância das regras atinentes ao controle de constitucionalidade das normas.

Portanto, é plenamente cabível o controle de constitucionalidade, concentrado ou difuso, dos atos de reforma da Constituição —revisão ou emenda ~-,que poderão incidir no vício de inconstitucionalidade, caso desrespeitem aslimitações originariamente estabelecidas pelo legislador constituinte, no art.60 da Carta da República. A inconstitucionalidade da reforma pode dar-setanto sob o aspecto material (conteúdo do ato de reforma, que não poderáafrontar uma cláusula pétrea), quanto sob o enfoque formal (inobservânciado procedimento de elaboração normativa ou das demais formalidades estabelecidas na Constituição).

Dessarte, tanto poderá ser reconhecida a inconstitucionalidade de umaemenda que afronte uma cláusula pétrea (abolindo uma garantia individual,por exemplo) —inconstitucionalidade material -, quanto poderá ser declaradaa inconstitucionalídade de uma emenda que tenha desrespeitado o processolegislativo imposto pela Constituição Federal para sua elaboração (não aprovação da matéria, em dois turnos, nas duas Casas Legislativas, por exemplo)— inconstitucionalidade formal.

Cap. 7 *MODIFICAÇÃO DACONSTITUIÇÃO FEDERALDE 1988 237

CONTROLE JUDICIAL DO PROCESSO DE MODIFICAÇÃO DA CF/88

PEC EMENDA JÁ PROMULGADA

Controle Restrito

Só por iniciativa decongressista

Só por meio de man

dado de segurança(controle concreto)

Só perante o STF

-Controle Amplo

Concreto, por iniciativade qualquer pessoaprejudicada, perantequalquerjuiz ou tribunaldo Poder Judiciário

Abstrato, por iniciativade um dos legitimadospela Constituição (art.103), exclusivamenteperante o STF

5. REFORMA DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

Os estados-membros estão vinculados às regras do processo legislativofederal, inclusive quanto ao quorum de deliberação para reforma da Constituição estadual, que não pode ser mais fácil nem mais dificultoso do que oprevisto na Constituição Federal (três quintos).

Portanto, o procedimento de modificação dos textos das Constituiçõesdos estados-membros não pode ser nem menos rígido, nem raais rígido doque o exigido para a alteração da Constituição da República.

Além disso, as demais regras impostos ao legislador derivado federal são,também, no que couber, de observância obrigatória por parte do legisladorconstituinte estadual (ausência de sanção ou veto da proposta; promulgaçãopelo próprio Poder Legislativo; irrepetibilidade, na mesma sessão legislativa,de matéria constante de proposta rejeitada ou havida por prejudicada etc).

Note-se que essa necessidade de observância obrigatória do procedimentode emenda da Constituição Federal alcança somente os estados-membros, notocante à modificação da Constituição estadual. Vale dizer, essa obrigatoriedadenão alberga os municípios e o Distrito Federal, em relação à modificação dasrespectivas Leis Orgânicas, haja vista que essas seguem regramento constitucional próprio (arts. 29 e 32), distinto daquele previsto para a reforma daConstituição Federal (art. 60).

Por último, vale lembrar que os estados-membros não podem instituirprocedimento simplificado de revisão de suas Constituições, nos moldes daquele estabelecido pelo constituinte nacional para a revisão da Constituiçãoda República (ADCT, art. 3.°).

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PODER EXECUTIVO

1. NOÇÃO DE PRESIDENCIALISMO

O Brasil adota o presidencialismo como sistema de governo desde aprimeira Constituição da República, promulgada em 1891, sendo mantidopor todas as posteriores Constituições, inclusive pela Constituição Federalde 1988.

O presidencialismo é o sistema de governo que tem como característicasprincipais a forte concentração das funções executivas na figura do Presidenteda República e a existência de uma separação de funções mais acentuadaentre os Poderes Executivo e Legislativo.

A concentração da atividade executiva na figura do Presidente da República ocorre porque, no sistema presidencialista, a chefia do Poder Executivoé monocrática ou unípessoal, vale dizer, incumbe unicamente ao Presidenteda República, que exerce, simultaneamente, a chefia de Governo, de Estadoe de Administração.

Como chefe de Estado, o Presidente da República representa o Estadobrasileiro nas suas relações internacionais, e corporifica a tmidade internada Federação.

Como chefe de Governo, cabe ao Presidente a gerência dos negóciosinternos do Estado brasileiro, sejam os de natureza política, sejam os de natureza administrativa, exercendo, com isso, a liderança da política nacional, pelaorientação das decisões gerais e pela direção da máquina administrativa.

A segunda característica nuclear do presidencialismo - o maior deli-nearaento da separação das funções estatais entre os Poderes Executivo e

Page 132: Direito constitucional descomplicado

240 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Legislativo — resulta, especialmente, da independência estabelecida pelaConstituição para os membros desses Poderes. Assim, o Presidente da República tem direito de nomear e exonerar seus auxiliares, Ministros de Estado,e a praticar todos os demais atos de governo durante a integralidade do seumandato, ainda que sem apoio da maioria do parlamento, pois no presidencialismo não existe a possibilidade de o Legislativo, ordinariamente, afastaro Presidente da República. Por outro lado, não existe a possibilidade de oPresidente da República dissolver o parlamento, como meio de abreviar osmandatos dos membros do Legislativo.

2. FUNÇÕES

A função típica do Poder Executivo é administrar, aplicar de ofício oDireito, compreendendo não só a função de governo, relacionada às atribuições políticas e de decisão, mas também a função meramente administrativa,pela qual são desempenhadas as atividades de intervenção, fomento e serviçopúblico.

As funções atípicas são a legislativa e de julgamento. Assim, além degerir, política e administrativamente, a coisa pública, o Poder Executivotambém legisla (expedição de medidas provisórias) e julga (contenciosoadministrativo)-

3. INVESTIDURA

O Presidente e o Vice-Presidente da República são eleitos pelo sistemaeleitoral majoritário, pelo qual se sagra vencedor aquele candidato que obtiver maior número de votos, segundo o procedimento fixado na ConstituiçãoFederal.

A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidentecom ele registrado, vale dizer, o eleitor, ao votar para Presidente, estará, narealidade, votando na dupla de candidatos (que não precisam pertencer aomesmo partido).

O sistema majoritário é tradicionalmente dividido era duas espécies:sistema majoritário puro ou simples e sistema majoritário de dois turnos.

No sistema majoritário simples ou puro, será considerado eleito o candidato que obtiver no pleito o maior número de votos, em um só turno devotação, mesmo que nenhum alcance a maioria absoluto dos votos válidos, eainda que a diferença de votos entre o vencedor e o segundo colocado seja

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Cap. 8 • PODER EXECUTIVO 241

insignificante. No Brasil, é o sistema adotado para a eleição dos Senadoresda República (CF, art. 46) e dos Prefeitos dos municípios com até duzentosmil eleitores (CF, art. 29, II).

Pelo sistema majoritário de dois turnos, será considerado eleito o candidato que obtiver a maioria absoluta dos votos válidos, sendo que, se estanão for alcançada no primeiro turno, há que se realizar um segundo turno,em que, era regra, disputarão os dois candidatos mais bem colocados naprimeira votação. É o sistema adotado no Brasil paraa eleição do Presidente da República, dos Governadores dos estados e do Distrito Federal e dosPrefeitos dos municípios com mais de duzentos mil eleitores.

O Presidente da República é eleito simultaneamente com um Vice--Presidente, por meio de sufrágio universal e pelo voto direto e secreto,em eleição realizada no primeiro domingo de outubro, era primeiro turno,e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver necessidadedeste, do ano anterior ao término do mandato presidencial vigente (art. 77),para mandato de quatro anos, permitida a reeleição para um único períodosubsequente (art. 14, § 5.°).

São requisitos para a candidatura aos cargos de Presidente e de Vice-Presidente da República:

a) ser brasileiro nato;

b) estar no pleno gozo dos direitos políticos;

c) possuir alistamento eleitoral;

d) possuir filiação partidária;

e) possuir idade mínima de trinta e cinco anos;

f) não ser inelegível (inalístável, analfabeto, mais de uma reeleição para períodosubsequente e inelegibilidade por parentesco, na forma do art. 14, §§ 4.°,5.° e 7.°).

Esses requisitos de elegibilidade para o Presidente da República aplicam--se, igualmente, ao Vice-Presidente, porquanto a eleição deste depende daeleição daquele.

Dentre esses requisitos, destacamos a exigência de que os candidatostenham filiação partidária, significando que no Brasil não se admite a figurada candidatura avulsa ou autônoma, desvinculada de partido político.

Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partidopolítico, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os era brancoe os nulos. Se nenhum candidato obtiver a maioria absoluta na primeiravotação, realizada no primeiro domingo de outubro, far-se-á nova eleição,no último domingo desse mês, na qual concorrerão os dois candidatos mais

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242 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto &Marcelo Alexandrino

votados, hipótese em que será considerado eleito o candidato que obtiver amaioria dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos.

Se, antes de realizado o segundo turno, ocorrer morte, desistência ouimpedimento legal de candidato, convocar-se-á entre os remanescentes, o demaior votação. Era qualquer caso, se houver empate entre os candidatos quefigurarem em segundo lugar na disputa, qualificar-se-á o mais idoso.

Situação distinta ocorre quando o candidato eleito para o cargo dePresidente morre após a sua eleição, mas antes da expedição do respectivo diploma. Nesse caso, o Vice-Presidente será considerado eleito, comdireito subjetivo ao exercício de todo o mandato de chefe do Executivo,haja vista que no escrutínio ocorre, na realidade, a eleição simultânea dosdois candidatos.

A posse do Presidente e do Vice-Presidente da República ocorre no dia1.° de janeiro, em sessão conjunta do Congresso Nacional, na qual devemprestar o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, aintegridade e a independência do Brasil (art. 78).

Porém, se, decorridos dez dias da data fixada para a posse, o Presidenteou o Vice-Presidente não tiver assumido o cargo, este será declarado vago,salvo motivo de força maior que justifique a ausência (art. 78, parágrafoúnico).

O mandato presidencial é de quatro anos e terá início em primeiro dejaneiro do ano seguinte ao de sua eleição (art. 82), sendo permitida umaúnica reeleição para o período subsequente (art. 14, § 5.°).

4. IMPEDIMENTOS E VACÂNCIA

Determina a Constituição que cabe ao Vice-Presidente substituir o Presidente, nos casos de impedimento, e suceder-lhe no caso de vaga (art. 79).

Os impedimentos são os afastamentos temporários do Presidente, comoa hipótese de ausência do País, situações em que caberá ao Vice-Presidentesubstituí-lo no exercício pleno da Presidência.

O Presidente e o Vice-Presidente da República não poderão, sem licençado Congresso Nacional, ausentar-se do País por período superior a quinzedias, sob pena de perda do cargo (CF, art. 83). Essa regra, por força doprincípio da simetria, é de observância obrigatória pelos estados-membros,vale dizer, o governador não poderá ausentar-se do estado ou do País porperíodo superior a quinze dias sem autorização da assembléia legislativa, sobpena de perda do cargo.

Cap. 8 • PODER EXECUTIVO 243

A vacância é o afastamento definitivo do Presidente, decorrente de morte,de renúncia ou de perda do cargo em razão de pena imposto pela práticade crime comum ou de responsabilidade, situações em que caberá ao Vice--Presidente sucedê-lo.

Se a vacância for somente do cargo de Presidente, o Vice assumirá eexercerá integralmente o mandato faltante, sem Vice-Presidente. Da mesmaforma, se a vacância for apenas do cargo de Vice, o Presidente exerceránormalmente o mandato faltante, sem Vice-Presidente.

Se houver vacância dos cargos de Presidente e de Vice-Presidente, oPresidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do SupremoTribunal Federal assumirão a Presidência temporariamente, até que ocorranova eleição, na forma seguinte:

a) vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente nos dois primeiros anosdo mandato, far-se-á nova eleição direta noventa dias depois de aberta aúltima vaga;

b) se a vacância ocorrer nos dois últimos anos do mandato, a eleição paraambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo CongressoNacional, na forma da lei, hipótese excepcional de eleição indireta para aPresidência da República.

Estabelece a Constituição que em qualquer das hipóteses, o Vice-Presidente ou os novos eleitos somente completarão o período de seus antecessores,cumprindo o chamado "mandato tampão". Portanto, se a vacância ocorrerno terceiro ano do período presidencial, os eleitos pelo Congresso Nacionalcumprirão mandato de apenas um ano.

5. ATRIBUIÇÕES

As competências privativas do Presidente da República estão enumeradas no art. 84 da Constituição Federal, referente ao exercício das chefias deEstado, de Governo e de Administração, nos termos seguintes:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;

II —exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direçãosuperior da administração federal;

HI - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem comoexpedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

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244 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente;

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração federal, quandonão implicar aumento de despesa nem criação ou extinção deórgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seusrepresentantes diplomáticos;

VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;

IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio;

X - decretar e executar a intervenção federal;

XI - remeter mensagem e plano de governo ao CongressoNacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgarnecessárias;

XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, senecessário, dos órgãos instituídos em lei;

XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomearos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos quelhes são privativos;

XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministrosdo Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, osGovernadores de Territórios, o Procurador-Geral da República,o presidente e os diretores do banco central e outros servidores,quando determinado em lei;

XV - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministrosdo Tribunal de Contas da União;

XVI - nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da União;

XVII - nomear membros do Conselho da República, nos termosdo art. 89, VII;

XVIII - convocar e presidir o Conselho da República e oConselho de Defesa Nacional;

XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quandoocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmascondições, decretar, total ou parcialmente,, a mobilização nacional;

Cap. 8 • PODER EXECUTIVO

XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional;

XXI - conferir condecorações e distinções honoríficas;

XXII -~ permitir, nos casos previstos em lei complementar, queforças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nelepermaneçam temporariamente;

XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, oprojeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas deorçamento previstos nesta Constituição;

XXIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro desessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contasreferentes ao exercício anterior;

XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, naforma da lei;

XXVI - editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;

XXVEI - exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.

245

Embora extensa, a enumeração das atribuições do Presidente da Repúblicapelo art. 84 da Constituição não é exaustiva, mas sim meramente exemplificativa,conforme esclarece o seu próprio inciso XXVII, acima transcrito, que diz queo chefe do Executivo exercerá outras atribuições previstas na Constituição.

Em regra, as atribuições privativas enumeradas no art. 84 da Constituição são indelegáveis, isto é, só poderão ser exercidas pelo Presidente daRepública ou, durante os seus impedimentos, por aquele que o substituir naPresidência. Entretanto, o parágrafo único do mesmo art. 84 permite que oPresidente da República delegue aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geralda República e ao Advogado-Geral da União as atribuições mencionadas nosincisos VI, XH e XXV, primeira parte.

Quanto à matéria de que trata o inciso XXV - prover e extinguir cargospúblicos -, a autorização para delegação abrange apenas a primeira parte,isto é, pode ser delegada às referidas autoridades somente a atribuição deprover cargos públicos. Na hipótese de extinção, a delegação será permitidaunicamente se os cargos públicos estiverem vagos, hipótese em que estarásendo delegada a competência prevista na alínea "b" do inciso VI do art.84, e não a previsto no inciso XXV

Como o parágrafo único do art. 84 da Constituição estatuiu expressamenteaquelas matérias que podem ser delegadas pelo Presidente da República (incisosVI, XH e XXV, primeira parte), é forçoso concluir que as matérias constantesdos demais incisos são indelegáveis, sob pena de invalidade do ato.

Page 135: Direito constitucional descomplicado

246 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

6. VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA

O cargo de Vice-Presidente foi criado para substituição do Presidente,nos seus afastamentos temporários, ou sucessão, na hipótese de vacânciadefinitiva.

São atribuições do Vice-Presidente a substituição e a sucessão do Presidente da República, nos casos de impedimentos temporários e vacância,respectivamente (arts. 79 e 80), a participação nos Conselhos da República(art. 89, I) e de Defesa Nacional (art. 91, I).

A Constituição estabelece, ainda, que outras atribuições poderão ser conferidas por lei complementar ao Vice-Presidente e que caberá a ele auxiliaro Presidente da República, sempre que convocado para missões especiais(CF, art. 79, parágrafo único).

7. MINISTROS DE ESTADO

Os Ministros de Estado são meros auxiliares do Presidente da República,por ele escolhidos livremente e demissíveis (exoneráveis) ad nutum, isto é,sem necessidade de qualquer motivação.

Os Ministros de Estado serão livremente escolhidos pelo Presidente daRepública dentre brasileiros, natos ou naturalizados (exceto o Ministro daDefesa, que é cargo privativo de brasileiro nato, por força do art. 12, § 3.°,inciso VII, da Constituição), maiores de vinte e um anos e no exercício dosdireitos políticos.

As atribuições dos Ministros de Estado estão apontadas, em uma enumeração exemplificativa, no art. 87, parágrafo único, da Constituição, nostermos seguintes:

Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outrasatribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:

I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos eentidades da administração federal na área de sua competênciae referendar os atos e decretos assinados pelo Presidente daRepública;

II - expedir instruções para a execução das leis, decretos eregulamentos;

III - apresentar ao Presidente da República relatório anual desua gestão no Ministério;

IV - praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe foremoutorgadas ou delegadas pelo Presidente da República.

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Cap. 8 - PODER EXECUTIVO 247

8. ÓRGÃOS CONSULTIVOS

O Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional são órgãosde consulta do Presidente da República, com a função de deliberarem sobreas matérias especificadas na Constituição. Suas manifestações são, sempre,de caráter meramente opinativo, vale dizer, não obrigam o Presidente daRepública.

O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente daRepública, e dele participam:

I - o Vice-Presidente da República;

II - o Presidente da Câmara dos Deputados;

III - o Presidente do Senado Federal;

IV - os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos De

putados;

V - os líderes da maioria e da minoria no Senado Federal;

VI - o Ministro da Justiça;

VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta ecinco anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidenteda República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitospela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos,vedada a recondução.

Compete ao Conselho da República pronunciar-se sobre intervenção federal, estado de defesa e estado de sítio e sobre as questões relevantes paraa estabilidade das instituições democráticas (CF, art. 90).

O Presidente da República poderá convocar Ministro de Estado para participar da reunião do Conselho, quando constar da pauto questão relacionadacom o respectivo Ministério.

A lei regulará a organização e o funcionamento do Conselho da República.

O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente daRepública nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa doEstado democrático, e dele participam como membros natos:

I - o Vice-Presidente da República;

II - o Presidente da Câmara dos Deputados;

III - o Presidente do Senado Federal;

IV - o Ministro da Justiça;

V — o Ministro de Estado da Defesa;

Page 136: Direito constitucional descomplicado

248 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

VI - o Ministro das Relações Exteriores;

VII - o Ministro do Planejamento;

VIII - os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.

As competências do Conselho de Defesa Nacional estão enumeradas no§ 1.° do art. 91 da Constituição. São elas:

I - opinar nas hipóteses de declaração de guerra e de celebraçãoda paz, nos termos desta Constituição;

II - opinar sobre a decretação do estado de defesa, do estadode sítio e da intervenção federal;

III - propor os critérios e condições de utilização de áreasindispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nasrelacionadas com a preservação e a exploração dos recursosnaturais de qualquer tipo;

IV - estudar, propor e acompanhar o desenvolvimento deiniciativas necessárias a garantir a independência nacional e adefesa do Estado democrático.

Cabe à lei regular a organização e o funcionamento do Conselho deDefesa Nacional.

9. RESPONSABILIZAÇÃO

Sabe-se que uma das características centrais da forma republicana degoverno é a possibilidade de responsabilização daqueles que gerem a coisapública, quer dizer, os governantes têm o dever de prestar contos sobre suagestão frente aos administrados.

Assim, como corolário do princípio republicano, a Constituição Federalprevê a possibilidade de responsabilização do Presidente da República, tantopor infrações político-administrativas, quanto por infrações penais comuns.

9.1. Crimes de responsabilidade

Os crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas,defimdas em lei especial federal, que poderão ser cometidas no desempenhoda função pública e que poderão resultar no impedimento para o exercícioda função pública (impeachment).

Cap. 8 - PODER EXECUTIVO 249

O art. 85 da Constituição Federal aponta as condutas do Presidente da República que caracterizarão crime de responsabilidade, nos termos seguintes:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidenteda República que atentem contra a Constituição Federal e,especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais dasunidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Como se vê, não se trata de listo exaustiva, mas, sim, meramente exem-plificativa. Na realidade, a Constituição Federalaponta, apenasgenericamente,aquelas condutas que poderão configurar a prática de crime de responsabilidade pelo Presidente da República, deixando à lei especial a competênciapara defini-los e estabelecer as respectivas normas de processo e julgamento(art. 85, parágrafo único).

A competência para processar e julgar o Presidente da República noscrimes de responsabilidade é do Senado Federal (art. 52,1), após autorizaçãoda Câmara dos Deputados, por dois terços dos seus membros (art. 51, I).

Determina a Constituição que, durante o processo de julgamento doscrimes de responsabilidade pelo Senado Federal, funcionará como Presidenteo do Supremo Tribunal Federal (art. 52, parágrafo único). Na realidade, oSenado Federal não estará atuando como órgão legislativo, mas sim comoórgão judicial híbrido, porque composto de senadores da República, maspresidido por membro do Poder Judiciário.

Admitida a acusação pela Câmara dos Deputados, o processo será encaminhado ao Senado Federal, para julgamento. A admissão da acusação pelaCâmara dos Deputodos vincula o Senado Federal, obrigando-o a dar inícioao procedimento para a apuração do crime de responsabilidade, não sendopermitida ao Senado qualquer discricionariedade quanto à instauração, ounão, do processo de impeachment.

A condenação do Presidente da República pela prática de crime deresponsabilidade, que somente será proferida pelos votos de dois terços dosmembros do Senado Federal, em votação nominal aberta, acarretará a per-

Page 137: Direito constitucional descomplicado

250 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vícenfe Paulo & Marcelo Alexandrino

da do cargo, com a ínabilitação, por oito anos, para o exercício de funçãopública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (CF, art. 52,parágrafo único).

A ínabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública alcança todas as funções de natureza pública, sejam as resultantes de concursopúblico, sejam as de nomeação em confiança, sejam os mandatos eletivos.Na prática, portanto, a condenação no impeachment impõe ao Presidente daRepública uma absoluta ausência do cenário público do País.

9.2. Crimes comuns

O Presidente da República dispõe de prerrogativas e imunidades era relação ao processo que vise à sua incriminação pela prática de crime comum.Essas garantias constitucionais não são um privilégio pessoal; elas têm porobjetivo preservar a independência do Poder Executivo frente aos outrosPoderes da República, permitindo o livre exercício das funções presidenciais,no exercício das chefias de Estado, de Governo e de Administração.

9.2.1. Imunidades

O Presidente da República não dispõe de inviolabilidade material, prerrogativa que só foi assegurada aos membros do Poder Legislativo. Assim, oPresidente da República não é inviolável por suas palavras e opiniões, aindaque no estrito exercício de suas funções presidenciais.

Entretanto, a Constituição outorgou ao Presidente da República três importantes imunidades processuais, examinadas nos parágrafos seguintes.

A primeira imunidade em relação ao processo diz respeito à necessidade de autorização prévia da Câmara dos Deputodos, por dois terços dosseus membros (art. 86). Significa que o Presidente da República só poderáser processado e julgado, por crime comum ou de responsabilidade, apósa autorização da Câmara dos Deputados, por maioria qualificada de doisterços dos votos.

A segunda imunidade em relação ao processo obsto que o Presidente daRepública seja preso, nas infrações comuns, enquanto não sobrevier sentençacondenatória (art. 86, § 3.°). Essa imunidade impede que o Presidente daRepública seja vítima de prisão em flagrante ou de qualquer outra espéciede prisão cautelar (preventiva, provisória etc), seja o crime afiançável ouinafiançável. Enfim, para que o Presidente da República seja recolhido àprisão, é indispensável a existência de uma sentença condenatória, proferidapelo Supremo Tribunal Federal.

•:S;

Cap. 8 • PODER EXECUTIVO 251

A terceira imunidade processual outorga ao Presidente da República umarelativa e temporária irresponsabilidade, na vigência do mandato, pela práticade atos estranhos ao exercício de suas funções (art. 86, § 4.°). Significa que,na vigência do seu mandato, o Presidente da República não responderá pelaprática de atos que não guardem conexão com o exercício da Presidênciada República.

Por força dessa última imunidade, o Presidente da República só poderáser responsabilizado, na vigência do seu mandato, pela prática de atos queguardem conexão com o exercício da atividade presidencial, hipótese em queserá processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Se não houveralgum nexo entre o crime praticado e o exercício das funções presidenciais,o Presidente da República só poderá ser por ele responsabilizado após otérmino do seu mandato, perante a Justiça Comum.

Essa terceira imunidade, prevista no § 4.° do art. 86 da Constituição,refere-se exclusivamente às infrações de natureza penal, não impedindo aapuração, na vigência do seu mandato, da responsabilidade civil, administrativa, fiscal ou tributária do Presidente da República.

Cabe esclarecer que, no caso da prática de crime comum estranho aoexercício das funções presidenciais, em razão da irresponsabilidade temporária do Presidente da República, que impede a persecução criminal durante oexercício da Presidência, ocorre a suspensão do prazo prescricional, enquantodurar o mandato.

Imunidades -

do Presidenteda República"

Materiais

Processuais

ou Formais

Não dispõe

Quanto à necessidade de

autorização da Câmara dosDeputados para a instauraçãodo processo (art. 86, capuf)

Quanto às prisões cautelares(art. 86, § 3.°)

Quanto à prática de atosestranhos ao exercício de

suas funções presidenciais(art. 86, § 4.°)

9.2.2. Prerrogativa de foro

O Presidente da República dispõe de prerrogativa de foro. Com efeito,deferida a autorização da Câmara dos Deputados, por dois terços dos seus

Page 138: Direito constitucional descomplicado

252 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

membros, será ele julgado, nos crimes de responsabilidade, pelo Senado Federal e, nas infrações comuns, pelo Supremo Tribunal Federal (CF, art. 86).

Ao contrário do que ocorre nos crimes de responsabilidade, julgadospelo Senado Federal, nos crimes comuns a decisão da Câmara dos Deputadosadmitindo a denúncia ou a queixa-crime não vincula o Supremo TribunalFederal. Em respeito ao postulado da separação dos poderes, mesmo com aautorização da Câmara dos Deputodos, por dois terços dos seus membros,poderá o Supremo Tribunal Federal rejeitar a denúncia ou a queixa-crime,por entender, juridicamente, que não há elementos para o seu recebimentoe conseqüente instauração do processo criminal.

Após a autorização da Câmara dos Deputados, se o Supremo TribunalFederal receber a denúncia ou queixa-crime, o Presidente da República ficarásuspenso de suas funções pelo prazo máximo de cento e oitenta dias, semprejuízo do regular prosseguimento do processo (art. 86, § 1.°).

A competência do Supremo Tribunal Federal para julgar, originariamente,o Presidente da República alcança todas as modalidades de infrações penais,estendendo-se aos crimes eleitorais, aos crimes dolosos contra a vida e atémesmo às contravenções penais.

Acontece, porém, que a competência do Supremo Tribunal Federalpara julgar o Presidente da República só alcança os crimes comuns por elecometidos na vigência do mandato e, ainda assim, desde que sejara ilícitosrelacionados com o exercício do mandato.

Isso porque se a infração comum foi praticada antes do exercício domandato, ou durante o exercício deste, mas é estranha ao desempenhodas atividades presidenciais, o Presidente da República não será processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal, pois, nesse caso, incide aimunidade processual do § 4.° do art. 86 da Constituição, que impede aresponsabilização do Presidente da República, na vigência do mandato, poratos estranhos ao exercício de suas funções. Nessa situação, insista-se, sóhaverá persecução penal depois do término do mandato, perante a JustiçaComum competente.

A prerrogativa de foro só diz respeito a ações de natureza penal, nãoalcançando o julgamento de ações de natureza civil eventualmente ajuizadascontra o Presidente da República, tais como ações populares, ações civispúblicas, ações possessórias etc.

Ademais, conforme já estudado, a prerrogativa de foro só permanecedurante o exercício do mandato, não subsistindo após a expiração deste.Encerrado o exercício do mandato, qualquer que seja o motivo, os processoscriminais em trâmite no Supremo Tribunal Federal serão remetidos à JustiçaComum competente, para o regular prosseguimento.

Cap. 8 • PODER EXECUTIVO 253

10. GOVERNADORES DE ESTADO

Ao contrário do que fez em relação ao Presidente da República, a Constituição Federal não outorgou expressamente nenhuma imunidade processualao Governador de Estado e do Distrito Federal.

Era função dessa omissão da Constituição Federal, várias Constituiçõesestaduais repetiram no seu texto, para os respectivos Governadores, as mesmas três imunidades deferidas ao Presidente da República.

Porém, é ilegítima essa extensão das três imunidades presidenciais aosGovernadores. Com efeito, somente pode ser estendida aos Governadores deEstado e do Distrito Federal a imunidade formal que condiciona o processoe julgamento do Presidente da República à prévia autorização da Câmarados Deputodos, por dois terços dos seus votos (art. 86).

Assim, as Constituições estaduais e a Lei Orgânica do Distrito Federalpoderão prever que os respectivos Governadores só poderão ser processadose julgados pelo Superior Tribunal de Justiça depois de prévia autorização,por dois terços dos seus membros, da Assembléia Legislativa ou da CâmaraLegislativa, respectivamente.

As outras duas imunidades deferidas ao Presidente da República - referente às prisões cautelares (art. 86, § 3.°) e à irresponsabilidade relativa quantoaos atos estranhos ao mandato (art. 86, § 4.°) - não podem ser estendidaspelas Constituições estaduais aos Governadores, por se tratar de prerrogativasinerentes ao Presidente da República, na qualidade de chefe de Estado.

Page 139: Direito constitucional descomplicado

PODER JUDICIÁRIO

1. INTRODUÇÃO

O Poder Judiciário é um dos três Poderes expressamente reconhecidospela Constituição da República (art. 2.°). Além de instituí-lo como Poderindependente, a Carta Política protege como cláusula pétrea essa independência, em seu art. 60, § 4.°, III.

Pode-se afirmar, sem exagero, que não é possível conceber um Estadode Direito sem um Poder Judiciário independente, responsável não só pelasolução definitiva dos conflitos intersubjetivos, mas, talvez precipuamente,pela garantia da integridade do ordenamento jurídico, mediante a aferiçãoda compatibilidade entre os atos estatais e os comandos vazados na Constituição.

A importância do Poder Judiciário independente para a garantia de umEstado Democrático de Direito pode ser facilmente constatada pela análisede inúmeros dispositivos da Constituição.

Em primeiro lugar, a guarda da Constituição, em caráter definitivo, éatribuída ao órgão de cúpula do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal(CF, art. 102, caput).

Para mais dessa relevantíssiraa atribuição, impende notar que inúmerosdireitos fundamentais, individuais ou coletivos, catalogados ou não, concernem especificamente ao Poder Judiciário, porquanto a garantia de acesso aum Judiciário imparcial e independente é garantia fundamentei, estruturantede nossa organização político-jurídica.

Page 140: Direito constitucional descomplicado

256 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

Assim, a par de asseverar que "a lei não excluirá da apreciação do PoderJudiciário lesão ou ameaça a direito" (art. 5.°, XXXV), a Carta Política estabelece o princípio do juiz natural (art. 5.°, XXXVII), reconhece o Tribunaldo Júri, atribuindo-lhe competência para julgar os crimes dolosos contra avida (art. 5.°, XXXVIII), assegura que "ninguém será considerado culpadoaté o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5.°, LVH),dentre outros direitos e garantias fundamentais.

São, ainda, essenciais à garantia de um Judiciário imparcial e independenteas diversas prerrogativas da magistratura, vazadas essencialmente nos arts.93 e 95 da Constituição, e a expressa garantia de autonomia administrativae financeira desse Poder da República (CF, art. 99).

Por fim, vale lembrar que o Brasil adota o denominado "sistema inglês",ou "sistema de unicidade de jurisdição". Em poucas palavras, significa issoque somente o Poder Judiciário tem jurisdição, isto é, somente ele pode dizer, em caráter definitivo, o direito aplicável aos casos concretos titigiosossubmetidos a sua apreciação.

2. ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO

Os órgãos que integram o Poder Judiciário foram enumerados pelaConstituição Federal em seu art. 92, nos termos seguintes:

Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

I - o Supremo Tribunal Federal;

I-A - o Conselho Nacional de Justiça;

II —o Superior Tribunal de Justiça;

III - os Tribunais Regionais Federais e Juizes Federais;

IV ~ os Tribunais e Juizes do Trabalho;

V - os Tribunais e Juizes Eleitorais;

VI - os Tribunais e Juizes Militares;

VII - os Tribunais e Juizes dos Estados e do Distrito Federal

e Territórios.

Cap. 9 - PODER JUDICIÁRIO

ESTRUTURA DO PODER JUDICIÁRIO4

Supremo Tribunal Federal

STJ

1

TJ TRF

Juizes

de DireitoJuizes

Federais

TST

TRT

Juizesdo Trabalho

TSE

TRE

JuizesEleitorais

STM

Juizes

Militares

257

Aiém desses órgãos, também integra o Poder Judiciário o Conselho Nacional de Justiça;nao o inserimos na estrutura acima porque este órgão não dispõe de competência jurisdicional.

O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdiçãoem todo o território nacional e, assim como o Conselho Nacional de Justiça,têm sede na Capital Federal (CF, art. 92, §§ 1.° e 2.°).

O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo do Poder Judiciário,ocupando a digna posição de especial guardião da Constituição Federal.Compete à Corte Suprema realizar, originariamente e com exclusividade, ocontrole abstrato de leis e atos normativos em face da Constituição Federale, também, atuar no controle difuso, em que aprecia, em último grau, ascontrovérsias concretas suscitadas nos juízos inferiores.

O Conselho Nacional de Justiça é o órgão de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveresfuncionais dos juizes, cabendo-lhe desempenhar as atribuições que lhe foramdiretamente outorgadas pela Constituição Federal, as quais examinaremosadiante, além de outras que venham a ser estabelecidas pelo Estatuto daMagistratura.

O Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral, o TribunalSuperior do Trabalho e o Superior Tribunal Militar são os quatro TribunaisSuperiores, com sede na Capital Federal e jurisdição em todo o territórionacional.

O SuperiorTribunal de Justiça - STJ tem por função precípua assegurara uniformização da interpretação da legislação federal, apreciando as maisdiferentes controvérsias acerca da aplicação do Direito federal.

Os demais Tribunais Superiores integram a justiça especializada, hajavista que só atuam em um dado ramo do Direito. Assim, o Tribunal Supe-

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258 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

rior Eleitoral aprecia matéria eleitoral; o Superior Tribunal Militar, os crimesmilitares; e o Tribunal Superior do Trabalho, matéria afeta ao Direito doTrabalho.

Cabe a todos os juizes e tribunais do Poder Judiciário exercer a jurisdiçãoconstitucional, na defesa da supremacia da Constituição Federal. Com efeito,todos os órgãos do Poder Judiciário, juizes e tribunais, dispõem de competênciapara proteger a Constituição, devendo afastar, nos casos concretos a eles submetidos, a aplicação das leis que considerarem inconstitucionais. Dessa forma,embora a guarda da Constituição seja função precípua do Supremo TribunalFederal, ele não a exerce de forma exclusiva, haja vista que os demais órgãosdo Poder Judiciário também podem reconhecer a invalidade das leis.

3. FUNÇÕES TÍPICAS E ATÍPICAS

A função típica do Poder Judiciário é a chamada função jurisdicional, pelaqual lhe compete, coercitivamente, em caráter definitivo, julgar as controvérsiasa ele submetidas, dizendo e aplicando o Direito pertinente ao caso.

Entretanto, assim como os demais Poderes da República, o Judiciáriotambém desempenha funções acessórias ou atípicas, de natureza administrativa e legislativa.

O Poder Judiciáno desempenha função atípica administrativa quandoadministra seus bens, serviços e pessoal. A nomeação e exoneração de seusservidores, a concessão a eles de férias e demais direitos, a realização deuma licitação pública são alguns exemplos de atuação do Poder Judiciáriono exercício de função "atípica" administrativa.

O Poder Judiciário desempenha função "atípica" legislativa quando produznormas gerais, aplicáveis no seu âmbito, de observância obrigatória por partedos administrados. É o caso da elaboração dos regimentos dos Tribunais,os quais dispõem sobre a competência administrativa e jurisdicional dessesórgãos.

4. GARANTIAS DO PODER JUDICIÁRIO

A Constituição Federal outorgou importantes garantias ao Poder Judiciário, como meio de lhe assegurar autonomia e independência para o imparcialexercício da jurisdição.

Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira(CF, art. 99).

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 259

Em razão da autonomia financeira, os tribunais elaborarão suas própriaspropostos orçamentárias, desde que dentro dos limites estipulados conjuntamente cora os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. Dessemodo, o Poder Judiciário, embora não disponha de orçamento próprio, temassegurado constitucionalmente o direito de elaborar sua proposta orçamentária, cora a participação ativa na fixação dos limites de gastos da lei dediretrizes orçamentárias.

Determina a Constituição que o encaminhamento da proposta, ouvidosos outros tribunais interessados, compete:

a) no âmbito da União: aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dosTribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais;

b) no âmbito dos estados e no do Distrito Federal e Territórios: aos Presidentesdos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais.

Se os Tribunais do Poder Judiciário não encaminharem as respectivaspropostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizesorçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação daproposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente,ajustados de acordo com os limites estipulados conjuntamente com os demaisPoderes na lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 99, § 3.°).

Ademais, se as propostas orçamentárias dos Tribunais do Poder Judiciário forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados nalei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo procederá aos ajustesnecessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual (CF,art. 99, § 4.°).

Durante a execução orçamentaria do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limitesestabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais (CF,art. 99, § 5.°).

Os recursos provenientes das custas e emolumentos serão destinadosexclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas daJustiça (art. 98, § 2.°).

A autonomia admimstrativa confere aos tribunais do Poder Judiciário acompetência para:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes,dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãosjurisdicionais e administrativos;

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260 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto &Marcelo Alexandrino

b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes foremvinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva;

c) prover, na forma prevista na Constituição, os cargos de juiz de carreira darespectiva jurisdição;

d) propor a criação de novas varas judiciárias;

e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, os cargosnecessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei;

f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juizese servidores que lhes forem imediatamente vinculados.

O Supremo Tribunal Federal, os Tribunais Superiores e os Tribunaisde Justiça podem, ainda, propor ao Poder Legislativo respectivo, desde queobservados os limites estabelecidos na lei-de responsabilidade fiscal:

a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores;

b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação dosubsídio de seus membros e dos juizes, inclusive dos tribunais inferiores,onde houver;

c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores;

d) a alteração da organização e da divisão judiciárias.

5. ORGANIZAÇÃO DA CARREIRA

Estabelece a Constituição que lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estotuto da Magistratura, devendo serobservados os princípios a seguir apresentados.

O ingresso na carreira da magistratura, cujo cargo inicial será o de juizsubstituto, dar-se-á mediante a realização de concurso público de provas etítulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas asfases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividadejurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação.

A promoção do magistrado na carreira, de entrância para entrância, seráfeito alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintesnormas:

a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas oucinco alternadas em lista de merecimento;

-^çf

Cap. 9 * PODER JUDICIÁRIO 261

b) a promoção pormerecimento pressupõe dois anos de exercício na respectivaentrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidadedesta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;

c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivosde produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência eaproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;

d) na apuração de antigüidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz maisantigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conformeprocedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votaçãoaté fixar-se a indicação;

e) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seupoder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem odevido despacho ou decisão.

O acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância.

O Estatuto da Magistratura deverá prever cursos oficiais de preparação,aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatóriado processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecidopor escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados.

A aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão as regras do regime especial de previdência dos servidores públicoscivis, previsto no art. 40 da Constituição Federal.

O juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal.

O ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, porinteresse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta dorespectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampladefesa.

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, efundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitara presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ousomente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidadedo interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

As decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessãopública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta deseus membros.

Nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderáser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vintee cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdi-

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262 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

cionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade dasvagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno.

A atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedadas férias coletivasnos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que nãohouver expediente forense normal, juizes em plantão permanente.

O número de juizes na unidade jurisdicional será proporcional à efetivademanda judicial e à respectiva população.

Os servidores receberão delegação para a prática de atos de administraçãoe atos de mero expediente sem caráter decisório.

A distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição.

6. GARANTIAS AOS MAGISTRADOS

A Constituição Federal assegura aos membros do Poder Judiciário asgarantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio(CF, art. 95).

No primeiro grau, a vitaliciedade só será adquirida após o cumprimento dó estágio probatório de dois anos de exercício. No período do estágioprobatório, no qual não há que se falar em vitaliciedade, a perda do cargodependerá de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado. Umavez cumprido o estágio probatório, o magistrado só perderá o seu cargoem virtude de sentença judicial transitada em julgado.

Os membros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores eos advogados e membros do Ministério Público que ingressam nos tribunaisfederais ou estaduais pela regra do "quinto constitucional" adquirem vitaliciedade imediatamente, no momento em que tomara posse.

A inamovibilidade assegura que os magistrados somente poderão serremovidos por iniciativa própria (e não de ofício, por iniciativa de qualquerautoridade), salvo por motivo de interesse público, mediante decisão adotadapelo voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacionalde Justiça, assegurada ampla defesa (CF, art. 95, II). A inamovibilidade nãoimpede, ainda, que o magistrado seja removido por determinação do ConselhoNacional de Justiça, a título de sanção administrativa, assegurada ampladefesa (CF, art. 103-B, § 4.°, III).

A irredutibilidade do subsídio, assegurada aos magistrados, tem porescopo evitar que a sua atuação seja objeto de pressões, advindas de ameaçasde redução de sua espécie remuneratória, garantindo-se, com isso, a dignidadee a independência necessárias ao pleno exercício de suas funções.

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 263

7. VEDAÇÕES

No intuito de assegurar maior imparcialidade ao exercício de suas funções, a Constituição estabelece certas vedações aos magistrados, que dizemrespeito a atividades e condutas consideradas incompatíveis com a missãode membro do Poder Judiciário. Assim, é vedado aos magistrados:

a) exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo umade magistério;

b) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

c) dedicar-se à atividade político-partidária;

d) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoasfísicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstasem lei;

e) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

É permitido aos juizes exercer mais de uma atividade de magistério,desde que compatíveis com o exercício da magistratura. Não há, também,vedação a que a atividade de magistério seja desempenhada pelos juizesno horário do expediente do juízo ou tribunal, podendo o magistrado queeventualmente lecionar pelas manhãs, ou mesmo à tarde, compensar as suasatividades jurisdicíonais de outras maneiras, sem comprometimento quantoà prestação judicial.

Os magistrados não podem, porém, atuar na Justiça Desportiva, hajavista que a eles só é constitucionalmente permitida a acumulação da atividadejudicante com o magistério (art. 95, parágrafo único, I).

8. SUBSÍDIOS DOS MEMBROS DO PODER JUDICIÁRIO

Os membros do Poder Judiciário serão remunerados exclusivamente porsubsídio, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêraío, verba de representação ou outra espécieremuneratória, somente podendo ser fixados ou alterados por lei específica,observada a iniciativa privativa dos tribunais em cada caso, assegurada revisãogeral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.

Os subsídios dos membros do Poder Judiciário, incluídas as vantagenspessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídiomensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, fixado

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264 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

por lei de iniciativa do Presidente do Supremo Tribunal Federal como tetorenmneratório.

O subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá anoventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros doSupremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixadosem lei e escalonados, em âmbito federal e estadual, conforme as respectivascategorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entreuma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nemexceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dosTribunais Superiores.

9. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

A Emenda Constitucional 45/2004 criou o Conselho Nacional de Justi

ça, órgão integrante da estrutura do Poder Judiciário, com sede na CapitalFederal, com a incumbência de realizar o controle da atuação administrativae financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionaisdos juizes.

O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros commandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:

I - o Presidente do Supremo Tribunal Federal;

II - um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelorespectivo tribunal;

LTI - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicadopelo respectivo tribunal;

IV - um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado peloSupremo Tribunal Federal;

V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;

VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;

VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal deJustiça;

VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado peloTribunal Superior do Trabalho;

IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior doTrabalho;

X - um membro do Ministério Público da União, indicado peloProcurador-Geral da República;

Cap. 9 « PODER JUDICIÁRIO 265

XI- ummembro do Ministério Público estadual, escolhido peloProcurador-Geral da República dentre os nomes indicados peloórgão competente de cada instituição estadual;

XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal daOrdem dos Advogados do Brasil;

XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputaçãoilibada, indicados umpela Câmara dos Deputados e outro peloSenado Federal.

OConselho Nacional de Justiça serápresidido peloPresidente doSupremoTribunal Federal e, nas suas ausências ou impedimentos, peloVice-Presidentedesse Tribunal (art. 103-B, § Io).

A EC 61/2009 afastou a submissão dos nomes do Presidente e doVice-Presidente do Supremo Tribunal Federal à aprovação da maioriaabsoluta do Senado Federal como. condição -prévia-para-a nomeação parao Conselho, haja visto que eles, como ministros da Alta Corte, já foramanteriormente submetidos a essa aprovação legislativa, por ocasião desua nomeação para este cargo, por força do art. 101, parágrafo único, daConstituição Federal.

Os demais membros do Conselho Nacional de Justiça continuam sendonomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pelamaioria absoluta do Senado Federal (art. 103-B, § 2o).

A EC 61/2009 afastou, também, os limites de idade - mínimo e máximo- para os membros do Conselho Nacional de Justiça (anteriormente, esseslimites eram de trinta e cinco e sessenta e cinco anos, respectivamente) eexcluiu a vedação à distribuição de processos ao Presidente do Conselho.

Note-se que, embora seja órgão integrante do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça possui membros alheios ao corpo da magistratura- representantes do Ministério Público, da advocacia e da sociedade, estesúltimos indicados pelo Legislativo.

O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Minis-tro-Corregedor e ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal,competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estotutoda Magistratura, as seguintes:

a) receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aosmagistrados e aos serviços judiciários;

b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral;

c) requisitar e designar magistrados, deíegando-lhes atribuições, e requisitarservidores de juízos ou tribunais, inclusive nos estados, Distrito Federal eTerritórios.

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266 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

A Constituição estabelece que o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil oficiarãojunto ao Conselho Nacional de Justiça. Note-se que eles apenas oficiarãoperante o órgão, não podendo, portanto, serem membros deste Conselhocomo representantes do Ministério Público e da advocacia.

As atribuições do Conselho Nacional de Justiça estão enumeradas, numrol meramente exemplificativo, no art. 103-B, § 4.°, da Constituição, nostermos seguintes:

§ 4.° Compete ao Conselho o controle da atuação administrativae financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveresfuncionais dos juizes, cabendo-lhe, além de outras atribuiçõesque lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atosregulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendarprovidências;

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício oumediante provocação, a legalidade dos atos administrativospraticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendodesconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotemas providências necessárias ao exato cumprimento da lei, semprejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;III - receber e conhecer das reclamações contra membros ouórgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços au~xiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariaise de registro que atuem por delegação do Poder Público ouoficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e cor-reicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinaresem curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempode serviço e aplicar outras sanções administrativas, asseguradaampla defesa;

IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contraa administração pública ou de abuso de autoridade;

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processosdisciplinares de juizes e membros de tribunais julgados hámenos de um ano;

VT- elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processose sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentesórgãos do Poder Judiciário;

VII - elaborar relatório anual, propondo as providências quejulgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO

e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagemdo Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida aoCongresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

267

Esse rol de competências é meramente exemplificativo, haja visto queoutras atribuições poderão ser acrescidas pelo Estotuto da Magistratura, desde que, obviamente, relacionadas ao controle administrativo e financeiro damagistratura e à atuação funcional dos juizes.

Como se vê, o Conselho Nacional de Justiça não dispõe de funçõesjurisdicionais, nem de competência para fiscalizar a atuação jurisdicionaldos juizes. Não é, ademais, um órgão de controle externo do Judiciário, porquanto integra formalmente a estrutura desse Poder. Não reveste, tampouco,a condição de instância máxima de controle da magistratura nacional, hajavista que suas decisões-poderão-sempre ser impugnadas perante o SupremoTribunal Federal, órgão ao qual compete processar e julgar, originariamente,eventuais ações contrárias à atuação do Conselho.

Desse modo, caberá ao Conselho Nacional de Justiça unicamente afunção de realizar o controle da atuação administrativa e financeira (jamaisjurisdicional) do Poder Judiciário e a fiscalização do cumprimento dos deveresfuncionais dos juizes. Esse poder de fiscalização do CNJ alcança, além dosmagistrados, os serviços auxifiares e até serviços notariais e de registro. Nãodesempenha atividade jurisdicional, e sim de controle administrativo, financeiro e correicional da magistratura. Ademais, no desempenho dessa tarefa decontrole da atuação administrativa e financeira dos órgãos do Poder Judiciárioe da atuação funcional dos magistrados, todas as decisões do Conselho serãopassíveis de controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal,por força de autorização constitucional expressa (art. 102, I, "r").

É oportuno destacar, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça não temnenhuma competência sobre o STF e seus ministros, sendo este o órgãomáximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. Com efeito,a competência do CNJ é relativa apenas ao controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar dos órgãos e juizes situados, hierarquicamente,abaixo do STF.

O Conselho Nacional de Justiça dispõe de poder normativo primário,o que lhe assegura competência para expedir normas primárias visando àregulamentação das matérias que lhe são afetes (CF, art. 103-B).

No intuito de conferir maior efetividade à atuação do Conselho Nacional de Justiça, a Constituição determina que a União, inclusive no DistritoFederal e nos Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou

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268 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxíliares, representandodiretamente ao Conselho Nacional de Justiça.

10. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze membros, nomeados peloPresidente da República, após aprovação pela maioria absoluta do SenadoFederal, dentre cidadãos de notável saber jurídico e reputação Ilibada, commais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade.

Como não existe regra predeterminada para o preenchimento das vagas,o Presidente da República é livre para escolher, desde que observados osrequisitos constitucionais a seguir apontados, submetendo o nome à aprovaçãodo Senado Federal. Caso haja a aprovação pela maioria absoluto do SenadoFederal, o Presidente da República fará a nomeação. Com a nomeação, cabeao Presidente do Tribunal dar a posse ao novo Ministro, momento em queocorre a imediata aquisição da vitaliciedade.

São os seguintes os requisitos para a escolha dos Ministros do SupremoTribunal Federal:

a) idade entre 35 e 65 anos;

b) ser brasileiro nato;

c) ser cidadão, no pleno gozo dos direitos políticos;

d) possuir notável saber jurídico e reputação ilibada.

Note-se que, formalmente, a Constituição não impõe que os membrosdo Supremo Tribunal Federal sejam, obrigatoriamente, bacharéis em Direito,tampouco que seus membros sejam originários da magistratura, erabora hajaa exigência de notável saber jurídico.

A vigente Constituição ampliou significativamente a competência originária do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em relação ao controle abstratode normas e ao controle da omissão do legislador. Ademais, foi mantida asua competência de órgão revisor do controle difuso de constitucionalidade,no exame de questões constitucionais suscitadas incidentalmente nos casosconcretos submetidos aos juízos e tribunais inferiores.

10.1. Competências

As competências do Supremo Tribunal Federal estão enumeradas nos arts.102 e 103 da Constituição Federal, podendo ser divididas em competência

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 269

originária (quando o STF processa e julga, originariamente, a matéria, emúnica instância) e competência recursal (quando o STF aprecia a matéria aele chegada mediante recurso ordinário ou extraordinário).

A competência originária está prevista no inciso I do art. 102 da Constituição, nos termos seguintes:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precípuamente,a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativofederal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidadede lei ou ato normativo federal;

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República,o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seuspróprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha,do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art.52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal deContas da União e os chefes de missão diplomática de caráterpermanente;

d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoasreferidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e ohabeas data contra atos do Presidente da República, das Mesasda Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunalde Contas da União, do Procurador-Geral da República e dopróprio Supremo Tribunal Federal;

e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo internacionale a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território;

f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a Uniãoe o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;

h) (Revogada pela Emenda Constitucional 45/2004.);

i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ouquando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionáriocujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do SupremoTribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdiçãoem uma única instância;

j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;

1)a reclamação para a preservação de sua competência e garantiada autoridade de suas decisões;

Page 147: Direito constitucional descomplicado

270 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

m) a execução de sentença nas causas de sua competênciaoriginária, facultada a delegação de atribuições para a práticade atos processuais;

n) a ação em que todos os membros da magistratura sejamdireta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais dametade dos membros do tribunal de origem estejam impedidosou sejam direta ou indiretamente interessados;

o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal deJustiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ouentre estes e qualquer outro tribunal;

p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade;

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da normaregulamentadora for atribuição do Presidente da República, doCongresso Nacional, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tribunalde Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou dopróprio Supremo Tribunal Federal;

r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra oConselho Nacional do Ministério Público.

Esse rol de competências originárias estabelecido pela ConstituiçãoFederal é exaustivo, não havendo possibilidade de o legislador ordinárioestabelecer outras competências originárias para o Supremo Tribunal Federal.Assim, eventuais acréscimos a esse rol deverão ser formalizados, sempre,mediante a aprovação de emenda à Constituição.

Cabe destacar que a competência originária do Supremo Tribunal Federalpara processar e julgar autoridades só se aplica enquanto elas estiverem noexercício da função pública, ou seja, a competência do foro por prerrogativade função não alcança as autoridades que não mais exerçam cargo ou mandato(com o término do exercício da função pública, expira-se o direito ao foroespecial, sendo os autos remetidos à Justiça Comum competente).

Como dissemos antes, o Supremo Tribunal Federal também atua na viarecursal, na qual aprecia as controvérsias a ele chegadas mediante recursosordinários ou recursos extraordinários.

Assim, no exercício da sua competência recursal, compete ao SupremoTribunal Federal julgar, em recurso ordinário:

a) o crime político;

b) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandadode injunção decididos em instância única pelos Tribunais Superiores, sedenegatória a decisão.

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 271

Ainda na via recursal, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar,mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou últimainstância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo da Constituição Federal;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da ConstituiçãoFederal;

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

11. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) compõe-se de, no mínimo, trintae três Ministros, nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiroscom mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notávelsaber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioriaabsoluto do Senado Federal, sendo:

a) 1/3 de juizes dos Tribunais Regionais Federais - TRF;

b) 1/3 de desembargadores dos Tribunais de Justiça estaduais - TJ;

c) 1/3 divididos da seguinte maneira: 1/6 de advogados e 1/6 de membros doMinistério Público Federal, estaduais e do Distrito Federal.

Ao contrário do que se verifica em relação aos integrantes do SupremoTribunal Federal, a Constituição exige a graduação em Direito de todos osmembros do Superior Tribunal de Justiça, porque eles serão, obrigatoriamente,membros da magistratura, do Ministério Público ou advogados.

Os candidatos deverão cumprir os seguintes requisitos:

a) ter idade entre trinta e cinco e sessenta e cinco anos;

b) ser brasileiro nato ou naturalizado;

c) possuir notável saber jurídico e reputação ilibada.

O Presidente da República escolherá o candidato, integrante das listas tríplices a ele apresentadas, e o nome será submetido à apreciação doSenado Federal, considerando-se aprovado se obtiver maioria absoluto dosvotos daquela Casa Legislativa. Uma vez aprovado, a nomeação caberá aoPresidente da República.

Page 148: Direito constitucional descomplicado

272 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

11.1. Competências

As competências do Superior Tribunal de Justiça estão enumeradas noart. 105 da Constituição Federal, podendo ser divididas em competênciasoriginárias (quando o STJ é acionado diretamente, nas ações em que cabea ele o primeiro julgamento) e recursais (quando o STJ aprecia recursosordinários ou especiais).

A competência originária do Superior Tribunal de Justiça está enumeradano inciso I do art. 105 da Constituição, nos termos seguintes:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do DistritoFederal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadoresdos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, osmembros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito

Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos TribunaisRegionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhosou Tribunais de Contas dos Municípios e os do MinistérioPúblico da União que oficiem perante tribunais;

b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato deMinistro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exércitoe da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;

c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquerdas pessoas mencionadas na alínea a, ou quando o coator fortribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada acompetência da Justiça Eleitoral;

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, o, bem como entre tribunal ejuizes a ele não vinculados e entre juizes vinculados a tribunaisdiversos;

e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;

f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantiada autoridade de suas decisões;

g) os conflitos de atribuições entre autoridades administrativase judiciárias da União, ou entre autoridades judiciárias de umEstado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ouentre as deste e da União;

h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 273

federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casosde competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos daJustiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho eda Justiça Federal;

i) a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão deexequatur às cartas rogatórias.

Dentre essas competências originárias do Superior Tribunal de Justiça,destacamos esta última atribuição de homologar as sentenças estrangeiras econceder o exequatur às cartas rogatórias. Essa competência foi retirada doSupremo Tribunal Federal e repassada ao Superior Tribunal de Justiça pelaEmenda Constitucional 45/2004. O exequatur é a autorização dada pelo Superior Tribunal de Justiça para que possam, validamente, ser executadas noBrasil, na jurisdição do juiz competente, as diligências ou atos processuaisrequisitados por autoridade judiciária estrangeira.

O inciso II do art. 105 da Constituição trata da competência recursal doSuperior Tribunal de Justiça para julgar, em recurso ordinário:

a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos TribunaisRegionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal eTerritórios, quando a decisão for denegatória;

b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos TribunaisRegionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal eTerritórios, quando denegatória a decisão;

c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional,de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada noPaís.

Por fim, o inciso Hl do art. 105 enumera as demais competências recursaisdo Superior Tribunal de Justiça, agora exercidas mediante recurso especial.Consoante a redação do dispositivo, compete ao STJ:

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em únicaou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelostribunais dos Estados, do Distrito Federa! e Territórios, quandoa decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face delei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe hajaatribuído outro tribunal.

Page 149: Direito constitucional descomplicado

274 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Determina a Constituição que funcionarão junto ao Superior Tribunalde Justiça:

a) a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, cabendo--Ihe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiais para o ingressoe promoção na carreira;

b) o Conselho da Justiça Federal, cabendo-lhe exercer, na forma da lei, asupervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro esegundo graus, como órgão central do sistema e com poderes correicíonais,cujas decisões terão caráter vinculante.

12. JUSTIÇA FEDERAL

A Justiça Federal é composta pelos Tribunais Regionais Federais (órgãoscolegiados de segundo grau) e pelos juizes federais (órgãos singulares deprimeiro grau).

Os Tribunais Regionais Federais - TRE compõem-se de, no mínimo,sete juizes, recrutedos, quando possível, na respectiva região e nomeadospelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menosde sessenta e cinco anos, sendo:

a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividadeprofissional e membros do Ministério Público Federal com mais de dezanos de carreira;

b) os demais, mediante promoção de juizes federais com mais de cinco anosde exercício, por antigüidade e merecimento, alternadamente.

A competência dos Tribunais Regionais Federais está enumerada noart. 108 da Constituição Federal, dividida em originária (causas ajuizadasperante o próprio Tribunal) e recursal (recursos contra as causas decididaspelos juizes federais e pelos juizes estaduais no exercício da competênciafederal da área de sua jurisdição), nos termos seguintes:

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I - processar e julgar, originariamente:

a) os juizes federais da área de sua jurisdição, incluídos os daJustiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns ede responsabilidade, e os membros do Ministério Público daUnião, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seusou dos juizes federais da região;

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 275

c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato dopróprio Tribunal ou de juiz federal;

d) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juizfederal;

e) os conflitos de competência entre juizes federais vinculadosao Tribunal;

II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juizesfederais e pelos juizes estaduais no exercício da competênciafederal da área de sua jurisdição.

Os Tribunais Regionais Federais instalarão a justiça itinerante, com arealização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, noslimites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentospúblicos e comunitários.

Os Tribunais Regionais Federais poderão funcionar descentralizadamente,constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do juris-dicionado à justiça em todas as fases do processo.

A competência dos juizes federais está enumerada no art. 109 da Constituição Federal, nos termos seguintes:

Art. 109. Aos juizes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresapública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes detrabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;

III — as causas fundadas em tratado ou contrato da União comEstado estrangeiro ou organismo internacional;

IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas emdetrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suasentidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e daJustiça Eleitoral;

V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha oudevesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refereo § 5.° deste artigo;

VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casosdeterminados por lei, contra o sistema financeiro e a ordemeconôraico-financeira;

Page 150: Direito constitucional descomplicado

276 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua competênciaou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atosnão estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;

VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra atode autoridade federal, excetuados os casos de competência dostribunais federais;

IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves,ressalvada a competência da Justiça Militar;

X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o exequatur, e desentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes ànacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;

XI - a disputa sobre direitos indígenas.

Em relação ao inciso I desse art. 109, cabe esclarecer que, por ausênciade previsão constitucional, a competência da Justiça Federal não alcança ascausas em que figurar sociedade de economia mista federal, entidade integrante da Administração Pública indireto (note-se que o texto constitucionalrefere-se, apenas, à entidade autárquica ou empresa pública federal).

Os §§ 1.° e 2.° do art. 109 estabelecem as regras sobre o foro das causasde interesse da União. Assim, as causas em que a União for autora serãoaforadas na seção judiciária onde tiver domicílio a outra parte. Diferentemente, as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seçãojudiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocomdo oato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou,ainda, no Distrito Federal.

Os §§ 3.° e 4.° do art. 109 trazem regra especial relativa às ações previdenciárias (que, em regra, são julgadas pela Justiça Federal), determinandoque serão processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro do domicíliodos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição deprevidência social e segurado, sempreque a comarcanão seja sede de vara dojuízo federal. Mas, nesse caso, eventual recurso será sempre para o TribunalRegional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.

O § 5.° do art. 109 da Constituição estabelece que nas hipóteses degrave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República,com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes detratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte,poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fasedo inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para aJustiça Federal.

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 277

Por força desse dispositivo constitucional, introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004, o Procurador-Geral da República poderá intentar, peranteo Superior Tribunal de Justiça, era qualquer fase do inquérito ou processo, afederalização dos crimes que impliquem grave violação de direitos humanos,isto é, poderá solicitar ao Superior Tribunal de Justiça o deslocamento decompetência para processo e julgamento desses delitos da Justiça Estadualpara a Justiça Federal.

A respeito da organização da Justiça Federal no primeiro grau, dispõe aConstituição que cada estado, bem como o Distrito Federal, constituirá umaseção judiciária que terá por sede a respectiva capital, e varas localizadassegundo o estabelecido era lei (art. 110).

13. JUSTIÇA DO TRABALHO

A Justiça do Trabalho é composta pelos seguintes órgãos: Tribunal Superior do Trabalho - TST, Tribunais Regionais do Trabalho - TRT e juizesdo trabalho.

O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete Ministros,escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta

e cinco anos, nomeados pelo Presidente da República após aprovação pelamaioria absoluta do Senado Federal, sendo:

a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividadeprofissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dezanos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94 da ConstituiçãoFederal;

b) os demais dentre juizes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos damagistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior.

A lei disporá sobre a competência do Tribunal Superior do Trabalho.

Funcionarão junto ao Tribunal Superior do Trabalho:

a) a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho, cabendo-lhe, dentre outras funções, regulamentar os cursos oficiaispara o ingresso e promoção na carreira;

b) o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cabendo-lhe exercer, na formada lei, a supervisão administrativa, orçamentária, financeira e patrimonialda Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus, como órgão centraldo sistema, cujas decisões terão efeito vinculante.

Page 151: Direito constitucional descomplicado

278 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mínimo, setejuizes, recrutodos, quando possível, na respectiva região, e nomeados peloPresidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos desessenta e cinco anos, sendo:

a) um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividadeprofissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dezanos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94 da ConstituiçãoFederal;

b) os demais, mediante promoção de juizes do trabalho por antigüidade emerecimento, alternadamente.

Note-se que, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, o texto constitucional passou a determinar a aplicação da regra do "quinto constitucional",prevista no art. 94 da Constituição, também para a composição dos tribunaisda Justiça do Trabalho (TST e TRT).

Os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante, coma realização de audiências e demais funções de atividade jurisdicional, noslimites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentospúblicos e comunitários.

Os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar descentralizada-mente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acessodo jurisdicionado à justiça era todas as fases do processo.

A lei criará varas da Justiça do Trabalho, podendo, nas comarcas nãoabrangidas por sua jurisdição, atribuí-la aos juizes de direito, com recursopara o respectivo Tribunal Regional do Trabalho.

Nas Varas do Trabalho, a jurisdição será exercida por um juiz singular,haja vista que a Junta de Conciliação e Julgamento, antigo órgão colegiadocomposto de representantes de empregados e empregadores, foi extinto pelaEmenda Constitucional 24/1999.

A competência da Justiça do Trabalho está enumerada no art. 114 daConstituição, nos termos seguintes:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I — as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos osentes de direito público externo e da administração públicadireta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal edos Municípios;

II —as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III —as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entresindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

Cap. 9 - PODER JUDICIÁRIO 279

IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeasdata, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à suajurisdição;

V —os conflitos de competência entre órgãos com jurisdiçãotrabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial,decorrentes da relação de trabalho;

VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostasaos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações detrabalho;

VTII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstasno art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes dassentenças que proferir;

IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho,na forma da lei.

Em relação ao inciso I do art. 114, o Supremo Tribunal Federal firmouentendimento de que a competência da Justiça do Trabalho não alcança ojulgamento de ações entre o Poder Público e servidores públicos com vínculoestatutário, investidos em cargo efetivo ou em cargo era comissão, haja vistaque o vínculo jurídico de natureza estatutária vigente entre servidores públicos e a Administração Pública é estranho ao conceito de relação de trabalho.Portanto, na esfera federal, as ações envolvendo servidores públicos federaisregidos por regime estatutário, ou seja, pela Lei 8.112/1990, continuam soba competência da Justiça Federal.

Também entende o Supremo Tribunal Federal que, com fundamento noInciso II do art. 114 da Constituição, a Justiça do Trabalho é competentepara processar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada (SúmulaVinculante 23).

No tocante ao inciso VI do art. 114, o Supremo Tribunal Federal firmou orientação de que, após a promulgação da Emenda Constitucional45/2004, as ações de indenização, inclusive por dano moral, propostas porempregado contra empregador (ou ex-empregador), fundadas em acidentedo trabalho, são da competência da Justiça do Trabalho, e não da JustiçaComum Estadual.

Esse entendimento da Corte Máxima restou consolidado no enunciadoda Súmula Vinculante 22, nestes termos:

22 -~ A Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos morais e patrimoniais

Page 152: Direito constitucional descomplicado

280 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregadocontra empregador, inclusive aquelas que ainda não possuíamsentença de mérito em primeiro grau quando da promulgaçãoda Emenda Constitucional n.° 45/04.

A Constituição Federal reconhece a arbitragem como meio de soluçãode conflitos trabalhistas, desde que antes seja intentada a negociação entreas partes, ao dispor que, frustrada a negociação, as partes poderão elegerárbitros (CF, art. 114, § 1.°).

Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, éfacultado às raesraas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de naturezaeconômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas asdisposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente (CF, art. 114, § 2.°).

Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesãodo interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito (CF,art. 114, § 3.°).

14. JUSTIÇA ELEITORAL

São órgãos da Justiça Eleitoral: o Tribunal Superior Eleitoral; os TribunaisRegionais Eleitorais; os Juizes Eleitorais; as Juntas Eleitorais.

O Tribunal Superior Eleitoral compor-se-á, no mínimo, de sete membros,escolhidos:

I —mediante eleição, pelo voto secreto:

a) três juizes dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal;

b) dois juizes dentre os Ministros do Superior Tribunal deJustiça;

II - por nomeação do Presidente da República, dois juizesdentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidademoral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal.

O Tribunal Superior Eleitoral elegerá seu Presidente e o Vice- Presidentedentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal, e o Corregedor Eleitoraldentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Haverá um Tribunal Regional Eleitoral na capitai de cada estado e noDistrito Federal (CF, art. 119).

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 281

Os Tribunais Regionais Eleitorais compor-se-ão:

I - mediante eleição, pelo voto secreto:

a) de dois juizes dentre os desembargadores do Tribunal deJustiça;

b) de dois juizes, dentre juizes de direito, escolhidos peloTribunal de Justiça;

II - de um juiz do Tribunal Regional Federal com sede naCapital do Estado ou no Distrito Federal, ou, não havendo, dejuiz federal, escolhido, em qualquer caso, pelo Tribunal RegionalFederal respectivo;

III —por nomeação, pelo Presidente da República, de dois juizesdentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidademoral, indicados pelo Tribunal de Justiça.

Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juizes de direito e das juntas eleitorais (CF, art. 121).

Em respeito à imparcialidade do Judiciário, os membros dos tribunais, osjuizes dedireitoe os integrantes dasjuntas eleitorais, no exercíciode suasfunções,e no que lhes for aplicável, gozarão de plenas garantias e serão inamovíveis.

No intuito de afastar.a possibilidade de ingerência política nos tribunaiseleitorais, determina a Constituição que os juizes dos tribunais eleitorais, salvomotivo justificado, servirão por dois anos, no mínimo, e nunca por mais dedois biênios consecutivos, sendo os substitutos escolhidos na mesma ocasiãoe pelo mesmo processo, em número igual para cada categoria.

São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior Eleitoral, salvo as quecontrariarem a Constituição Federal e as denegatórias de habeas corpus oumandado de segurança.

Das decisões dos Tribunais Regionais Eleitorais somente caberá recursoquando:

I —forem proferidas contra disposição expressa da Constituiçãoou de lei;

JJ - ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois oumais tribunais eleitorais;

III - versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomasnas eleições federais ou estaduais;

IV —anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatoseletivos federais ou estaduais;

V —denegarem habeas corpus, mandado de segurança, habeasdata ou raandado de injunção.

Page 153: Direito constitucional descomplicado

282 RESUMO DÊ DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

15. JUSTIÇA MILITAR

São órgãos da Justiça Militar: o Superior Tribunal Militar e os Tribunaise Juizes Militares instituídos por lei (CF, art. 122).

O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios,nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicaçãopelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatrodentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentrecivis (CF, art. 123).

Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentrebrasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo:

a) três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com maisde dez anos de efetiva atividade profissional;

b) dois, por escolha paritária, dentre juizes auditores e membros do MinistérioPúblico da Justiça Militar.

À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidosem lei (CF, art. 124).

A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência daJustiça Militar (CF, art. 124, parágrafo único).

16. JUSTIÇA ESTADUAL

Os estados-membros organizarão sua Justiça, observados os princípiosestabelecidos na Constituição Federal, conforme previsto no art. 125 daCarta Política.

A competência dos Tribunais de Justiça deverá ser definida na Constituição do estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa doTribunal de Justiça.

Cabe aos estados-membros a instituição de representação de inconstitucionalidade (ADI) de leis e atos normativos estaduais e municipais em face daConstituição estadual, vedada a legitimação para agir a um único órgão.

A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, aJustiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juizes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunalde Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos estados em que o efetivomilitar seja superior a vinte mil integrantes.

-_)

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 283

Na composição dos Tribunais de Justiça dos estados deverá ser observadaa regra do "quinto constitucional", comentada em item específico adiante.

Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dosestados, nos crimes militares definidos em leí e as ações judiciais contraatos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando avítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perdado posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças (CF, art.125, § 4.°).

Compete aos juizes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciaiscontra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob apresidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares(CF, art. 125, § 5.°).

O Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente, constituindoCâmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado àjustiça em todas as fases do processo (CF, art. 125, § 6.°).

O Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização deaudiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriaisda respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários(CF, art. 125, § 7.°).

Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criaçãode varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias(CF, art. 126).

17. JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL

O Distrito Federal não dispõe de competência para organizar, legislar emanter o Poder Judiciário local, cabendo esto competência à União, por leiaprovada pelo Congresso Nacional.

18. JUSTIÇA DOS TERRITÓRIOS

A lei disporá sobre a organização judiciária dos Territórios, sendo que,naqueles Territórios Federais com mais de cem mil habitantes, haverá órgãosjudiciários de primeira e segunda instância (CF, art. 33).

Nos Territórios Federais, a jurisdição e as atribuições cometidas aosjuizes federais caberão aos juizes da justiça local, na forma da lei (CF, art.110, parágrafo único).

Page 154: Direito constitucional descomplicado

284 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

19. "QUINTO CONSTITUCIONAL"

Um quinto dos lugares dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunaisde Justiça dos estados e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios será composto de membros do Ministério Público, com mais de dezanos de carreira, e de advogados de notório saber jurídico e de reputaçãoilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional.

A indicação será era lista sêxtupla pelos órgãos de representação dasrespectivas classes, que encaminharão as indicações ao tribunal respectivo,que formará lista tríplice, enviando-a ao Chefe do Poder Executivo que, nosvinte dias subsequentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação(CF, art. 94).

Essa regra, que determina a obrigatoriedade da observância do quintoconstitucional na composição dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunaisde Justiça dos estados e do Distrito Federal, não se aplica aos TribunaisSuperiores, que têm regras próprias de composição e investidura.

Entretanto, a Emenda Constitucional 45/2004 passou expressamente aexigir a observância do quinto constitucional na composição dos tribunaisda Justiça do Trabalho (TST e TRT).

20. JULGAMENTO DE AUTORIDADES

Apresentamos, a seguir, elaborado a partir de quadro sobre o assunto,de lavra do Prof. Alexandre de Moraes, uma síntese das competênciaspara julgamento das principais autoridades da República Federativa doBrasil.

Autoridade

Presidente da Republica

Vice-Presidente da

República

Congressistas

Infração

responsabilidade

responsabilidade

responsabilidade

Órgão Julgador

, STF (art 102, i bj_j .

' Senado Federal (art 52 [)

STF (art. 102, l, b)

Senado Federal (art. 52, i)

STF (art 102 I b)

Casa Legislativa respectiva(art 55 § 2 °)

Autoridade

Ministros do STF

Procurador-Gerai dãRepública ~

Membros do CNJ e CNMP

Ministros de Estado

e Comandantes da

Marinha, do Exercito e daAeronáutica

Advogado-Geral da União

Presidente do Banco

Central

Tribunais Superiores(STJ, TSE, STM, TST) ediplomatas

Tribunal de Contas da

União

Membros dos TRT/ TRE/

TCE/TCM

Desembargadores Federais(TRFs)

Juizes fecleraib

Governador de Estado

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO

Infração

responsabilidade

responsabilidade^

comum

responsabilidade

Órgão Julgador

STF (art. 102, I, b)

Senado Federai

(art 52, II)

STF (art. 102, !, b)

Senado Federal

(art 52, it)

285

dependerá do cargo deorigem

Senado Federal

(art. 52, II)

STF (art 102 I, c)

responsabilidade_1

STF (art 102 I c)

responsabilidade conexo como Presidente

responsabilidade

responsabilidade

comum / responsabilidade

comum / responsabilidade

comum / responsabilidade

comum / responsabilidade

comum / responsabilidade

comum l eleitoral -

responsabilidade

Senado Federal

(art a2, II)

STF (art. 102, l, b)

Senado Federa!

(art. 52, li)

STF (art 102, I, b)

Senado Federal(art 52, il)

STF (art. 102, l, c)

STF (art 102. I, c)

STJ (art. 105, 1, a)

STJ (art 105, l, a)

TRF (art 108, l a)

-STJ (art 105, l, a)

Tribunal Especial, previstona Lei 1 079/1950

Page 155: Direito constitucional descomplicado

286 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Autoridade Infração Órgão Julgador

Vice-governador de Estado

comum

depende da Constituiçãoestadual (em regra,Tribunal de Justiça)

responsabilidade depende de lei federal

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!resppiféafãfiâ^ Assembléia.Legislativa V-•: /,.-•".

Procurador-Geral de Justiça

comum TJ (art. 96, III)

responsabilidadePoder Legislativo estadualou Distrital (art 128, § 4 °)

Membros do Ministério

Público Estadual

comum / responsabilidade TJ (art. 96rHI)

"crimes eleitorais TRE

Tribuna! de Justiça Militar/Juizes de Direito

comum / responsabilidade TJ (art 96, III)

crimes eleitorais TRE

Desembargadores" comum / eleitoral /

responsabilidade STJ (art. 105, I, a)

Prefeitos

comum, de competência daJustiça Estadual

TJ (art. 29, X)

comum, nos demais casosTribunais de segundo grau(TRF ou TRE)

responsabilidade próprias(infrações político-administrativas)

Câmara dos Vereadores

(art, 31)

responsabilidade impróprias(infrações penais) TJ

21. PRECATÓRIOS JUDICIAIS

O art. 100 da Constituição Federal estabelece a regra para o pagamentodas dívidas das Fazendas Públicas decorrentes de decisões judiciais, submetendo-as ao regime dos precatórios, nos seguintes termos (redação dadapela EC 62/2009):

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 287

judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica deapresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos,proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotaçõesorçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Para o cumprimento desse regime de pagamento, as entidades de direitopúblico estão obrigadas a incluir nos seus respectivos orçamentos verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas emjulgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1.° de julho,fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seusvalores atualizados monetariamente (art. 100, § 5.°).

O regime dos precatórios estabelece um cronograma para o pagamentodos débitos das Fazendas Públicas decorrentes de sentenças judiciais, cronograma esse que pode, em síntese, ser assim entendido: conforme transitamem julgado ações judiciais reconhecedoras de débitos da Fazenda Pública, sãoexpedidos precatórios, que são apresentados à Fazenda Pública, em ordemcronológica, para pagamento; anualmente, a Fazenda Pública tem a obrigaçãode fazer constar da sua lei orçamentária verba necessária ao pagamento deseus débitos, consignados nos precatórios judiciais apresentados até l.° dejulho, que deverão ser quitados até 31 de dezembro do ano seguinte.

21.1. Exceção ao regime de precatórios

O regime de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas Públicas devam fazerem virtude de sentença judicial transitada em julgado (art. 100, § 3.°). Comefeito, trata-se de uma única hipótese em que deverá ser feito o pagamentodireto pela Fazenda, sem seguir a sistemática de precatórios: obrigações depequeno valor, definidas em lei de cada ente federado.

Para esse fim, leis dos diferentes entes federados - União, estados, Distrito Federal e municípios —poderão fixar valores distintos, segundo suascapacidades econômicas, ou seja, as "obrigações de pequeno valor" sujeitasa pagamento direto, sem precatórios, poderão ter valores diferentes para cadaente federado, tendo em vista suas realidades econômicas específicas, desdeque seja observado, por todos os entes federados, na fixação desse valor, umteto mínimo, equivalente ao valor do maior benefício do regime geral deprevidência social - RGPS (CF, art. 100, § 4.°).

21.2. Ordem de pagamento

Conforme vimos, os débitos oriundos de sentenças judiciais, constantesde precatórios apresentados até 1.° de julho, deverão ser pagos pela Fazenda

Page 156: Direito constitucional descomplicado

288 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Pública até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizadosmonetariamente (art. 100, § 5.°).

Segundo o regime de pagamento instituído pela EC 62/2009, a FazendaPública deverá efetuar o pagamento de seus débitos inscritos em precatóriosobservando-se a seguinte ordem:

a) primeiro, os débitos de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais na data de expedição do precatório, ou sejamportadores de doença grave, até o valor equivalente ao triplo do fixado emlei para "obrigação de pequeno valor", admitido o fracíonamento para essafinalidade;

b) segundo, os demais débitos de natureza alimentícia;

c) por último, os débitos de natureza não alimentícia.

Para o fim de preferência no pagamento dos precatórios, consideram-sedébitos de natureza alimentícia aqueles decorrentes de salários, vencimentos,proventos, pensões e suas complementoções, benefícios previdenciários eindenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil,em virtude de sentença judicial transitada em julgado (art. 100, § 1.°).

