dinâmicas intrametropolitanas e produção do espaço na rmc

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Rosa Moura Olga L. C. F. Firkowski Organizadoras DINÂMICAS INTRAMETROPOLITANAS E PRODUÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA Anael Cintra, Angela Seixas Pilotto, Cid Cordeiro Silva, Cristina de Araújo Lima, Daniel Nojima, Denise Ratmann A. Colin, Eloise H. Machado, Gilmar Mendes Lourenço, Gislene Pereira, Gislene Santos, Hilma de Lourdes Santos, José R. Vargas de Faria, Josil Voidela Baptista, Leandro Franklin Gorsdorf, Luiz Herlain, Madianita Nunes da Silva, Marcos Bittencourt Fowler, Maria Inês Terbeck, Marley Vanice Deschamps, Milton Luiz B. de Campos, Olga Lucia C. de F. Firkowski, Paulo Delgado, Renato Rodrigues de Araújo, Rosa Moura, Sandra Mancino, Sandra Teresinha da Silva, Sandro Silva, Thaís Kornin

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  • Rosa Moura

    Olga L. C. F. Firkowski

    Organizadoras

    DINMICAS INTRAMETROPOLITANASE PRODUO DO ESPAO

    NA REGIO METROPOLITANA DE CURITIBA

    Anael Cintra, Angela Seixas Pilotto, Cid Cordeiro Silva, Cristina de Arajo Lima, Daniel Nojima, Denise Ratmann A. Colin, Eloise H. Machado, Gilmar Mendes Loureno, Gislene Pereira, Gislene Santos, Hilma de Lourdes Santos, Jos R. Vargas de Faria, Josil Voidela Baptista, Leandro Franklin Gorsdorf, Luiz Herlain, Madianita Nunes da Silva, Marcos Bittencourt Fowler, Maria Ins Terbeck, Marley Vanice Deschamps, Milton Luiz B. de Campos, Olga Lucia C. de F. Firkowski, Paulo Delgado, Renato Rodrigues de Arajo, Rosa Moura, Sandra Mancino, Sandra Teresinha da Silva, Sandro Silva, Thas Kornin

  • Copyright Rosa Moura e Olga L. C. F. Firkowski, 2009

    Observatrio das MetrpolesObservatrio de Polticas Pblicas ParanCuritiba/Rio de Janeiro

    EditorJoo Baptista Pinto

    Normalizao BiBliogrficaDora Silvia Hackenberg

    ProjEto grfico, caPa, diagramao E tratamENto dE imagENsStella Maris Gazziero

    rEvisoClaudia Fabiana Bastos Ortiz

    DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO DA PUBLICAO (CIP)Bibliotecria responsvel: Dora Silvia Hackenberg

    lEtra caPital EditoraTelefax: (21) 3553-2236 / 2215-3781

    www.letracapital.com.br

    D583d

    Dinmicas intrametropolitanas e produo do espao na Regio Metropolitana de Curitiba / Rosa Moura e Olga Lucia C. de F. Firkowski (Organizadoras). Rio de Janei-ro: Observatrio das Metrpoles : Observatrio de Polticas Pblicas Paran; Curitiba: Letra Capital Editora, 2009.

    385 p. : il. ; 23 cm

    ISBN 978-85-7785-039-6

    l. Metrpoles. 2. Planejamento urbano. 3. Gesto metropolitana. 4. Regio Metropoli-tana de Curitiba. I. Moura, Rosa. II. Firkowski, Olga Lucia C. de F.

    CDU 2. ed. 711.432 (816.2) CDD 21. ed. 711.4098162

  • 3DinmicaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE cURiTiba

    APRESENTAO

    sempre motivo de alegria a possibilidade de divulgao dos resultados de pesquisas, de modo a ampliar o pblico que pode tomar contato com o que se produz nas universidades, instituies de pesquisa e organizaes no-governamentais.

    Nesse contexto, divulgamos a presente publicao, que rene a produo da equipe que, desde 2001, integra o Ncleo da Regio Metropolitana de Curitiba, na Rede Observatrio das Metrpoles. Naquele momento, o Ncleo era composto exclusivamente por pesquisadores do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social (IPARDES) e atuava nos trs eixos do projeto desenvolvido em rede nacional: (i) estrutura econmica, que realizou estudo sobre a dinmica recente da economia da RMC e as transformaes socioespaciais decorrentes da reestruturao e internacionalizao da economia; (ii) desigualdades socioespaciais, que adotou a metodologia de anlise das categorias scio-ocupacionais, proposta pela rede nacional; e (iii) governana urbana e gesto metropolitana, que realizou pesquisas sobre os conselhos municipais da RMC e discutiu a problemtica da gesto dessa regio.

    Com a intensificao das atividades, e em funo da ampliao da discusso

    temtica, a equipe passou a contar tambm com pesquisadores da Universidade Federal do Paran (UFPR), particularmente do ento Ncleo de Direitos Coletivos e Difusos da Faculdade de Direito; do Laboratrio de Arquitetura e Urbanismo (LAURB) do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPR; do Laboratrio de Geografia Humana e Regional (LAGHUR) do Departamento de Geografia da UFPR;

    alm das organizaes no-governamentais Ambiens Sociedade Cooperativa, Terra de Direitos e do Observatrio de Polticas Pblicas Paran, que funciona como um frum de integrao academia/movimentos sociais.

    Nessa quase uma dcada de trabalho, a equipe vem realizando pesquisas acadmicas, qualificao de recursos humanos, formao de lideranas e de

    integrantes de movimentos sociais, e realizando a transferncia de resultados sociedade. Fruto dessa atuao, parte dos artigos aqui reunidos foram

  • 4desenvolvidos ao longo do tempo, mantidos em seu escopo original, e parte so textos inditos e recentemente finalizados, que traduzem, portanto, a atualidade

    das fontes existentes em cada momento especfico e a trajetria da reflexo sobre

    conceitos e categorias de anlise do espao metropolitano. Assim, encontram-se textos que organizam a anlise sob formas diversas de compartimentao desse espao anis concntricos, nveis de integrao dinmica metropolitana , ou que incorporam diferentes leituras da dimenso e conceituao referentes ao recorte de ocupao contnua e relaes mais adensadas aglomerao metropolitana, ncleo urbano central, aglomerado metropolitano , refletindo as

    muitas concepes postas em debate. Apesar disso, a equipe sempre teve clareza de que esse um espao nico, diverso, heterogneo e desigual, e sempre procurou considerar essa totalidade em suas anlises.

    Os artigos refletem, assim, as muitas fases de existncia do Ncleo, e compreendem

    desde aqueles realizados a partir das demandas em rede, no mbito dos projetos coordenados pelo Observatrio das Metrpoles (PRONEX, Institutos do Milnio-CNPq), at aqueles procedentes de outras demandas, porm entendidos como motivadores e articuladores do debate sobre a metropolizao de Curitiba, como as pesquisas e discusses temticas realizadas em contribuio ao projeto Globalizao e Direitos Humanos nas Regies Metropolitanas do Mercosul, coordenado pela Relatoria Especial sobre Moradia Adequada da Comisso das Naes Unidas sobre Direitos Humanos atividades estas que foram precursoras do Observatrio de Polticas Pblicas Paran.

    Resgata-se e registra-se, nesta publicao, uma ampla histria de pesquisa e dilogo com a sociedade paranaense e curitibana, por meio de diversos temas, porm a partir de um recorte espacial nico, qual seja, a Regio Metropolitana de Curitiba.

    Na primeira parte do livro, intitulada A internacionalizao da metrpole, anos 1990/2000, renem-se estudos temticos, resultados de pesquisa direta com representantes de segmentos sociais diversos, depoimentos de lideranas de movimentos sociais, assim como as principais concluses das atividades do projeto citado, realizado para a ONU avaliando o processo de internacionalizao e seus efeitos na regio. A riqueza dos artigos e das posies de representantes da sociedade civil metropolitana caracteriza esse momento de mudana, salientando seus custos e benefcios. Embora alguns dos textos sejam datados, no sentido de que trabalham com dados e informaes referentes ao final dos anos de 1990, os mesmos representam o registro de importantes temas, que esto devidamente contextualizados para tal momento.

  • 5DinmicaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE cURiTiba

    Desse modo, em A internacionalizao da metrpole e os direitos humanos, Rosa Moura e Thas Kornin resgatam e sintetizam parte das anlises, discusses realizadas e concluses obtidas no mbito do projeto chancelado pela Comisso das Naes Unidas sobre Direitos Humanos. Oferecem um retrato da RMC na virada do sculo XX para o XXI, mostrando que Curitiba foi submetida ao mesmo processo de internacionalizao que outras cidades brasileiras e latino-americanas, que produziu resultados tambm parecidos e que, mesmo sendo uma cidade planejada, no ficou imune s mazelas do processo, sobretudo na questo da moradia, cujo

    padro excludente se manteve.

    No texto Consideraes sobre o grau de integrao da Regio Metropolitana de Curitiba na economia internacional e seus efeitos nas transformaes socioespaciais, Olga Firkowski relaciona a intensificao da internacionalizao da economia urbana

    de Curitiba s transformaes socioespaciais, com nfase na segunda metade dos anos de 1990, perodo no qual se acentuou a presena de capitais internacionais em atividades industriais e de servios, sobretudo os especializados.

    Em Paran: benefcios e custos do novo ciclo industrial, Gilmar Mendes Loureno apresenta uma reflexo sobre a emergncia de um novo ciclo de transformaes

    da estrutura produtiva paranaense, ancorado em seis vetores principais, respectivamente, a modernizao do agronegcio; a ampliao do complexo madeireiro e papeleiro; a expanso da fronteira internacional; o aproveitamento das vocaes regionais; a ampliao da infraestrutura a partir do trip transporte-energia-telecomunicaes; e a implantao do polo automobilstico na RMC. Nessa reflexo, o autor avalia as estratgias do modelo de internacionalizao, pautado

    em isenes fiscais, que coloca o Estado do Paran na arena da guerra fiscal em

    curso naquele final de sculo.

    Em A economia paranaense e o mercado de trabalho nos anos 90, Sandro Silva e Cid Cordeiro analisam o mercado de trabalho paranaense do final dos anos de 1990,

    evidenciando as contradies existentes entre a propaganda oficial e a realidade da

    economia do Estado. Contestam a veiculao pelo governo da imagem de um Estado economicamente prspero, que tem como consequncia da atrao de investimentos uma elevada gerao de empregos. Desmistificando essa imagem, apontam o

    desemprego presente e ressaltam que os empregos gerados aconteceram em maior proporo no interior do Estado, e no primordialmente na Regio Metropolitana, para onde estavam focados os novos investimentos incentivados.

  • 6Globalizao, municipalidades e direitos: o impacto nas polticas sociais da Regio

    Metropolitana de Curitiba, de autoria de Denise Ratmann Arruda Colin, Marcos Bittencourt Fowler e Sandra Mancino, analisa os impactos da globalizao nas polticas sociais da RMC, com nfase na poltica habitacional. Os autores partem do pressuposto de que os mecanismos de mobilizao e participao popular devem funcionar como um mediador em face dos interesses do capital, e concluem que, em Curitiba, h omisso do Estado na garantia dos direitos sociais, entre eles, o direito habitao apesar de o slogan oficial adotado pela prefeitura de Curitiba, na poca em que o texto foi produzido, ser o da capital social. A privatizao, a terceirizao e a baixa representao popular foram apontados como elementos centrais na anlise. Para alm da constatao dos problemas, ao final so oferecidas sugestes para a poltica habitacional em Curitiba.

