Digesto Econômico - Nº 479

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Aos próximos presidente e governador de São Paulo – E aos (e)leitores: eis o que precisamos para ter um Brasil melhor. JULHO/AGOSTO 2014

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3JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Propostas para o próximo presidenteAs associações comerciais, embora entidades voltadas para a defesa dos interesses dos

empresários, sempre se preocuparam e se ocupam com problemas nacionais, visa nd ocontribuir para o crescimento do País e o aumento do bem estar de sua população. Nesse

sentido, a ACSP elaborou, em 2010, um amplo estudo das questões que afetam o desenvolvimentobrasileiro, e apresentou propostas visando superar os obstáculos que têm impedido o crescimentosustentável do País de acordo com sua potencialidade. O documento “Propostas para o PróximoPresidente: Contribuições para o debate de um programa de governo”, foi elaborado com base em 35trabalhos preparados por especialistas de cada área, coordenados pelo professor Roberto Macedo,que analisaram os problemas brasileiros dos diversos setores, a partir de uma visão comum, a danecessidade de aumento dos investimentos, para garantir a retomada do crescimento da economia.

Passados quatro anos, e às vésperas de nova eleição para presidente, a ACSP decidiu atualizaro documento de 2010. Constata-se da leitura dos novos textos, elaborados pelos mesmosespecialistas, que a maior parte das análises e das propostas apresentadas naquela ocasiãocontinuam válidas, embora em algumas áreas tenham se verificado avanços, enquanto em outras constata-se significativoagravamento dos problemas apontados, que tornam agora mais urgente e necessária a adoção das medidas sugeridas.

Entre os avanços ocorridos no período pode-se destacar a simplificação do processo de abertura de empresas e a aprovaçãoda nova Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas que, com a significativa ampliação dos setores contemplados, e a limitaçãoao uso da Substituição Tributária, representa um “embrião” da tão esperada reforma tributária, embora limitada ao extrato dasempresas de menor porte.

No tocante à linha central do documento de 2010, a da necessidade da expansão expressiva dos investimentos, o avançoobtido foi bastante modesto e neutralizado em grande parte pela deterioração da infraestrutura, embora no período mais recentetenha se constatado algum progresso nas tentativas de interessar os investidores em assumir concessões de serviços públicose de participar em parcerias público-privadas. Persiste, no entanto, a baixa capacidade de investir do governo, apesar docrescimento constante da receita, que tem sido consumida pela forte expansão dos gastos de custeio.

A implementação das propostas apresentadas pelas associações comerciais é agora mais difícil, pois o País se depara comproblemas conjunturais que exigem solução urgente, sem o que não se terá condições para atacar as questões estruturais. Ainflação acha-se em patamar elevado apesar do baixo crescimento da economia e do atraso nos preços administrados. O câmbiovalorizado aumenta o nível da dependência externa, mas sua correção tem impacto sobre a inflação. Os juros elevados inibem osinvestimentos, mas atraem recursos externos para cobrir o déficit do balanço de pagamentos. O superávit primário necessáriopara manter estável a dívida interna não tem sido obtido, apesar de manobras contábeis e de receitas extraordinárias que vêmsendo utilizadas para obter o resultado dessa meta fiscal.

Não havendo mais espaço para aumento da carga tributária, parece claro que o novo governo terá que fazer logo no início umforte ajuste nas finanças públicas, e paralelamente procurar o setor privado para viabilizar mais concessões e parcerias público-privadas para atacar os gargalos que vêm onerando o setor produtivo e os cidadãos. Para isso será fundamental restabelecer aconfiança de empresários e consumidores, com um programa de ajuste fiscal crível e com uma agenda de reformas que, mesmoimplementados gradativamente, sinalizem para os agentes privados perspectivas de retomada do crescimento.

Com esta contribuição ao novo governo, a ACSP, mantém sua tradição de trabalhar pelo desenvolvimento político, econômicoe social do Brasil, sem prejuízo de sua missão de defender a livre iniciativa como condição necessária para preservar a liberdadede escolha dos cidadãos e a maior eficiência da economia.

Boa leitura.

Rogério AmatoPresidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e

da Federação das Associações Comerciais do Estado de SãoPaulo (FACESP), presidente-interino da Confederação dasAssociações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB).

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4 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Rua Boa Vista, 51 - PABX: 3180-3737CEP 01014-911 - São Paulo - SP

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Ca p aArte de Max

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Introdução ao PPP (2015-2018) — Roberto MacedoSimplificação tributária — Roberto Mateus OrdineEducação revisitada, diagnóstico estacionado — Claudio de Moura CastroMudanças na área trabalhista: copo meio cheio — José PastorePrevidência Social: vamos perder o bonde? — Hélio ZylberstajnCâmbio, juros e spreads – propostas de política econômica — Joaquim ElóiCirne de ToledoTudo que ainda precisa ser feito nas Telecomunicações — Ethevaldo SiqueiraBlack blocs do sistema tributário — Clóvis PanzariniO Futuro do Agronegócio: de 2010 a 2014 — José Roberto Mendonça de Barros eAlexandre Mendonça de BarrosSUS: Tempos de Renovação versus Tempos de Conflito — Geraldo BiasotoInvestimento público, um nó que não se desata! — José Roberto AfonsoO diagnóstico da política de recursos humanos do Governo PúblicoFederal: uma atualização — Nelson MarconiPropostas de Política Industrial — Patrícia MarroneEconomia criativa — Lídia GoldensteinLogistica e Transporte no Brasil - Desafios para o novo governo federal —Renato Casali Pavan e Josef BaratFinanciamento da economia brasileira - Evolução recente, desafios eoportunidades. — Carlos A. RoccaOs impactos subversivos da questão ambiental — Gustavo KrauseA reforma política e a reforma da política — Carlos MeloA trajetória do Brasil na inserção internacional – desafios eoportunidades — Maria Teresa BustamanteO setor de seguros privados como instrumento do desenvolvimentonacional — Nilton MolinaPré-sal: análise e propostas — Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de MelloO Poder Judiciário nos últimos quatro anos — Jairo SaddiA custosa burocracia de outras obrigações fiscais — José Maria ChapinaAlcazarQuestões quilombolas, indígenas e o MST — Denis Lerrer RosenfieldPropostas para o turismo brasileiro — Wilson Abrahão RabahyDesenvolvimento regional, com especial referência ao Nordeste.E agora, José? — Gustavo Maia GomesSegurança pública: prioridade nacional — José Vicente da Silva FilhoSegurança e defesa nacionais no Brasil — Gunther RudzitHabitação, mobilidade urbana e saneamento nos últimos quatro anos —Vladimir Fernandes MacielEnergia Elétrica: Reflexões para uma Reforma Setorial — Virginia ParenteA diplomacia de Dilma: uma reconstrução inacabada e imperfeita — RubensRicuperoFundamentos para reformulação da política macroeconômica — Rober toMacedoMercado de crédito e o novo governo: dez propostas para reduzir ospread bancário — Ulisses Ruiz de GamboaConsiderações sobre os rumos do sistema tributário — Luís Eduardo SchoueriInserção de Produtores de Pequeno Porte em Mercados Externos — JoséCândido SennaA necessidade de fortalecimento das competências dos estados-membrosda federação brasileira — Alexandre de MoraesLições e Desafios do Bolsa Família - Uma agenda para frente — André PortelaSouza

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Introdução ao PPP (2015-2018)Roberto MacedoCoordenador do Conselhode Economia da AssociaçãoComercial de São Paulo

Entre 2009 e 2010, coordenei para a ACSP oprojeto Propostas para o Próximo Presi-dente (PPP) na sua versão 2011-2014. Elereuniu 35 artigos voltados para questões

de interesse nacional, elaborados por especialis-tas. Em cada uma delas, eles apresentaram umdiagnóstico de problemas e propostas de políticaspúblicas para resolvê-los. Esses artigos foram pu-blicados em seis edições da revista Digesto Econô-mico (CD em anexo), as quais foram encadernadasnum único volume entregue em 2010 aos entãocandidatos à Presidência da República.

Um guia de leitura foi apensado a esse volume, com resu-mos dos artigos e da maioria de suas propostas, agrupados me-diante referência a 19 ministérios federais a que diziam respei-to. Dois temas (Reforma Política e Fortalecimento das Compe-tências dos Estados Membros da Federação) foram atribuídosà Presidência da República. Essa referência a 19 ministérios foitambém uma proposta de redução dos 37 então existentes, nú-mero que abrangia 24 ministérios mais oito secretarias e cincoórgãos com status ministerial.

Assim estruturado, o PPP anterior tinha também um traço uni-ficador, que procurava relacionar os temas abordados e as pro-postas com a imperiosa necessidade, já então diagnosticada, deampliar investimentos privados e públicos, de forma a alcançartaxas maiores de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) bra-sileiro. No guia de leitura foi explicitada a relação de cada temacom essa necessidade, e também houve referência à necessidadede aumentar a poupança nacional para financiar investimentos.

Ao discutir em 2013 a oportunidade de um novo PPP, a ACSPoptou por um novo formato. Ele veio da percepção de que a gran-de maioria dos problemas apontados em 2010 estão por resolver,alguns de forma agravada, como o ainda menor crescimento doPIB, que sintetiza a fragilidade de várias das suas forças determi-nantes. Assim, a opção foi voltar aos mesmos 35 autores das aná-lises e propostas apresentadas em 2010, solicitando-lhes uma no-va avaliação do status atual dos temas abordados, identificandoos avanços e retrocessos, a pertinência das propostas anteriores ea conveniência de acrescentar novas.

O resultado é apresentado a seguir em artigos que em facedo seu tamanho por si mesmos constituem resumos das ava-liações individuais dos seus autores, que gentilmente se dis-puseram a colaborar com esta nova iniciativa da ACSP. A eles,a nossa profunda gratidão.

Não nos parece necessário fazer um sumário desses resu-mos. Nem justo destacar um ou outro, pois todos se credenciamnesta perspectiva. Abordam muitas das inúmeras questões deinteresse deste imenso País, multifacetado, complexo e diantede enormes desafios a enfrentar.

Recomendamos a leitura de todos, pois fornecem um retratoatual de como anda o Brasil neste estágio da sua história, e su-gerem passos por caminhos que se apresentam como mais gra-tificantes para o futuro do País.

Olhando o conjunto em termos da linha mestra que orientouo primeiro PPP, o que se percebe é que houve um grave retro-cesso, tanto na poupança, como no investimento em porcen-tagem do PIB, e a queda veio a partir de taxas já cronicamenteinsuficientes. Contudo, só em 2012 o governo federal acordoupara a necessidade de ampliar investimentos. Sem recursos pa-ra investir mais, apesar da enorme carga tributária que impõe,optou pela privatização na forma de concessões de serviços pú-blicos, e começou a fazê-la no caso de rodovias e aeroportos,mas a passos muito lentos.

Essas concessões, como as Parcerias Público Privadas, se apre-sentam como um caminho a seguir com muito maior ímpeto,pois, junto com a necessidade de ampliar a poupança pública eprivada, definem um rumo para a política econômica de médio elongo prazos. Em torno desse rumo, junto com a estabilidade eco-nômica de horizonte mais imediato, deve gravitar a busca de so-luções para os muitos e graves problemas apontados nos artigosque se seguem, além de outros não abordados.

Entre eles, as dificuldades enfrentadas pela gestão governa-mental, lenta e frequentemente ineficaz. Voltando ao númerode ministérios enfatizado pelo guia de leitura do PPP anterior,ele passou de 37 para 39. É um caso em que diminuir não sig-nificaria um retrocesso.

Luludi / LUZ

Alencar Burti,presidente daACSP na época,entrega aocandidato JoséSerra a sériePropostas parao PróximoPresidente (PPP)

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SIMPLIFICAÇÃOTRIBUTÁRIARoberto Mateus Ordine

Uma das questões mais importantespara o desenvolvimento do Brasil é atributária.

Com essa preocupação, a AssociaçãoComercial de São Paulo, a FACESP, aFECOMÉRCIO e o SESCON, entre outrasentidades, uniram-se para elaborar umestudo que libertasse o contribuinte destasamarras burocráticas, resultando em umaproposta de Simplificação e Racionalizaçãodo Sistema Tributário Brasileiro.

Tudo começou quando a equipe técnicada PricewaterhouseCoopers (PwC), lideradapela sua diretora Elidie Bifano, apresentouestudo levantando um número incrível deobrigações fiscais acessórias existentes e seusrespectivos custos, as quais os contribuintesestão obrigados a informar periodicamenteao fisco.

O número de formulários fiscais einformações a serem preenchidos eentregues aos vários entes fiscais é excessivo.Só para o ICMS e o IPI, o número deobrigações acessórias apresentados passa desetenta para cada um dos referidos impostos.

Diante deste quadro assustador, formou-se um grupo de trabalho reunindotributaristas e técnicos de renomadasuniversidades paulistas, dentre as quais sedestacam a USP, FGV, PUC e Mackenzie deum lado da mesa. E de outro lado, osrepresentantes dos três entes fiscais: União,Estado e Município.

Para coordenar os trabalhos foi convidadoo renomado consultor tributário EverardoMaciel, que além de seu reconhecido sabernessa área, acumula importantes experiênciasda administração pública e privada.

Durante todo ano de 2012, o grupo deespecialistas reuniu-se para debater a formalegal pela qual se poderia eliminar o excessode obrigações formais, dentro do atualsistema tributário, sem envolver a necessáriareforma tributária, pelas dificuldades jáconhecidas.

Foi dessa forma que, no início de 2013, ogrupo de trabalho entregou suas conclusõesreunidas num estudo que abrange asprincipais questões: redução da quantidadede informações e formulários fiscais;prazos mais adequados ao contribuinte eisenção ou redução das multas previstaspela falta dessas obrigações fiscais.

Ao lado da diminuição da burocracia, aproposta busca maior segurança jurídicae previsibilidade, maior agilidade, reduçãodos abusos, maior competitividade etratamento isonômico.

Além da publicação do estudo, escrito emlinguagem técnica, necessária para o devidoenquadramento legal, o grupo apresentoutambém o trabalho traduzido em linguagemvisual mais simples, para compreensão geral,por meio de CD (em anexo), contendoquadros explicativos, conforme apresentadona Figura 1.

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Figura 1 – Quadro indicando Benefícios, Instrumento e Beneficiários das Propostas

Esse quadro é utilizado para aapresentação de cada proposta, a qual écolocada no seu centro, no espaço em brancomostrado pela mesma figura. Isto feito, oquadro destaca, na sua parte de cima, qual obenefício ou quais os benefícios esperadosda proposta. Do lado esquerdo é apontadose ele beneficia a pessoa física e/ou ajurídica. E, na parte de baixo, destaca-se oinstrumento a ser utilizado parainstitucionalizar legalmente a proposta.

Pelo simples exame do material visualdisponível, verifica-se o cuidado que ogrupo de trabalho teve ao demonstrar asolução das questões examinadas, tendo porbase a previsão legal existente e a novasolução encontrada; e transcrevendo nomesmo quadro visual, a base legal daexigência anterior e a solução encontradapara simplificar o sistema fiscal burocrático,sem que o princípio da legalidade sejaviolado.

L.C.Leite/LUZ

Everardo Macielcoordenou um

grupo deespecialistas,que debateu

formas legaispara promovera simplificação

tributária.

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8 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Educação

Masao Goto Filho / e-SIM

revisitada,

Antes da última eleição presidencial,um número especial desta revista in-cluiu propostas minhas para mudara Educação. Passados quase quatro

anos, decidiu-se que não era o caso de reescreveras propostas. Bastava adicionar duas páginas.Se tão pouco há a dizer, que melhor epitáfio parao triste estado da nossa Educação?

No que se pode medir, pouco mudou. Osnúmeros não mostram um empuxo vigorosopara cima, seja na quantidade, seja na quali-dade. Continuamos oscilando entre o péssi-mo e o medíocre.

O lado positivo é a presença da educação namídia, cada vez mais forte. Infelizmente, a co-bertura tende a ser algo trôpega e inexata, mes-mo nas melhores publicações. Uma notícia boaé que, pouco a pouco, o Índice de Desenvolvi-mento da Educação Básica (IDEB) mostra seruma arma poderosa para estimular a qualidadee denunciar os retardatários. Isso tende a seruma iniciativa espontânea da sociedade, maisdo que política de Estado.

Um grande desapontamento é o Ensino Mé-dio que continua capenga e murchando. Pior,permanecem vigentes todos os problemas deexcesso de conteúdos e disciplinas, bem como asolução única para um ensino intrinsecamenteplural. Em que pesem ministros concordandocom o diagnóstico, nada acontece. Dentro dosmuros de um Ministério da Educação (MEC)barroco e pouco iluminado, há mais palavrasdo que lucidez, realismo e ação.

Outro desastre que se revela inconsertávelé a formação de professores. Não aprendem

os conteúdos que vão ensinar e tampouco sãopreparados para dar aula. Em vez disso, con-somem os anos decorando teorias rarefeitas emergulhando em um esquerdismo requen-tado e obsoleto. Com adjetivação mais bran-da, a cúpula do MEC reconhece o problema.Mas nada acontece.

A novidade é a quase aprovação de um PlanoNacional de Educação (PNE) intelectualmentecaótico e desestruturado, pouco mais do que acoleção desconexa de reivindicações de sindica-tos e grupos de interesse. Apesar disso, perdidono meio da entropia verbal, há metas que fazemsentido, inspiradas no Todos Pela Educação.

Somente chega às manchetes a meta de dezpor cento do PIB, sem que se diga quem paga-rá, quem usará e como assegurar que serãobem usados os recursos. De resto, em meio aum grau exacerbado de ineficiência e desequi-líbrios, não encontramos uma só palavra noPNE acerca da necessidade de direcionar osrecursos para aqueles gastos que podem me-lhorar a qualidade.

Municípios e estados, cada um anda para oseu lado. Há pérolas e enclaves de avanço cé-lere, em meio à maioria que permanece no lim-bo. Há também hecatombes educativas.

No ensino superior, a ausência de boa gover-nabilidade nas instituições públicas, progressi-vamente abre espaço para a emergência do sis-tema privado. O nicho do ensino de massa foifacilmente conquistado, apesar da sua quali-dade vacilante.

Ainda meio invisíveis, consolidam-se maisboutiques de qualidade, espalhadas pelo terri-

diagnósticoestacionado

Claudio deMoura CastroFormado em Economiapela Universidade Federalde Minas Gerais commestrado na Yale Universitye doutoramento naVanderbilt University.

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9JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

tório nacional – e não apenas nas grandes capi-tais. Certas instituições começam a beliscar otradicional repositório de alunos bem forma-dos no Ensino Médio privado. As greves e odescaso nas salas de aula das universidades pú-blicas provocam esse início de migração.

Um avanço a ser registrado é a liberdade deabrir cursos, concedida às instituições mais bemavaliadas. Mas isso não compensa a ferocidadedas guerrilhas burocráticas contra as demais. Aadministração do MEC cria ou mantém barrei-ras surrealistas à abertura de novos cursos. Re-centemente, uma das instituições privadas maisadmiradas do país teve seu novo curso de Enge-nharia negado, porque o mezanino da bibliote-ca não dá acesso a cadeirantes e por discordân-cias com a forma escolhida para organizar a dis-ciplina de estudos afro-brasileiros. E isso, apesarde ser um projeto alinhado ao curso de Engenha-ria que se tornou o modelo para as melhores uni-versidades do mundo. Ao que consta, um dosvisitadores contribui regularmente para o jor-nal Pravda. Podemos daí concluir que o rançoideológico ainda faz seus estragos?

A expansão do Fundo de Financiamento Es-tudantil (FIES) e do Programa Universidade

para Todos (PROUNI) é, ao mesmo tempo, umsinal alvissareiro de pragmatismo do MEC eum atestado de incapacidade para consertarseu próprio sistema, mirrado, caro e ineficien-te. O Programa Nacional de Acesso ao EnsinoTécnico e Emprego (PRONATEC), algo emba-ralhado, caminha na mesma direção de refor-çar a iniciativa privada no Ensino Técnico.

Em meio a esse quadro confuso, o grande con-traste é o Ciências Sem Fronteiras, um programaque caminha na contramão da xenofobia ranço-sa do passado. Quase cem mil alunos de institui-ções públicas e privadas poderão experimentar aEducação de países de primeira linha.

No todo, está na direção certa e mostra bonsresultados. Mas, na velocidade alucinada emque cresce, são inevitáveis os enganos e con-fusões, como o excesso de bolsas para institui-ções menos qualificadas. Infelizmente, a im-prensa pinça equívocos e desencontros, emvez de louvar a internacionalização bem vin-da que está trazendo.

Em suma, olhando o quadro da evolução donosso ensino nos últimos quatro anos, não ve-mos grandes avanços. Nem parece que Educa-ção é importante.

Um avanço a serregistrado é a

liberdade de abrircursos, concedida às

instituições maisbem avaliadas.

Paulo Pampolin/Hype

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10 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Paulo Pampolin/Hype

José PastoreProfessor de Relações doTrabalho da Faculdade deEconomia e Administraçãoda Universidade de SãoPaulo e da FundaçãoInstituto de Administração.Membro do ConselhoPolítico e Social (COPS) daAssociação Comercial deSão Paulo.

A lgumas das recomendaçõessugeridas no artigo publicado em2010 foram implementadas pelogoverno. Houve um crescimento

salutar da formalização do trabalho, tanto viaemprego, com estímulo da desoneração dafolha de salários, como via trabalho por contaprópria, com apoio do MEI(Microempreendedor individual). Olançamento do PRONATEC, em parceria comas entidades do setor privado, trouxe aesperança de se contar com uma maior ofertade mão de obra qualificada no final destadécada e início da próxima.

As demais sugestões apresentadas naqueleartigo foram ignoradas pelo governo, como éo caso do Simples Trabalhista, do contrato deformação para jovens, a terceirização, otrabalho por pessoa jurídica e os estímulospara a aprendizagem e os estágios. Estasmedidas tornaram-se ainda mais realistaspara os dias atuais.

Apesar da taxa de desemprego se manterabaixo dos 5%, o mercado de trabalho doBrasil apresenta sinais preocupantes. Oexame acurado dessa taxa, em si, é motivo deapreensão, pois a queda da desocupação sedeve muito mais à redução dos que procuramtrabalho do que a uma forte geração deempregos. Ao contrário, os dados do CAGEDindicam uma grave retração na criação denovos postos de trabalho, iniciada em 2012, eque se aprofunda a cada mês que passa.

A referida retração reflete em grande parteo fraco desempenho da economia que, noprimeiro trimestre de 2014, ficoupraticamente estagnada em relação aotrimestre anterior. E, mais grave, oinvestimento continua anêmico. Sem isso,

não há como pensar em dias melhores nomercado de trabalho. Afinal, o investimentode hoje é que garante o emprego de amanhã.

O que acontece hoje é desanimador. Naprimeira metade de 2014, as vendas no setorimobiliário despencaram mais de 50%, o quecompromete a geração de empregos daconstrução civil. A queda de vendas no setorde veículos também preocupa, pois se refere auma longa cadeia produtiva. As montadorase as autopeças já começaram a suspenderturnos de trabalho, dar férias coletivas, usar olayoff e demitir empregados. Da mesmaforma, a queda das vendas no comércioprenuncia problemas de emprego nesse setor,que até aqui foi uma das principais fontes denovos postos de trabalho.

Com exceção dos bons ventos daagricultura, o clima geral é de incerteza eapreensão. Se levarmos em conta que 2015pode ser inaugurado com um "tarifaço" dospreços até aqui contidos e um racionamento deágua e de energia, o quadro para o empregopode virar por completo, com a volta dodesemprego acima de 6% ou 7% e até mais.

Por cima de tudo, a legislação trabalhista ea rigidez dos órgãos de fiscalização e daJustiça do Trabalho potencializam ainda maisa insegurança jurídica, que é crônica no País.Realisticamente, nenhuma empresa sabe qualé o seu passivo trabalhista porque, por forçade leis e de sentenças judiciais, os custos dotrabalho sobem de forma imprevisível.

Se a simplificação da legislação trabalhistaé necessária em clima de crescimentoacelerado, ela é mais urgente em ambiente derecessão e incerteza. Até mesmo os países daEuropa, que têm tradição de rigidez, vêmadotando formas mais flexíveis para a

Mudançasna área trabalhista:copo meio cheio

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A terceirizaçãocontinua sendo

um tema deresistência

injustificável porparte do governo.

Arquivo/ABr

contratação do trabalho. Esse seria opropósito do Simples Trabalhista sugeridoem 2010 ao permitir às pequenas emicroempresas a contratação detrabalhadores com menos burocracia e maisfacilidade, completando a simplificação jáexistente no Programa do Simples nas áreasprevidenciária, tributária e administrativa.

Esse seria também o propósito doscontratos de formação sugeridos em 2010 e atéhoje desconsiderados pelo governo. Por meiodele, as empresas contratariam jovens recémformados com menos encargos sociais porum período de 12 ou 18 meses. Isso seria bompara os jovens, para as empresas e para ogoverno (que recolheria contribuiçõesp r e v i de n c i á r i a s ) .

A terceirização continua sendo um tema deresistência injustificável por parte dogoverno, pois esse tipo de divisão do trabalhoé uma realidade irreversível e próprio daeconomia globalizada. Os estudos mostramque a terceirização reduz os custos dasempresas, melhora a qualidade dos serviços,

aumenta a lucratividade, eleva osinvestimentos e estimula a geração deempregos. Sem ela, tudo se torna mais difícile mais caro para os consumidores.

