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    O ESSENCIAL DA DIDTICA E O TRABALHO DE PROFESSOR EM BUSCADE NOVOS CAMINHOS

    Jos Carlos Libneo

    Os alunos mais velhos comentam entre si: Gosto dessa professora porque ela temdidtica. Os mais novos costumam dizer que com aquela professora eles gostam de aprender.Provavelmente, o que os alunos querem dizer que essas professoras tm um modo acertado de daraula, que ensinam bem, que com eles, de fato, aprendem. Ento, o que ter didtica? A didticapode ajudar os alunos a melhorarem seu aproveitamento escolar? O que uma professora precisaconhecer de didtica, para que possa melhorar o seu trabalho docente?

    certo que a maioria do professorado tem como principal objetivo do seu trabalhoconseguir que seus alunos aprendam da melhor forma possvel. Por mais limitaes que umprofessor possa ter (falta de tempo para preparar aulas, falta de material de consulta, insuficiente

    domnio da matria e dos mtodos de ensino, desnimo por causa da desvalorizao profissional,etc.), quando entra na sua classe, ele tem conscincia de sua responsabilidade em proporcionar aosalunos um bom ensino. Apesar disso, saber ele fazer um bom ensino, de modo que os alunosaprendam melhor?

    H diversos tipos de professores no ensino fundamental. Os mais tradicionais contentam-seem transmitir a matria que est no livro didtico. Suas aulas so sempre iguais, o mtodo de ensino quase o mesmo para todas as matrias, independentemente da idade e das caractersticasindividuais e sociais dos alunos. Pode at ser que essas prticas de passar a matria, dar exerccios edepois cobrar o contedo na prova, dem alguns bons resultados. O mais comum, no entanto, oaluno memorizar o que o professor fala, decorar a matria e mecanizar frmulas, definies etc.Esse tipo de aprendizagem (vamos cham-la de mecnica, repetitiva) no duradouro. Na verdade,aluno com uma aprendizagem de qualidade aquele que desenvolve raciocnio prprio, que fazrelaes entre um conceito e outro, que sabe lidar com conceitos, que sabe aplicar o conhecimentoem situaes novas ou diferentes tanto na sala de aula como fora dela, que sabe explicar uma idiacom suas prprias palavras. Se verdade que h professores tradicionais que sabem ensinar osalunos a aprender dessa forma, a maioria deles no se d conta de que a aprendizagem duradoura aquela pela qual os alunos aprendem a lidar de forma independente com os conhecimentos.

    Os professores que se julgam mais atualizados (vamos cham-los de progressistas) variambastante os mtodos de ensino. Preocupam-se mais com as diferenas individuais e sociais dosalunos, costumam fazer trabalho em grupo ou estudo dirigido, tentam usar mais dilogo ou so maisamorosos no relacionamento com os alunos. Essa forma de trabalho didtico , sem dvida, bemmais acertada do que a tradicional. Entretanto, quase sempre esses professores continuam presos auma prtica tradicional de ensino: na hora de cobrar os resultados do processo de ensino, pedem a

    memorizao, a repetio de frmulas e definies. Mesmo utilizando tcnicas ativas e respeitandomais o aluno, fica a atividade pela atividade, sem considerar que a aprendizagem significa aelaborao dos conhecimentos pela atividade mental do aluno. Em outras palavras, muitosprofessores no sabem como ajudar o aluno a, atravs de uma atividade mental, elaborar de formaconsciente e independente o conhecimento. As atividades que organizam no levam os alunos aadquirir mtodos de pensamento, habilidades e capacidades mentais para poderem lidar de formaindependente e criativa com os conhecimentos que vo assimilando.