    Ainda na primeira parte do livro, h trs textos relacionados a entrevistas e depoimentos. O primeiro, intitulado Direitos Humanos e Globalizao nas Regies Metropolitanas do Mercosul: resultados das entrevistas na RMC, de autoria de Rosa Moura e Thas Kornin, sintetiza os resultados da pesquisa realizada em 2002, sobre os efeitos da internacionalizao dos direitos humanos na populao da RMC. Para tanto, as autoras se utilizam da aplicao de dois tipos de questionrios, que versam sobre temas relevantes para a problemtica dos direitos humanos e esto voltados a segmentos especficos da sociedade, a saber, policymakers, atuantes nas trs esferas do governo, pesquisadores e executivos, e militantes dos movimentos sociais, originrios dos vrios municpios da RMC. As concluses perpassam manifestaes positivas e negativas do processo, mais ou menos enfticas de acordo com o segmento em questo. O segundo texto, Situao dos direitos humanos na Regio Metropolitana de Curitiba, constitui um depoimento de Luiz Herlain, militante da Central de Movimentos Populares, que trata de sua experincia frente de organizaes populares, entre as dcadas de 1980 e 1990, voltadas luta pela educao, sade e moradia dignas, revelando as particularidades de tais aes em Curitiba. O terceiro, Mobilizao na RMC, constitui o depoimento de Hilma de Lourdes Santos, militante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM); aps constataes sobre os efeitos nocivos do processo de internacionalizao para a questo da moradia em Curitiba, enfatiza as aes propostas pelo MNLM, que vo alm da oferta da habitao, incluindo a organizao socioeconmica e poltica dos bairros, como forma de enfrentar a violao do direito moradia.

  • 7DinmicaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE cURiTiba

    A segunda parte do livro, intitulada A metrpole transformada: primeira dcada dos anos 2000, rene artigos produzidos no mbito de variadas pesquisas, algumas ainda em curso e relacionadas ao Observatrio das Metrpoles/Instituto do Milnio/CNPQ. Pelo fato de tais pesquisas estarem sendo desenvolvidas no interior de institutos de pesquisa, universidades e organizaes no-governamentais, revelam uma salutar multiplicidade de vises acerca das questes que envolvem a Regio Metropolitana de Curitiba na atualidade.

    Os quatro primeiros textos dedicam-se anlise das relaes entre a economia e o espao. No primeiro, O espao metropolitano de Curitiba e a insero do Paran na diviso social do trabalho, Rosa Moura introduz a noo de arranjos urbano-regionais, como concentradores de populao, bens e riquezas, particularizando a discusso para o Paran e salientando o papel desempenhado pela metrpole de Curitiba na insero desse Estado na diviso social do trabalho.

    Em Localizao industrial e extenso urbana em Curitiba, Olga Firkowski relaciona as transformaes ocorridas na localizao industrial em Curitiba, ao longo do sculo XX, com processos de extenso urbana ou expanso da metrpole. Para tanto, toma a indstria como um elemento explicativo para tal processo, sobretudo em face dos novos entes espaciais produzidos pela indstria automobilstica, os condomnios industriais.

    O texto Dinmica recente da economia e transformaes na configurao espacial da Regio Metropolitana de Curitiba, de Daniel Nojima, Rosa Moura e Sandra Teresinha da Silva, trata dos efeitos da economia global na dinmica da economia metropolitana, buscando detectar os impactos do ajuste estrutural e da reestruturao produtiva sobre espaos metropolitanos. Para faz-lo, os autores analisam a participao dos municpios da RMC no Valor Adicionado Fiscal total do Estado, e as mudanas na estrutura ocupacional e na distribuio das empresas na regio, com nfase na indstria.

    Finalmente, em Regio Metropolitana de Curitiba: mudanas na estrutura socioes-pacial no perodo 1991-2000, Paulo Delgado e Marley Vanice Deschamps analisam as mudanas ocorridas na estrutura social da RMC, na perspectiva das categorias ocupacionais, revelando alteraes importantes na distribuio intrametropolitana dos grupos sociais e no aumento das desigualdades socioespaciais.

    O movimento pendular trabalhado a partir de duas perspectivas distintas e complementares. A primeira, no texto de Marley Vanice Deschamps e Anael Cintra,

  • 8intitulado Movimento pendular para trabalho na Regio Metropolitana de Curitiba: uma anlise das caractersticas de quem sai e de quem fica, em que os autores analisam os deslocamentos pendulares para trabalho e estudo em associao com indicadores socioeconmicos, de forma comparativa entre a populao que se desloca e aquela que permanece no municpio, o que revelou importantes concluses acerca da segregao socioespacial. Na segunda perspectiva, Gislene Santos empreende uma anlise mais detalhada sobre o tema para um municpio da RMC tal o contedo do texto L e c: a mobilidade de trabalhadores de Colombo para Curitiba. Alm dos dados do IBGE, insere resultados de entrevistas com os sujeitos do processo, possibilitando uma viso numa escala adequada a fornecer as nuances do deslocamento pendular.

    Dois textos priorizam em suas anlises o processo de ocupao, legal e ilegal, do solo urbano em diferentes dimenses. No texto Ocupao urbana em rea de mananciais: anlise de densidade e ndice de ocupao como evidncias de um

    padro em consolidao nos municpios de Pinhais e Piraquara, Regio Metropolitana

    de Curitiba, de Cristina de Arajo Lima, Milton Luiz Brero de Campos e Maria Ins Terbeck, a ocupao das reas de mananciais da RMC tratada como fator de risco para o abastecimento pblico, o que demonstrado pela densidade e pelos ndices de ocupao dos loteamentos, tanto de ocupaes legais como ilegais.

    Por sua vez, no texto a Dinmica imobiliria na Regio Metropolitana de Curitiba: o mercado formal e informal e a estruturao da metrpole, Gislene Pereira e Madianita Nunes da Silva analisam a lgica de organizao do mercado imobilirio, tanto formal quanto informal, em sua relao com a estruturao do espao na RMC entre os anos de 1970 e 2000, evidenciando, por meio de metodologia especfica,

    a relao entre a dinmica da metropolizao e a periferizao urbana.

    A temtica da gesto e participao popular est contemplada no livro, e os trs textos finais revelam as distintas dimenses que esse tema pode assumir na

    atualidade. Em Governana urbana: estudo sobre conselhos municipais da RMC, Eloise H. Hatschbach Machado, Josil R. Voidela Baptista e Thas Kornin analisam a realidade dos conselhos municipais, elegendo conselhos de vrios setores existentes em diferentes municpios da RMC e com distintos graus de integrao Curitiba, salientando, assim, a diversidade de realidades existentes no interior do recorte espacial adotado. Evidenciam os limites e as possibilidades dos conselhos em cada realidade particular, enquanto canais de participao da sociedade civil na gesto das polticas pblicas.

  • 9DinmicaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE cURiTiba

    No texto Interesses em disputa em planos diretores da RMC, Angela Seixas Pilotto, Jos Ricardo Vargas de Faria e Renato Rodrigues de Arajo mostram, por meio da anlise detalhada de trs municpios da RMC, como ocorreu o processo de participao popular na elaborao de planos diretores, revelando, em ltima anlise, a relao de poder que se estabelece entre os diversos grupos que participam do processo e a introduo de suas demandas no plano.

    Finalmente, em A dimenso metropolitana nos Planos Diretores Municipais da Regio Metropolitana de Curitiba, Leandro Franklin Gorsdorf aborda uma questo central para a realidade metropolitana brasileira, qual seja, a ausncia da dimenso metropolitana nas proposies contidas nos textos dos planos diretores, que tm forte predomnio dos contedos de carter municipal. O autor refora a necessidade de mudana de perspectiva, na medida em que os planos diretores no trazem a dimenso metropolitana como pressuposto, embora os municpios analisados estejam diretamente inseridos nessa realidade.

    Desse modo, ao reunir e tornar pblico esse conjunto de textos, julgamos ter alcanado um dos compromissos que norteia a produo do conhecimento, qual seja, o oferecimento sociedade de leituras variadas acerca de sua realidade, tendo nesse caso as questes socioespaciais como fio condutor da maioria das

    anlises realizadas.

    Curitiba, maro de 2009

    Rosa MouraOlga Lucia C. de Freitas Firkowski

    Organizadoras

  • DINMICAS INTRAMETROPOLITANAS E PRODUO DO ESPAO NA REGIO METROPOLITANA DE CURITIBA 11

    PREFCIO

    O Observatrio das Metrpoles se constitui em uma rede que rene instituies e pesquisadores dos campos universitrio, governamental e no-governamental envolvendo no pas cerca de 60 instituies em torno do objetivo de conhecer a dinmica das metrpoles e refletir sobre os desafios metropolitanos colocados ao

    desenvolvimento nacional, tendo como referncia a compreenso das mudanas das relaes entre sociedade, economia, Estado e os territrios conformados pelas grandes aglomeraes urbanas brasileiras.

    O Observatrio das Metrpoles um programa plurinstitucional e pluridisciplinar que procura aliar pesquisa e ensino com a misso social de realizar e promover ati-vidades que possam influenciar as decises dos atores que intervm no campo da

    poltica pblica. Nessa perspectiva, destacam-se entre as caractersticas da Rede a promoo da cooperao e do intercmbio cientfico atravs da ampla circula-o de prticas e experincias acadmicas, e a articulao da suas atividades de pesquisa e ensino com a realizao de atividades que contribuam para a atuao dos atores governamentais e da sociedade civil no campo das polticas pblicas voltadas para esta rea.

    A presente publicao a expresso desse trabalho, se constituindo em um timo exemplo dos resultados alcanados na Rede. Produzida pelo Ncleo da Rede Ob-servatrio das Metrples da Regio Metropolitana de Curitiba, essa publicao traz uma sntese dos resultados das pesquisas realizadas nos ltimos anos por esta equipe, visando conhecer sistematicamente a dinmica da metrpole curitibana.

    Com esse objetivo, esto reunidos artigos em torno de diversos temas: a dinmi-ca recente da economia da RMC, as transformaes socioespaciais decorrentes da reestruturao e internacionalizao da economia, os processos de produo das desigualdades socioespaciais, a dinmica da governana urbana e de gesto metropolitana, entre outras questes, fazem parte dos assuntos abordados. Vale destacar que o Ncleo do Observatrio das Metrpoles de Curitiba exemplar, no

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    s no que se refere qualidade da sua produo acadmica, mas tambm na sua dinmica de articulao entre diferentes centros de pesquisa e entre estes e as organizaes sociais, incluindo organzaes no-governamentais (ONGs) e movi-mentos sociais. A excelncia do Ncleo de Curitiba est refletida na qualidade da publicao que certamente vai propiciar ao leitor um mergulho na metrpole curi-tibana, possibilitando um alargamento em torno dos seus problemas e dos seus potenciais para a superao dos mesmos.