21.3. Atualização monetária e juros

A partir da promulgação da EC 62/2009, a atualização monetária devalores de requisitórios, após sua expedição, até o efetivo pagamento, independentemente de sua natureza, será feite pelo índice oficial de remuneraçãobásica da caderneta de poupança, e, para fins de compensação da mora,incidirão juros simples no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de juros compensatórios(art. 100, § 12).

Em resumo, o pagamento de débitos oriundos de sentenças transitadas emjulgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1.° de julho,obedece à seguinte sistemática:

a) se o pagamento for efetuado pela Fazenda Pública dentro do prazo constitucional, isto é, até o final do exercício seguinte, o crédito será atualizadomonetariamente, pelo índice oficial de remuneração básica da caderneta depoupança, e não haverá incidência de juros;

b) se houver atraso no pagamento, isto é, se o pagamento for efetuado em dataposterior ao final do exercício seguinte, além da atualização monetária peloíndice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança, o créditoserá acrescido de juros simples no mesmo percentual de juros incidentes

Cap. 9 • PODER JUDICIÁRIO 289

sobre a caderneta de poupança, ficando excluída a incidência de quaisqueroutros juros compensatórios.

21.4. Seqüestro de valor

As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir adecisão exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimentodo credor e exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito deprecedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfaçãodo seu débito, o seqüestro da quantia respectiva (art. 100, § 6.°).

Anote-se que o art. 100 da Constituição Federal autoriza o seqüestrode quantia necessária ao pagamento de créditos inscritos em precatórios emduas hipóteses:

a) preterimento do direito de precedência;

b) não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do débito.

Nenhuma outra situação, por mais grave que seja, autoriza o seqüestrode verbas públicas para o pagamento de precatório, ressalvadas as hipóteses,de cunho transitório, previstas nos arts. 78, § 4.°, e 97, § 10, I, do Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias - ADCT.

21.5. Vedação ao fracíonamento

Para evitar fraude à regra de que a única exceção ao sistema de precatórios são os pagamentos das "obrigações de pequeno valor", definidas emlei, o § 8° do art. 100 proíbe a expedição de precatórios complementaresou suplementares de valor pago, bem como o fracionaraento, repartição ouquebra do valor da execução que pudesse acarretar o pagamento da dívidapela Fazenda, em parte, diretamente, fora do sistema de precatórios, e, emparte, mediante expedição de precatório.

Essa vedação ao fracionaraento, porém, não alcança a hipótese de pagamento preferencial, sob o regime de precatórios, dos débitos de naturezaalimentícia aos titulares que tenham 60 (sessenta) anos de idade ou mais nadata de expedição do precatório, ou que sejam portadores de doença grave,previsto no § 2.° do art. 100 da Constituição Federal. Com efeito, nessecaso, poderá ocorrer o ffacionamento do valor da execução, para o fim deefetuar-se o pagamento, em parte, com preferência sobre todos os demaisdébitos (até o triplo daquele fixado em lei, pelo respectivo ente federado,

Page 157: Direito constitucional descomplicado

290 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

como "obrigação de pequeno valor"), e o restante na ordem cronológica deapresentação do precatório.

21.6. Compensação de créditos

No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valorcorrespondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívidaativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora,incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial(art. 100, § 9.°).

Em face dessa determinação constitucional, temos que, por exemplo, sereconhecido era sentença judicial transitada em julgado crédito em favor deJoão no valor de RS 100.000,00 em face da União, e João for devedor dessaFazenda Pública federal (débitos de impostos federais, por exemplo) no valorde RS 70.000,00, será obrigatória a efetivação da compensação de créditos,ou seja, dos R$ 100.000,00 deverá ser abatido o valor de R$ 70.000,00,expedindo-se o precatório no valor de R$ 30.000,00.

21.7. Uso e cessão de valor consignado em precatório

É facultada ao credor, conforme estabelecido em lei da entidade federativa devedora, a entrega de créditos em precatórios para compra de imóveispúblicos do respectivo ente federado (art. 100, § 11).

O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios aterceiros, independentemente da concordância do devedor (art. 100, § 13).

Entretanto, caso seja efetivada a cessão, o cessionário não se beneficiarádo recebimento preferencial dos débitos de natureza alimentícia a que serefere o § 2.° do art. 100 da Constituição Federal (ordinariamente aplicávelao maior de sessenta anos ou portador de doença grave), tampouco do pagamento direto, sem sujeição ao regime de precatórios (na hipótese de a cessãoreferir-se a quantia que seria ordinariamente enquadrada como "obrigação depequeno valor").

FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA

1. INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 agrupou em um capítulo específico disposiçõesacerca do que denominou "Funções Essenciais à Justiça". Sob essa rubrica,trata o texto constitucional do Ministério Público, da advocacia pública, daDefensoria Pública e da advocacia privada.

Note-se que nenhuma dessas pessoas ou órgãos integra a estrutura doPoder Judiciário. São, como afirma o próprio texto constitucional, pessoasou órgãos que atuam perante o Judiciário. Mais do que isso, sua atuação éimprescindível ao próprio exercício da função jurisdicional, tendo em conte,sobretudo, o fato de que o Poder Judiciário não atua de ofício, isto é, poriniciativa própria, sem provocação.

Passemos ao estudo das disposições constitucionais pertinentes a essas"Funções Essenciais à Justiça".

2. MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à funçãojurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, doregime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis(CF, art. 127).

A Constituição Federal, em plena harmonia com o sistema de "freiose contrapesos", instituiu o Ministério Público como um órgão autônomo e

Page 158: Direito constitucional descomplicado

292 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

independente, não subordinado a qualquer dos Poderes da República, consistindo em autêntico fiscal da nossa Federação, da separação dos Poderes,da moralidade pública, da legalidade, do regime democrático e dos direitose garantias constitucionais.

A autonomia e independência do Ministério Público, nos termos examinados a seguir, conferem ao órgão imparcialidade na sua atuação, semingerência dos demais Poderes do Estado.

2.1. Composição

O Ministério Público abrange (CF, art. 128):

I —o Ministério Público da União, que compreende:

a) o Ministério Público Federal;

b) o Ministério Público do Trabalho;

c) o Ministério Público Militar;

d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

II — os Ministérios Públicos dos Estados.

Dessarte, o Ministério Público da União compreende, em sua estrutura,diferentes ramos do Ministério Público (Federal, do Trabalho, Militar, alémdo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios).

O fato de o Ministério do Distrito Federal e Territórios integrar oMinistério Público da União justifica-se porque, por determinação constitucional, cabe à União organizar e manter esse ramo do Ministério Público(art. 21, XIII).

2.2. Posição constitucional

A Constituição Federal situa o Ministério Público em capítulo especial,fora da estrutura dos demais Poderes da República, certamente como meiode explicitar sua autonomia e independência.

Em verdade, considerando as atribuições que foram constitucionalmenteconferidas ao Ministério Público, bem como a autonomia e a independênciaa ele asseguradas, a discussão sobre sua colocação constitucional entre osPoderes da República mostra-se uma questão menor, secundária, de interessemeramente teórico. O que importa é sua feição constitucionalmente traçada,de órgão independente, não subordinado a nenhum dos Poderes da República,sujeito apenas à Constituição e às leis.

Cap. 10 • FUNÇÕESESSENCIAIS ÀJUSTIÇA 293

Ainda que admitida por alguns autores sua vinculação administrativaao Poder Executivo, o relevante é que o Ministério Público constitui órgãoautônomo e independente, com funções institucionais expressas no texto danossa Carta Política, não podendo, no regular exercício de suas atribuições,sofrer ingerência dos demais Poderes da República, sob pena de flagranteinconstitucionalidade.

2.3. Princípios do Ministério Público

São princípios do Ministério Público, constitucionalmente expressos, aunidade, a indivisibiíidade, a independência funcional e a autonomia administrativa e financeira (CF, art. 127, §§ 1.° e 2.°).

2.3.1. Princípio da unidade

A unidade do Ministério Público significa que seus membros integramum só órgão, sob única direção de um procurador-geral.

O princípio da unidade, porém, há que ser visto como "unidade dentro decada Ministério Público". Não existe, em face do tratamento constitucional,unidade entre o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos dosestados, tampouco entre o Ministério Público de um estado e o de outro, enem mesmo entre os diferentes ramos do Ministério Público da União.

23.2. Princípio da indivisibiíidade

O princípio da indivisibiíidade enuncia que os membros do MinistérioPúblico não se vinculam aos processos em que atuam, podendo ser substituídos uns pelos outros, de acordo com as regras legais, sem nenhum prejuízopara o processo.

Da mesma forma que o princípio da unidade, a indivisibiíidade tambémnão pode ser efetivada entre os diferentes Ministérios Públicos, devendo sercompreendida como existente somente dentro de cada um deles.

2.3.3. Princípio da independência funcional

O Ministério Público é independente no exercício de suas funções, nãoestando subordinado a qualquer dos Poderes (Legislativo, Executivo, ou Judiciário); seus membros não se subordinam a quem quer que seja, somenteà Constituição, às leis e à própria consciência.

Page 159: Direito constitucional descomplicado

294 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Com efeito, a hierarquia existente dentro de cada Ministério Público, dosseus membros em relação ao Procurador-Geral, é meramente administrativa,e não de ordem funcional (não concernente a sua atuação no exercício desuas competências).

2.3.4. Autonomia administrativa e financeira

A autonomia administrativa confere ao Ministério Público poderes para,observado o art. 169 da Constituição Federal, propor ao Poder Legislativoa criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os pormeio de concurso público de provas ou de provas e títulos, bem comopropor a política remuneratória e os planos de carreira. No exercício dessaautonomia, o Ministério Público elabora suas próprias folhas de pagamento;adquire bens e contrata serviços; edita atos de concessão de aposentadoria,exoneração de seus servidores etc.

A autonomia financeira outorga ao Ministério Público a competência paraelaborar sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na leide diretrizes orçamentárias, podendo, ulteriormente, administrar os recursosque lhe forem destinados com plena autonomia. Essa autonomia, porém, nãolhe assegura o poder de iniciativa da lei orçamentária diretamente perante oPoder Legislativo, devendo a sua proposto integrar-se ao orçamento geral queserá submetido ao Poder Legislativo pelo chefe do Poder Executivo. Assim,o Ministério Público não dispõe de recursos próprios, mas, na elaboração daproposta do orçamento geral, tem o poder de indicar os recursos necessáriosa atender suas próprias despesas.

Caso o Ministério Público não encaminhe a respectiva proposto orçamentária dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o PoderExecutivo considerará, para fins de consolidação da proposto orçamentáriaanual, os valores aprovados na leí orçamentária vigente, ajustados de acordocom os limites estipulados na lei de diretrizes orçamentárias.

Se o Ministério Público encaminhar a proposta orçamentária, mas o fizerem desacordo com os limites estipulados na lei de diretrizes orçamentárias, oPoder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidaçãoda proposta orçamentária anual.

Ademais, durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem oslimites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamenteautorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais.

Por fim, vale lembrar que a autonomia do Ministério Público estáassentada, tarabéra, na outorga ao Procurador-Geral da República e aos

-"(j3''

Cap. 10• FUNÇÕES ESSENCIAIS ÀJUSTIÇA 295

Procuradores-Gerais de Justiça da iniciativa de lei sobre a organização,respectivamente, do Ministério Público da União e dos estados (CF, art.128, § 5.°). Essa iniciativa, porém, será exercida concorrentemente com ochefe do Poder Executivo, por força do art. 61, § 1.°, II, "d", da Constituição Federal.

2.3.5. Princípio do promotor natural

O princípio do promotor natural proíbe designações casuísticas, efetuadas pela chefia do Ministério Público, para atuação neste ou naqueleprocesso, impedindo a existência, entre nós, da figura do "promotor deexceção". Segundo o postulado, somente o promotor natural é competentepara atuar no processo, como meio de garantia da imparcialidade de suaatuação, e como garantia da própria sociedade, que terá seus interessesdefendidos privativamente pelo órgão constitucional técnica e juridicamentecompetente.

O princípio do promotor natural impõe que o critério para a designaçãode um membro do Ministério Público para atuar em uma determinada causa seja abstrato e predeterminado, que seja baseado era regras objetivas egerais, aplicáveis a todos os que se encontrem nas situações nelas descritas,não podendo a chefia do Ministério Público realizar designações arbitrárias,decididas caso a caso, tampouco determinar a substituição de um promotorpor outro, fora das hipóteses expressamente previstes em lei.

2.4. Funções do Ministério Público

A vigente Constituição ampliou significativamente o rol de funçõesdo Ministério Público, erigindo-o em autêntico defensor da sociedade, nasesferas penal e cível, e incumbindo-o de zelar pela moralidade e probidadeadministrativas.

Nos expressos termos da Constituição Federal, são funções institucionaisdo Ministério Público (art. 129):

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na formada lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;III —promover o inquérito civil e a ação civil pública, para aproteção do patrimônio público e social, do meio ambiente ede outros interesses difusos e coletivos;

Page 160: Direito constitucional descomplicado

296 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo S Marcelo Alexandrino

IV —promover a ação de inconstitucionalídade ou representaçãopara fins de intervenção da União e dos Estados, nos casosprevistos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos desua competência, requisitando informações e documentos parainstruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII —exercer o controle externo da atividade policial, ria formada lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investígatórias e a instauração deinquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suasmanifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde quecompatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Essa enumeração de competências, como claramente deflui do inciso DC,acima transcrito, não é exaustiva, podendo outras competências ser outorgadasao Ministério Público pelo legislador, desde que sejam compatíveis com amissão constitucional do órgão.

Ao Ministério Público é vedada a atuação como representante judicialou consultor jurídico de quaisquer entidades públicas.

A Constituição Federal determina que as funções do Ministério Públicosó podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir nacomarca da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.Determina, também, que a distribuição de processos no Ministério Públicoserá imediata.

2.5. Ingresso na carreira

O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á mediante concursopúblico de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil —OAB em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito,no raínirao, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações,a ordem de classificação.

2.6. Nomeação dos Procuradores-Gerais

O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República entre integrantes da carreira,

Cap. 10 • FUNÇÕES ESSENCIAIS ÃJUSTIÇA 297

maiores de trinta e cinco anos, após aprovação do seu nome pela maioriaabsoluta do Senado Federal (CF, art. 128, § 1.°).

A nomeação é para o exercício de mandato de dois anos, permitidassucessivas reconduções. Porém, em cada recondução, haverá necessidade denova aprovação do Senado Federal, sempre por maioria absoluta (não hálimite para o número de reconduções). A destituição do Procurador-Geral daRepública, por iniciativa do Presidente da República, deverá ser precedidade autorização da maioria absoluto do Senado Federal.

A nomeação do Procurador-Geral de Justiça nos estados e no DistritoFederal também obedece à regra constitucionalmente prevista, segundo aqual os Ministérios Públicos dos estados e o do Distrito Federal e Territóriosformarão lista tríplice entre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefedo Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução(art. 128, § 3.°).

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é chefiado peloProcurador-Geral de Justiça, nomeado pelo Presidente da República, a partirde listatríplice elaborada pelorespectivo Ministério Público, dentre mtegrantesda carreira, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.

Observe-se que, ao contrário do que ocorre nos estados-membros, em queo Governador nomeia o Procurador-Geral de Justiça, no Distrito Federal essaincumbência pertence ao Presidente da República, haja vista que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é um dos ramos do MinistérioPúblico da União, organizado e mantido pela União (CF, art. 21, XIII).

Anote-se^ ainda, que, na nomeação do Procurador-Geral de Justiça dosestados e do Distrito Federal, há duas diferenças em relação à nomeação doProcurador-Geral da República: (i) a não participação do Poder Legislativo estadual na escolha e nomeação do Procurador-Geral de Justiça (nanomeação doProcurador-Geral da República há participação obrigatória do Senado Federal);e (ii) a permissão para apenas uma recondução do Procurador-Geral de Justiça(o Procurador-Geral da República pode ser reconduzido no cargo indetermina-damente, desde que cada recondução seja aprovada pelo Senado Federal).

Os Procuradores-Gerais nos estados e no Distrito Federal e Territóriospoderão ser destituídos por deliberação da maioria absoluto do Poder Legislativo, na forma da lei complementar respectiva (CF, art. 128, § 4.°). Assim,no âmbito dos estados-membros, a destituição do Procurador-Geral de Justiçacaberá à Assembléia Legislativa, por decisão de maioria absoluta de seusmembros. No Distrito Federal, como o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é um dos ramos do Ministério Público da União, competeao Senado Federal (e não à Câmara Legislativa), por maioria absoluta, adestituição do Procurador-Geral de Justiça.

Page 161: Direito constitucional descomplicado

298 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

2.7. Garantias dos membros

São garantias constitucionais dos membros do Ministério Público: avitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio (CF, art.128, § 5.°).

Os membros do Ministério Público adquirem vitaliciedade após doisanos de efetivo exercício na carreira, mediante aprovação em concurso deprovas e títulos, não podendo perder o cargo senão por sentença judicialtransitada era julgado.

Uma vez no cargo, os membros do Ministério Público somente podemser removidos ou promovidos por iniciativa própria, e não de ofício (istoé, não por iniciativa de qualquer autoridade), salvo por motivo de interessepúblico, mediante decisão do órgão colegiado competente do MinistérioPúblico, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampladefesa. A inamovibilidade não impede, também, que o membro do MinistérioPúblico seja removido por detemúnação do Conselho Nacional do MinistérioPúblico, a título de sanção administrativa, assegurada ampla defesa (CF,art. 130-A, § 2.°, III).

O subsídio dos membros do Ministério Público é irredutível.

2.8. Vedações constitucionais

É vedado ao membro do Ministério Público (CF, art. 128, § 5.°, II):

a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários,percentagens ou custas processuais;

b) exercer a advocacia;

c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;

d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra funçãopública, salvo uma de magistério;

e) exercer atividade político-partidária;

f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuiçõesde pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadasas exceções previstas em lei.

Com a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, a vedação aoexercício de atividade político-partidária passou a ter natureza absoluto,não comportando mais qualquer exceção. Significa dizer que a inelegibilidade do membro do Ministério Público passou a ser absoluta, assim comosempre foi a dos merabros do Poder Judiciário. Com isso, os membros do

Cap. 10 • FUNÇÕESESSENCIAIS A JUSTIÇA 299

Ministério Público não poderão mais filiar-se a partido político, tampoucodisputar qualquer mandato eletivo, exceto se optarem pela exoneração ouaposentadoria do cargo.

Aos merabros do Ministério Público também é vedado exercer a advocaciano juízo ou tribunal em que desempenhava suas funções, antes de decorridostrês anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração (CF, art.128, § 6.°).

2.9. Conselho Nacional do Ministério Público

A Emenda Constitucional 45/2004 criou o Conselho Nacional do Minis

tério Público - CNMP, ao qual compete o controle da atuação administrativae financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionaisde seus membros.

O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze merabros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolhapela maioria absoluta do Senado Federal, sendo (CF, art. 130-A):

I - o Procurador-Geral da República, que o preside;

II - quatro membros do Ministério Público da União, asseguradaa representação de cada uma de suas carreiras;

III - três membros do Ministério Público dos Estados;

IV - dois juizes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federale outro pelo Superior Tribunal de Justiça;

V - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordemdos Advogados do Brasil;

VI - dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro peloSenado Federal.

O mandato de tais membros é de dois anos, admitida apenas uma recondução sucessiva.

Estabelece a Constituição que o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB oficiará junto ao Conselho. Destarte,ele não poderá ser membro do Conselho como representante indicado pelaOAB, apenas terá direito a oficiar perante o órgão.

Na sua missão de controlar a atuação admimstrativa e financeirado Ministério Público e o cumprimento dos deveres funcionais de seusmembros, compete ao Conselho Nacional do Ministério Público (CF, art.130-A, § 2.°):

Page 162: Direito constitucional descomplicado

300 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto &Marcelo Alexandrino

I - zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbitode sua competência, ou recomendar providências;

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício oumediante provocação, a legalidade dos atos administrativospraticados por membros ou órgãos do Ministério Público daUnião e dos Estados, podendo desconstituí-Ios, revê-los oufixar prazo para que se adotem as providências necessárias aoexato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dosTribunais de Contas;

III - receber e conhecer das reclamações contra membros ouórgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusivecontra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processosdisciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidadeou a-aposentadoria com-subsídios ou proventos proporcionaisao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas,assegurada ampla defesa;

IV —rever, de ofício ou mediante provocação, os processosdisciplinares de membros do Ministério Público da União oudos Estados julgados há menos de um ano;

V - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgarnecessárias sobre a situação do Ministério Público no País eas atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagemprevista no art. 84, XI.

O Conselho será presidido pelo Procurador-Geral da República e deveráescolher, era votação secreta, um corregedor nacional, dentre os membrosdo Ministério Público que o integram, vedada a recondução, competindo aesse corregedor, além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, asseguintes (CF, art. 130-A, § 3.°):

I —receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado,relativas aos membros do Ministério Público e dos seus serviços auxiliares;

II - exercer funções executivas do Conselho, de inspeção ecorreição geral;

III - requisitar e designar membros do Ministério Público,delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de órgãosdo Ministério Público.

Para assegurar maior efetividade à atuação do Conselho, determina aConstituição que leis da União e dos estados deverão criar ouvidorias do

Cap. 10 • FUNÇÕESESSENCIAIS À JUSTIÇA 301

Ministério Público, competentes para receber reclamações e denúncias dequalquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao ConselhoNacional do Ministério Público.

2.10. Ministério Público junto aos tribunais de contas

A Constituição Federal prevê a existência de um Ministério Públicojuntoao Tribunal de Contes da União, devendo ser aplicados aos membros desseMinistério Público os direitos, vedações e forma de investidura previstos paraos demais membros do Ministério Público (art. 130).

Importante destacar que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União é instituição que não integra o Ministério Público da União,cujos ramos foram taxativamente enumerados no art. 128, inciso I, da CartaPolítica. Esse Ministério Público é vinculado administrativamente ao próprioTribunal de Contos da União.

Com isso, cabe ao próprio Tribunal de Contas da União a iniciativa de leisobre a organização do Ministério Público que junto a ele atua, matéria quepoderá ser veiculada em lei ordinária, porquanto só aos ramos do MinistérioPúblico comum (art. 128, I e H) aplica-se a exigência de lei complementarde iniciativa do respectivo Procurador-Geral, prevista no art. 128, § 5.°, daConstituição.

O modelo federal estabelecido para o Ministério Público que atua juntoao Tribunal de Contes da União é aplicável ao Ministério Público que atuajunto aos tribunais de contas dos estados, fazendo-se as devidas adequações.Por exemplo, o Mmistério Público que atua junto ao Tribunal de Contas doEstado do Paraná integra esta Corte de Contes (e não o Ministério Públicoestadual), sua organização será por meio de lei ordinária (e não por meiode lei complementar estadual) e a iniciativa dessa lei ordinária, perante aAssembléia Legislativa, é privativa do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (e não concorrente entre o Governador e o Procurador-Geral de Justiça,como ocorre com o Ministério Público dos estados).

2.11. Prerrogativa de foro

Os membros do Ministério Público são processados e julgados, originariamente, por certos tribunais do Poder Judiciário, garantia que consubstancia a denominada prerrogativa de foro, a eles outorgada em homenagem àplena autonomia funcional que deve ser assegurada no desempenho de suasatribuições constitucionais.

Page 163: Direito constitucional descomplicado

302 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo S,Marcelo Alexandrino

O Procurador-Geral da República é processado e julgado, originariamente,pelo Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, e pelo SenadoFederal, nos crimes de responsabilidade.

Os membros do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP sãojulgados pelo Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. Nos crimescomuns, cada membro do CNMP responderá perante seu respectivo foro, deacordo cora a função por ele ordinariamente exercida, se houver. Assim, oProcurador-Geral da República, raerabro-presidente do Conselho, responderá,nos crimes comuns, perante o Supremo Tribunal Federai. Já os cidadãos,membros do CNMP indicados pela Câmara dos Deputados e pelo SenadoFederal, responderão perante a Justiça Comum, salvo se o cidadão indicadofor autoridade detentora de foro especial em razão do exercício de outrafunção pública.

Os membros do Ministério Público da União que atuara perante osTribunais do Poder Judiciário e, também, os membros dos Ministérios Públicos estaduais que atuam perante os Tribunais de Justiça são processadose julgados pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ.

Os membros do Ministério Público da União - inclusive os membrosdo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, ramo do MinistérioPúblico da União - que atuam perante os juízos de primeiro grau são julgados pelo respectivo Tribunal Regional Federal - TRF.

Os merabros dos Ministérios Públicos estaduais que atuara peranteos juízos de primeiro grau são julgados pelo respectivo Tribunal de Justiça - TJ.

3. ADVOCACIA PÚBLICA

A Advocacía-Geral da União foi criada com o fim de afastar de vez

do Ministério Público Federal a função de advocacia da União, regime quevigorava na vigência da Constituição pretérita. Com efeito, sob a égideda Constituição de 1969, os membros do Ministério Público Federal oradesempenhavam a sua função típica, ora atuavam como Procuradores daRepública no exercício da advocacia da União, vale dizer, como advogadosrepresentantes da União.

A vigente Constituição, acertadamente, acabou com essa dualidade defunção do Ministério Público, criando a Advocacia-Geral da União, à qualcabe, diretamente ou por meio de órgão vinculado, representar a União,judicial e extrajudicialmeníe, bem como prestar as atividades de consultoriae assessoramento jurídico do Poder Executivo (CF, art. 131).

Cap. 10 ' FUNÇÕESESSENCIAIS À JUSTIÇA 303

Note-se que são duas funções distintas. Pela primeira, a Advocacia-Geralda União representa, judicial e extrajudicialmente, a União, aqui englobando seus diversos órgãos, nos três Poderes da República, e não só o PoderExecutivo. Pela outra, cabe-lhe prestar consultoria e assessoramento jurídicoao Poder Executivo federal (esta última atribuição, insista-se, só alcança oPoder Executivo federal).

A Advocacia-Geral da União é chefiada pelo Advogado-Geral da União,cargo de livre nomeação e exoneração pelo Presidente da República, entrecidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação daUnião cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão da estruturaadministrativa do Ministério da Fazenda.

Os procuradores dos estados e do Distrito Federal, organizados em carreira,na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, coraa participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases,exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivasunidades federadas (CF, art. 132).

Aos procuradores dos estados e do Distrito Federal é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado dascorregedorias.

4. ADVOCACIA

Estabelece a Constituição que o advogado é indispensável à administraçãoda justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício daprofissão, nos limites da lei (CF, art. 133).

Esse dispositivo constitucional consagra duas regras especiais aplicáveisaos advogados, no desempenho de suas funções: (a) o princípio da indispen-sabilidade do advogado; (b) a imunidade do advogado.

O princípio da indispensabilidade da intervenção exige a subscrição deadvogado habilitado profissionalmente, mediante inscrição na Ordem dosAdvogados do Brasil - OAB, para a postulaçâo em juízo. Essa exigência,porém, não é absoluta, pois a lei pode, em situações excepcionais, afastara obrigatoriedade de assistência advocatícia, como ocorre no caso da impetração de habeas corpus, na revisão criminal e no acesso à Justiça doTrabalho, hipóteses em que a postulaçâo em juízo independe de subscriçãode advogado.

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304 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

A garantia da imunidade do advogado lhe assegura a inviolabilidade porseus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. Nãose trata de privilégio do profissional em si, mas sim garantia ao exercício daprofissão e, também, represento importante garantia para o próprio cliente,que muitas vezes confia ao seu advogado documentos e testemunhos quenecessitam de proteção e sigilo perante terceiros.

Essa imunidade, porém, não é absoluta, devendo obedecer aos limitesestabelecidos em lei. Assim, a inviolabilidade circunscreve-se às manifestaçõese à prática de atos vinculados ao efetivo e regular exercício da profissão,sendo absolutamente descabida a sua invocação quando as ofensas expedidaspelo advogado forem gratuitas, fora dos limites da causa e sem pertinênciacom o estrito exercício da atividade profissional.

Os advogados têm, ainda, o direito de acesso a provas já documentadasem autos de inquéritos policiais que envolvam seus clientes, inclusive osque tramitam em sigilo. Esse entendimento está consolidado no enunciadoda Súmula Vinculante 14 do STF, nos termos seguintes:

14 —É direito do defensor, no interesse do representado, teracesso amplo aos elementos de prova que, já documentadosem procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício dodireito de defesa.

5. DEFENSORIA PÚBLICA

A Constituição consagra, como direito individual, a prestação estatal deassistência jurídica integral e gratuito aos que comprovarem insuficiência derecursos (art. 5.°, LXXTV).

Complementando esse dispositivo, determina o art. 134 da Constituiçãoque a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional doEstado, mcumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus,dos necessitados, na forma do art. 5.°, LXXIV.

Como não existia defensoria pública à data da promulgação da Constituição Federal de 1988 (esse órgão é criação da "Constituição Cidadã"), otexto constitucional determinou que o Congresso Nacional editasse uma leicomplementar para organizar a Defensoria Pública da União e do DistritoFederal e dos Territórios e, também, para prescrever normas gerais para suaorganização nos estados (art. 134, § 1°).

As Defensorias Públicas serão organizadas em cargos de carreira, providos,na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada

Cap. 10 • FUNÇÕESESSENCIAIS Á JUSTIÇA 305

a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício daadvocacia fora das atribuições institucionais (CF, art. 134, § 1.°).

A Emenda Constitucional 45/2004 trouxe regra de fortalecimento daautonomia das Defensorias Públicas estaduais, assegurando-lhes autonomiafuncional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentrodos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. Essa ampliaçãoda autonomia administrativa e orçamentária, porém, só foi conferida às Defensorias Públicas estaduais, não alcançando a Defensoria Pública da Uniãoe do Distrito Federal e Territórios.

Por fim, determina a Constituição que, assim como os servidores integrantes da carreira da advocacia pública (isto é, integrantes da Advocacia--Geral da União e dos órgãos a ela vinculados), os servidores das DefensoriasPúblicas serão remunerados na forma de subsídio (art. 135).

Page 165: Direito constitucional descomplicado

CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE

1. INTRODUÇÃO

Nos países dotados de Constituições escritas do tipo rígidas, a alteraçãodo texto constitucional exige um procedimento especial, estabelecido pelopróprio constituinte originário, mais difícil do que o exigido para a produçãodo direito ordinário (subconstitucional).

A primeira conseqüência relevante dessa exigência de formalidades especiais para a reforma da Carta Política é que nos ordenamentos de Constituição rígida vigora o princípio da supremacia formal da Constituição. Valedizer, nesses sistemas jurídicos, as normas elaboradas pelo poder constituinteoriginário são colocadas acima de todas as outras manifestações de direito.

Para que se compreenda com clareza essa decorrência da rigidez constitucional é suficiente notar que, nos sistemas jurídicos de Constituição flexível,a inexistência de diferenciação entre os procedimentos de elaboração das leisordinárias e de modificação das normas constitucionais faz com que todaprodução normativa jurídica tenha o mesmo status formal, ou seja, as leisnovas derrogara ou revogam todas as normas anteriores cora elas incompatíveis, mesmo que estas sejam normas constitucionais.

Assim, em um sistema de constituição flexível - o da Inglaterra, porexemplo —descabe cogitar de impugnação de inconstitucionalidade, sendoo parlamento poder legislativo e constituinte ao mesmo tempo. As decisõesdo parlamento não podem ser de modo algum atacadas perante os tribunais;somente os atos praticados em decorrência de ato do parlamento é que po-

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308 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

dem ser examinados pelo Judiciário, a fim de se verificar se não excederamos poderes conferidos.

Esse ponto constitui a segunda conseqüência importante da rigidezconstitucional (e mais diretamente do princípio da supremacia da Constituição): somente nos ordenamentos de Constituição escrita e rígida é possívela realização do controle de constitucionalidade das leis da forma como oconhecemos e estudamos. Unicamente nesses sistemas jurídicos podemosfalar, propriamente, em normas infraconstitucionais que, como tais, devemrespeitar a Constituição.

Significa dizer que para uma norma ter validade dentro desses sistemashá que ser produzida em concordância com os ditames da Constituição, querepresenta seu fundamento de validade. A Constituição situa-se no vértice dosistema jurídico do Estado, de modo que as normas de grau inferior somentevalerão se forem com ela compatíveis.

Ao mesmo tempo, para que se possa falar, efetivamente, em Estado deDireito, é necessário que exista pelo menos um órgão estatal, independentedo órgão encarregado da produção normativa, ao qual a própria Constituiçãoatribua competência para verificação da conformidade das normas ordináriascora seus princípios e regras. Essa é outra decorrência relevante do princípioda supremacia constitucional: a necessidade de separação de poderes.

Dessarte, para que se tenha um efetivo sistema de controle de constitucionalidade dos comportamentos, leis e atos, normativos ou concretos, faz-seinsofismável a necessidade de que se determine quem é competente paraanalisar e decidir se houve ou não ofensa à Constituição, como também qualo processo que deve ser utilizado para se anular uma conduta ou ato inconstitucional. É a própria Constituição que estabelece os órgãos encarregadosde exercer tais competências e procedimentos especiais, que variam de umregime constitucional para outro e que consubstanciam o que denominamoscontrole de constitucionalidade.

Pelo até aqui exposto, podemos afirmar que são dois os pressupostospara o controle de constitucionalidade: (a) a existência de uma Constituiçãodo tipo rígida; (b) a previsão constitucional de um mecanismo de fiscalizaçãoda validade das leis.

É ainda relevante destacar que ao mesmo tempo em que uma Constituição do tipo rígida é pressuposto da existência do controle de constitucionalidade, não é menos verdade que esse mesmo controle é pressupostoe garantia de uma Constituição rígida. Isso porque, caso não haja órgãocom a função de exercer o controle de constitucionalidade, a Constituiçãoficará sem meios de fazer valer a sua supremacia em face de condutasafrontosas ao seu texto.

RIGIDEZ

DA -_

CONSTITUIÇÃO

Cap 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

PRINCÍPIO,DASUPREMACIA DA

CONSTITUIÇÃO

INCONSTtTUCiO-NALiDADES DAS

"*" -LEIS

309

NECESSIDADE DO

CONTROLE DE CONS

TITUCIONALIDADE

O estudo do controle de constitucionalidade, portanto, implica perquirir,essencialmente: (i) quais órgãos do nosso Estado têm competência para declarar a inconstitucionalidade das leis, atos e condutas; (ii) em que espéciesde procedimentos as normas e condutas poderão ser declaradas inconstitucionais; (iii) quais os efeitos da declaração da inconstitucionalidade da normaou comportamento em desacordo com a Constituição.

2. CONCEITO E ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADES

Partindo das considerações anteriormente expendidas —a rigidez dá origem ao princípio da supremacia formal, que requer que todas as situaçõesjurídicas se conformem com os preceitosda Constituição - chegamos à noçãode inconstitucionalidade, a qual resulta do conflito de um comportamento,de uma norma ou de um ato com a Constituição.

Inconstitucional é, pois, a ação ou omissão que ofende, no todo ou emparte, a Constituição. Se a lei ordinária, a lei complementar, o estotuto privado,o contrato, o ato administrativo etc. não se conformarem com a Constituição,não devem produzir efeitos. Ao contrário, devem ser fulminados, por inconstitucionais, cora base no princípio da supremacia constitucional.

2.1. Inconstitucionalidade por ação e por omissão

A inconstitucionalidade poderá resultar de uma ação ou de uma omissãodo Poder Público, dando origem às denominadas inconstitucionalidades poração (ou positivas) ou por omissão (ou negativas).

Ocorre a inconstitucionalidade por ação quando o desrespeito à Constituição resulta de uma conduto coraissiva, positiva,praticadapor algum órgãoestatal. E o caso, por exemplo, da elaboração pelo legislador ordinário deuma lei em desacordo com a Constituição.

Temosa inconstitucionalidadepor omissãoquandoa afronta à Constituiçãoresulta de uma omissão do legislador, em face de um preceito constitucional que determine seja elaborada norma regulamentando suas disposições.Constitui, portanto, uma conduta omissiva frente a uma obrigação de legislar,imposta ao Poder Público pela própria Constituição.

Page 167: Direito constitucional descomplicado

310 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

2.2. Inconstitucionalidade material e forma!

A inconstitucionalidade poder resultar da desconforraidade do conteúdodo ato ou do seu processo de elaboração cora alguma regra ou princípio daConstituição. Na primeira hipótese - desconformidade de conteúdo - teremosa inconstitucionalidade material, enquanto na segunda - desconformidadeligada ao processo de elaboração da norma -, a inconstitucionalidade formal.

A inconstitucionalidade material ocorre, portanto, quando o conteúdo dalei contraria a Constituição. O processo legislativo (procedimento constitucionalmente exigido para a elaboração da lei) pode ter sido fielmente obedecido,mas a matéria tratada é incompatível com a Carta Política. Seria o caso, porexemplo, de uma lei que introduzisse no Brasil a pena de morte em temposde paz, que padeceria de inconstitucionalidade material, por afrontar o art.5.°, XLVII, da Lei Maior.

A inconstitucionalidade formal ocorre quando há um desrespeito à Constituição no tocante ao processo de elaboração da norma, podendo alcançartanto o requisito competência, quanto o procedimento legislativo em si. Oconteúdo da norma pode ser plenamente compatível com a Carta Magna,mas alguma formalidade exigida pela Constituição, no tocante ao tramitelegislativo ou às regras de competência, foi desobedecida.

2.3. Inconstitucionalidade total e parcial

A inconstitucionalidade pode atingir todo o ato normativo (total) ouapenas parte dele (parcial).

Evidentemente, a regra é o reconhecimento da inconstitucionalidade deapenas parte da lei ou ato normativo. Afinal, a aferição da validade da norma é feita dispositivo por dispositivo, matéria por matéria, e não em bloco,globalmente.

Há situações, porém, que impõem ao Poder Judiciário a declaração dainconstitucionalidade total da norma impugnada. Seria o caso, por exemplo,da impugnação de uma lei resultante de iniciativa viciada (toda a matériadisciplinada na norma era de iniciativa privativa do Presidente da República,mas o projeto de lei foi apresentado por parlamentar) ou, ainda, de umalei de conteúdo materialmente complementar que tenha sido aprovada pormaioria simples de votos.

No Brasil, a declaração da inconstitucionalidade parcial pelo PoderJudiciário pode recair sobre fração de artigo, parágrafo, inciso ou alínea,até mesmo sobre uma única palavra de um desses dispositivos da lei ouato normativo. A regra constitucional que restringe o exame da constitucio-

Cap. 11 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 311

nalidade do projeto de leí ao texto integral de artigo, parágrafo, inciso oualínea (art. 66, § 2.°) diz respeito ao chamado "veto jurídico" do chefe doExecutivo, não alcançando a declaração de inconstitucionalidade proferidapelo Poder Judiciário.

Entretanto, a declaração da inconstitucionalidade parcial pelo PoderJudiciário não poderá subverter o intuito da lei, mudando o seu sentido ealcance, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes, queimpede a atuação do Poder Judiciário como legislador positivo. Assim, sea declaração da inconstitucionalidade parcial implicar mudança do sentidoe alcance da norma impugnada, o Poder Judiciário deverá declarar a inconstitucionalidade de toda a norma (inconstitucionalidade total), sob penade atuar (indevidamente) como autêntico legislador positivo, criando normanão pretendida pelo legislador, em ofensa ao postulado da separação dospoderes.

2.4. Inconstitucionalidade direta e indireta

A inconstitucionalidade é direto quando a desconformidade verificadadá-se entre leis ou outros atos normativos primários e a Constituição.

O caso típico de inconstitucionalidade direta é a elaboração de umaespécie normativa primária, integrante do nosso processo legislativo (art.59), em desrespeito à Constituição Federal. Como essas normas retiram oseu fundamento de validade diretamente da Constituição, eventual desrespeito - formal ou material - às regras e princípios constitucionais implicaráinconstitucionalidade direto.