Da mesma forma, o Brasil precisa regularizare estimular o trabalho atípico exercidoprimordialmente por pessoas jurídicas que nãose adaptam à situação de vínculo empregatíciodevido à natureza especializada e intermitentedos serviços que prestam.

A aprendizagem e o estágio continuam aexigir simplificações burocráticas e estímulospara a sua contratação. Por meio dessesexpedientes, os jovens adquirem aexperiência cuja falta os afasta da contrataçãopor empresas que buscam pessoasfamiliarizadas com suas profissões.

Enfim, a área trabalhista está na situação docopo meio cheio e meio vazio e,realisticamente, mais vazio do que cheio. Amodernização de nossas leis nesse campo éuma necessidade urgente para criar um bomambiente de negócios, estimular investimentose criar empregos de boa qualidade.

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PREVIDÊNCIA SOCIAL:VA M O S PERDER O BONDE?

Leonardo Rodrigues / e-SIM

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13JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Ao começar este artigo, experimen-to duas sensações contraditórias esimultâneas: pessimismo e espe-rança. Explico.

O pessimismo vem da constatação de maisquatro anos desperdiçados. Muito pouco foi feitoe a situação da Previdência Social continua a seagravar. Em duas ou três décadas o País terácompletado a transição demográfica e o númerode idosos superará rapidamente o de jovens. Co-mo sustentaremos os idosos? Com as regras doatual sistema, seguramente não será possível en-frentar o envelhecimento da população. A refor-ma é cada vez mais dramaticamente urgente e aproposta de 2010 continua muito válida e atual.Mas os políticos se calam e se omitem.

Já a esperança aflorou da observação de que,mesmo sem terem a intenção, os formuladoresda política previdenciária deram alguns passosna direção da reforma que propusemos. Desta-co três elementos da proposta de 2010: unifica-ção e universalização da Previdência, desvin-culação do valor dos benefícios do Salário Mí-nimo e criação de um pilar universal não con-t r i b u t i v o – a R e n d a B á s i c a d o I d o s o .Lentamente estão sendo criadas condições pa-ra a adoção destes elementos.

A proposta sugeriu a unificação do sistemaprevidenciário para eliminar o tratamento di-ferenciado que os funcionários públicos rece-bem. A criação da Aposentadoria Comple-mentar para os funcionários públicos foi umavanço importante nesta direção. Os servido-res federais contratados a partir de 2013 nãomais se aposentarão com benefício igual ao úl-timo salário. Existe agora um teto, de igual va-lor ao do INSS. Haverá para eles um plano vo-luntário de aposentadoria complementar, comcontas individuais no regime de capitalização.O mesmo ocorrerá para os servidores dos esta-dos e municípios, mas somente depois que ca-da um destes entes criar o seu plano de aposen-tadoria complementar. Aí mora um grande pe-rigo, pois a tendência é a de criação de progra-mas geridos pelo setor público, com os riscosinerentes de governança politizada dos recur-sos. De qualquer forma, foi um grande avanço,mas ainda insuficiente. Há muito a fazer naquestão da aposentadoria complementar dosservidores públicos, problema que nossa pro-posta de 2010 contemplou com muita objetivi-dade ao sugerir a extensão do FGTS para osfuncionários dos três níveis da administração.Estamos, portanto hoje mais próximos da uni-ficação dos diversos sistemas de previdência enão seria difícil tomar algumas medidas paracompletar este movimento.

No setor privado, o caixa do INSS continuoupressionado pela política de reajustes do Salá-rio Mínimo, ao qual o benefício mínimo estávinculado. Nada menos que 2/3 dos benefíciosdo INSS são iguais ao Salário Mínimo e corres-pondem a aproximadamente metade da despe-sa com benefícios. Para não comprometer ain-da mais as contas da Previdência, o próximopresidente terá que, ou desvincular os benefí-cios da Previdência do Salário Mínimo, ou re-ver a política do Salário Mínimo. A necessida-de de aliviar as contas do INSS das prefeituras edos governos estaduais poderá nos levar à des-vinculação, que é também uma das sugestõesda proposta de reforma de 2010.

A proposta de 2010 sugeria uma espécie decompensação à desvinculação dos benefíciosdo Salário Mínimo: a Renda Básica do Idoso,benefício com cobertura universal, de nature-za não contributiva e que formaria o primeiropilar do novo sistema. Curiosamente, esta-mos inconscientemente caminhando para es-te cenário, levados por duas políticas. A pri-meira é a assim chamada aposentadoria espe-cial por idade dos trabalhadores rurais – umregime não contributivo de aposentadoria.Nada menos que seis milhões de brasileirosdesfrutam deste benefício. A segunda são osregimes especiais praticamente não contribu-tivos, como o SIMPLES e o MEI. Seus partici-pantes contribuem com valores ínfimos e ad-quirem o direito à aposentadoria mínima.Com o tempo, milhões de brasileiros recebe-rão o valor mínimo de aposentadoria sem te-rem contribuído. Nossa proposta reconheciaa baixa capacidade contributiva da base da pi-râmide e sugeria que o primeiro pilar do novosistema fosse de natureza universal e explici-tamente não contributiva. Com aposentado-ria rural, o SIMPLES e o MEI, vamos nos mo-vendo nessa direção.

Por linhas tortas estamos moldando um no-vo sistema e em algum momento, a gravidadedo problema nos obrigará a explicitá-lo. Mas éimportante lembrar que o grande passo paraequacionar o problema seria adotar a idade mí-nima para se aposentar. Nesta direção, aindanão houve nenhum movimento. Pelo contrá-rio, há ensaios de retrocesso, como a ideia de ex-tinguir o fator previdenciário que induz o adia-mento de aposentadorias e a esdrúxula práticada “de s a p o s e n t a ç ã o ”.

Convido o leitor a ler (ou reler) nossa propos-ta, avaliar a distância que ainda nos separa deum sistema viável e justo de Previdência Social everificar se há razões para alimentar alguma es-perança ou se vamos perder o bonde.

Andrei Bonamin/LUZ

Hélio ZylberstajnDoutor em Economia pelaUniversidade deWisconsin-Madison,professor adjunto daFaculdade de Economia,Administração eContabilidade da USP, ex-secretário de Emprego doMinistério do Trabalho eEmprego e membro doConselho de Economia daAssociação Comercial deSão Paulo.

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14 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Danilo Ramos / e-SIM

Joaquim ElóiCirne de ToledoPh.D em Economia pelaMassachusetts Institute ofTechnology (MIT), foi professorda FEA-USP e diretor executivodo Banco Nossa Caixa.

No meu artigo de 2010, sugeri um conjunto demedidas de política econômica para depreciara taxa real de câmbio e reduzir a taxa básica dejuros e os spreads de crédito. O objetivo

último era o desenvolvimento econômico equilibrado, istoé, com crescimento, melhor distribuição de renda e riqueza,e estabilidade de preços. Argumentei que uma taxa real decâmbio (relativamente) depreciada, e menores custos decapital, induziriam não apenas ao crescimento do estoquede capital, mas também ao progresso técnico, especialmentepela emulação e difusão de técnicas e tecnologias jáconhecidas noutros países.

Entre as medidas propostas, destacavam-se: políticasfiscais restritivas; redução, ao longo do tempo, do estoqueda dívida pública líquida, por meio da maximização dossuperávits primários; redução dos encargos fiscais sobre afolha de pagamento; instituição de royaltiessignificativamente mais elevados sobre toda a produçãomineral; instituição de impostos (como a CIDE) sobre aprodução de minerais brutos, com alíquotas decrescentesao longo do tempo; maior liberalização da legislaçãocambial, viabilizando maiores investimentos de brasileirosno exterior; reforço nas estruturas legais de defesa da

concorrência; implantação de sistemas de cadastro positivo;imposição de limites legais (razoáveis) para taxas de jurospara consumidores; ação do Banco Central (BC) para coibir,através de persuasão, spreads excessivos; e forte atuação debancos públicos na concessão de crédito a micro e pequenasempresas, sem a imposição de restrições individualmenteestabelecidas sobre os potenciais demandantes de crédito,agindo como verdadeiros garantidores da liquidez dessesegmento empresarial.

Decorridos quatro anos, constata-se que algumas poucasdessas medidas foram efetivamente adotadas, mas osobjetivos estão longe de serem alcançados.

Para decepção deste autor, em vários casos as políticasadotadas foram diametralmente opostas às recomendadas,como é o caso conspícuo das políticas fiscal, monetária ecambial: ao invés de políticas fiscais restritivas, adotaram-sepolíticas de expansão da demanda doméstica; em lugar demaximizados, os superávits primários foram minimizados esão cadentes; ao invés de estímulos à poupança e aoinvestimento, foram concedidos inúmeros estímulos aoconsumo privado e houve algum aumento do consumo público(gastos correntes); em consequência, o BC acabou aumentandoas taxas de juros e controlando a taxa de câmbio, como

Câmbio, juros e spreads –propostas de

política econômica

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15JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

instrumentos de controle da inflação (que não foi reduzida,apesar da administração arbitrária de preços, causadora demúltiplas distorções, como no caso dos setores energéticos);assim, tanto a política fiscal como a monetária e a cambial foramaplicadas na direção contrária ao que sugeri em 2010.

Quanto aos objetivos finais, vieram resultadosdecepcionantes: o crescimento econômico se desacelerou;no ritmo atual, a taxa de crescimento do período 2011-2014será uma das mais baixas desde a proclamação daRepública; a taxa de investimento (Formação Bruta deCapital Fixo) caiu e permanece em queda; tanto osinvestimentos privados como os públicos (incluindo asempresas estatais) se reduziram; a taxa de poupança internacaiu ao menor patamar deste século, equivalendo a apenascerca de um terço da média verificada entre os emergentes eà metade do padrão global (Folha de S. Paulo, 6/6/14); aprodutividade está estagnada e o ritmo de adoção deinovações é decepcionante; a dívida pública líquida não sereduziu, enquanto a dívida bruta atinge níveis elevados.

Assim, as medidas anteriormente propostas permanecematuais para atingir os objetivos desejados. Adicionalmente,sugere-se: negociação de acordos comerciais bilaterais comgrandes blocos econômicos, para aumentar

significativamente a inserção da economia brasileira nasestruturas globais de produção, de inovação e de fluxos deinvestimentos; adoção de políticas tributárias mais neutras,minimizando distorções de preços relativos; regrastributárias uniformes entre os diversos entes federativos,eliminando-se a “guerra fiscal” como forma de concessão devantagens de localização; aumentos nos preços decombustíveis, inclusive com o restabelecimento da CIDE, deforma a refletir não apenas seus preços internacionais, comotambém para reduzir as deseconomias externas (custos depoluição e congestionamento) geradas por seu consumo;revisão da política de preços de energia elétrica, para quereflitam plenamente os custos marginais de sua produção(evitando-se eventuais lucros abusivos através de tributação,como pela CIDE).

O desempenho insatisfatório da economia brasileira nosúltimos anos poderia ter levado a mudanças nas ideias quetêm orientado as políticas econômicas; não é motivo desurpresa, porém, que não o tenha feito. Afinal, já se disse que“fatos não destroem ideias; ideias destroem ideias”. Pode sermuita pretensão deste autor que as ideias apresentadas em2010 e agora levem a mudanças, mas, afinal, a esperança é aúltima que morre.

No ritmo atual, a taxa de crescimento do período 2011-2014 será uma das mais baixas desde a proclamação da República.

Pablo de Sousa/LUZ

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Quase nada do que foi sugerido em nosso artigo de2010 foi reconhecido como prioridade na gestãoda Presidente Dilma Rousseff, ao longo dos últi-mos quatro anos. Façamos, então, a revisão de ca-

da uma daquelas demandas com o objetivo de atualizá-las eoferecê-las à consideração do novo Presidente da República.

1. Revisão do modelo institucional. Essa ainda é a primeiraentre as medidas sugeridas ao novo Presidente da República.Aliás, já em 2010 esse o aspecto era, de longe, o mais relevanteentre os 11 pontos sugeridos. Esse aspecto, entretanto, não re-cebeu praticamente nenhuma atenção do governo DilmaRousseff. Por isso, esperamos que o novo governo reveja e apri-more“a legislação e o modelo institucional privatizado das Co-municações como um todo, harmonizando-o e promovendoseu ordenamento jurídico, sem desfigurá-lo”.

A rigor, ainda persiste um abismo legislativo entre telecomu-nicações e comunicação de massa – em especial a Radiodifusão,que abrange as emissoras de rádio e de TV aberta, até porque alegislação que rege a Radiodifusão brasileira se resume a um ca-pítulo da Lei 4.117, de 1962 (mais do que cinquentenária), conhe-cida pelo nome de Código Brasileiro de Telecomunicações.

Até a lei relativamente mais recente e moderna, que rege a

telefonia e as telecomunicações – Lei Geral de Telecomunica-ções (LGT), de nº 9.472, de 16 de julho de 1997– necessita deatualização em diversos pontos, em especial depois do adven-to da internet e do impacto e das implicações das Redes Sociais,da mobilidade, da Computação em Nuvem e de fenômenos co-mo o Big Data na vida econômica, social e cultural do País.

2. Estimular o investimento privado. Como fizemos em2010, reiteramos a sugestão de que o novo governo confiramaior estímulo, tanto ao investimento privado no setor, bemcomo à atração de novas operadoras de modo a ampliar a com-petição na área de serviços.

3. Desoneração tributária. Há quatro anos, sugerimos ao novogoverno que reduzisse significativamente a absurda carga tribu-tária de 43% (média nacional) que onera diretamente todos os ser-viços de telecomunicações, inclusive os novos serviços, como osde acesso à internet em banda larga. Embora o governo DilmaRousseff tenha reconhecido o problema, a única medida concretafoi a redução dos tributos federais (PIS/PASEP) incidentes sobreos serviços de banda larga, que representam menos de 10% do to-tal de tributos que oneram os serviços). Nada foi feito na área dostributos estaduais, como ICMS, maior parcela da tributação, coma alíquota de 33% sobre o valor dos serviços.

Tudo que ainda precisa serfeito nas Te l e c o m u n i c a ç õ e s

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4.ProfissionalizarefortaleceraAnatel.Eisaíumaspectopo-sitivo do governo que se encerra. Sugerimos, entretanto, queseja aprofundado nos próximos quatro anos. Além disso, aAgência Nacional de Telecomunicações (Anatel) precisa serpreservada de interferências político-partidárias.

5. Acelerar a inclusão digital. Ao longo dos últimos qua-tro o anos, quase nada foi feito em âmbito governamentalnessa área. Sugerimos, portanto, que o novo governo formu-le políticas públicas e crie condições para a inclusão digital,a começar da elaboração de um novo Plano Nacional de Ban-da Larga muito mais ambicioso e baseado em parcerias pú-blico-privadas (PPP).

6. Fortalecer a indústria nacional. A indústria brasileira viveumlongoperíododetotal retrocesso, inclusivenaproduçãodecelulares para exportação, em decorrência da queda contínuade competitividade de nossa economia. Reiteramos a necessi-dade desse fortalecimento sem qualquer protecionismo ou re-serva de mercado, mas, a partir de estímulos de ordem fiscal eforte incentivo à pesquisa e à formação de recursos humanosaltamente qualificados.

7. Aprimorar a qualidade dos serviços. Embora esse pontotenhamerecidoboaatençãodoMinistériodasComunicaçõese

da Anatel, julgamos que deva ser aprimorado ainda mais, commaioratençãoaospadrõesdeatendimentodousuário.Aolon-go dos últimos quatro anos, o País iniciou o processo de ava-liação da qualidade dos serviços. Os cortes radicais do orça-mento da agência reguladora, entretanto, impediram sua am-pliação,alémdenãopermitiremmaiorfiscalizaçãodaaçãodasprestadoras de serviço.

8. A escolha de ministro competente. No período 2010-2014,o governo escolheu, sem dúvida, um ministro das Comunica-ções competente e comprometido com o desenvolvimento se-torial. Seu trabalho, no entanto, não obteve os melhores resul-tados porque as demais condições e pontos sugeridos em 2010não se concretizaram, diante da baixa prioridade das Comu-nicações nas políticas do governo federal.

9. A inutilidade da Telebrás. Como o fizemos em 2010, rei-teramos que o novo Presidente da República reveja a anacrô-nicareativaçãodaTelebrás–que,praticamente,nadatemfeitoem favor da democratização da banda larga no País.

10. Papel regulador e fiscalizador do Estado. Reiteremos,por fim, esta última sugestão oferecida em 2010 que não me-receu a devida a atenção do governo federal nos últimos qua-tro anos.

Ethevaldo SiqueiraJornalista, escritor econsultor nas áreas deTelecomunicações,Tecnologia da Informaçãoe Economia Digital.

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18 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Black blocs

Evandro Monteiro / Hype

Clóvis PanzariniEconomista formado pelaUSP, ex-coordenadortributário da Secretaria daFazenda paulista, é sócio-diretor da CP ConsultoresAssociados.

Apontei no artigo de 2010 as decanta-das mazelas do sistema tributáriobrasileiro, sua ineficiência, comple-xidade, iniquidades e inconcebíveis

irracionalidades, e sugeri caminhos para, pelomenos, mitigá-las. Passados quatro anos, aqualidade do sistema não é mais a mesma. Pio-rou. E sua reforma parece cada vez mais distan-te, tangida por um debate tosco, focado somen-te na arrecadação e na divisão federativa do bo-lo tributário. A busca da eficiência econômicapassa ao largo do debate e esse olhar de curtís-simo prazo obscurece o desastre econômicoque se avizinha.

Os custos que o sistema tributário impõe àcompetitividade da economia empurram ine-xoravelmente o País para a armadilha do baixocrescimento, da desindustrialização, do com-prometimento das contas externas e, por decor-rência, do próprio equilíbrio fiscal. Não é levadoem conta que a boa arrecadação decorre do bomcrescimento econômico e que o foco exclusivona busca de mais receita a qualquer custo com-promete a base de cálculo dos impostos, o PIB.

Os impostos indiretos, predominantes naformação da carga tributária e regressivos pornatureza, são os principais vilões do “s i st e m a ”,se é que assim pode ser considerado esse amon-toado de obscenidades tributárias. A profusãode tributos sobre o consumo e produção coloca

o Brasil em vergonhosa posição no rankingmundial de custos de conformidade tributária,enlouquece os contribuintes e empobrece oconsumidor, vítima última dessa exação fiscale n s a n de c i d a .

Meia dúzia está na (in)competência federal.Os mais notórios, o esquisitão Imposto sobreProdutos Industrializados (IPI), o PIS e a CO-FINS, estas duas “contribuições” permeando acadeia produtiva de forma cumulativa em al-guns setores e não cumulativa em outros. Hajaesquisitice! Acresça-se a esses o Imposto de Ren-da de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição So-cial sobre o Lucro Líquido(CSLL) que, para con-tribuintes optantes pelo regime de lucro presu-mido (cerca de 80% deles), cascateiam-se sobre ofaturamento. Mais recentemente, para empre-sas que compõem 56 setores de atividade, esco-lhidos sabe-se lá por qual critério, foi criadamais uma contribuição de 1% ou 2% sobre o fa-turamento em substituição à contribuição pre-videnciária sobre a folha salarial.

E não é demais citar o sistema SIMPLES, queacomoda pequenas e médias empresas sobrecujo faturamento incide um conjunto de alí-quotas representativas dos tributos das três es-feras de governo. À exceção das empresas op-tantes pelo SIMPLES, as demais se submetem aaté seis(!) tributos federais sobre o consumo,conforme já citados. Esse indigesto vatapá tri-

dosistema tributário

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Os impostosindiretos,

predominantes naformação da cargatributária, são osprincipais vilões

do sistema.

Fernando Salgado / ACSP

butário é ainda apimentado por um sem núme-ro de taxas e outras contribuições federais, es-pecialmente aquelas incidentes sobre insumosfundamentais, como combustíveis, energiaelétrica e telecomunicações, que ardem no cus-to das empresas e no bolso dos consumidores.

Nessa incrível corrida rumo ao caos, os Es-tados são fortemente competitivos. Com o in-teresse arrecadatório sempre se sobrepondo àbusca de eficiência, transformaram o seu im-posto sobre consumo, o ICMS, em arremedodo bom imposto sobre valor agregado (IVA),como fora concebido originalmente. Espan-cado ao longo do tempo pela ensandecidabusca de arrecadação a qualquer preço, oICMS é hoje um poço de ineficiências. A ado-ção abusiva e sem qualquer critério da subs-tituição tributária, que o transformou em exó-tico “imposto monofásico sobre valor agrega-do” – uma contradição em termos – somada àguerra fiscal, à guerra dos portos, à incidênciasobre os bens de uso e consumo e de capital eaté, por vias obscuras (não devolução de cré-ditos acumulados), sobre as exportações,transformaram-no em indecifrável monstrocumulativo, ineficiente e complexo, que faz aalegria do competidor estrangeiro.

Não é demais lembrar os municípios, quecom seu cumulativo Imposto Sobre Serviços(ISS), também contribuem para o caos reinante

na tributação do consumo, que erode não só acompetitividade das empresas, mas também obolso do cidadão.

Em 2013, enquanto a generosa mão direitado Programa Bolsa Família distribuía R$ 24,5bilhões às famílias de baixa (ou nenhuma) ren-da, a insensível mão esquerda do Fisco, delassubtraía R$ 12 bilhões, ou 48,8% do total distri-buído, que segundo a insuspeita Fundação dePesquisas Econômicas (FIPE) da USP é a cargatributária que onera as famílias com rendamensal de até dois salários mínimos.

Tramitam no Congresso Nacional váriaspropostas de emenda constitucional (PEC197A/2012; PEC 71/2011 e PEC 103 2011), pro-jetos de lei complementar (PLS 106/2013; PLC99/2013; PLS 95/2014 e PLS 40/2014 ), e umprojeto de resolução do Senado Federal (PRS1/2013), que tratam do sistema tributário e dãoboa medida da péssima qualidade do debateque ocupou o último quadriênio. Nenhumadelas tem qualquer aderência com os anseiosdo setor produtivo ou dos cidadãos-consumi-dores brasileiros. Refletem, sim, e só, a exacer-bada luta federativa por mais receita fiscal. Abusca da eficiência, simplicidade, transparên-cia e isonomia passam longe dessas propostas.Assim, concluo que o artigo “Conceitos parauma reforma tributária”, que escrevi há quatroanos, continua atual. E muito!

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O Futuro do Agronegócio:de 2010 a 2014

Newton Santos / Hype

José RobertoMendonça deBarrosFormado em Economiapela USP, doutor emEconomia pela mesmauniversidade e pós-doutorado no EconomicGrowth Center, da YaleUniversity (EUA).

No início de 2010, esboçamos o quenos parecia ser o futuro do agro-negócio: muito bom, mas cheiode desafios para o setor e para as

políticas públicas. Quatro anos depois, parece-nos ser útil uma revisão do que foi sugerido e doque efetivamente aconteceu com o setor e a po-lítica agrícola. É o que tentamos fazer agora, se-guindo a mesma estrutura do artigo original.

I - Falsas dicotomias: “Criou-se um conflitopermanente entre o agronegócio e a pequenaprodução, atribuindo a cada um destes seg-mentos políticas econômicas específicas...Ora, o conceito do agronegócio não tem rela-ção alguma com escala de produção ou tipo depr od uto r”. Lamentavelmente, nada dissomudou nestes anos. O governo continua ten-do dois ministérios distintos, o que reduz a po-tência da política agrícola, exclusivamentepor razões ideológicas.

“Outra falsa dicotomia diz respeito ao conflitoentre o meio ambiente e a agricultura”. Aquiexistiram avanços: havíamos colocado que “épossível ampliar a produção sem aumentar ode s m a t a m e n t o ”, e em boa medida isto aconte-ceu, tanto em decorrência de esforços oficiais,quanto de ações privadas (como o programa SojaLegal). Número recente da revista The Economistreconhece o fato ao escrever: “O País mostrouque é possível ter uma grande elevação na pro-dução de alimentos, sem destruir a floresta”(07/07/2014, tradução nossa). Ao mesmo tempo,a resistência à pesquisa, desenvolvimento e usode transgênicos claramente se reduziu. Outraárea na qual houve avanço foi na de defensivos,com o Programa Nacional de Controle de Resí-duos, que hoje é o maior do mundo.

O item mais relevante nesta questão que en-

volve agricultura e meio ambiente é o da im-plantação do Código Florestal, finalmenteaprovado há dois anos. O texto é bastante ra-zoável, especialmente por garantir que a mataciliar recomposta possa ser contada como re-serva, nos desmatamentos realizados até 2008.Permite também, a compensação entre o défi-cit de reserva de uma dada propriedade comexcesso em outras. A questão mais difícil estána implantação do Cadastro Ambiental Rural(CAR), que foi finalmente regulamentadoatravés de uma Instrução Normativa do Minis-tério do Meio Ambiente, em maio deste ano. É apartir do CAR que as propriedades com passi-vos ambientais farão seus programas de re-composição, recuperação, regeneração oucompensação de áreas. Ainda existem dúvidase teremos muitas discussões, mas é certo que aquestão está avançando.

II - Grandes oportunidades no mercado in-ternacional: o País se aproveitou delas comobem ilustra a evolução do saldo comercial agrí-cola e sua importância no saldo global. Em2010, a balança comercial foi de 20 bilhões dedólares e a do agronegócio de 63 bilhões, trêsvezes maior. Em 2013, o saldo da primeira foide 2,6 bilhões de dólares, enquanto que a doagronegócio foi de 83 bilhões, 32 vezes maior!