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    Na perspectiva histrico-social, o objetivo do ensino o desenvolvimento das capacidadesmentais e da subjetividade dos alunos atravs da assimilao consciente e ativa dos contedos. Oprofessor, na sala de aula, utiliza-se dos contedos da matria para ajudar os alunos adesenvolverem competncias e habilidades de observar a realidade, perceber as propriedades ecaractersticas do objeto de estudo, estabelecer relaes entre um conhecimento e outro, adquirirmtodos de raciocnio, capacidade de pensar por si prprios, fazer comparaes entre fatos e

    acontecimentos, formar conceitos para lidar com eles no dia-a-dia de modo que sejam instrumentosmentais para aplic-los em situaes da vida prtica.

    Pode-se dizer que a perspectiva histrico-cultural se aproxima de uma concepo scio-construtivista. scio porque compreende a situao de ensino e aprendizagem como umaatividade conjunta, compartilhada, do professor e dos alunos, como uma relao social entreprofessor e alunos frente ao saber escolar. Quer dizer: o aluno constri, elabora, seusconhecimentos, seus mtodos de estudo, sua afetividade, com a ajuda do professor. O professor aqui um parceiro mais experiente na conquista do conhecimento, interagindo com a experincia doaluno. O papel do ensino - e, portanto, do professor - mediar a relao de conhecimento que oaluno trava com os objetos de conhecimento e consigo mesmo, para a construo de suaaprendizagem. construtivista porque o papel do ensino possibilitar que o aluno desenvolva suasprprias capacidades para que ele mesmo realize as tarefas de aprendizagem e produza suaautonomia de pensamento.

    A atitude scio-construtivista significa entender que a aprendizagem resultado da relaoativa sujeito-objeto, sendo que a ao do sujeito sobre o objeto socialmente mediada. Implica,portanto, o papel do professor enquanto portador de conhecimentos elaborados socialmente, einteraes sociais entre os alunos. A sala de aula o lugar compartilhamento e troca de significadosentre o professor e os alunos e entre os alunos. o local da interlocuo, de levantamento dequestes, dvidas, de desenvolver a capacidade da argumentao, do confronto de idias. o lugaronde, com a ajuda indispensvel do professor, o aluno aprende autonomia de pensamento, ematividades compartilhadas com os demais colegas. Este o ponto mais importante de uma atitudescio-construtivista.

    A didtica e o trabalho de professores

    A didtica uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual osobjetivos, contedos, mtodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criaras condies e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda oprofessor na direo e orientao das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhesegurana profissional. Essa segurana ou competncia profissional muito importante, mas insuficiente. Alm dos objetivos da disciplina, dos contedos, dos mtodos e das formas deorganizao do ensino, preciso que o professor tenha clareza das finalidades que tem em mente naeducao das crianas. A atividade docente tem a ver diretamente com o para qu educar, pois aeducao se realiza numa sociedade formada por grupos sociais que tm uma viso distinta definalidades educativas. Os grupos que detm o poder poltico e econmico querem uma educaoque forme pessoas submissas, que aceitem como natural a desigualdade social e o atuai sistema

    econmico. Os grupos que se identificam com as necessidades e aspiraes do povo querem umaeducao que contribua para formar crianas e jovens capazes de compreender criticamente asrealidades sociais e de se colocarem como sujeitos ativos na tarefa de construo de uma sociedademais humana e mais igualitria.

    A didtica, portanto, trata dos objetivos, condies e meios de realizao do processo deensino, ligando meios pedaggico-didticos a objetivos sciopolticos. No h tcnica pedaggicasem uma concepo de homem e de sociedade, como no h concepo de homem e sociedade semuma competncia tcnica para realiz-la educacionalmente. Por isso, o planejamento do ensino devecomear com propsitos claros sobre as finalidades do ensino na preparao dos alunos para a vida

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    social: que objetivos mais amplos queremos atingir com o nosso trabalho, qual o significado socialda matria que ensinamos, o que pretendemos fazer para que meus alunos reais e concretos possamtirar proveito da escola etc. As finalidades ou objetivos gerais que o professor deseja atingir voorientar a seleo e organizao de contedos e mtodos e das atividades propostas aos alunos. Essafuno orientadora dos objetivos vai aparecer a cada aula, perpassando todo o ano letivo.

