Didática da história para a escolarização básica no século ... · século XIX: as soluções...
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Didática da história para a escolarização básica no século XIX: concepções do
historiador Ignacio Ramón Miró y Manent sobre a História e o Ensino de História.
Analice Alves Marinho1
Neste artigo, analisamos a história e o ensino de história no verbete Historia2 escrito
pelo historiador espanhol Ignacio Ramón Miró y Manent (1821-1892) no Diccionario de
Educacción y Métodos de Enseñanza (1855) editado por Mariano Carderera (1816-1893).Este
artigo faz parte de uma tese de Doutorado em Educação, intitulada de “Didáticas da história no
século XIX: as soluções do historiador Ignacio Ramón Miró y Manent para o ensino de história”
que tem como um de seus objetivos analisar a didática da história para o ensino escolar proposta
por Ignacio Miró.
De acordo com Itamar Freitas, a didática da história é “um conjunto de conhecimentos,
habilidades e valores empregados na formação histórica de pessoas em idade escolar”
(FREITAS,2015, p.13). Seguindo essa definição, defendemos que os escritos de Ignacio Miró
sobre história e ensino de história se inserem nas discussões sobre a didática da história, pois
ao criticar o ensino escolar de sua época, o historiador espanhol propõe métodos de ensino e
estratégias a serem desenvolvidas com os alunos objetivando, com isso, modificar a formação
intelectual e pessoal do presente através da história escolar (passado) para assim, construir a
sua ideia de futuro para a nação espanhola: única, integrada e patriótica.
Dentre os escritos de Ignacio Miró sobre a didática da história, consta o verbete
analisado neste artigo, no qual historiador analisa o ensino escolar espanhol e apresenta como
solução uma das propostas de sua didática da história: a reaproximação entre as “histórias”–
escolar, universitária e escrita pelos historiadores– e o seus ensinos através da adoção, por parte
dos professores, de um método de ensino.
Assim, por meio da análise de conteúdos de Laurence Bardin (2009), escolhemos como
categorias de análise as palavras “história” e “ensino de história” e discutimos como Ignacio
Miró relaciona o presente, passado e futuro do ensino escolar espanhol e propõe a sua didática
da história para um ensino escolar de história educativo.
1 Doutoranda em Educação (PPGED/UFS)[email protected] 2Por lidarmos com um texto em espanhol, nossa proposta é apresentar a tradução livre em notas de rodapé.
2
Os objetivos deste artigo são: analisar a história e o seu ensino no verbete Historia;
investigar a crítica de Ignacio Miró ao ensino escolar de história; e, por fim, discutir as soluções
apresentadas pelo historiador para o ensino escolar. Dividimos este artigo em duas seções, a
saber: na primeira, “Ignacio Miró: entre críticas e propostas didáticas para o ensino escolar de
história” apresentamos o professor e historiador Ignacio Miró e discutimos como, em suas
obras, o autor analisar a prática do docente no ensino escolar de história, questiona sobre o
ensino escolar e propõe a sua didática da história. Ainda nesta seção, inserimos as críticas de
Ignacio Miró no contexto educacional da Espanha do século XIX e investigamos como, através
das críticas a um ensino de história desconexo, confuso e marcado pelo excesso de informações,
o historiador discute a necessidade de um método para o ensino escolar de história.
Na terceira seção, “Em defesa de um método para o ensino de história: o verbete
Historia”, analisamos a história e o seu ensino no verbete e tratamos dos motivos que levam
Ignacio Miró a propor a sua didática da história, através da defesa de um ensino escolar
educativo. Nessa concepção, apresentamos as ideias de história de Ignacio Miró como uma
narrativa verídica dos fatos e do ensino de história, em suas funções sociais, teóricas e práticas
e a sua defesa por ensino acroamático , além das propostas curriculares e metodológicas para
o ensino escolar de história.
2. Ignacio Miró: entre críticas e propostas didáticas para o ensino escolar de
história
Antes de adentrarmos na discussão sobre a história e o ensino de história proposto por
Ignacio Miró (Figura 1) no verbete é necessário que o apresentemos: nascido em Barcelona
(ESP), Ignacio Miró foi um escritor católico e professor regente das cadeiras de Geografia e
História no Centro de Estudos da cidade, além de ser um dos fundadores e diretores da
Biblioteca Popular de Barcelona e da escola primária “Manresa” (1869). Dentre os cargos
ocupados pelo professor constam a sua nomeação como secretário da Junta de Instrução
Pública, além da participação em sociedades científicas, econômicas e literárias. (LLUCH,
1921, p.3).