    Aqui cabe uma menso especial ao trabalho desenvolvido por Rosa Moura, coorde-nadora do Ncleo Curitiba no perodo de produo das pesquisas que originaram esse livro, pela sua dedicao e competncia na construo no apenas desse ncleo regional, mas da Rede Observatrio das Metrpoles no mbito nacional. As pessoas e instituies que se uniram nesse trabalho tambm merecem todo o reconhecimento pelo execelente trabalho desenvolvido.

    Por fim, cabe registrar a nossa satisfao de ver esse resultado divulgado na forma desse livro, cumprindo com o compromisso do Observatrio de transferir conhe-cimento para a sociedade e, dessa forma, oferecer subsdios para a atuao dos atores pblicos e agentes sociais na produo de polticas pblicas para a Regio Metropolitana de Curitiba comprometidas com o iderio da reforma urbana, possi-bilitando a construo de cidades mais justas e democrticas.

    Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro Orlando Alves dos Santos Junior

  • 13DinmicaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE cURiTiba

    SUMRIO

    3 Apresentao Rosa Moura/Olga Lucia C. de F. Firkowski

    11 Prefcio Luiz Csar de Queiroz Ribeiro/Orlando Alves Santos Junior

    Parte I - A internacionalizao da metrpole nos anos 1990/2000

    17 A internacionalizao da metrpole e os direitos humanosRosa Moura/Thas Kornin

    31 Consideraes sobre o grau de integrao da Regio Metropolitana de Curitiba na economia internacional e seus efeitos nas transformaes socioespaciaisOlga Lucia C. de F. Firkowski

    61 Paran: benefcios e custos do novo ciclo industrial Gilmar Mendes Loureno

    69 A economia paranaense e o mercado de trabalho nos anos 90Sandro Silva/Cid Cordeiro

    77 Globalizao, municipalidades e direitos: o impacto nas polticas sociais da Regio Metropolitana de CuritibaDenise Ratmann Arruda Colin/Marcos Bittencourt Fowler/Sandra Mancino

    89 Direitos humanos e globalizao nas regies metropolitanas do Mercosul: resultados das entrevistas na RMC Rosa Moura/Thas Kornin

    123 Situao dos direitos humanos na Regio Metropolitana de Curitiba - Depoimento Central de Movimentos Populares Luiz Herlain

    127 Mobilizao na RMC - Depoimento Movimento Nacional de Luta pela Moradia Hilma de Lourdes Santos

    Parte II - A metrpole transformada: primeira dcada dos anos 2000

    131 O espao metropolitano de Curitiba e a insero do Paran na diviso social do trabalho Rosa Moura

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    157 Localizao industrial e extenso urbana em Curitiba Olga Lucia C. de F. Firkowski

    175 Dinmica recente da economia e transformaes na configurao espacial da Regio Metropolitana de Curitiba.Daniel Nojima/Rosa Moura/Sandra Teresinha da Silva

    211 Regio Metropolitana de Curitiba: mudanas na estrutura socioespacial no perodo 1991-2000Paulo Delgado/Marley Vanice Deschamps

    233 Movimento pendular para trabalho na Regio Metropolitana de Curitiba: uma anlise das caractersticas de quem sai e de quem fica Marley Vanice Deschamps/Anael Cintra

    253 L e c: a mobilidade de trabalhadores de Colombo para CuritibaGislene Santos

    269 Ocupao urbana em rea de mananciais: anlise de densidade e ndice de ocupao como evidncias de um padro em consolidao nos municpios de Pinhais e Piraquara - Regio Metropolitana de CuritibaCristina de Arajo Lima/Milton Luiz Brero de Campos/ Maria Ins Terbeck

    295 Dinmica imobiliria na Regio Metropolitana de Curitiba: o mercado formal e informal e a estruturao da metrpoleGislene Pereira/Madianita Nunes da Silva

    315 Governana urbana: estudo sobre conselhos municipais da RMCEloise H. Hatschbach Machado/Josil R. Voidela Baptista/Thas Kornin

    341 Interesses em disputa em planos diretores da RMCAngela Seixas Pilotto/Jos Ricardo Vargas de Faria/Renato Rodrigues de Arajo

    363 A dimenso metropolitana nos planos diretores municipais da Regio Metropolitana de CuritibaLeandro Franklin Gorsdorf

    383 Sobre os autores

  • PARTE IA INTERNACIONALIZAO DA METRPOLE

    ANOS 1990/2000

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    Rosa Moura e Thas Kornin

    DinMicaS inTRaMETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO METROPOLiTana DE cURiTiba

    a InternacIonalIzao da MetrPole e os dIreItos HUManos

    Rosa MouraThas Kornin

    Durante o segundo semestre de 2002 e primeiro de 2003, na Regio Metropolitana de Curitiba (RMC), foram realizadas atividades de pesquisa e debates para avaliar os impactos do processo de internacionalizao da atividade econmica no contexto da insero do Brasil no fluxo de relaes globais. As anlises e debates aprofundaram-se na discusso dos efeitos desse processo na configurao socioespacial da aglomerao metropolitana, com nfase no cumprimento dos direitos sociais, culturais e econmicos de sua populao. Os produtos gerados, ainda inditos,1 so resgatados aqui, salientando-se que se mantm em sua composio original.

    As atividades realizadas atenderam a demandas do projeto Globalizao e Direitos Humanos nas Regies Metropolitanas do Mercosul, sob responsabilidade da Relatoria Especial sobre Moradia Adequada da Comisso das Naes Unidas sobre Direitos Humanos.2 O projeto visava analisar a situao dos pases que buscavam sua integrao no mercado internacional, procurando identificar os efeitos desse processo no cumprimento dos direitos econmicos, sociais e culturais, entre os quais o hbitat identificado como um indicador-sntese. Especificamente, o projeto objetivou uma leitura crtica das consequncias da globalizao econmica, com a finalidade de propor aes e polticas para conquistar um progressivo e completo cumprimento do direito moradia e demais direitos sociais. Estava previsto o estudo das cidades de Montevidu, Rosrio, Buenos Aires, Curitiba e Porto Alegre.

    Como subsdio local a esse projeto, no componente relativo RMC, foram realizadas as atividades de:

    1 Dessas atividades, foi publicada uma sntese dos resultados intitulada Internacionalizao da Regio Metropolitana de Curitiba: desigualdades socioespaciais e direitos humanos, elaborada por Rosa Moura e Thas Kornin, coordenadoras do trabalho na RMC, no livro de RIBEIRO, A.C.T et al. (2005).2 A autora complementa essa discusso no livro de IRAZBAL (2005).

  • a internacionalizao da Metrpole e os Direitos Humanos

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    a) levantamento de estudos, informaes e agentes relevantes no que concerne tomada de decises;

    b) anlise do processo de internacionalizao da RMC, a partir de textos elaborados por pesquisadores convidados a colaborarem no projeto, apresentados como artigos especficos desta parte do presente livro;

    c) seleo de entrevistados e aplicao de questionrio sobre as condies e os efeitos do processo de internacionalizao nos direitos humanos, cujos resultados compem artigo especfico no presente livro;

    d) realizao de workshop para apresentao temtica das etapas e implicaes do processo; para depoimentos quanto aos seus efeitos entre segmentos sociais de menor renda; para discusso e aprofundamento dos temas apresentados nos grupos de trabalho; e para a mobilizao de novos participantes, com a abertura de um frum de discusses sobre as questes bsicas do processo.

    As informaes resultantes dessas atividades, consubstanciadas em estudos e relatrios, foram apresentadas, debatidas e/ou reelaboradas no workshop Internacionalizao da Metrpole e os Direitos Humanos, realizado em setembro de 2002, em Curitiba, com o apoio do Ncleo de Direitos Coletivos e Difusos da Universidade Federal do Paran.

    O estreitamento de relaes entre as entidades e instituies participantes, e o envolvimento na temtica focada nos trabalhos, deram origem a um movimento organizado que mais tarde se consolidou como o Observatrio de Polticas Pblicas Paran. A sistemtica de atuao do Observatrio de Polticas Pblicas Paran e seus objetivos, que buscam aproximar e potencializar a organizao de informaes, a produo acadmica e os atores sociais, o credenciou a integrar a rede Observatrio das Metrpoles, a partir de 2003.

    Como introduo, e para que se tornem mais compreensveis os resultados da pesquisa, bem como os estudos temticos e os depoimentos que comporo os prximos artigos desta parte do livro, ser feita uma sntese da caracterizao da RMC no incio do ano de 2000. Com o mesmo fim, ser abordada brevemente a fora simblica da ideia de cidade-modelo, atribuda a Curitiba, operando no imaginrio urbano da populao com efeitos muito particulares nas formas de organizao e participao da sociedade no processo de planejamento e na implementao de polticas sociais. Por ltimo, sero apresentadas as concluses do trabalho, sumarizando os resultados de todas as suas atividades.

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    Rosa Moura e Thas Kornin

    DinMicaS inTRaMETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO METROPOLiTana DE cURiTiba

    a rMc na vIrada dos anos 2000

    A Regio Metropolitana de Curitiba foi institucionalizada em 1973, compondo-se de 14 municpios. De 1970 a 1991, sua populao cresceu de 869.837 para 2.003.015 habitantes, concentrando, respectivamente, 12,55% e 23,70% da populao do Estado. Em 2000, com desmembramentos dos municpios originais e insero de novos municpios vizinhos, todos de pequeno porte, a regio passou a agregar 26 municipalidades e atingiu 2.768.394 habitantes, passando a responder por 28,95% da populao paranaense. Diferentemente de outras regies metropolitanas, o arrefecimento insinuado quanto ao crescimento das metrpoles durante os anos 80 no se confirmou nos anos 90 e, assim, a RMC, com taxa superior a 3% a.a. entre 1991 e 2000, ainda maior que a da dcada anterior (de 2,91% a.a.), segue sendo uma das regies metropolitanas com o mais expressivo crescimento populacional no Brasil.

    Curitiba, j na dcada de 1970, supera a casa de 1 milho de habitantes. Sua dinmica de ocupao transcendeu os limites territoriais do municpio, ainda nessa dcada, configurando uma aglomerao bastante heterognea, no que concerne integrao dos municpios dinmica metropolitana.

    O impacto inicial do crescimento populacional e da intensificao no uso do solo metropolitano foi simultneo implementao de um processo ininterrupto de planejamento urbano em Curitiba. Tendo a norma e o mercado imobilirio a seu favor, esse planejamento induziu o crescimento da ocupao para reas perifricas internas e principalmente externas aos seus limites administrativos. O planejamento, restrito competncia legal peculiar do municpio, pde organizar o espao intraurbano, investindo em intervenes urbansticas que garantiram eficcia na implementao de sua estratgia e na aplicao de seus instrumentos, a despeito da densificao da pobreza em suas fronteiras poltico-administrativas.