    Dissemos que a didtica cuida dos objetivos, condies e modos de realizao do processode ensino. Em que consiste o processo de ensino e aprendizagem? O principio bsico que defineesse processo o seguinte: o ncleo da atividade docente a relao ativa do aluno com a matriade estudo, sob a direo do professor. O processo de ensino consiste de uma combinao adequadaentre o papel de direo do professor e a atividade independente, autnoma e criativa do aluno.

    O papel do professor, portanto o de planejar, selecionar e organizar os contedos,programar tarefas, criar condies de estudo dentro da classe, incentivar os alunos, ou seja, oprofessor dirige as atividades de aprendizagem dos alunos a fim de que estes se tornem sujeitosativos da prpria aprendizagem. No h ensino verdadeiro se os alunos no desenvolvem suascapacidades e habilidades mentais, se no assimilam pessoal e ativamente os conhecimentos ou seno do conta de aplic-los, seja nos exerccios e verificaes feitos em classe, seja na prtica davida.

    Podemos dizer, ento, que o processo didtico, o conjunto de atividades do professor edos alunos sob a direo do professor, visando assimilao ativa pelos alunos dos conhecimentos,habilidades e hbitos, atitudes, desenvolvendo suas capacidades e habilidades intelectuais. Nessaconcepo de didtica, os contedos escolares e o desenvolvimento mental se relacionamreciprocamente, pois o progresso intelectual dos alunos e o desenvolvimento de suas capacidadesmentais se verificam no decorrer da assimilao ativa dos contedos. Portanto, o ensino e aaprendizagem (estudo) se movem em torno dos contedos escolares visando o desenvolvimento dopensamento.

    Mas, qual a dinmica do processo de ensino? Como se garante o vnculo entre o ensino(professor) e a aprendizagem efetiva decorrente do encontro cognitivo e afetivo entre o aluno e amatria?

    A fora impulsionadora do processo de ensino um adequado ajuste entre osobjetivos/contedos/mtodos organizados pelo professor e o nvel de conhecimentos, experincias,requisitos prvios e desenvolvimento mental presentes no aluno. O movimento permanente queocorre a cada aula consiste em que, por um lado, o professor prope problemas, desafios, perguntas,relacionados com contedos significativos, instigantes e acessveis. Por outro lado, os alunos, aoassimilar consciente e ativamente a matria, mobilizam sua atividade mental e desenvolvem suascapacidades e habilidades.

    Essa forma de compreender o ensino muito diferente do que simplesmente passar amatria ao aluno. diferente, tambm, de dar atividades aos alunos para que fiquem ocupados ouaprendam fazendo, O processo de ensino um constante vai-e-vem entre contedos e problemasque so colocados e a percepo ativa e o raciocnio dos alunos. isto que caracteriza a dinmica

    da situao didtica, numa perspectiva scio-construtivista.Insistimos bastante na exigncia didtica de partir do nvel de conhecimentos j alcanado,

    da capacidade atual de assimilao e do desenvolvimento mental do aluno. Mas, ateno: no existeo aluno em geral, mas um aluno vivendo numa sociedade determinada, que faz parte de um gruposocial e cultural determinado, sendo que essas circunstncias interferem na sua capacidade deaprender, nos seus valores e atitudes, na sua linguagem e suas motivaes. Ou seja, a subjetividadee a experincia sociocultural concreta dos alunos so o ponto de partida para a orientao daaprendizagem. Um professor que aspira ter uma boa didtica necessita aprender a cada dia comolidar com a subjetividade dos alunos, sua linguagem, suas percepes, sua prtica de vida. Sem essa

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    disposio, ser incapaz de colocar problemas, desafios, perguntas, relacionados com os contedos,condio para se conseguir uma aprendizagem significativa.