3
Figura 1: Ignacio Miró y Manent
Fonte: Revista Illustrada Jorba. Ano XIII, n. 146.
A atuação como professor na cidade de Barcelona dá a Ignacio Miró uma posição
privilegiada para propor a sua didática da história: questionando a sua prática docente e a dos
seus colegas, o professor analisa o presente do ensino escolar espanhol e afirma que são
necessárias mudanças, tanto por parte do professor e do aluno.
Ciente da necessidade por mudanças, Ignacio Miró escreve obras nas quais investiga o
ensino escolar espanhol e propõe a sua didática da história, sendo que seus escritos se
caracterizam por serem trabalhos de análise e síntese e por terem estruturas similares, contendo:
a crítica ao ensino escolar; considerações pedagógicas sobre esse ensino; indicações
metodológicas e de materiais, recursos e propostas de programas para o ensino escolar de
história.
As críticas ao ensino escolar de história são recorrentes nos escritos de Ignacio Miró e
para a compreendermos é preciso nos remeter ao contexto em que as obras foram publicadas:
segunda metade do século XIX, anos em que, segundo Immacula Mangrané uma das
características mais marcantes do ensino escolar espanhol é ser o “campo da experimentação”
de várias teorias e métodos adaptados de outros países ou criados pelos próprios professores e
diretores. (MANGRANÉ, 1993, p.139).
É nesse contexto destacado por Immaculada Mangrané que as críticas de Ignacio Miró
ao ensino escolar de história devem ser compreendidas: de acordo com o espanhol, o excesso
de experimentação dos professores, salvo raras exceções, tem como resultado um ensino
desconexo, confuso, sem preocupação com os estudos pedagógicos e marcado pelo excesso de
fatos e informações que não estimulam o interesse do aluno. Nesse mesmo ensino escolar de
4
história, outra crítica Ignacio Miró é ao uso das enciclopédias no ensino de história: defensor
dos manuais escolares3, o professor afirma que elas possuem dois problemas, para os alunos
elas são um peso e para os professores são amarras (correntes).
No entanto, Ignacio Miró alerta que a questão do ensino escolar espanhol vai além das
enciclopédias: é um problema de método, ou melhor, da falta de um método para o ensino. De
acordo com Ignacio Miró é essa falta que provoca as diferenças entre a história escolar, a das
universidades e a escrita pelos historiadores: para ele, os professores de história das escolas
primárias e secundárias, não adaptavam os conteúdos históricos à realidade dos alunos e da
escola, fazendo com que ensino fosse desconexo, memorialista, sem relação de causas e
consequências e marcado pelo excesso de informações.
Finalizadas a apresentação de Ignacio Miró e de suas críticas ao ensino escolar de
história, na próxima seção analisamos o verbete Historia, atentando para as definições de
“história” e “ensino de história”, buscando assim, compreender as especificidades da didática
da história proposta por Ignacio Miró.
3. Em defesa de um método para o ensino de história: o verbete Historia.
No início do artigo, Ignacio Miró explica o que é história, nossa primeira categoria de
análise, indicando o que não é história: uma série de fatos desconexos com datas e nomes, pois:
“[…]la historia cesa de ser tal desde el momento en que separándose de su objeto, que no puede
ser sino la narración verídica de los sucesos á que se refiere, se ocupa meramente en la
cronología ó geografía”4. (MIRÓ, 1855, p.589).
Em defesa da história como uma narração verídica dos sucessos, Ignacio Miró assegura
que ela:
[…] ejerce grande influjo en todas las facultades intelectuales, porque da
origen á multitud de ideas, anima, desarrolla y forma el espíritu y el corazón.
Alimenta la imaginación, y presenta abundantes materiales al juicio.