O setor continua como único importante daeconomia do País a ter na mudança técnica e naelevação da produtividade o centro de seu mo-delo de negócios. Com isto, é capaz de “pagar”por muitas ineficiências da política econômica,como por exemplo, a precariedade da infraes-trutura que eleva os custos de transporte.

O que destoou deste quadro positivo foi aevolução do setor de sucroenergético, que en-trou numa grande crise, como consequência da

AlexandreMendonça deBarrosEngenheiro agrônomo edoutor em EconomiaAplicada pelaE S A L Q / U S P.

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21JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

lamentável política de controle artificial de pre-ços de combustíveis decidida pelo governo nosúltimos anos, e que deve continuar sem altera-ções até o ano que vem.

III - Principais riscos e desafios da agrope-cuária brasileira: sugestões.

Risco de produtividade: o seguro agrícola e ofundo de catástrofe pouco avançaram.

Risco de variação de preços: o mercado deopções não aconteceu.

Risco de variação da taxa de câmbio: perma-nece sem novidades.

Crédito rural: cresceu o volume, sem modi-ficações estruturais do tipo Simples Agrícola,da operação propriedades na pessoa jurídica,uma Central de Riscos etc.. Com isto, os riscoscresceram e aparecerão caso ocorra frustraçãogeneralizada de safra.

Risco sanitário: controle da febre aftosa avan-çou e melhorou a percepção externa quanto aobaixo risco da chamada “vaca louca”.

Riscos institucionais: certamente se eleva-ram, com o suporte semi-oficial a invasões e osconstantes aumentos nos pedidos de áreas parareservas indígenas, quilombolas e outras. Adi-cionalmente, e este não é um risco apenas agrí-cola, o aumento da complexidade e impreci-sões na legislação trabalhista é um problema.

Finalmente, muito pouco foi feito na críti-ca área da infraestrutura. Além disso, a polí-tica comercial externa pouco trabalhou naabertura de novos mercados ou na reduçãodo protecionismo, como o da Política Agríco-la Comum da Europa.

Em resumo, o setor do agronegócio avan-çou muito neste período. Entretanto, o mes-mo não aconteceu com as políticas públicaspara o setor.

O País mostrouque é possível

aumentar aprodução de

alimentossem destruir

a floresta.

Dirceu Portugal/AE

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22 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

SUS: Tempos deRenovação versus Tempos

de Conflito

O governo federal participa cada vez menos do financiamento da saúde pública.

Em nosso artigo de 2010 defendemos que o SUS eraum sistema vitorioso, mas que precisava serrenovado. Vitorioso, porque conseguiutransformar o acesso a saúde em direito do cidadão.

Vitorioso porque em poucos países do mundo uma pessoade baixa renda que precise de um transplante tem apossibilidade real de chegar à sua realização. Vitoriosoporque em poucas políticas é identificável uma relação tãoestreita entre o profissional e a ação pública.

Renovação porque o conceito de universalidade ainda

aparece de forma distorcida na política pública de saúde.Renovação porque não há como tapar os olhos para umsistema suplementar que movimenta bilhões de reaisestabelecendo laços pouco claros com as unidades de saúde,os segurados/cidadãos e as políticas de prevenção.

As disparidades do desenvolvimento brasileiro refletem-seno setor saúde com a abertura de um leque de desafios que vaidesde a manutenção das campanhas de vacinação, onde o Paísfoi tão competente, até a demanda por equipamentos emedicamentos de última geração, aspecto onde o Brasil detém

Luciano Claudino/Ag. O globo

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23JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

capacidade de atendimento muito mais que a desejável.Montar estratégias de gestão e financiamento adequados

em situações de fragmentação administrativa também não éuma tarefa das mais fáceis. A vocação brasileira pelamunicipalização das políticas conflita com a questão daescala de atendimento. Não é desejável que haja um hospitalem cada cidade, mas os hospitais de uma cidade polo têm queestar abertos aos munícipes das cidades vizinhas.

As grandes bandeiras levantadas nos últimos quatro anosnão condizem com as necessidades de reformas que o SistemaÚnico de Saúde poderia promover para atingir um patamarmais elevado em termos de acesso à saúde. A grandeproposta da administração Dilma foi a expansão dasUnidades de Pronto Atendimento (UPA).

As UPAs foram uma criação do governo do Rio deJaneiro, interessantes por sua alta resolutividade e umaboa estratégia num sistema de saúde em estado crítico.Infelizmente, significam pouco do ponto de vista daorganização do sistema de alta e média complexidade emsua interação com a atenção básica, muito menos para aregionalização do atendimento. A política acabou seconfundindo com uma estratégia de repassar dinheiropara os aliados políticos, tanto os velhos como os novos.

Na área da assistênciaos avanços foramtímidos e vacilantes.Algumas inclusões deprocedimentos de granderepercussão na tabelaSUS e nenhum grandeajuste estrutural nosvalores. No caso doshospitais filantrópicos,algumas benesses depoisque os mesmos ficaram aum passo da falência, oque realmente não sepode apelidar de umapolítica de assistência.

No campo dosinsumos,medicamentos,biológicos e materiais, apolítica de parceriaspara o desenvolvimento produtivo (PDP) acaboudemonstrando como se pode demolir uma boa ideia.A transferência de tecnologia seria possível, se oslaboratórios oficiais fossem preparados para isso, o quenão foram. A produção nacional poderia dar um salto, se aescolha de produtos e parceiros não parecesse um tiroteio,onde os produtores e governo querem fazer de tudo,mesmo aquilo que depende de escalas “ch inesas” para sertécnica e economicamente viável.

Pior, a política dos medicamentos genéricos, de grandeimportância em países desenvolvidos, foi relegada ao terceiroplano das preocupações do Ministério da Saúde e da ANVISA.

A questão do financiamento, ou seja, da regulamentação

Geraldo BiasotoEconomista formado na

Unicamp, com mestradoe doutorado na mesma

universidade.

da Emenda Complementar n. 29, frequentou o debate demaneira singular, dado que não se apostou na estabilidadedo financiamento, mas na ampliação dos graus deliberdade governamentais para reduzir os recursos dasaúde. Pior, o governo federal participa cada vez menos dofinanciamento da saúde pública.

No campo da saúde suplementar, ao contrário doestabelecimento de pontes de conexão entre o mundo da

saúde pública e os planose seguros de saúde, o queacabou ocorrendo foi umprocesso de captura doagente regulador porparte do mercado.Conquanto intervençõese suspensões defuncionamento tenhamocorrido, isso nãosignifica regulação e aANS jamais conseguiucaminhar no sentido dofortalecimento dasinstituições e damelhoria das condiçõesde atenção aossegurados.

A falta de um projetopara a saúde ficou tãoevidente, para o próprio

governo, que ele se conscientizou que algo tinha que serfeito. O Mais Médicos, então, nasceu, não como política desaúde, mas como um grande fato para afogar a percepçãode inércia. A crítica ao Mais Médicos não é uma crítica apessoas que vieram exercer sua profissão e que podem serimportantes para cobrir deficiências em termos de númeroe tipo de especialidade da formação brasileira. A crítica é,ao contrário, a falta de um projeto para a gestão de recursoshumanos e para a formação do profissional de saúde.

As últimas pesquisas de opinião são impiedosas comgoverno Dilma, focando a saúde como maior problema,justamente pela percepção do que falta: um projeto. Naausência do novo, restou a potencialização dos conflitos.

Zé Carlos Barretta / Hype

André Lessa/AE

A grande proposta da administração Dilma foi aexpansão das Unidades de Pronto Atendimento (UPA).

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24 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Investimento público, umnó que não se desata!

Newton Santos/ Hype

José Roberto AfonsoEconomista de carreira do

Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e

Social (BNDES), mestre pelaUFRJ (Universidade Federal do

Rio de Janeiro) e doutorandodo Instituto de Economia da

Unicamp (UniversidadeEstadual de Campinas).

Há quatro anos argumentamos queum nó segurava os investimentospúblicos no País, e que havia um for-te ativismo do governo federal no

combate à crise que surgiu de 2008 para 2009. Dí-vida e crédito governamentais dispararam. Mas,o investimento público praticamente não saiu dolugar. O pior é que oportunidades para desatar onó podem ter sido perdidas quando se elevou ofinanciamento para investimento e não para am-pliá-lo, confundindo mudança de fontes com oaumento dele. Há anos há um consenso de queum dos desafios fundamentais para a economiabrasileira é elevar os investimentos públicos e aformação total de capital fixo relativamente aoPIB. Em taxas fecharam 2013 em 2,4% e 18,4% doPIB, respectivamente. A primeira foi exatamenteo mesmo índice registrado em 2009, ainda que asegunda fosse então de 16,5% do PIB. Não há oque comemorar porque este último ano era o au-ge da crise global. O IPEA é a fonte de dados sobreinvestimentos deste artigo.

A pretexto de dar prioridade máxima aos in-vestimentos, o governo federal criou o Plano deAceleração do Crescimento (PAC) em meadosda década passada. A publicidade funcionoumelhor que suas realizações, pois o investi-mento fixo executado pelo mesmo governo foi

de apenas 0,7% do PIB no ano passado, apenasum décimo acima do registrado em 2009. Não éprioritário um gasto no qual o governo federaldispende apenas cerca de 3% dos tributos quearrecada.

Keynes foi ressuscitado para justificar o re-curso ao endividamento público. Passados cin-co anos, a economia saiu da crise, mas segue es-tagnada, com o PIB mal crescendo 2% ao ano, ainflação furando o teto da meta de 6% e a taxanacional de investimento recuando 0,7 pontopercentual do produto. Ao lado desse endivida-mento, veio o fomento ao crédito. A dívida pú-blica bruta (o conceito mais usado internacio-nalmente) aumentou em seis pontos do PIB en-tre agosto de 2008 e dezembro de 2013 (quandochegou a 65,7% do PIB). A concessão de créditopelo Tesouro a seus bancos aumentou em 7,7pontos do PIB no mesmo período (fechando em16,2% do PIB em 2013). A receita keynesiana foimal aplicada porque, mesmo com forte endivi-damento público, o investimento nacional nãocresceu, e o governamental mal saiu do lugar.

A descentralização é característica históricae crucial dos investimentos públicos no Brasil.Do total de 2,4% do PIB em 2013, 29% eram fe-derais, 31% municipais e 40% estaduais. Noâmbito estadual, o Tesouro Nacional promo-

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25JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

veu um rápido e intenso endividamento ao ga-ranti-lo em organismos multilaterais e bancosfederais. Porém, no ano passado o investimen-to fixo dos estados foi de 0,94% do PIB quandohá três anos era 1,04%.

De novo houve mais mudança nas fontes doque aumento dos investimentos. O mesmo pa-drão deve ter ocorrido nas empresas privadasque buscaram crescentemente o BNDES, parafinanciar com recursos oficiais os mesmos pro-jetos, ou parcela deles, que custeariam com re-cursos próprios. Uma diferença crucial, porém,é que, enquanto as empresas aproveitaram paraaumentar sua liquidez, os governos estaduaisdestinaram poupança antes aplicada em obraspara aumentar despesas correntes, inclusivemaior folha salarial, e assim reduzir seu supe-rávit primário de forma permanente, compro-metendo ainda mais o futuro de suas finanças.

A política econômica dos últimos anos sepul-tou o princípio de que, ao reduzir os juros bási-cos, seria feita uma economia e aberto um espa-ço fiscal para mais investimentos. Ao acúmulocustoso de reservas internacionais, se agregouum enorme volume de crédito a juros subsidia-dos, de modo que a queda da Selic não reduziuos gastos com juros do governo. A taxa implícitada dívida líquida foi mantida na casa de 15% ao

longo dos últimos anos pelo descasamento en-tre as taxas do crédito a receber e da dívida a pa-gar. Nada autoriza a supor que aquela taxa ago-ra venha a cair diante da crescente Selic.

Como se vê, ficou ainda mais difícil desatar onó do investimento público. Antes de tudo, seráinevitável estimular ao máximo as concessões eas parcerias com o setor privado para que ele fi-nancie e gerencie o máximo possível de obras deinteresse público. Na mesma direção, cabe reverincentivos fiscais e finalmente desonerar de for-ma efetiva a aquisição de bens de capital, dandocrédito a quem os adquire, em lugar de apenas re-duzir impostos sobre sua produção. Será precisoreconhecer que a descentralização dos investi-mentos uma marca histórica desse gasto e traçarum programa adequado para induzir um efetivoaumento dele nas esferas estadual e municipal.Uma alternativa ousada, mas eficiente, seria acei-tar que pagassem parte das prestações da sua dí-vida rolada pelo Tesouro em obras que efetiva-mente comprovassem um aumento em relaçãoàs inversões passadas.

Enfim, cabe uma nova política fiscal e econô-mica e o manejo de novos instrumentos fiscais, in-cluindo a desestatização e a descentralização, pa-ra finalmente começar a desatar o nó que compri-me a taxa de investimento, público e nacional.

A pretexto de darprioridade máximaaos investimentos, o

governo federalcriou o Plano deAceleração do

Crescimento (PAC).

Paulo Pampolin / Hype

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26 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

O Diagnóstico da Política

Marcos Mendes / e-SIM

Nelson MarconiMestre e Doutor emEconomia pela FundaçãoGetúlio Vargas.

Essa política avançou muito pouco desde2009, ano de nossa análise anterior. Nessepouco, os avanços mais significativos daforam a aprovação do regime de previ-

dência complementar dos servidores públicosfederais e o arrefecimento das contratações, bemcomo dos reajustes de salários, que continuaram,porém em magnitude menor.

A nova regra previdenciária só se aplicaaos contratados após sua implementação; lo-go, não reduz as despesas com aposentado-rias no presente, mas é fundamental paraamenizá-las no futuro. Esse será o maior ga-nho, em termos fiscais.

A despesa federal com pessoal evoluiu de R$167 bilhões em 2009 para R$ 222 bilhões em2013 (segundo o Boletim Estatístico de Pessoaldo Ministério do Planejamento), ou 7,4% aoano, demonstrando que estes gastos continuamevoluindo em termos reais. Apenas em 2012 is-to não aconteceu. Desta vez o Judiciário apre-sentou variação bem inferior à dos demais Po-deres (média de 3,3% no mesmo período), poisseu plano de carreiras que previa aumentossignificativos de salários já tinha sido anterior-mente implementado. Os demais Poderes tive-ram variações semelhantes às observadas parao resultado geral. As despesas com inativosevoluíram praticamente na mesma proporçãoque as dos ativos.

Chama atenção que mesmo sem conceder rea-justes lineares no período essa despesa evoluiuacima da inflação. É um sinal de que problemasdiagnosticados anteriormente permanecem. Umé a própria evolução das despesas com aposen-tadorias já citada; vamos discutir os demais.

Para identificar outras fontes de crescimentodas despesas, vale ressaltar que a evolução doquantitativo de servidores não foi acentuadaentre 2009 e 2013, ao contrário do que ocorrianos anos anteriores; a variação média anualdesse indicador foi de 1,9%, sendo que entre oscivis do Poder Executivo, que emprega mais

pessoas, atingiu 2,5%. Variação análoga ocor-reu entre os militares. A forte tendência de cres-cimento de contratações parece ter sido rever-tida. O número de aposentados e servidoresque faleceram e geraram pensões também au-mentou pouco, 0,9 % na média anual.

Porém, como a despesa aumentou propor-cionalmente bem mais que o quantitativo deservidores ativos, a remuneração média tantodesses últimos como dos inativos se elevou.Assim, esta continua uma tendência que pres-siona fortemente as despesas com pessoal. Asremunerações continuam bastante superioresàs pagas no setor privado, mesmo que estas úl-timas tenham se elevado em proporção maiornos últimos anos. Ainda que os aumentos li-neares de salários tenham sido praticamenteeliminados, recomposições salariais específi-cas continuaram a ocorrer sem um planeja-mento prévio e um estudo das distorções sala-riais de cada grupo de servidores e a análise desua premência. Acabam ocorrendo como res-posta a pressões das associações e sindicatosmais organizados. Um exemplo foi o reajustedos policiais federais, categoria com históricopoder de barganha, antes da Copa de 2014.

Na verdade, continua faltando ao governo fe-deral um planejamento de sua força de trabalhoque identifique suas necessidades em termosquantitativos e de perfil, bem como dos níveis re-muneratórios justos e passíveis de serem finan-ciados pela sociedade. A título de exemplo dasconsequências dessa falta de planejamento, le-vantamento baseado nos dados integrantes da“Tabela de Remunerações dos Servidores Públi-cos Federais”, nº 60, possibilitou a identificaçãode 391 cargos passíveis de identificação de suasatribuições específicas e outros 123 planos de car-gos que não possibilitavam essa identificação.Como resultado, há diversos servidores desem-penhando atribuições semelhantes recebendoremunerações distintas.

Noutro exemplo da falta de planejamento

do Governo Público Fed

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27JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

A despesa federalcom pessoal

evoluiu de R$ 167bilhões em 2009

para R$ 222bilhões em 2013.

do perfil de contratações, dados do Poder Exe-cutivo, oriundos do Boletim Estatístico de Pes-soal, indicam que do total de contratados entre2009 e 2013, 39% eram de servidores com esco-laridade de nível intermediário. Para um go-verno como o federal, mais voltado à elabora-ção e implementação de políticas públicas queà prestação direta de serviços à população, essepercentual parece excessivo.

O número de cargos em comissão (conside-rando apenas os DAS, que não incluem cargoscomissionados de universidades e agências regu-ladoras, entre outros), aumentou 7% entre 2009 e

2013. Isto é explicado pelo crescente número deministérios e secretarias especiais, derivado daacomodação de alianças políticas, e não de umdiagnóstico que identificasse uma deficiência naquantidade de supervisores e assessores.

Assim, infelizmente parece que se gasta bas-tante nessa área, porém equivocadamente. Al-guns poucos avanços importantes vieram,conforme já citados, mas um planejamentomais adequado da gestão de recursos humanoscertamente contribuiria para melhorar o perfilda força de trabalho e arrefecer o aumento des-se item de despesas no governo federal.

Carlos Humberto/Ag.Pixe

de Recursos Humanoseral: uma atualização

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28 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Propostasde PolíticaIndustrial

Luiz Prado / LUZ

Patrícia MarroneEconomista e mestre emEconomia pelaUniversidade de São Paulo,com cursos na Universidadede Chicago e na WhartonSchool (EUA).

Optei por adicionar ao meu artigo de 2010. Uma em-presa industrial precisa ter margem de lucro, esca-la e produtividade. Toda política industrial temque melhorar um ou mais desses elementos.

O ponto de partida para a revigoração da nossa indústria éequacionar, no plano federal, as questões horizontais, ou de te-mas que impactam toda a estrutura de preços relativos indus-triais. Assim, a taxa de juros precisa ficar dentro da média dosBRICs, a taxa de câmbio mais competitiva, o governo precisater disciplina fiscal e a infraestrutura ser muito aprimorada. Eter as reformas política, tributária, trabalhista e um choque degestão nas ações governamentais. A educação de qualidade éimportantíssima, precisa ser aprimorada logo, mas não teráefeito sobre a produtividade do trabalho no curto prazo.

A disciplina fiscal é importante porque vários setores da in-dústria têm parte da receita dependente de compras e de outrasdecisões governamentais. Se a gestão das finanças e dos pro-jetos públicos melhorar e houver mais recursos para investi-mentos em saúde, ferrovias, metrôs, estradas, obras de sanea-mento e educação profissional, vários setores industriais serãoimpulsionados. A força do interior é enorme, mas hoje operaem ritmo inferior ao potencial, pois os recursos públicos fede-

rais permanecem concentrados na União.A política de comércio exterior não tem sido usada como efe-

tivo instrumento da política industrial. A integração brasileiraàs cadeias globais de valor e o consequente aumento do valoradicionado fabricado no Brasil é meta a ser buscada.

E há monopólios nos mercados de alguns insumos, com o que aindústria que os usa acaba enfrentando preços acima da médiamundial. Cabe reduzir as alíquotas de importação desses produ-tos para forçar maior concorrência no seu mercado doméstico.

O excesso de estímulos ao setor automotivo, o real valoriza-do e a inefetividade da Petrobrás distorceram a matriz metal-mecânica, muito forte no Brasil há 15 anos atrás. Muitas empre-sas familiares foram vendidas a multinacionais, que desativa-ram linhas de produtos e hoje os trazem de fora. A desindus-trialização do setor seria atenuada se as regras fossem mais cla-ras e estáveis, e os investimentos em infraestrutura destravas-sem compras de caminhões, vagões, navios e plataformas. Sãoimportantes demandantes da cadeia do setor e diversificariamas compras dentro dela. Hoje é excessivamente dependente dosetor automobilístico, da renda da população e do crédito, to-dos de alto risco diante de crises internas ou externas.

Inovar em produto ou processo exige margem de lucro. Se

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29JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

muito apertada, não há como investir em P&D, softwares e labo-ratórios. Os reajustes salariais nos últimos anos têm superado ga-nhos de produtividade, comprimindo margens. O real valoriza-do e a concorrência de importados em setores que não têm comorepassar esses custos, também têm estreitado margens e impedi-do investimentos em inovação.

A informação é outra importante ferramenta da inovação. OIBGE precisa ser reforçado para gerar mais dados úteis à indús-tria. Incentivos e pontuação acadêmica a doutores e professo-res que atendessem consultorias à indústria e a divulgação deguias para apresentar projetos de inovação à FAPESP e ao IPT,além da distribuição de um cadastro dos institutos de pesquisa,com as suas especializações, aproximariam o empresário daprodução científica e tecnológica.

Quanto mais interligados estiverem os setores industrial ede serviços, menos vulneráveis estarão às oscilações do câmbioe à concorrência dos importados. Quem detém o mercado équem conhece o cliente. Atividades de manutenção absorvemengenheiros, contribuem para as compras de produtos indus-triais e fornecem informações úteis ao processo de inovação.São colchões nas épocas de crises, pois retêm o emprego de pro-fissionais qualificados e devem ser estimuladas.

Para mais investimentos ligados ao setor de energia é neces-sário dar sinais claros sobre tarifas que serão praticadas e os es-tímulos que serão dados, para definir composição das comprasentre produtos substitutos no Brasil. E entender estratégias de paí-ses que os importam do Brasil. O mesmo ocorre com as leis apli-cáveis à exploração e comercialização de insumos importantespara a indústria como borracha natural e sintética, tungstênio, co-balto, molibdênio, zinco, níquel e alumínio, entre outros.

O Brasil não é mais o país dos recursos naturais ilimitados. Oaquecimento global e os aglomerados urbanos gigantescos co-mo São Paulo submetem o meio ambiente a um enorme estres-se, pondo em risco a própria população. Na política regional, énecessário estimular a dispersão da população em cidades deporte médio-grande. Na política de construção civil, punir oexcesso de consumo de água, de energia e de produção de lixo epremiar soluções e construções novas e sustentáveis.

Por fim, os estímulos de uma política industrial não devemser vistos como favores a grupos, famílias ou classes sociais,mas como instrumentos para gerar externalidades positivas,cujo benefício se dissemine por toda a sociedade.

Inovar em produto ou processo exigemargem de lucro. Se muito apertada, não há

como investir em P&D e laboratórios.

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30 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

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Lídia GoldensteinFormada em Economiapela USP e doutora namesma área pelaUnicamp.

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No meu artigo de 2010 tentei mos-trar a relevância, para qualquerestratégia de crescimento sus-tentado, do que vinha sendo

chamado de Economia Criativa.Tratava-se de um conceito relativamente no-

vo, cunhado na Austrália, mas usado como estra-tégia de política pública já a partir de 1997 peloReino Unido. No Brasil era algo quase desconhe-cido ou utilizado apenas por militantes na área depolíticas culturais e/ou ligados ao artesanato,festas populares e/ou atividades voltadas para ainserção social de grupos de baixa renda.

Completamente ignorada ou até motivo desarcasmo por analistas e economistas que pau-tam o debate e conduzem a política econômicado País, a Economia Criativa foi apropriadapor defensores de causas nobres, porém em ge-ral marginalizadas, consideradas de menor im-portância frente às questões macroeconômicastidas como mais relevantes: PIB, câmbio, juros,inflação e déficit público, entre outras.

Curiosamente, mesmo entre economistas con-siderados desenvolvimentistas, que em geral fa-zem uma defesa de políticas industriais mais pró-ativas, o tema era ignorado ou desqualificado.Entre eles, continuam como referência básica asvelhas políticas industriais formatadas para a es-trutura industrial da década de cinquenta, cuja

precária estrutura de financiamento e a inexistên-cia de um mercado de capitais ativo a tornavammuito dependente de subsídios estatais.

Tivemos alguns avanços nos últimos quatroanos. A Secretaria de Economia Criativa do Mi-nistério da Cultura, criada pelo Decreto 7743,de 1º de junho de 2012, ampliou a compreensãodo tema, afastando-se da visão inicial, carica-tural na sua forma de entendê-lo como “cult urapopu lar”, dos pequenos, fracos, oprimidos emarginalizados. O BNDES ampliou o financia-mento aos setores ligados à Economia Criativa,contratou estudos importantes sobre novas in-dústrias tais como a de games, mas ainda assimde forma muito limitada e absurdamente des-proporcional ao que investe em setores da ve-lha matriz industrial brasileira. Infelizmente,mesmo com essa Secretaria os avanços forampoucos, apesar da relevância do assunto e daaceleração do processo de perda de competiti-vidade e desindustrialização do País.