    Nos anos 70, quando se iniciou o extravasamento do polo metropolitano por sobre municpios limtrofes, alm da poro sul de Curitiba, as reas que mais cresceram foram as fronteirias, nos municpios vizinhos, permanecendo ntidos vazios entre estas e as sedes municipais, formando um desenho de insularidade. Pores dos municpios de Colombo, Piraquara, Almirante Tamandar, Araucria e Campo Largo passaram a compor a mancha contnua de ocupao (figura 1).

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    Nos anos 80, o crescimento das reas perifricas internas de Curitiba prosseguiu com taxas geomtricas anuais superiores mdia da RMC, e extremos ocorrendo nos bairros da Cidade Industrial de Curitiba (19,69% a.a.) e Stio Cercado (10,18% a.a.). Prosseguiu tambm o crescimento elevado das reas fronteirias em Mandirituba (poro onde atualmente situa-se o municpio de Fazenda Rio Grande), com taxa de 15,42% a.a., e So Jos dos Pinhais, com 13,01% a.a., em situaes extremas de crescimento, alm de Almirante Tamandar, Colombo, Quatro Barras e Campina Grande do Sul, todos com taxas superiores ao dobro da mdia regional, ampliando a extenso do crescimento da rea de ocupao contnua.

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    No perodo 1991-2000, as maiores taxas de crescimento incidem sobre as mesmas reas internas ao municpio de Curitiba, sendo que o Stio Cercado apresenta a maior taxa (15,33% a.a.), influenciada por um dos nicos programas habitacionais de grande envergadura ofertado pelo municpio. Na rea metropolitana, Fazenda Rio Grande (10,90% a.a.) e Piraquara (9,89% a.a.) representam situaes extremas, porm Itaperuu, Campina Grande do Sul, Campo Magro, Almirante Tamandar, Quatro Barras, So Jos dos Pinhais e Colombo seguem crescendo com taxas superiores a 5% ao ano.

    Em 2000, a RMC j apresenta uma extenso da mancha contnua de ocupao, incorporando as sedes municipais da maioria dos municpios vizinhos, e pores de municpios mais distantes. Os fatores que provocam e viabilizam a ocupao dessas reas sintetizam-se em: a) intervenes urbansticas e o controle da administrao municipal associados ao planejamento urbano de Curitiba, que serviram tanto para valorizar o solo quanto para conter os efeitos negativos da ocupao no interior do municpio; b) a lgica do mercado na aquisio da moradia, tendo como contrapartida a legislao flexvel dos municpios vizinhos e a oferta de terras pela iniciativa privada muitas vezes em reas de mananciais parceladas antes da Lei Federal 6.766/76 , colocando-se como opes a um segmento de populao trazido pelo xodo rural, financeiramente desfavorecido; c) o sistema de transporte coletivo, que sustenta a ligao do polo com o entorno imediato, cortando a cidade em vrios eixos estruturais lineares a partir do centro, e percorrendo reas at hoje em grande parte desocupadas. Esses eixos foram contemplados com ampla rede de infraestrutura e servios, e controlados por uma legislao de uso do solo que, voltada a incentivar o seu adensamento habitacional, acabou por valorizar os imveis vizinhos, inibir a ocupao e criar reas nobres permeadas por grandes vazios (MOURA, 2001; OLIVEIRA, 2000).

    Surgem assim as cidades-dormitrio, desprovidas de estrutura para atrao de atividades econmicas, muitas vezes tendo como stio mananciais de abastecimento hdrico, em princpio restritivos a essa atrao, e cuja arrecadao financeira insignificante, resultante de atividades menos nobres, reduz as condies de atendimento demanda crescente que se instala, mal permitindo responder s exigncias mnimas de sobrevivncia de seus moradores. Isso faz com que sejam criados espaos socialmente diferenciados: Curitiba se aprimora na oferta de servios modernos e de qualidade, em atividades complexas e altamente rentveis, compatveis com sua populao seleta, enquanto a grande maioria dos municpios da periferia desempenha funes secundrias.

    Essa situao se agrava com o processo de internacionalizao da economia da regio, cujas estratgias desenvolvidas provocaram o acirramento das desigualdades

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    sociais e, ao mesmo tempo, a concentrao territorial em poucos municpios, aprofundando a heterogeneidade interna tanto na regio quanto no mbito do Estado do Paran, dado o ntido favorecimento da RMC em detrimento das demais regies paranaenses.

    Analisando o desempenho dos municpios sob a tica da participao na renda da economia, percebe-se uma forte concentrao (43,043%) do valor adicionado fiscal (VAF) total do Estado em 2000 na RMC. Curitiba respondia por 19,892% do VAF do Paran; dos demais municpios, Araucria respondia por 10,992% e So Jos dos Pinhais por 5,411%, perfazendo 38,107% a participao dos demais municpios muito prxima ou inferior a 1%.

    Essa concentrao da renda se faz refletir na evidente heterogeneidade dos indicadores sociais entre os municpios. Em 2000, 121.990 domiclios da RMC (15,5% do total) possuam chefes com renda de at 1 salrio mnimo, sendo 12,46% dos domiclios de Curitiba e mais de 50% dos domiclios de alguns dos municpios do entorno mais distante, o que torna ntida a desigualdade socioespacial partindo do polo. O mesmo se reproduz nas condies de moradia, particularmente na qualidade do domiclio e no saneamento bsico (IPARDES, 2003a).

    Sob a tica do ndice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), a RMC possua municpios entre os 20 do Paran com os maiores ndices em 2000 (Curitiba, com 0,856, e Pinhais, com 0,815), e entre os 20 com os piores ndices no Estado (Doutor Ulysses, com 0,627, e Itaperuu, com 0,675). Dos 26 municpios da RMC, 16 apresentavam esse ndice abaixo do brasileiro, que de 0,764 (IPARDES, 2003b).

    Sob os efeitos do processo de internacionalizao da economia, a ocupao seletiva que formatou o espao metropolitano de Curitiba tornou-se mais acentuada. Ademais, passou a agregar um diferencial: atualmente, as classes de rendimento mdio e alto esto optando pelas mesmas reas perifricas, at ento redutos da populao de menor renda, atradas pela oferta de condomnios de luxo, perfeitamente conectados a Curitiba. Nas periferias tambm se localizam os novos distritos industriais que conformam o polo automotivo do Estado do Paran, alm de grandes empreendimentos comerciais, empresariais e de servios. Porm, as municipalidades menos dinmicas no se encontram capazes de responder s exigncias de modernizao colocadas por esses empreendimentos, quanto aos padres de competitividade e atratividade s atividades modernas, permanecendo excludas do processo, abrigando a populao pobre e as atividades segregadas.

    Diante desse cenrio, que benefcios a prtica de incentivos e os novos objetos urbanos trouxeram para a Regio Metropolitana, ou qual seu custo para o desenvolvimento desse espao? De que maneira foram adequadas as polticas

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    pblicas s novas dinmicas introduzidas por esse processo? E que posio tem a sociedade quanto ao respeito por seus direitos sociais, econmicos e culturais? Essas questes buscaram respostas nas entrevistas e nos estudos que compem os temas subsequentes, que abordam: os efeitos da internacionalizao na economia e mercado de trabalho; as estratgias de atrao de novos investimentos e os impactos na economia; a transitoriedade, os efeitos sociais, as transformaes espaciais e as implicaes ambientais dos novos investimentos; as polticas pblicas, a participao e o impacto desse projeto de internacionalizao nas polticas sociais e nos direitos humanos.

    importante salientar que a integrao da regio na economia internacional consolidou a ascenso da capital paranaense da condio de grande cidade condio de metrpole. Essa condio vinha sendo cuidadosamente construda na formatao da imagem de Curitiba como cidade modelo estratgia que, pelo reconhecimento nacional e internacional, e pelos efeitos que provoca entre os demais municpios da RMC, merece uma anlise breve.

    ciTy MaRKETing e PartIcIPao socIal eM cUrItIba e rMc

    A construo do modelo-Curitiba faz parte das estratgias fundamentais de seu processo de planejamento, sustentadas por um poder simblico representativo de posies e interesses determinados. Sua abordagem da realidade seletiva, privilegiando segmentos sociais, o que impede que se ativem as foras diversas da sociedade.

    A reproduo simblica e parcial das relaes entre segmentos da sociedade acaba produzindo, pelo exerccio do poder, uma realidade virtual que se coloca como verdadeira.

    Segundo Irazbal (2002),3 Curitiba um exemplo do uso da mdia para consolidar a imagem da cidade e o senso de pertencimento dos cidados. Ademais, a dissemi- nao de uma imagem particularizada da cidade como sendo de seu todo , criando um imaginrio urbano hegemnico, afeta as condies de percepo crtica das mensagens repassadas pela mdia, desencorajando o dissenso, o contraditrio, ou a justaposio de imagens alternativas que melhor se ajustem a individualidades ou identidades de grupos (IRAZBAL, 2002, p. 121).

    3 A autora aprofunda os estudos referentes construo da imagem de Curitiba, especificamente no que concerne atrao de capitais para a constituio do polo automotivo, na publicao SNCHEZ GARCIA, F. (2003).

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    A imagem de Curitiba como cidade-modelo foi erigida j no incio dos anos 70, poca do chamado milagre econmico, durante o regime militar. A cidade foi escolhida enquanto vitrine urbana do Brasil desenvolvido e moderno (SNCHEZ GARCIA, 2001).4 Acompanhando as tendncias temticas de valorizao internacional, a cidade passou a ser reconhecida, primeiramente, como modelo de planejamento urbano, dada a eficcia do planejamento adotado pelo municpio, que permitiu direcionar a populao pobre para a periferia externa da cidade, salvaguardando os indicadores de qualidade de vida internos ao municpio. A imagem atribuda cidade apresenta e legitima um conjunto de aes urbansticas com uma associao a representaes de inovao, modernidade, eficincia, simplicidade e baixo custo e preocupao com o meio ambiente (SNCHEZ GARCIA, 2001). So representaes que acompanharam as intervenes nas reas de transporte coletivo, uso do solo e preservao do patrimnio, a partir das quais se destaca Curitiba como cidade planejada.

    A representao de uma cidade exitosa, fundamental para a sustentao do modelo, transformou Curitiba em marca nacional e internacional da modernidade urbana. Essa representao esconde por detrs dos lugares-comuns emblemticos e ufansticos, uma imagem urbana que foi construda e reconstruda ao longo de quase trs dcadas e que influenciou marcadamente a identidade coletiva assim como a apropriao social dos espaos da cidade (SNCHEZ GARCIA, 1997, p. 23). A produo bem-sucedida dessa imagem, que fortalece o orgulho cvico e a lealdade ao lugar, vem-se oferecendo como grande contribuio ao empresariamento urbano na economia globalizada.

    Assim, alm de ser inquestionvel internamente, Curitiba tambm conquistou um grau de visibilidade internacional indiscutvel, projetando-se no espao de disputa e de oportunidades do mundo globalizado. Sucessivas adaptaes do modelo foram implementadas visando capacitar a cidade para a competio interurbana, elaborando uma imagem de cidade inserida internacionalmente, tornando-a atrativa ao capital que busca se localizar. Cada referncia internacional ao projeto, particularmente as advindas de organismos multilaterais, motivo de mobilizao da mdia para revitalizao do orgulho dos moradores.