Contribuye también al desarrollo del sentimiento estético, y presentando
multitud de graves acontecimientos ó calamidades, exponiendo los rasgos de
los caracteres más nobles, y de las acciones más bajas, hace nacer el
sentimiento de la verdad, de la justicia y de la moral, ejerciendo así notable
3Em sua defesa pelos manuais escolares, Ignacio Miró sugere que o ideal, em se tratando de ensino de história é
que o professor fosse o autor desse manual, pois assim, cumpriria a sua principal função: apoiar as explicações do
professor. Nessa proposta, de acordo com Ignacio Miró, os textos dos manuais escolares precisam constar um
resumo das explicações feitas pelo professor, com breves períodos (frases) que recordem às reflexões morais e
tenham aplicação prática. (MIRÓ, 1855). 4 “[...] porque a história deixa de ser história desde o momento em que, se separando de seu objeto, que é a narração
verídica dos sucessos, se ocupa meramente da cronologia ou da geografia” (MIRÓ, 1855, p. 589).
5
influjo en la voluntad de los niños, y entusiasmo por el perfeccionamiento del
género humano y la gloria de Dios5. (MIRÓ, 1855, p. 591),
Dessa forma, a história para Ignacio Miró faz nascer o sentimento da verdade, justiça e
moral. Após essa explicação sobre o que é história, Ignacio Miró afirma que existem dois
ensinos de história: o teórico e o prático. Essa caracterização entre ensino de história prático e
teórico também é fundamental para compreendermos a crítica de Ignacio Miró ao ensino escolar
que abordamos na seção anterior: de acordo com o professor, existem, entre os professores de
história, uma valorização sobre os conhecimentos da história, no entanto, esses mesmos
conhecimentos não cumprem a sua função social: instruir os povos e indivíduos sobre o bem-
estar, segundo Ignacio Miró, “[...] la historia jamás ha instruido á los pueblos, y poquísimas
veces al individuo acerca de su bienestar”6. (MIRÓ, 1855, p. 584).
Essa mesma crítica de Ignacio Miró é compreendida na sua explicação sobre o que é
ensinar história: conhecer e refletir sobre as causas e consequências de um determinado fato
histórico. De acordo com o professor, como o ensino escolar de sua época é marcado pela
repetição automática de datas e personagens, os alunos não são incentivados a relacionar sobre
as causas e as consequências, não podendo assim, refletir sobre as lições aprendidas e praticar
os ensinamentos em sua vida. Dessa forma, para Ignacio Miró, o passado ensinado pela história
serve como exemplo para o presente e auxilia também nas escolhas do futuro.
É por não cumprir essa função social que Ignacio Miró censura, de modo mais veemente,
a educação escolar espanhola afirmando que o problema do ensino escolar, não é da ciência
histórica ou da disciplina, mas sim algo específico da educação escolar: a falta de um método
de ensino. De acordo com o professor, a ausência do método tem como consequências a
formação dos alunos, nos quais: “Comunmente se observa que los jóvenes que más se
distinguen por su saber en este ramo son los de carácter débil y apático, hombres dotados de
gran memoria, pero que tienen más gusto en narrar y oír referir hazañas que en aspirar á su
ejecución”7. (MIRÓ, 1855, p.584).
5 “[...] exerce grande influência em todas as faculdades intelectuais porque dá origem a uma série de ideias, anima,
desenvolve e forma o espírito e o coração. Alimenta a imaginação e apresenta abundantes materiais ao juízo.
Contribui também para o desenvolvimento do sentimento estético e, apresentando uma série de acontecimentos
graves ou calamidades, expondo as características dos personagens mais nobres e ações mais baixas, faz nascer o
sentimento da verdade, da justiça e da moralidade, exercendo assim, uma influência notável na vontade das
crianças e entusiasmo para o desenvolvimento da humanidade e da glória de Deus”. (MIRÓ, 1855, p. 591). 6 “A história jamais instruiu os povos e, poucas vezes, ao indivíduo sobre o seu bem estar” (MIRÓ, 1855,p. 584). 7 “Comumente, se observa que os jovens que mais se destacam no ensino de história são os de caráter débil e
apático, homens dotados de grande memória, mas que têm mais gosto em narrar do que em e ouvir façanhas do
que em buscar a sua execução” (MIRÓ, 1855, p. 584).
6
Reiteramos que, ao caracterizar os alunos que mais se destacam no ensino de história
– os de caráter débil e apático, que repetem, mas não executam−, Ignacio Miró reforça que o
ensino de história é prático e nessa qualidade, o professor defende que as lições da história não
devem apenas ser ouvidas ou narradas, mas sim, apreendidas e aplicadas na formação pessoal
e social do aluno. No entanto, como isso não, a consequência é que esse ensino se afasta do que
Ignacio Miró considera a função social do passado ensinado pela história escolar: servir de
exemplo para a vida.