Sob o rótulo de Economia Criativa, talvezequivocado pelas confusões que causa, o quese faz é analisar a indústria no mundo atual, asua nova dinâmica determinada pela intensifi-cação do processo de globalização, por uma no-va geografia econômica internacional e por no-vas tecnologias que obrigam a repensar não sóas formas de produção, distribuição e compe-

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31JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Apesar da criaçãoda Secretaria de

Economia Criativado Ministério daCultura, houvepouco avançoneste setor.

tição, como os próprios setores que podem de-terminar o dinamismo de uma economia.

Trata-se de discussão absolutamente essen-cial diante das condições de competitividadeda indústria brasileira, e que precisa ir muitoalém do óbvio e pertinente foco em infraestru-tura, tributos e dinâmica salarial. Trata-se dadiscussão sobre novos setores industriais e so-bre sua interdependência e interação com umsetor de serviços sofisticado, setores esses quese sobressaem no cenário internacional, geran-do valor e empregos diferenciados, mas essadiscussão o Brasil continua ignorando.

Qualquer que seja o presidente que venha a as-sumir em 2015 já se sabe o que esperar em muitasáreas: entre outras, correção de preços defasados,ajustes importantes nas contas públicas, amplia-ção dos investimentos em infraestrutura com re-tomada das concessões e melhoria do desempe-nho das agencias reguladoras.

O que não sabemos é como requalificar aeconomia brasileira, diminuindo sua depen-dência da exportação de commodities (que nãodeve ser desprezada), e garantindo um novodinamismo do setor industrial acoplado ao deserviços sofisticados. Isto passa, necessaria-mente, por investimentos nos setores que vemsendo chamados de Economia Criativa.

Em retrospecto, nossas propostas de 2010 con-

tinuam 100% válidas. O que mudou é a urgênciacom que temos de considerá-las. Perdemos maisquatro anos e o mundo não nos espera. A China,por exemplo, colocou a Economia Criativa comouma das principais metas do seu último PlanoQuinquenal, junto com novas energias limpas.Depois de começar copiando e produzindo gran-des quantidades a custo baixo, ela vem investin-do em desenvolver capacidade de pesquisa paraampliar sua competência tecnológica para pro-dutos e serviços de maior valor adicionado. Vemtambém realizando um esforço enorme paracriar uma capacidade endógena de design.

A Inglaterra, percebendo a ameaça do avan-ço chinês nessa área, vem desenvolvendo, pormeio do seu Design Council e de outras agên-cias, programas específicos para ajudar em-presas a identificar como a criatividade e o de-sign podem melhorar seu desempenho . A Co-reia criou o Korea Design Center, um comple-xo que serve de hub ao Korean Institute ofDesign Promotion’s, e trabalha para desenvol-ver a competitividade nacional por meio do de-sign. Taiwan tem um National Design Center eCingapura tem o Fusionopolis Creative.

Os mais diferentes países já descobriramque Economia Criativa é muito mais do que po-líticas culturais e/ou de inserção social. Trata-se da política industrial do século 21.

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32 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

LOGÍSTICA E TR A N S P O RT E NO BRASIL

Zé Carlos Barretta/Hype

Renato CasaliPavanEngenheiro Civilformado pelaUniversidadeMackenzie.

As infraestruturasde energia,

comunicação eem especial as

de logística etransporte são

decisivas nadeterminação dacompetitividade.

Paulo Pampolin / Hype

Nosso artigo de 2010 enfatizou a ne-cessidade de aumentar substan-cialmente os investimentos emlogística e transporte com uma

visão sistêmica. Sem o investimento adequadonão seremos competitivos e muito menos au-mentaremos a nossa produtividade. Passadosquatro anos, nada mudou, a não ser avançosproporcionados pela iniciativa privada.

No seu atual estágio de desenvolvimento,a questão crucial da economia brasileira dizrespeito aos seus baixos índices de produti-vidade e investimento, comparativamente apaíses mais desenvolvidos, ou mesmo al-guns emergentes. A produtividade médiados fatores de produção no Brasil é muito bai-xa, com exceção daquelas do agronegócio eda mineração. Várias são as razões para isto:qualificação precária dos recursos humanos;escassez ou alocação deficiente do capital;

uso predatório dos recursos naturais; assimcomo a baixa capacidade de inovação pormeio da geração de conhecimento e novastecnologias, tornando o País pouco competi-tivo, com baixa produtividade.

As infraestruturas de energia, informação,comunicação e em especial as de logística etransporte, são decisivas na determinação dacompetitividade. Sabe-se que produtividade,inovação, qualificação do fator humano e altodesempenho das infraestruturas fazem partedo perfil competitivo de um país.

No Brasil, todavia, são muito baixas a taxa deinvestimento em relação ao PIB, e particularmen-te a taxa de investimentos, também relativamen-te ao PIB, na recuperação, ampliação e moderni-zação das infraestruturas de logística e transpor-te. Como parte da Formação Bruta de Capital Fi-xo, investir nessas infraestruturas (portos,aeroportos, ferrovias, rodovias e centros logísti-

Desafios para onovo governo federal

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33JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

cos) é um poderoso fator de indução do cresci-mento econômico sustentável e continuado.

As duas tabelas que acompanham este ar-tigo mostram a má posição do Brasil relativa-mente a outros países quanto às taxas citadasno parágrafo anterior. Acrescente-se que nosúltimos 14 anos, a taxa de investimento em re-lação ao PIB oscilou entre o mínimo de 15,3%(em 2003) e o máximo de 19,5% (em 2010).Nos últimos 45 anos, a de investimentos emlogística e transporte em relação ao PIB osci-lou entre o mínimo de 0,12% (em 1990) e o má-ximo de 2,16% (em 1975) mostrando um enor-me declínio persistente em proporção do PIB.Mesmo se computados os investimentos pri-vados por meio de concessões que proporcio-naram uma recuperação dos investimentos,porém em escala ainda pouco significativaem relação à magnitude das carências e gar-galos nas infraestruturas.

Josef BaratEconomista e DoutorLivre-Docente pelaUFRJ, é consultor deentidades e empresaspúblicas e privadas.

Apesar das restrições impostas pelas bai-xas taxas de investimento e a estagnação eco-nômica prolongada que assolaram o Brasilpor quase três décadas, houve avanços ex-traordinários na incorporação de novos pa-drões de gestão e novas tecnologias ao pro-cesso produtivo no agronegócio, mineraçãoe serviços. Isto resultou de um esforço conti-nuo de empresários e trabalhadores, que nãodependeu, via de regra, de planos ou iniciati-vas governamentais.

As infraestruturas de apoio, porém, nãoacompanharam este crescimento e diversifica-ção da economia. Assim, as atividades de pro-duzir, armazenar, escoar e distribuir ou em-barcar a produção implicaram em redução dacompetitividade das nossas exportações e en-carecimento desnecessário do consumo inter-no (principalmente de alimentos e insumos in-dustriais e agrícolas).

Não há dúvida, portanto, que é inadiável aprovisão de um complexo de infraestruturasintegradas, com os objetivos de aumentar os ní-veis de competitividade em geral e melhorar ascondições de movimentação da produção. Mascomo atingir tal objetivo, se a disponibilidadede recursos públicos é restrita e se as políticaspúblicas continuam a contemplar visões frag-mentadas, com ênfase nas ações voltadas parao curto prazo? É importante ressaltar, comomostra a segunda tabela, que países como aChina, Índia, Rússia investem de 3 a 5% do PIBnas infraestruturas de logística e transporte,enquanto o Brasil vem investindo sistematica-mente menos de 1% do PIB.

Newton Santos / Hype

Zé Carlos Barretta / Hype

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34 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Paulo Pampolin / Hype

Financiamento daeconomia brasileira

Evolução recente,desafios e

opor tunidades.

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35JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

: Patrícia Cruz/LUZ

Carlos A. RoccaEconomista e Doutorem Economia pelaFaculdade deEconomia,Administração eContabilidade da USP.

N osso artigo de 2010 procurouidentificar as ações de políticaeconômica que apresentassem omaior impacto na elevação das

taxas de crescimento da economia brasileira,atuando sobre os fatores mais limitantes a esseprocesso. Nesse contexto, trabalhou-se com ahipótese de Hausmann, de que a poupança in-terna é o fator mais limitante ao crescimento (1).Ao se defrontar com a demanda de investimen-tos, essa deficiência de poupança mantém ele-vado o custo de capital, o que por sua vez res-tringe o numero de projetos viáveis, levando àredução da taxa de investimento e do ritmo decrescimento da economia.

As evidencias apresentadas naquele trabalhomostravam a ocorrência de uma estreita corre-lação entre a perda de dinamismo da economiabrasileira e a queda da taxa de poupança nas ul-timas décadas. Comparações internacionaismostravam correlação entre taxa de poupança ede crescimento e que a taxa de poupança no Bra-sil havia caído para índices muito inferiores aosobservados nas economias de desenvolvimen-to. Ao mesmo tempo, a relação entre taxas de in-vestimento e taxas de crescimento mostravamque a relação produto/capital da economia bra-sileira era superior à média, indicando a existên-cia de projetos de investimento rentáveis, mascuja execução era limitada pelo alto custo de ca-pital. Nesse contexto, as propostas tinham porfoco a elevação da taxa de poupança interna e aredução do custo de capital.

Constatou-se que a taxa média de poupançada década de 2000 a 2009, de 16,2% do PIB, era 3pontos percentuais inferior à da década de 1970(19,2%), refletindo forte queda da poupança dosetor publico. Nesse período, essa poupança dosetor publico em relação à arrecadação bruta deimpostos caiu 24,9 pontos porcentuais, de umvalor positivo de 17,4% para um valor negativode 7,5%, ao mesmo tempo em que a poupançado setor privado elevou-se 8,1 pontos percen-tuais, de 19,8% para 27,9%, em relação ao PIBmenos carga tributária bruta.

Com esse diagnóstico, as propostas apresen-tadas em 2010 incluíam medidas para a eleva-ção da taxa de poupança doméstica, com a ado-ção de programa de ajuste fiscal de longo prazo,

que permitiria redução sustentável da taxa dejuros. A redução do custo de capital deveria serobtida com a redução do custo do crédito ban-cário e a criação de condições regulatórias, tri-butárias e cambiais para o desenvolvimento domercado de dívida privada, para atuar em si-nergia com o BNDES.

A atualização desses números para o perío-do de 2010 a 2013 mostra um agravamento doquadro: uma queda adicional da taxa internade poupança, da média de 16,4%, na década de2000 a 2009, para 15,9% de 2010 a 2014, sendo13,9% do PIB em 2013 e apenas 12,7% do PIB noprimeiro trimestre de 2014. A taxa da poupançaexterna elevou-se de 1,09% de 2000 a 2009 para3,04% do PIB de 2010 a 2013 e taxa de investi-mento continua baixa (16,3%). A taxa média depoupança do setor público continua negativa erelativamente estável. Desta vez ocorreu que-da da taxa de poupança do setor privado: esti-mativas preliminares mostram que essa redu-ção teve origem na a queda da poupança dasempresas (lucros retidos) como resultado daredução do lucro liquido (2).

Em conclusão, verifica-se que as limitações aocrescimento apontadas naquele trabalho se agra-varam. Não houve qualquer avanço no sentidode promover ajuste fiscal do setor público, aomesmo tempo em que o uso de contabilidadecriativa comprometeu a credibilidade dos núme-ros fiscais e da própria politica econômica. Pelocontrário, isenções tributarias pontuais, fortecrescimento de crédito subsidiado nos bancosoficiais financiado por divida publica, controlede preços e outras intervenções criaram impactosadicionais sobre as contas fiscais. Frustrou-se atentativa de redução de juros sem suporte da po-litica fiscal, do que resulta a manutenção de infla-ção elevada e a maior dificuldade de gestão dasexpectativas por parte do Banco Central. Osavanços do mercado de dívida corporativa limi-taram-se à criação de instrumentos de dívida in-centivados. Nesse contexto, acredita-se que aspropostas apresentadas em 2010 são ainda maisprioritárias nos dias atuais. Investimento em in-fraestrutura financiado de modo predominantepelo mercado de capitais em sinergia com o BN-DES parece ser a estratégia mais eficaz para ini-ciar uma retomada do crescimento brasileiro.

(1) Hausmann, Ricardo(2009). Um diagnóstico do crescimento econômico brasileiro. CLP Papers – Centerfor International Development , nº.1, julho. Harvard University.(2) Cfe. Estudo Especial do CEMEC: Rocca, Carlos A. e Santos Jr., Lauro M., Redução da taxa de poupançae o financiamento dos investimentos no Brasil – Novembro de 2013 – www.cemec.ibmec.org.br

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36 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Os impactos subversivosda questão ambiental

Vai eleição. Vem eleição. A cada dois anos, o Brasilcumpre o calendário eleitoral; a democracia repre-sentativa assume uma saudável rotina com defeitos evirtudes de um regime que, segundo Rousseau, “Se

houvesse um povo de deuses, ele seria governado democrati-camente. Um governo tão perfeito não convém aos homens”.

A rigor, o que convém à humanidade é conviver da melhorforma com as imperfeições; organizar a sociedade de modo asolucionar pacificamente os conflitos; e buscar o aperfeiçoa-mento das relações pela repetição da tentativa e erro de formaa alcançar a paz social mediada por instituições sólidas.

O artigo escrito em 2010 adotou o título “Os impactos sub-versivos da questão ambiental”, que revela o mais profundo ecomplexo conflito contemporâneo e o consequente desafio deenfrentá-lo: a guerra entre preservação e desenvolvimento, na-tureza e cultura, dentro de um paradigma adverso ao equilí-brio entre o máximo do ter e a possibilidade de ser.

Além de proposições legais que avançaram e que devem se-guir sendo aperfeiçoadas, busquei enfatizar uma constataçãonada original, porém, dramática: a natureza tornou-se amea-çadoramente escassa.

Dito o que, volto à abertura do texto, vai eleição e vem elei-ção e a triste conclusão a que, nós eleitores, chegamos é que, nacabeça dos estrategistas de campanha, meio ambiente não dávoto. É um assunto estranho à agenda dos candidatos e, quan-do mencionado, dá a ideia de que é para cumprir tabela (pro-pício para os tempos da Copa). Mas, contestariam os formu-ladores dos programas presidenciais: “ora, para os candidatos,a prioridade é o desenvolvimento sustentável”.

Sustentabilidade é um polissílabo que enche a boca dos ora-dores; encanta os ouvidos dos incautos; parece uma arca deNoé de bugigangas onde cabe tudo; e, na prática, perde de go-leada para o modelo prevalecente da insustentabilidade.

Sem pessimismo agourento, devidamente acompanhadopor ato de contrição diante dos nossos pecados ambientais, dápara acreditar que os magos do marketing político, percorri-

dos os caminhos entrelaçados da razão (cérebro) e da emoção(coração), virem o jogo: meio ambiente dá voto.

Difícil, mas dá. Com o talento quase mágico de comunicar, amaestria do marqueteiro faria o cidadão comum entender o“ambientalês”: meio ambiente é um tema transversal, ou seja,tema que atravessa as políticas públicas setoriais. É uma tarefaurgente até porque, em pesquisa recente do Datafolha (21 e 22maio deste ano), o meio ambiente não aparece (espontânea) en-tre os principais problemas do País. Quando estimulada a per-gunta, as pessoas manifestam muita preocupação.

Ora, a percepção social do meio ambiente, a despeito de sig-nificativos avanços, continua aferrada aos resquícios do pré-conceito, como se fora coisa de bicho-grilo e do mito da arari-nha azul. Um lamentável preconceito. A questão ambientalpermeia problemas que afetam o cotidiano do cidadão.

Neste sentido, ao se falar de saúde não custa lembrar que atragédia do saneamento é uma tragédia ambiental (beneficia,apenas, 38,7% da população, havendo sido registradas, em2013, 340 mil internações de infecções gastrointestinais dasquais 171 mil de pessoas com até 14 anos), considerando que, noPlano Nacional de Saneamento Básico (PAC/2007) com recur-sos na ordem 304 bilhões de reais, cerca de 219 obras não atin-giram o nível adequado de execução.

Com efeito, a mesma linha de raciocínio se aplica à epidemiade dengue e às doenças respiratórias em decorrência da polui-ção, que é considerada o maior problema ambiental do País(32%) que, somado ao lixo (13%) e ao saneamento básico (10%),totalizam 55% da percepção da população brasileira em rela-ção ao meio ambiente urbano.

Adicione-se o fato de que ao fa-lar em poluição, o cidadão rever-bera sua insatisfação com a prima-zia do transporte privado frenteao transporte público, o que agra-va seriamente a qualidade de vidae a produtividade da economia. Ro

gério

Cas

simiro

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hapr

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37JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Masao Goto Filho / e-SIM

Cabe, ainda, destacar que a crise hídrica é um efeito da con-taminação dos corpos d’água, do desperdício (gestão) e daagressão à cobertura das nascentes pelas matas ciliares.

Observa-se, ao longo das ultimas décadas, um deslocamen-to das preocupações dos brasileiros da agenda verde para aagenda do meio ambiente urbano. Este deslocamento se expli-ca pelos resultados positivos na luta contra o desmatamentoassim como pela ampliação da consciência ambiental do bra-sileiro que, entre outras atitudes, se mostra disposto, segundopesquisas, a pagar mais por uma energia mais limpa.

O meio ambiente pode, sim, dar voto desde que o eleitor per-ceba que é parte do mundo natural; que o voto pode unir res-ponsabilidade política da eleição com o destino das gerações eque cuidar da vida planetária é o imperativo ético que liga opresente ao futuro. Aliás, o futuro já chegou.

Gustavo KrauseGraduado em CiênciasJurídicas pela Faculdadede Direito do Recife.Exerceu vários cargospúblicos, entre eles os deSecretário da Fazenda,vice-governador egovernador do Estadode Pernambuco.

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38 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

A reforma política e areforma da política

Carlos MeloCientista Político, mestree doutor em pela PUC-SP. É professor do Insper– Instituto de Ensino ePesquisa (ex-Ibmec).

Newton Santos / Hype Há quatro anos, o Brasil era outro;crescia 7,5% ao ano, o presidenteda República tinha enorme popu-laridade, e a percepção de bem-es-

tar era tão grande quanto o otimismo e a con-fiança no futuro. Não foi difícil ao PT se manterno poder, elegendo Dilma Rousseff.

Também era grande, no entanto, o desafio deprosseguir o processo cheio de virtudes que semantinha havia, pelo menos, 16 anos. A agendado desenvolvimento exigia medidas voltadaspara melhorar o ambiente de negócios, para de-satar os nós de infraestrutura e logística e para oaperfeiçoamento institucional. Nada disto,evidentemente, se faria sem o auxílio do siste-ma político. Ilusão, aliás, acreditar que qual-quer coisa possa ser feita sem ele.

Toda sociedade que pretende avançar preci-sa discutir a si mesma; considerar os múltiplosgrupos e seus interesses; e a fragmentação na-tural que busca a unidade por meio do debate eda construção de consensos e pactos. Não hámal algum que seja multifacetada, na diversi-dade de seu povo, classes e regiões. Numa de-mocracia, não se deve esperar por outra coisa.Decisões autocráticas e desprezo aos movi-mentos sociais e aos parlamentos não combi-nam com o mundo moderno, complexo e deenorme capacidade de comunicação e mobili-zação sociais.

Assim, em 2010, já havia preocupação coma saúde do sistema político e com a possibi-lidade de, por meio dele, dar sequência àstransformações na economia e na diminui-ção da desigualdade social, pois dava sinaisde alguma exaustão.

Por razões consistentes, avaliou-se que esta-ríamos às portas de uma reforma política, menospelo desejo de partidos e políticos do que pelas

exigências da continuidade do processo. Ade-mais, se sabia que mudanças profundas na tec-nologia, na economia e na sociedade não foramacompanhadas pela política. Anacrônico o siste-ma se tornara, baseado ainda em métodos de es-colha, organização e representação anteriores,por exemplo, à queda do Muro de Berlim, à aber-tura econômica, ao processo de privatização e àreconfiguração do Estado, e ao advento da Inter-net e sua extraordinária dinâmica social.

Notava-se também que no País as elites – nosentido mais amplo da palavra –se afastavam dapolítica, se eximiam de participar. Pressentia-se,ainda, não tão explicitamente quanto hoje, que apolítica perdia qualidade e isso afetaria a quali-dade do desenvolvimento. Se nada fosse feito,não tardaria a afetar igualmente a qualidade dademocracia custosamente conquistada.

Propus, então, um rol de medidas. Delibera-damente, optou-se por uma pauta ampla, comvários pontos para análise e discussão, aindaque sabendo, é claro, que uma reforma políticasó poderia ser mesmo parcelada e incremental;melhorando gradativamente o sistema e au-mentando, paulatinamente, sua eficiência e asatisfação social. O que escolher e priorizar docardápio seria de responsabilidade de atorespolíticos eleitos para isso.

Todavia, sabia-se igualmente que o futuroPresidente nada poderia fazer sozinho: necessi-taria de um conjunto de forças políticas para quepudesse animar e induzir uma reforma, sempredifícil e de complexa engenharia política. Mas,acreditava-se também que não seria de todo im-possível se à liderança política do futuro Presi-dente e dos partidos não faltassem vontade, am-bição de fazê-la, e o engenho e a arte de conduzi-lanão apenas por “políticos profissionais”, mascom o envolvimento da sociedade ou, pelo me-

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39JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Marcello Casal Jr./ABr

nos, de parte preponderante e decisiva dela. Von-tade, persuasão, habilidade, articulação, enge-nho e arte: as virtudes do Político.

Hoje, seria impróprio dizer que tudo perma-nece como estava. Infelizmente, a funcionalida-de, a credibilidade e a representação do sistemapioraram. A crença nas instituições políticas ébaixíssima; o clima, ao contrário de 2010, é de mal-estar. E isto se observa não apenas pelas pesqui-sas; estão na memória as cenas das “jornadas dejunho”, de 2013, como que a gritar pela urgentediscussão e aperfeiçoamento do sistema, com seubordão “não nos representa”.

Culpa do partido incumbente e da atual Pre-sidente? Simplismo pensar assim, o caso é maiscomplexo e não demanda respostas rasas, nema simples troca de guarda. Antes de tudo, é pre-ciso admitir que chegamos a um ponto que exi-ge –muito mais do em 2010 –que algo seja feito;

que mudanças sejam encaminhadas, que o sis-tema se aperfeiçoe.

Mas, que não haja ilusões. Em paralelo, têm-se também a percepção de que, de 2010 para cá,as condições de diálogo entre os mais diversosgrupos também se deterioraram, e muito. À di-reita e à esquerda, o radicalismo e o sectarismorecrudesceram; a disposição para sentar-se emtorno de uma mesma mesa parece ter-se esgo-tado. O centro político que o País sempre pos-suiu – moderado e conciliador – jaz anulado,refém da lógica da ocupação de espaços em to-das as esferas da máquina pública, apequena-do pelo fisiologismo, apartado do debate.

Há um longo desafio ao próximo Presiden-te: promover o bem-comum, a liberdade, aigualdade e a paz social. Não o fará sem a co-ragem de conduzir, antes, a reforma da polí-tica nacional.

A crença nasinstituiçõespolíticas é

baixíssima eo clima é dem a l - e s t a r.

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40 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Este artigo examina o quadro atual da in-serção internacional do Brasil à luz daspropostas elencadas em artigo publica-do em 2010 para o programa de governo

dos então candidatos à Presidência da Repú-blica, reapresentadas a seguir, a saber:

(1 ) Dentro do governo, uma reformulaçãointerna do enquadramento hierárquico do co-mércio exterior com ênfase na mudança de pa-pel da CAMEX. Para ser um player internacio-nal relevante, um país necessita contar comuma estrutura operacional de comércio exte-rior com grande autonomia, e que tenha comofunção precípua discutir e deliberar, em con-junto com os Ministérios do Desenvolvimento,Indústria e Comércio, de Relações Exteriores, ecom os representantes da classe empresarial eda sociedade civil, a estratégia de atuação inter-nacional do País nos próximos cinquenta anos.Isto, para fixar metas e objetivos, estabelecerprioridades e abrir novas fontes de diálogo e deparcerias, entre outras atividades. O comércioexterior continua, entretanto, sem um coman-do unificado, sem voz e sem “no r t e ”.

(2) A aprovação de uma efetiva Política In-dustrial com foco na desoneração de investi-mentos, e muita inovação e pesquisa para des-coberta de novos nichos de mercado. O desem-penho medíocre da economia brasileira em2014 vem ocorrendo paulatinamente desde2012, e acentuado por medidas governamen-tais míopes, pontuais e discriminatórias vol-tadas a remediar nichos de produção especí-ficos com foco no aumento do consumo. Nãopriorizam a cadeia produtiva e o setor indus-trial como um todo.