    Talvez o trao mais marcante de uma didtica crtico-social numa perspectiva scio-construtivista, superando o carter somente instrumental da didtica usual - seja o de atribuir aotrabalho docente o papel de mediao entre a cultura elaborada, convertida em saber escolar, e oaluno que, para alm de um sujeito psicolgico, um sujeito portador da prtica social viva.

    A didtica e a pedagogia do pensar: formando sujeitos pensantes e crticos

    Frente s necessidades educativas presentes, a escola consolida-se cada vez mais comolugar de mediao cultural, visando a assimilao e reconstruo da cultura. A pedagogia, aoviabilizar a educao, constitui-se como prtica cultural, uma forma de trabalho cultural, queenvolve uma prtica intencional de produo e internalizao de significados. O modus faciendi damediao cultural, pelo trabalho dos professores, o provimento aos alunos dos meios de aquisiode conceitos cientficos e de desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas, doiselementos da aprendizagem escolar interligados e indissociveis.

    Com efeito, as crianas e jovens vo escola para aprender cultura e internalizar os meioscognitivos de compreender o mundo e transform-lo. Para isso, necessrio pensar estimular a

    capacidade de raciocnio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva. A didtica hoje precisacomprometer-se com a qualidade cognitiva das aprendizagens e esta, por sua vez, est associada aprendizagem do pensar. Cabe-lhe investigar como se pode ajudar os alunos a se constiturem comosujeitos pensantes, capazes de pensar e lidar com conceitos, argumentar, resolver problemas, para sedefrontarem com dilemas e problemas da vida prtica. A razo pedaggica est tambm, associada,inerentemente, ao valor, a um valor intrnseco, que a formao humana, visando a ajudar os outrosa se constiturem como sujeitos, a se educarem, a serem pessoas dignas, justas, cultas.

    Para adequar-se s necessidades contemporneas relacionadas com as formas deaprendizagem, a didtica precisa fortalecer a investigao sobre o papel mediador do professor napreparao dos alunos para o pensar. Mais precisamente: ser fundamental entender que oconhecimento supe o desenvolvimento do pensamento e que desenvolver o pensamento supemetodologia e procedimentos sistemticos do pensar. Nesse caso, a questo est em como o ensino

    pode impulsionar o desenvolvimento das competncias cognitivas mediante a formao deconceitos tericos. Ou, em outras palavras, o que fazer para estimular as capacidades investigadorasdos alunos ajudando-os a desenvolver competncias e habilidades mentais. Para a busca dessesnovos caminhos da didtica, ser de grande valia o aproveitamento das recentes pesquisas sobre ateoria histrico-cultural da atividade, assim como as pesquisas sobre as inter-relaes entre cultura eaprendizagem.

    a) O desenvolvimento cognitivo

    O desenvolvimento cognitivo explicado atravs de trs posies: inatistas, mecanicistas econstrutivistas. Entre as posies construtivistas destacam-se a piagetiana, a cincia cognitiva, ascio-construtivista e a histrico-cultural. Estas trs posies consideram que os significados,sentimentos, comportamentos dos indivduos se constroem na histria peculiar de cada sujeito, em

    suas interaes com o meio fsico e social. Mas divergem sobre o papel do sujeito e o papel do meioexterior nessa construo de significados. Analisaremos apenas a concepo histrico-cultural.

    A concepo histrico-cultural compreende que o desenvolvimento psicolgico, a par de incluir umlado biolgico, depende da experincia, da interao social e das influencias do contexto cultural. Oconstrutivismo sociocultural prioriza a importncia do polo social e cultural no desenvolvimento dopsiquismo. O desenvolvimento das capacidades de pensamento se constitui e se realiza ao utilizar acultura humana (os interesses, os contedos, atitudes do conhecimento).

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    A psicologia histrico-cultural tem uma explicao peculiar do desenvolvimentopsicolgico. Para ela, um dos objetivos mais relevantes da escola o de propiciar odesenvolvimento cognitivo dos alunos. O desenvolvimento cognitivo depende, consideravelmente,da atividade de aprender, implicando os vrios processos culturais e psicolgicos que propiciamaprendizagem.