Segundo Ignacio Miró, o ensino escolar não serve de exemplo para a vida porque forma
alunos que apenas repetem os fatos históricos, fazendo com que a disciplina se reduza a uma
simples memorização de nomes e datas. Nessa crítica à formação intelectual dos alunos, o
professor afirma que o ato de apenas sobrecarregar a memória dos alunos não faz parte da
instrução, principalmente no que concerne ao verdadeiro ensino de história que:
[…] instruye también con ejemplos; pero de qué sirve tener ejemplos de
naciones, emperadores; reyes, generales, cuando los niños no tienen aun la
menor idea del Estado, de los reyes, ni de guerras. Por otra parte, cuando tales
relaciones son indiferentes a ellos, no pueden inspirarles gran interés, y mucho
menos ofrecer meros bosquejos y notas como sucede de ordinario , en los de
cuadros llenos de vida8 . (MIRÓ, 1855, p. 584-585).
Defendendo os quadros cheios de vida – mais interessante, com pesquisas e anotações
feitas pelos alunos– Ignacio Miró justifica que o ensino baseado apenas na memorização de
datas e personagens faz com o que o aluno perca o interesse na disciplina, o que prejudica a
aprendizagem, pois em se tratando do ensino escolar, o professor considera o interesse como
um fator essencial para a instrução das crianças e jovens, pois:
La historia, reducida á la indicación de una serie de hechos, podrá tener
importancia para los adultos, más no para la juventud, que exige cuadros
completos, minuciosos detalles de todas las particularidades, de los héroes y
demás personajes notables, tantas sus virtudes como sus defectos y los quieren
verlo todos en acción9. (MIRÓ, 1855, p.585).
8 “A história instrui também com exemplos, mas de que serve ter exemplos de nações, imperadores, reis, generais,
quando as crianças não têm menor ideia do que é Estado, seus reis e suas guerras. Por outra parte, quando tais
relações são indiferentes às crianças, elas não podem ter grande interesse e muito menos o fazer pesquisas e tomar
notas, tal como ocorre nos quadros cheios de vida”. (MIRÓ, 1855,p. 584-585). 9 “A história reduzida à indicação de uma série de fatos poderá ter importância para os adultos, mas não para a
juventude, que exige quadros completos, detalhes minuciosos de todas as particularidades, herois e demais
personagens notáveis, tanto as suas virtudes como seus defeitos, pois a juventude que ver tudo em ação” (MIRÓ,
1855, p. 585).
7
Dessa forma, Miró utiliza a questão do interesse para diferenciar o ensino de adultos10
da educação escolar, mas nos questionamos: como despertar o interesse pelo ensino de história
na juventude? Segundo o espanhol, através de uma das funções dos professores de história: a
eleição ou escolha dos fatos históricos a serem ensinados:
Preséntense á la vista del niño pocos personajes; pero los más sobresalientes
de cada época y observe esta regla con tanto más cuidado cuanto menor sea la
edad del discípulo, cuento menor sea el tiempo en que haya de verificar su
enseñanza11. (MIRÓ, 1855, p. 585).
Dessa forma, eleitos os fatos, personagens e atentando para a idade e o tempo, o ensino
de história exerceria maior influência no espírito da juventude (p. 586). Para isso, Ignacio Miró
propõe um método para o ensino de história escolar, o dividindo em quatro graus. No primeiro,
denominado de intuição histórica,
ó sea la narración de algunos hechos notables, tomados indiferentemente de la
historia, de la tradición ó de la poesía , pues en la infancia todo aparece
verdadero, con tal que no se oponga á la escasa experiencia adquirida, el
maestro, por lo tanto debe aprovecharse de tal periodo para comunicar al niño
todos aquellos hechos que , bien por su importancia poética , bien por haberlos
hecho venerables la tradición , ó, bien porque emanen directa mente de la
Divinidad , deban estar á salvo en lo sucesivo de una crítica ligera12. (MIRÓ,
1855, p. 586).
Vemos que no primeiro grau, ou intuição histórica, o professor deve escolher e narrar
os fatos que não precisam ser necessariamente históricos: podem ser da tradição13 ou poesia.