Continuamos com decisões protecionistassegmentadas, antiquadas e sem nenhuma pers-pectiva. Ao contrário de países como a China,

Lucas Baptista/Futura Press

A trajetória do Brasil nainserção internacional –desafios e oportunidades

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41JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Alemanha ou Estados Unidos que têm “projetosde país”, continuamos com solavancos na econo-mia, investindo em inovação apenas 1,2% contra2,3% da média mundial. E, no campo da pesqui-sa, como recentemente apontado pela FrenteParlamentar de Ciência, Tecnologia, Pesquisa eInovação da Câmara dos Deputados (ju-nho/2014), não há ainda mecanismos regulató-rios e de amparo jurídico para desenvolver pes-quisas que alavanquem o desenvolvimento daciência, limitando-se quase que somente a buscarlinhas de financiamento. As medidas tomadas edivulgadas entusiasticamente pelo atual Gover-no, com base no programa intitulado “B r a si lMaior”, estão longe de sinalizar um engajamentooficial na discussão e elaboração de uma políticaindustrial, eficiente e eficaz, para atender indis-tintamente a toda cadeia industrial do País. Aconstatação, que corrobora essa falta de iniciativaoficial, está na drástica redução do crescimentodo PIB, na alta da taxa dos juros; na oscilação comvalorização da taxa de câmbio, na persistência daalta da inflação, no balanço negativo das opera-ções de comércio exterior, com redução significa-tiva das exportações, entre outros aspectos.

(3) Investimento em educação e treinamentopara desenvolver a visão política exigida doempresário para atuar globalmente. Na mes-ma linha é preciso: ( 4) reformular o MERCO-SUL; (5) retomar a mesa de negociação de acor-dos de comércio; e (6) participar no diálogoTransnacional (Estados Unidos e Europa) bus-cando ser reconhecido como “parceiro prefe-rencial” pelos países que nos interessam comomercados alvo de novos nichos de comércio.

O Brasil continua mal no comércio exterior,patina cada vez mais na rampa da política em“co mp a dr io ” com o protecionismo exacerba-do de um país sócio e vizinho, a Argentina, que

Maria TeresaBustamanteEconomista formadapela Universidade J.Tadeu Lozano(Colômbia), Mestre emAdministração pelaUniversidade Positivo,de Curitiba (PR), eDoutoranda pela mesmauniversidade.

persiste em reduzir drasticamente seu volumede compras do nosso País.

Ao mesmo tempo, a Argentina aumenta sig-nificativamente as compras dos países asiáti-cos enquanto, nós, brasileiros, compactuamoscom as manipulações feitas pelo governo ar-gentino para evitar a concretização de um acor-do de comércio, com pauta mínima, entre oMERCOSUL e a UNIÃO EUROPEIA. Nessequadro, as autoridades brasileiras mostram-semais paralisadas do que o próprio MERCO-SUL na sua lenta agonia, o que nos posicionacomo assistentes de camarote às novas iniciati-vas de agregação de valor nas cadeias produti-vas mundiais, as quais, no momento, nego-ciam sua ampliação para incluir normativasambientais e sociais.

Nesta última questão, estamos alheios à ne-gociação que vem ocorrendo de um acordoplurilateral, fora do âmbito da OrganizaçãoMundial de Comércio, para desonerar todo equalquer equipamento destinado a preservar omeio ambiente (exemplo: equipamentos eóli-cos e centrais solares). Continuamos isolados esequer somos observadores das negociaçõesem curso e quase irreversíveis entre EstadosUnidos e Europa e entre Estados Unidos e Ásia.O mundo industrial está em permanente trans-formação e nós continuamos olhando, vendo otrem passar sem agir e sem reagir. Dessa forma,em 2014, a pauta de recomendações, por incrí-vel que pareça é a mesma de quatro anos atrás,as quais permanecem válidas pelo imobilismodo governo. Reafirma-se que caso essas ações einiciativas não sejam buscadas e realizadas,continuaremos escorregando no gelo da incer-teza e da ideologia, perdendo oportunidades ecrescendo menos. Ninguém vai nos esperar e opreço da omissão será alto.

O Brasil continua malno comércio exterior,

patina cada vez mais narampa da política em“compadrio” com o

p ro t e c i o n i s m oexacerbado de um paísvizinho, a Argentina.

Divulgação

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O setor de segcomo instrumento do de

Zé Carlos Barretta / Hype

Nilton MolinaDiretor da AssociaçãoComercial de São Pauloe da CNSeg –Confederação Nacionaldas Empresas deSeguros Gerais,Previdência Privada eVida, Saúde Suplementare Capitalização.

Em 2010, a ACSP publicou no Digesto Eco-nômico um conjunto de 35 artigos de es-pecialistas em matérias de interesse na-cional, rico material de apoio ao plano de

governo dos candidatos a Presidente da Repú-blica na eleição daquele ano. Passados quatroanos, somos convocados a rever esses artigos pa-ra uma avaliar o que ocorreu em relação a essasvariadas proposições nesse meio tempo.

No meu caso, desenvolvi um documentoque tinha como título “O SETOR DE SEGUROSE O DESENVOLVIMENTO NACIONAL”. Otema permitiu evidenciar a interação do mer-cado de seguros com os diversos setores da eco-nomia, sempre com o propósito de ressaltar apertinência e o significado dos seguros comoproteção de pessoas, bens, direitos e proprie-dades e, mais do que isso, como instrumento deformação de poupança.

O artigo focou em diversos segmentos daeconomia, pautando um conjunto grande deprovidências que os setores público e privadodeveriam adotar para acelerar o crescimento domercado de seguros para que este cumprissebem seu papel de instrumento da economia.

No geral, pode-se afirmar que avançamos,mesmo que timidamente, em alguns setorescomo o seguro rural, os microsseguros, os se-guros populares e o seguro de vida, entre ou-tros. Creio que os normativos legais se torna-ram mais eficientes, mesmo que na maioria dasvezes atropelando o mercado desnecessaria-mente. Crescemos sempre mais do que dois dí-gitos ao ano, sem dúvida um desempenho ex-pressivo, totalizando 64% no período de quatroanos. O total de ativos sob gestão do mercadosegurador passou de R$ 230 bilhões para R$ 510bilhões, um aumento de 18,6% ao ano. Enfim,crescemos e contribuímos para o desenvolvi-mento nacional. Afinal, é nossa missão.

Mas, há um conjunto de problemas que preo-cupa cada vez mais os estudiosos do futuro danossa sociedade, sem que os formadores de opi-nião, como jornalistas economistas, sociólogos e,

principalmente, os políticos, pareçam se aperce-ber ou tomar consciência do que está ocorrendo.Refiro-me às alterações demográficas pelas quaispassam o Brasil e o mundo, cujas consequênciasjá estão presentes na sociedade moderna.

É sobre a sustentação dos programas de saú-de e previdência pública que repousam osgrandes questionamentos do mundo moderno.Como serão financiadas as despesas com saúdee aposentadoria numa sociedade longeva co-mo a que já vivemos? Certamente que o mode-lo atual de financiamento não será capaz desustentar o aumento da longevidade.

É importante recordar que o modelo de finan-ciamento dos programas de saúde, aposentado-ria e pensão das idades mais avançadas são fi-nanciados através de um sistema que as mudan-ças demográficas trataram de dizimar; refiro-me ao pacto intergeracional em que os jovensproduzem renda para si próprios e para os ina-tivos, já que estes últimos não são mais capazesde produzir renda para o próprio sustento.

O pacto intergeracional foi eficiente até mea-dos do século 20, em torno dos anos 50, épocaem que o mundo ainda convivia com outra rea-lidade demográfica: muitas crianças e poucosidosos, muitos ativos trabalhando ou procu-rando emprego, e futuros ativos (as muitascrianças). Esse cenário mudou radicalmente. Oproblema já é presente, não se trata mais de fu-turologia. Vejamos o caso brasileiro: conside-rado o arco amplo da Seguridade Social, aí in-cluídas as rendas e os auxílios aos carentes, aprevidência social pública e privada e os gastoscom a saúde, fazem com que o Brasil consumaalgo como 23% do PIB, ou cerca de 60% do totalde impostos, taxas e contribuições recolhidaspelo setor público Federal, Estadual e Munici-pal. Sabemos todos que a carga de impostosnão suportará acréscimos capazes de financiaros inevitáveis aumentos de despesas.

Se tudo isso faz sentido, a sociedade tem queenfrentar esse desafio o que deve começar peloreconhecimento de que TEMOS UM PROBLE-

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MA, cuja solução passa obrigatoriamente poruma importante reforma de todo o sistema deseguridade social e o aumento significativodos estímulos às poupanças, que serão os ins-trumentos do financiamento dessas demandasindividuais.

O mercado segurador tem procurado ser umagente de mudança. Para as eleições presiden-ciais de 1998, elaboramos, em parceria com a FI-PE da USP, um alentado estudo propondo umnovo modelo de financiamento dos seguros so-ciais. Novamente, em 2002, em conjunto com oComitê Executivo do Mercado de Capitais, novoestudo com os mesmos objetivos foi elaborado.

Esses estudos foram entregues aos candida-tos à Presidência da República desde as elei-ções de 1998 até as de 2010. Os Ministros da Fa-zenda e da Previdência Social dos governosdos presidentes Fernando Henrique Cardoso,Lula e Dilma receberam essas colaborações.Porém, e esse é o ponto, a execução de soluçõespoliticamente possíveis tem que passar poruma ação vigorosa dos formadores de opiniãopara mobilizar a sociedade para o entendimen-to de que não podemos marchar impunimentepara a insolvência dos sistemas públicos de se-guridade social. Caso contrário, todos pagare-mos essa conta.

Como serãofinanciadas asdespesas com

saúde eaposentadoria

numa sociedadelongeva?

Paulo Pampolin/Hype

uros privadossenvolvimento nacional

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44 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

PRÉ-SAL: ANÁLISEE PROPOSTAS

Nosso artigo de 2010 enfatizou diferenças, especial-mente em termos de receitas, dos modelos de par-tilha e concessão. Mas não discutimos algo que éde primeira ordem para qualquer desenho bem

feito de mercado: induzir substancial participação de interes-sados. O único teste do modelo de partilha mostra que nossoartigo ignorou algo de vital importância. Assim, neste avalia-remos as implicações, quanto a essa participação, do modelode partilha desenhado pelo governo Lula, tendo o campo de Li-bra como exemplo.

Leilões são mecanismos que podem ser bastante úteis paraalocar bens (ou ativos) àqueles que mais os valoram (ou maisaptos a operá-los). Não menos importante é o papel dos leilõescomo mecanismo de descoberta de preço em situações paraquais não haja mercados organizados. Não há um mercadodesse tipo para vender direitos de explorar blocos de petróleo.A heterogeneidade de poços e o fato de que há relativamentepoucos agentes aptos a retirar deles o petróleo são duas entrevárias razões. Mas, num leilão a competição entre os relativa-mente poucos agentes aptos a operá-lo, ela pode induzir a des-coberta do valor do que é leiloado. Contudo, o desenho esco-lhido pelo governo para leiloar Libra não satisfez esse dictum:um único consórcio fez lance pelo direito de exploração. Nãosurpreendentemente, o leilão saiu pelo lance mínimo exigidopelo governo (41,65% de óleo para o governo).

Como enfatizado no artigo de 2010, a escolha de um modelo departilha não é necessariamente a culpada. O exemplo apresenta-

do anteriormente ajuda a esclarecer este aspecto. Suponhamosque num leilão de um bloco de petróleo haja duas empresas. Aempresa A retira 4 de receita do bloco; a empresa B retira 3. O custode exploração é 1 para ambas. O valor econômico do bloco é 3 (omontante líquido que a empresa A pode gerar operando o bloco).Tomemos um leilão aberto ascendente, também conhecido comoleilão inglês. Nesse leilão, a empresa de maior valoração faz omaior lance, que será igual (na verdade, um pouco maior) que avaloração da empresa que tenha a segunda maior valoração.Comparemos o modelo de concessão, não adotado no pré-sal,com o modelo de partilha (sem bônus de assinatura). Na conces-são, a empresa A ganha e paga o valor da firma B (2 = 3 - 1). A rendado governo é 2. Agora, supondo lances na forma de porcentagemda receita (partilha), a empresa com maior valoração (A) aindavence com lance igual à valoração dada por B, que é agora 2/3[pois (1-2/3) x 3 = 1]. A renda do governo é 2,67 = 2/3 x 4 (receita deA), portanto maior que 2 na concessão e, mais importante, maispróxima do valor do bloco. Um leilão de partilha pode, assim, terum bom papel na descoberta de preços.

Mas, este exemplo ignora um ponto importante. A receita dobloco pode depender da participação que o explorador venha ater, pois quanto maior ela for, maiores serão os esforços para re-tirar petróleo. Ora, o leilão de Libra impunha lance na forma deuma participação mínima a ser cedida ao Estado. Caso tenha sidomal calibrada (e nos parece que ela foi alta), esse lance pode terreduzido a percepção dos agentes sobre o quanto receberiam dosganhos gerados por seus esforços de exploração. Isto, adicionado

Wilton Júnior/AE

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45JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Fotos: Divulgação

Vinicius Carrasco eJoão Manoel Pinho de Mello

Ambos os autores são doutores emEconomia pela Universidade de

Stanford (EUA) e professoresassistentes do Departamento de

Economia da PUC-Rio.

a um bônus de assinatura fixo (o gasto a ser feito independentemente dosresultados da exploração), não contribui para maior participação dos agen-tes. Portanto, há um primeiro candidato a culpado pela falta de maior par-ticipação no leilão de Libra: o efeito de uma elevada participação mínima doEstado, mais o de um bônus de assinatura fixo.

Um segundo candidato a culpado é a obrigação de ter a Petrobras comoprincipal operadora do bloco, estando no consórcio vencedor ou não. O de-salinho de interesses (ou mesmo a incerteza quanto à capacidade de a Pe-trobras ter bom desempenho), reduz o valor do ativo para a outra parte.Portanto, os incentivos a participar serão menores do que se o próprio ex-plorador fosse o agente a fazer o lance. E ser parceiro minoritário do go-verno brasileiro carrega riscos. Principalmente quando ele mostra certa in-clinação para renegociar contratos, explícita ou implicitamente.

O terceiro candidato é a chamada maldição do vencedor. Ela pode serespecialmente importante para agentes que não estejam no mesmo con-sórcio da Petrobras. De fato, por ter descoberto Libra, é provável que elatenha mais informação sobre características relevantes para um explo-rador. Vencer um consórcio que a inclua pode ser péssima notícia, poiso valor do bloco foi sobrestimado em relação a um player com melhorinformação. As empresas tentam se proteger da possibilidade da mal-dição. Mas, a participação mínima a ser cedida ao Estado (e a operaçãopela Petrobras) coloca(m) limites nessa proteção.. Não participar podeter sido a única saída.

Um modelo de concessão não tem espaço para essa inibição e é melhor aoensejar maior número de participantes. Mais importante: na prática, par-ticipação é a mais importante característica que um leilão deve ter. Menos-prezamos isto em 2010. O futuro governo não pode fazê-lo.

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46 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

O PoderJudiciárionos últimos

quatro anos

A tribui-se ao Ministro Delfim Neto obrocardo “não há risco de melho-rar”. Em retrospecto, o Judiciário de2010 e o atual panorama de 2014 pa-

recem seguir esta regra com rigor impressio-nante. Até dados de avaliação do Poder Judi-ciário, uma vez coletados pelo CNJ, deixaramde ser disponibilizados em 2012.

Tudo indica que o Poder Judiciário cresceunos últimos quatro anos sem nenhuma novaperspectiva de desafogá-lo. Segundo o relató-rio de 2012 do CNJ, esse Poder se mede pelos“dois extremos envolvidos na prestação juris-dicional: a resolução dos processos (baixa) e oingresso de novos processos (casos novos). Aresolução dos processos judiciais, seu julga-mento definitivo e sua baixa, é responsabilida-de constitucional do Poder Judiciário e de todoo sistema de Justiça. O aumento da litigância(...) é fenômeno mais complexo.”

E continua: “A quantidade de processos queingressam cresce mais (...) que o quantitativo desentenças e o de baixas. Tal desempenho ocasio-nou a queda de 4,3 pontos percentuais (p.p.) noíndice de baixados por caso novo no quadriênio, oqual tem registrado, desde 2011, índices abaixo de100%, o que indica que não se consegue baixarnem mesmo o quantitativo de processos novosque ingressaram. O crescimento da demandanão tem possibilitado que os esforços para julgare baixar processos sejam suficientes. (...) ao seanalisar o crescimento do quantitativo dos casosnovos junto com os indicadores de magistrados eservidores, observa-se que a grande maioria dostribunais, com exceção da Justiça Federal, não

consegue dar vazão aos processos em relação aoestoque existente. A análise da série histórica trazà tona, novamente, o peso exercido pelos proces-sos de execução fiscal, que representam 40% doestoque de (...) pendentes e apenas 13% dos casosnovos. A principal dificuldade consiste na redu-ção do estoque dos processos de execução fiscal,visto que, mesmo com esforços (...) para aumen-tar o número de processos baixados, o quantita-tivo de processos em tramitação permanece su-bindo. A taxa de congestionamento na execuçãofiscal é de 89%, ou seja, de cada 100 processos emtramitação, 11 são baixados no decorrer do ano.Além disso, 8% dos processos de execução fiscalem tramitação foram sentenciados em 2012.” Oquadro de 2013 não deve diferir muito.

É claro que também é necessário mudar a leiobjetiva. Entre nós, a quase tudo é possível invo-car o direito de ação, mesmo que a matéria já te-nha sido pacificada nos Tribunais Superiores.Cada caso é tratado por seu mérito próprio, emesmo temas conhecidamente rejeitados sãoreapreciados (...). O problema não se circunscre-ve ao crédito; o próprio Estado é parte em quase60% das ações judiciais e é réu em ações em que

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47JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Jairo SaddiAdvogado emSão Paulo, Doutor emDireito Econômico (USP),pós-doutor pelaUniversidade de Oxford,professor e coordenadorgeral do cursode Direito do Insper.

Evelson de Freitas/AE

sua derrota é certa. O Judiciário só deveria seracionado em questões relacionadas ao crédito, sehouvesse dúvidas ou incertezas em relação aomontante do débito, se ocorresse imprecisão arespeito de quem se devesse pagar ou eventual-mente situações extraordinárias. Em nenhumoutro caso poderia haver uma discussão.

Não há evidência concreta de que um sistemade recursos como o brasileiro garanta procedi-mento melhor e que erros sejam eventualmentereparados ao longo do processo. É uma visão co-mum, e geralmente aceita, que todos os devedo-res são pobres e desafortunados; o credor, ganan-cioso e comumente poderoso. Nada mais equi-vocado, já que, primeiro, como sabemos, os re-cursos não são do banco, mas do cliente; segundonão se advoga sem Judiciário – por exemplo,quando há fraudes ou danos, ele sempre deveagir. Nos demais casos, uma solução simples e rá-pida em favor do credor é o melhor caminho.

Por fim, uma das formas de combater o ativis-mo judicial veio com a Emenda Constitucionaln.º 45, de 8/12/04, que instituiu a súmula vincu-lante, dispondo que o STF poderá, de ofício oupor provocação, mediante decisão de dois terços

dos seus membros, após reiteradas decisões so-bre matéria constitucional, aprovar súmulaque, a partir de sua publicação, terá efeito vin-culante em relação aos demais órgãos do PoderJudiciário e à administração pública direta e in-direta, nas esferas federal, estadual e municipal,bem como proceder à sua revisão ou cancela-mento, na forma da lei. O efeito da súmula vin-culante pode não trazer a normalidade imedia-ta, mas certamente é sinal positivo do ponto devista institucional de que decisões politizadasdeverão ser revistas por uma ordem jurídica su-perior. O Juiz não poderá assim, sob pena de res-ponsabilidade, decidir o caso concreto comaquilo que sua consciência considera como jus-to. Ele deve decidir de acordo com a lei. Reduziro desvio da anomalia significa tomar decisõesque respeitem às leis e aos contratos.

Ponderado o volume de processos, força detrabalho e despesas para aprimorar a produti-vidade, os resultados d nos últimos quatro anosforam pífios. A média dos Tribunais que con-seguem baixar mais processos e reduzir suastaxas de congestionamento se reduziu, commenores percentuais de eficiência.

A média dosTribunais queconseguem baixarmais processos ereduzir suastaxas decongestionamentose reduziu.

L.C.Leite/Luz

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48 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

A custosaburocraciade outras

obrigações fiscaisMario Miranda/LUZ

José MariaChapina AlcazarContador, empresário,foi presidente doSESCON-SP e daAESCON-SP, évice-presidente daAssociação Comercialde São Paulo.

Depois de 2010, novidades como oSistema Público de EscrituraçãoDigital (SPED) e, mais recente-mente, o eSocial, seu subprojeto

mais amplo até aqui, com foco nos aspectostrabalhistas e previdenciários, muito têm aver com a intenção do governo de aumentarseus controles eletrônicos para coibir sone-gação e demais irregularidades.

Mas, por mais que iniciativas assim contri-buam para um ambiente de negócios mais justo eequilibrado, é inevitável esperar a devida contra-partida sob a forma da tão almejada simplifica-ção, única maneira de tirar o Brasil da incômodaposição de destaque há muito ocupada no ran-king mundial dos países mais burocráticos.

Permanece lenta, porém, a eliminação de obri-gações acessórias, muitas redundantes, além desurgirem novas como o Siscoserv, que impôs àsempresas uma série de rotinas para detalhar a to-mada de serviços em âmbito internacional.

São inúmeros decretos, portarias e instru-ções normativas publicadas diariamente, oque torna praticamente impossível ao contri-buinte colocar em prática todas as mudançasanunciadas. Mesmo tentando cumprir à risca alegislação, sempre é surpreendido por algumalacuna ou contradição, numa situação tambémagravada pelos remendos e disparates muitasvezes trazidos por emendas constitucionais.

Nos Estados a substituição tributária teveseu leque de abrangência ampliado, subme-tendo o comerciante ao ônus de pagar o ICMS

antes mesmo de a mercadoria ser comercializa-da, uma prática surreal levando as empresas afinanciar a máquina pública, como se fosseminstituições financeiras.

Recentemente, o Conselho de Controle deAtividades Financeiras (COAF), sob a égide docombate à lavagem de dinheiro, transformoutodos os empreendimentos em delatores po-tenciais, dando erroneamente a entender quefiscalizar e punir seja mais eficaz do que inves-tir na educação de cidadãos menos suscetíveisà corrupção e à sonegação.

Já ao contribuinte, pressionado por todos oslados, resta apenas investir cada vez mais emhardware, software e recursos humanos paraevitar rígidas punições mediante o simples en-vio extemporâneo ou falho de algum arquivodigital ao fisco.

Possíveis alentos pela chamada desoneraçãoda folha, que já se aplica a 56 atividades econô-micas, são no mínimo questionáveis frente à in-tenção recém-anunciada pelo governo de gene-ralizá-la. Se isto realmente acontecer, será agra-vada a situação das pequenas e médias empresascom reduzido volume de mão de obra em seusquadros, que aprenderam a produzir mais commenos, e agora podem ser penalizadas em virtu-de de sua produtividade e de sua eficiência.

Por fim, eis que surge uma nova amplitudepara o sistema conhecido como Simples, que de“Nacion al” volta a ser chamado oficialmentede “Sup er”. Mas será que finalmente ele vaicombinar carga tributária menor e uma verda-

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São inúmerosdecretos, portarias

e instruçõesnormativaspublicadas

diariamente, o quetorna impossívelao contribuinte

colocar em práticatodas as mudanças.

deira simplificação de processos burocráticos?Projeto de Lei recém-aprovado pelo CongressoNacional ainda deixa dúvidas quanto a isso, oque torna mais recomendável do que nunca ohábito saudável de fazer contas, ao invés de de-cidir por impulso ou mero modismo por esteregime, em detrimento dos demais.

Contas, aliás, é o que fazem as pessoas físi-cas, na tentativa de entender porque vêm pa-gando mais Imposto de Renda a cada ano, poisa tabela de retenção na fonte permanece alta-mente defasada, mesmo após o reajuste de 4,5%divulgado efusivamente pelo governo no últi-mo 1º de maio, uma correção que sequer cobrea inflação prevista para 2014.

Outra pendência histórica é a da flexibiliza-ção dos prazos de pagamentos dos impostos econtribuições, para aliviar o desequilíbrio nofluxo de caixa do empreendedor, que certamen-te seria bem mais competitivo se quitasse seustributos após receber pelo seu faturamento, enão mais pela data de emissão da nota fiscal.

Ao invés de avanços dessa natureza, todavia,

identificamos muito mais a mera informatiza-ção da burocracia, com um sistema tributáriocomplexo, verdadeira colcha de retalhos, exi-gindo informações eletrônicas complexas e re-dundantes, sob a ameaça constante de elevadasmultas por qualquer inconsistência ou simpleserro administrativo, muitas vezes colocando oempreendedor na condição de um criminoso emtese, cercado por insegurança jurídica e instabi-lidade na condução do seu negócio.

Tudo isso nos leva a concluir o quanto é ur-gente a necessidade de reformas política, tribu-tária, trabalhista e da própria gestão pública,para que se administrem melhor os recursospúblicos e, finalmente, eles possam retornar àsociedade sob a forma de mais saúde, educa-ção, moradia, segurança e infraestrutura. Mu-danças assim não só reduziriam o custo Brasil,como também desestimulariam a informalida-de e a igualmente danosa migração de plantas enegócios inteiros para países vizinhos, em de-trimento da geração de empregos e do cresci-mento econômico entre nós.

Evelson de Freitas/AE

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50 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Questões quilombolas,indígenas e o MST

Bruno Poletti / LUZ

Denis Lerrer RosenfieldGraduado em Filosofia pela Universidade NacionalAutônoma do México, e “Doutor de Estado” pelaUniversidade de Paris I Panthéon Sorbonne. Éprofessor titular de Filosofia da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul. Autor de vários livros e artigosem português, francês e espanhol, além de professorvisitante na França, Alemanha, Argentina e EstadosUnidos. É articulista dos jornais O Estado de S.Paulo, O Globo e Diário do Comércio, daAssociação Comercial de São Paulo.