    Nos anos 90, o governo municipal intensificou o marketing da cidade, em mltiplas e simultneas escalas, no apenas a local, regional ou nacional, mas tambm com forte insero no cenrio internacional. Foram recuperadas, seletivamente, as snteses

    4 A autora aprofunda os estudos referentes construo da imagem de Curitiba, especificamente no que concerne atrao de capitais para a constituio do polo automotivo, na publicao: SNCHEZ GARCIA, F. A Reinveno das cidades para um mercado mundial. Chapec, Argos, 2003.

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    cidade modelo, cidade humana, cidade eficiente e vivel, cidade planejada e introduzidas as de capital ecolgica, capital da qualidade de vida, capital brasileira de Primeiro Mundo, sem implicar em rupturas incisivas na estrutura bsica que organiza o fundo de percepes socialmente compartilhadas desde a dcada de 1970. Segundo Snchez Garcia, essas imagens construdas para acompanhar processos materiais de renovao urbana so decisivas na produo da cidade-mercadoria e, consequentemente, na forma como entendido o protagonismo da gesto urbana local. Esse complexo processo cria um consenso vigorosamente utilizado na consolidao de um projeto de cidade e na sua venda a um mercado internacional de cidades. Segundo Snchez Garcia (2001, p. 112-113),

    a perspectiva evolucionista do discurso oficial veiculado na mdia todas as cidades podem ser como Curitiba um dia cristaliza os parmetros simblicos e materiais da cidade que deu certo e indica um projeto para o Brasil urbano, como se fosse possvel reproduzir as condies histricas, sociais, polticas e econmicas de efetivao do projeto urbano de Curitiba em qualquer outra cidade. Esta perspectiva, precria sob o ponto de vista analtico, mostra-se ideologicamente eficiente pois consegue criar expectativas uniformizadoras, ao mesmo tempo em que desqualifica outros projetos de cidade ou orientaes alternativas das polticas urbanas. () Cabe dizer que a cidade foi transformada de teatro ou cenrio de encontro, elementos presentes na imagem dos anos 70, em espetculo multimdia dos anos 90, cuja audincia privilegiada no se encontra mais apenas posta nos habitantes locais mas, simultaneamente, no pas e no mundo.

    Curitiba antecipou o que hoje se torna lugar-comum na elaborao das polticas urbanas: a adoo dos princpios e das prticas do planejamento estratgico de cidades. Deliberadamente, foi construdo um projeto de cidade que colocou Curitiba no mapa do mundo (SNCHEZ GARCIA, 2001), tornou-a atrativa e desenhou sua competitividade, atribuindo ao voluntarismo e ousadia dos responsveis polticos o sucesso pela articulao economia global (COMPANS, 1999), como em tantos projetos similares ao redor do mundo. Um projeto que seduz pelo fato de vir revestido de uma aura progressista, de assumir-se como resultante de um desejo coletivo urbano, que se apoia no urbanismo e oficializa a cidade espetculo, transformando o cidado em um espectador (SNCHEZ GARCIA, 1997).

    Diante dessa imagem incontestvel

    de uma cidade como um lugar cujos problemas esto solucionados, muitos curitibanos no tm se tornado agentes ativos no desenvolvimento da cidade. Eles tm se limitado ao papel passivo de meros receptores de servios ofertados ou commoditizados. O city marketing construiu um cidado orgulhoso, porm acrtico, sem conscincia da responsabilidade social que d suporte ao status quo da estrutura de poder e das classes dominantes. (IRAZBAL, 2002, p. 121)

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    A gesto do prefeito Cassio Taniguchi (2001-2004), do PFL, reeleito aps cumprir um primeiro mandato de 1997 a 2000, para manter-se frente desse projeto e ciente das presses e rupturas que o modelo vem sofrendo, no mais to imperceptveis ao senso comum , aprimora o uso dos mecanismos de construo da imagem e da engenharia do consenso na renovao do discurso. J no suficiente a construo de produtos urbansticos ou o desenvolvimento de aes pontuais e de efeito, associando o marketing com a estruturao fsico-territorial, para sustentar a produo simblica da cidade. O peso das contradies metropolitanas e as exigncias de insero na reestruturao e internacionalizao da economia obrigam o discurso a absorver a integrao regional como prioridade. Como apoio efetivao das estratgias de reestruturao econmica, reforada a poltica de marketing urbano, agora no restrita a Curitiba, mas incluindo a Regio Metropolitana nos slogans. O modelo hegemnico interpenetra na rea metropolitana, selecionando vetores de maior competitividade e mais agilidade em incorporar e reproduzir o projeto dominante. Sua base discursiva evita transparecer a inteno implcita no programa: criar mecanismos que apenas estendam prticas locais, projetos urbansticos, servios, sem contemplar verdadeiros pactos intermunicipais (MOURA, 2001).

    Ao mesmo tempo, a capital ecolgica cede lugar capital social marca impingida cidade durante o processo eleitoral para escolha do prefeito de Curitiba para a 2001/2004, momento em que o modelo foi posto prova (MOURA; KORNIN, 2001). Independentemente do resultado das urnas, o antagonismo, a pluralidade de posies e os comportamentos peculiares entre os candidatos permitiram que fosse instaurado um debate que, no conjunto, acabou por fazer uma leitura crtica do consenso sobre sua eficcia. O discurso da oposio deixou textual a urgncia de polticas pblicas de cunho social que viessem a dar conta das demandas desatendidas que ameaavam a qualidade de vida do polo metropolitano. Seu discurso tambm destacou a necessidade da participao cidad, no aquela do mero espectador que referenda decises que lhe so impostas, mas a do verdadeiro cidado, com livre direito reflexo e crtica, despertando para compromissos e responsabilidades.

    Dessa forma, entraram em cena as fragilidades do modelo e, portanto, do projeto, evidenciando a distino fundamental existente entre sistemas simblicos produzidos e apropriados pelo coletivo e aqueles produzidos por um corpo de especialistas (...) (BOURDIEU, 1989, p. 11), caso em que no tardam a aflorar contradies como prenncios do esgotamento da eficcia do discurso e da aceitao da imagem, mostrando que novos nexos espaciais e um tecer de complexidades entre foras e interesses da diversidade dos agentes tendem a desconstruir o mito.

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    O esgotamento do modelo-Curitiba e do efeito esmorecedor do consenso sobre a sua eficcia ficaram explcitos no argumento dos entrevistados. Eles apontam que os projetos sociais e prticas executadas para o cumprimento de uma agenda social formal esto descolados de uma preocupao de impacto positivo no atendimento aos direitos sociais da populao local. Muitas vezes so de fato componentes de uma estratgia de marketing social.

    conclUses dos trabalHos

    Uma sntese das concluses a que chegaram as anlises realizadas no mbito do projeto mostra que a Regio Metropolitana de Curitiba, nesse momento de insero na economia internacional, utilizou mecanismos similares e sofreu efeitos tambm similares aos de outras regies metropolitanas que viveram o mesmo processo. Essa constatao frustra as expectativas de que uma cidade considerada modelo em planejamento, gesto e ateno ambiental estaria a salvo de tais contradies.

    A capacidade de Curitiba em aderir ao projeto de internacionalizao da economia apoiou-se na presena de vantagens comparativas e nas concesses fiscais e fsicas ofertadas nos pactos e negociaes da guerra fiscal que conduziu o processo. Os custos relacionados aos direitos sociais, econmicos e culturais tambm se reproduziram e foram imediatamente sentidos pela sociedade esta, capaz de pensar e oferecer alternativas de mudana.

    A compreenso que se extrai da anlise dos especialistas, de depoimentos, entrevistas e debates realizados na RMC de que o projeto de internacionalizao, consubstanciado em um simples programa de atrao de investimentos, trouxe benefcios no mbito de oportunizar negcios locais, atrair capitais e mo-de-obra qualificada, proporcionar modernizao tecnolgica e da infraestrutura, e dar maior visibilidade nacional e internacional regio. Mas trouxe prejuzos, particularmente por estar fundado em componentes de renncia fiscal, nocivos no mbito da arrecadao pblica, e por discriminar pequenos e mdios empreendedores locais, desestruturando a base econmica original da regio (MENSAGEM, 2002).

    Os acordos estabelecidos escaparam transparncia nas decises, discusso de estratgias com a sociedade, isonomia tributria, estabelecimento de compromissos com as empresas transnacionais que se instalam na regio, no sentido de obter contrapartidas ou respeito s prioridades sociais. Dessa maneira, resultaram em privilgios dirigidos a alguns segmentos econmicos e no descaso para com a coletividade metropolitana, desfavorecendo os direitos humanos. De fato, no houve a definio de polticas sociais, capazes de atender s demandas

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    criadas pela rpida transformao do espao metropolitano, particularmente quanto aos impactos ambientais e sociais e presso sobre os servios pblicos e o uso do solo.

    No caso da moradia, o impacto negativo da submisso das prticas de oferta de habitao s lgicas de mercado, excludentes da populao de baixa renda ou sem rendimento, fez com que aumentasse o nmero de assentamentos informais e favelas, a periferizao em reas mais distantes, assim como a ocupao de reas imprprias, ambientalmente vulnerveis, aflorando o conflito ambiente/sociedade. Como ao extremada, passou a ocorrer uma espcie de negociao intermunicipal em processos de relocao de comunidades assentadas em reas pblicas ou privadas, com base em acordos que desconsideram os moradores, configurando-se em verdadeiras vendas de famlias entre municpios. Evidenciou-se um apartheid socioespacial, no qual os crescentes segmentos sem acesso aos benefcios da internacionalizao ficaram confinados nas periferias da RMC. A incluso dos moradores dessas reas s se deu (quando se deu) por meio de sua fora de trabalho, em momentos em que ela foi necessria ao mercado, sem vnculos, e efemeramente.

    Diante dessa realidade, tornou-se enftica a necessidade de implementao imediata dos instrumentos de gesto democrtica do Estatuto da Cidade, tendo como princpios que a gesto do territrio e a prtica econmica so indissociveis; que imprescindvel a opo por mecanismos e instrumentos que garantam a gesto urbana participativa e articulada no mbito metropolitano; e que h que se distinguir as escalas de gesto, os diferentes atores, e promover a sua articulao, assegurando direitos igualitrios.

    Da mesma forma, os estudos, entrevistas e debates ressaltaram a urgncia da retomada da promoo de polticas pblicas pelo Estado, tendo como princpio a ponderao entre interesses privados e interesses sociais, e como objeto o mbito regional de gesto, praticando a articulao intermunicipal na definio de polticas e prioridades.

    De modo geral, ficou clara a necessidade de que a discusso dos direitos humanos transponha o mbito jurdico, da ateno pela lei, e ganhe espao no mbito da discusso poltica, j que no bastam instrumentos se no houver sujeitos sociais verdadeiramente emancipados para acompanhar e controlar seu uso. Nesse mbito, cabe ainda ser aberta uma reflexo quanto ao peso do mercado na definio do fundamento dos direitos, incluindo os direitos humanos fundamentais, j que, historicamente, e de forma mais drstica no atual processo de globalizao, os direitos guardam estreita relao com a condio de solvncia dos cidados (KURZ, 2003).