    Vigotski estabelece uma relao muito forte entre a experincia scio-histrica dahumanidade (cultura) e as funes psicolgicas especificamente humanas, entre elas, a capacidadecognitiva. Ou seja, os signos culturais so instrumental para a construo de processos mentaissuperiores, que se constituem como requisito para os indivduos organizarem seu comportamento esuas aes1.

    Os signos (instruo) so apropriados (internalizados) mediante a educao. Os signosculturais enquanto instrumentos da atividade humana, so internalizados pelo indivduo mediante aatividade de aprendizagem, a partir de uma atividade externa de transmisso garantindo com issoa auto-regulao das aes e comportamentos do indivduo.

    A explicao de Vigotski de que toda funo mental surge em cena duas vezes e de doismodos: primeiro, socialmente, interpessoalmente, ou interpsicologicamente e, segundo,psicologicamente, dentro da mente da criana, isto , instrapsicologicamente (Formao Social daMente). A educao atua na zona de desenvolvimento proximal, com base em interaes especificasentre crianas e adultos e entre crianas e crianas.

    b) Cultura e aprendizagem

    A premissa bsica do construtivismo scio-histrico a interao ativa entre a realidade e o sujeitona construo de conhecimentos e modos de ao. Prioriza a importncia do plo social e cultural(ao contrrio de Piaget e da cincia cognitiva). Os indivduos adquirem a dimenso humanaassimilando as bases da sua cultura. A dimenso cultural constitutiva do desenvolvimentoindividual. A cultura internalizada pelo desenvolvimento cognitivo.

    Por qu a nfase na internalizao da cultura? O que caracteriza a mente humana e a culturahumana seu carter simblico. A relao dos indivduos com a realidade tem como suporte

    (mediao) a representao simblica dessa realidade compartilhada pelos membros de um gruposocial.

    Surge da a pergunta: qual a natureza dos processos simblicos? Como as pessoasconstrem significados?

    A ao humana, o comportamento humano tem um carter pessoal, individual, pois ossignificados esto na mente de cada indivduo, cada um tem um modo peculiar de representar arealidade agir sobre ela. Entretanto, esses significados so internalizados a partir da interao comos outros, isto , das praticas sociais e culturais em que vive. Portanto, a origem desses significados social.

    1 Uma viso histrico-cultural dos processos do pensar significa fazer da cultura isto , da idia de que a naturezahumana criadora de histria uma categoria fundamental das teorias da constituio da natureza humana. Refere-se aopapel da cultura na formao dos processos mentais. Temos aqui um entendimento de atividade humanasocioculturalmente definida. A implicao mais imediata dessa teoria de que a aprendizagem inseparvel de umcontexto sociocultural em que o aprendiz participa ativamente, em companhia de outros membros de sua comunidade, naaquisio de destrezas e formas de conhecimento socioculturalmente valorizadas. O desenvolvimento mental inseparveldos processos sociais que progressivamente se interiorizam. este o sentido das palavras de Vigotsky: Eu me relacionocomigo tal como as pessoas relacionam-se comigo. (...) A relao entre as funes psicolgicas superiores foi, outrora,relao real entre pessoas.

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    Atravs da experincia fsica e da comunicao intersubjetiva, o contexto cultural quefornece os recursos materiais e simblicos, os instrumentos tcnicos, as estratgias, os valores...Cada indivduo constri seus esquemas de representao e atuao, a partir desses esquemaslegitimados na sua comunidade.