A questão quilombola

Pode-se dizer que houve um avanço no tratamento daquestão no governo Dilma. Embora os mecanismos dedecretação de um território enquanto quilombola nãotenham sofrido alteração, houve um clima de maior en-

tendimento no que concerne ao modo de atuação do INCRA.Esse órgão de Estado apresenta uma grande mudança ao seapresentar, hoje, como um órgão encarregado da gestão do ter-ritório e não como aparecia no passado ao ser considerado co-mo uma espécie de braço do MST. Leva, inclusive, em consi-deração o direito de propriedade.

Convém assinalar que os processos de identificação deuma área enquanto quilombola originam-se na FundaçãoCultural Palmares, subordinada ao Ministério da Cultura.Aqui não houve nenhuma modificação, todos os processosde autodeclararão sendo liminarmente aceitos. O INCRA,por assim dizer, já recebe o prato feito, não tendo ingerênciasobre essa etapa do processo. Este continua muito ideologi-zado, graças à atuação de antropólogos que não fazem umtrabalho científico, mas se tornaram militantes da causa. To-dos os seus laudos e relatórios dão sistematicamente ganhode causa aos quilombolas. “Quilombolas” é um termo queveio a significar, para eles, uma comunidade étnica afrodes-cendente, onde pode estar incluída uma mãe de santo branca

em área urbana. A Constituição Federal está sendo desres-peitada por esse processo de ressemantização.

Observe-se, por último, que as indenizações do INCRA sãofeitas com pagamento em dinheiro, sobre o qual não incide im-posto de renda. Dependendo do valor arbitrado, os direitos po-dem ser respeitados.

A questão indígena

Neste caso os processos identificatórios e demarcatórioscontinuam tão explosivos como antes. Diria até que piora-ram, dada a impunidade com a qual os grupos indígenasatuam, apoiados pelo Conselho Indigenista Missionário, porONGS nacionais e internacionais e pelo Ministério Público. AFUNAI continua um Estado dentro do Estado, legislando,executando e julgando ela mesma qualquer recurso adminis-trativo. Ela atua como um sindicato de militantes, totalmenteideologizado. Todo recurso é simplesmente negado, com osantropólogos, mesmo com laudos fraudulentos, arbitrandosobre o que é ou não território indígena. Permanece um órgãofechado, que simplesmente reafirma ideologicamente suasposições. Não há lá diálogo e negociação.

Observe-se que as desapropriações indígenas são verdadei-ras expropriações, pois o proprietário, com registro de seu imó-vel há décadas, tudo perde, só sendo indenizado por benfeito-rias e não pela terra nua. O “jogo” da questão indígena, por as-

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sim dizer, é muito pesado ao envolver todo um processo de for-mação da opinião pública nacional e internacional,interferindo no agronegócio e tornando os indígenas instru-mentos de outros interesses que não são os seus.

Houve um avanço, contudo, na discussão governamentalda questão, uma vez que, ainda ministra da Casa Civil, GleisiHoffmann suspendeu os processos de demarcação no Paraná ena Bahia. Ademais, digno de nota é o fato de a presidente Dilmater sido a que, nos últimos anos, menos demarcou terras no País.Eis uma prova de sensatez de seu governo nesta questão.

Por último, a discussão avançou, pois está hoje na ordem dodia a modificação no modo de desapropriação. Entrou em pau-ta o pagamento dessas áreas, em dinheiro, por preço de mer-cado, o que seria uma forma de dar satisfação aos proprietáriosrurais. Porém, o Ministro da Justiça está tendo dificuldades detomar uma decisão final.

O Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST)

Nesta área houve inegáveis avanços, com a mudança daatitude do INCRA, sob a orientação da Presidente. No gover-no Lula o foco residia na desapropriação de terras ditas im-produtivas. No governo Dilma, o foco passou a ser a quali-ficação dos assentamentos, hoje, em boa parte, favelas rurais.Os investimentos foram voltados, portanto, para melhorar ascondições de vida dos assentamentos e a sua produtividade.

O MST tem tentado reagir a isto, não tendo conseguido alcan-çar os seus objetivos.

Digno de nota é o fato de a presidente Dilma, também emrelação aos governos anteriores, foi a que menos desapro-priou. Manteve sua coerência nestes três anos e meio de man-dato. O esvaziamento do MST é, atualmente, notório. As in-vasões de propriedade diminuíram sensivelmente e, pela pri-meira vez em mais de uma década, o dito abril vermelho foipífio, sem nenhum eco maior.

A única alteração deste quadro, nestes meses de maio e ju-nho de 2014, é o fato de o MST ter transferido suas atividadesprincipais para os centros urbanos, especialmente São Paulo,por intermédio do MTST (Movimento dos TrabalhadoresSem Teto). Empunhou a bandeira da moradia, aplicou nova-mente a tática das invasões e, o que é muito ruim para a de-mocracia brasileira, foi reconhecido enquanto interlocutorpelas esferas municipal, estadual e federal. É o prenúncio denovas invasões nas cidades.

O MST transferiu suas atividadesprincipais para os centros urbanos,

especialmente São Paulo, porintermédio do MTST (Movimento

dos Trabalhadores Sem Teto).

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Retomo questões tratadas no meu arti-go de 2010, pois não houve maioresavanços. No Brasil, as atividades tu-rísticas preponderam nas regiões

mais desenvolvidas, mas, em termos relati-vos, no Nordeste correspondem a 6,5% do seuPIB, enquanto no Sudeste a apenas 1,8%. As-sim, também contribuem para a redução dasdesigualdades regionais. Em relação ao em-prego, as elas respondem por 6% do empregototal do País, segundo o IBGE.

O turismo pode também contribuir para a ge-ração de divisas. Mas, não é o caso do Brasil, on-de o turismo depende do mercado interno. Talsituação decorre da força desse mercado e da lo-calização do País, distante dos principais emis-

sores mundiais. O Brasil responde por apenas0,6% dos gastos totais do turismo mundial, se-gundo a Organização Mundial do Turismo.

O turismo doméstico, além dos benefíciosque propicia, gera externalidades para a sus-tentação do turismo internacional. O cresci-mento do turismo no País requer que sejam es-tabelecidas estratégias diferenciadas para cadauma de suas regiões.

As possibilidades de crescimento do turis-mo internacional no Brasil dependem, de umlado, do desempenho econômico de seus paí-ses fronteiriços, inclusive com o uso de instru-mentos do tipo câmbio e preços, e, de outro, pa-ra os países localizados mais distantes, da va-lorização de seus atrativos únicos, da melhoria

PROPOSTAS PARA OTURISMO BRASILEIRO

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Wilson AbrahãoRabahyEconomista formadopela PUC-SP e mestre,doutor, livre-docente eprofessor titular do cursode Turismo da Escolade Comunicações eArtes da USP.

da infraestrutura, dos serviços de apoio ao tu-rismo e, principalmente, de uma agressiva po-lítica de comercialização e promoção. No pe-ríodo recente estes aspectos requeridos não fo-ram muito contemplados pela política do go-verno federal quanto ao turismo.

Variações cambiais acarretam significativosimpactos na conta Viagens Internacionais, commais intensidade no lado das despesas. Dadosrecentes mostram a gravidade do problema nosaldo da conta Turismo como um todo: em 2013os brasileiros gastaram fora do país U$ 18,0 bi-lhões a mais do que os estrangeiros aqui, um dé-ficit recorde, conforme o Banco Central.

Do lado das receitas, apenas os países limí-trofes respondem às variações do câmbio e dospreços relativos. Para os demais emissores, ocrescimento de suas receitas exige ações maisagressivas na comercialização e adequada-mente programadas para cada tipo de merca-do. Estas ações ainda não foram totalmente im-plementadas pela descontinuidade na gestãodeste setor da economia.

A concepção reconhecida é a de que a impor-tância do turismo é determinada pelo significa-do do mercado internacional. No Brasil, o turis-mo interno é o maior da renda do setor. O valorestimado do turismo interno é cerca de 9 vezessuperior ao do internacional. Uma avaliação dabaixa participação do turismo internacional po-de ser obtida pela relação receitas do turismo/exportação. Na média dos países oscila entre6% e 7%; no Brasil, é de apenas 2,7%(2013). Se-guem-se algumas recomendações.

Há muito o turismo brasileiro vem se cons-tituindo em desafio para que seja alcançadoseu potencial de crescimento. A ocorrência dosmegaeventos –- Copa do Mundo e Olimpíadas– poderia ajudar, mas seus efeitos podem serapenas momentâneos. Mas, até o momento, asações não foram bem sucedidas. Um dos pro-blemas é a descontinuidade de gestão. Assim,algumas das propostas a seguir elencadas pre-

cisam dessa continuidade para alcançar os re-sultados desejados:

1) Instalação de postos de comercialização epesquisas de avaliação, juntamente com a am-pliação das operações e serviços das compa-nhias aéreas: o desconhecido, amplificado pe-las distancias e a falta de informações mais rea-listas, dificultam a escolha do Brasil como des-tinação, especialmente para viagens de lazer.Tais iniciativas contribuiriam para superar anatural resistência e diminuir o grau de insegu-rança na decisão, se primeira vez, de escolher oBrasil como destino de uma próxima viagem.

2) Ênfase no mercado interno e em estraté-gias regionais: em condições naturais do mer-cado, o turismo brasileiro manteve a base deseu crescimento no mercado interno, sem quetenham sido estabelecidas estratégias específi-cas por região e para a conquista de maior par-cela do mercado externo.

3) Programas para reduzir distorções da sa-zonalidade: o custo do turismo é agravado pelaociosidade sazonal no uso de seus equipamen-tos e serviços. As iniciativas para a obtenção demaior regularidade na sua utilização têm sidoprimordialmente do setor privado, mas, háainda, muito espaço para isso, em particularampliando programas turísticos para a popu-lação da terceira idade, especialmente pela ten-dência do aumento significativo da idade mé-dia da população brasileira.

4) Taxa de câmbio e ajustes contábeis dos gas-tos com cartão de crédito: nos últimos anos, a va-lorização do real vem prejudicando seriamenteo turismo no Brasil, porque incentiva a saída debrasileiros para o exterior, tanto pelo menor cus-to das viagens como das compras no exterior.Além disso, os gastos com cartão de crédito paraas compras no exterior, mesmo que não presen-ciais, são debitadas na conta do turismo. É pre-ciso retomar as discussões de políticas especiaispara o dólar turismo e para ajustes na contabi-lização de gastos com cartão de crédito.

Há muito o turismo brasileiro vem seconstituindo em desafio para que sejaalcançado seu potencial de crescimento.

Pablo de Sousa/LUZ

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Divulgação

Gustavo Maia GomesDoutor em Economia pelaUniversidade de Illinois, EUA,com pós-doutorado emCambridge, Inglaterra.

Em 2010, José Raimundo Vergolino e eu escrevemos ar-tigo com o título acima (menos o “E agora, José?”). Qua-tro anos depois – e, outra vez, com o País às portas deuma eleição presidencial –, que mais reflexões sobre o

mesmo tema poderiam ser feitas?Com certeza, muitas, que só é possível esboçar, nos limites

fixados para o presente texto. Divido-o em duas seções: (1) oque foi feito para o desenvolvimento do Nordeste, dentro oufora das propostas apresentadas há quatro anos? e (2) que no-vas (ou velhas) ideias parecem pertinentes, hoje?

As propostas de 2010

Foram seis as nossas sugestões para o que poderia ter sido apolítica de desenvolvimento regional, no período 2010-14: (1) arecuperação do investimento público, especialmente, em in-fraestrutura; (2) o reforço às instituições regionais; (3) o levan-tamento e divulgação das vantagens competitivas potenciaisdo Nordeste; (4) o apoio à saúde e educação; (5) o aperfeiçoa-mento dos programas de transferência de renda; e (6) o fomen-to à ciência e tecnologia na Região.

Em relação a essas propostas, muito pouco foi feito. Em al-guns casos, andamos na direção oposta.

O investimento em infraestrutura aumentou apenas no dis-curso. Na realidade, praticamente, todos os grandes projetos(as ferrovias Oeste-Leste e Transnordestina, a chamada“Transposição do São Francisco”, a duplicação da BR 101) per-

manecem em obras, quando já deveriam ter sido inauguradoshá três, quatro anos.

As instituições regionais, contaminadas por indicações mera-mente políticas de seus dirigentes, estão hoje em pior estado doque em 2010. A Sudene (Superintendência do Desenvolvimentodo Nordeste) é o exemplo máximo, mas não o único. O Banco doNordeste, de uma maneira incomum em sua história, tem sido sa-cudido por escândalos. O DNOCS (Departamento Nacional deObras Contra as Secas) é, como tem sido, um morto-vivo.

Em um mundo no qual parecia possível obter ganhos rápi-dos de renda e emprego com base em mera expansão dos gas-tos públicos, ninguém pensou em “vantagens competitivas”.Consequentemente, o Nordeste se tornou, por larga margem, olíder nacional do Bolsa Família, Bolsa Estiagem, aposentado-rias rurais... E só.

Os programas de transferência de renda se consolidaram co-mo fábricas de votos, e nada mais do que isso. Transformá-losem políticas de desenvolvimento regional – por exemplo, aco-plando-lhes estratégias de capacitação dos trabalhadores ou deexpansão de atividades produtivas – jamais esteve em pauta.

Na contramão dessa realidade, o Prouni (Programa Universi-dade para Todos), o “Ciência Sem Fronteiras” e o Pronatec (Pro-grama Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), ne-nhum dos quais é um programa “regional”, vêm dando apoio àciência, tecnologia e educação no Nordeste, embora sua efetivida-de jamais tenha sido submetida a uma avaliação mais criteriosa.

Paradoxalmente, fora das propostas resenhadas acima e,

Desenvolvimento regional,referência ao Nordeste. E

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55JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Os programas de transferência de renda se consolidaram como fábricas de votos, e nada mais do que isso.

mesmo, dos objetivos explícitos do governo federal, muita coi-sa aconteceu no Nordeste. Políticas como o aumento geral dogasto público, a intensificação das transferências de renda, aelevação do salário mínimo, a facilitação do crédito ao consu-midor, tiveram impactos positivos nesta região.

A grande questão é saber se tudo isso poderá ser mantido nospróximos anos. A fragilidade fiscal a que foi levado o País le-vanta sérias dúvidas a respeito.

Novas (velhas) ideias

A velha ideia de que recuperar o investimento em infraes-trutura constitui necessidade fundamental ao desenvolvimen-to do Nordeste continua válida, pois nenhum progresso real foialcançado, neste ponto. Não apenas o governo falhou em rea-lizar diretamente os investimentos, como também foi incapazde criar mecanismos regulatórios que atraíssem capitais priva-dos para financiar os projetos relevantes.

É, claramente, prioritário terminar as obras de infraestrutu-

ra já em construção e pô-las a operar. Dez anos atrás, discutirsobre a aplicação de dinheiro público em obras como as ferro-vias e a transposição fazia sentido; hoje, já não faz. Deixar asobras inacabadas representa o pior dos desperdícios. A tarefaimportante, daqui para frente, será criar mecanismos que per-mitam à região extrair o máximo retorno dos empreendimen-tos já em construção.

Também em educação, ciência e tecnologia, as necessidadescrescem muito à frente das realizações. Programas como oProuni e o Pronatec têm beneficiado a região, sobretudo, pelosseus efeitos de criação de renda nos locais em que eles operam.No longo prazo, entretanto, o efeito permanente do Prouni virá(ou não virá) pelo aumento da qualificação e da produtividadeda força de trabalho regional. Dada a configuração atual doprograma, entretanto, não está garantido que tal efeito existaou venha a existir.

Em síntese: quatro anos depois de 2010, tudo ainda está porfazer na montagem e operação de uma efetiva política regionalde desenvolvimento para o Nordeste.

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Segurança pública:prioridade nacional

Patricia Cruz/Luz

José Vicente daSilva FilhoEx-secretário nacionalde Segurança Pública(2002), coronel dareserva da PolíciaMilitar de São Paulo, emestre em PsicologiaSocial pela USP,foi consultor doBanco Mundial.

A s reflexões e recomendações quepreparamos em 2010 baseavam–senum quadro de informações apósdois mandatos do governo Lula.

Apesar dos avanços sociais e econômicos en-tão registrados, a dura realidade da violêncianão arrefeceu, expondo a necessidade de po-liticas e programas mais eficientes no setor dasegurança pública. Durante a campanha elei-toral de 2010 não havia propostas consistentesdos candidatos José Serra e Dilma Rousseff,com vagas menções ao tema. Ao assumir o go-verno, a presidente Dilma não contemplou asegurança pública com qualquer prioridadeem sua agenda política ou administrativa. Orelatório do Tribunal de Contas da União de 23de abril de 2014 é enfático ao mencionar noítem 40: “Vale ressaltar a inexistência de Polí-tica Nacional de Segurança Pública formali-zada, ou seja, não há documento ou normati-vo que estabeleça princípios, diretrizes, obje-tivos, metas e estratégias, a exemplo da Polí-tica Nacional de Defesa”.

O Ministério da Justiça, por meio de sua Se-cretaria Nacional de Segurança Pública, divul-gou que a política do governo federal estavasendo executada por quatro eixos estruturan-tes, desde o final de 2011, a saber: 1) “Crack, épossível vencer”, para articular ações daunião, estados e municípios no combate ao crack; 2) “Sistema nacional de informações de Se-gurança Pública, prisionais e sobre drogas”,para promover a integração nacional de infor-mações; 3) “Programa Brasil mais seguro”,pacto para a redução de crimes violentos, atra-vés de enfrentamento da impunidade, controlede armas e combate a grupos de extermínio eorganizações criminosas; 4) “Estratégia Nacio-nal de Segurança nas Fronteiras (Enafron)”,

para garantir a presença permanente das ins-tituições policiais nas fronteiras.

Como se percebe, há um conjunto de progra-mas mal formulados e sem estrutura de prin-cípios de política ou de estratégia para o setor.Em nenhum desses programas o governo con-seguiu demonstrar resultados significativosque pudessem impactar a segurança, como éexemplo marcante o frustrado esforço do pro-grama “Brasil mais seguro”, executado emAlagoas, onde piorou sua condição de Estadomais violento do País.

A falta de prioridade na política do governopara o setor, como constatou o próprio TCU,pode ser ressaltada ainda pela retração dos in-vestimentos nele aplicados, com execução deapenas 35% do orçamento federal para a áreada segurança pública nos três primeiros anosdo governo, e liberação de apenas 11% dos re-cursos do Fundo Penitenciário Nacional, agra-vando as condições da superlotação dos presí-dios brasileiros.

Os resultados foram dramaticamente ne-gativos. Segundo levantamento da Faculda-de Latino-Americana de Ciências Sociais,com dados do Ministério da Saúde, a taxa dehomicídios em 2012 foi a maior dos últimos32 anos, totalizando 56.337 registros, corres-pondendo a uma taxa de 29 mortos por 100mil habitantes (1). Pelos estudos do IPEA so-bre dados de mortalidade considerados decausa indeterminada, essa taxa foi 18,65%maior, ou seja, 34,4 mortes por 100 mil habi-tantes; se excluirmos os Estados de São Pauloe Rio de Janeiro, essa taxa se aproximaria dos40 mortos por 100 mil. Os dados sobre a mor-talidade no trânsito também são aterradores,segundo pesquisa realizada pelo Centro Bra-sileiro de Estudos Latino-Americanos, com

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57JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Há um conjuntode programas

mal formulados esem estrutura

de princípios depolítica ou

de estratégia.

dados obtidos do DPVAT em 2012 (seguroobrigatório de acidentes de trânsito), com olevantamento de 60.752 mortes e registro de352.495 casos de invalidez permanente, omaior registro desse tipo no mundo (2).

A gravidade dos impactos da violência napopulação em geral foi medida por extensapesquisa realizada pelo DataFolha, com apoiotécnico do Centro de Estudos de Criminalidadee Segurança Pública (CRISP) da UFMG, ouvin-do 78 mil pessoas em 2011 e 2012 em 346 cidadescom mais de 15 mil habitantes: 78% evitam sairde casa com objetos de valor; 64% evitam sair decasa à noite ou chegar tarde; 43,9% temem serassaltados; 21% da população sofreram algumtipo de crime nos últimos 12 meses anteriores à

pesquisa; e 33,2% da população temem ser ví-timas de extorsão ou violência policial.

Entendo que as dez propostas que apre-sentamos há quatro anos permanecem tãoválidas como na ocasião em que foram for-muladas. Todo governo procura estabelecersuas visão e opções estratégicas para cada se-tor, mas o sucesso na segurança, talvez maisque qualquer outro, deve estar condicionadoa uma premissa básica: a prioridade. Se dis-puser de alta capacidade de liderança e nego-ciação diante de todos os segmentos políticosenvolvidos aumentará substancialmente aschances de mudanças que a sociedade esperanesse setor tão sensível quanto custoso aoPaís – 5,09% do PIB, segundo o IPEA (3).

(1) Mapa da Violência 2014, Flacso Brasil, Rio de Janeiro, 2014(2) Dados publicados na revista Veja nº 2333 de 07/7/2013(3)Cerqueira, D. (2007). Análise dos custos e consequências da violência no Brasil. Brasília: IPEA 2007(texto para discussão nº 1284)

Apu Gomes/Folha Imagem

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58 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

No meu artigo de 2010 foi realçada a necessidade demudanças, tanto na área da Segurança Nacional,como na do setor de Defesa. Infelizmente, poucomudou concretamente.

É verdade que o governo Dilma Rousseff continuou o fi-nanciamento de grandes programas de reaparelhamento dasForças Armadas. Assim, deu continuidade ao antiquíssimoprojeto da Marinha de construção do submarino de propulsãonuclear. Houve também investimentos no Sistema Integradode Monitoramento das Fronteiras (SISFRON), que está sendodesenvolvido pelo Exército, e que vai monitorar nossas fron-teiras “secas”. Também foi anunciada a compra do novo veí-culo terrestre Guarani. Finalmente, em dezembro de 2013, aPresidente definiu o vencedor da concorrência do projetoFX2, de novos caças para a Força Aérea Brasileira (FAB), de-pois de quatro anos de espera.

Estes projetos devem continuar o seu desenvolvimento, mascorrem riscos diante de cortes orçamentários e de alongamentode prazos também pelas mais variadas razões. Este ano, o Mi-nistério da Defesa foi o mais atingido pelos cortes, com R$ 11,16bilhões, equivalentes a 51,1% do valor anunciado, sendo quenos investimentos a restrição foi de R$ 10,3 bilhões, ou 48,2% dototal inicialmente divulgado.

No que concerne à Segurança Nacional, em sua concep-ção não houve avanços, uma vez que nada na legislação foimudado. Vale lembrar que na Constituição de 1988 houve asupressão de qualquer referência à Segurança Nacional, e,no seu lugar, estabeleceu-se a Defesa Nacional, criando vá-rios problemas de interpretação e efetivo controle civil sobreos militares.

O primeiro exemplo é que a Lei 7.170 de 14 de Dezembro de1983, a famosa Lei de Segurança Nacional, continua em vigor.Mesmo que alguns juristas afirmem que não pode ser aceita pe-la Constituição, ela não foi revogada. E houve o caso de um de-legado querer prender manifestantes das passeatas de junho de2013 com base nessa legislação.

A ideia de sobreposição da lógica militar à sociedade é res-quício da época da Primeira Guerra Mundial, caracterizan-do a predominância da concepção militar sobre a civil. Istotambém se manifesta em legislação recentemente aprovadapara a Defesa. Assim, em setembro de 2013 entraram em vi-gor a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Na-cional de Defesa (END), e houve a criação do Livro Branco deDefesa Nacional (LBDN). Nos três casos fica clara a intençãodos seus formuladores, de definir parâmetros de atuação de-fensiva para toda a sociedade, a fim de que esta esteja pronta

Lalo de Almeida/Folhapress

No que concerne à SegurançaNacional, em sua concepção não

houve avanços, uma vez quenada na legislação foi mudado.

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59JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

para a mobilização nacional frente a uma futura guerra.Na área da Segurança Nacional, e mostrando sua fragili-

dade, houve também o caso de espionagem denunciado peloamericano Edward Snowden, que revelou que a Presidente eseus assessores mais próximos tiveram suas correspondên-cias eletrônicas interceptadas facilmente, uma vez que usa-vam e-mail de empresas americanas ou o sistema de SMS dastelefônicas nacionais.

Nesse contexto, reafirmamos propostas de 2010.

Segurança Nacional: (a) A primeira ação do próximo gover-no deveria ser uma proposta de Emenda Constitucional a fimde modificar o Capítulo II da União, separando a Defesa da Se-gurança Nacional. (b) Transformação do Gabinete de Seguran-ça Institucional (GSI) em Gabinete de Segurança Nacional(GSN), a quem caberia elaborar a política de Segurança Nacio-nal, como um norteador das outras políticas setoriais, dentreelas a da Defesa. (c) Centralização da direção do setor de Inte-ligência do governo sob o comando do futuro GSN. É neces-sário e premente que haja uma coordenação e, principalmente,uma visão civil sobre todas as atividades de Inteligência a fimde assessorar a Presidência da República.