Destacamos também que Ignacio Miró atenta que o pouco entendimento das crianças – pois
nessa fase, tudo pode ser verdadeiro– faz com que elas não duvidem da existência desses
personagens ou fatos, unindo assim, a imaginação e o conteúdo de história.
10 Ignacio Miró não exemplifica o que seria o ensino de adultos: poderia ser nas universidades ou nas classes
especiais de alfabetização para adultos, instituída pela Ley Moyano. 11 “Apresente às crianças poucos personagens, os mais importantes de cada época e leve em conta a idade da
criança e o tempo disponível para o ensino” (MIRÓ, 1855, p. 585). 12 “Ou seja, a narração de alguns fatos notáveis, escolhidos da história, da tradição ou poesia, pois na infância,
tudo parece verdade, portanto que não se oponha à pouca experiência adquirida pela criança, o professor deve se
aproveitar dessa situação para comunicar à criança todos aqueles fatos que, bem por sua importância poética, serem
venerados pela tradição ou por emanarem diretamente à divindade, devam estar salvos de críticas”. (MIRÓ, 1855,
p. 586). 13 O autor não especifica o que seria essa tradição.
8
Nessa relação entre a imaginação e a história, Ignacio Miró orienta aos professores
ensinar o conteúdo curricular de história antiga associado à leitura de lendas e contos com o
propósito de avivar o interesse dos alunos através da imaginação e incentivar a leitura nas séries
iniciais. Já no segundo grau do ensino de história:
El método debe ser intuitivo; sin embargo, no hay inconveniente en reunir los
acontecimientos en varios grupos, ni en dar las biografías completas. Respecta
á la división cronológica de los sucesos: es preferible ordenar el todo por
siglos más bien que por años. No se crea que con esto se reduzca demasiado
la enseñanza histórica para las escuelas, porque debiéndose anudar
precisamente á la historia sagrada los sucesos más importantes e instructivos
de la universal , se imprimirán más profundamente apoyándose en hechos
conocidos , que si se ofreciesen aislados14. (MIRÓ, 1855, p. 387).
Assim, no segundo grau, Ignacio Miró assegura que o aluno já possui noções da
doutrina cristã (ensinadas pela família) que serão relacionadas com os fatos históricos
escolhidos pelo professor. Nessa união entre história e religião, o professor destaca que os
conteúdos curriculares ministrados devem ser os da Idade Média, com destaque à experiência
da sociedade europeia e a propagação do cristianismo. Ainda nas orientações sobre o segundo
grau, Ignacio Miró adverte que por se tratar de um conteúdo que envolve vários anos é
necessário agrupar os fatos históricos através de séculos e não de anos, pois o excesso de datas
gera a perda do interesse dos alunos (p. 387).
No terceiro grau, Ignacio Miró defende um ensino de história mais limitado, pois cabe
ao professor eleger um fato histórico e personagem central, preferencialmente, que esteja
associado à experiência espanhola:
De las biografías y grupos se formarán pueblos y épocas, cuyos representantes
serán aquellos héroes que ya conocen los discípulos. En este grado no se hará
un estudio mas detenido, no de todos los pueblos, sino solo de aquellos en que
se funda nuestra cultura, de los que nos legaran la herencia espiritual que
poseemos hoy15. (MIRÓ, 1855, p.387).
14 “O método deve ser intuitivo; no entanto, não existe nenhuma objeção em reunir os acontecimentos em vários
grupos, nem em apresentar biografias completas. Respeite a divisão cronológica dos acontecimentos: é melhor
ordenar por séculos e não por anos. Não pense isso irá reduzir o ensino de história nas escolas, porque se deve
incluir a história sagrada na narrativa dos mais importantes e instrutivos fatos históricos da história universal,
imprimindo mais profundamente e apoiando nos fatos conhecidos, que antes estavam isolados”. (MIRÓ, 1855, p.
387). 15 “Das biografias e grupos se formarão povos e épocas, cujos representantes serão aqueles herois conhecidos pelos
discípulos. Neste grau se fará um estudo mais detido, não de todos os povos, mas sim de todos aqueles que
fundamentam a nossa cultura, os que deixaram a herança espiritual que temos hoje”. (MIRÓ, 1855, p. 387).