    As representaes simblicas individuais so apropriaes singulares dos indivduos, soconstrudas, so interiorizadas a partir de contextos culturais concretos. Essas representaes, asrelaes do indivduo com a realidade, so polissmicas, so ambguas, so subjetivas. Ou seja, ossignificados subjetivos, ao mesmo tempo que tm elementos comuns e compartilhados, contmtambm elementos singulares de cada sujeito. Os significados individuais se constroem numa redede significados sociais. Ou como escreve Rogoff: Os processos de pensamento individual serelacionam com prticas sociais desenvolvidas por geraes anteriores. Essa constatao degrande importncia para se compreender a noo de zona de desenvolvimento proximal comoespao privilegiado da experincia educativa.

    c) A didtica e o desenvolvimento dos processos do pensar

    A didtica tem um ncleo prprio de estudos: a relao ensino-aprendizagem, na qual estoimplicados os objetivos, os contedos, os mtodos, as formas de organizao do ensino. Hoje,especialmente, a didtica est fortemente ligada a questes que envolvem o desenvolvimento de funes cognitivas, visando a aprendizagem autnoma. Podemos chamar isso tambm decompetncias cognitivas, estratgias do pensar, pedagogia do pensar, etc.

    A caracterstica mais destacada do trabalho de professor, do ponto de vista didtico, amediao. O professor pe-se entre o aluno e o conhecimento para possibilitar-lhe as condies e osmeios de aprendizagem. Tais condies e meios parecem poder ser centrados em aes orientadaspara o desenvolvimento das funes cognitivas. Nesse sentido, a questo crucial que se pe didtica : como se d o processo de construo individual de significados?

    Em outras palavras: como um sujeito aprende, de um modo que as aprendizagens sejameficazes, duradouras, teis para lidar com os problemas e dilemas da realidade? Como podemosajudar as pessoas a desenvolverem seus processos de pensamento? Que papel ou que intensidadetm nesses processos o meio exterior, i.e., o contexto concreto de aprendizagens? Que recursos

    cognitivos ajudam o sujeito a construir significados, ou seja, interpretar a realidade e organizarestratgias de interveno nela?

    (...) um dos aspectos mais relevantes para entender a formao da cultura experiencial decada indivduo a anlise de seus processos de construo de significados. So estessignificados (...) os responsveis das formas de atuar, sentir e pensar, enfim, da formao daindividualidade peculiar de cada sujeito, com diferente grau de autonomia, competncia eeficcia para situar-se e intervir no contexto vital (Prez Gomez, 2000)

    Os estudos sobre os processos do aprender destacam o papel ativo dos sujeitos naaprendizagem, e especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades depensamento, competncias cognitivas. Isto traz implicaes importantes para o ensino, pois se o queest mudando a forma como se aprende, os professores precisam mudar a forma de como seensina. O como se ensina, em princpio, depende do como se aprende.

    Estudos recentes sobre os processos do pensar e do aprender destacam o papel ativo dossujeitos na aprendizagem, e especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidadesde pensamento, competncias cognitivas. Para Castells, a tarefa das escolas e dos processoseducativos o de desenvolver em quem est aprendendo a capacidade de aprender, em razo deexigncias postas pelo volume crescente de dados acessveis na sociedade e nas redesinformacionais, da necessidade de lidar com um mundo diferente e, tambm, de educar a juventudeem valores e ajud-la a construir personalidades flexveis e eticamente ancoradas (in Hargreaves,2001, p. 16). Tambm Morin expressa com muita convico a exigncia de se desenvolver uma

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    inteligncia geral que saiba discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interao complexados elementos. Ele escreve:

    (...) o desenvolvimento de aptides gerais da mente permite melhor desenvolvimento dascompetncias particulares ou especializadas. Quanto mais poderosa a inteligncia geral,maior sua faculdade de tratar problemas especiais. A compreenso dos dados particularestambm necessita da ativao da inteligncia geral, que opera e organiza a mobilizao dos

    conhecimentos de conjunto em cada caso particular. (...) Dessa maneira, h correlao entrea mobilizao dos conhecimentos de conjunto e a ativao da inteligncia geral. (Morin,2000, p. 39)