Por outro lado, a inconstitucionalidade indireta (ou reflexa), como aprópria denominação sugere, ocorre naquelas situações em que o vícioverificado não decorre de violação direta da Constituição. Assim, sedeterminado decreto regulamentar, expedido para a fiel execução da lei,extrapola os limites desta, ainda que supostamente essa extrapolação tenha Implicado, também, flagrante desrespeito a determinada norma constitucional, não será hipótese de inconstitucionalidade direta. Isso porqueo fundamento de validade do decreto regulamentar não é diretamentea Constituição, raas sim a lei regulamentada, era função da qual tenhasido expedido. Logo, eventuais conflitos entre a norma regulamentadorasecundária (decreto) e a norma primária regulamentada (lei), ainda quesupostamente infringentes de normas constitucionais, não constituem ofensadireta à Constituição.

Essa distinção é de grande relevância para o estudo do controle de constitucionalidade das leis, haja vista que a jurisprudência do Supremo TribunalFederal equipara a chamada inconstitucionalidade indireto ou reflexa à mera

Page 168: Direito constitucional descomplicado

312 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

ilegalidade. Assim, para a Corte, o conflito entre norma secundária (regulamentar) e primária (regulamentada) é caso de mera ilegalidade, e não deinconstitucionalidade propriamente dita.

A inconstitucionalidade indireta ou reflexa aqui estudada não podeser confundida cora a chamada inconstitucionalidade derivada, que dizrespeito a outra relação existente entre norma regulamentadora e lei regulamentada.

Ocorre a inconstitucionalidade derivada (ou conseqüente) quando a declaração da inconstitucionalidade da norma regulamentada (primária) levaao automático e inevitável reconhecimento da invalidade das normas re-

gulamentodoras (secundárias) que haviam sido expedidas em função dela.Assim, se o decreto "Y" regulamentava a lei "X", a declaração da inconstitucionalidade desta atinge, por derivação, a validade daquele, que deixa deproduzir efeitos.

2.5. Inconstitucionalidade originária e superveniente

A inconstitucionalidade originária é aquela que macula o ato no momento da sua produção, em razão de desrespeito aos princípios e regras daConstituição então vigente.

O reconhecimento da inconstitucionalidade originária pressupõe, portanto, o confronto entre a lei e a Constituição vigente no momento da suaprodução. Por exemplo, se estivermos nos referindo à inconstitucionalidadeoriginária de uma lei produzida era 1985, certamente o confronto desta serácom a Constituição de 1969, que vigorava quando tal diploma legal hipotético foi elaborado.

Ao contrário, fala-se em inconstitucionalidade superveniente quando ainvalidade da norma resulta da sua incompatibilidade com texto constitucional futuro, seja ele originário ou derivado (emenda constitucional). Assim,uma leí editada em 1985 tornar-se-ia supervenientemente inconstitucionalem 05.10.1988, em virtude da promulgação de novo texto constitucional quefosse com ela incompatível. Ou, ainda, urna lei hoje editada tornar-se-ia supervenientemente inconstitucional com a promulgação de futura Constituição(ou emenda constitucional) em sentido contrário.

Em que pese a relevância desse conhecimento, o fato é que, entre nós,a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a existência dainconstitucionalidade superveniente. Para a Corte, a superveniência de textoconstitucional opera a simples revogação do direito pretérito com ele materialmente incompatível, não havendo razões para se falar em inconstitucionalidade superveniente.

Cap. 11 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 313

3. SISTEMAS DE CONTROLE

Cada ordenamento constitucional é livre para outorgar a competência paracontrolar a constitucionalidade das leis ao órgão que entenda conveniente,de acordo com suas tradições.

A depender da opção do legislador constituinte, poderemos ter o controlejudicial, o controle político ou o controle misto.

Se a Constituição outorgar a competência para declarar a inconstitucionalidade das leis ao Poder Judiciário, teremos o sistema judicial ou jurisdicional. O sistema jurisdicional nasceu nos Estados Unidos da América,primeiro Estado a reconhecer a competência dos juizes e tribunais do PoderJudiciário para, nos casos concretos submetidos à sua apreciação, declarar ainconstitucionalidade das leis.

Caso a Constituição outorgue a competência para a fiscalização da validade das leis a órgão que não integre o Poder Judiciário, teremos o sistemapolítico. E o caso, por exemplo, da França, em que a fiscalização da constitucionalidade é de incumbência do Conselho Constitucional, órgão que sesitua fora da estrutura orgânica dos demais Poderes.

Ademais, poderá também a Constituição outorgar a competência para afiscalização de algumas normas a um órgão político e de outras ao PoderJudiciário, consubstanciando o denominado controle de constitucionalidademisto. Exemplo citado pela doutrina é a Suíça, em que as leis nacionaissubmetem-se a controle político e as leis locais são fiscalizadas pelo PoderJudiciáno.

4. MODELOS DE CONTROLE

Os ordenamentos constitucionais em geral prevêemdoismodelos distintosde controle judicial de constitucionalidade: o controle difuso (ou jurisdiçãoconstitucional difusa), criação dos Estados Unidos da América, e o controleconcentrado (ou jurisdição concentrada), instalado inicialmente na Áustria,sob a influência do jurista Hans Kelsen.

Ocorre o controle difuso (ouaberto) quando a competência parafiscalizara validade das leis é outorgada a todos os componentes do Poder Judiciário, vale dizer, qualquer órgão do Poder Judiciário, juiz ou tribunal, poderádeclarar a inconstitucionalidade das leis.

Temos o sistema concentrado (ou reservado) quando a competência pararealizar o controle deconstitucionalidade é outorgada somente a umórgão denatureza jurisdicional (ou, excepcionalmente, a um número limitado de órgãos).

Page 169: Direito constitucional descomplicado

314 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

5. VIAS DE AÇÃO

As chamadas "vias de ação" dizem respeito ao modo de impugnação deuma lei perante o Poder Judiciário ou, sob outra ótica, indicam o modo emque o Poder Judiciário exercerá a fiscalização da validade das leis.

São duas as vias pelas quais poderá ser exercido o controle de constitucionalidade das leis: a via íncidental (de defesa ou de exceção) e a viaprincipal (abstrata ou de ação direta).

O exercício da via íncidental dá-se diante de uma controvérsia concreta, submetida à apreciação do Poder do Judiciário, em que uma das partesrequer o reconhecimento da inconstitucionalídade de uma lei, com o fira deafastar a sua aplicação ao caso concreto de seu interesse. A apreciação daconstitucionalidade não é o objeto principal do pedido, mas um incidente doprocesso, um pedido acessório. Por isso, a eventual declaração da inconstitucionalidade é dito Íncidental, incidenter tantum (o provimento judicialprincipal será o reconhecimento do direito pleiteado pela parte, decorrentedo afastamento da lei àquele caso levado ao juízo).

Esse é o modelo norte-americano de fiscalização da validade das leis,em que todos os juizes e tribunais do Poder Judiciário realizam o controle de constitucionalidade durante a apreciação dos casos concretos quelhes são apresentados. Nele, o indivíduo não recorre ao Poder Judiciáriocom o objetivo principal de ver declarada a invalidade da lei, em defesada ordem jurídica. Na realidade, o impetrante da ação judicial está interessado diretamente na defesa de determinado direito subjetivo seu, mas,como fundamento para que o juiz acolha o seu pedido principal, ele argui,em pedido acessório (Íncidental), a inconstitucionalidade da lei que versasobre o assunto. Suscitado o incidente de inconstitucionalidade, o juiz estará obrigado a decidir primeiro se a lei é constitucional, ou não, para sódepois, com base nessa premissa, decidir o pedido principal, firmando oseu entendimento no caso concreto.

Pela via principal, o pedido do autor da ação é a própria questão deconstitucionalidade do ato normativo. O autor requer, por meio de umaação judicial especial, uma decisão sobre a constitucionalidade, em tese, deuraa lei, com o fim de resguardar a harmonia do ordenamento jurídico. Oprovimento judicial a que se visa consiste na declaração da compatibilidade, ou não, de certa norma jurídica ou conduto com as regras e princípiosplasmados na Constituição. Nessa hipótese, não há caso concreto; portanto,não há interesses subjetivos específicos a serem tutelados.

Cap. 11 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 315

Somente o órgão de cúpula do Judiciáriorealiza o controle.

CONCENTRADOSISTEMAS DE

CONTROLE

JUDICIAL Todos os órgãos do Poder Judiciáriorealizam o controle.

DIFUSO

•'.' VIAS DE."'\CONTROLE

.JUDICIAL-:

0 controle é instaurado diante de umacontrovérsia concreta, com o fim deafastar a aplicação da leí ao caso.

ÍNCIDENTAL

(concreta)

PRINCIPAL

(abstrata)0 controle é instaurado ern tese, nadefesa do ordenamento jurídico.

6. MOMENTO DO CONTROLE

O controle de constitucionalidade poderá ser preventivo ou repressivo.Ocorrerá o controle de constitucionalidade preventivo (a priori) quando

a fiscalização da validade da norma incidir sobre o projeto, antes de a normaestar pronta e acabada. É o caso, no Brasil, do veto do Chefe do Executivopor inconstitucionalidade (veto jurídico), uma vez que incide sobre projetode lei (CF, art. 66, § 1.°).

Ocorre o controle de constitucionalidade repressivo (sucessivo, a poste-riori) quando a fiscalização da validade incide sobre norma pronta e acabada, já inserida no ordenamento jurídico. É o caso, em regra, do controle deconstitucionalidade judicial no nosso País, que pressupõe a existência de umanorma já elaborada, pronta e acabada, inserida no ordenamento jurídico.

CONTROLE

Tem por fim evitar a produção de umanorma inconstitucional.

PREVENTIVO

Tem por fim retirar uma normainconstitucionai do ordenamento jurídico.

REPRESSIVO

7. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CONTROLE JURISDICIONAL DECONSTITUCIONALIDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

O Brasil inicialmente adotou o sistema norte-americano de controle deconstitucionalidade (controle judicial difuso), evoluindo aos poucos para umsistema misto e peculiar, que combina o modelo difuso, por via íncidental,com o critério concentrado, por via de ação direta.

Page 170: Direito constitucional descomplicado

316 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

A Constituição Federal de 1988 manteve em sua plenitude o controledifuso, conferindo a todos os órgãos do Poder Judiciário competência para,diante de um caso concreto, reconhecer a inconstitucionalidade das leis.Manteve, também, o controle abstrato pelo qual é possível, mediante açãodireta, a solução de uma controvérsia constitucional, em tese, acerca dacompatibilidade de uma lei com a Constituição.

A Carta vigente trouxe relevantes alterações, sobretudo, à fiscalizaçãoabstrata, valorizando sensivelmente esse critério de controle, ampliando efortalecendo sobremodo a via de ação direta.

De pronto, constata-se a grande ampliação do número de legitimados paraa instauração do controle abstrato perante o Supremo Tribunal Federal (CF,art. 103, I ao IX), via ação direto de inconstitucionalidade (ADI), quebrandoo monopólio, até então existente, do Procurador-Geral da República. O rolde legitimados para a proposítura da ação direta de inconstitucionalidade(CF, art. 103, I ao LX) contempla algumas centenas de órgãos, pessoas eentidades. Abrange todos os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais e entidades de classe de âmbitonacional, os governadores dos Estados e do Distrito Federal, as Mesas dasAssembléias Legislativas, entre outros.

Ao lado dessa constatação, impende registrar que o constituinte de 1988estabeleceu novas ações específicas no âmbito do controle concentrado, comoa arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), de competência originária do Supremo Tribunal Federal, visando a evitar ou repararlesão a preceito fundamental decorrente da Constituição.

Outra significativa inovação da Carta Política atual foi a introdução dadenominada inconstitucionalidade por omissão, reconhecida nas hipóteses deinércia do legislador ordinário em face de uma exigência constitucional delegislar. Duas novas ações foram especialmente introduzidas com o fim dereparar a omissão legislativa inconstitucional: o mandado de injunção (CF,art. 5°, LXXI) e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF, art.103, § 2.°), essa última integrante do sistema de controle abstrato de normasdelineado pelo constituinte de 1988.

Em 1993, por meio da Emenda Constitucional 3, o legislador constituintederivado criou a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), passando apermitir que seja pleiteada diretamente perante o Supremo Tribunal Federal adeclaração da constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal, como fim de pôr termo a controvérsia judicial sobre sua validade.

Ademais, a Constituição Federal prevê que os estados-membros instituam o controle abstrato em seus respectivos âmbitos, devendo estabelecerrepresentação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduaisou municipais em face da Constituição estadual (CF, art. 125, § 2.°).

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 317

Pode-se concluir, dessarte, que o controle abstrato passou a desempenharpapel preeminente no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro,a partir da Constituição de 1988. Tal assertiva decorre não só do fato deterem sido previstas quatro ações distintos na via direto (ADI, ADO, ADC eADPF), mas, também, pela ampliação dos entes legitimados para a instauração desse modelo de fiscalização abstrata (art. 103, I ao IX). Isso representeuma significativa mudança de paradigma em nosso ordenamento, uma vezque, até o advento da atual Carta, o controle de validade das leis no Brasiltinha sua base no sistema difuso, de inspiração norte-americana, realizadono curso dos processos judiciais comuns.

Essa ampla legitimação - aliada à maior celeridade do modelo processualabstrato, dotado inclusive da possibilidade de suspensão imediata da eficáciado ato normativo impugnado, mediante pedido de cautelar - faz com quepraticamente todas as relevantes questões constitucionais atuais sejam solucionadas em ações diretas-propostas perante o Supremo Tribunal Federal.

Impende destacar, ainda, que, sob a vigência do texto constitucional de1988, o legislador ordinário introduziu uma das mais significativas mudançasno controle de constitucionalidade abstrato, ao criar, entre nós, a figura dadenominada inconstitucionalidade pro futuro.

Com efeito, a Lei 9.868/1999, que regulou o processo e julgamentoda ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, dispôs que o Supremo Tribunal Federal poderá, ao proclamara inconstitucionalidade de uma lei, outorgar eficácia não retroativa à suadecisão (ex nunc) ou até mesmo fixar um outro momento para o início deseus efeitos.

Assim, a partir do ano de 1999, passou o Supremo Tribunal Federal,no âmbito do controle abstrato, a ter competência para modular os efeitostemporais de suas decisões que reconhecem a inconstitucionalidade, resguardando os efeitos já produzidos pela lei entre o início de sua vigência e oreconhecimento de sua invalidade.

Por fim, tivemos a Emenda Constitucional 45, publicada era 08.12.2004,que ampliou a legitimação para a propositura da ação declaratória de constitucionalidade (nova redação ao art. 103) e criou a súmula vinculante doSupremo Tribunal Federal (art. 103-A).

8. FISCALIZAÇÃO NÃO JURISDICIONAL

O controle de constitucionalidade judicial no Brasil é muito rico. Nele,todos os membros do Poder Judiciário exercem a jurisdição constitucional.

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318 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Esta, a jurisdição constitucional, por sua vez, é realizada, simultaneamente,de forma difusa e concentrada. Ainda, a impugnação das leis e atos normativos pode se dar tanto pela via íncidental, como questão prejudicial noscasos concretos submetidos à apreciação judicial, quanto pela via abstrato,em ações especialmente criadas para esse fira.

Ademais, cabe destacar que a instauração do controle abstrato por umdos entes constitucionalmente legitimados não obsta a possibilidade de amesma norma ser impugnada simultaneamente no controle Íncidental, diante de um caso concreto. Assim, o fato de ser proposta uma ADI perante oSupremo Tribunal Federal contra certo lei não impede que essa mesma leiseja impugnada, no controle Íncidental, por qualquer pessoa que se sintalesada pelos seus termos.

Mas, não só o Poder Judiciário exerce a fiscalização da constitucionalidade das leis no nosso País. Os demais Poderes da República, Executivo eLegislativo, também dispõem, em situações especiais, do poder de fiscalizara validade das leis, como se verá a seguir.

8.1. Poder Legislativo

O Poder Legislativo dispõe de certas competências que, irrefutavelmente,consubstanciam juízo sobre a constitucionalidade das leis.

A primeira manifestação do Poder Legislativo apontada como fiscalizaçãoda constitucionalidade ocorre nos trabalhos da Comissão de Constituição eJustiça (CCJ), no âmbito das Casas do Congresso Nacional.

Essa Comissão, presente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal,manifesta-se sobre as proposições submetidas à apreciação do Poder Legislativo (projetos de lei, propostas de emenda à Constituição etc), podendoconcluir, por meio de parecer, pela constitucionalidade ou pela inconstitucionalidade da matéria examinada.

A fiscalização da CCJ consubstancia controle político preventivo de constitucionalidade, tendo por objeto evitar que ingresse no ordenamento jurídicoespécie normativa com algum vício de inconstitucionalidade.

Outro juízo de constitucionalidade manifestado pelo Poder Legislativoestá prescrito no art. 49, V, da Constituição Federal, que atribui ao CongressoNacional competência para sustar os atos normativos do Poder Executivo queexorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa.

Deve-se salientar que todas essas manifestações do Poder Legislativo -fiscalização da CCJ, sustação do ato exorbitante do Executivo e apreciaçãode medida provisória - não são dotadas de força definitiva, vale dizer, nãoafastam a possibilidade de ulterior apreciação judicial.

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Cap. 11 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 319

Por fim, a apreciação das medidas provisórias adotadas pelo Chefe doExecutivo (CF, art. 62) também constitui manifestação do Legislativo nafiscalização da constitucionalidade, uma vez que da apreciação legislativapoderá resultara rejeição total da medidaprovisória, seja pelo desatendimentodospressupostos constitucionais para sua adoção (relevância e urgência), sejapor entender o Congresso que a medida provisória contraria materialmentea Constituição.

^CONTROLE ••'-

DO LEGISLATIVO

CCJ

VETO LEGISLATIVO

APRECIAÇÃODE MEDIDAS

PROVISÓRIAS

8.2. Poder Executivo

Apreciação preventiva das proposiçõessubmetidas à deliberação do Poder Legislativo.

Sustação dos afos normativos do Executivoque exorbitem do poder regulamentar.

O Poder Legislativo aprecia as MP, sob osaspectos formal e material.

O Poder Executivo atua como fiscal da validade das leis em três situações distintos.

A primeira diz respeito ao exercício do poder de veto com fundamentona inconstitucionalidade (veto jurídico), nos termos do art. 66, § 1.°, daConstituição Federal.

A segunda hipótese de fiscalização da constitucionalidade pelo Executivodiz respeito à possibilidade de inexecução pelo Chefe do Poder Executivode lei por ele considerada inconstitucional. O Chefe do Executivo pode,por ato próprio, determinar aos seus órgãos subordinados que deixem deaplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considereinconstitucionais.

O Poder Executivo tarabéra fiscaliza a obediência à Constituição Federalpor meio do processo de intervenção, haja visto que este funciona como meioexcepcional de controle de constitucionalidade, como medida última para orestabelecimento da observância da Constituição por um ente federado. Nostermos do art. 84, X, da Carta da República, compete privativamente aoPresidente da República decretar e executar a intervenção federal nos estadose no Distrito Federal (e, ainda, nos municípios localizados em TerritóriosFederais). Se a intervenção for em município localizado em estado-membro,a competência para sua decretação e execução é exclusiva do respectivoGovernador (CF, art. 35).

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320 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

CONTROLE

DO EXECUTIVO

VETO DO

CHEFE DO

EXECUTIVO

INAPLICAÇÂO DELEI PELO CHEFE

DO EXECUTIVO

O Chefe do Executivo pode vetar o projeto de leipor entendê-lo inconstitucional.

O Chefe do Executivo - federal, estadual oumunicipal - pode afastar a aplicação de lei por eleconsiderada inconstitucional.

Nas hipóteses constitucionalmente admitidas, oChefe do Executivo pode decretar a intervenção,como meio de restabelecer o cumprimento daConstituição.

PROCESSO DE

INTERVENÇÃO

8.3. Tribunais de contas

Os tribunaisde contas, no desempenho de suas atribuições constitucionais,possuem competência para realizar o controle de constitucionalidade das leise atos normativos do Poder Público, podendo afastar a aplicação daquelesque entenderem inconstitucionais.

9. CONTROLE DIFUSO

9.1. Introdução

O controle de constitucionalidade difuso tem sua origem nos EstadosUnidos da América (EUA) —sendo, por esse motivo, conhecido como sistemaamericano de controle - e baseia-se no reconhecimento da inconstituciona

lidade de ura ato normativo por qualquer componente do Poder Judiciário,juiz ou tribunal, era face de um caso concreto submetido a sua apreciação.O órgão do Poder Judiciário, declarando a inconstitucionalidade de normaconcernente ao direito objeto da lide, deixa de aplicá-la ao caso concreto.

Por outras palavras, na discussão de uma relação jurídica qualquer, submetida à apreciação do Poder Judiciário, suscita-se a dúvida sobre a constitucionalidade de um ato normativo relacionado com a lide. Surge, então, anecessidade de o Poder Judiciário apreciar a constitucionalidade de tal atonormativo para proferir a sua decisão no processo. Ao apreciar a questãoconstitucional, como antecedente necessário e indispensável ao julgamentodo mérito do caso em exame, o juiz ou tribunal estará realizando o denominado controle difuso.

Esse controle é também denominado: Íncidental, incidenter tantum,por via de exceção, por via de defesa, concreto ou indireto. Todas essas

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 321

designações remetem ao fato de que, no controle difuso, a controvérsiasobre a constitucionalidade representa uma questão acessória (ura incidente)a decidir, surgida no curso de uma demanda judicial que tem como objetoprincipal o reconhecimento ou a proteção de um direito alegado em umcaso concreto.

Em suma, quando o Poder Judiciário aprecia uma controvérsia constitucional suscitada diante de um caso concreto a ele submetido, em sede deações diversas (mandado de segurança, habeas corpus, habeas data, açãocivil pública, ação popular, ação ordinária etc), estamos diante do denominado controle difuso.

9.2. Legitimação ativa

Como o controle de constitucionalidade Íncidental dá-se no curso de umaação submetida à apreciação do Poder Judiciário, todos os intervenientesno procedimento poderão provocar o órgão jurisdicional para que declare ainconstitucionalidade da norma no caso concreto.

Dessa forma, têm legitimidade para iniciar o controle de constitucionalidade concreto:

a) as partes do processo;

b) terceiros admitidos como intervenientes no processo;

c) o representante do Mmistério Público.

Ademais, o juiz ou tribunal, de ofício, independentemente de provocação,poderá declarar a inconstitucionalidade da lei, afastando a sua aplicação aocaso concreto, já que esses têm por poder-dever a defesa da Constituição.

9.3. Espécies de ações judiciais

O controle de constitucionalidade Íncidental pode ser iniciado em toda equalquer ação submetida à apreciação do Poder Judiciário em que haja uminteresse concreto em discussão, qualquer que seja a sua natureza. Ações denatureza cível, criminal, administrativa, tributária, trabalhista, eleitoral etc. -todas se prestara à efetivação do controle de constitucionalidade concreto.

Não interessa sequer a espécie de processo, podendo ser suscitado o incidente de inconstitucionalidade em processos de conhecimento, de execuçãoou cautelar, seja qual for a matéria discutida. Desse modo, ações como omandado de segurança, o habeas corpus, a ação popular, a ação ordinária

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322 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

etc são, todas, idôneas para a efetivação do controle de constitucionalidadeconcreto.

Por fira, vale lembrar que o controle Íncidental poderá ter como objetotoda e qualquer espécie normativa (leis e atos administrativos normativosera geral), editada pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal ou pelosmunicípios. Significa dizer que qualquer juiz ou tribunal poderá, respeitadaa sua esfera de competência, apreciar a validade de quaisquer leis ou atosadministrativos federais, estaduais, distritais ou municipais, inclusive daqueleseditados sob a égide de Constituições pretéritas, neste caso para afirmar asua recepção (ou revogação) pela Carta de 1988.

9.4. Competência

No controle difuso, qualquer órgão do Poder Judiciário, juiz ou tribunal,poderá declarar a inconstitucionalidade de uma lei, com o fim de afastar asua aplicação ao caso concreto.

No primeiro grau, o juiz singular é competente para examinar a questãoconstitucional suscitada no caso concreto a ele submetido. Se o magistradoentender que a lei desrespeita a Constituição, deverá proclamar a sua inconstitucionalidade, não a aplicando ao caso concreto em questão.

Da mesma forma, todos os tribunais do Poder Judiciário são competentespara declarar a inconstitucionalidade das leis e atos normativos do PoderPúblico atinentes aos processos a eles submetidos. Os tribunais de segundograu, os tribunais superiores e o próprio Supremo Tribunal Federal realizamcontrole difuso de constitucionalidade, nos casos concretos submetidos a suaapreciação.

Entretanto, os tribunais só poderão declarar a inconstitucionalidade dasleis e demais atos do Poder Público pelo voto da maioria absoluta dos seusmembros ou pela maioria absoluta dos membros do respectivo órgão especial.Essa regra especial para a declaração da inconstitucionalidade pelos tribunais,denominada "reserva de plenário", está prevista no art. 97 da Constituição,nos termos seguintes:

Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão ostribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

do Poder Público.

A previsão constitucional de instituição, pelos tribunais, de órgão especialencontra-se no art. 93, inciso XI, nos seguintes termos: "nos tribunais comnúmero superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão

Cap. 11 - CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 323

especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros,para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas dacompetência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidadee a outra metade por eleição pelo tribunal pleno".

Naqueles tribunais emque haja órgão especial, a inconstitucionalidade poderá ser declarada pelo voto da maioria absoluta do plenário do tribunal ou dorespectivo órgão especial. Não havendo órgão especial, a declaração de inconstitucionalidade somente poderá ser proferida por deliberação do plenário.

Significa dizer que os órgãos fracionários (turmas, câmaras e seções) emonocráticos dos tribunais estão impedidos de declarar a inconstitucionalidade das leis.

Ademais, ainda que não declarem expressamente a inconstitucionalidadeda lei, os órgãos fracionários não poderão afastar a sua incidência, no todoou em parte, sob pena de ofensa ao art. 97 da Constituição Federai. JÉo queestabelece a Súmula Vinculante 10 do STF, abaixo transcrita:

10 ~ Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, art. 97) adecisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declareexpressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo doPoder Público, afasta a sua incidência no todo ou em parte.

No entanto, por razões de economia e celeridade processuais, existindodeclaração anterior de inconstitucionalidade promanada do órgão especial oudo plenário do tribunal, ou do Plenário do Supremo Tribunal Federal, nãohá necessidade, nos casos futuros, de observância da reserva de plenárioestatuída no art. 97 da Constituição, podendo os órgãos fracionários aplicardiretamente o precedente às novas lides, declarando, eles próprios, a inconstitucionalidade das leis.

Por fim, esclarecemos que também não se submete à reserva de plenárioa aferição da recepção ou da revogação do direito pré-constitucional, editadosob a égide de Constituições pretéritas, uma vez que a incompatibilidade dessedireito pré-constitucional com texto constitucional superveniente é resolvidapela revogação, não havendo que se falar em inconstitucionalidade.

9.5. Efeitos da decisão

Os efeitos da decisão no controle íncidental são os mesmos, independentemente do órgão de que tenha sido emanada - juízo singular, tribunaisregionais, tribunais superiores -, uma vez que, em qualquer caso, o que sebusca na via Íncidental é o simples afastamento da aplicação da lei ao casoconcreto.

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324 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

Assim, qualquer que tenha sido o órgão prolator, a decisão no controlede constitucionalidade Íncidental só alcança as partes do processo (eficáciainter partes), não dispõe de efeito vinculante e, era regra, produz efeitosretroativos (ex tunc).

Com isso, a pronúncia de inconstitucionalidade não retira a lei do ordenamento jurídico. Em relação a terceiros, não participantes da lide, a leicontinuará a ser aplicada, integralmente, ainda que supostamente esses terceirosse encontrem em situação jurídica semelhante à das pessoas que foram partena ação em que foi declarada a inconstitucionalidade.

Essa eficácia, em regra, surte efeitos ex tunc, isto é, opera retroativamenteem relação ao caso que deu motivo à decisão (e, repita-se, só em relaçãoa este), fulminando, desde o seu nascimento, a relação jurídica fundada nalei inconstitucional.

Embora a regra seja a pronúncia da inconstitucionalidade no controleconcreto ter eficácia retroativa (ex tunc), poderá o Supremo Tribunal Federal,por dois terços dos seus membros, em situações excepcionais, tendo em vistarazões de segurança jurídica ou relevante interesse social, outorgar efeitosmeramente prospectivos (ex nunc) à sua decisão, ou mesmo fixar um outromomento para o início da eficácia de sua decisão.

Em qualquer caso, repita-se, a norma declarada inconstitucional no controle concreto continua a viger, com toda sua força obrigatória, em relaçãoa terceiros, que não tenham sido parte na ação. Todas as pessoas que desejarem ver a si estendidos os efeitos da inconstitucionalidade já declaradaem caso idêntico deverão postular sua pretensão perante os órgãos judiciais,em ações distintas.

Entretanto, se a decisão foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal (eapenas por este!), há a possibilidade de ampliação dos efeitos da declaraçãoíncidental de inconstitucionalidade, seja mediante a suspensão da execução da leipor ato do Senado Federal, seja por meio da aprovação de uma súmula vinculante pelo próprio Supremo Tribunal Federal, nos termos a seguir expostos.

9.6. Atuação do Senado Federal

Afirmamos acima que a pronúncia de inconstitucionalidade pelo PoderJudiciário na via íncidental, ainda quando proferida pelo Supremo TribunalFederal, somente alcança as partes do processo em que ocorreu.

Para evitar que os outros interessados, amanhã, tenham de recorrer tambémao Judiciário, para obter a mesma decisão, atribuiu-se ao Senado Federal afaculdade de suspender o ato declarado inconstitucional pelo Supremo TribunalFederal, conferindo eficácia geral (erga omnes) à decisão dessa Corte.

Cap. 11 - CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 325

Declarada definitivamente a inconstitucionalidade da lei pelo SupremoTribunal Federal, no âmbito do controle difuso, a decisão é comunicada aoSenado Federal para que este, entendendo conveniente, suspenda a execuçãoda lei, conferindo eficácia erga omnes à decisão da Corte Suprema, nostermos do art. 52, X, da Constituição Federal.

O ato do Senado Federai editado nos termos do art. 52, X, da Constituição produz efeitos retroativos (ex tunc), ou seja, desde a edição da lei ouato normativo declarado inconstitucional.

O Senado Federal não está obrigado a suspender a execução da leideclarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, podendo julgar aoportunidade e a conveniência de praticar tal ato.

A espécie normativa utilizada pelo Senado Federal para a suspensão daeficácia da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal éa resolução.

Como dissemos, o Senado Federal dispõe de plena discricionariedadepara suspender, ou não, a execução da lei declarada definitivamente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Entretanto, se o fizer, não poderáposteriormente revogar o seu próprio ato de suspensão.

Ademais, o Senado Federal não poderestringir ou ampliar a extensão dojulgado prolatado pelo Supremo Tribunal Federal. A Casa Legislativa deveater-se à extensão da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF,não possuindo competência para interpretá-la, ampliá-la ou restringi-la.

Cabe anotar que a resolução do Senado está, ela própria, sujeita aaferição judicial de sua constitucionalidade, inclusive mediante controleabstrato, vale dizer, a resolução pode ser impugnada judicialmente quando se entenda que ela desatendeu as determinações constitucionais, sejaquanto aos seus aspectos formais (concernentes ao processo legislativoexigido para sua produção), seja quanto ao seu conteúdo (por exemplo,caso se considere que as disposições da resolução discrepam daquilo quefoi decidido pelo STF).

A competência do Senado Federal alcança qualquer lei ou ato normativo que tenha sido declarado inconstitucional incidentalraente pelo SupremoTribunal Federal, isto é, poderá o Senado Federal suspender a execução deleis e atos normativos federais, estaduais, distritais e municipais.

Por fim, ressaltemos que a competência do Senado Federal para suspender a execução de leis ou atos normativos declarados inconstitucionaispelo Supremo Tribunal Federal se restringe às decisões do Supremo TribunalFederal proferidas no controle difuso, não se aplicando ao controle abstrato,haja vista que neste as próprias decisões do Poder Judiciário são dotadas deeficácia geral, contra todos (erga omnes).

Page 175: Direito constitucional descomplicado

326 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Pauto &Marcelo Alexandrino

-/ATUAÇÃO-.v-..DÒ;sENÀbò:'-FEDERAL-;"

i— Sõ ocorre no controle concreto íncidental.

O Senado nao está obrigado a suspender a execução da lei.

Não há prazo para a atuação.

A decisão do Senado Federal pela suspensão da execução éirretratável.

O Senado nao pode modificar os termos da decisão do STF.

O instrumento para suspensão da execução é a resolução.

A competência do Senado alcança leis federais, estaduais emunicipais.

A resolução do Senado sujeiía-se a controle de constitucionalidade.

9.7. Súmula vinculante

Sabe-se que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal noâmbito do controle concreto não são dotedas de força vinculante em relaçãoaos demais órgãos do Poder Judiciário, tampouco à Administração Pública.Significa dizer que mesmo quando o Supremo Tribunal Federal declara, emreiterados casos concretos submetidos à sua apreciação, a inconstitucionalidade de uma lei, os juizes de primeiro grau e os tribunais, bem como aAdministração Pública, poderão continuar a aplicar essa lei era outras situações concretas, se entenderem, diversamente do que decidiu o STF, que elaé constitucional. Poderão, legitimamente, desconsiderar o entendimento doSupremo Tribunal Federal, porque não estão a ele vinculados.

Essa realidade faz com que milhares de ações judiciais com o mesmoobjeto cheguem ao conhecimento do STF para que ele declare, em cada caso,o entendimento já inúmeras vezes manifestado, fato que acarreta enormemorosidade na prestação jurisdicional.

No intuito de combater esse quadro e conferir maior celeridade à prestaçãojurisdicional, a Emenda Constitucional 45/2004 criou a figura da súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, nos termos seguintes (art. 103-A):

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofícioou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seusmembros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensaoficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos doPoder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 327

esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à suarevisão ou cancelamento, na forma estabelecida em leí.

§ 1.° A súmula terá por objetivo a validade, a interpretaçãoe a eficácia de normas determinadas, acerca das quais hajacontrovérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e aadministração pública que acarrete grave insegurança jurídica erelevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.§ 2° Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, aaprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá serprovocada por aqueles que podem propor a ação direta deinconstitucionalidade.

§ 3.° Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariara súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberáreclamação ao Supremo Tribunal Federal que, juígando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicialreclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sema aplicação da súmula, conforme o caso.

A aprovação, revisão e cancelamento de súmula vinculante pelo SupremoTribunal Federal foi regulamentada pela Lei 11.417, de 19.12.2006, publicadano Diário Oficial da União de 20.12.2006, com vigência após três mesescontados de sua publicação.

Partindo das disposições constitucionais, bera como da regulamentaçãoestabelecida pela Lei 11.417/2006, comentaremos, abaixo, os principais aspectos concernentes à aprovação, à revisão e ao cancelamento de enunciadode súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal.

9.7.7. Iniciativa

O Supremo Tribunal Federal poderá aprovar, rever ou cancelar súmulavinculante de ofício, ou mediante proposta:

a) dos legitimados à propositura de ação direta de inconstitucionalidade, enumerados no art. 103 da Constituição Federal;

b) do Defensor Público-Geral da União;

c) dos Tribunais Superiores, Tribunais de Justiça de Estados ou do DistritoFederal e Territórios, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais doTrabalho, Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.

Além desses legitimados, o município poderá propor, incidentalmente nocurso de processo em que seja parte, a edição, a revisão ou o cancelamento

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328 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

de enunciado de súmula vinculante, o que não autoriza a suspensão do processo (Lei 11.417/2006, art. 3.°, § 1.°).

Como se vê, o município não poderá provocar diretamente o Supremo Tribunal Federal para a edição, revisão ou cancelamento de súmulavinculante. Poderá atuar, apenas, no curso de processo em que seja parte,propondo, incidentalmente, a adoção de uma dessas medidas pela CorteSuprema.

9.7.2. Atuação do Procurador-Geral da República

O Procurador-Geral da República, nas propostos que não houver formulado, manifestar-se-á previamente à edição, revisão ou cancelamento deenunciado de súmula vmculante (Lei 11.417/2006, art. 2.°, § 2.°).

Note-se que, no tocante à edição, revisão ou cancelamento de enunciadode súmula vinculante, o legislador ordinário dispensou a manifestação ulteriordo Procurador-Geral da República nas provocações que ele próprio houverformulado perante o Supremo Tribunal Federal.

9.7.3. Manifestação de terceiros

No procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciadode súmula vinculante, o relator poderá admitir, por decisão irrecorrível, amanifestação de terceiros na questão, nos termos do Regimento Interno doSupremo Tribunal Federal (Lei 11.417/2006, art. 3.°, § 2.°).

9.7.4. Requisitos

Para a edição de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, aConstituição Federal exige, especialmente, a observância de quatro requisitoscumulativos, a saber:

a) matéria constitucional;

b) existência de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre essamatéria constitucional;

c) existência de controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e aAdministração Pública;

d) a controvérsia acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicaçãode processos sobre questão idêntica.

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 329

O primeiro ponto que merece destaque é a exigência de que a matériaobjeto da súmula tenha sede constitucional. Assim, embora o SupremoTribunal Federal possua uma vasta gama de competências, somente aquelasdecisões da Corte que envolvam tema com assento na Carta Política poderãoser objeto de súmula vinculante, nunca matéria infraconstitucional.

Quantoao segundo aspecto, a Constituição exige,para a ediçãode súmulavinculante, que a matéria constitucional apreciada no âmbito do modelo difusode controle de constitucionalidadetenha sido objeto de reiteradas decisões doSupremo Tribunal Federal. O objetivo desse requisito é evitar a aprovaçãoprecipitada de súmula vinculante, isto é, sobre tema ainda não consolidadona jurisprudência do Tribunal.

Outro ponto que deve ser frisado é a exigência de que a matéria tratadana súmula vinculante seja objeto de controvérsia constitucional atual entreórgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública. Se se tratar, porexemplo, de uma lei que já seja pacificamente considerada inconstitucionalno âmbito do Poder Judiciário e que não esteja sendo aplicada pela Administração Pública, não caberá a edição de súmula vinculante.

Por fim, mesmo que a matéria seja objeto de controvérsia atual entreórgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública, somente poderáser tratada em súmula vinculante se essa controvérsia estiver acanetandograve insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobrequestão idêntica. Dessarte, na hipótese de se tratar de matéria controversa,mas de reduzida relevância, ou concernente a uns poucos casos concretos,não caberá a edição de súmula vmculante.

9.7.5. Deliberação

A aprovação revisão ou cancelamento de súmula vinculante exige decisão de 2/3 (dois terços) dos membros do Supremo Tribunal Federal (oitoMinistros), em sessão plenária.

9.7.6. Alcance da força vinculante

A súmula terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do PoderJudiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal,estadual e municipal.

Significa dizer que nenhum juízo ou tribunal inferior, bem como nenhumórgão ou entidade da Administração Pública direta e indireta poderá contrariaro conteúdo da súmula.

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330 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

Anote-se que a súmula não vincula o próprio Supremo Tribunal Federal(que poderá, de ofício, revê-la ou cancelá-la), tampouco o Poder Legislativo,no que concerne à sua função normativa.

9.7.7. Início da força vinculante

Somente a partir da publicação na imprensa oficial o enunciado da súmula passará a ter efeito vinculante em relação aos demais órgãos do PoderJudiciário e à Administração Pública direto e indireto, nas esferas federal,estadual e municipal.

Uma vez publicada, a súmula terá eficácia imediata, mas o SupremoTribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderárestringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir deoutro momento, tendo em viste razões de segurança jurídica ou de excepcionalinteresse público (Lei 11.417/2006, art. 4.°).

Repita-se, contudo, que a regra geral é a eficácia imediata, aplicávelautomaticamente, a menos que ocorra a manifestação de 2/3 dos membrosdo Supremo Tribunal Federal acima referida.

9.7.8. Descumprimento da súmula vinculante

A decisão judicial ou o ato administrativo que contrariar enunciado desúmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente poderáser objeto de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dosrecursos ou outros meios admissíveis de impugnação.