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    DinMicaS inTRaMETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO METROPOLiTana DE cURiTiba

    REFERNCIAS

    BOURDIEU, P. O poder simblico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

    COMPANS, R. O paradigma das global cities nas estratgias de desenvolvimento local. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Campinas: ANPUR, n. 1, p. 91-114, maio/dez. 1999.

    IPARDES. Indicadores e mapas temticos para o planejamento urbano e regional. Curitiba: IPARDES, 2003a. 1 CD-ROM.

    IPARDES. ndice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) 2000: anotaes sobre o desempenho do Paran. Curitiba: IPARDES, 2003b. Disponvel em . Acesso em: fev. 2003.

    IRAZBAL, C. City Making and Urban Governance in the Americas. Curitiba and Portland. Aschgate: University of Southern California, 2005

    IRAZBAL, C. Curitiba and Portland: architecture, city marketing, and urban governance in the era of globalization. Berkeley, 2002. 435p. Tese (Doutorado), University of California, Berkeley, 2002.

    KURZ, R. Paradoxos dos direitos humanos. Folha de So Paulo. 16 mar. 2003. Mais!, p. 9-11.

    MENSAGEM da Regio Metropolitana de Curitiba para a Relatoria Especial sobre Moradia Adequada da Comisso das Naes Unidas sobre Direitos Humanos. Curitiba, 2002. Elaborada no workshop Internacionalizao da Metrpole e os Direitos Humanos, promovido pelo Ncleo de Direitos Coletivos e Difusos da UFPR, setembro 2002.

    MOURA, R. Os riscos da cidade-modelo. In: ACSELRAD, H. (Org.) A durao das cidades: sustentabilidade e risco nas polticas urbanas. Rio de Janeiro: DP & A/CREA-RJ, 2001.

    MOURA, R.; KORNIN, T. (Des)construindo o discurso eleitoral: o primeiro turno das eleies municipais majoritrias em Curitiba no ano 2000. Revista de Sociologia Poltica. Curitiba: UFPR/SCHLA, n. 16, p. 67-95, jun. 2001.

    OLIVEIRA, D. Curitiba e o mito da cidade modelo. Curitiba: Ed.da UFPR, 2000.

    RIBEIRO, A.C.T.; TAVARES, H.M.; NATAL, J; PIQUET, R. (Org.) Globalizao e Territrio. Ajustes Perifricos. Rio de Janeiro: Arquimedes : IPPUR, 2005, p.155-190.

    SNCHEZ GARCIA, F. A reinveno das cidades para um mercado mundial. So Paulo: s.n., 2001. Tese (Doutorado), Universidade de So Paulo (FFLCH), 2001.

    SNCHEZ GARCIA, F. A reinveno das cidades para um mercado mundial. Chapec: Argos, 2003.

    SNCHEZ GARCIA, F. Cidade espetculo: poltica, planejamento e city marketing. Curitiba: Ed. Palavra, 1997.

  • Olga Lcia C. de F. Firkowski

    31DinmiCaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE CURiTiba

    CONSIDERAES SOBRE O GRAU DE INTEGRAO DA REGIO METROPOLITANA DE CURITIBA NA ECONOMIA INTERNACIONAL E SEUS EFEITOS NAS TRANSFORMAES SOCIOESPACIAIS

    Olga Lcia C. de F. Firkowski

    O presente texto tem por objetivo contribuir para as reflexes acerca das relaes entre o processo de internacionalizao de Curitiba e as transformaes socioespaciais ocorridas a partir dos anos 90, sobretudo aps a localizao de importantes indstrias do setor automotivo e seus fornecedores, que contriburam para o desencadeamento de significativas mudanas nos demais setores econmicos, particularmente no mbito dos servios especializados e do comrcio, com forte participao de capitais internacionais.

    A relao entre dois conjuntos de fatores pode ser considerada na explicao de tais transformaes: o primeiro se relaciona ao processo interno de produo de uma imagem positiva da cidade, cujo planejamento urbano teria produzido uma cidade diferente, com uma atratividade diretamente relacionada s iniciativas de interveno urbana que se acumularam desde a dcada de 1960 e tomaram o rumo do urbanismo de exaltao1 no incio da dcada de 1990; o segundo se relaciona atratividade que Curitiba passou a ter aps a fase recente de implantao de importantes indstrias no aglomerado metropolitano, o que desencadeou a implantao de distintas atividades relacionadas aos servios, s novas indstrias e s pessoas a elas ligadas.

    Como resultado dessa conjugao, Curitiba passou a se destacar como lugar privilegiado de negcios, e, consequentemente, uma srie de novas atividades passaram a se implantar, motivadas pela perspectiva de conciliao entre o desenvolvimento de atividades econmicas dos mais variados tipos e a qualidade de vida, produto supostamente abundante em Curitiba e raro nas metrpoles brasileiras.

    1 Urbanismo de exaltao na medida em que as realizaes desse perodo voltaram-se prioritariamente esttica da cidade e exaltao de suas qualidades, criadas por meio do city marketing.

  • Consideraes Sobre o grau de integrao da Regio metropolitana de Curitiba...

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    Do mesmo modo, essas atividades emergentes possibilitam uma maior especializao dos servios e comrcio, na perspectiva de inserir Curitiba no conjunto das cidades melhor equipadas e aptas a dar continuidade ao processo de atrao de novas atividades, numa relao cclica. Igualmente, tais atividades permitem que se apreenda uma transio importante, qual seja, a constituio da metrpole.2

    A metrpole revela-se no s a partir de uma outra dimenso da vida urbana mas tambm de uma forma urbana desconcentrada.

    Tal transio no se faz apenas a partir da vontade estabelecida pela cidade, que poderamos identificar como a vontade de agentes locais, os quais em Curitiba tiveram relevante peso no processo de transio. Toda ao local, notadamente no mbito do planejamento e promoo da cidade, s se materializou enquanto transformaes concretas quando a cidade se fez interessante aos grandes capitais internacionais, desencadeados primeiramente pela chegada das montadoras de veculos, ao que se seguiram importantes redes de comrcio e servios, entre outros.

    Portanto, a condio de cidade planejada, metrpole de Primeiro Mundo, cidade-modelo, por si s no foi capaz de desencadear o surgimento de atividades especializadas. Foi capaz, isto sim, de criar uma certa aura de contemplao em relao s aes postas em prtica em Curitiba, mas isso no foi suficiente para transformar a cidade em sua relao com a rede urbana brasileira, tampouco torn-la atrativa no que concerne s novas atividades econmicas.

    Assim, Curitiba seguiu sendo uma cidade interessante, com solues urbanas festejadas, porm compatveis com seus nveis de problemas ainda no verdadeiramente metropolitanos, o que tornava menos complexas suas possibilidades de soluo.

    A medida exata de influncia dos agentes locais na inaugurao de uma nova dinmica industrial difcil de ser determinada, na medida em que os incentivos fiscais oferecidos pelo governo estadual s montadoras parecem ter feito, estes sim, a grande diferena. certo, contudo, que Curitiba apresenta-se bastante atraente s classes mdia e alta, em virtude da seletividade espacial resultante de seu processo

    2 No caso brasileiro, adicionado um componente suplementar: a difcil tarefa de distinguir, por si s, a cidade da metrpole. Trata-se da instituio, por meio de legislao, em 1973, das Regies Metropolitanas. Tal legislao, na origem, foi alm da definio de um contedo metropolitano, para apontar no texto da Lei quais eram os conjuntos de municpios que comporiam as nove Regies Metropolitanas. Desse modo, as cidades eleitas para encabear suas respectivas Regies Metropolitanas ganharam o status de metrpole sem que isso expressasse, em vrios casos e o de Curitiba acreditamos ser um deles , uma dimenso urbana verdadeiramente metropolitana. Por fora dessas circunstncias, Curitiba e outros 13 municpios vizinhos a minoria em processo de conurbao , com pouco mais de 800 mil habitantes, transformaram-se na Regio Metropolitana de Curitiba.

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    33DinmiCaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE CURiTiba

    de planejamento, em que se percebe o lugar ocupado pelas diferentes classes sociais, nitidamente definido, revelando condies favorveis ao bom desempenho e lucratividade dos novos negcios, como expresso na revista Exame de maio de 2000. Nesta, afirma-se que Curitiba ocupa o pdio, ou seja, o primeiro lugar no ranking das melhores cidades brasileiras para se fazer negcios, em razo de sua qualidade de vida, de seu potencial de consumo e do nvel de escolaridade da populao; afirma-se, na mesma reportagem, que tal qualidade de vida reverte-se a favor da cidade como um diferencial importante para a atrao de investimentos.

    Apenas em meados da dcada de 1990, quando se deu a associao entre a ao local e a chegada dos grandes capitais internacionais, Curitiba passou a ter uma visibilidade distinta, com trunfos verdadeiramente capazes de inseri-la no rol das cidades que jogam papel relevante no cenrio econmico nacional, deixando sua posio de cidade economicamente passiva-contemplativa e passando posio de metrpole ativa-competitiva.

    A partir de ento, o mercado local passou a ter relevncia, sob as mais diversas perspectivas, pois seu perfil se modificou, na perspectiva do apontado por Merenne-Schoumaker (1998, p.6), de que, diferentemente do que ocorria at as dcadas de 1970/1980, os novos servios metropolitanos se dirigem menos s pessoas comuns e mais s empresas e, obviamente, s pessoas a elas relacionadas, como os executivos.

    Para Merenne-Schoumaker (1998), a partir de meados da dcada de 1980 o termo metrpole readquire seu significado, abalado que esteve pelos anos de vigorosa crise na Europa, quando se deu certa estagnao, quer em relao ao tamanho das metrpoles quer em relao s suas atividades econmicas. Assim, o termo metrpole

    cada vez mais associado a uma grande cidade de servios, a uma cidade que abriga as atividades de comando e desempenha um papel de centro para um territrio exterior mais ou menos vasto. Paralelamente emergem as funes metropolitanas que j no englobam s, como nos anos sessenta, os servios populao, mas dizem respeito principalmente aos servios s empresas tanto a montante (pesquisa, concepo, inovao...) como a jusante (marketing, comercializao, comunicao...). (MERENNE-SCHOUMAKER, 1998, p.6)

    Os trunfos j existentes em Curitiba, notadamente aqueles que se estabeleceram aps a implementao de seu planejamento urbano, os quais j revelavam a inteno de fazer a cidade presente no contexto urbano nacional e internacional, devem ser vistos como estratgias de criar condies de diferenciao entre Curitiba e outras cidades. Portanto, a transformao atual tem estreita ligao

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    com as aes anteriores (dcadas de 1970 e 1980), que de certa forma criaram as condies propcias para as alteraes contemporneas, sem contudo serem suficientes para garantir que elas alcanariam a concretude que hoje se observa.