Ministério da Defesa: (a) Também para impor o controlecivil sobre a área meios militar, cabe a modificação do Decre-to Nº 4.735, de 11 de junho de 2003. Tendo em vista que já hácivis com conhecimento necessário e suficiente para a defini-ção das políticas da área de Defesa, faz-se necessário e urgen-te que nessa lei se modifique o Capítulo V, Das DisposiçõesGerais, Art. 36, no qual o provimento dos cargos de Secretá-rios (Grupo 0001-A) é restrito a militares. Não se pode ter oefetivo controle civil se somente eles tiverem a autoridade e ocontrole na elaboração das políticas de Defesa. (b) A fim deque haja, real e efetivamente, um planejamento para açãoconjunta entre as Forças Armadas brasileiras é necessáriohierarquia clara e bem definida nesse processo. Assim, semfazer com que o Estado Maior de Defesa (EMD) tenha prece-dência sobre os Comandantes das Forças, não se conseguirátransformar as Forças Armadas para operar conjuntamente,principalmente no que se refere a Comando, Controle e Co-municação. Assim, é necessário mudar a Lei Complementar97, de 1999, a fim de dar ao EMD a precedência sobre os Co-mandos das Forças. (c) Criação da Guarda Costeira, subor-dinada ao Ministro da Defesa, para aumentar a capacidade depatrulhamento e controle das águas territoriais frente a de-litos comuns, como no caso do contrabando.

Gunther RudzitDoutor em Ciência Política pela

USP, e mestre em SegurançaNacional pela Georgetown

University, EUA. Foi assessor doMinistro da Defesa em 2001-02.

É coordenador do curso deRelações Internacionais das

Faculdades Integradas Rio Branco.

Newton Santos / Hype

Segurança e Defesa Nacionais no Brasil

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60 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Habitação, mosaneamento nos

Divulgação

VladimirFernandes MacielEconomista pela FEA-USP, mestre emEconomia pela FGV-SPe doutorando emAdministração Públicae Governo pela FGV-SP(com passagem peloMassachusetts Instituteof Technology – MIT).

Em 2010 apresentei um diagnósticodessas três questões e recomenda-ções de políticas públicas. Este artigomostra avanços em algumas delas e

estagnação em outras. Também aponta o queestá por fazer.

A grande dificuldade é que os investimentosnecessitam ser bem planejados, exigem gran-des recursos, o tempo de execução é demoradoe a maturação dos projetos é no longo prazo. Is-to exige um compromisso de Estado e não degoverno, pois o calendário eleitoral impõe aótica de curto prazo.

Em 2010 o diagnóstico foi que o País estavanuma transição entre o antigo modelo de polí-ticas urbanas e novas alternativas. Havia umvácuo deixado pelo velho modelo criado du-rante o regime militar (muito federal e com fi-nanciamento altamente concentrado nos re-cursos do FGTS). Atrair recursos privados e teruma política clara de subsídios eram medidasconsideradas fundamentais. Então recomen-damos: (1) compatibilizar e integrar os progra-mas e as ações dos três setores; (2) simplificar efocar os programas existentes; (3) articular osprogramas e as ações entre as diferentes esferasde governo; (4) priorizar o uso de recursos pú-blicos para subsidiar programas destinados àbaixa renda; (5) modernizar mecanismos degestão e de atração de recursos privados para osinvestimentos de longo prazo; (6) prestar con-tas dos recursos públicos utilizados e avaliarresultados alcançados.

Nos últimos quatro anos, a área de habitaçãofoi a de resultados mais expressivos. Com o“Minha Casa Minha Vida” (MCMV), recursosfederais de fundos (FGTS e FAT) e do Orçamen-to Geral da União foram reunidos e organiza-dos para ampliar a produção habitacional. Adescentralização do MCMV estimulou partici-pação de empreendedores privados e elevadonúmero de habitações. Na primeira fase (2009-2011) os principais problemas foram: a maiorparte destinava-se a famílias com renda acimade R$ 1,6 mil e o valor máximo de cada habita-

ção dificultava a produção em grandes centrosurbanos (em que o preço da terra é mais eleva-do). Esses problemas foram aliviados na se-gunda fase (2012-2014), mais focada na baixarenda (com maior subsidio da União) e o valormáximo nos grandes centros foi para R$ 190mil. Hoje se critica “supero ferta” em municí-pios com menores necessidades, “su bo fe rt a”onde essas necessidades são maiores e que boaparte do modelo repete a “Cidade de Deus” ca-rioca: arquitetura massificada, localização pe-riférica, baixa acessibilidade aos locais de em-prego e de entretenimento..

O saneamento ambiental, apesar do PlanoNacional de Saneamento Básico, carece demais investimentos e de um tratamento re-gional e não local. Para água e esgoto, muni-cípios devem apresentar seus planos. Mas, 34dos 100 maiores municípios não os têm. Eco-nomias de escala e gestão por bacias são de-sestimuladas, pois se incentiva o “cada umpor si”. Resultado: os indicadores de cober-tura das redes de água e de esgoto evoluírampouco. Nos resíduos sólidos, 90% dos muni-cípios brasileiros despejam seus resíduos emlixões e não em aterros sanitários ou incine-radores. Os municípios também devem apre-sentar seus planos de manejo, mas muitosnão têm capacidade técnica, nem recursospara elaboração e, muito menos, capacidadede gestão, tornando a política inócua.

A mobilidade urbana avançou menos doque esperado. Os incentivos federais foramde crédito para comprar mais carros com me-nos impostos e rodar bastante com gasolina“su bs i di ad a ”, agravando o problema doscongestionamentos urbanos. E mais: apenas26% das obras de mobilidade urbana do PAC2 saíram do papel.

Para funding das obras de infraestrutura,passou-se a dispor de um novo instrumentodesde 2013: as debêntures de infraestruturaemitidas por Sociedades de Propósitos Especí-ficos (SPE), com incentivos fiscais aos aplica-dores. Embora, segundo a CETIP, mais de R$

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61JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Nos últimos quatroanos, a área de

habitação foi a queobteve resultadosmais expressivos.

10 bilhões referentes a esses papéis estejam cir-culando no mercado, o volume foi aquém doque se esperava.

Quanto ao que precisa ser feito, as palavrassão efetividade e eficiência. O governo federalnão pode abrir mão da liderança no processo.As recomendações continuam as mesmas dequatro anos atrás, porém ressaltamos: (1) épreciso lidar seriamente com as questões re-gionais e metropolitanas que envolvem os se-tores aqui mencionados; (2) há que fazer gran-de esforço e compromissos institucionais pararecuperar a credibilidade dos investidores

privados para novos aportes de recursos; (3) acapacitação técnica dos entes federativos deveser considerada, principalmente na elabora-ção de projetos; (4) os recursos aplicados e osresultados atingidos devem ser publicamentemonitorados e avaliados para evitar desvios evicissitudes de nosso sistema político-institu-cional; (5) as ações das três áreas precisam sercoerentemente propostas dentro da mesmaconcepção de “cidades com qualidade de vi-da” – o governo federal não pode mais tomardecisões incoerentes e contraditórias à essaconcepção, como faz há anos.

bilidade urbana eúltimos quatro anos

L.C. Leite/AE

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62 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

É impossível negar que nos últimos anos o Setor Elétri-co brasileiro continuou como fonte de inquietação aodesenvolvimento do País. É injusto não reconhecerimportantes conquistas, mas é covardia nos refutar-

mos a uma análise que possa conduzir a propostas para um fu-turo mais auspicioso. Imbuídos desse espírito, revisitamosnosso artigo de 2010. Embora suas propostas continuem váli-das, usaremos esta ocasião para analisar nova questão que sur-giu nos últimos anos.

Logramos intensificar a expansão da oferta de energia a signi-ficativos segmentos da população, ampliamos as interconexõesdas várias regiões e a diversificação da matriz elétrica brasileira.Mas tais feitos não são suficientes para garantir um desenvolvi-mento sustentável do setor no curto, médio e longo prazos.

Nossa atenção focará com especial atenção os mercados deenergia. Nos países onde funcionam bem, as empresas, que ne-cessitam do insumo energético podem comprá-lo para o mês, asemana, o dia e até a hora seguinte. Conseguem vender comfacilidade suas sobras de energia elétrica. Não se espera nem seexige que as indústrias eletrointensivas se verticalizem paraprover a eletricidade que consomem. Podem até fazê-lo, masnão constrangidas. O capital flui para a produção de energianão apenas porque vê uma demanda a ser preenchida, mas

porque percebe que há previsibilidade das regras que irão re-ger os retornos futuros desse capital, o que depende muito dospreços de mercado.

Em contraste, o sistema de precificação do setor elétrico vi-gente no Brasil está longe de captar o dinamismo da realidade ecausa graves distorções. Nele cabe à maior parte dos geradoresde energia escolher entre vendê-la no Mercado Livre ou no Mer-cado Regulado. Procurando maximizar resultados, arbitram avenda entre esses dois mercados. Acabam, assim, tendo o incen-tivo e a prerrogativa de apertar mais ainda os mercados nos mo-mentos em que estão pressionados pela baixa hidrologia.

Apesar de essa prerrogativa ter sido exercida, com o que al-guns leilões fracassaram nos últimos anos, várias indústrias ele-trointensivas mantiveram-se compradoras no Mercado Livre.Assim optaram não porque se recusassem a contribuir para a ex-pansão do sistema, fugindo dos contratos mais longos no Mer-cado Regulado. Sua decisão orientou-se pela maior imprevisi-bilidade de suas necessidades, a qual recomenda contratos maiscurtos, quando comparadas às estimativas mais previsíveis dasdistribuidoras, que buscam mais o Mercado Regulado com maistranquilidade. As indústrias eletrointensivas também optarampor essa estratégia por reconhecerem o simples e real fato de queum sistema energético, especialmente um com forte apoio hídri-

EnergiaElétrica:Reflexõespara umaRefor maSetorial

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63JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

co, cresce em degraus, tendendo à sobreoferta. Assim, participardo Mercado Livre é poder usufruir de preços que estarão rela-tivamente mais baixos na maior parte do tempo, do que os va-lores na média encontrados no Mercado Regulado.

A saída é reconhecer que os consumidores não são todosiguais. Alguns precisam de uma energia menos interruptívelAlguns preferem a segurança de estar embaixo do guarda-chu-va de alguma distribuidora mais atuante no Mercado Regula-do. Outros toleram correr mais riscos, e podem administrar me-lhor tais volatilidades, desde que esses riscos continuem randô-micos como as chuvas e não como o resultado de um sistemacomputacional centralizado ou mesmo como resultado da in-tervenção do planejador central.

Modernizar os Mercados Livre e Regulado é tarefa possível enecessária, mas complexa. E a saída não é apertar ou fazer de-saparecer o Mercado Livre. Entre muitas frentes pode-se recor-rer a leilões “m i st o s ”, com participantes dos agentes em ambosos mercados, em que os contratos poderiam ser “fatiados” nu-ma tranche de comercialização nos primeiros anos, e outra re-ferente aos demais anos. Por exemplo, os primeiros 5 anos dis-putados num leilão que interessaria mais aos compradores doMercado Livre. É de se esperar que eles se disponham a pagarmais por esses contratos iniciais, especialmente em épocas de

escassez. Em seguida, seria possível concatenar um segundoleilão dos anos sexto até o ano final da concessão de geração,voltado para satisfazer predominantemente as necessidadesde carga das distribuidoras. Estas poderiam até pagar menospor esses contratos, sem prejudicar os geradores que teriamseu fluxo de caixa resultante, cujo valor final seria o somatóriode contratos vendidos aos preços dos dois leilões. Assim, talmodelagem também poderia ser do interesse do investidor nainfraestrutura energética e daqueles que tivessem energia dis-ponível para venda.

Em resumo, entre 2010 e 2014 avançamos de forma impor-tante na universalização do atendimento, na quantidade ofer-tada e na diversificação de fontes. Diferentemente de 2001, oproblema que se intensificou recentemente não tem raízes nafalta de água, de interconexões, ou de máquinas geradoras. Éum problema econômico, diagnosticado como uma modela-gem que não responde mais às necessidades atuais, uma vezque não captura corretamente os sinais dos preços nem da in-teração entre oferta e demanda por energia elétrica. Enfrentar odesafio de aprimorar e reconstruir os mercados de energia, sejapor leilões “misto s” e “fatiad os”, dentre outros mecanismos,constitui-se no cerne da agenda para a evolução da políticaenergética do País.

Virginia ParenteEconomista pelaUniversidade de Brasília,pós-doutora em energiapela Universidade de SãoPaulo e professora doPrograma de Pós-Graduação em Energia,do Instituto deEletrotécnica e Energia damesma universidade.

Div

ulga

ção

Houve avanços nauniversalizaçãodo atendimento.

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64 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

A diplomacia de Dilma:uma reconstrução

inacabada e imperfeita

Patrí

cia

Cru

z /

LUZ

Rubens RicuperoFormado em Direito pelaFaculdade de Direito daUSP, seguiu a carreiradiplomática, foiembaixador do Brasil nosEUA, na Itália e junto àONU e ao Acordo Geralde Comércio e Tarifas(GATT) em Genebra.Foi ministro da Fazenda,cabendo-lhe olançamento do PlanoReal, e ministro doMeio Ambiente eda Amazônia.

Comparada às expectativas de mu-dança, a diplomacia de Dilma dei-xa a impressão de obra de recons-trução parcial e frustrante: retifi-

cou alguns aspectos, mas no essencial, não sou-be aproveitar as oportunidades para alcançarresultados concretos e duradouros.

Embora Dilma não pudesse se dissociar da di-plomacia de Lula de modo explícito, parecia cla-ro, no início do governo, que ela buscaria corrigiro que já em 2010 se tornara alvo de crítica geral: oexcesso de protagonismo presidencial, a diplo-macia de gestos publicitários e vazios de substân-cia, as iniciativas temerárias em áreas distantesdas prioridades brasileiras, o silêncio cúmpliceem relação a regimes notoriamente ditatoriais evioladores de direitos humanos, a inspiraçãoideológica e sectária da política externa.

Adivinhava-se também a intenção de con-sertar os estragos no relacionamento com os Es-tados Unidos e interpretava-se nesse sentido aescolha como novo chanceler de Antonio Pa-triota, então embaixador em Washington.

Dando balanço no quadriênio, reconheça-seque algo foi feito na direção certa. Parte dissonão resultou de escolha, mas foi imposição daprópria mudança. O exemplo mais claro decor-re da retirada de cena de Lula, cujo carisma nãotinha como transferir-se à sucessora. Desapa-receu o protagonismo, o personalismo exage-rado, a diplomacia centrada na figura e na bio-grafia do presidente. O estilo diplomático tor-

nou-se em geral mais sóbrio.Outra modificação bem-vinda consistiu no

retorno (relativo) à defesa dos direitos huma-nos e no distanciamento de regimes como o doIrã. Esboçaram-se passos positivos para reno-var o relacionamento com os EUA na base, en-tre outras, do programa Ciência Sem Frontei-ras e colaboração em ciência e tecnologia.

A aproximação com Washington, que deve-ria constituir o carro-chefe da nova diplomaciae culminar com a visita de Estado da presiden-te, foi vítima da espionagem da National Secu-rity Agency. Não havia condições políticas pa-ra a visita e nesse caso não se pode censurar adecisão de suspender o esforço até que se res-tabeleçam condições mais propícias.

A frustração do elemento mais importanteda reconstrução diplomática projeta a imagemde projeto inacabado. Dos dois elementos dafórmula de “destruição criativa” de Schumpe-ter, fica a sensação de que se destruiu bastante,mas não se criou o suficiente.

Da obra de demolição, resta ainda parte con-siderável, em especial na ideologização da po-lítica sul-americana. Não só sobrou o entulhodo eixo bolivariano; acrescentaram-se mons-trengos novos: a suspensão arbitrária do Para-guai do MERCOSUL como pretexto para pre-cipitar o ingresso da Venezuela; o falso “asilo”ao senador boliviano Roger Pinto.

O que faltou edificar, porém, supera emmuito o que ficou sem demolir. Esperava-se

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65JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Parcela da culpapela destruição daimagem do País noexterior cabe ao

próprio fracasso dapolítica econômica

brasileira.

que Dilma, com fama de tecnocrata competen-te e objetiva, imprimisse pragmatismo a umadiplomacia visando resultados tangíveis. Des-se ponto de vista, infelizmente o panorama dei-xa a desejar. Nada se fez, nem mesmo em ter-mos de tentativa, para renovar o MERCOSUL,abalado por crise de credibilidade terminal. Orelacionamento comercial com o principal par-ceiro dentro do bloco, a Argentina, se não pio-rou, tampouco apresentou qualquer melhora.

Em lugar de esboçar um gesto decisivo em di-reção a países como o México e seus companhei-ros da Aliança do Pacífico – a Colômbia, o Chile,o Peru – Dilma impôs aos mexicanos uma limi-tação da cota automobilística similar à que os ar-gentinos nos obrigam a engolir! É óbvio que sequeremos nos integrar às cadeias mundiais deprodução, temos de fazê-lo a partir de países quedispõem já de acordos de acesso aos mercados di-nâmicos dos EUA e países avançados.

Nesse particular, a diplomacia sofre de pa-ralisia e falta de imaginação criativa. Não temoutro horizonte além de uma imperfeita uniãoaduaneira que nada fazemos para aperfeiçoar

e não nos dá acesso desimpedido nem aos par-ceiros, quanto mais a terceiros. Somente noapagar das luzes do governo, se decidiu a reto-mada de negociações, iniciadas há mais de 10anos, para um acordo de livre comércio com aUnião Europeia. Apesar de anunciada váriasvezes, nem se conseguiu definir até agora co-mum posição negociadora, nem foi possíveldar início efetivo às tratativas.

É verdade que deixaram de existir as condiçõeseconômicas externas e o crescimento interno quehaviam criado para o Brasil na era Lula o pres-tígio ilustrado na famosa capa do “E c onom i st ”sobre o Cristo do Corcovado. Parcela da culpapela destruição da imagem do País cabe ao pró-prio fracasso da política econômica e à aguda cri-se de competitividade a que nos conduziu.

Para terminar com nota positiva, resta esperarque os BRICS, bloco de companhias às vezes pou-co frequentáveis em termos de aventuras milita-res, se resolvam na reunião de julho em Fortalezae criar o banco de infraestrutura e o fundo de re-servas em estudos. Teríamos afinal algo de prag-mático e concreto a comemorar!

Timothy A. Clary/AFP

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66 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Fundamentos parareformulação da política

macroeconômica

Fabio Motta/Estadão Conteúdo

Somente alguns poucos aeroportos foramconcedidos à gestão da iniciativa privada.

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67JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Patrícia Cruz/LUZ

Nosso artigo de 2010 apontou que oBrasil vivia então um “s u b de s e m -penho satisfatório”, pois o con-tentamento popular e a euforia

demonstrada e difundida pelo governo federalnão condiziam com o frágil status da economiado País segundo vários indicadores apresenta-dos. E argumentava que tal percepção deveriafundamentar a ação política para reverter tals u b de s e m p e n h o .

Propôs-se então uma política macroeconô-mica em que o esforço fiscal do governo fosseaferido principalmente pelo seu efetivo engaja-mento em ampliar a poupança e os investimen-tos públicos, sem aumento da carga tributária.

No detalhe, defendeu-se ampliar a poupançanacional e os investimentos públicos e privadoscomo proporção do Produto Interno Bruto(PIB). O desempenho fiscal do governo passariaa ser avaliado também pelo seu déficit nominal esua dívida. E não pelo enganoso superávit pri-mário, que o alardeado como a “poupança que ogoverno faz para pagar parte dos juros da dívi-da”. Ora, o governo não poupa nada, é sempredeficitário, e ao longo dos anos tal superávit veiode um persistente aumento da carga tributária.

No governo Dilma, de novo o crescimentodo PIB tem sido marcado por taxinhas. As ta-xas de poupança e investimento relativamenteao PIB também se reduziram, e acendeu-se aluz amarela nas contas externas. Um aspectopositivo foi que o “subdesempenho satisfató-rio” cedeu espaço à insatisfação e aos protestosque marcaram o País desde junho de 2013.

Mas, ao invés de ajustes na direção proposta, apolítica macroeconômica manteve medidas doperíodo de euforia pré-crise internacional, comessa euforia também se mostrando em 2010. Isto,sem perceber que algumas não mais tinham amesma eficácia, como a expansão do créditocontida pelo endividamento agravado, e que aampliação das transferências governamentaisem dinheiro (via INSS e outros gastos sociais),havia comprometido seriamente a disponibili-dade de recursos para o investimento público.

Só em 2012, depois de 10 anos de governos pe-tistas, “caiu a ficha” de que a carência de recur-sos governamentais tornou indispensáveis asconcessões de serviços públicos. Assim, emagosto de 2012 veio ambicioso programa nessalinha, voltado para ferrovias e rodovias, masque se atrasou e permanece com problemas deimplementação, em particular o das ferrovias.Também não avança outro programa voltadopara os portos, e só uns poucos aeroportos fo-ram concedidos à gestão privada.

Louve-se, entretanto, que o governo tenha

acordado para a realidade de uma infraestrutu-ra muito carente de melhorias. Outra iniciativameritória foi a de reduzir a taxa básica de jurospara níveis civilizados, mas tal iniciativa nau-fragou por má companhia, a de uma políticafiscal expansionista que não deu sustentação àredução da Selic.

A gestão Dilma também se marca por forteintervencionismo nos mercados, alimentadopor sua desconfiança quanto ao setor privado.Daí vieram sérias distorções em prejuízo dossetores de petróleo e gás, de energia elétrica e osucroenergético. O governo excedeu-se tam-bém na chamada contabilidade criativa, comona cobertura de despesas permanentes com re-ceitas transitórias e nas implicações orçamen-tárias do enorme orçamento paralelo de créditoao BNDES. Tal criatividade é destrutiva da in-dispensável confiança dos agentes econômi-cos nas políticas governamentais.

Em retrospecto, comparando-se a situaçãoatual com a de 2010, percebe-se que às circuns-tâncias externas agora bem menos favoráveis doque no período Lula somou-se uma ainda maistemerária condução da política econômica.

Com a piora do cenário externo, os caminhosda política macroeconômica se estreitaram, enão há o que fazer senão buscar um crescimen-to mais sustentado pelo esforço interno, para oque nossas propostas de 2010 continuamatuais. Em sua essência, enfatizam o aumentoda poupança e do investimento como propor-ção do PIB a partir principalmente da arregi-mentação de forças internas, que poderão serdesencadeadas com a adequada reorientaçãoda política macroeconômica.

Mas, a carência de recursos para investimen-tos públicos é enorme. Assim, estendendo o quefoi proposto em 2010, as concessões precisam serfortemente ampliadas, e adotadas inclusive naexploração do Pré-sal. Neste caso, a adoção domodelo de partilha com monopólio operacionalda Petrobras exigiu desta uma capacidade quenão está em condições de oferecer a médio prazo.E o longo prazo não convém à urgente necessi-dade que o país tem dos recursos do Pré-sal.

Além de concessões, cabem também maisparcerias público-privadas, e forte empenho noaprimoramento da infraestrutura de transportee logística do País, onde as muitas carências seagravaram. E, ainda, na expansão da construçãocivil, dadas a enorme dimensão da cadeia pro-dutiva do setor e sua capacidade de transformarpoupança em investimento, já que o setor é pro-pício a financiamentos buscados pelos própriosinteressados em adquirir imóveis e desenvolverobras de infraestrutura, entre outros casos.

Roberto MacedoEconomista (UFMG,USP e Harvard). Na USP,foi professor titular, chefedo departamento deEconomia e diretor daFaculdade de Economia,Administraçãoe Contabilidade.É coordenadordo Conselhode Economia da ACSP.

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68 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Newton Santos / Hype

Ulisses Ruiz de GamboaEconomista da Associação Comercial de São Paulo eprofessor da FIA/USP e FIPE/USP; Doutor em Economiapela FEA/USP; Pós-Doutorando em História Econômica,University of California at Los Angeles (UCLA);ex-Consultor do Banco Mundial. Visiting Scholar daUniversity of California at Los Angeles (UCLA).

Passados quase quatro anos desde a publicação do meuartigo anterior de mesmo título, um período tambémmarcado pela infrutífera tentativa do governo Dilma dereduzir o custo do crédito, o País continua apresentan-

do um dos maiores níveis mundiais, tanto de taxas de jurosreais, como dos spreads praticados. Cabe analisar, portanto, seos fatores explicativos mencionados em 2010 ainda se encon-tram atuantes, e, por conseguinte, se as propostas efetuadasnaquela oportunidade mantêm sua atualidade.

Com relação aos fatores de ordem microeconômica, em pri-meiro lugar, encontram-se os custos administrativos do siste-ma bancário. De acordo com o banco central dos bancos cen-trais, o Bank for International Settlements – BIS (2014) (1), o sis-tema bancário brasileiro é o que apresenta o maior custo ope-racional do mundo, o que, com muita probabilidade, deveincidir no nível dos juros cobrados.

Por sua vez, a inadimplência continua sendo um dos princi-pais determinantes do spread, explicando, segundo estudo doBanco Central (2013) (2), cerca de 33,6% do nível observado em2012. A aprovação do Cadastro Positivo foi um passo importan-

te para reduzir o risco de inadimplência, dado que a consolida-ção do endividamento dos tomadores de crédito contribui paraevitar alavancagens excessivas. Na prática, contudo, a exigênciade autorização prévia por parte do devedor, para que ocorra es-sa consolidação, posterga os efeitos benéficos do cadastro sobreo risco de inadimplência e, portanto, sobre os juros cobrados. Noque tange à recuperação judicial dos créditos inadimplentes,não houve nenhum avanço significativo, colocando o Brasil no109º lugar no quesito facilidade de obtenção do crédito, de acor-do com os dados do relatório “Doing Business” ( 2 01 4 (3).