    Davdov, aps perguntar como se pode desenvolver nos alunos as capacidades intelectuaisnecessrias para assimilar e utilizar com xito os conhecimentos, escreve:

    Os pedagogos comeam a compreender que a tarefa da escola contempornea no consisteem dar s crianas uma soma de fatos conhecidos, mas em ensin-las a orientar-seindependentemente na informao cientfica e em qualquer outra. Isto significa que a escoladeve ensinar os alunos apensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos dopensamento contemporneo para o qual necessrio organizar um ensino que impulsione odesenvolvimento. Chamemos esse ensino de desenvolvimental. (Davdov, 1988, p.3)

    Em sntese, estar preocupado com a qualidade de ensino hoje implica em assumir umapedagogia do pensar crtico, reflexivo, criativo. E qual o papel da didtica?

    A didtica preocupa-se com as condies e modos pelos quais os alunos melhoram epotencializam sua aprendizagem. Ela se pergunta como os alunos podem ser ajudados a lidar comconceitos, a argumentar, a raciocinar logicamente, a concatenar idias, a pensar sobre o queaprende. Ou seja, como alunos aprendem a internalizar conceitos, competncias do pensar,elementos categoriais, de modo que saibam lidar com eles para resolver problemas, enfrentardilemas, sair-se bem de situaes-problema. Adicionamente, uma didtica a servio de umapedagogia crtica precisa buscar novas idias para assegurar o desenvolvimento do pensar crtico.Interessa-lhe, pois, refletir sobre objetivos e estratgias de formao de sujeitos pensantes e crticos.

    O pensamento didtico mais avanado, em conexo com as tendncias atuais nos planosepistemolgico, psicocognitivo e pedaggico, apia-se hoje, no Brasil, em algumas proposiesconsensuais, ao menos como pontos de partida da investigao terico-prtica. Tais proposiesso, sinteticamente: papel ativo do sujeito na aprendizagem escolar, formao de sujeitos capazesde desenvolver pensamento autnomo, crtico e criativo, desenvolvimento de competnciascognitivas do aprender a aprender, aprendizagem interdisciplinar, construo de conceitosarticulados com as representaes dos alunos. O processo de ensino e aprendizagem teria, ento,como referncia, o sujeito que aprende, seu modo de pensar, sua relao com o saber e comoconstri e reconstri conceitos e valores, ou seja, a formao de sujeitos pensantes implicandoestratgias interdisciplinares de ensino para desenvolver competncias do pensar e do pensar sobreo pensar.

    Alm disso, a sociedade do conhecimento pe exigncias mais definidas para aaprendizagem escolar, pelo impacto das novas tecnologias da comunicao e informao. Os meiosde comunicao produzem significados, passam idias e valores, ou seja, atuam na construo da

    subjetividade e da conscincia. Que recursos cognitivos podem ajudar os alunos a atriburemsignificado informao? Quais ingredientes do aprender a pensar ajudam os alunos a reordenareme reestruturarem a informao que lhes chega fragmentada e em mosaico?

    Uma questo crucial que decorre dessa perspectiva saber que experincias deaprendizagem possibilitam mais qualidade cognitiva no processo de construo e reconstruo deconceitos, procedimentos e valores. Em outros termos: que recursos intelectuais, que estratgias deaprendizagem, podem ajudar os alunos a tirar proveito do seu potencial de pensamento e tomaremconscincia de seus prprios processos mentais. Embora essa problemtica no seja nova, trata-se,

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    mais uma vez, de buscar os meios pedaggico-didticos de melhorar e potencializar a aprendizagemdos alunos. A aposta, aqui, de ensinar pensar atravs de uma metodologia direta e sistemtica. necessrio o recurso (intencional, deliberado e sistemtico) a estratgias de ensino que estimulem osalunos a aprenderem a pensar. (Santos, 1994).

    Junto a isso, no intento de uma educao crtica e democrtica, cumpre recuperar aspossibilidades do pensamento dialtico no plano epistmico em funo de formar no apenas umsujeito com raciocnio autnomo mas tambm crtico.