9
Já no quarto grau:
Como los discípulos conocen ya perfectamente un gran número de individuos
y de pueblos y poseen además ricos elementos para combinar y abstraer, puede
presentárseles también la historia en una forma más abstracta, esto es,
ofrecerles un cuadro completo de desarrollo de la humanidad, una
demostración general de la educación del individuo como del pueblo por la
Divina Providencia. Tal enseñanza no debe consistir en pomposas ni huecas
reflexiones, sino de cuadros llenos de razón y sentimiento sobre la conexión
do todos los sucesos. Aunque no se pueda exigir en este una perfección
absoluta, porque es imposible, necesario es al menos acercarse á ella en cuanto
sea dable y en cuanto lo permitan los respectivos límites de las escuelas16.
(MIRÓ, 1855, p. 589).
Nesse ensino de história “abstrato” proposto destacamos duas necessidades: a de limitar
e conectar. Entretanto, isso não significa que o ensino e a aprendizagem serão ideais, o próprio
Ignacio Miró afirma que isso é impossível, mas explica que, levando em considerações os
limites propostos pela escola –alunos e tempo– o professor pode se aproximar dessa perfeição.
Outra questão é a associação, mais uma vez, do estudo da história às conexões, ou melhor,
causas e consequências, destacando a importância das lições da história para a vida do aluno.
Nessa perspectiva, Ignacio Miró defende que o ensino de história não deve ser algo
inteiramente catequista ou heurístico– um dos fundamentos básicos do ofício do historiador que
se refere à busca, tratamento e modo de conservação das fontes –, mas deve ser acromático17,
ou seja: um ensino em que os alunos não sejam ouvintes passivos, mas relacionem, reflitam e
executem em suas vidas as lições apreendidas. Nessa proposta de ensino, o professor discute
sobre o objeto da história:
Todos convienen en que las escuelas no deben limitarse á la instrucción, sino
que deben contribuir en primer término al desarrollo de la inteligencia, á la
formación del carácter y á despertar los nobles sentimientos del corazón, es
decir, á formar el hombre por completo, el hombre religioso y moral, el
16“Como discípulos já conhecem um grande número de indivíduos, povos e possuem ricos elementos para
combinar e abstrair, pode ser apresentado a eles a história em uma forma mais abstrata, ou seja, apresentar um
quadro completo do desenvolvimento humano, uma demonstração da educação do indivíduo e do povo pela Divina
Providência. Esse ensino não deve ser de reflexões pomposas nem vazias, mas de quadros cheios de razão e
sentimentos sobre a conexão de todos os sucessos da humanidade. Embora não deva se exigir nesse ensino uma
perfeição absoluta, pois é impossível, mas é necessário, ao menos, que se aproxime à essa perfeição o quanto seja
possível e permitido pelos respectivos limites de escolas”. (MIRÓ, 1855, p. 589). 17 Optamos por manter a grafia em espanhol por, até o momento da pesquisa, não termos encontrado, nos estudos
sobre a didática da história uma expressão equivalente em português.
10
hombre inteligente y el hombre físico y sociable. La historia por su propia
naturaleza se presta admirablemente á este objeto18. (MIRÓ, 1855, p. 591).
Para formar esse homem inteligente, físico e sociável, Ignacio Miró propõe como
recurso didático o uso de quadros:
Los mismos niños deben trazarse los cuadros, expresando las épocas
principales con algunas breves indicaciones. A este fin, en un pliego grande
de papel, se desliña una columna para cada millar de la historia antigua y otra
para cada siglo de la moderna. Durante la lección, anota el maestro en la
columna conveniente el nombre de los personajes más importantes y la
enunciación de los principales hechos. Expuesto este cuadro constantemente
á la vista de los discípulos, no hay necesidad de sobrecargar su memoria coa
multitud de fechas, trabajo casi completamente inútil, porque al cabo de poco
tiempo se olvidan o confunden entre si 19. (MIRÓ, 1855, p. 593).
Na construção, pelos alunos (nas folhas) e professores desses quadros, Ignacio Miró
destaca o cuidado com o excesso de informações, sendo importante mais uma vez a eleição,
essencial para demonstrar, através dos conteúdos e personagens escolhidos, a marcha lenta, mas
progressiva, da civilização. (MIRÓ, 1855, p. 594).
Dessa forma, para Miró, no que concerne ao ensino de história é necessário ordenar,
eleger e relacionar os fatos históricos, demonstrar a marcha progressiva da humanidade e formar
uma ideia clara e exata do passado através do encadeamento dos acontecimentos que ensinam
lições, através do passado, para o presente.