Contra omissão ou ato da aojTunlstração pública, o uso da reclamaçãosó será admitido após esgotamento das vias administrativas.

Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará oato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando queoutra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.

9.7.9. Situação das súmulas anteriores à EC 45/2004

É possível conferir efeito vinculante às súmulas do Supremo TribunalFederal que já estavam em vigor na data de publicação da EC 45/2004.Para isso, porém, é necessário que a súmula seja confirmada por decisão de2/3 (dois terços) dos ministros do STF e publicada na imprensa oficial (EC45/2007, art. 8.°).

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 331

10. CONTROLE ABSTRATO

10.1. Introdução

O controle abstrato, introduzido no Direito brasileiro pela EC 16/1965(emenda à Constituição de 1946, portento), tem como única finalidade a defesado ordenamento constitucional contra as leis com ele incompatíveis.

Diferentemente do controle difuso, que se limita, em um caso concreto,a subtrair alguém aos efeitos de uma lei, o controle abstrato é efetivado emtese, sem vinculação a urna situação concreta, com o objetivo de expelirdo sistema a leí ou ato inconstitucionais. Diz-se que no controle abstrato ainconstitucionalidade é examinada "em tese" (in abstracto) porque o controleé exercido em uma ação cuja finalidade é, unicamente, o exame da validadeda lei em si; a aferição da constitucionalidade da lei não ocorre incidental-raente, era um processo comum.

O controle abstrato de constitucionalidade, exercido em tese, por umtribunal com competência específica e originária (não recursal) para suarealização, sem relação a um caso concreto, é designado por uma série deexpressões, no mais das vezes utilizadas como sinônimos: controle concentrado, controle in abstracto, controle direto, controle por via de ação, controlepor via principal, controle em tese.

O controle abstrato em face da Constituição Federal é exercido exclusivamente perante o Supremo Tribunal Federal por meio das seguintes ações:

a) ação direta de inconstitucionalidade genérica - ADI;

b) ação direta de inconstitucionalidade por omissão —ADO;

c) ação declaratória de constitucionalidade —ADC;

d) arguição de descumprimento de preceito fundamental - ADPF.

Estudaremos, nos subitens seguintes, as regras constitucionais e legaisacerca do processo e julgamento dessas ações abstratas, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

10.2. Ação direta de inconstitucionalidade

10.2.1. Conceito

A ação direto de inconstitucionalidade —ADI é a ação típica do controleabstrato brasileiro, tendo por escopo a defesa da ordem jurídica, mediante a

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332 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

apreciação, na esfera federal, da constitucionalidade, era tese, de lei ou atonormativo, federal ou estadual, em face das regras e princípios constantesexplícita ou implicitamente na Constituição da República.

A função precípua da ação direta de inconstitucionalidade é a defesada ordem constitucional, possibilitando a extirpação da lei ou ato normativoinconstitucional do sistema jurídico. Não se visa - corao ocorre no controleíncidental - à garantia de direitos subjetivos, à liberação de alguém do acatamento de uma lei inconstitucional. O autor da ADI não atua na qualidadede alguém que postula interesse próprio, pessoal, mas, sim, na condiçãode defensor do interesse coletivo, traduzido na preservação da higidez doordenamento jurídico.

Trata-se, em síntese, de instrumento de defesa da Constituição, da harmonia do sistema jurídico, com o fim de afastar do ordenamento os atosnormativos incompatíveis cora a Lei Maior.

Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar,originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativofederal ou estadual em face da Constituição Federal (CF, art. 102, I, "a").

10.2.2. Legitimação ativa

Os legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidadeperante o Supremo Tribunal Federal estão arrolados no art. 103 da Constituição Federal, nos termos seguintes:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidadee a ação declaratória de constitucionalidade:

I —o Presidente da República;

II - a Mesa do Senado Federal;

III - a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI - o Procurador-Geral da República;

VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados doBrasil;

VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;

IX ~ confederação sindical ou entidade de classe de âmbitonacional.

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 333

Dentre todos os legitimados acima, somente os partidos políticos comrepresentação no Congresso Nacional e as confederações sindicais ou entidadesde classe de âmbito nacional precisam de advogado para o ajuizamento daação. Os demais legitimados poderão propor a ação direto perante o SupremoTribunal Federal sem necessidade de estarem representados por advogado.

O partido político deve ter representação no Congresso Nacional, bastando, para tanto, que ele tenha um único deputado federal ou um únicosenador. A aferição da legitimidade do partido político deve ser feita nomomento da propositura da ação e a perda superveniente de representação do partido político no Congresso Nacional não o desqualifica comolegitimado ativo para a ação direta de inconstitucionalidade. Assim, se umpartido político com representação no Congresso Nacional propuser umaADI perante o Supremo Tribunal Federal e, antes do julgamento da açãopelo Tribunal, vier a perder a sua representação nas Casas do CongressoNacional, essa perda superveniente de representação parlamentar não prejudicará a apreciação da ação direta.

As associações que congregam exclusivamente pessoas jurídicas - asdenominadas "associações de associações" - têm legitimidade ativa para instaurar o controle abstrato perante o Supremo Tribunal Federal, enquadrando--se no inciso IX do art. 103 da Constituição da República, como entidadesde classe.

As centrais sindicais não têm legitimidade para instaurar o controleabstrato, haja viste que a legitimação constitucional alcança somente asconfederações sindicais, não beneficiando os sindicatos, as federações e ascentrais sindicais.

Embora a Constituição não tenha estabelecido nenhuma distinção entreos legitimados ativos da ação direta de inconstitucionalidade quanto ao interesse de agir, a jurisprudência do STF os diferenciou, erigindo dois gruposdistintos de legitimados:

a) legitimados universais: são aqueles que podem impugnarem ADI qualquermatéria, sem necessidade de demonstrar nenhum interesse específico;

São legitimados universais: o Presidente da República, as Mesas da Câmara e do Senado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal daOrdem dos Advogados do Brasil e os partidos políticos com representaçãono Congresso Nacional.

b) legitimados especiais: são aqueles que somente poderão impugnar em ADImatérias era relação as quais seja comprovado o seu interesse de agir, istoé, a relação de pertinência entre o ato impugnado e as funções exercidaspelo órgão ou entidade.

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334 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

São legitimados especiais: as confederações sindicais, as entidades declasse de âmbito nacional, as Mesas das Assembléias Legislativas estaduaisou da Câmara Legislativa do Distrito Federal e os Governadores dos estados--membros e do Distrito Federal.

LEGITIMAÇÃOE PERTINÊNCIA }—

TEMÁTICA

LEGITIMADOS

UNIVERSAIS

LEGITIMADOS

ESPECIAIS

• Presidente da República

- Procurador-Geral da República

• Mesa do Senado Federal e da

Câmara dos Deputados

• Conselho Federal da OAB

• Partido Político com representação noCongresso Nacional

Podem impugnar qualquermatéria,independentemente de

comprovaçãode iníeresse

Só podem • Governador de Estado e do DFimpugnar

a matéria • Mesa de Assembléia Legislativa eem relação da Câmara Legislativa do DFà qualcomprovem • Confederação sindica! ou entidadeinteresse de classe de âmbito nacional

10.2.3. Objeto

A ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal é instrumento para a apreciação da validade de lei ou ato normativofederal ou estadual, desde que editados posteriormente à promulgação daConstituição Federal.

O direito municipal (Lei Orgânica e leis e atos normativos municipais)não pode ser impugnado em sede de ação direta de inconstitucionalidadeperante o Supremo Tribunal Federal.

Em relação às leis do Distrito Federal, como este ente federado dispõeda competência legislativa dos estados e dos municípios, somente poderão serimpugnadas em ADI perante o STF as leis distritais editadas no desempenhode sua competência estadual (uma lei sobre ICMS, por exemplo). Se a leido Distrito Federal foi expedida para regular matéria tipicamente municipal(IPTU, por exemplo), não poderá ser questionada em ADI perante o SupremoTribunal Federal.

Em síntese, podemos afirmar que só podem ser objeto de ADI peranteo Supremo Tribunal Federal leis e atos normativos federais, estaduais ou doDistrito Federal, neste último caso desde que editados no desempenho desua competência estadual.

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Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 335

Entretanto, nem todas as leis e atos normativos federais e estaduais,ou do Distrito Federal, no desempenho de atribuição estadual, podem serobjeto de ADI. Com efeito, para que uma norma possa ser objeto de ADIperante o Supremo Tribunal Federal, deverá ela satisfazer alguns requisitos,tais como:

a) ter sido editada na vigência da atual Constituição Federal de 1988 (não seadmite a impugnação do direito pré-constitucional, editado sob a égide deConstituições pretéritas, em sede de ação direta de inconstitucionalidade);

b) implicar ofensa diretaà Constituição Federal (normas queafrontem a Constituição de modoindireto,reflexo, isto é, normasmeramente regulamentadorasde outras normas infraconstitucionais, não podem ser impugnadas em açãodireta de inconstitucionalidade);

c) estar em vigor (o direito revogado não pode ser impugnado em ação diretade inconstitucionalidade).

Esse último requisito merece destaque.

O Supremo Tribunal Federal não admite a impugnação era ação direta deinconstitucionalidade de leis e atos normativos revogados, que não estejammais em vigor no momento da apreciação da ação, tampouco de normas cujaeficácia já tenha se esgotado, tais como medidas provisórias já rejeitadas peloCongresso Nacional. É que a ação direta de inconstitucionalidade tem porfim retirar do ordenamento jurídico normas que impliquem afronta atual àConstituição, o que deixa de ocorrer, depois de revogadas.

Assim, quando se propõe uma ação direta de inconstitucionalidade contra ato já revogado ou que já tenha esgotado os seus efeitos, a ação não éconhecida, por ausência de objeto. Por outro lado, se a ação é proposto como ato era vigor, mas antes do julgamento ocorre a sua revogação ou o esgotamento dos seus efeitos, a ação direta é prejudicada, por perda de objeto.Na prática, num ou noutro caso, não haverá apreciação do mérito da ação.A distinção é de ordem processual, vale dizer, no primeiro caso (ausênciade objeto), a ação direta sequer é conhecida pelo Supremo Tribunal Federal;no segundo (perda de objeto), a ação direta é conhecida, mas o SupremoTribunal Federal encerra o seu processo sem julgamento do mérito.

10.2.4. Causa de pedir aberta

O controle abstrato de constitucionalidade, entre nós, encontra-se sujeitoao denominado princípio do pedido. Isso significa que o Poder Judiciáriosomente pode exercer a fiscalização da validade das leis em abstrato quandoprovocado, não por iniciativa própria.

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336 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

Portanto, o Supremo Tribunal Federal somente atua era face daapresentação de uma petição inicial formal, por um dos legitimadosconstitucionalmente previstos. A exordial deve conter, no pedido, obrigatoriamente, todos os dispositivos da lei cuja constitucionalidade sepretenda seja apreciada e, também, o fundamento jurídico da alegaçãode inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade, se for uma ADC) dosdispositivos impugnados.

Neste passo, é extremamente relevante notar que, embora o SupremoTribunal Federal esteja vinculado ao pedido, vale dizer, somente possa apreciar a constitucionalidade dos dispositivos legais expressamente mencionadosna inicial, não o está em relação aos fundamentos jurídicos do pedido, ouseja, à causa de pedir. Significa dizer que o Tribunal é livre para declarara inconstitucionalidade da norma não apenas pelos motivos indicados peloimpetrante da ação direta, mas também poderá fazê-lo tendo como fundamentoqualquer outro parâmetro constitucional.

Assim, o Supremo Tribunal Federal poderá declarar a inconstitucionalidade de um artigo de uma lei com base em dispositivo constitucionaldiferente do apontado pelo autor como ensejador da incompatibilidade coma Carta da República. Por exemplo, o pedido em uma ADI pode pretenderver declarada a inconstitucionalidade somente do art. 13 da Lei "X", alegando afronto ao princípio da liberdade de expressão, e o STF declarar oart. 13 inconstitucional, porém por ferir o princípio da proporcionalidade,ou da isonomia, ou quaisquer outros. Não poderia, entretanto, declarar ainconstitucionalidade do art. 14 da mesma lei, uma vez que esse dispositivonão foi mencionado no pedido.

10.2.5. Petição iniciai

A petição indicará o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado eos fundamentosjurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações,bem como o pedido, com suas especificações.

Note-se que o autor da ação tem a obrigação de indicar, além da leiou do ato normativo impugnado, o pedido e os fundamentos jurídicos queembasam este. Embora o Supremo Tribunal Federal não esteja vinculado àcausa de pedir, é obrigatória a indicação dos fundamentos jurídicos do pedido,sob pena de não conhecimento da ação.

A petição inicial inepta, não fundamentada e a manifestamente improcedente serão liminarmente indeferidas pelo relator, cabendo agravo dessadecisão.

Cap. 11 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 337

10.2.6. Imprescritibilidade

A propositura de ação direta de inconstitucionalidade não se sujeita aprazo de prescrição ou decadência, haja visto que os atos inconstitucionaisnão se convaíidam no tempo. Significa que o legitimado poderá impugnar alei ou ato normativo a qualquer tempo.

70.2.7. Impossibilidade de desistência

Proposta a ação direta de inconstitucionalidade, o autor não poderá deladesistir.

Da mesma forma, não se admite a desistência do pedido de medidacautelar (liminar) em ação direta de inconstitucionalidade.

10.2.8. Pedido de informações

Conhecida a ação direta de inconstitucionalidade, o relator pedirá informações às autoridades ou aos órgãos dos quais emanou a lei ou o atonormativo impugnado.

O pedido de informações aos órgãos ou autoridades elaboradores da leíou do ato normativo impugnado tem por fim a obtenção de maiores subsídiospara que o Supremo Tribunal Federal firme posição sobre a matéria. Assim,quando a ação direta tem por objeto a impugnação de uma lei federal, oCongresso Nacional e a Presidência da República terão a oportunidade deprestar informações. Caso a ação direto tenha por objeto uma resolução administrativa de ura dado tribunal do Poder Judiciário, a este será encaminhadoo pedido de informações ~ e assim por diante.

A manifestação dos órgãos ou das autoridades que editaram a lei ou oato normativo impugnado ocorrerá em momentos distintos, conforme tenhahavido, ou não, pedido de medida cautelar.

No caso de ação direta de inconstitucionalidade sem pedido de medidacautelar, o relator pedirá informações às autoridades ou aos órgãos dos quaisemanou a lei ou o ato normativo impugnado, devendo estes prestar tais informações no prazo de trinta dias, contados do recebimento do pedido (Lei9.868/1999, art. 6.°).

Havendo pedido de medida cautelar, antes do julgamento desse pedidocautelar, os órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou o ato impugnadodisporão de cinco dias para manifestar-se sobre o pedido (Lei 9.868/1999,art. 10). Ademais, após o julgamento da cautelar deverá o relator pedir aos

Page 181: Direito constitucional descomplicado

338 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

mesmos órgãos ou autoridades as informações, que serão prestadas no prazode trinta dias (Lei 9.868/1999, art. 6.°, parágrafo único).

Note-se, portanto, que, se houver na ação direta pedido de medida cautelar,a manifestação dos órgãos ou autoridades ocorrerá em dois momentos distintos:antes da apreciação do pedido de medida cautelar, no prazo de cinco dias, e,também, após o julgamento do pedido cautelar, no prazo de trinta dias.

Poderá ocorrer, ainda, de o relator, em face da relevância da matéria e deseu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, submetero processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e amanifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República,sucessivamente, no prazo de cinco dias (Lei 9.868/1999, art. 12).

Ademais, não haverá pedido de informações quando o órgão ou autoridadeque criou a lei ou o ato normativo impugnado for o próprio autor da açãodireta de inconstitucionalidade, haja vista que, nesse caso, suas consideraçõessobre a validade da norma já foram apresentadas na petição inicial, comofundamento do pedido de inconstitucionalidade.

70.29. Impossibilidade de intervenção de terceiros

Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta deinconstitucionalidade.

A intervenção de terceiros é instituto processual que tem aplicação aosprocessos tipicamente subjetivos, nos quais se pretende o reconhecimento decerto direito concreto. Consiste, basicamente, na possibilidade de ingressode uma pessoa em processo em curso entre outros sujeitos, em virtude deinteresse daquela pessoa no objeto da demanda.

As figuras jurídicas da intervenção de terceiros —assistência, oposição,nomeação à autoria, denunciação à lide e chamamento ao processo - estãoreguladas no Código de Processo Civil, e fogem ao objeto desta obra.

Como o processo de ação direta de inconstitucionalidade é ura processoobjetivo, no qual inexistem propriamente partes e direitos subjetivos a seremtutelados, não comporta a intervenção de terceiros, na forma regulada peloCódigo de Processo Civil.

10.2.10. Admissibilidade de amícus curiae

Entidades e órgãos que não possuem legitimação para a propositura deação direta de inconstitucionalidade poderão pedir ao relator da ação em curso

""SP*"

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 339

perante o Supremo Tribunal Federal para manifestarem-se sobre a questãoconstitucional discutida. É o que dispõe o art. 7.°, § 2.°, da Lei 9.868/1999,nos termos seguintes:

§ 2° O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecor-rível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior,a manifestação de outros órgãos ou entidades.

Esse dispositivo introduziu entre nós a figura do amicus curiae (literalmente, "amigo da corte"). Trata-se da possibilidade de ser admitida noprocesso manifestação formal de órgãos ou entidades não legitimados peloart. 103 da Constituição Federal que efetivamente representem interessespassíveis de ser afetados pelo resultado do julgamento da ADI.

Cabe- ressaltar que os -órgãos e entidades interessados não têm direitosubjetivo ao ingresso no processo de ação direta na qualidade de amicuscuriae. Poderão eles solicitar o ingresso ao ministro relator, mas cabe a estedeferir o pedido, em despacho irrecorrívei, levando em conta a relevânciada matéria e a representatividade dos requerentes.

O ingresso do "amigo da corte" deverá ocorrer até a entrada do processo em pauta de julgamento. Depois que é concluída a instrução, ouvida aProcuradoria-Geral da República e encerrada a participação do relator, como encaminhamento do processo para ser incluído em pauta, não cabe maiso ingresso de "amigos da corte". Entretanto, sua manifestação poderá ocorrer posteriormente à instrução, já na fase do julgamento, adraitindo-se, emcasos determinados, a sustentação oral do amicus curiae durante a sessãode julgamento.

Ademais, a admissão de terceiros na qualidade de amicus curiae nãolhes assegura o direito à interposição de recursos no respectivo processo deação direta de inconstitucionalidade. Assim, os terceiros intervenientes noprocesso de ação direta, na condição de amicus curiae, não poderão, porexemplo, interpor embargos de declaração em face da decisão definitiva demérito prolatada pelo Supremo Tribunal Federal.

70.2.77. Atuação do Advogado-Geral da União

Decorrido o prazo das informações, serão ouvidos, sucessivamente, oAdvogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverãomanifestar-se, cada qual, no prazo de quinze dias.

A atuação do Advogado-Geral da União está regulada pelo art. 103, §3.°, da Constituição, que determina a sua citação quando o Supremo Tribu-

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340 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

nal Federal apreciar a inconstitucionalidade, era tese, de norma legal ou atonormativo, para que defenda o ato ou texto impugnado.

A função do Advogado-Geral da União no controle abstrato, em princípio,é a defesa da presunção de constitucionalidade da norma, independentementede sua origem. Ele dispõe, porém, de plena autonomia para agir, e poderáescolher como se manifestará —pela constitucionalidade, ou não, da normaimpugnada -, de acordo com sua convicção jurídica. Poderá ele, portanto,deixar de defender a constitucionalidade da norma impugnada, segundo,exclusivamente, seu entendimento jurídico sobre a matéria.

A audiência do Advogado-Geral da União, prevista no citado art. 103, §3.°, da Constituição, não ocorre na ação declaratória de constitucionalidade- ADC. Já na ação direta de inconstitucionalidade por omissão - ADO, amanifestação do Advogado-Geral da União dependerá de decisão do relator,que poderá solicitá-la, ou não.

70.2.72. Atuação do Procurador-Geral da República

O Procurador-Geral da República possui relevante participação no processo das ações diretas julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. Sua importânciaímpar decone do estabelecido no inciso VI do art. 103 da Carta Política, quedispõe ser ele um dos legitimados para a propositura das ações do controleabstrato, e, especialmente, no § 1.° do mesmo art. 103, que lhe outorga odireito de manifestação era todas as ações de jurisdição concentrada, nostermos seguintes:

§ 1.° O Procurador-Geral da República deverá ser previamenteouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal.

Nesse último papel, prescrito pelo § 1.° do art. 103 da Carta de 1988,o Procurador-Geral da República atua como fiscal da Constituição, sem outra finalidade senão a de defender o ordenamento constitucional contra asleis com ele incompatíveis. Deverá opinar em todas as ações de jurisdiçãoconcentrada perante o Supremo Tribunal Federal, com plena independência,bem como em todos os processos de competência dessa Corte.

A função do Procurador-Geral da República é, portanto, defender arigorosa observância da Constituição; como fiscal da aplicação da lei teráque se manifestar, muitas vezes, pela inconstitucionalidade do ato normativoobjeto da ação direta.

Ademais, mesmo quando o Procurador-Geral da República é o autorda ação direta preserva ele o seu direito de opinar a respeito do cabimento

•**-»»**'•

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 341

dessa ação. Poderá o Procurador-Geral da República, inclusive, opinar pelaimprocedência da ADI que ele mesmo ajuizou (manifestando-se, ulteriormente,com fundamento no art. 103, § 1.°, contra a inconstitucionalidade que elepróprio arguiu, no uso da sua legitimação consagrada no art. 103, VI, daCF). Não lhe é dado, porém, o direito de desistir da ação direta.

•- " ,." ATUAÇÃOIbp PGR £ DO ÂGU NÕ CONTROLE-ÀBSTRATO \ -

PGR (CF, art 103, VI, e § 1 °) AGU (CF, art 103, § 3 o)

Atua em todas as ações. Não atua em ADC e, em ADO, a atuaçãodependerá de decisão do relator, quepoderá solicitar a sua manifestação.

Atuação autônoma: poderá opinar pelaconstitucionalidade ou inconstitucionalidadeda norma.

Atuação autônoma: poderá opinar pelaconstitucionalidade ou inconstitucionalidadeda norma.

É legitimado ativo (pode propor todas asações do controíe abstrato).

Não é legitimado ativo.

Poderá opinar nas ações por ele propostas(inclusive pela improcedência da ação).

Sua atuação alcança leis federais eestaduais.

70.2.73. Medida cautelar em ADI

Estabelece a Constituição que compete ao Supremo Tribunal Federalprocessar e julgar o pedido de medida cautelar nas ações diretos de inconstitucionalidade.

A medida cautelar (concedida mediante liminar, antes da apreciação domérito do pedido principal) constitui um provimento jurisdicional que tempor fito assegurar a utilidade da futura decisão de mérito da ação direta.

O pedido de cautelar é apreciado pelo Supremo Tribunal Federal dianteda alegação, pelo autor da ação, da presença dos pressupostos fumus bonijúris (fumaça do bom direito, isto é, plausibilidade jurídica do pedido) epericulum in mora (perigo na demora).

Sempre que satisfeitos esses pressupostos processuais, o Supremo TribunalFederal apreciará liminarmente o pedido do autor da ação direta, a fim deafastar dano irreparável, ou de difícil reparação, que adviria caso os efeitosdecorrentes da solução da controvérsia oconessem somente por ocasião dadecisão meritória.

A medida cautelar será concedida por decisão da maioria absoluta dosmembros do Tribunal (seis votos), devendo estar presentes na sessão, pelomenos, oito Ministros, salvo no período de recesso, quando poderá ser concedida pelo Presidente do Tribunal, ad referendum do Tribunal Pleno.

Page 183: Direito constitucional descomplicado

342 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

A medida cautelar começa a produzir efeitos a partir da publicação, noDiário da Justiça da União, da ata do julgamento do pedido, a menos queo Supremo Tribunal Federal, entendendo estar diante de alguma situaçãoexcepcional, fixe outro momento, sendo imprescindível, nesse caso, que ofaça expressamente.

Era regra, a medida cautelar é concedida com eficácia ex nunc, gerandoefeitos somente a partir do momento em que o Supremo Tribunal Federala defere.

Excepcionalmente, porém, a medida cautelar poderá ser concedida comeficácia retroativa, cora efeitos ex tunc, repercutindo sobre situações pretéritas,desde que o Pretório Excelso expressamente lhe outorgue esse alcance.

A medida cautelar é dotada de eficácia geral (erga omnes) e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à AdministraçãoPública direto e indireto, nas esferas federal, estadual e municipal.

Em decorrência de sua força vinculante, a medida tem também o efeitode suspender, durante o período de sua eficácia, o julgamento de todosos processos que envolvam a aplicação da lei ou ato normativo objeto daação.

Caso os demais órgãos do Poder Judiciário ou a Administração Públicadireta e indireta desobedeçam à suspensão determinada na medida cautelar,caberá reclamação diretamente ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-aprocedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada.

É de ressaltar, entretanto, que não há efeito vinculante no caso de indeferimento da liminar. Por exemplo, se foi indeferida pelo Supremo TribunalFederal liminar em ADI na qual está sendo impugnada a Lei "X", nada obstaque, em uma ação ordinária relativa a um caso concreto, o juiz da causadecida incidentalmente que a mesma Lei "X" é inconstitucional, e afaste asua aplicação àquele caso.

A concessão da medida cautelar em ação direto de inconstitucionalidade torna aplicável (provisoriamente) a legislação anterior acaso existente,salvo expressa manifestação do Supremo Tribunal Federal em sentidocontrário.

Portanto, além de suspender a vigência da norma impugnada até o julgamento do mérito, a cautelar implica a repristinação provisória (e tácita) deeventual norma revogada pela lei atacada, restabelecendo temporariamentesua vigência, exceto se houver manifestação expressa do Supremo TribunalFederal em sentido contrário.

MEDIDA

CAUTELAR

EM ADI

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 343

PRESSUPOSTOS

FORÇA DA MEDIDA

"Fumus boni turis".

"Periculum in mora".

Suspende a eficácia da norma impugnada até ojulgamento do mérito.

Suspende o julgamento de processos que envolvama aplicação da norma.

Toma aplicável a legislação anterior acaso existente,salvo manifestação do STF em contrário.

Em regra, "ex nunc".

EFEITOS

Poderão ser "ex tunc", desde que o STF odetermine.

—j Eficácia "erga omnes".

*—l Efeito vinculante"

DELIBERAÇÃOAprovação de maioria absoluta, salvo nos períodosde recesso.

INÍCIO DAEFICÁCIA DA

MEDIDA

Na data de publicação da ata de julgamento noDiário da Justiça da União.

10.2.14. Decisão de mérito

O estudo dos efeitos da decisão de mérito proferida em ação direta deinconstitucionalidade constitui matéria complexa e de grande interesse paraa compreensão do controle de constitucionalidade abstrato, razão pela qualdividiremos o seu exame em subitens, de modo a facilitar a assimilação dosseus diferentes aspectos.

10.2.14.1. Deliberação

A decisão sobre a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da leíou do ato normativo somente será tomada se estiverem presentes na sessãopelo menos oito ministros. Esse é, portanto, o quorum especial para a instalação da sessão de julgamento de uma ação direta, sem o qual não poderáhaver sessão deliberativa.

Uma vez instalada a sessão e efetuado o julgamento, a proclamação daconstitucionalidade ou da inconstitucionalidade da disposição ou da normaimpugnada dependerá de manifestação, num ou noutro sentido, de pelo menos seis ministros.

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344 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade (seis votos), estando ausentes ministrosem número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim deaguardar-se o comparecimento dos ausentes, até que se atinja o númeronecessário para prolação da decisão num ou noutro sentido.

10.2.14.2. Natureza dúplice ou ambivalente

A ação direto de inconstitucionalidade é ação dotada de natureza dúpliceou ambivalente.

Significa afirmar que a decisão de mérito proferida em ação direto deinconstitucionalídade produz eficácia jurídica num ou noutro sentido, sejaquando é julgada procedente a ação, seja na hipótese em que a ação é julgada improcedente.

Assim, proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente aação direta de inconstitucionalidade; e, proclamada a inconstitucionalidade,julgar-se-á procedente a ação direta.

10.2.14.3. Efeitos da decisão

As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo TribunalFederal nas ações diretas de inconstitucionalidade produzirão eficácia contratodos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciárioe à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual emunicipal.

Era regra, podemos afirmar que a decisão do Supremo Tribunal Federalem ação direta de inconstitucionalidade é dotada de:

a) eficácia contra todos (erga omnes);

b) efeitos retroativos (ex tunc);

c) efeito vinculante;

d) efeito repristinatório em relação à legislação anterior.

Afirmar que a decisão é dotada de eficácia erga omnes significa dizerque a decisão tem força geral, contra todos, alcançando todos os indivíduosque estariam sujeitos à aplicação da lei ou ato normativo impugnado. Se aação direta foi julgada procedente, a proclamação da inconstitucionalidadeda leí ou ato normativo afastará a sua aplicação em relação a todos. Se a

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 345

ação direta foi julgada improcedente, a proclamação da constitucionalidadeda lei ou ato normativo também alcançará a todos, que estarão obrigados adar cumprimento aos seus termos.

As decisões de mérito em ação direta de inconstitucionalidade produzemefeitos retroativos (ex tunc), pois fulminam a lei ou ato normativo desde asua origem. Assim, por exemplo, se, no ano de 2006, é declarada em açãodireta a inconstitucionalidade de uma lei instiruidora de imposto publicadaem 2002, a decisão retroagirá à data da origem da lei (2002), retirando-ado ordenamento jurídico desde então, o que ensejará a devolução de todo oimposto pago no período de vigência da lei e obstará a cobrança de qualquernovo valor com o mesmo fundamento.

A decisão de mérito em ação direto é dotada de efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Públicadireta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Significa que todos os demais órgãos do Judiciário e todos os órgãos daAdministração Pública direta e indireta, nas três esferas de governo, ficamvinculados à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, não podendodesrespeitá-la, por exemplo, aplicando a um caso concreto a lei declaradainconstitucional.

Caso haja desrespeito à decisão proferida em ação direta, o prejudicadopoderá se valer do instrumento processual denominado reclamação, propostadiretamente perante o Supremo Tribunal Federal, para que este garante aautoridade de sua decisão, determinando a anulação do ato administrativoou a cassação da decisão judicial reclamada.

Essa força vinculante não alcança, porém, o próprio Supremo TribunalFederal, que, em tese, poderá posteriormente mudar sua posição em umaoutra ação.

O efeito vinculante não alcança, tampouco, a atividade normativa doPoder Legislativo, que não fica impedido de editar nova lei com igualconteúdo.

A decisão de mérito em ação direta é, também, dotada de efeitos re-pristínatórios em relação ao direito anterior, que havia sido revogado pelanorma declarada inconstitucional. Para ilustrar, imagine-se que a lei Betetenha revogado a lei Alfa em 10.08.2005. Posteriormente, em 10.02.2007, alei Beta foi declarada inconstitucional em ação direto de inconstitucionalidade. Nessa situação, com a declaração da inconstitucionalidade da lei Bete,restaura-se a vigência da lei Alfa, como se sua revogação nunca tivesseexistido, uma vez que os efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade sãoretroativos (ex tunc).

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346 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

10.2.14.4. Modulação dos efeitos temporais

Conforme estudado no subitem precedente, a declaração de inconstitucionalidade em ação direta é ordinariamente dotada de efeitos retroativos,alcançando, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, bem comoimplicando a plena restauração da vigência das leis e das normas afetadas(revogadas) pela lei ou ato normativo declarado inconstitucional.

Esses efeitos deconem da adoção, pelo Supremo Tribunal Federal, datradicional tese jurídica segundo a qual o ato que desrespeita a Constituiçãoé nulo, irrito desde o seu nascimento (e não simplesmente anulável), sendo,como tal, inapto para produzir quaisquer efeitos jurídicos válidos.

Acontece, porém, que a Lei 9.868/1999 trouxe relevante inovação aocontrole de constitucionalidade abstrato, ao introduzir em nosso sistemade direito positivo a possibilidade de utilização da técnica da modulação(ou da manipulação) temporal dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade emanada do Supremo Tribunal Federal, na forma estabelecidano seu art. 27:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou deexcepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir osefeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficáciaa partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento quevenha a ser fixado.

Como se vê, esse dispositivo legal passou a permitir que o SupremoTribunal Federal, excepcionalmente, proceda à modulação (ou manipulação)temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em ação direto,em respeito à segurança jurídica e ao interesse social.

São dois os requisitos para que o Supremo Tribunal Federal possa manipular (limitar) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade em açãodireta de inconstitucionalidade, a saber: decisão de dois terços dos merabrosdo Tribunal (oito Ministros) e presença de razões de segurança jurídica ouexcepcional interesse social.

Uma vez presentes os requisitos, poderá o Supremo Tribimal Federal:

a) restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade;

b) conferir efeitos não retroativos (ex nunc) à sua decisão;

c) fixar outro momento para o início da eficácia de sua decisão.

EFEITOS

DA DECISÃODE MÉRITO

EM ADI

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 347

I—["Erga omnes" j

—|"Ex tunc" |EM REGRA

—| Efeito vinculante j

'—jEfeito repristinatório |

Por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social,poderá o STF, por maioria de 2/3 de seus membros:

a) restringir os efeitos da decisão;

b) conceder eficácia "ex nunc" à decisão;

c) fixar outro momento para o início da eficácia de sua decisão.

10.2.14.5. Defmitivrdade da decisão de mérito

A decisão que declara a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade dalei ou do ato normativo em ação direta é irrecorrível, ressalvada a interposi-ção de embargos declaratórios, não podendo, igualmente, ser objeto de açãorescisória. Esses, os embargos de declaração, constituem recurso que podeser interposto pelo requerente ou pelo requerido visando a suprir eventualomissão, obscuridade ou contradição contida no acórdão.

Assim, uma vez decidido o mérito da ação direta, abre-se prazo paraa interposição dos embargos declaratórios. Uma vez interpostos, sejam elesjulgados procedentes ou não (ou expirado o prazo sem a sua interposição),a decisão do Supremo Tribunal Federal transita em julgado, não cabendocontra ela nenhum outro recurso, nem mesmo ação rescisória.

10.2.14.6. Momento da produção de efeitos

A declaração da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade começaa produzir efeitos a partir da publicação, no Diário da Justiça da União, daata do julgamento do pedido. Porém, em situações excepcionais, o SupremoTribunal Federal tem a possibilidade de fixar outro momento para o inícioda produção de efeitos, desde que o faça expressamente.

10.3. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão

10.3.1. introdução

A ação direta de inconstitucionalídade por omissão - ADO, novidadeintroduzida no direito brasileiro pela Constituição de 1988, é modalidade

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348 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

abstrata de controle de omissão por parte de órgão encarregado de elaboração normativa, destinando-se a tornar efetiva disposição constitucional quedependa de complementeção (norma constitucional não autoaplicável).

Cora isso, a partir de 1988, passou a reconhecer o texto constitucionalque o desrespeito à Constituição pode advir não só de uma ação, de um atopositivo, quando os órgãos constituídos atuam em desconformidade com asnormas e princípios daquela, mas também da omissão ou do silêncio, quandoos órgãos permanecem inertes, não cumprindo seu dever de elaborar as leisou os atos administrativos normativos indispensáveis à eficácia e aplicabilidade da Lei Maior.

De fato, nem sempre o órgão constitucionalmente designado comocompetente para agir e efetivar disposições da Constituição cumpre com oseu poder-dever, surgindo, então, o que se denomina de inércia ou omissãoinconstitucional, forma negativa de violação da Carta, a ser combatida viaação direto de inconstitucionalidade por omissão.

Estudamos precedentemente a ação direto de inconstitucionalidade genérica —ADI, examinando todos os aspectos relevantes referentes ao seuprocesso e julgamento, tendo em vista as disposições constitucionais e legaise as orientações jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal. Como a ADOé também uma ação direto, com a peculiaridade de que visa à reparação detuna omissão inconstitucional (e não uma ação positiva, como a ADI genérica),temos que as características e o procedimento antes estudados era relação àADI genérica são também aplicáveis à ADO, ressalvadas algumas pequenasdessemelhanças, ligadas ao seu objeto.

Desse modo, a fim de evitarmos mera repetição, não apresentaremosneste tópico todas as características e fases do processo e julgamento daADO, como fizemos em relação à ADI genérica. Partiremos do pressupostode que tudo o que estudamos em relação à ADI genérica é aplicável à ADO,ressalvados os aspectos expostos a seguir.

Nos próximos itens, portanto, examinaremos somente as peculiaridadesda ADO, que a distinguem da ação direta de inconstitucionalidade genérica.Quanto aos demais aspectos, insista-se, valera para a ADO todas as características, processo e julgamento referentes à ADI genérica, já estudados deforma pormenorizada nesta obra.

70.3.2, Legitimação ativa

Podem propor ação direta de inconstitucionalidade por omissão os mesmoslegitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade genérica,arrolados no art. 103, I a IX, da Constituição.

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 349

Entretanto, embora a Carta Política não o tenha estabelecido textualmente,entendemos que a legitimação ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade por omissão deve ser examinada, em cada caso concreto,levando-se em conto o ato omissivo questionado. Assim, o legitimado peloart. 103 da Constituição não poderá propor uma ação direta por omissão seele é a autoridade competente para iniciar o processo legislativo questionadonessa ação. Não poderá, por exemplo, o Presidente da República propor açãodireta de inconstitucionalidade por omissão questionando a mora quanto àapresentação de projeto de lei sobre matéria de sua iniciativa privativa (CF,art. 61, § 1.°), pois, nesse caso, é a sua própria inércia - não apresentaro respectivo projeto de lei ao Poder Legislativo - que está afrontando aConstituição.

70.3.3. Legitimação passiva

Os requeridos na ação direta de inconstitucionalidade por omissão são osórgãos ou autoridades omissos, que deixaram de adotar as medidas necessáriasà realização concreta dos preceitos da Constituição, abstendo-se, com isso,de cumprir o dever de prestação que lhes foi constitucionalmente imposto.

Desse modo, será apontado pelo autor da ADO o órgão ou autoridadeque não cumpriu o dever que lhe foi imposto pela Constituição, de editara norma faltante para a concretização do direito constitucional. Assim, sea omissão diz respeito ao dever de expedir uma lei federal, será apontadocomo requerido o órgão que permanece omisso quanto a esse dever, qualseja, o Congresso Nacional, órgão legislativo da União. Se a omissão refere-se ao dever de expedir uma lei estadual, será apontado como órgão omissoa Assembléia Legislativa, órgão legislativo do estado-membro.

Entretanto, há que se observar, caso a caso, o poder de iniciativa de lei,haja vista que, se os membros do Poder Legislativo não dispuserem de iniciativa sobre a respectiva matéria, não poderão eles ser acoimados de omissos.Assim, se a iniciativa de lei sobre a matéria é privativa do Presidente daRepública e ele não apresenta o respectivo projeto de lei ao Poder Legislativo, o Congresso Nacional não poderá ser apontado como órgão omisso naADO. Nesse caso, o requerido deverá ser o Presidente da República (quepermanece omisso quanto ao seu poder-dever de iniciativa sobre a matéria),e não o Congresso Nacional.

Essa questão assume relevância, especialmente, diante da ausência de regulamentaçãodos direitos constitucionaisrelativos aos servidorespúblicos, taiscomo o direito de greve (art. 37, VII), a revisão geral anual da remuneração(art. 37, X) e a concretização de outras vantagens a eles asseguradas pelaConstituição. Como as leis que dispõem sobre regime jurídico, remuneração

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350 RESUMO pEDIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

e concessão de vantagens aos servidores públicos federais são de iniciativaprivativa do Chefe do Poder Executivo, o órgão omisso em tais casos, quedeverá ser apontado como requerido em ADO, é o Presidente da República,e não o Congresso Nacional.