Em relação aos custos do direcionamento dos recursos, quelevam os bancos a aumentar os juros do crédito livre para com-pensar as perdas com o crédito subsidiado (direcionado), houveapreciável aumento da participação desse tipo de crédito no to-tal das operações, que passou de 36,3% em 2009 para 55,6% em2013, de acordo com dados do Banco Central. Outro elementoincluído nesses custos se refere aos depósitos compulsórios, on-de o Brasil continua apresentando um dos maiores níveis de re-servas obrigatórias do mundo (45% para depósitos à vista e 20%para depósitos a prazo), o que reduz a concessão de crédito para

Mercado de créditoe o novo governo:dez propostas para

reduzir o spread bancário

O autor agradececomentários e sugestões

de Marcel Solimeo eRoberto Macedo,

responsabilizando-sepor qualquer erro ouomissão cometidos.

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69JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

o setor privado, contribuindo para aumentar as taxas de juros.Os encargos fiscais cobrados ao setor bancário aumentaram

sua participação na explicação do spread entre 2009 e 2012, pas-sando de 21,5% para 22,86%, de acordo com o Banco Central(Op. Cit.) (4), enquanto a margem líquida de lucro por parte dosbancos se incrementou de 32,3% para 34,3% durante o mesmoperíodo, segundo a mesma fonte.

Por último, com relação aos determinantes macroeconômi-cos do spread bancário, a taxa SELIC continua sendo o piso pa-ra o custo de funding do sistema financeiro. A aceleração da in-flação desde 2010 terminou por obrigar a autoridade monetáriaa mantê-la elevada, ampliando os custos de intermediação fi-nanceira. Além disso, a política fiscal crescentemente expan-sionista continua utilizando os depósitos das instituições ban-cárias junto ao Banco Central, remunerados a essa taxa, comoum mercado cativo para a “rolagem”da dívida pública. A pro-

porção desses depósitos em relação aos recursos totais manti-dos pelos bancos junto ao Banco Central aumentou de 49,7%em janeiro de 2009 para 84,2% em maio de 2014, de acordo comdados do Banco Central. A situação dos “esque letos” fiscaisnão reconhecidos, tais como o valor atualizado das dívidas doDecreto-Lei 6019/43 (5 ) e os precatórios, tampouco mostroumelhoria satisfatória, contribuindo, assim, para a manutençãode maior risco fiscal e, portanto, maiores taxas de juros dos tí-tulos públicos, aí incluída a taxa SELIC.

Como conclusão, pode-se dizer que os mesmos fatores queexplicavam o elevado nível do spread bancário em 2010 se-guem atuantes. Portanto, continuam válidas nossas recomen-dações de política, voltadas para reduzi-lo, com exceção dacriação do Cadastro Positivo, o qual se encontra em processode maturação, até que seja possível contabilizar seus efeitos po-sitivos sobre a inadimplência e os juros cobrados.

(1) Bank for International Settlements, 84th Annual Report, 2014, June.(2) Banco Central: “Evolução Recente do Mercado de Crédito e Decomposição do Spread” in Relatório deEconomia Bancária e Crédito 2012, 2013, novembro.(3) Doing Business, International Finance Corporation e World Bank, 2014.(4) Ver nota 2.(5) Títulos de dívidas emitidos pelas três esferas governamentais durante o período 1883-1931, federalizados em1943 durante o Governo Vargas, de cujo saldo a pagar o Tesouro Nacional somente reconhece o valor de face!

A taxa SELIC continua sendo o piso para o custo de funding do sistema financeiro .

Eduardo Knapp/Folha Imagem

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70 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Consideraçõessobre os rumos dosistema tributário

Leonardo Rodrigues / e-SIM

Permanecem os impostos sobre o consumo,recolhidos de forma quase irrestrita em iníquo

mecanismo de substituição tributária.

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71JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

Anecessidade de reforma do sistematributário brasileiro já encontravaconsenso amplo em 2010, quandosugeri medidas que em muito po-

deriam contribuir para o aprimoramento datributação no Brasil.

Se o consenso pela reforma vinha acompanha-do por marcado dissenso quanto ao seu conteú-do, apontaram-se, na ocasião, as dificuldades pa-ra a reformulação do sistema tributário brasilei-ro. Assim, enquanto a esfera particular esperavaredução em sua carga tributária, os crescentesgastos estatais demonstravam inexistir qualquerdisposição para tanto por parte da esfera pública,para quem a reforma apenas seria discutível casorestasse assegurada a sua arrecadação. Ante aimprobabilidade da reforma fiscal, parecia maisfactível considerar medidas pontuais que, embo-ra não trouxessem emendas à Constituição, se-riam igualmente salutares para o bom ajusta-mento da tributação no Brasil, notadamente noque dizia respeito ao ICMS e a tributação do con-sumo, ao PIS/Cofins, aos preços de transferênciae aos investimentos brasileiros no exterior.

Passados quatro anos, cenário e abordagemali vislumbrados permanecem. De fato, a op-ção pelo Estado Social de Direito segue incon-teste, tornando desesperançada a expectativade redução de carga tributária. Tampouco háindício de que os entes federativos estejam pre-parados para abrir mão de sua arrecadação emprol de acerto estrutural do sistema tributário.

Exemplo contundente é o do ICMS. Instiga-do pela posição firme do STF quanto à incons-titucionalidade da “guerra fiscal”, o SenadoFederal fez uso louvável de sua atribuiçãoconstitucional ao editar a Resolução 13/12, re-duzindo a 4% a alíquota interestadual do im-posto no caso de produtos importados. Não ob-teve igual sucesso, contudo, ao pretender es-tender o regime a toda e qualquer transação en-tre Estados, que insistem na infeliz resistência àadoção do princípio de destino. Solução, valelembrar, eficiente e que sequer exigiria altera-ção constitucional para a sua implantação.

Em verdade, o caso do ICMS é apenas umadas mazelas de que sofre a tributação do consu-mo no Brasil. Se a Lei 12.741/12 veio a finalmen-te fazer destacar o valor dos tributos na nota fis-cal ao consumidor, a esperada conscientizaçãoainda não levou à rejeição da acentuada regres-sividade do sistema tributário brasileiro. Per-manecem os impostos sobre o consumo, reco-lhidos de forma quase irrestrita em iníquo me-canismo de substituição tributária, a ignorar oprincípio da seletividade que deve orientá-los,tributando-se ou isentando-se produtos indis-

criminadamente, sejam estes essenciais ou su-pérfluos. Impõe-se menor carga tributária àque-les de maior poder relativo, ao mesmo passo emque se abre espaço a grupos de interesse, atuan-do em portas fechadas.

A par da regressividade, as contribuiçõesPIS/Cofins ainda são triste evidência da comple-xidade irracional do sistema tributário. Fundadaem uma série de exceções e privilégios que nãocomportam qualquer sistematização, o emara-nhado da legislação do PIS/Cofins acirra litigio-sidade que nada traz além de custos e insegurançaa fisco e contribuintes. Há que se reconhecer o de-sastre do sistema não cumulativo, pugnando-sepela sua reformulação, por vezes anunciada pelogoverno, mas nunca levada a efeito.

Em matéria de preços de transferência, editou-se a Lei 12.715/12 na esperança de resolver diver-gências antigas. Embora em algumas hipóteses asolução reste duvidosa –exemplo das despesas defrete e seguros no método PRL (Preço de Revendamenos Lucro) –, noutras a escolha do legislador fi-cou clara – caso da proporcionalização no cálculodo PRL, até então fruto de interpretação fiscal de-samparada de base legal. De toda forma, confir-maram-se as margens predeterminadas de lucro.Espera-se esteja a administração preparada parahonrar este relevante compromisso entre o prin-cípio arm’s length e a praticabilidade, admitindoa alteração daquelas margens mediante prova desua inadequação pelo contribuinte.

Ainda no campo da tributação internacional,assistiu-se à conclusão de julgamento que hámuito se arrastava no STF: a tributação dos lu-cros de subsidiárias de empresas brasileiras noexterior. Declarada a inconstitucionalidade dapolêmica Medida Provisória 2.158-35/01 paracoligadas em jurisdição sem tributação favore-cida, assim como sua constitucionalidade paracontroladas em paraísos fiscais, logo veio a Lei12.973/14 baixar novo regime ajustado ao en-tendimento do Tribunal.

Fruto de intensa negociação entre governo,parlamento e contribuintes, reconheça-se que onovel regramento comporta a consolidação de re-sultados, além de conceder prazo de oito anos pa-ra o recolhimento do tributo. Peca, entretanto, aomanter a tributação (automática) do lucro estran-geiro pelo imposto brasileiro, em nítido descom-passo com a experiência europeia, onde multina-cionais recolhem imposto apenas no país em queinstaladas. Se o comprometimento à competitivi-dade das empresas brasileiras é evidente, o con-tencioso que se antevê fará prova da oportunida-de que se perdeu para editar legislação condizen-te com os ditames da Constituição e sintonizadacom a realidade dos negócios transnacionais.

Luís EduardoSchoueriProfessor titular de DireitoTributário da Faculdadede Direito daUniversidade de SãoPaulo, professor daUniversidadePresbiteriana Mackenziee vice-presidente daAssociação Comercialde São Paulo.

Patrícia Cruz /LUZ

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72 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Cesar Diniz / Hype

No trabalho original de 2010, destacou-se a importância da inserção competitiva de pro-dutores de micro, pequeno e médio portes em mercados externos para o crescimentosustentado das exportações brasileiras. À medida que se amplia a base de exporta-dores, abrem-se perspectivas de diversificação tanto da pauta de exportações quanto

dos países de destino. Condições adversas em alguns mercados são compensadas por mais pro-missoras em outros, assegurando-se, assim, o tão almejado círculo virtuoso das vendas externas.Em 2012, 14,6 mil exportadores (70% do total) foram de micro, pequeno e médio portes, mas di-retamente responsáveis por apenas 4% das exportações totais, da ordem de US$ 243 bilhões.

Inserção deProdutores de

Pequeno Porte emMercados Externos

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73JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

José Cândido SennaEngenheiro Civil e pós-graduado em EngenhariaIndustrial pela PUC-RJ,economista pela UERJ eMestre em AdministraçãoPública pela KennedySchool of Government daHarvard University.

É fundamentalcriar condições deganhos decompetitividadeaos exportadores.

É fundamental criar condições de ganhoscontínuos de competitividade aos exportado-res, buscando-se sempre a redução de seus cus-tos e a agregação de valor aos itens exportados,ações equivalentes a um “câmbio adicional” emaior rentabilidade das exportações. Iniciati-vas nas áreas de inovação e sustentabilidade, adespeito de esforços governamentais, têm pro-duzido resultados ainda modestos em algumascadeias produtivas, como a do agronegócios.

Em tal contexto, ressaltou-se o papel de em-presas comerciais importadoras e exportadoras(CIEs) na alavancagem de vendas externas.Atuando em ambas as pontas, elas podem im-portar insumos e componentes necessários à re-dução de custos de produção, bem como oferecercanais de distribuição no exterior para a almeja-da inserção. Contribuem, portanto, para dimi-nuir despesas de acesso a mercados, tais como aprospecção de compradores e a participação emeventos internacionais, bem como a seleção derepresentantes, agentes ou distribuidores.

Foi proposta a criação de uma categoria es-pecial dessas empresas denominada ExportDevelopment Company (EDC), que atuaria naprestação de serviços orientados para o merca-do e às atividades produtivas, bem como ao ge-renciamento de riscos e ao suporte logístico deimportações e exportações.

Apesar dos esforços da Agência Brasileirade Promoção de Exportações e Investimentos –ApexBrasil, de reconhecimento e fortaleci-mento daquele papel, suas ações ainda nãocontemplaram a EDC. Ressalte-se, entretanto,a maior articulação da entidade, a partir de2011, com o Conselho Brasileiro das EmpresasComerciais Importadoras e Exportadoras –CECIEx, instituído pela ACSP, para a consoli-dação do Projeto Tradings.

Entre outros, os trabalhos abrangem a orga-nização, em diversas regiões do País, de even-tos de mobilização e sensibilização de produto-res e exportadores, denominados EXPORTARPARA CRESCER, envolvendo encontros denegócios com dirigentes e representantes deCIEs. Essa iniciativa segue o tradicional e exi-toso modelo de aproximação desses atores im-plementado pelo movimento DOBRANDOAS VENDAS EXTERNAS COM AS COMER-

CIAIS EXPORTADORAS, iniciado pela Fede-ração das Associações Comerciais do Estadode São Paulo – FACESP, em 2000, posterior-mente absorvido pelo Projeto EXPORTA, SÃOPAULO, ora em andamento.

Na logística do comércio internacional porvia marítima, em especial a que envolve o uso decontêineres, destacou-se, em 2010, a importân-cia da implementação do Projeto PORTO 24HORAS no complexo portuário santista, frutode inúmeras análises e discussões promovidaspelo Comitê de Usuários dos Portos e Aeropor-tos do Estado de São Paulo – COMUS, da ACSP,desde setembro de 2007. Em abril de 2013, a Se-cretaria Especial de Portos –SEP, da Presidênciada República, lançou o Programa PORTO 24HORAS, em duas etapas, a primeira voltada aosportos de Santos, Rio de Janeiro e Vitória. A se-gunda contemplou os portos de Suape, Parana-guá, Rio Grande, Itajaí e Fortaleza.

O Programa ainda não deslanchou, em virtu-de, principalmente, da necessidade de redefini-ção de quadros de pessoal de órgãos anuentes deimportação e exportação, tais como a Receita Fe-deral, a ANVISA e a VIGIAGRO, bem como dabaixa demanda em horários noturnos e finais desemana. Em Santos, tais dificuldades deverãoser superadas no período 2015/2022, na medidaem que se confirmem as previsões de crescimen-to de fluxos de cargas pelo mesmo porto, em es-pecial em contêineres, tanto na navegação delongo curso quanto na cabotagem, e a atual ofer-ta de serviços logísticos do complexo portuáriomantenha-se praticamente inalterada.

Nesse cenário, o Projeto PORTO 24 HORASserá naturalmente implementado, pois é umaalternativa de ganhos efetivos de produtivi-dade de instalações logísticas, por meio da re-dução dos tempos de permanência (dwell ti-mes) de cargas em pátios portuários e retro-portuários, proporcionando, dessa forma, oaumento da capacidade de terminais. Simul-taneamente, haverá a diminuição dos temposde trânsito de mercadorias importadas e ex-portadas, bem como dos custos logísticos as-sociados, fortalecendo, assim, a competitivi-dade de importadores e exportadores, em es-pecial os de micro, pequeno e médio portes,objetivo maior de ambos os projetos.

Patrícia Cruz /LUZ

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O principal pilar de sustentação do Estado Federalé o exercício autônomo, pelos entes federativos,das competências legislativas e administrativasconstitucionalmente distribuídas. Para atingir

essa finalidade, é imprescindível a recuperação do exercício decompetências legislativas pelos Estados em matérias impor-tantes e adequadas às peculiaridades locais, afastando nossofederalismo de seu tradicional centralismo.

Se teoricamente a Constituição de 1988 adotou a clássica re-partição de competências federativas, prevendo rol taxativo decompetências legislativas para a União e mantendo os poderesremanescentes dos Estados; na prática não se verifica tal equi-líbrio, pois é facilmente perceptível o desequilíbrio federativono tocante à competência legislativa, uma vez que, há a previ-são de quase a totalidade das matérias de maior importânciapara a União (CF, art. 22).

A tradicional interpretação política e jurídica que vem sendodada ao art. 24 do texto constitucional, no sentido de que nas di-versas matérias de competência concorrente entre União e Esta-dos, a União pode discipliná-las quase integralmente, acarreta co-mo resultado uma diminuta competência legislativa dos Estados;gerando a excessiva centralização nos poderes legislativos naUnião, o que caracteriza um grave desequilíbrio.

A consagração do reequilíbrio na distribuição das competên-cias federativas é essencial para o maior desenvolvimento demo-

crático e econômico do País, podendo ser realizado em cinco cam-pos complementares: (1) Alterações constitucionais; (2) Real exer-cício das competências delegadas (parágrafo único, do art. 22 daCF); (3) Efetivo exercício das competências concorrentes (art. 24da CF) entre União e Estados-membros; (4) Maior atuação peran-te o Supremo Tribunal Federal no sentido de evolução jurispru-dencial que valorize os poderes remanescentes dos Estados-membros e reequilibre os entes-federativos e (5) Adoção do prin-cípio da subsidiariedade, em prática na União Europeia.

No tocante as alterações constitucionais, há a possibilidade deedição de emenda constitucional com a migração de algumas

: Keiny Andrade/AE

Alexandre de MoraesProfessor Doutor e Livre-docentena Faculdade de Direito daUniversidade de São Paulo (USP)e Professor Titular da Faculdadede Direito da UniversidadePresbiteriana Mackenzie;advogado e consultor jurídico.

A necessidade defortalecimento dascompetências dos

estados-membros dafederação brasileira

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competências definidas atualmente como privativas da União pa-ra o rol de competências remanescentes dos Estados e outras paraas competências concorrentes entre União e Estados, para que nes-ses assuntos, as peculiaridades regionais sejam consideradas.

Além disso, sem qualquer necessidade de alteração constitu-cional, o exercício das competências delegadas poderia encon-trar um ponto de equilíbrio federativo entre União e Estados, poiso art. 22, p. único do texto constitucional prevê que lei comple-mentar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões es-pecíficas das matérias relacionadas neste artigo, desde que nãogere discriminação entre os Estados. Esse instrumento seria im-portantíssimo para que cada Estado, atento às suas peculiarida-des, pudesse disciplinar pontos específicos das diversas maté-rias, como por exemplo, relações comerciais, agrárias, trabalhis-tas, onde há realidades diversas nos Estados.

No âmbito da legislação concorrente, a CF estabeleceu a repar-tição vertical, pois, dentro de um mesmo campo material, reserva-se um nível superior a União, que deve somente fixar os princípiose normas gerais, deixando-se ao Estado a complementação, com aedição de regras complementares e específicas. Ocorre, entretan-to, que os Estados são extremamente tímidos na edição da legis-lação complementar, aceitando sem qualquer contestação a legis-lação federal que –em matéria concorrente –acaba por disciplinartanto os princípios e regras gerais, quanto as normas específicas.

Medida de reflexos imediatos consistiria em atuação perante oSTF no sentido de evolução jurisprudencial que valorizasse a com-petência concorrente dos Estados e, em pouco tempo, seria pos-sível garantir um maior equilíbrio entre os entes-federativos.

Por fim, o texto constitucional oferece mecanismos para que,passe a ser adotado no Brasil, com as devidas adaptações, o prin-cípio da subsidiariedade, já em prática na União Europeia. O Con-selho Europeu de Birminghan, em dezembro de 1992, reafirmouque as decisões da União Europeia deveriam ser tomadas o maispróximo possível do cidadão, sempre com a finalidade de presti-giar as comunidades regionais, e maneira que suas propostas le-gislativas analisem se os objetivos da ação proposta podem ser su-ficientemente realizados pelos Estados, bem como quais serãoseus reflexos e efeitos regionais. A ideia aplicada à federação bra-sileira seria prestigiar a atuação preponderante do ente federativoem sua esfera de competências na proporção de sua maior capa-cidade para solucionar a matéria de interesse do cidadão que re-side em seu território, levando em conta as peculiaridades locais.

A maior autonomia estadual para legislar significará um maiorcontrole social e político sobre o centralismo, garantindo maior res-peito às autonomias locais, de maneira a preservar suas peculia-ridades e auxiliar na diminuição das desigualdades regionais.

Dida Sampaio/AE

É facilmente perceptível o desequilíbriofederativo no tocante à competência legislativa.

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76 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

Lições e Desafios doBolsa Família

Uma agenda para frente

L.C.Leite/LUZ

André PortelaSouzaDoutor em Economiapela Universidade deCornell (EUA) e professorda Escola de Economiade São Paulo, daFundação Getúlio Vargas(EESP/FGV).

P rogramas com transferências condi-cionais de renda nasceram com o duploobjetivo de combater a pobreza en-quanto insuficiência de renda no curto

prazo via transferências de renda às famíliaspobres e de reduzir a pobreza no longo prazovia condicionalidades que incentivam a acu-mulação do capital humano de suas futurasgerações. Vistos por muitos como uma políti-ca inovadora em combater o ciclo vicioso dapobreza, eles se proliferaram rapidamentepor vários países em desenvolvimento. Ima-ginava-se que com esse esforço seria possíveleliminar definitivamente a pobreza em algu-mas poucas gerações.

No Brasil o programa Bolsa Família foi cria-do em 2003 pelo governo federal como resulta-do da fusão de outros programas até então exis-tentes, e se expandiu rapidamente desde então.Com mais de uma década de experiências deprogramas com transferências condicionais derenda, já podemos tirar algumas lições basea-das em evidências empíricas sistematizadas.

O Que Dizem As Evidências

De fato, o Bolsa Família contribuiu para a re-dução da pobreza enquanto insuficiência derenda. Por sua amplitude de número de famí-lias beneficiadas e por estar predominante-mente focalizado nas mais pobres, o Bolsa Fa-mília cumpre bem o seu objetivo de reduzir ouao menos mitigar a pobreza no curto prazo.

Já as evidências positivas de impactos sobrea acumulação do capital humano nas novas ge-rações são muito tênues ou de pouca magnitu-de. Os impactos sobre a educação das crianças ejovens beneficiados são positivos, mas peque-

nos. Observam-se pequenas melhorias na fre-quência à escola e na progressão escolar. Con-tudo, não se encontram diferenças favoráveisem proficiência. Também não se encontramefeitos favoráveis em indicadores de saúde, co-mo nutrição e vacinação.

Por fim, não há evidências robustas de efeitosde segunda ordem sobre algumas dimensões quenão são objetivos diretos do programa, mas quepodem ser afetadas por ele. Primeiro, os efeitossobre trabalho infantil são pequenos. Em algu-mas situações ocorre uma redução do trabalhoinfantil, e em outras circunstâncias há um au-mento da concomitância entre o trabalho infantile a frequência a escola. Segundo, os efeitos sobrea oferta de trabalho dos adultos existem, mas sãopequenos. A redução da oferta de trabalho de tra-balho que se observa sistematicamente é a dasmães, o que em si não é necessariamente ruim.Terceiro, não se verifica um aumento na fecun-didade das mulheres beneficiárias.

O Bolsa Família Daqui Para Frente

Com base nessas evidências empíricas dosprogramas sociais e do Bolsa Família, pode-seconcluir que o programa tem sido efetivo em fo-calizar as transferências de renda para as famí-lias mais pobres. Mas, por outro lado, não tãoefetivo em estimular de maneira significativa aacumulação de capital humano das novas gera-ções. Talvez o maior mérito do programa atéagora tenha sido fazer com que as políticas so-ciais de transferências cheguem aos mais po-bres. Criou-se no Brasil uma tecnologia de polí-ticas públicas que os alcançam. O desafio está emaproveitar essa tecnologia para aumentar a efi-cácia e a eficiência das políticas sociais de modo a

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77JULHO/AGOSTO 2014 DIGESTO ECONÔMICO

eliminar consistentemente a pobreza no Brasil.Para tanto, a melhor maneira não seria a mera

expansão do programa nos moldes atuais. OBolsa Família já cobre grande parte das famíliaspobres e a expansão no número de famílias deveocorrer apenas marginalmente. Tampouco aexpansão deve se dar por aumento do valor dalinha de pobreza ou do valor das transferências.Além de aumentar o risco de provocar efeitosnão desejados sobre a fecundidade e a oferta detrabalho, a mera expansão desses valores perde-ria o que o Bolsa Família tem de mais importan-te, a focalização nos mais pobres. Com efeito, ofato de os valores serem relativamente mais bai-xos provoca uma auto-seleção ao programa dosverdadeiramente mais pobres.

A agenda, na verdade, é aprimorar os dese-nhos das políticas sociais. O fato de não se ob-servar impactos sobre a acumulação do capitalhumano das novas gerações não é necessaria-mente um demérito do programa. Em parte re-flete o sucesso de outras políticas como a ex-pansão e melhoria do sistema educacional, auniversalização dos programas de vacinação eacesso à saúde etc.. A busca por sinergias ecomplementaridades dos diversos programassociais seria o primeiro passo a ser dado. Porexemplo, associar parte do beneficio do BolsaFamília a indicadores de sucesso educacional,por exemplo, o de completar o ensino médio;associar parte do beneficio ao fato de se estartrabalhando servindo como uma política desubsidio ao trabalho nos moldes dos progra-mas sociais dos EUA etc.

Segundo, tornar o uso de avaliações de im-pactos e sistematização das informações comoelemento constitutivo do processo de formula-ção e reformulação dos programas.

O Bolsa Família já cobregrande parte das

famílias pobres e aexpansão no número de

famílias deve ocorrerapenas marginalmente.

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78 DIGESTO ECONÔMICO JULHO/AGOSTO 2014

A cobiçada cadeira presidencialdo Palácio do Planalto

Lula Marques/Folhapress

A cobiçada cadeira presidencialdo Palácio do Planalto

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