    Trata-se, pois, de pensar em experincias de aprendizagem que mobilizem o aluno a pensarpor conceitos, lidar praticamente com conceitos, argumentar, raciocinar logicamente, concatenaridias, pensar sobre o que aprende. Todavia, a reflexo pretende ir mais longe: associar omovimento do ensino do pensar, as estratgias cognitivas, aprender a aprender, aprendizagemsignificativa, ao processo de reflexo dialtica de cunho crtico (crtica como forma lgico-epistemolgica). Tem-se como premissa que pensar mais que explicar e para isso a formaoescolar precisa formar sujeitos pensantes, capazes de um pensar epistmico ou categorial, ou seja,um sujeito que desenvolva capacidades (competncias) bsicas em termos de instrumentaoconceitual (categorial) que lhe permite, mais do que saber coisas, mais do que receber umainformao disciplinar, poder colocar-se frente realidade, apropriar-se do momento histrico

    (pensar historicamente essa realidade) e reagir frente a ela (Zemelman, 1994). Obviamente, trata-sede algo para muito alm de um mero treino em competncias do pensar.

    A aprendizagem das competncias do pensar est associada, pelo menos, a duas correntesda psicologia: o modelo tecnocrtico (tecnicismo) e o modelo cognitivista. O que h de comumnesses modelos a nfase no desenvolvimento de procedimentos cognitivos destinados a facilitar acapacidade de atuao e adaptao do aluno a situaes e informaes novas. Mas h diferenassubstantivas entre esses dois modelos.

    O modelo tecnicista muito claro: as estratgias cognitivas no so mais quecomportamentos prticos para transformar o aluno num sujeito prtico, competente. prevista umasequenciao do ensino semelhante instruo programada ou ao planejamento curricular queadquire caracterstica de controle do trabalho do professor. No importaria muito uma atividade

    mais autnoma por parte do aluno, nem sua disposio de aprender.O modelo cognitivista focaliza os processos internos de elaborao do conhecimento. O

    desenvolvimento de estratgias cognitivas seria uma estratgia geral do processo do conhecimento,ligada aprendizagem significativa, s formas de ajudar o aluno a desenvolver um pensamentoautnomo, critico, criativo, ativao de processos mais complexos de pensamento edesenvolvimento dos alunos. Na verdade, as habilidades cognitivas no seriam aes finalistas masmediadoras do processo de aprender. Tais estratgias cognitivas, uma vez internalizadas peloaluno, favoreceriam organizar seu raciocnio para lidar com a informao, fazer relaes entrecontedos, enfim, tornar a informao conhecimento significativo, levar a uma generalizaocognitiva em outras situaes e momentos de aprendizagem do indivduo. Outro procedimento doensinar a pensar a metacognio isto , a necessidade de o aluno tomar conscincia dos objetivosda aprendizagem e dos meios que utiliza para atingir esses objetivos podendo, com isso, organizar e

    dirigir seu prprio processo de aprendizagem (...)O ponto de vista defendido aqui de os alunos podem ser intencionalmente ensinados a

    pensar, em contextos scioculturais especficos. Nesse sentido, os processos do aprender a pensar edo aprender a aprender, alm de estarem vinculados psicologia da aprendizagem e dodesenvolvimento, dependem tambm da considerao dos contextos socioculturais. Pelo seu carterpedaggico, o ensino tem carter de intencionalidade implicando, portanto, opes scio-polticasque obrigam a discusso e a construo dos objetivos e prticas do ensino no prprio marcoinstitucional em que ocorrem. No se est negando a contribuio da Psicologia para a compreenso

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    dos processos internos mediadores do aprender, mas sua insuficincia para entender a aprendizagemtambm como processo social e cultural, e como atividade planejada e organizada, por onde aDidtica intervm ao postular valores e intencionalidades educativas e formas especficas do ensino.

    Goinia, novembro de 2001