70.3.4. Objeto

Ao examinarmos a ação direta genérica (de inconstitucionalidade de leiou ato normativo) de competência do Supremo Tribunal Federal, vimos queela só admite como seu objeto normas federais e estaduais, ou ainda normasdo Distrito Federal expedidas no exercício de suas competências estaduais.Dessa forma, as leis e atos normativos municipais (e do Distrito Federal, nodesempenho de atribuição municipal) não se sujeitara ao controle via ação direta de inconstitucionalidade genérica perante o Supremo Tribunal Federal.

De igual modo, na ADO só poderão ser impugnadas omissões normativasfederais e estaduais, bem como as omissões do Distrito Federal concernentes a suas competências estaduais. As omissões de órgãos municipais (e doDistrito Federal, relativas a suas atribuições municipais) não se sujeitam aimpugnação em ADO perante o Supremo Tribunal Federal.

70.3.5. Atuação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral daRepública

No processo de ADO, o relator poderá solicitar a manifestação do Advogado-Geral da União, que deverá ser encaminhada no prazo de quinze dias.

Observa-se, assim, que a oitiva do Advogado-Geral da União em açãodireta de inconstitucionalidade por omissão não é obrigatória, cabendo aorelator a decisão de ouvi-lo, ou não.

Já a manifestação do Procurador-Geral da República, nas ações diretosde inconstitucionalidade por omissão em que não for autor, é obrigatória.Com efeito, o Procurador-Geral da República, nas ações em que não forautor, terá visto do processo, por quinze dias.

Anote-se que não haverá manifestação do Procurador-Geral da Repúblicanas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão que ele tenha proposto,no uso da legitimação que a Constituição Federal lhe confere (art. 103, VI).

70.3.6. Concessão de medida cautelar

Em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal,por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá conceder medi-

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 351

da cautelar, após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pelaomissão inconstitucional.

A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei oudo ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bera como nasuspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ouainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal.

70.3.7. Efeitos da decisão de mérito

Declarada a inconstitucionalidade por omissão, por decisão da maioriaabsoluta de seus merabros, será dada ciência ao Poder competente para aadoção das providências necessárias.

Em caso de omissão imputável a órgão administrativo, as providênciasdeverão ser adotadas no prazo de trinta dias, ou em prazo razoável a serestipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em visto as circunstânciasespecíficas do caso e o interesse público envolvido.

É sobremaneira relevante destacar que essa natureza mandamento} épercebida com maior intensidade em relação a órgão administrativo, para oqual deverá ser fixado o prazo de trinta dias para sanar a omissão, ou outroprazo razoável a ser estipulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo emvisto as circunstâncias específicas do caso e o interesse público envolvido.

Assim, se a omissão for de um dos Poderes do Estado não há quese falar em fixação de prazo para a edição da norma faltante. Porém, se aomissão for de um órgão admimstrativo (subordinado, sem função política,meramente executor de leis ou políticas públicas), será fixado um prazo detrinta dias, ou outro prazo razoável a ser estipulado excepcionalmente peloTribunal, para sua atuação visando a suprir a omissão inconstitucional.

10.4. Ação declaratória de constitucionalidade

10.4.1. Introdução

A ação declaratória de constitucionalidade — ADC foi introduzida nonosso sistema de controle de constitucionalidade abstrato pela EC 3/1993.

Nessa ação, o autor apenas comparece perante o Supremo Tribunal Federalpara pedir que este declare a constitucionalidade de determinada lei ou atonormativo. O seu objetivo é, portanto, abreviar o tempo - que era muitoscasos pode ser longo —para obtenção de uma pronúncia do STF sobre aconstitucionalidade de certo ato, que esteja originando dissenso nos juízos

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352 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo S Marcelo Alexandrino

inferiores, consubstanciando um verdadeiro atalhopara encenar a controvérsiasobre a sua legitimidade.

Cuida-se, pois, de uma ação que tem como objetivo principal transferirao Supremo Tribunal Federal a apreciação sobre a constitucionalidade deura dispositivo legal que esteja sendo objeto de grande controvérsia entreos juizes e demais tribunais, uma vez que, decidida a questão pelo TribunalMaior, o Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nasesferas federal, estadual e municipal, ficarão vinculados à. decisão proferida,conforme detalharemos adiante.

A ação declaratória de constitucionalidade possui a mesma naturezajurídica da ação direta de inconstitucionalidade, isto é, (a) são ações docontrole abstrato, (b) instauram processos tipicamente objetivos de fiscalização da validade das leis e atos normativos, pois têm por objeto principala controvérsia constitucional em si, (c) podem ser ajuizadas pelos mesmoslegitimados e (d) são da competência exclusiva do Supremo Tribunal Federalquando propostos em face da Constituição Federal.

Há somente um aspecto que as diferencia: o pedido do autor, que, naADI, é pela declaração da inconstitucionalidade da lei ou ato normativo,enquanto, na ADC, é pela declaração da constitucionalidade da lei ou atonormativo. E por esse motivo que é comum a referência à ADC como uma"ADI de sinal trocado".

Em razão dessa similitude, adotaremos a mesma metodologia de estudoantes empregada para o exame da ação direta de inconstitucionalidade poromissão - ADO. Não repetiremos todas as características e fases do procedimento referentes à ADC, pois, como afirmamos, elas são praticamente asmesmasanteriormente estudadas em relação à ADI.Assim, no tópico seguinte,apresentaremos um breve resumo, destacando as principais semelhanças entrea ADI e a ADC. Após, nos itens seguintes, apresentaremos apenas aquelaspeculiaridades quedistinguem as duasações, valedizer, aquelas característicasque são aplicáveis apenas a uma das ações (que estão presentes na ADI, enão na ADC, ou vice-versa).

70.4.2. Principais aspectos comuns

A legitimação ativa para a propositura das ações do controle abstrato éexatamente a mesma, enumerada no art. 103, I a IX, da Constituição. Damesma forma, valem para a ação declaratória de constitucionalidade todasas considerações expendidas sobre a legitimação em ação direto de inconstitucionalidade (exigência de pertinência temática em relação aos legitimadosespeciais; a perda superveniente da representação parlamentar do partidopolítico não prejudicar o julgamento da ação proposta etc).

Cap. 11 * CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 353

Assim como na ação direta de inconstitucionalidade, a causa de pedir naação declaratória é também aberta, vale dizer, o Supremo Tribunal Federalpoderá proclamar a constitucionalidade da lei ou ato normativo por fundamentos distintos daqueles apresentados pelo autor da ação. Nas duas ações,porém, o Supremo Tribunal Federal vincula-se ao pedido do autor, isto é,só poderá apreciar a validade dos dispositivos indicados no pedido, não deoutros dispositivos constitucionais.

As duas ações são dúplíces ou ambivalentes, isto é, as decisões nelasproferidas - pela procedência ou pela improcedência - gerara eficácia jurídica. Entretanto, como a ADC assemelha-se a uma "ADI de sinal trocado",a eficácia da decisão também é inversa. Desse modo, proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente a açãodeclaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente aação direta ou improcedente a ação declaratória.

A ação direta e a ação declaratória podem ser propostas a qualquertempo, já que não se sujeitam a prazos de decadência ou prescrição. Umavez propostos, não será admitida a desistência.

Nas duas ações não são admitidas as diferentes hipóteses de intervenção de terceiros previstos no Código de Processo Civil. Porém, é possível aintervenção de terceiros não legitimados na condição de colaboradores, de"amigos da Corte" (amicus curiae).

O Procurador-Geral da República atuará obrigatoriamente nos procedimentos de ADI e ADC, nos quais emitirá o seu parecer com plena autonomia,podendo opinar pela constitucionalidade ou pela inconstitucionalidade da leiou ato normativo.

Os efeitos da decisão de mérito proferida pelo Supremo Tribunal Federalem ação declaratória de constitucionalidade são exatamente os mesmos anteriormente expostos em relação à ação direta de inconstitucionalidade. Emsíntese, significa que a decisão de mérito em ADC será dotada de eficáciacontra todos (erga omnes), efeitos retroativos (ex tunc) e força vinculanterelativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Ademais,caso seja proclamada a inconstitucionalidade da norma (improcedência daADC), a decisão terá efeitos repristinatórios era relação à legislação anterioracaso existente.

Ainda em relação aos efeitos da decisão de mérito, é também possívelem ADC que o Supremo Tribunal Federal aplique a técnica da modulação(ou manipulação) dos efeitos temporais da pronúncia de inconstitucionalidade,desde que estejam presentes os pressupostos legais para essa medida - razõesde segurança jurídica ou excepcional interesse social - e haja decisão de doisterços dos membros do Tribunal.

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354 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

Por fim, vale lembrar que as decisões de mérito proferidas era ADI eADC são hrecorríveis, ressalvada a interposição de embargos declaratórios,não podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.

70.4.3. Objeto

O objeto da ação declaratória de constitucionalidade está limitado exclusivamente às leis ou atos normativos federais.

Há, portanto, uma relevante distinção entre o controle abstrato realizado pelo Supremo Tribunal Federal era sede de ADI e aquele exercido viaADC. No primeiro, poderão ser impugnados leis e atos normativos federaise estaduais, além dos atos expedidos pelo Distrito Federal no desempenhode sua competência estadual. Já em sede de ADC, só poderá ser requerida adeclaração da constitucionalidade de leis e atos normativos federais.

70.4.4. Relevante controvérsia judicial

Para o ajuizamento da ADC é imprescindível a existência de controvérsiajudicial relevante sobre a aplicação da disposição que se pretende levar àapreciação do Supremo Tribunal Federal.

O autor da ação deve comprovar a existência dessa relevante controvérsia judicial sobre a lei que ele quer ver declarada constitucional peiã CorteSuprema, juntando à petição inicial decisões judiciais, prolatadas no âmbitodo controle Íncidental, que suscitem controvérsia sobre ser a lei constitucionalou inconstitucional.

Se o autor da ADC não comprovar a existência de relevante controvérsiajudicial sobre a validade da lei, a ação não será conhecida pelo SupremoTribunal Federal.

É importantíssimo destacar que só a controvérsia judicial relevante autoriza a propositura de ação declaratória de constitucionalidade, não sendosuficiente a comprovação de celeuma doutrinária. Repita-se, a relevantecontrovérsia deverá ser judicial, entre os órgãos do Poder Judiciário; amera polêmica doutrinária, entre os estudiosos do Direito, não autoriza apropositura de ADC.

70.4.5. Pedido de informações aos órgãos elaboradores da norma

Quando estudamos o procedimento de ação direta de inconstitucionalidade, vimos que após a propositura dessa ação o relator pedirá informações

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 355

aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativoimpugnado, que deverão prestá-las no prazo de trintas dias contado do recebimento do pedido.

Esse pedido de informações não ocone em ação declaratória de constitucionalidade. A razão para isso é que no processo desta ação não há legitimado passivo, tendo em visto que nela não há ataque a algum ato, não éimpugnada uma lei ou um ato normativo, mas sim solicitada a declaraçãode sua constitucionalidade, de sua legitimidade.

70.4.6. Medida cautelar

Assim como na ação direta, o Supremo Tribunal Federal poderá, pordecisão da maioria absoluta de seus membros, deferir pedido de medidacautelar em sede ADC.

Porém, como o pedido na ação declaratória é pela constitucionalidadeda norma (ao contrário do pedido em ação direta), é certo que o alcance damedida cautelar em ADC será distinto. Afinal, se o autor da ADC requer oreconhecimento da constitucionalidade da lei ou ato normativo, não faz sentido o Supremo Tribunal Federal, ao conceder a medida cautelar, suspendera vigência da norma, como faz em ação direta.

Em razão dessa distinção quanto ao pedido, a medida cautelar em ADCconsistirá na determinação de que os juizes e os tribunais suspendam ojulgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até o julgamento definitivo da ADC pelo SupremoTribunal Federal.

A medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade possuieficácia erga omnes e efeito vinculante, obrigando todos os demais órgãosdo Poder Judiciário e a Administração Pública direto e indireto, nas esferasfederal, estadual e municipal.

70.4.7. Não atuação do Advogado-Geral da União

O Supremo Tribunal Federal afastou a obrigatoriedade de citação doAdvogado-Geral da União no processo de ADC, entendendo que nessaação, porquanto se esteja buscando exatamente a preservação da presunçãode constitucionalidade do ato que é seu objeto, não há razão para que esteórgão atue como defensor dessa mesma presunção (a ação não visa a atacaro ato, mas sim a defendê-lo). Assim, não se aplica à ação declaratória deconstitucionalidade o art. 103, § 3.°, da Constituição.

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356 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

10.5. Arguição de descumprimento de preceito fundamental

70.5.7. Introdução

A previsão constitucional para que o Supremo Tribunal Federal aprecieato que atente contra preceito fundamental decorrente da Carta da Repúblicaestá no art. 102, § 1.°, nos seguintes termos:

§ 1.° A arguição de descumprimento de preceito fundamentaldecorrente desta Constituição será apreciada pelo SupremoTribunal Federal, na forma da lei.

O dispositivo sobretranscrito - exemplo típico de norma constitucionalde eficácia limitada - somente recebeu do legislador ordinário a necessáriaregulamentação com o advento da Lei 9.882/1999. Essa lei dispõe sobre oprocesso e julgamento da chamada arguição de descumprimento de preceitofundamental - ADPF, nos termos a seguir analisados.

Nos termos em que foi regulada a ADPF pelo legislador ordinário,questões até então não passíveis de apreciação nas demais ações do controleabstrato de constitucionalidade (ADI e ADC) passaram a poder ser objetode exame, conforme explicitado a seguir.

70.5.2. Objeto da ADPF e conteúdo do pedido

O art. 1.° da Lei 9.882/1999 possui o seguinte teor:

Art. 1.° A arguição prevista no § 1.° do art. 102 da ConstituiçãoFederal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, eterá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental,resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também arguição de descumprimentode preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal,incluídos os anteriores à Constituição;

A arguição, dessarte, tem potencialmente como objeto:

a) qualquer ato (ou omissão) do Poder Público, incluídos os não normativos,que acarrete lesão ou ameaça de lesão a preceito fundamental decorrenteda Constituição, visando a evitar ou reparar tal lesão;

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 357

b) leis e atos normativos federais, estaduais e municipais (e também os distritais, inclusive os editados com fulcro nas competências municipais doDF), abrangidos os anteriores à Constituição, desde que exista acerca desua aplicação relevante controvérsia constitucional e que a aplicação ou anão aplicação desses atos implique lesão ou ameaça de lesão a preceitofundamental decorrente da Constituição.

Observa-se que a primeira hipótese cuida de ação em face de ato ingenere praticado pelo Poder Público (ou que esteja na iminência de ser praticado, hipótese era que teremos a ADPF preventiva), abrangendo, ainda, asomissões do Poder Público que acarretem violação de preceito constitucionalfundamental.

Na segunda hipótese permite-se aferir, in abstracto, a validade de leiou ato normativo federal, estadual ou municipal, anteriores ou posteriores àConstituição, sobre os quais existe controvérsia judicial que tenha fundamentorelevante, e desde que, em razão dessa controvérsia, ou da aplicação ou nãoaplicação do ato, esteja sendo violado preceito fundamentai.

Até a regulamentação da ADPF, o controle da constitucionalidade dasnormas municipais em face da Constituição Federal somente era efetivadona via íncidental, quando, por meio do recurso extraordinário, a controvérsiachegava ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal. Não havia hipótesede se levar, diretamente, à apreciação da Corte Suprema controvérsia sobredireito municipal.

A Lei 9.882/1999 mudou essa situação, ao permitir que se leve, diretamente,ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, por meiodapropositurade ADPF, relevante controvérsia sobre lei ou ato normativo municipal, desdeque esteja ocorrendo lesão a preceito constitucional fundamental.

Houve também alteração no que se refere à aferição da compatibilidadedas normas anteriores à vigente Constituição, do chamado direito pré-constitucional, agora passível de controle abstrato perante o Pretório Excelso,na via da ADPF, desde que, tombem, esse direito pré-constitucional estejasendo objeto de relevante controvérsia judicial de que resulte lesão a preceitofundamental decorrente da Constituição.

70.5.3. Preceito fundamental

A Lei 9.882/1999 não enumerou, nem mesmo exernplificativamente, asnormas constitucionais que devem ser consideradas "preceitos fundamentais"cuja lesão enseja a propositura de ADPF.

Com isso, o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento de que a elepróprio compete identificar as normas que devem ser consideradas preceitos

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358 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

fundamentais decorrentes da Constituição Federal para o fim de conhecimentodas ADPF que perante a Corte sejam ajuizadas.

Não obstante, tem sido propugnado, de um modo geral, que são preceitos fundamentais, dentre outros, os direitos e garantias individuais (art. 5.°,dentre outros), os demais princípios protegidos como cláusula pétrea (art. 60,§ 4.°) e os princípios sensíveis, cuja violação pode dar ensejo à decretaçãode intervenção federal nos estados-membros (art. 34, VII).

70.5.4. Subsidiariedade da ADPF

O art. 4.°, § 1.°, da Lei 9.882/1999 traz importante regra, segundo aqual:

§ 1.° Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficazde sanar a lesividade.

O legislador ordinário, portanto, conferiu à ADPF a natureza de açãoexcepcional, subsidiária, remédio extremo: somente será cabível se nãofor possível sanar a lesividade do ato que se quer impugnar mediante autilização de "qualquer outro meio" que seja verdadeiramente eficaz paratanto.

Portento, não será cabível a ADPF quando a lesividade da situação quese pretenda afastar possa ser efetivamente sanada mediante alguma dasdemais ações integrantes do controle abstrato de normas (ADI, ADO ouADPF). Ademais, mesmo que não exista uma ação do controle abstrato deconstitucionalidade apta a neutralizar, com verdadeira eficácia, a situaçãode alegada lesão a preceito fundamental, a Corte não conhecerá a ADPF seconstatar que, para aquele caso concreto, existe algum outro meio processualapto a sanar, com efetividade real, o estado de lesividade.

70.5.5. Competência e legitimação

A competência para o processo e julgamento da ADPF é originária eexclusiva do Supremo Tribunal Federal, conforme expressamente estabelecidono art. 102, § 1.°, da Constituição da República.

São legitimados a propor a ADPF as mesmas pessoas, órgãos e entidades que podem propor a ADI, previstos no art. 103, incisos I a LX, daConstituição.

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 359

70.5.6. Medida liminar

O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seusmembros, poderá deferir pedido de medida liminar na ADPF.

Ademais, em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ouainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad refe-rendum do Tribunal Pleno.

A liminar poderá consistir na determinação de que juizes e tribunaissuspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, oude qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto daADPF, salvo se decorrentes da coisa julgada.

10.5.7 Decisão

A decisão de mérito em ADPF terá eficácia contra todos (erga omnes) eefeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público.

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processode ADPF, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcionalinteresse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de doisterços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidirque ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outromomento que venha a ser fixado.

A inobservância da decisão proferidapelo Supremo Tribunal Federal emADPF, dada a sua eficácia erga omnes e efeito vinculante, caracteriza graveviolação de dever funcional, seja por parte das autoridades administrativas,seja por parte do magistrado, hipótese em que é cabível reclamação aoPretório Maior contra o descumprimento da decisão por ele proferida.

Não se admite ação rescisória contra decisão proferida pelo STF emarguição de descumprimento de preceito fundamental.

OUALHO COMPARATIVO rM III ADI ADC t ADPF

• UUIWU. 1! IW)1ISULUVjlUi EflJlUaUC.

dade.

kjuí isulucionanaaae

ou inconstituciona

lidade.

2 Objeto. Leis e atos nor Leis e atos Leis e atos normativos federais e normativos mativos federais,estaduais (e do DF, federais. estaduais e munidesde que no desem cipais, inclusive ospenho de competên pré-constitucionais.cia estadual).

Page 192: Direito constitucional descomplicado

360 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

QUADRO COMPARATIVO ENTRE ADI, ADÇ E ADP

ITENS ADI ADC

3 Possibilidade de ter

como objeto diretomunicipal.

Não. Não. Sim.

4 Legitimação. CF, art. 103, t ao IX. CF, art. 103, Iao IX.

CF, art. 103, I ao IX.

5 Exigência de "pertinência temática"

para a propositurada ação.

Sim, em refação aoslegitimados especiais(Mesa de Assembléia Legislativa e daCâmara Legislativado DF; Governadorde Estado e do DF;confederação sindicalou entidade de classe

de âmbito nacional).

Sim. Sim.

6 Exigência decomprovação, parao ajuizamento daação, da existênciade controvérsia

judicia! relevantesobre a aplicaçãoda lei.

Não. Sim. Sim, para a ADPFajuizada com baseno art. 1o, par.único, inciso I, daLei n° 9.882/1999

(ADPF íncidental)

Não, para a ADPFajuizada com baseno caput do art. 1oda Lei n° 9.882/1999

(arguição autônoma).

7 Possibilidade de

concessão de me

dida cautelar.

Sim. Sim. Sim.

8 Deliberação paraconcessão da me

dida cautelar.

Maioria absoluta,salvo no período derecesso.

!dem. Idem.

9 Força da decisãoconcessiva da me

dida cautelar.

(1) Susta, comeficácia erga omnese força vinculante, avigência da norma impugnada; (2) suspende o julgamento detodos os processosque envolvam a aplicação da lei impugnada; (3) torna aplicávela legislação anterioracaso existente,salvo manifestaçãoexpressa do STF emsentido contrário.

Determinação,com eficácia

erga omnes e

força vinculante,para que os juizes e os tribu

nais suspendamo julgamentodos processosque envolvama aplicação daleí ou do ato

normativo objetoda ação até-seu julgamentodefinitivo.

(1) poderá sustara eficácia do ato

impugnado até ojulgamento do mérito;(2) poderá consistirna determinação deque juizes e tribunaissuspendam o andamento de processoou os efeitos de

decisões judiciais,ou de qualquer outramedida que apresente relação com a matéria objeto da ADPF,salvo se decorrentes

da coisa julgada.

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 361

da medida cautelar. de prazo limite. legal de prazo limite.

11 Efeitos temporaisda medida cautelar.

(1) Em regra, exnunc; (2) Poderãoser ex tunc, desde

que o STF determineexpressamente.

Idem. Idem.

12 Participação doProcurador-Geral

da República.

Sim. Sim. Sim.

13 Participação doAdvogado-Geral daUnião.

Sim. Não. Sim.

14 Natureza dúpliceou ambivalente.

Sim. Sim. Sim.

15 Quando a ação éjulgada procedente,reconhece o STF...

A inconstitucionalida

de da norma.A constitucio

nalidade da

norma.

Depende do pedido.

16 Quando a ação éjulgada improcedente, reconhece o 'STF...

A constitucionalidade

da norma.A inconstitu

cionalidade danorma.

Depende do pedido.

17 Efeitos da decisão

definitiva de mérito.Em regra: eficáciaerga omnes, efeitovinculante e ex tunc.

Idem. Idem.

18 Possibilidade de

o STF modular osefeitos temporaisda decisão quedeclara a inconsti

tucionalidade.

Sim, desde que tendoem vista razões de

segurança jurídicaou de excepcionalinteresse social e

por maioria de doisterços dos membrosdo STF.

Idem. idem.

19 Possibilidade de

desistência da

ação.

Não. Não. Não.

20 Possibilidade de

desistência do

pedido de medidacauteiar.

Não. Não. Não.

21 Possibilidade de

ação rescisóriacontra a decisão

do STF.

Não. Não. Não.

Page 193: Direito constitucional descomplicado

362 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

., = . JU Q.UADRO COMPARATtVOrENTRE^Dj; ADÇ EADPF^ ^ *"* „JLTITENS ADI ADC ADPF

22 Possibilidade de

intervenção de terceiros no processo.

Não. Não. Não.

23 Possibilidade de

ingresso, no processo, de órgãose entidades não

legitimados peloart. 103 da CF.

Sim, desde que nacondição de amicuscuriae.

Sim, desde quena condição deamicus curiae.

Sim, desde que nacondição de amicuscuriae.

24 Possibilidade de

arguição de sus-peiçao de Ministrodo STF.

Não. Não. Não.

25 Possibilidade de

arguição de-impe-dimento de Ministro

do STF.

Sim, nos casos emque-o-Ministro tenhaatuado anteriormente

no processo na con

dição de Procurador--Geral da República,Advogado-Geraí daUnião, requerente ourequerido.

Idem. Idem.

26 Quorum para instalação da sessãode julgamento daconstitucionalidade

ou inconstituciona

lidade.

A decisão somente

poderá ser tomada sepresentes na sessãopelo menos oitoMinistros.

Idem. Idem.

27 Votação. Proclamar-se-á a

constitucionalidade ou

a inconstitucionalidade

da norma impugnadase num ou noutro

sentido votarem petomenos seis Ministros.

Idem. Idem.

28 Recorribüídade da

decisão do STF.

A decisão é irrecor-

rível, ressalvada ainterposição de embargos declaratórios.

Idem. Idem.

29 Possibilidade de

ser instituída pelosestados-membros.

Sim, desde queperante o Tribunal deJustiça, para o confronto de leis locais

com a Constituiçãodo estado.

Idem. Idem.

Cap. 11 • CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

OUAURO COMPAKAilVO CNTht ADI AD( C ADPI

ou prescricionalpara o ajuizamentoda ação.

363

10.6. Controle abstrato nos estados

10.6.1. introdução

Conforme já analisado, qualquer juiz ou tribunal do Poder Judiciáriodispõe de competência para realizar o controle de constitucionalidade difuso,com o fim de afastar a aplicação das leis e atos normativos inconstitucionais aos casos concretos que lhes são submetidos. Nessa tarefa, os juizese tribunais dos estados apreciam a validade das diferentes leis e atos doPoder Público, confxontando-os ora com a Constituição estadual, ora com aConstituição Federal.

Além desse controle difuso de constitucionalidade, realizado no curso dosprocessos concretos, os Tribunais de Justiça dos estados dispõem de competência para realizar o controle abstrato de leis e atos normativos estaduais emunicipais, sempre em face da Constituição estadual.

A previsão expressa para que os estados-membros instituam o controleabstrato no seu âmbito consta do art. 125, § 2.°, da Constituição Federai,nos seguintes termos:

§ 2.° Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalídade de leis ou atos normativos estaduais oumunicipais em faceda Constituição estadual,vedadaa atribuiçãoda legitimação para agir a um único órgão.

Como se vê, o supracitado dispositivo fixa a competência dos estadospara instituição de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade naesfera estedual, mediante previsão da representação de inconstitucionalidade(leia-se: ação direta de inconstitucionalidade) na Constituição do estado, aser julgada pelo Tribunal de Justiça, para a aferição do direito estadual emunicipal em face da Constituição estadual.

Impende salientarque, emborao texto constitucional tenha expressamenteautorizado tão somente a criação pelos estados da ADI (literalmente, "representação de inconstitucionalidade"), poderão os estados-membros instituir,

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364 RESUMO DE DIREITOCONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO » \//cenfePa<jfoà MarceloAlexandrino

também, as demais ações do controle abstrato (ADO, ADC e ADPF), emhomenagem ao princípio da simetria, que vigora em nossa Federação.

10.6.2. Competência

As ações previstas pela Constituição do estado-membro para efetivação docontrole abstrato estadual, destinado a fiscalizar a constitucionalidade de leise atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual,serão propostas perante o respectivo Tribunal de Justiça.

70.6.3. Legitimação

A Constituição Federal não enumerou os órgãos e entidades que estariam legitimados a propor, no âmbito estadual, as ações do controle abstrato,deixando ao legislador estadual essa tarefa.

No entanto, a Caria da República proíbe expressamente que o legisladorestedual, ao regular a matéria, atribua a legitimação a um único órgão, dispondoser "vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão".

Portanto, seria inconstitucional, em face da Constituição Federal, odispositivo da Constituição do estado-raembro que estabelecesse uma únicaautoridade ou ura único órgão (por exemplo, somente o Governador do Estado, ou somente a mesa da Assembléia Legislativa) como competente parainstaurar o controle abstrato perante o Tribunal de Justiça.

70.6.4. Parâmetro de controle

No controle abstrato realizado pelos Tribunais de Justiça dos estados, oparâmetro é a Constituição estadual. Em termos mais precisos, os Tribunaisde Justiça dos estados apreciam em ação direta de inconstitucionalidade leisou atos normativos estaduais ou municipais em confronto com a Constituiçãoestadual, somente (e não com a Constituição Federal).

70.6.5. Simultaneidade de ações diretas

As leis e atos normativos estaduais estão sujeitos a um duplo controle deconstitucionalidade abstrato em sede de ação direta, um perante o SupremoTribunal Federal (em confronto com a Constituição Federal) e outro peranteo Tribunal de Justiça (ante a Constituição Estadual).

Cap. 11 - CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 365

Em face dessa realidade, temos a possibilidade de uma mesma lei estadual vir a ser impugnada, simultaneamente, em duas distintas ações diretas,uma proposta perante o Tribunal de Justiça, outra proposta diretamente perante o Supremo Tribunal Federal. Vale dizer, um legitimado pelo art. 103da Constituição Federal poderá propor uma ação direta perante o SupremoTribunal Federal impugnando certa lei e, durante o procedimento dessa ação,um legitimado no âmbito estadual pode ajuizar, perante o Tribunal de Justiça,outra ação direta, impugnando a mesma lei - ou vice-versa.

Ocorrendo essa hipótese, cabe-nos examinar o seguimento que deveráser dado aos processos abstratos, instaurados concomitanteraente perante osdois tribunais do Poder Judiciário.

Para examinarmos a questão, temos antes que saber qual a natureza danorma da Constituição estadual em face da qual a lei estadual foi impugnada,na forma explicitada a seguir.

A Constituição do estado possui normas de natureza autônoma e, também,normas de reprodução obrigatória da Constituição Federal. São chamadas"normas autônomas" todas aquelas que não são de reprodução obrigatóriada Constituição Federal, isto é, aquelas normas peculiares ao estado (criadas pelo poder constituinte decorrente) e aquelas espontaneamente copiadasda Constituição Federal, sem que isso fosse obrigatório. Diferentemente,são chamadas normas "de reprodução obrigatória da Constituição Federal"aquelas normas da Constituição do estado que representam simples repetição(obrigatória) do texto da Constituição Federal, porque, em relação a estas,o poder constituinte decorrente não dispõe de escolha, estando forçado areproduzi-las no texto da Constituição do estado.

Estabelecida essa distinção, temos o seguinte.

Se certo dispositivo de uma lei estadual for impugnado em ação diretaperante o Tribunal de Justiça por ofensa a norma da Constituição estadualque seja de reprodução obrigatória da Constituição Federal, o Tribunalde Justiça dará início ao processo e julgamento da ação. Mas, se duranteo procedimento dessa ação direta estadual, for proposta perante o SupremoTribunal Federal uma ação direta impugnando o mesmo dispositivo da leiestedual, em confronto com a Constituição Federal, quando o STF conhecerdeste ação, será determinada a suspensão do procedimento da ação diretaperante o Tribunal de Justiça. Ao final, como o parâmetro para o exame davalidade da lei estadual é o mesmo nas duas ações diretas (porque o parâmetroda Constituição estedual é norma de reprodução obrigatória da ConstituiçãoFederal), a decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal obrigará o Tribunal de Justiça, por força do efeito vinculante da decisão em ação direta peloSTF. Enfim, a decisão de mérito proferida pelo Supremo Tribunal Federal,quer tenha reconhecido a constitucionalidade, quer tenha reconhecido a in-

Page 195: Direito constitucional descomplicado

366 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

constitucionalidade da lei estadual, é dotada de efeito vinculante relativamenteaos demais órgãos do Poder Judiciário, obrigando, portanto, o Tribunal deJustiça, que se limitará a seguir o entendimento firmado pelo STF.

Diferentemente, se uma ação direta estadual impugna dispositivo de certalei estedual em face de norma autônoma da Constituição estadual (isto é, quenão seja de reprodução obrigatória da Constituição Federal) e, durante o cursodesta ação perante o Tribunal de Justiça, for proposta outra ação direta contrao mesmo dispositivo da lei estedual frente ao Supremo Tribunal Federal, porofensa a norma da Constituição Federal, os dois tribunais estarão examinadoa validade da lei ante parâmetros distintos (afinal, neste caso, o parâmetro daConstituição estedual não é mera reprodução obrigatória da Constituição Federal,mas sim norma autônoma). Ao final, caso o Supremo Tribunal Federal declare alei estadual inconstitucional em confronto com a Constituição Federal, o Tribunalde Justiça não mais poderá considerá-la constitucional (pois, se a lei estadualcontraria a Constituição Federal, não poderá ela permanecer no ordenamentojurídico, independentemente de quaisquer outras considerações); entretanto,caso o Supremo Tribunal Federal declare a lei estadual constitucional em faceda Constituição Federal, o Tribunal de Justiça prosseguirá, autonomamente,no julgamento da ação direta que impugna a lei em face da Constituição doestado, podendo declarar a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade desta(porque é possível que a lei estedual não contrarie a Constituição Federal, masseja incompatível com a Constituição do estado).

Observe-se que, nesta última hipótese, mesmo o Supremo Tribunal Federal tendo declarado a constitucionalidade da lei estedual em ação direta,é possível que o Tribunal de Justiça venha a reconhecer, ulteriormente, ainconstitucionalidade da mesma lei. O contrário, porém, não é possível,porque se o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade dalei, será ela retirada do ordenamento jurídico, por ofensa à Lei Maior, nadaimportando a sua relação cora a Constituição estadual. Era conclusão, podemos afirmar que a lei estadual só permanecerá no ordenamento jurídicose os dois tribunais declararem a sua constitucionalidade; se qualquer dostribunais declarar a inconstitucionalídade, a lei será retirada do ordenamentojurídico, por ofensa à Constituição Federal (se a inconstitucionalidade forpronunciada pelo STF) ou por ofensa à Constituição do estado (se a declaração da inconstitucionalidade emanar do TJ).

10.6.6. Recurso extraordinário contra decisão de ADI estadual

Foi visto anteriormente que o Tribunal de Justiça, órgão máximo da Justiça Estadual, só realiza controle abstrato de normas estaduais e municipaisem confronto com a Constituição do estado.

Cap. 11 - CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 367

Com isso, sabendo que o controle abstrato nos estados-membros é realizado em confronto com a Constituição estadual, e que o Tribunal de Justiçaé o órgão máximo do Judiciário do estado, podemos concluir que, em regra,a decisão do Tribunal de Justiça no controle abstrato é irrecorrível, não estásujeita a recurso a outros tribunais.

Porém, há uma situação em que a decisão do Tribunal de Justiça, proferida no controle abstrato, poderá ser objeto de recurso extraordinário parao Supremo Tribunal Federal, para que esta Corte firme o entendimento finalsobre a matéria, confirmando ou reformando a decisão do Tribunal de Justiça,na forma a seguir examinada.

Na hipótese de ajuizamento de ação direta perante o Tribunal de Justiçana qual se alegue que a lei impugnada ofendeu dispositivo da Constituiçãoestadual que reproduza norma da Constituição Federal de observância obrigatória pelos estados-membros (ou dispositivo da Constituição estadual quefaça remissão a uma norma da Constituição Federal de observância obrigatória pelos estados-membros), contra a decisão do TJ há a possibilidade deinterposição de recurso extraordinário para o STF.

Vejamos uma situação hipotética. Suponha-se que uma lei - estadual oumunicipal - seja impugnada em ação direta perante o Tribunal de Justiça, poralegada ofensa ao art. 43 da Constituição do estado, e esse artigo seja merareprodução de um determinado dispositivo da Constituição Federal. Nessahipótese, o Tribunal de Justiça apreciará a ADI, firmando sua posição sobre avalidade da lei local. Porém, como o dispositivo da Constituição estadual eleitocomo parâmetro para a apreciação da validade da lei local é mera reprodução denorma da Constituição Federal, contra a decisão do Tribunal de Justiça poderáser interposto recurso extraordinário perante o Supremo Tribunal Federal.

Note-se que, nessa situação, o recurso extraordinário - recurso constitucional típico do controle concreto, nos termos do art. 102, III, da ConstituiçãoFederal - está sendo utilizado no âmbito do controle abstrato, instauradoperante o Tribunal de Justiça. Logo, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nesse recurso extraordinário será dotada de eficácia erga omnes,por se tratar de controle abstrato, ainda que a via do recurso extraordinárioseja própria do controle difuso. A eficácia da decisão proferida nesse recursoextraordinário, ademais, estende-se a todo o território nacional.

Em razão da referida eficácia erga omnes, a decisão proferida pelo SupremoTribunal Federal nesse recurso extraordinário, caso seja declarada a inconstitucionalidade da lei, não será comunicada ao Senado Federal, para o fim da suspensãoda execução da lei por essa Casa Legislativa, nos termos do art. 52, inciso X, daConstituição Federal.Afinal, se apropria decisão do Supremo Tribunal Federal já édotada de eficácia erga omnes, retirando a norma do ordenamento jurídico, não hásentido em cogitar a suspensão da execução dessa norma pelo Senado Federal.

Page 196: Direito constitucional descomplicado

368 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

10.6.7. Distrito Federal

A União possuí competência para a instituição de ação direta de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos editados pelo Distrito Federal emconfronto com sua Lei Orgânica, cujo julgamento compete ao Tribunal deJustiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

A competência da União para dispor sobre a organização judiciária doDistrito Federal tem assento constitucional, constando dos arts. 22, incisoXVII, e 48, inciso IX, da Carta da República.

No Distrito Federal, portanto, o controle abstrato não é instituído pelaCâmara Legislativa e não está vazado em sua Lei Orgânica, mas sim em leifederal, editada pelo Congresso Nacional, em razão do art. 22, inciso XVII, daConstituição Federal. Trata-se de diferença relevante entre o Distrito Federal eos estados-membros, uma vez que estes dispõem de competência para instituir oseu próprio controle-abstrato de -normas, na respectiva Constituição estedual.

70.6.S. Representação interventiva

A Constituição Federal prevê, também, a instituição pelos estados-membros da denominada representação interventiva (ADI interventiva), destinadaa legitimar eventual intervenção do estado nos seus municípios, nas estritashipóteses constitucionalmente admitidas.

Reza o art. 35, inciso IV, da Constituição Federal que os estados poderãointervir nos seus municípios caso o Tribunal de Justiça dê provimento à representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituiçãoestadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.

A legitimação para a propositura da ADI interventiva estadual, peranteo Tribunal de Justiça, é exclusiva do Procurador-Geral de Justiça, chefe doMinistério Público estadual (CF, 129, IV).

CONTROLE" ABSTRATO

CONSTITUIÇÃOFEDERAL

ADIN

NORMAS FEDERAIS

E ESTADUAIS PÕS-CONSTITUCIONAIS

SOMENTE NORMASFEDERAIS PÓS-

CONSTITUCIGNAIS

ADPF

NORMAS FEDERAIS,ESTADUAIS E

MUNICIPAIS. INCLUSIVE

PRÉ-CONSTITUCIONAIS

NO TJ

NORMAS

ESTADUAIS E

MUNICIPAIS

CONSTITUIÇÃO- ESTADUAL

DEFESA DO ESTADO E DAS

INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

1. INTRODUÇÃO

Em um Estado democrático de direito, o texto constitucional protegevalores dos mais diferentes grupos da sociedade e estabelece uma distribuiçãode poderes entre eles, de tal sorte que haja um equilíbrio estável de forças,em que nenhum desses grupos possa dominar os demais, tampouco rompero equilíbrio constitucionalmente desejado.

Esse equilíbrio constitucional - delineado constitucionalmente tendo em vistaas situações de normalidade da vida do Estado —poderá ser afetado por situaçõesoutras que não a desarmonia entre os grupos sociais, como a guerra externa ouagressão armada estrangeira ou calamidades de grandes proporções na natureza.

Constatada uma situação de crise constitucional, a Constituição Federal de1988 autoriza a adoção de certas medidas de exceção —estado de defesa e estadode sítio —, com o fim de fazer frente à anormalidade manifestada e restabelecera ordem. Durante a execução dessas medidas, o poder de repressão do Estado éampliado, mediante a autorização para que sejam impostas aos indivíduos restrições e suspensões de certas garantias fundamentais, em locais específicos e porprazo certo, sempre no intuito de restabelecer a normalidade constitucional.

2. ESTADO DE DEFESA

Estabelece a Constituição Federal que o Presidente da República pode,ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decre-

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370 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Pauto &Marcelo Alexandrino

tar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, era locaisrestritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas porgrave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades degrandes proporções na natureza (art. 136).