    Para Rochefort (1998, p. 57), a iniciativa local tem peso decisivo na criao das condies capazes de transformar a cidade em metrpole, na medida em que, diz o Autor, quase sempre na escala dos atores municipais que se atam as relaes com os dirigentes econmicos e que se pode assim encontrar e casar as estratgias dos empresrios com os interesses das cidades. (...) dessa capacidade de provocar convergncias depender em muito o futuro das cidades e seu eventual acesso categoria de metrpole. A iniciativa local deve ser capaz de vender a cidade, ... [no sentido] de fazer conhecer, por um recurso adequado aos meios de comunicao modernos, os diferentes trunfos da sua cidade.

    A tarefa de construir uma imagem foi desempenhada com sucesso em Curitiba, haja vista a imagem criada acerca de sua qualidade de vida e de seus diferenciais urbanos em meio a uma realidade urbana de pas subdesenvolvido.

    Os pressupostos da transformao de Curitiba em metrpole, do ponto de vista das aes locais, tornam-se ntidos quando observamos o quadro citado por Merenne-Shoumaker (1998, p. 7) denominado os Dez mandamentos da metropolizao. Nele encontramos uma estreita relao entre os itens propostos e Curitiba, reforando a proposio de que foi a partir da dcada de 1990 que de fato Curitiba se transforma em metrpole, inserindo-se em uma nova discusso acerca das metrpoles do final do sculo XX, com nfase na competitividade, como ser tratado adiante.

    A dcada de 1990 apresenta-se como marco pois, a partir de ento, os trunfos locais passam a se materializar por meio de investimentos, no s do setor industrial, sem dvida os mais vultosos, mas sobretudo dos servios voltados s empresas e ao novo mercado constitudo pelas empresas, pelos novos habitantes da cidade, que demandam servios globalizados, e pelo fluxo de executivos e profissionais especializados que se intensifica.

    Assim, desencadeou-se um processo de internacionalizao de vrios setores de atividades, at ento tipicamente locais, com destaque para os supermercados e hipermercados, hotis, agncias de publicidade, entre outros, que sero analisados posteriormente.

    Analisando os dez mandamentos da metropolizao (quadro 1), podemos destacar de modo resumido que as metrpoles de hoje devem articular de forma eficiente e Curitiba o fez: a) a criao de uma nova imagem urbana, e nisso

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    35DinmiCaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE CURiTiba

    Curitiba parece se destacar, com o uso de um pesado marketing urbano; b) os investimentos em acessibilidade, no s com a modernizao do Aeroporto Afonso Pena, como tambm pela duplicao das rodovias de ligao a So Paulo e ao sul do pas, ambas tendo como executor financeiro o governo federal; c) a estrutura espacial metropolitana que, guardados os seus limites, j se fazia presente desde a implantao da Regio Metropolitana, na dcada de 1970; d) a funo de exceo, revelada por suas tecnologias urbanas que redundaram numa suposta excelente qualidade de vida; e) a capacidade de gerir grandes acontecimentos, particularmente relacionados s tecnologias urbanas anteriormente referidas, no que Curitiba tem-se destacado como local de realizao de importantes eventos internacionais, alm de criar mecanismos de atrao de novos eventos, os quais sero especificados adiante; f) a noo de que Curitiba teria atingido um ponto tal de excelncia urbana e qualidade de vida (massa crtica) capazes de desencadear a continuidade e o sucesso dos empreendimentos realizados.

    QUADRO 1 - OS DEZ MANDAMENTOS DA METROPOLIZAO

    1 - Os efeitos dos limiares

    Limiares qualitativos e quantitativos desencadeiam processos cumulativos. Noo de massa crtica.

    2 - A escolha da qualidade

    Procurar atingir a excelncia. o investimento do topo da gama que faz a metrpole.

    3 - Uma nova imagem urbana

    Criao de smbolos urbanos de incio do processo. Tornar-se uma metrpole mudar de imagem.

    4 - A acessibilidade

    Investir o necessrio para se tornar uma porta de entrada.

    5 - Organizar uma nova estrutura espacial

    Criao da rea da metropolizao.

    6 - Capacidade de gerir grandes acontecimentos

    Capacidade para atrair e gerir um grande acontecimento. Fazer conhecer a metrpole ao mundo.

    7 - Existncia de consenso e emergncia de um poder metropolitano

    Permitir o desencadear dos processos e assegurar a gesto da estrutura metropolitana.

    8 - A funo internacional

    Desenvolver funes de exceo e pr a cidade na trama das metrpoles internacionais.

    9 - As dinmicas

    Apoiar-se sobre paternariados e assegurar um desenvolvimento multifuncional.

    10 - Gesto da metropolizao

    Acompanhar a metropolizao com esquemas de evoluo e gerir o crescimento.

    FONTE: MERENNE-SCHOUMAKER, 1998, p.7

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    Nesse contexto, qual seja, o da emergncia da metrpole moderna e sintonizada aos ditames do capital internacional, as prticas urbanas de Curitiba se inserem na anlise que Vainer (1999, p. 1) faz sobre o foco atual da questo urbana, o qual no passado se relacionava a temas como crescimento desordenado, reproduo da fora de trabalho, equipamentos de consumo coletivo, movimentos sociais urbanos, racionalizao do uso do solo. Para o autor, emerge hoje uma nova questo urbana, cujo nexo central [] a problemtica da competitividade urbana.

    Essa competitividade se revela na disputa pela atrao de negcios e indstrias, na oferta de mo-de-obra qualificada, nos preos e qualidade dos servios etc. (VAINER, 1999, p. 1-2), revelando um novo contedo do planejamento urbano, cujo resultado a apropriao da cidade por interesses empresariais globalizados; assim, esta se apresenta, cada vez mais, como uma mercadoria a ser vendida e cuja principal estratgia de venda o marketing urbano.

    Dada a sua complexidade, a venda da mercadoria cidade relaciona-se oferta

    daqueles atributos especficos que constituem, de uma maneira ou de outra, insumos valorizados pelo capital transnacional: espao para convenes e feiras, parques industriais e tecnolgicos, oficinas de informao e assessoramento a investidores e empresrios, torres de comunicao e comrcio, segurana (...) o mercado externo, e muito particular, o mercado constitudo pela demanda de localizaes pelo grande capital que qualifica a cidade como mercadoria. (VAINER, 1999, p. 3)

    Em se tratando de Curitiba, devem ser acrescentados atributos relacionados sua qualidade de vida e soluo de problemas urbanos to frequentes em cidades do mundo subdesenvolvido, como o do transporte, que lhe garante importante diferencial enquanto mercadoria.

    Assim, para Vainer (1999, p. 4), a cidade no se transforma apenas em mercadoria, mas em mercadoria de luxo destinada a um grupo de elite de potenciais compradores: capital internacional, visitantes e usurios solvveis.

    Concomitantemente a essa condio de cidade-mercadoria, a cidade passa a inspirar-se, tambm, na empresa, tornando-se ainda uma cidade-empresa. Para tanto, segue os padres organizacionais das empresas modernas, devendo ser competitiva, gil, flexvel, numa crescente busca por resultados.3

    Contudo, a viabilizao dessas duas condies da cidade se faz por uma terceira, responsvel pela unidade que deve ser reforada por uma espcie de compromisso

    3 Ao que Vainer (1999, p.7), citando Ascher (1995), denomina de urbanismo de resultado.

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    37DinmiCaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE CURiTiba

    patritico necessrio ao bom funcionamento dos negcios nos quais a cidade est engajada. Para o autor,

    a abdicao do poder a um chefe carismtico, a estabilidade e a trgua assim conquistadas seriam o preo a pagar pelo privilgio de disputar, junto com outras tantas dezenas ou centenas de cidades, o direito de ser escolhida como localizao dos prximos investimentos, das prximas feiras, das prximas convenes. (VAINER, 1999, p. 10)

    Trata-se, portanto, do esvaziamento da cidade enquanto espao poltico e de sua exacerbao enquanto empresa-mercadoria, caso em que o consenso em torno da imagem criada questo de patriotismo, e aqueles que se contrapem a ele so exemplos de maus cidados, que no amam sua cidade, incapazes de valorizar tudo o que foi feito at hoje pela cidade, pois se apresentam crticos ao projeto hegemnico de cidade.4

    OS NOvOS CONTEDOS DE CURITIBA

    O surgimento de novas atividades econmicas em Curitiba e o incremento de outras, seja no mbito do comrcio, dos servios ou do setor imobilirio, esto diretamente associados dinmica industrial emergente na dcada de 1990, quando importantes capitais relacionados indstria automobilstica instalam-se no Aglomerado Metropolitano de Curitiba.5

    A anlise de 69 das novas indstrias que j estavam instaladas no ano de 1999, entre aquelas que aderiram ao programa de incentivos governamentais, revelou que, apenas trs pases Frana, Alemanha e Estados Unidos respondem por quase 50% dos estabelecimentos em questo e por cerca 93% do volume de investimentos, bem como por 69% dos empregos previstos (tabela 1).

    Nota-se claramente a relao entre o pas de origem das trs montadoras de automveis e a supremacia dos capitais Renault, Frana; Audi/Volkswagen, Alemanha; e Chrysler, Estados Unidos , destacando-se ainda que a principal joint venture representa exatamente a associao entre Estados Unidos e Alemanha, tratando-se da Tritec.

    4 Hegemonia essa construda, entre outros, s custas do patriotismo pela cidade.5 Composto por 12 dos 26 municpios que formam a Regio Metropolitana de Curitiba, quais sejam, alm de Curitiba, Almirante Tamandar, Araucria, Campina Grande do Sul, Campo Largo, Campo Magro, Colombo, Fazenda Rio Grande, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras e So Jos dos Pinhais.

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    O destaque da Sucia no conjunto relaciona-se tambm indstria automobilstica, em referncia ampliao dos investimentos na Volvo, j presentes em Curitiba desde final da dcada de 1970.

    Os estabelecimentos de origem nacional respondem por 10% do conjunto de estabelecimentos e por modestos 3% dos investimentos, alm da participao em trs joint ventures, a saber, a CSN e a mexicana IMSA, cujo investimento da ordem de 390 milhes de reais e visa produzir chapas galvanizadas e laminados de ao para as indstrias automobilsticas; a Iramec, em associao com capitais alemes e produtora de mdulos de porta para veculos; e a BS Colway, em associao com capitais ingleses e produtora de pneus remoldados.

    Conclui-se, portanto, que a implantao da indstria automobilstica na atualidade, carro-chefe do processo de transformaes socioespaciais, ocorre em rede, ou seja, cada montadora se faz acompanhar dos estabelecimentos que participam diretamente da produo do automvel, os chamados fornecedores globais que, no entanto, materializam-se localmente no caso dos componentes principais, aqueles que compartilham com a unidade principal a mesma planta, ou regionalmente, no caso dos fabricantes de componentes que no necessitam de tamanha proximidade fsica, podendo se localizar em outros locais dentro do prprio pas.

    Essa nova realidade desencadeou alteraes em outros setores alm do industrial propriamente dito, bem como redundou no incremento das relaes de Curitiba com outras cidades do Brasil e com o Exterior, como revela o movimento aeroporturio (tabela 2).