São duas, portanto, as situações excepcionais que autorizam a decretaçãodo estado de defesa, a saber:

a) a existência de grave e iminente instabilidade institucional que ameace aordem pública ou a paz social; ou

b) a manifestação de calamidades de grandes proporções na natureza, queatinjam a ordem pública ou a paz social.

O estado de defesa é medida de exceção mais branda do que o estadode sítio, adiante estudado, e corresponde às antigas medidas de emergência,que vigoravam no regime constitucional pretérito. Como medida mais branda,não exige autorização prévia do Congresso Nacional para a sua decretação.O Presidente da República a decreta e, ulteriormente, dentro de vinte e quatrohoras, submete o ato com a respectiva justificação à apreciação do Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta. Se o Congresso estiver emrecesso, será convocado extraordinariamente, no prazo de cinco dias, devendo apreciar o decreto no prazo de dez dias contados do seu recebimento econtinuar funcionando enquanto vigorar o estado de defesa. Na apreciaçãoda medida, o Congresso Nacional concluirá por sua aprovação ou por suarejeição. Se aprovada a medida, prossegue sua execução; se rejeitada, cessarãoimediatamente os seus efeitos, sem prejuízo da apuração da responsabilidadepelos ilícitos cometidos pelos seus executores.

Entretanto, a decretação do estado de defesa exige a prévia audiênciado Conselho da República (CF, arts. 89 e 90) e do Conselho de DefesaNacional (CF, art. 91). A manifestação desses dois Conselhos é obrigatória,sob pena da inconstitucionalidade da decretação do estado de defesa. Porém,a manifestação deles é meramente opinativa, não vinculante. Significa quemesmo tais Conselhos opinando contra a decretação da medida, o Presidenteda República poderá decretá-la, se assim entender conveniente.

O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limitesda lei, as medidas coercitivas a vigorarem, na forma comentada adiante.

2.1. Prazo

O prazo de duração do estado de defesa não poderá ser superior a trintadias, admitida uma única prorrogação, por igual período (ou por período

Cap. 12 * DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS 371

menor), se persistirem as razões que justificaram a sua decretação. Caso hajaa expiração desse prazo, incluída a prorrogação, sem o restabelecimento daordem pública ou da paz social, o remédio será a decretação do estado de sítio,com base na autorização prevista no art. 137, I, da Constituição Federal.

2.2. Abrangência

O estado de defesa visa a reprimir ameaças à ordem pública ou à pazsocial em locais restritos e determinados. A área a ser abrangida peloestado de defesa será especificada pelo Presidente da República no decretoque instituir a medida.

A Constituição Federal não estabelece limites objetivos para a definiçãode "locais restritos e determinados", mas uma interpretação sistemática dotexto constitucional leva a concluir que não pode ela ter amplitude nacional,pois, nesse caso (isto é, no caso de comoção grave de repercussão nacional),a medida a ser adotada seria o estado de sítio, conforme determina o art.137, I, da Lei Maior.

2.3. Medidas coercitivas

Durante o estado de defesa poderão vigorar, nos termos e limites fixados em lei, certas medidas coercitivas de restrição de direitos e garantiasfundamentais dos indivíduos, dentre as seguintes:

a) restrições aos direitos de reunião, ainda que exercida no seio das associações; de sigilo de correspondência e de sigilo de comunicação telegráficae telefônica;

b) ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

Observe que as restrições previstas na letra "a" podem ser adotadas duranteo estado de defesa decretado com fundamento em quaisquer das situaçõesconstitucionalmente admitidas, enquanto a ocupação e uso de bens, previstosna letra "b", somente poderão ser adotados na hipótese de estado de defesadecretado em decorrência de calamidades de grandes proporções.

Na vigência do estado de defesa, a prisão por crime contra o Estado,determinada pelo executor da medida, será por este comunicada imediatamente ao juiz competente, que a relaxará, se não for legal, facultado ao presorequerer exame de corpo de delito à autoridade policial. Essa comunicaçãoserá acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mentaldo detido no momento de sua autuação.

Page 198: Direito constitucional descomplicado

372 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO * Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

O executor da medida poderá, também, determinar a prisão de qualquerpessoa por outros motivos que não seja o cometiraento de crime contra oEstado, mas, nesse caso, a prisão ou detenção não poderá ser superior a dezdias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário.

Em qualquer caso, é vedada a incomunicabilídade do preso, a fim deque ele tenha possibilidade de provocar o controle judicial da legalidadede seu encarceramento, uma vez que, mesmo durante a medida de exceçãoconstitucionalmente autorizada, deve o Estado atuar em conformidade como Direito, nos estritos limites impostos pelo próprio ordenamento jurídico,e não arbitrariamente.

2.4. Controle

O controle político da decretação do estado de defesa é realizado peloCongresso Nacional, em três momentos distintos.

Em primeiro lugar, compete ao Congresso Nacional apreciar, no prazode dez dias contados do seu recebimento, o decreto que institui (ou prorroga)o estado de defesa, para o fira de, por maioria absoluta de seus membros,aprová-lo (hipótese em que prossegue a sua execução) ou rejeitá-lo (hipóteseem que os efeitos da medida cessarão imediatamente).

Da mesma forma, o Legislativo exerce um controle concomitante daexecução do estado de defesa. Com efeito, determina a Constituição Federalque a Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designaráComissão composta de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizara execução das medidas referentes ao estado de defesa.

Por último, o Congresso Nacional realiza um controle sucessivo (aposteriori) do estado de defesa, pois, após a sua cessação, as medidas aplicadas durante a sua vigência serão relatadas pelo Presidente da República,em mensagem ao Congresso Nacional, cora especificação e justificação dasprovidências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicação dasrestrições aplicadas.

O controle jurisdicional é exercido pelo Poder Judiciário, tanto durantea execução do estado de defesa, quanto a posteriori, após a cessação dosefeitos da medida. Assim, durante a execução do estado de defesa, o PoderJudiciário poderá ser provocado para reprimir eventuais abusos e ilegalidades cometidos pelos executores, especialmente mediante a impetraçãode mandado de segurança e habeas corpus. De igual forma, mesmo apósa cessação do estado de defesa, o Poder Judiciário poderá ser chamado aapurar a responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ouagentes.

Cap. 12 * DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS 373

3. ESTADO DE SÍTIO

Determina a Constituição Federal que o Presidente da República pode,ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio noscasos de:

a) comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;- ou

b) declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

O estado de sítio constitui medida mais grave do que o estado de defesa.Uma vez decretado, estabelece-se uma legalidade constitucional extraordinária, na qual é permitida a suspensão temporária de direitos e garantias fundamentais do indivíduo, como forma de reverter a anormalidade em curso.

3.1. Pressupostos

A decretação do estado de sítio exige a prévia audiência do Conselhoda República (CF, arts. 89 e 90) e do Conselho de Defesa Nacional (CF,art. 91). A manifestação desses dois Conselhos é obrigatória, sob pena deinconstitucionalidade da decretação da medida. Porém, a manifestação delesé meramente opinativa, não vinculante.

Ao contrário do estado de defesa, a decretação do estado de sítio exigeprévia autorização do Congresso Nacional. Com efeito, por constituir medida mais grave, o Presidente da República deve solicitar a autorização doCongresso Nacional para decretar o estedo de sítio, sob pena de absolutainconstitucionalidade do ato. Ao solicitar a autorização para decretar o estedode sítio ou sua prorrogação, o Presidente da República relatará os motivosdeterminantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioriaabsoluta.

Desse modo, a instauração do estedo de sítio depende do cumprimentode três requisitos formais, quais sejam:

a) audiência do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional;

b) autorização do Congresso Nacional, pelo voto da maioria absoluta deseus membros, em face de solicitação fundamentada do Presidente daRepública;

c) expedição do decreto pelo Presidente da República.

Page 199: Direito constitucional descomplicado

374 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

O decreto de estado de sítio indicará sua duração, as normas necessáriasa sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depoisde publicado, o Presidente da República designará o executor das medidasespecíficas e as áreas abrangidas.

3.2. Duração

A duração máxima do estado de sítio dependerá da causa de sua decretação, na forma a seguir explicitada.

No caso de decretação com fundamento no inciso I do art. 137 - comoção grave de repercussão nacional ou ineficácia de medida tomada durante oestedo de defesa -, o estado de sítio não poderá ser decretado por mais detrinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior a trinta dias.

Caso o estado de sítio seja decretado com fundamento nas situaçõesautorizadoras do inciso II do art. 137 —declaração de estado de guerra ouresposta a agressão armada estrangeira -, poderá a medida ser decretada portodo o tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira.

3.3. Abrangência

Estabelece a Constituição Federal que, depois de publicado o decreto deinstituição do estado de sítio, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas. Dessa forma, as áreasabrangidas pelo estado de sítio não precisarão constar, especificamente, dodecreto que o instituir, devendo ser ulteriormente designadas pelo Presidenteda República.

Apesar de os pressupostos para a decretação de estado de sítio seremsituações de alcance ou repercussão nacional, as medidas coercitivas nãonecessariamente abrangerão todas as áreas do território nacional (mas podemter tal abrangência, se necessário, diferentemente do que ocorre na decretaçãode estado de defesa).

3.4. Medidas coercitivas

As medidas coercitivas que poderão ser tomadas contra as pessoas tambémdependerão da pausa que fundamentou a decretação do estado de sítio.

Assim, se o estado de sítio for decretado com fundamento no inciso Ido art. 137 - comoção grave de repercussão nacional ou ineficácia das medidas tomadas durante o estado de defesa -, só poderão ser adotadas contraas pessoas as seguintes medidas:

Cap. 12 • DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS 375

a) obrigação de permanência em localidade determinada;

b) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimescomuns;

c) restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusãoe televisão, na forma da lei;

d) suspensão da liberdade de reunião;

e) busca e apreensão em domicílio;

f) intervenção nas empresas de serviços públicos;

g) requisição de bens.

No caso de estado de sítio decretado com fundamento nas situaçõesautorizadoras vazadas no inciso II do art. 137 - declaração de estado deguerra ou resposta a agressão armada estrangeira -, a Constituição Federal não estabeleceu os limites que deverão ser observados na imposiçãode medidas coercitivas contra as pessoas. Significa dizer que, em tese,as restrições poderão ser mais amplas, atingindo outras garantias fundamentais além daquelas autorizadas pelo art. 139 para o caso de estadode sítio decretado com fundamento no inciso I do art. 137 da Carta daRepública.

3.5. Controle

O controle político da decretação do estado de sítio é realizado peloCongresso Nacional, e pode ser dividido em três diferentes modalidades:um controle preventivo, porquanto a decretação do estado de sítio dependede autorização prévia do Congresso Nacional; um controle concomitante,uma vez que a Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários,designará comissão composta de cinco de seus membros para acompanhare fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de sítio; e umcontrole sucessivo, pois, logo que cesse o estado de sítio, as medidasaplicadas em sua vigência serão reportadas pelo Presidente da República,em mensagem, ao Congresso Nacional, com especificação e justificaçãodas providências adotadas, com relação nominal dos atingidos e indicaçãodas restrições aplicadas.

O controle jurisdicional é exercido pelo Poder Judiciário, tanto durante aexecução do estado de sítio, quanto a posteriori, após a cessação dos efeitosda medida. Assim, durante a execução da medida, o Poder Judiciário poderáser provocado para reprimir eventuais abusos e ilegalidades cometidas pelosexecutores, especialmente mediante a impetração de mandado de segurança

Page 200: Direito constitucional descomplicado

376 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

e habeas corpus. De igual forma, mesmo após a cessação do estado de sítio,o Poder Judiciário poderá ser chamado a apurar a responsabilidade pelosilícitos cometidos por seus executores ou agentes, conforme prevê o art. 141da Constituição Federal.

Estado de defesa Estado de sítio .\- Estado de sítio(art. 136) ^ (art. 137,1).: ,:: :: -fait 137,1!),

Situações : -Ameaça à ordem - Comoção grave - Declaração de

autorizadoras • pública ou à paz de repercussão estado de guerra;social; nacional; - Resposta à

- Calamidades - Ineficácia das agressão armadade grandes medidas tomadas estrangeira.proporções na durante o estado

\-.- ry= L-:~:--'f?.'-j "-•---•-• i-':-- -.>'?v? '̂i natureza. de defesa.

rCdrnpètênbtárpàrá;á;:."; "Presidente da Presidente da Presidente da

•;deçrétação -•'"<; í;vv^S '-••: República. República. República.

•Pressupostos" ••" ''&?-V'• - Pareceres não - Pareceres não - Pareceres não

:'Á&*•/-''%{'•'•''ív.íjí""•-•'V"h .':;':~v:- vinculantes do vinculantes do vinculantes do

Conselho da Conselho da Conselho da

República e do República e do República e do•V V!: :""•'"•'''•••;-•-".";: •%•"••" >/#:, ,ií;'.:'--: Conselho da Conselho da Conselho da

:.-•; /";•'• ^^ír/^""^^-^-''-.-. Defesa Nacional; Defesa Nacional; Defesa Nacional;

.'."-•'.".';"'. ""-•"••"C'•'-:."-''?-.'. "'-',"-": - Decreto do - Autorização prévia —Autorização préviaPresidente da do Congresso do Congresso

República. Nacional, por Nacional, pormaioria absoluta; maioria absoluta;

;'yi-";.:r-V^-: .:-::'-;:í:-':v;"-; -;'.'.v - Decreto do - Decreto do

"V; vx-'í••v,-!-;;:i'"líj" •'=".;; ":„-•::• • -0 Presidente da Presidente da

^-rV^rííl^íMf!''-^': República. República.

Prázb.mâxlmd'.:. vv.-'- Trinta dias, Trinta dias, admitidas Por todo o tempo

admitida uma única prorrogações de, no que perdurar a

prorrogação de, no máximo, trinta dias, guerra ou a agressãomáximo, mais trinta de cada vez. armada estrangeira.

€^11Ií^ISw dias.

^Abrangência- '"/;vU--\ Locais restritos e Pode abranger Pode abranger

determinados. todo o território todo o território

nacional, devendo nacional, devendo

o Presidente da o Presidente da

:^S;5í"";^:"i:.::.V:%C;/k-::K. República, depois República, depois'.." •=;••'•': ^:;V:hv>^: VO\-^-='••; -„:'/ da publicação do da publicação do

decreto, designar decreto, designar•j -•;;Z-~.j£?.- i^^iir^Jf; fe^í~ especificamente as especificamente as

t;•;': ?:>~^v í'í-f:í<í-"i?:^i?j-'--'. ':l áreas alcançadas áreas alcançadaspelas medidas pelas medidas

..>':i/^-:.-"V;>.;^;^%=,>v,vf.;.i •;..;-£ coercitivas. coercitivas.

Cap. 12 • DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS 377

^.^Mf--/&:S^j- -vViÈstado: de.defesa '-••.Vi;-o-y"í(ar |̂6X^-'̂ ';-

.i:Estedòidé:sítiò.4;-:. •-: Estado de sítio:.-/'-'•-.yVfa^l37;"iij;^:/?r--

Restrições. a:; •;•:•••.,•'•direitos e garantias;:fundamentais;-' ;.'-.V r

Somente poderãoser adotadas as

medidas previstasno art. 136, §1.°, daConstituição.

Somente poderãoser adotadas as

medidas previstasno art. 139 da

Constituição.

Como a Constituiçãonão estabeleceu

limites expressos,poderão serrestringidas, em tese,todas as garantiasconstitucionais.

Controle pòljiicó'da'-' :>'decretação.:•//• ;;-;/; •;.;;

É posterior, haja vistaque o Presidente daRepública decreta amedida e submete o

decreto à apreciaçãodo CongressoNacional.

Ê prévio, pois aConstituição exige aautorização prévia doCongresso Nacional,por maioria absoluta,para a decretação damedida.

É prévio, pois aConstituição exige aautorização prévia doCongresso Nacional,por maioria absoluta,para a decretação damedida.

•FiscalÍz"açap^poÍííÍça"':V;^onconiitónfe"das;íS>:;;^;

A Mesa do

Congresso Nacional,ouvidos os líderes

partidários,designará comissãocomposta de cinco

..de seus membrospara acompanhar efiscalizar a execuçãodas medidas.

Idem. Idem.

.Permanência/>^f^^•da•a^yídàdetdb,;:^:í;5=i.i:Cbngre5ssôíN^GionàP?3

O CongressoNacional

permanecerá emfuncionamento até o

término das medidas

coercitivas.

Idem. Idem.

-. Controle/jurisdiciqhàf;V; Pleno controle de

legalidade, durantea medida e depoisde cessada sua

vigência.

Idem. Idem.

'Responsabilidade/^/í/.;dps ^ebirtoré^:e'íÉíí|íi:.agehtes^^%'t|5|^S

Cessado o estado de

defesa ou o estado

de sítio, cessarãotambém seus efeitos,sem prejuízo daresponsabilidadepelos iiicitoscometidos por seusexecutores ou

agentes.

idem. idem.

Page 201: Direito constitucional descomplicado

378 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

'.,';'r--."-•'"..•JX'''- Í:A---y^-tí-'''^: Estado de defesa

(art. 136)Estado de sítio

(art. 137,1)Estado de sítio

(art. 137.il)

Prestação-dê/contas"/-/;•dópresidente/dá /a/v?República' -K'fí^.^:'/

Cessada a vigência,as medidas

executadas serão

relatadas peloPresidente áa

República, emmensagem ao

Congresso Nacional,com especificaçãoe justificaçãodas providênciasadotadas, comrelação nominal dosatingidos e indicaçãodas restriçõesaplicadas.

Idem. Idem.

•• /pesre^pé|ÉaBó3^iSíí;J.Rjééidente-;dã |̂s jal^feí'~Repüp1jça'''ãs^íp/pns^túçjiSfâ^^g^'

Crime de

responsabilidade,sem prejuízo dasresponsabilidadescivis e penais.

Idem. Idem.

4. FORÇAS ARMADAS

Estabelece a Constituição que as Forças Armadas, integradas pela Marinha,pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes eregalares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria,à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes,da lei e da ordem.

Observe-se que a competência das forças armadas para a garantia da lei eda ordem é meramente subsidiária, uma vez que essas atribuições são ordinariamente desempenhadas pelas forças da segurança pública, que compreendema polícia federal e as polícias civil e militar dos estados e do Distrito Federal.Tanto é assim que a intervenção das forças armadas na defesa da lei e daordem depende da iniciativa de um dos Poderes constitucionais, vale dizer,do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional ou da Presidência daRepública. Sem a provocação de um desses Poderes, a atuação das forçasarmadas na garantia da lei e da ordem pública é inconstitucional.

Os membros das Forças Armadas são denominados militares e estãosob a chefia superior do Presidente da República. A Emenda Constitucional

£#

Cap. 12 • DEFESADO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS 379

23/1999 extinguiu os antigos Ministérios do Exército, da Aeronáutica e daMarinha, criando, em substituição a eles, com status de Ministro de Estado,os cargos de Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, alémdo Ministério da Defesa, a ser ocupado exclusivamente por brasileiro nato(art. 12, § 3.°, VII).

São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que fixemou modifiquem os efetivos das ForçasArmadas e as leis que disponham sobremilitares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos,promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva(art. 61, § 1.°, I, e II, "f).

O serviço militar é obrigatório nos termos da lei (art. 143). Entretanto,como a Constituição Federal reconhece a escusa de consciência no art. 5.°,VIIÍ, que desobriga o alistado do serviço militar obrigatório, desde quecumpra prestação alternativa, compete às Forças Armadas, na forma dalei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempo de paz, após alistados,alegarem imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente decrença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem deatividades de caráter essencialmente militar.

Esse dispositivo constitucional está regulamentado pela Lei 8.239/1991,que dispõe sobre o serviçoalternativoao serviço militar obrigatório. Determinaa lei que o serviço alternativo será prestado em organizações militare? daatividade e em órgãos de formação de reservas das Forças Armadas ou emórgãos subordinados aos Ministérios civis, mediante convênios entre estes eo Ministério da Defesa, desde que haja interesse recíproco e, também, quesejam atendidas as aptidões do convocado.

O serviço militar obrigatório pode ser remunerado cora valor inferior aosalário-mínimo, haja vista que os conscritos, na prestação do serviço militar,não se enquadram como trabalhadores na acepção que o inciso XV do artigo7.° da Constituição Federal empreste ao conceito. Esse entendimento restouconsolidado na Súmula Vinculante 6 do STF, nos termos seguintes:

6 - Não viola a Constituição da República o estabelecimentode remuneração inferior ao salário mínimo para os praças prestadores de serviço militar inicial.

Vale lembrar que aquele que invocar imperativo de consciência parafurtar-se à prestação do serviço militar obrigatório (art. 5.°, VIU) e recusar--se a cumprir a prestação alternativa, sujeitar-se-á à suspensão dos direitospolíticos, nos termos do art. 15, FV, da Constituição Federal.

A Constituição prevê, ainda, uma isenção quanto ao serviço militar obrigatório, ao dispor que as mulheres e os eclesiásticos ficam isentos do serviço

Page 202: Direito constitucional descomplicado

380 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

militar obrigatório em tempo de paz, sujeitos, porém, a outros encargos quea lei lhes atribuir (art. 143, § 2.°).

5. SEGURANÇA PUBLICA

Preceitua a Constituição Federal que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação daordem pública e da incolumídade das pessoas e do patrimônio, através dosseguintes órgãos (art. 144):

a) polícia federal;

b) polícia rodoviária federal;

c) polícia ferroviária federal;

d) polícias civis;

e) polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Essa lista é taxativa (numerus clausus). Não podem, portento, os estados,o Distrito Federal e os municípios criar outros órgãos e incluí-los no rol dosresponsáveis pela segurança pública.

É verdade que o § 8.° do mesmo art. 144 da Carta Política permite aosmunicípios a criação de guardas municipais destinadas à proteção de seusbens, serviços e instalações. Mas as funções dessa guarda municipal, seinstituída pela municipalidade, são essencialmente patrimoniais, não podendoesse órgão integrar a estrutura de segurança pública para exercer função depolícia ostensiva ou judiciária.

A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a (art.144, § 1.°):

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ouem detrimento de bens, serviços e interesses da União ou desuas entidades autárquicas e empresas públicas, assim comooutras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ouinternacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuserem lei;

II — prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes edrogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo daação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivasáreas de competência;

Cap. 12 • DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária ede fronteiras;

IV - exercer, cora exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

381

Anote-se que a competência da Polícia Federal inclui a apuração deinfrações penais em detrimento de bens, serviços e interesses da União e desuas entidades autárquicas e empresas públicas, mas não alcança os crimesem detrimento de bens, serviços e interesses das sociedades de economiamista federais, que são apurados pelas polícias civis'. Assim, por exemplo,era caso de roubo a agência do Banco do Brasil (sociedade de economiamista federal), o inquérito policial deverá ser aberto por delegado da PolíciaCivil, e não da Polícia Federal.

A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantidopela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patru-lhamento ostensivo das rodovias federais.

A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantidopela União e estruturado era carreira, destina-se, na forma da lei, ao patru-lhamento ostensivo das ferrovias federais.

Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária ea apuração de infrações penais, exceto as militares.

Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordempública.

Aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas emlei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliarese reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aosGovernadores dos estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suasatividades.

Finalmente, determina a Constituição Federal que a remuneração dosservidores policiais será fixada na forma de subsídio, prevista no § 4.° doart. 39 do texto constitucional.

Page 203: Direito constitucional descomplicado

ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA

1. INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 tem como núcleo a dignidade da pessoa humana.Embora esse fundamento esteja enunciado, logo no art. 1.° da Carta Política(junto a outros quatro), uma acurada análise sistemática de seu texto permite concluir que todos os preceitos constitucionais devem ser interpretadosadotando como marco referencial a dignidade humana.

Assim, o fato de o constituinte originário haver agrupado normasconstitucionais em um título (Título VII), que nominou "Da Ordem Econômica e Financeira", só pode significar a pretensão de, juridicamente,conformar a realidade econômica sob a perspectiva da dignidade humana,por outras palavras, o ordenamento jurídico somente considerará legítimaa atividade econômica que tenha como fundamento e objetivo assegurara todos condições materiais assecuratórias de uma existência digna (mínimo vital).

O Estado refundado pela Carta de 1988 é um Estado Social Democrático,vale dizer, devem seus órgãos atuar efetivamente - mediante o desenvolvimento de políticas públicas ativas e prestações positivas - no intuito de seobter uma sociedade em que prevaleça a igualdade material, assegurando atodos, no mínimo, o necessário a uma existência digna (um dos objetivosfundamentais da República Federativa do Brasil, vazado no inciso III doart. 3.°, é "erradicar a pobreza e a marginalízação e reduzir as desigualdadessociais e regionais"; é finalidade geral da ordem econômica, plasmada noart. 170, caput, "assegurar a todos existência digna, conforme os ditamesda justiça social").

Page 204: Direito constitucional descomplicado

384 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Nossa Constituição de 1988 claramente originou um Estado capitalista. Éfundamento da República o valor social da livre-iniciativa (art. 1.°, IV). Sãofundamentos da ordem econômica, dentre outros, a livre-iniciativa, a propriedade privada, a livre concorrência (art. 170, caput, e incisos II e IV).

Enfim, a Constituição de 1988, conquanto não tenha instituído um Estado Socialista, tampouco fundou um Estado abstencionista nos moldes doLiberalismo clássico (na realidade, não existem Estados assim no mundoatual). Nossa ordem jurídico-política prevê e autoriza a intervenção do Estado no domínio econômico, de variadas formas, sempre tendo como escopopossibilitar que a dignidade da pessoa humana seja um fundamento efetivode nossa República, e não simples retórica.

O Título VII da Constituição vigente trata, nos arts. 170 a 192, da"Ordem Econômica e Financeira". Está dividido em quatro capítulos: "DosPrincípios Gerais da Atividade Econômica", "Da Política Urbana", "Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária" e "Do Sistema FinanceiroNacional". Vejamos as linhas gerais de cada um desses assuntos.

2. PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

2.1. Fundamentos: livre-iniciativa e valorização do trabalhohumano

O art. 170, em seu caput, estatui que a nossa ordem econômica é"fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa", e suafinalidade é "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames dajustiça social".

Essas disposições, que são as mais gerais acerca da ordem econômica,revelara nitidamente o caráter compromissário de nossa Carta Política. Emvez de assumir como um dado inelutável a consagrada cisão entre "capitale trabalho", o histórico antagonismo entre "empresário e trabalhador", otexto constitucional procura transmitir uma ideia de integração, de harmonia, de sorte que assegura a livre-iniciativa (portanto, a apropriaçãoprivada dos meios de produção, a liberdade de empresa), mas determinaque o resultado dos empreendimentos privados deve ser a concretizaçãoda justiça social, o que exige, entre outras coisas, a valorização do trabalho humano.

Observe-se que essa ideia de harmonização entre "capital e trabalho",em lugar de contraposição, é encontrada em outros pontos do texto constitucional, por exemplo, no inciso XI do art. 7.°, que estabelece como direitodos trabalhadores "participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da

Cap. 13 - ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA 385

remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei".

Na mesma toada, a valorização do trabalho humano encontra eco emoutros dispositivos constitucionais, sendo talvez o mais óbvio deles o incisoIV do art. 7.°, que assegura como direito irredutível dos trabalhadores o"salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender asuas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdênciasocial, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo", sendogarantido, ainda, "salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebemremuneração variável" (art. 7.°, VI).

2.2. Princípios básicos da ordem econômica

Tendo como referência a livre-iniciativa e a valorização do trabalho humano, fundamentos da ordem econômica, a Constituição enumera, nos incisosde seu art. 170, como princípios básicos da ordem econômica:

I - soberania nacional;

II —propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV —livre concorrência;

V — defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamentodiferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos eserviços e de seus processos de elaboração e prestação;VII —redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porteconstituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede eadministração no País.

Vejamos cada um.

2.2.1 Soberania nacional

A soberania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil(art. 1.°, I). Ao enunciar a soberania nacional como princípio geral da ordemeconômica, o constituinte não está sendo redundante. Deve-se extrair daí anoção de não subordinação, de independência perante os Estados estrangei-

Page 205: Direito constitucional descomplicado

386 RESUMO DE DIREITOCONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &MarceloAlexandrino

ros economicamente mais fortes. A política econômica é assunto brasileiro,voltada para os interesses brasileiros, e deve ser elaborada sem interferênciade pressões e interesses econômicos alienígenas.

2.2.2. Propriedade privada e sua função social

A propriedade privada é tratada como princípio da ordem econômica,significando que é admitida a apropriação privada dos meios de produção,ou seja, que o Brasil obrigatoriamente é ura Estado capitalista. A propriedade, entretanto, deve atender a sua função social. Essas regras, de formagenérica, encontram-se no art. 5.°, incisos XXII e XXIII, como direitos egarantias fundamentais.

2.2.3. Livre concorrência

A livre concorrência relaciona-se à exigência de que a ordem econômica assegure a todos uma existência digna. Isso porque, em um ambienteno qual impere a dominação dos mercados pelo abuso de poder econômico,teremos lucros arbitrários e concentração de renda. Além disso, a economiatende a ser menos eficiente, reduzindo de forma global a própria produçãoabsoluta de riqueza. Todas essas distorções são incompatíveis com o objetivo de "assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiçasocial" (art. 170, caput).

O "abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados,à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros" será reprimido, na forma da lei (CF, art. 173, § 4.°). Como reforço, estabelece otexto constitucional que a lei disporá acerca da responsabilidade das pessoasjurídicas, sujeitando-as às punições compatíveis com sua natureza, nos atospraticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, sem prejuízo da responsabilidade individual dos seus dirigentes (art.173, § 5.°).

Vale mencionar que o Estado atua em defesa da livre concorrência nãoapenas mediante imposição de medidas sancionatórias contra os abusos, mastambém preventivamente no âmbito de sua função fiscalizadora e regulató-ria, merecendo ser citada a atuação de algumas agências reguladoras e, emespecial, do Conselho Admimstrativo de Defesa Econômica (CADÊ), de quetrata a Lei 8.884/1994.

Deve-se ressaltar que a garantia da livre concorrência é corolário doprincípio da igualdade, no âmbito do domínio econômico. Por essa razão,impõe ao Estado não apenas a prevenção e a repressão ao abuso de poder

Cap. 13 • ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA 387

econômico, mas também obsta que o Poder Público crie distinções ou estabeleça benefícios arbitrários para determinadas empresas, setores ou gruposeconômicos. Todavia, conceder tratamento diferenciado será legítimo, é claro,se a discriminação estiver determinada no próprio texto constitucional.

Exemplo patente dessa última situação temos no inciso FX do art. 170,que erige era princípio da ordem econômica o "tratamento favorecido para asempresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenhamsua sede e administração no País".

2.2.4. Defesa do consumidor

O inciso V do acima transcrito art. 170 enuncia como princípio geral daordem econômica a defesa do consumidor.

Sabe-se que é mediante relações de consumo que as pessoas adquiremos bens materiais necessários à obtenção, pelo menos, de seu "mínimo vital".Na realidade social, constata-se uma enorme disparidade de poder econômicoentre o consumidor e as empresas vendedoras dos bens ou prestadoras dosserviços que ele necessite adquirir, sendo essa discrepância mais acentuadano caso justamente daqueles que mal têm possibilidade de obter o seu "mínimo vital".

Em poucas palavras, o consumidor, como regra, é hipossuficiente quandocomparado economicamente com os seus fornecedores de bens e serviços.Em casos que tais, o Direito "compensa" essa desigualdade material oufática instituindo uma desigualdade jurídica em favor dos hipossuficientes,mediante regras protetivas imperativas, isto é, não passíveis de derrogaçãopor meio de um pretenso "acordo de vontades" (presume-se inexistir, parao hipossuficiente, "vontade livre").

2.2.5. Defesa do meio ambiente

A defesa do meio ambiente é outro princípio geral da ordem econômica. Sua inserção no rol de princípios do art. 170 da Constituição tem porfinalidade explicitar que as atividades econômicas não se legitimam pura esimplesmente pela necessidade deque sejam produzidas riquezas. Ainda que asriquezas produzidas fossem, teoricamente, distribuídas de forma razoavelmenteequitativa (o que se coadunaria com a exigência de que a ordem econômicaassegure a todosuma existência digna), a atividade econômica que acarretassedestruição insustentável do meio ambiente seria coibida pelo Estado.

Em resumo, não basta produzir riquezas, hoje, a qualquercusto ambiental.A atividade econômica de que resulte produção de riqueza, mesmo que esta

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388 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

seja bem distribuída, só se legitima se for compatível com a proteção do meioambiente, consubstanciando o denominado "desenvolvimento sustentável".Com efeito, ainda que a produção ambientalmente irresponsável de riquezapudesse gerar algum desenvolvimento hoje, resultaria, inexoravelmente, naruína das gerações futuras (e ruína não só econômica).

A EC 42/2003 explicitou, na parte final do inciso VI do art. 170, quea defesa do meio ambiente pode operar-se "inclusive mediante tratamentodiferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e deseus processos de elaboração e prestação".

2.2.6. Redução das desigualdades regionais e sociais e busca do plenoemprego

Os incisos VII e VIU do art. 170 estatuem como princípios da ordemeconômica a redução das desigualdades regionais e sociais e a busca dopleno emprego.

Não são exatamente princípios, mas sim objetivos. Basta lembrar queé objetivo fundamental da República Federativa do Brasil "erradicar apobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais"(CF, art. 3.°, III).

A busca do pleno emprego tem conexão óbvia com a valorização dotrabalho humano, fundamento da ordem econômica (art. 170, caput). Assimé porque nada adiantaria impor a exigência de valorização do trabalho separcela significativa da mão de obra disponível não tiver trabalho!

A redução das desigualdades regionais é objetivo reiteradamente manifestado pelo constituinte, como ilustra a parte final do inciso I do art. 151 daConstituição, o qual veda à União "instituir tributo que não seja uniforme emtodo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação aEstado, ao Distrito Federal ou a Município, era detrimento de outro, admitidaa concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio dodesenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País".

Já a redução das desigualdades sociais é objetivo mais amplo do quea mera erradicação da pobreza. Assim, as atividades econômicas, como umtodo, devem propiciar não só a eliminação da pobreza, mas também umadistribuição equitetiva da riqueza produzida.

2.3. Liberdade de exercício de atividades econômicas

Reforçando a asserção, constante de seu caput, de que a livre-iniciativaé fundamento da ordem econômica, o art. 170, em seu parágrafo único,

Cap. 13 • ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA389

afirma que "é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividadeeconômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo noscasos previstos era lei".

Deve-se entender adequadamente esse dispositivo.

O Estedo brasileiro é obrigatoriamente capitalista. Assim, embora eleintervenha na economia, direta ou indiretamente, não poderá planificar aeconomia, de modo a decidir quais atividades, e em qual quantidade, osagentes privados podem desempenhar (fixação de quotas de produção ou decomercialização).

Se os agentes de governo entenderem que seria estrategicamente interessante aumentar o número de empresas atuantes em determinado setor,poderá o Estado, desde que atendidos os requisitos constitucionais, atuar,ele mesmo, naquele setor, como regra instituindo uma empresa pública ouuma sociedade de economia mista, ou poderá tentar induzir o setor privado,criando subsídios, benefícios fiscais etc.

Era resumo, o Estado não pode decidir quais e quantos agentes privadosatuarão em cada setor da economia, ou quanto produzirão ou venderão; issoseria planificação, típica dos regimes socialistas, incompatível com a livre--iniciativa e seu corolário, a liberdade de empresa.

Por fim, não se deve confundir o exposto acima com o exercício dopoder de polícia administrativa. Diversas atividades desenvolvidas pelosparticulares podem exigir um controle, preventivo ou repressivo, pelo PoderPúblico, a fim de conformá-las ao bem-estar geral. Assim, o Poder Público,desde que haja previsão legal, pode exigir de todos os agentes econômicosatuantes em uma área, o cumprimento de determinadas exigências, a fim deobterem autorização para funcionar.

E o que ocorre, por exemplo, com as exigências de obtenção de licença ambiental para certas atividades, ou cora a exigência de que o tipo deatividade de uma empresa se coadune cora as admitidas pelo plano diretorpara aquela zona do município, ou de que uma casa de espetáculos atendaaos padrões de segurança contra incêndios etc.

2.4. Atuação do Estado como agente econômico em sentidoestrito

O art. 173 da Constituição, em seu caput, estabelece a regra geral segundo a qual o exercício de atividade econômica stricto sensu cabe ao setorprivado, devendo o Estado, apenas nos casos previstos em lei ou na própriaConstituição, atuar de forma direta na economia, como agente produtivo. Éesta a redação do dispositivo;

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390 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, aexploração direta de atividade econômica pelo Estado só serápermitida quando necessária aos imperativos da segurançanacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidosem lei.

Diz-se que a atuação direta do Estado na economia sujeita-se ao princípioda subsidiariedade, isto é, como regra, somente quando o setor privado nãotiver capacidade de atuar suficientemente em determinado setor econômico(ou não tiver interesse em tal setor), deve o Estedo colraatar essa lacuna.

Também legitimam a atuação do Estado como agente econômico os"imperativos da segurança nacional", ou "relevante interesse coletivo" (hajaou não deficiência na atuação dos agentes privados), exigindo-se, entretanto,que a lei defina tais hipóteses.

A atuação direta do Estado na economia, como regra, é feita por intermédio de pessoas por ele constituídas com essa finalidade, especialmente asempresas públicas e as sociedades de economia mista.

As empresas públicas e as sociedades de economia mista podem serdivididas em duas categorias: as que prestam serviços públicos e as queexploram atividades econômicas em sentido estrito. Ambas as categorias sãointegrantes da Administração Pública. Ambas as categorias têm personalidadejurídica de direito privado.

O regime jurídico a que estão sujeitas as atividades por elas desenvolvidas, entretanto, é bastente diverso. As empresas públicas e as sociedadesde economia mista que prestam serviços públicos atuam predominantementesob regime de direito público, ao passo que as que explorara atividadeseconômicas em sentido estrito estão regidas predominantemente pelo direitoprivado. Mesmo essas últimas, entretanto, pelo fato de integrarem formalmente a Administração Pública, sujeitam-se a determinadas regras de direitopúblico, previstas na própria Constituição.

O § 1.° do art. 173 da Constituição trata especificamente das empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividadeseconômicas em sentido estrito, e não das prestadoras de serviços públicos.Ele prevê a edição de um estatuto (uma lei ordinária) específico para essasentidades, disciplinando o seu regime jurídico. O texto constitucional, desdelogo, delineia o conteúdo mínimo desse diploma (até hoje não editado). Éa seguinte a sua redação:

§ 1 ° A leí estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública,da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias queexplorem atividade econômica de produção ou comercializaçãode bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

Cap. 13 • ORDEMECONÔMICA E FINANCEIRA 391

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado epela sociedade;

II- a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas,inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais,trabalhistas e tributários;

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;

V ~ os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.

O § 2.° do art. 173 estatui ser vedada a concessão de privilégios fiscaisàs empresas públicas e às sociedades de-eeonomia mista, a menos que setrate de benefícios extensivos às empresas do setor privado.

Duas observações devem ser feitas. A primeira é que, embora a redaçãodo § 2.° não explicite que sua aplicação restringe-se às empresas públicase às sociedades de economia mista que exploram atividades econômicas, éessa a interpretação que deve ser dada ao dispositivo.

A segunda observação é que não existe óbice à concessão de benefíciosfiscais para empresas que atuem em regime de monopólio, mesmo quandose trate de atuação na área econômica.

2.5. Atuação do Estado como prestador de serviços públicos

Estabelece o caput do art. 175 da Constituição Federal:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamenteou sob regime de concessão ou permissão, sempre através delicitação, a prestação de serviços públicos.