    TABELA 1 - RMC: PAS DE ORIGEM DOS ESTABELECIMENTOS INDUSTRIAIS IMPLANTADOS ENTRE 1995 E 1999

    PAS ESTABELECIMENTOS INVESTIMENTOS (milhes R$) EMPREGOS

    Estados Unidos 11 469 4.294Frana 10 1.263 3.485

    Alemanha 10 921 4.533SUB TOTAL 31 2.653 12.312

    Brasil 7 101 1.420

    Espanha 4 111 675Itlia 3 19 240

    Argentina 2 22 470Blgica 2 17 55Japo 1 20 150

    Portugal 1 2 18Sucia 1 395 150

    Joint Venture 6 1.091 1.883No identificado 5 137 1.883TOTAL 69 3.569 19.349

    FONTES: Protocolos firmados entre empresas e Governo do Estado - SEID 1995-1999 e Cadastro das Indstrias - SEFA, 1999

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    39DinmiCaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE CURiTiba

    Observa-se o grande salto na movimentao do aeroporto, praticamente dobrando os volumes, tanto em relao carga quanto aos passageiros e aeronaves que pousaram e/ou decolaram. O marco temporal da mudana tambm no deixa dvidas, reforando a distino de dois perodos, um anterior e outro posterior a meados da dcada de 1990, particularmente o ano de 1995.

    como se, de repente, tudo o que existia na cidade em termos de comrcio e servios tivesse que ser reformulado, de modo a se ajustar ao novo momento econmico e nova dimenso de cidade, qual seja a metrpole. A metrpole passa a ser a referncia, e as novas demandas devem ser atendidas por empresas que se relacionem a um novo paradigma, sendo mais modernas, eficientes, representativas de um contexto globalizado e, por consequncia, internacional.

    Como apontou Merenne-Schoumaker (1998, p. 6), as novas funes metropolitanas so prioritariamente destinadas ao atendimento da demanda das empresas e ao consumo da parcela da populao a elas associada, supostamente capaz de pagar mais e exigir produtos e servios mundiais; assim, para se integrar ao novo momento h que se fazer uma reformulao nas atividades existentes. Trata-se, portanto, da possibilidade de expanso para muitas empresas de atuao internacional, atradas pela potencialidade do novo mercado.

    Desse modo, alm da recomposio da imagem de Curitiba (de cidade a metrpole) e de sua forma urbana (desconcentrada), h a reformulao de suas funes no conjunto metropolitano, bem como daquelas capazes de inseri-la de modo diferenciado do anterior, garantindo-lhe uma nova perspectiva entre as metrpoles brasileiras.

    Sassen (1998, p. 13), ao analisar o lugar ocupado pela cidade na economia global afirma que

    ao lado da disperso das atividades econmicas (...) surgiram novas formas de centralizao territorial, relativas ao gerenciamento no nvel dos altos escales e ao controle das operaes. Os mercados nacionais e globais, bem como as operaes globalmente integradas, requerem lugares centrais, onde se exera

    TABELA 2 - AEROPORTO INTERNACIONAL AFONSO PENA, MOVIMENTO ENTRE 1990-1999

    ANOPOUSOS E

    DECOLAGENSPASSAGEIROS

    (EMB+DESEMB.)CARGA (KG)

    DESEMBARCADA

    1990 30.125 950.109 4.530.174

    1995 36.646 1.272.522 4.272.9551998 62.610 2.040.407 10.284.997

    1999(1) 47.325 1.514.589 11.757.549

    FONTE: INFRAERO, 2000(1) Dados disponveis at o ms de setembro de 1999.

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    o trabalho de globalizao. Alm disso, as indstrias da informao necessitam de uma vasta infra-estrutura fsica que contenha ns estratgicos, com uma hiperconcentrao de determinados meios.

    Trata-se, portanto, de uma centralizao no mais baseada na indstria convencional, mas, sobretudo, nas novas funes que a cidade exerce no conjunto mundial, ao que a autora denomina cidade global, e cujas principais caractersticas so:

    (1) pontos de comando na organizao da economia mundial; (2) lugares e mercados fundamentais para as indstrias de destaque do atual perodo, isto , as finanas e os servios especializados destinados s empresas; (3) lugares de produo fundamentais para essas indstrias, incluindo a produo de inovaes. Vrias cidades tambm preenchem funes equivalentes em escalas geogrficas menores, no que se refere a regies transnacionais e subnacionais. (SASSEN, 1998, p. 16-17)

    Quanto ltima afirmao da autora, somos levados a pensar em como essas novas funes se colocam em uma outra escala geogrfica, que no a das cidades globais apontadas na literatura internacional.6 Assim, considerando-se as cidades globais como as cidades que se encontram no topo de uma nova hierarquia urbana, de alcance no mais nacional, mas global, pode-se estar, pois, considerando que Curitiba se insere num nvel inferior dessa hierarquia, possuindo caractersticas comuns a esse conjunto de cidades, que, contudo, no se revelam com a mesma contundncia, intensidade e abrangncia.

    Desse modo, julga-se que alguns elementos caractersticos das cidades globais podem auxiliar na compreenso do papel que assumem as outras metrpoles nos subespaos a que se refere Sassen (1998), pois representam a materializao de certos processos gerais, na medida em que a economia global atua sobre todas as metrpoles de hoje; mas isso no significa que todas elas sejam cidades globais. Trata-se de uma nova perspectiva, na qual as cidades se organizam em torno de certas funes de carter global, decorrentes menos das indstrias convencionais e mais dos servios e comrcio voltados ao atendimento das empresas.

    Para Sassen (1998, p.76), as cidades so lugares fundamentais para a produo de servios destinados s empresas, no entanto, o crescimento dos servios ocorre de modo diferenciado, de acordo com a insero da cidade na rede urbana nacional enquanto algumas se voltam ao atendimento dos mercados regionais,

    6 Para Friedmann (1986), cerca de 18 cidades dos pases centrais se enquadrariam nessa classificao e 12 dos pases semiperifricos. Para Sassen (1998), as cidades globais so Nova York, Tkio e Londres.

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    41DinmiCaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE CURiTiba

    outras se voltam para o nacional e mesmo o global. Como resultado, vemos nas cidades a formao de um novo ncleo econmico urbano de atividades bancrias e ligadas prestao de servios que acaba substituindo os ncleos orientados para as manufaturas (SASSEN, 1998, p. 76).

    Numa perspectiva semelhante sobre a realidade urbana do final de sculo XX, Borja e Castells (1997, p. 49-50) denominam de megacidades as gigantescas aglomeraes urbanas, apontando-as como o fenmeno urbano de maior relevncia no sculo XXI. Segundo os autores, as megacidades no so definidas pelo tamanho, mas pelos ns com a economia global: en su territorio concentran las funciones superiores de direccin, produccin y gestin del planeta; los centros de poder poltico; el control de los medios de comunicacin; la capacidad simblica de creacin y difusin de los mensajes dominantes.

    Sua singularidade no estaria em se constiturem como centros dominantes da economia global, mas como pontos de conexo que, por causa mesmo dessa condio, atraem mais e mais populao. Os autores resumem bem as contradies existentes nessas cidades quando dizem que elas renem o melhor e o pior da sociedade.

    Las megaciudades son constelaciones territoriales discontinuas hechas de fragmentos espaciales, de parcelas funcionales y segmentos sociales (...) la era de la informacin es ya, y ser cada vez ms, la era de las megaciudades (...) por las siguientes razones: a) las megaciudades son los centros de dinamismo econmico, tecnolgico y empresarial en sus pases y en el sistema global. (...) b) son los centros de innovacin cultural, de creacin de smbolos y de investigacin cientfica (...) c) son los centros del poder poltico, incluso en los casos en los que el gobierno reside en otras ciudades (...) d) son los puntos de conexin del sistema mundial de comunicacin. (BORJA e CASTELLS, 1997, p. 53)

    Castells (1999, p. 437-439) afirma, ainda, que a localizao no n conecta a localidade com toda a rede. (...) alguns lugares podem ser desconectados da rede, e seu desligamento resulta em declnio imediato e, portanto, em deteriorao econmica, social e fsica. Enquanto alguns lugares esto desconectados, outros podem ser conectados rede e, consequentemente, viverem o processo inverso, ou seja, de expanso econmica, social e fsica.

    Este parece ser o caso de Curitiba, que se conecta a uma rede global por via do fortalecimento de sua atuao no mbito do Mercosul e da crescente internacionalizao dos servios e comrcio especializados. Tal hiptese ganha reforo na afirmao de Castells (1999, p. 439), para quem os principais processos dominantes em nossa sociedade so articulados em redes que ligam lugares

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    diferentes e atribuem a cada um deles um papel e um peso em uma hierarquia de gerao de riqueza, processamento de informao e poder, fazendo que isso, em ltima anlise, condicione o destino de cada local.

    Observa-se que em ambos os casos cidades globais e megacidades , a globalizao da economia aparece como um pressuposto para as transformaes apontadas para o quadro urbano das grandes cidades, seja no nvel interno (intraurbano) seja no nvel das relaes com as outras cidades (interurbano).

    A manifestao da globalizao em Curitiba se d de forma mais efetiva a partir de meados da dcada de 1990, quando capitais transnacionais aportam na cidade, ligados inicialmente indstria, sobretudo a automobilstica, ampliando-se depois para outros setores da economia, notadamente os servios e o comrcio especializados.

    Como consequncia, inmeras atividades antes controladas por capitais locais ou regionais passam para o mbito de grandes empresas de atuao nacional ou global, seja atravs da aquisio, da implantao ou mesmo da composio entre ambas as possibilidades.

    Na perspectiva de Sassen (1998, p. 77), os altos preos e nveis de lucro mais elevados dos setores internacionalizados acabam dificultando a permanncia e a competio de outros setores que no sejam internacionais. Foi assim que se processaram importantes transformaes em setores como o dos hipermercados, o hoteleiro, o bancrio, o comercial e o dos servios, tais como o de publicidade e consultoria, entre outros.

    Essas atividades e setores sero analisados a seguir, buscando a confirmao das relaes sugeridas anteriormente, segundo as quais Curitiba passaria a integrar-se de modo diferenciado no conjunto das cidades brasileiras por fora das novas funes que adquire a partir da chegada de importantes capitais industriais instalados no aglomerado metropolitano. A isso se agrega sua recomposio enquanto centralizadora de comrcio e servios especializados, voltados, sobretudo, s empresas, demonstrando a estreita relao entre a grande indstria desconcentrada e a centralizao de novas atividades em Curitiba, materializao, portanto, dessa recomposio.

    A INTERNACIONALIzAO NO MBITO DOS SERvIOS ESPECIALIzADOS

    Inmeros so os elementos capazes de contribuir para a compreenso das transformaes em curso em Curitiba. Alguns se manifestam concretamente no espao atravs de obras como as novas plantas industriais, os hipermercados,

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    43DinmiCaS inTRamETROPOLiTanaS E PRODUO DO ESPaO na REgiO mETROPOLiTana DE CURiTiba

    os hotis, etc. Outros se fazem presentes de modo imaterial, como as novas demandas por servios, centros de compras 24 horas, alm de outros valores urbanos recm-incorporados vida do curitibano. Parte desses elementos pode ser reunida sob a denominao de prestao de servios, que engloba, segundo Sassen (1998, p.78), questes financeiras