Uma vez que nosso constituinte originário inseriu disposições genéricasrelativas aos serviços públicos (em sentido estrito) no art. 175, que constedo título da Carta de 1988 acerca da "Ordem Econômica", é mister considerar que os serviços públicos de que trata esse dispositivo constitucionalsão aqueles que possuem conteúdo econômico, enquadrados como atividadeeconômica em sentido amplo, isto é, serviços públicos que têm a possibilidade de ser explorados com intuito de lucro, sem perderem a natureza deserviço público (por essa razão, aliás, tem aptidão para ser prestados porparticulares como serviço público, mediante delegação). São exemplos os

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392 RESUMODE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

serviços públicos enumerados, no Texto Magno, no art. 21, XI e XII, noart. 25, § 2.°, e no art. 30, V

As atividades que são objeto desses serviços públicos são de titularidade exclusiva do Estado, isto é, não são livres à iniciativa privada. Casoum particular pretenda exercer alguma atividade regida pelo art. 175 daConstituição Federal, obrigatoriamente deverá receber delegação do PoderPúblico, cujo instrumento será um contrato de concessão ou de permissãode serviço público, sempre precedido de licitação, ou, ainda, nas restritashipóteses em que admitido, um ato administrativo de autorização de serviço público.

Definimos serviço público (em sentido estrito) como atividade administrativa concreta traduzida em prestações que diretamente representem,em si mesmas, utilidades ou comodidades materiais para a população emgeral, executada sob regime jurídico de direito público pela AdministraçãoPúbiica ou, se for o caso, por particulares delegatários.

A Administração Pública pode prestar diretamente serviços públicos.Nesse caso, os serviços podemser prestados centraUzadamente, pela própriaAdministração Direta, ou descentralizadamente, pelas entidades da Administração Indireta (descentralização por serviços). Podem, alternativamente,os serviços públicos ser delegados a particulares. A execução de serviçospúblicos por particulares delegatários é, também, modalidade de prestaçãodescentralizada (descentralização por colaboração).

Infere-se do caput do art. 175 da Constituição Federal que prestaçãodireta é aquelarealizada pelaAdministração Pública, tantopelaAdministraçãoDireta, quanto pela Administração Indireta. Diferentemente, tem-se prestaçãoindireta quando o serviço é prestado por particulares, aos quais, mediantedelegação do Poder Público, é atribuída a sua mera execução.

O parágrafo único do art. 175 prevê a edição de uma lei de normasgerais que disponha sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias deserviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de suaprorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalizaçãoe rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

LTI - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.

Essa lei de normas gerais, de caráter nacional - isto é, aplicável àUnião, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios - atualmente, éa Lei 8.987/1995. Existem, todavia, normas gerais de abrangência nacional

Cap. 13 • ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA 393

sobre serviços públicos era outras leis, a exemplo da Lei 9.074/1995. Merecemenção, também, a Lei 11.079/2004, que disciplina uma espécie de contratode concessão denominado "parceria público-privada", o qual pode ter porobjeto a prestação de determinados serviços públicos.

2.6. Atuação do Estado como agente econômico, em regime demonopólio

A Constituição vigente apresenta uma lista exaustiva de atividades quepodem ou devem ser exploradas em regime de monopólio, em seu art. 177.Todas as hipóteses de monopólio admitidas são monopólios públicos e foramatribuídas exclusivamente à União. Abrangem, basicamente, as atividades competróleo, gás natural e minérios ou minerais nucleares.

Portento, hoje, no Brasil, não se admite o monopólio privado, não háhipótese de monopólio de atividades econômicas pelos estados, DistritoFederai e municípios e, diferentemente do que ocorria na Constituição pretérita, nem mesmo a União tem possibilidade de criar novas hipóteses demonopólio mediante leí.

As seguintes atividades constituem monopólio da União (incisos í a Vdo art. 177):

I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás naturale outros hidrocarbonetos fluidos;

II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;III —a importação e exportação dos produtos e derivados básicosresultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacionalou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bemassim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto,seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V —a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamen-to, a industrialização e o comércio de minérios e mineraisnucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótoposcuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas be c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta ConstituiçãoFederal.

As atividades descritas nos incisos I a IV podem ter seu exercíciocontratado, pela União, com empresas estatais ou privadas, observadas ascondições estabelecidas em lei (art. 177, § 1.°).

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394 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Relevante observar, também, que a contratação, pela União, de empresaspara exercerem as atividades descritas nos incisos I a FV do art. 177, acimareproduzidos, não é livre, porquanto deverá observar as condições estabelecidas em lei, a qual deve dispor sobre (art. 177, § 2.°):

I - a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo emtodo o território nacional;

II - as condições de contratação;

III - a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólioda União.

As atividades descritas no inciso V do art. 177 - concernentes a

minérios e minerais nucleares e seus derivados - estão efetivamente sob

monopólio da União, com exceção, unicamente, dos radioisótopos para apesquisa e -usos médicos, agrícolas e industriais e dos radioisótopos demeia-vida igual ou inferior a duas horas, cuja produção, comercializaçãoe utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão (CF, art. 21,XXIII, "b" e "c").

Em qualquer caso, cabe à lei dispor sobre o transporte e a utilização demateriais radioativos no território nacional (art. 177, § 3.°).

Por fim, "a responsabilidade civil por danos nucleares independe daexistência de culpa" (CF, art. 21, XXIII, "d").

2.7. Atuação do Estado como agente regulador

No seu art. 174, a Constituição dispõe acerca da atuação indireta doEstado na economia, nestes termos, sobremodo elucidativos (grifou-se):

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividadeeconômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções defiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinantepara o setor público e indicativo para o setor privado.

Portanto, no âmbito de sua atuação indireta na economia, o Estado édescrito como agente normativo e regulador. Essa atuação traduz-se nasfunções de fiscalização, incentivo e planejamento.

Para o setor privado, o planejamento apenas indica os setores de atuação,as atividades, a orientação geral que o Estado considera ser estrategicamente a mais adequada para a obtenção do desenvolvimento econômico, cujabusca o ordenamento jurídico lhe impõe. Essa orienteção geral não obrigaos agentes privados.

Cap. 13 • ORDEM ECONÔMICAE FINANCEIRA 395

O § 1.° do art. 174, em comento, estatuí que "a lei estabelecerá asdiretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais dedesenvolvimento".

Nos termos do já citado § 2.° desse mesmo artigo, "a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo".

Assevera o art. 180 que "a União, os Estados, o Distrito Federal e osMunicípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico".

Cabe mencionar, por fim, que o art. 178 da Constituição estabeleceregras específicas acerca da ordenação dos transportes. A EC 7/1995alterou profundamente o conteúdo original desse artigo, que previa privilégios para brasileiros e embarcações brasileiras, passando a possibilitara propriedade de embarcações nacionais por estrangeiros (antes vedada),e abolindo a exclusividade das embarcações nacionais na navegação decabotagem (navegação entre portos brasileiros). É a seguinte a redaçãoatual do dispositivo:

Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo,aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporteinternacional, observar os acordos firmados pela União, atendidoo princípio da reciprocidade.

Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a leiestabelecerá as condições em que o transporte de mercadoriasna cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos porembarcações estrangeiras.

2.8. Exploração de recursos minerais e potenciais de energiahidráulica

Por força do art. 21, incisos VIII e DC, da Constituição, são bens daUnião os potenciais de energia hidráulica e os recursos minerais, inclusiveos do subsolo. O art. 176 da Carta Política esclarece que esses bens sãopropriedade distinta da do solo.

Embora sejam de sua propriedade, a União não precisa explorar diretamente os potenciais de energia hidráulica e os recursos minerais. Eles podemser explorados por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras eque tenha sua sede e administração no País, mediante autorização ou concessão, sendo garantida a quem realize a exploração a propriedade do produtoda lavra. Além disso, o proprietário do solo tem direito a participação nosresultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.

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396 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo S Marcelo Alexandrino

Há uma exceção específica para os potências de energia renovável decapacidade reduzida, porquanto o seu aproveitamento não dependerá deautorização ou concessão. Todas essas regras encontram-se no art. 176 daConstituição, abaixo reproduzido:

Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedadedistinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento,e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedadedo produto da lavra.

§ 1,°A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamentodos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União,no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituídasob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração noPaís, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicasquando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteiraou terras indígenas.

§ 2.° É assegurada participação ao proprietário do solo nosresultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.

§ 3.° A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigonão poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente,sem prévia anuência do poder concedente.

§ 4.° Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidadereduzida.

Por fim, cabe registrar que, consoante prevêem os §§ 3.° e 4.° do art.174, a atividade garimpeira, quando exercida em cooperativas, deveráreceber tratamento favorecido, conferindo-se a essas cooperativas prioridadena autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidasde minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e na áreas que aUnião estabeleça (CF, art. 21, XXV), na forma da lei.

3. POLÍTICA URBANA

O art. 182 da Constituição dá ao Poder Público municipal a competência para executar a política de desenvolvimento urbano. Essa políticade desenvolvimento urbano é estabelecida pela União, no uso de sua competência para editar normas gerais sobre a matéria. Assim, as "diretrizesgerais fixadas em lei", a que se refere o caput do art. 182, são fixadas em

Cap. 13 • ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA 397

lei federal, obrigatória para todos os municípios. O diploma que o faz é odenominado "Estatuto da Cidade", Lei 10.257/2001. É esta a redação do art.182 da Carta Política:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada peloPoder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadasem lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimentodas funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seushabitantes.

O instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansãourbana é o plano diretor, obrigatório para cidades com mais de vinte milhabitantes (art. 182, § 1.°). Trata-se de uma lei municipal, portanto, aprovada pela Câmara Municipal, na qual devem ser definidos o zoneamento, ascondições e requisitos para a autorização de edificações, o sistema viário, asatividades passíveis de serem desenvolvidas em cada zona etc.

A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor(art. 182, § 2.°).

As desapropriações necessárias para dar execução ao plano diretor devem ser feitas cora prévia e justa indenização em dinheiro (art. 182, § 3.°).Trata-se, entretanto, de uma regra geral, ademais, desnecessária, uma vezque o art. 5.°, XXIV, já estabelece essa exigência de indenização prévia emdinheiro como um direito fundamental.

Dissemos, entretanto, que se trate de regra geral porque o mesmo art.182 traz uma das hipóteses constitucionais em que a indenização pode serfeita em títulos da dívida pública, não em dinheiro. Trata-se do disposto no§ 4.° do art. 182, que versa especificamente sobre as medidas que podem seradotadas para coibir a manutenção de solo urbano não edificado, subutilizadoou não utilizado.

Nos termos desse § 4.° do art. 182, o Poder Público municipal pode,mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal (o "Estatuto da Cidade"), do proprietário do solo urbanonão edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequadoaproveitamento.

Perceba-se que o dispositivo exige três leis diferentes: a lei federal geral(o "Estatuto da Cidade"), o plano diretor, e a lei específica municipal queexija do proprietário o adequado aproveitamento do solo urbano.

Nos incisos do § 4.° do art. 182 são previstas as medidas de carátersancionatório que podem ser adotadas no caso de o proprietário não atenderà exigência de aproveitamento do solo. São elas:

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398 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

I - parcelamento ou edificação compulsórios;

II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbanaprogressivo no tempo;

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívidapública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal,com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais,iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização eos juros legais.

Como se vê, o inciso III traz uma hipótese de desapropriação que nãoserá indenizada em dinheiro, mas sim em títulos da dívida pública. Porém,frise-se, a indenização deve ser justa, ou seja, corresponder ao valor real dobem desapropriado.

Por fim, o art. 183 estabelece uma hipótese especial de aquisição depropriedade urbana mediante usucapião, comumente denominada "usucapiãourbana constitucional" ou "usucapião pró-moradia". Afirma o caput desseartigo que "aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição,utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio,desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural". A usucapião não será reconhecida ao mesmo possuidor mais de uma vez (art. 182,§ 2.°) e não se aplica a imóveis públicos (art. 182, § 3.°).

4. POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA; REFORMA AGRÁRIA

A Constituição inicia o capítulo acerca "Da Política Agrícola e Fundiáriae da Reforma Agrária" tratando da desapropriação, por interesse social, parafins de reforma agrária. Reza o seu art. 184:

Art. í 84. Compete à União desapropriar por interesse social, parafins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindosua função social, mediante prévia e justa indenização em títulosda dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real,resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo anode sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Deve-se observar que a competência para legislar sobre qualquer modalidade de desapropriação é privativa da União, nos termos do art. 22, incisoII, da Lei Maior. Na hipótese de desapropriação por interesse social para ofim específico de promover a reforma agrária, a competência para declararde interesse social o imóvel rural é também exclusiva da União.

Cap. 13 • ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA 399

A desapropriação para fins de reforma agrária é cabível quando a propriedade rural não esteja cumprindo sua função social. Nos exatos termosconstitucionais, a função social é cumprida quando a propriedade rural atende,simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,aos seguintes requisitos (CF, art. 186):

I - aproveitamento racional e adequado;

II —utilização adequada dos recursos naturais disponíveis epreservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulara as relações detrabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários edos trabalhadores.

Por outro lado, a Constituição considera insuscetíveis de desapropriaçãopara fins de reforma agrária (art. 185):

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei,desde que seu proprietário não possua outra;

II - a propriedade produtiva.

Érelevante enfatizar que, sejam quais forem assuas dimensões, apropriedadeprodutiva não está sujeita à desapropriação para fins de reforma agrária (podeser objeto de outra espécie de desapropriação, mas, nesse caso, integralmentepaga em dinheiro, que é a regra para as desapropriações ordinárias). Além davedação à sua desapropriação para fins de reforma agrária, diz o parágrafo únicodo art. 185 que "a lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social".

No caso da desapropriação para fins de reforma agrária, a indenizaçãodeverá ser prévia e juste, mas não em dinheiro, e sim em títulos da dívidaagrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo deaté vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilizaçãoserá definida em lei (art. 184, caput).

Poréra, as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro (art.184, § 1.°). Em relação a essas benfeitorias, portanto, o procedimento obedeceráà regra geral de desapropriação: oferecimento inicial do preço, depósito emjuízo,se houver interesse de imissão provisória na posse, e obtenção da transferênciadas benfeitorias somente ao final, com o pagamento integral da indenização.

A Constituição determina que uma lei complementar discipline o procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo judicial dedesapropriação (CF, art. 184, § 3.°).

Page 212: Direito constitucional descomplicado

400 RESUMO DE DIREITOCONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO• VicentePaulo &MarceloAlexandrino

O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida agrária,assim como o montante de recursos para atender ao programa de reformaagrária no exercício (art. 184, § 4.°).

O § 5.° do art. 184 estabelece uma hipótese de imunidade tributária, afastando a incidência de "impostos federais, estaduais e municipais as operaçõesde transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária".

Desapropriado o imóvel para fins de reforma agrária, será entregue peloPoder Público ao beneficiário o título de domínio ou de concessão de uso- que pode ser conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei. Esses títulossão inegociáveis pelo prazo de dez anos (art. 189).

Sobre a política agrícola, que deve ser compatibilizada com as ações dereforma agrária, estabelece o texto constitucional, que, na forma da lei, seráela planejada e executada com a participação efetiva do setor de produção,envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes (art. 187). Incluem-se noplanejamento agrícola as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueirase florestais (art. 187, § l.°).

A política agrícola deverá levar em conte, especialmente (art. 187):

I - os instrumentos creditícios e fiscais;

II - os preços compatíveis com os custos de produção e agarantia de comercialização;

III —o incentivo à pesquisa e à tecnologia;IV - a assistência técnica e extensão rural;

V - o seguro agrícola;

VI - o cooperativismo;

VII - a eletrificação rural e irrigação;

VIII - a habitação para o trabalhador rural.

A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas, inclusive as devolutas, com área superior a dois mil e quinhentos hectaresa pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá deprévia aprovação do Congresso Nacional, salvo se efetuada para fins dereforma agrária (art. 188, §§ 1.° e 2.°). Em qualquer caso, a destinação deterras públicas e devolutas deve ser compatibilizada com a política agrícolae com o plano nacional de reforma agrária (art. 188, caput).

Cabe à lei regulare limitara aquisição ou o arrendamento de propriedaderural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecer os casos quedependerão de autorização do Congresso Nacional (art. 190).

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Cap. 13 • ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA 401

Por fim, o art. 191 da Carta Magna estabelece uma hipótese especialde usucapião, conhecida como "usucapião pro-labore". O possuidor de áreade terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, adquire suapropriedade, desde que:

a) a possua como se sua fosse, por cinco anos ininterruptos, sem oposição;

b) a tenha tomado produtiva por seu trabalho ou de sua família;

c) tenha nela sua moradia;

d) não seja proprietário de outro imóvel, rural ou urbano;

e) não se trate de imóvel público.

5. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

O sistema financeiro nacional é regulado em um único artigo da Constituição, que foi profundamente alterado pela EC 40/2003.

É a seguinte a redação atual do dispositivo:

Art. 192. Ò sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e aservir aos interesses da coletividade, em todas as partes queo compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, seráregulado por leis complementares que disporão, inclusive,sobre a participação do capital estrangeiro nas instituiçõesque o integram.

A EC 40/2003 suprimiu do texto constitucional a previsão de que as taxasde juros reais fossem de, no máximo, doze por cento ao ano, considerandocrime de usura a cobrança acima deste limite.

O texto original do art. 192 referia-se a uma leí complementar (no singular), para disciplinar o sistema financeiro nacional. Como havia discussãosobre a possibilidade de uma lei complementar regulamentar somente partedo art. 192 (original), a regulamentação acabou não ocorrendo, porque setemia que, editada a lei complementar, pudesse ser considerada imediatamente aplicável a disposição constitucional acerca dos juros, mesmo que alei complementar nada dispusesse a respeito.

Atualmente, além de ter sido explicitado que o sistema financeiro nacionalpode ser regulamentado em mais de uma lei complementar, foi simplesmenterevogada a disposição acerca de limite dos juros, descabendo cogitar de baseconstitucional para tal imposição.

Page 213: Direito constitucional descomplicado

402 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo&Marcelo Alexandrino

O art. 192 determina que o sistema financeiro nacional seja estruturado deforma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade. Essa regra vale para as instituições públicas e tambémpara as privadas, coadunando-se com os princípios gerais da ordem econômica,estudados anteriormente. As cooperativas de crédito, conforme expressamenteestatuído no art. 192, integram o sistema financeiro nacional.

A participação do capital estrangeiro nas instituições que integram osistema financeiro nacional deve ser regulada mediante lei complementar,cora vistas à determinação de que este atenda aos interesses da coletividadee promova o desenvolvimento nacional equilibrado (poderá ser uma, ou maisde uma, das leis complementares que devem regulamentar o art. 192).

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ORDEM SOCIAL

Ao enunciar o Título "Da Ordem Social", a Constituição Federal declaraque a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivoo bem-estar e a justiça sociais.

Sob o título "Da Ordem Social", o legislador constituinte disciplinou diferentes matérias, algumas delas difíceis de serem enquadradas nesse conceito,como é o caso dos capítulos que tratam da ciência e tecnologia e dos índios.São os seguintes os assuntos disciplinados no Título "Da Ordem Social", eque serão abordados a seguir: seguridade social (arts. 194 a 204); educação,cultura e desporto (arts. 205 a 217); ciência e tecnologia (arts. 218 e 219);comunicação social (arts. 220 a 224); meio ambiente (art. 225); família,criança, adolescente e idoso (arts. 226 a 230); índios (arts. 231 e 232).

1. SEGURIDADE SOCIAL

A seguridade social compreende ura conjunto integrado de ações deiniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar osdireitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridadesocial, com base nos seguintes objetivos:

I — universalidade da cobertura e do atendimento;

II —uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços àspopulações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefíciose serviços;

Page 214: Direito constitucional descomplicado

404 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO - Vicente Pauto&Marcelo Alexandrino

XV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio;

VI ~ diversidade da base de financiamento;

VII - caráter democrático e descentralizado da administração,mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nosórgãos colegiados.

Estabelece o art. 195 da Constituição Federal que a seguridade social seráfinanciada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei.O financiamento da seguridade social provém: (a) de recursos previstos nosorçamentos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios; e(b) de tributos genericamente denominados "contribuições sociais", ou, maisprecisamente, "contribuições de seguridade social", descritos, especialmente,nos incisos I a IV, e no § 4.°, do art. 195 da Carta Política.

Visando a evitar a concessão ou o aumento irresponsáveis de benefíciosprevidenciários ou assistenciais, determina a Constituição que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendidosem a correspondente fonte de custeio total (art. 195, § 5.°).

1.1. Saúde (arts. 196 a 200)

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e deoutros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços parasua promoção, proteção e recuperação.

São de relevânciapública as ações e serviços de saúde, cabendo ao PoderPúblico dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização econtrole, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceirose, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

O sistema único de saúde, integrado de uma rede regionalizada e hie-rarquizada de ações e serviços de saúde, constitui o meio pelo qual o PoderPúblico executa as ações e os serviços públicos de saúde, sendo organizadode acordo com as seguintes diretrizes:

a) descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

b) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas,prejuízo dos serviços assistenciais;

c) participação da comunidade.

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Cap. 14 • ORDEM SOCIAL 405

O sistema único de saúde é financiado cora recursos do orçamento daseguridade social, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes. A Constituição Federal determina que essasentidades públicas apliquem, anualmente, em ações e serviços de saúdepública recursos do produto de suas arrecadações tributárias e de transferências de mesma natureza em percentagens e critérios estabelecidos em leicomplementar (CF, art. 198).

A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Ademais, as instituiçõesprivadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde,segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio,tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvençõesàs instituições privadas cora fins lucrativos.

É vedada, também, a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstosem lei.

A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoçãode órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisae tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue eseus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

Compete ao sistema único de saúde, além de outras atribuições, nostermos da lei:

I - controlar e fiscaíÍ2ar procedimentos, produtos e substânciasde interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobioíógicos, hemoderivados eoutros insumos;

II - executar as ações de vigilância sanitária e epídemiológica,bem corno as de saúde do trabalhador;

III — ordenar a formação de recursos humanos na área desaúde;

IV —participar da formulação da política e da execução dasações de saneamento básico;

V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimentocientífico e tecnológico;

VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas paraconsumo humano;

VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos,tóxicos e radioativos;

Page 215: Direito constitucional descomplicado

406 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

1.2. Previdência social (arts. 201 e 202}

A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, decaráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I —cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idadeavançada;

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV - salário-famüia e auxílio-recíusão para os dependentes dossegurados de baixa renda;

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, aocônjuge ou companheiro e dependentes.

A Constituição Federal veda a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geralde previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quandose tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos emlei complementar.

No tocante à fixação e preservação do valor dos benefícios previden-ciários, a Constituição Federal estabelece quatro importantes garantias aossegurados:

a) nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimentodo trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário-mínimo;

b) todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefícioserão devidamente atualizados, na forma da lei;

c) é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráterpermanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei;

d) a gratificação natalina dos aposentados e pensionistas terá por base o valordos proventos do mês de dezembro de cada ano.

É vedada a filiação ao regime geral de previdência social, na qualidadede segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência (CF, art. 201, § 5.°).

Cap. 14 • ORDEM SOCIAL 407

Determina a Constituição Federal que a lei disporá sobre sistemaespecial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixarenda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente aotrabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentesa famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valorigual a um salário-mínimo. Esse sistema especial terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral deprevidência social.

7.2.7. Regras para aposentadoria

Estabelece a Constituição Federal que é assegurada aposentadoria noregime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:

a) 35 anos de contribuição, se homem, e 30 anos de contribuição, se mulher;

b) 65 anos de idade, se homem, e 60 anos de idade, se mulher;

c) 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher, para ostrabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regimede economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e opescador artesanal;

d) no caso de professor, 30 anos de contribuição, se homem, e 25 anos decontribuição, se mulher, desde que comprove exclusivamente tempo deefetivo exercício de funções de magistério na educação infantil e no ensinofundamental e médio.

Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempode contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana,hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarãofinanceiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.

1.2.2. Regime de previdência privada complementar

A Emenda Constitucional 20/1998 introduziu no texto constitucional a

previsão de regime de previdência privada, baseado na constituição de reservasque garantam o benefício contratado, nos termos a seguir apresentados.

O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizadode forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, seráfacultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefíciocontratado, e regulado por lei complementar.

Page 216: Direito constitucional descomplicado

408 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuaisprevistas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades deprevidência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes,assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.

É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pelaUnião, estados, Distrito Federal e municípios, suas autarquias, fundações,empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas,salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese nenhuma,sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.

De acordo com esse regramento constitucional, podemos assim resumiras características do regime de previdência privada:

a) caráter complementar;

b) facultativo;

c) organização autônoma em relação ao regime geral de previdência social;

d) independência financeira era relação ao Poder Público;

e) regulado por lei complementar;

f> publicidade de gestão.

1.3. Assistência social (arts. 203 e 204}

A assistência social não constitui seguro social, porque não depende decontribuição do beneficiário, sendo financiada com recursos do orçamentoda seguridade social, além de outras fontes.

Desse modo, a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e terá por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II ~ o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras dedeficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal àpessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovemnão possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-laprovida por sua família, conforme dispuser a lei.

Cap. 14 - ORDEM SOCIAL 409

As ações governamentais na área da assistência social, realizadas comrecursos do orçamento da seguridade social e de outras fontes, são organizadas cora base nas seguintes diretrizes:

a) descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normasgerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentese de assistência social;

b) participação da população, por meio de organizações representativas, naformulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

2. EDUCAÇÃO (ARTS. 205 A 214)

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao plenodesenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e suaqualificação para o trabalho.

2.1. Princípios constitucionais do ensino

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência naescola;

II — liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar opensamento, a arte e o saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingressoexclusivamente por concurso público de provas e títulos, aosdas redes públicas;

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

VII - garantia de padrão de qualidade;

VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionaisda educação escolar pública, nos termos de lei federal.

Page 217: Direito constitucional descomplicado

410 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

O Supremo Tribunal Federal considera inconstitucional a cobrança detaxa de matrícula nas universidades públicas, por afronta ao inciso IV do art.206 da Constituição Federal, que assegura a gratuidade do ensino público emestabelecimentos oficiais. Esse entendimento está consolidado no enunciadoda Súmula Vinculante 12 do STF, abaixo transcrito:

12 - A cobrança de taxa de matrícula nas Universidades Públicas viola o disposto no artigo 206, inciso IV, da ConstituiçãoFederal.

2.2. Autonomia das universidades

As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativae de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indisso-ciabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

A autonomia didático-científica conferida às universidades atua como

princípio basilar do ensino, garantindo a tais instituições a liberdade deaprender, de ensinar, de pesquisar e de divulgar o pensamento, a arte e osaber, sem quaisquer ingerências administrativas.

É facultado às universidades e às instituições de pesquisa científica etecnológica admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na formada lei.

2.3. Deveres do Estado em relação ao ensino

O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I —educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua ofertagratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idadeprópria;

II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III —atendimento educacional especializado aos portadores dedeficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até5 (cinco) anos de idade;

V —acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa eda criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condiçõesdo educando;

Cap. 14 • ORDEM SOCIAL 411

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de materialdidáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.Assim, o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou suaoferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

2.4. Participação da iniciativa privada

O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

Note-se que os estabelecimentos privados de ensino, embora evidentemente estejam sujeitos a controle pelo Poder Público, no âmbito do poder depolícia administrativa, prestam serviços privados, regidos predominantementepelo direito privado. Eles não são delegatários de serviço público, isto é,não prestam seus serviços mediante contrato de concessão ou permissão deserviço público.

2.5. Organização dos sistemas de ensino

A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios organizarão emregime de colaboração seus sistemas de ensino, obedecendo às prioridadesa seguir apresentadas.

A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios,financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matériaeducacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equaliza-ção de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensinomediante assistência técnica e financeira aos estados, ao Distrito Federal eaos municípios.

Nesse regime de colaboração, os municípios atuarão prioritariamente noensino fundamental e na educação infantil, enquanto os estados e o DistritoFederal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.

Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios definirão formas de colaboração, de modo aassegurar a universalização do ensino obrigatório.

A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.

Page 218: Direito constitucional descomplicado

412 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo &Marcelo Alexandrino

O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina doshorários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Observa-seque, em respeito à liberdade de crença religiosa (art. 5.°, VI), a Constituiçãoveda o ensino religioso como disciplina obrigatória.

2.6. Aplicação de recursos na educação

A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito por cento, eos estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, nomínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente detransferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimentodas necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização,garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacionalde educação.

A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas naforma da lei, sendo que as cotas estaduais e municipais da arrecadação dacontribuição social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmenteao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redespúblicas de ensino.

Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo serdirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas emlei, que:

I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escolacomunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público,no caso de encerramento de suas atividades.

Esses recursos públicos poderão ser destinados a bolsas de estudo parao ensino fundamental e médio, na forma da lei,, para os que demonstrareminsuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regularesda rede pública na localidade da residência do educando, ficando o PoderPúblico obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede nalocalidade.

As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoiofinanceiro do Poder Público.

Cap. 14* ORDEM SOCIAL 413

2.7. Plano nacional de educação

A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal,com o objetivo de articular o sistema nacional de educação era regime decolaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e o desenvolvimento do ensino em seusdiversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dospoderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - melhoria da qualidade do ensino;

IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País;

VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicosem educação como proporção do produto interno bruto.

3. CULTURA (ARTS. 215 E 216)

Determina a Constituição Federal que o Estedo garantirá a todos o plenoexercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiaráe incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas eafro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatórionacional.

A lei estabelecerá o plano nacional de cultura, de duração pIurianuaLvisando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações doPoder Público que conduzem à:

I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;

II - produção, promoção e difusão de bens culturais;

III - formação de pessoal qualificado para a gestão da culturaem suas múltiplas dimensões;

IV - democratização do acesso aos bens de cultura;

V - valorização da diversidade étnica e regional.

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material eimaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à

Page 219: Direito constitucional descomplicado

414 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Pauto & Marcelo Alexandrino

identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedadebrasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

r/V—as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaçosdestinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

4. DESPORTO (ART. 217)

Determina a Constituição Federal que é dever do Estado fomentar práticasdesportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para ado desporto de alto rendimento;

III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional eo não-profissional;

IV —a proteção e o incentivo às manifestações desportivas decriação nacional.

A Constituição Federal reconhece a justiça desportiva, ao dispor que oPoder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competiçõesdesportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladaem lei (art. 217, § 1.°).

Anote-se que a Constituição exige o esgotamento das instâncias da justiça desportiva como condição para o ajuizamento da ulterior ação judicial(impõe a denominada "jurisdição condicionada" ou "instância administrativade curso forçado"). Entretanto, foi fixado à justiça desportiva um prazo limite, de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir adecisão final. Significa que, mesmo antes do esgotamento das instâncias dajustiça desportiva, o interessado poderá recorrer ao Poder Judiciário, casoesse prazo de sessenta dias se esgote sem que a decisão final administrativatenha sido proferida.

Cap. 14 • ORDEM SOCIAL 415

5. CIÊNCIA E TECNOLOGIA (ARTS. 218 E 219)

O Estedo promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.

O texto constitucional classifica a atividade de pesquisa em duas categorias: a pesquisa científica, que deve receber tratamento prioritário do Estado,e a pesquisa tecnológica, que deve ser direcionada preponderantemente paraa solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistemaprodutivo nacional e regional.

A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seusrecursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que asseguremao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicosresultantes da produtividade de seu trabalho.

6. COMUNICAÇÃO SOCIAL (ARTS. 220 A 224}

Era perfeita consonância com a garantia fundamental de expressão daatividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5.°, IX), a Constituição Federal proclamaque a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação,sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,observado o disposto no próprio texto constitucional.

Determina, também, que nenhuma lei conterá dispositivo que possaconstituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquerveículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.°, IV, V, X,XIII e XIV.

Por fim, é ainda mais incisiva ao declarar que é vedada toda e qualquercensura de natureza política, ideológica e artística.

6.1. Comunicação social e liberdade de informação

A Constituição Federal conferiu especial ênfase à liberdade de pensamento, de criação, de expressão, de informação e à livre divulgação dosfatos, valores constitucionalmente gravados como direitos fundamentais doindivíduo (art. 5.°, XIV).

Não se pode olvidar, porém, que tais disposições constitucionais deverasempre ser interpretadas em consonância com outras garantias asseguradaspelo Texto Magno, dentre as quais se destacam a inviolabilidade da honra,

Page 220: Direito constitucional descomplicado

416 RESUMO DE DIREITOCONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • VicentePaulo &MarceloAlexandrino

vida privada e imagem, sob pena de responsabilização do agente causador dedanos materiais ou morais a esses valores da pessoa humana. Afinal, comojá ressaltado, o constitucionalismo contemporâneo refute a ideia da existênciade direitos e garantias fundamentais de natureza absoluta.

Em face dessa necessidade de convivência dos diferentes valores protegidos constitucionalmente, temos que as garantias da liberdade de pensamentoe de informação são relativas, haja viste que o seu exercício não poderávulnerar outros valores constitucionalmente.

6.2. Regras acerca dos meios de comunicação e programação

Determina a Constituição Federal que compete à lei federal:

I - regular as diversões e espetáculos-púbíicos, cabendo ao PoderPúblico informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a quenão se recomendem, locais e horários em que sua apresentaçãose mostre inadequada;

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e àfamília a possibilidade de se defenderem de programas ouprogramações de rádio e televisão que contrariem os princípiosconstitucionais fixados pelo art. 221, bem como da propagandade produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúdee ao meio ambiente.

A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais e conterá, sempre quenecessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente,ser objeto de monopólio ou oligopólio.

A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licençade autoridade.

A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderãoaos seguintes princípios (art. 221):

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais einformativas;

II —promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística,conforme percentuais estabelecidos em leí;

Cap. 14 * ORDEM SOCIAL 417

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, também deverão observar essesprincípios, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade deprofissionais brasileiros na execução de produções nacionais.

6.3. Participação do capital estrangeiro

A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e desons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais dedez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e quetenham sede no País.

Era qualquer caso, pelo menos 70% (setenta por cento) do capital totale do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora ede sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileirosnatos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamentea gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.

Cabe à lei disciplinar a participação de capitei estrangeiro nessas empresas, que, em razão do limite apresentado no parágrafo anterior, não poderáultrapassar 30% (trinta por cento) do capital total da respectiva empresa.

6.4. Controle pelo Poder Legislativo, outorga e renovação daconcessão, permissão ou autorização

As alterações de controle societário dessas empresas jornalísticas e deradiodifusão sonora e de sons e imagens serão comunicadas ao CongressoNacional.

A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção daprogramação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizadoshá mais de dez anos, em qualquer meio de comunicação social.

Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão eautorizaçãopara o serviço de radiodifusãosonora e de sons e imagens, observadoo princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de,no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.

O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissorasde rádio e de quinze para as de televisão.

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418 RESUMO DE DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo,depende de decisão judicial.

7. MEIO AMBIENTE (ART. 225)

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bemde uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-seao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo paraas presentes e futuras gerações.

Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I —preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais eprover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II —preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa emanipulação de material genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos,sendo a alteração e a supressão permitidas somente através delei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridadedos atributos que justifiquem sua proteção;

FV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação domeio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que sedará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego detécnicas, métodos e substâncias que comportem risco para avida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis deensino e a conscientização pública para a preservação do meioambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na'forma da lei, aspráticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquema extração de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meioambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarãoos infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Cap. 14 - ORDEM SOCIAL419

São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos estados porações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.

As usinas que operem cora reator nuclear deverão ter sua localizaçãodefinida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.

8. PROTEÇÃO À FAMÍLIA, ÀCRIANÇA, AO ADOLESCENTE EAOIDOSO

AConstituição Federal confere ampla proteção à unidade familiar, proclamando que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

O casamento é civil e gratuita a celebração.

O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entreo homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar suaconversão era casamento.

Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada porqualquer dos pais e seus descendentes.

Observa-se que o texto constitucional reconhece três espécies de entidadesfamiliares, com as mesmas proteções constitucionais, a saber:

a) a constituída pelo casamento civil ou religioso com efeitos civis (art. 226,§§ l.°e2.°);

b) a constituída pela união estável entre o homem e a mulher, devendo a leifacilitar sua conversão em casamento (art. 226, § 3.°); e

c) a constituída por qualquer dos pais e seus descendentes (art. 226, § 4.°).

Em relação à "cabeça do casai", em consonância com a igualdade entrehomens e mulheres (art. 5.°, inciso I), estabelece a Constituição Federal queos direitos e deveres referentes à sociedade conjugai são exercidos igualmentepelo homem e pela mulher.

A Constituição Federal reconhece a dissolução do casamento pelo divórcio,sem limites de vezes, ao prescrever que o casamento civil pode ser dissolvidopelo divórcio, após separação judicial por mais de um ano nos casos expressosem lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

E dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e aoadolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, aorespeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los

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a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,crueldade e opressão.

O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criançae do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentaise obedecendo os seguintes preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados àsaúde na assistência materno-infantií;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial oumental, bem como de integração social do adolescente portadorde deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos,com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifíciosde uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim degarantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho,observado o disposto no art. 7.°, XXXIII {proibição de trabalhonoturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condiçãode aprendiz, a partir de quatorze anos];

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuiçãode ato infracional, igualdade na relação processual e defesatécnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislaçãotutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidadee respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica,incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ouabandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado àcriança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogasafins.

Cap. 14• ORDEM SOCIAL421

A lei punirá severamente o abuso, a violência - icriança e do adolescente. a exP1oração sexual da

A adoção será assistida pelo Poder Público, na for™ a ilecerá casos e condições de sua efetivação por nartV h 3qUe eStabe"

^ „., , ., _ , , v p pane de estrangeiros.Os filhos, havidos ou nao da relação do casamento

terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas nui ' °U ^ ddoção'discriminatórias relativas àfiliação (art. 227, §5.°). p0r for^d fnaÇÕeSção constitucional, de aplicabilidade direta eimediata easseeurada ''"7™igualdade aos filhos, sem possibilidade de qualquer -^rn^,. *' P ""'filho adotivo ou adulterino. Ç° °U preju ' ,n

São penalmente inimputáveis os menores de des-oito anos suí unormas da legislação especial. ' J' s "

Estabelecendo obrigações de assistência mútua entre pais e filho' duurmna a Constituição que os pais têm o dever de assistir, criar e edi *. ir osfilhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar isn !Nna velhice, carência ou enfermidade (art. 229).

A família, a sociedade e o Estado têm o dever de ampaiar asidosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo su idade e bem-estar, e garantindo-lhes o direito à vida (art. 230) Dctei itexto constitucional, ainda, que os programas de amparo aos idoscexecutados preferencialmente em seus lares (art. 230, § 1.°)

A regulamentação das regras constitucionais de proteção ao icoperada pela Lei 10.741/2003, denominada "Estatuto do Idoso". A rigor, naose trata de mera regulamentação. Essa lei cria diversos direitos exercitáveispelos idosos, conferindo efetividade, nessa área, ao valor central de nossaConstituição, a dignidade da pessoa humana. Os direitos regulados nessa leisão aplicáveis às pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, salvoexceções expressas na própria lei (há alguns direitos que são aplicáveis aosidosos a partir de sessenta e cinco anos).

ÍNDIOS

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São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitartodos os seus bens.

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadasem caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, asimprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu

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bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seususos, costumes e tradições.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua possepermanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos riose dos lagos nelas existentes.

O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas sópodem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas ascomunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultadosda lavra, na forma da lei.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, adreferendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia queponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, apósdeliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retornoimediato logo que cesse o risco.

São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras tradicionalmenteocupadas pelos índios, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dosrios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público daUnião, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade ea extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na formada lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.

Ademais, não se aplica às terras indígenas o disposto nos §§ 3.° e 4.°do art. 174 da Constituição. Esses dispositivos —repita-se, não aplicáveisàs terras tradicionalmente ocupadas pelos índios - conferem às cooperativasde atividade garimpeira prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas ondeestejam atuando, e na áreas que a União estabeleça (CF, art. 21, XXV), naforma da lei.

Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas paraingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo, pois se encontra dentre asatribuições desse órgão defender judicialmente os direitos e interesses daspopulações indígenas (CF, art. 129, V).

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