3. Considerações finais
Analisamos, neste artigo, as ideias de história e ensino de história de Ignacio Miró
presentes no verbete Historia e através das críticas feitas ao ensino escolar de história,
18 “Todos concordam que as escolas não devem se limitar à instrução, pois também devem contribuir, em primeiro
lugar, para o desenvolvimento da inteligência, formação do caráter e para despertar os nobres sentimentos do
coração, ou melhor, formar o homem por completo: o homem religioso, moral, inteligente, físico e sociável. A
história, por sua natureza, se presta admiravelmente a esse objeto”. (MIRÓ, 1855,p. 591). 19 “As crianças devem traçar os quadros, com as principais épocas e algumas breves indicações. Para esse fim, em
uma grande folha de papel, as crianças devem desenhar uma coluna para cada mil anos da história antiga e uma
para cada século na história moderna. Durante a aula, os professores preenchem nas colunas indicadas o nome dos
personagens mais importantes e a exposição dos fatos históricos essenciais. Com esse quadro ao ser
constantemente exposto à vista dos discípulos, não é preciso sobrecarregar suas memórias com muitas datas,
trabalho quase inútil, porque depois de um curto período de tempo as crianças podem esquecer ou confundir.
(MIRÓ, 1855, p. 593).
11
discutimos como o professor espanhol, em defesa de uma didática e um método para o ensino
escolar de história, advoga pela reaproximação, com limites, entre o ensino escolar de história,
a história ensinada nas Universidades e a produzida pelos historiadores.
Nas críticas de Ignacio Miró ao ensino escolar identificamos que o professor afirma
que, em seu contexto, esse ensino se caracterizava pela repetição, pelos professores e alunos,
dos fatos históricos registrados nas enciclopédias, tendo como consequência a formação de
alunos apáticos que não aprendem com as lições da história.
Através dessas críticas, Ignacio Miró discute sobre o que é história e como se caracteriza
o seu ensino, afirmando que a história não é uma disciplina com fatos desconexos e excesso de
datas e nomes sem sentido, mas sim, é algo que trabalha com o passado (exemplo) como o
objetivo de dar a conhecer e refletir sobre as causas e consequências de um determinado fato
histórico. Já sobre o ensino de história, Ignacio Miró defende um ensino que instrui com
exemplos, que ensina sobre os conceitos e incentiva o aluno a refletir sobre o presente e futuro.
Demonstramos também que, em defesa por uma didatização – ou seja, tornar mais
compreensível −do ensino escolar de história, Ignacio Miró afirma que o motivo pelo qual
existe uma diferença entre os “ensinos de história” é a falta de um método de ensino no ensino
escolar, o que leva o historiador a propor sobre o que deveria ser ensinado em cada grau de
instrução escolar e atentar para a importância do professor em sua defesa por um ensino história
como educativo, com limites e planejamento.
Apresentamos também os quatro graus propostos por Ignacio Miró para o ensino escolar
educativo: no primeiro, se destacam a necessidade de escolha dos fatos e o uso da imaginação;
no segundo, o respeito às divisões cronológicas e indicação de agrupar os fatos históricos de
acordo com os séculos e não pelos anos; no terceiro, eleger um lugar e um personagem central
com o objetivo de limitar os conteúdos a serem ministrados; e, no quarto grau, conectar os fatos
e garantir um ensino acroamático.
Nessa proposta, Ignacio Miró recomenda ao professor adotar um método de ensino para
escolher, relacionar, limitar o ensino à idade dos seus alunos e ao tempo disponível e repetir
(revisar), além de orientar sobre o ensino através das capas concêntricas: do geral ao específico
e abordagem da história como um processo, demonstrando as causas e consequências. Por fim,
essa proposta de ensino, segundo Ignacio Miró, organiza o ensino escola e privilegia a
aprendizagem e a compreensão do aluno.
Finalizadas a análise da história e do seu ensino no verbete Historia, salientamos que o
valor dessa temática reside na compreensão da importância da releitura de obras sobre teoria da
12
didática da história no século XIX: elas demonstram que a defesa por um ensino escolar de
história educativo possui uma dimensão conjuntural que propõe uma mudança de atitude por
parte dos professores de história , através de suas escolhas frente às especificidades do seu
entorno e destaca a importância do passado como uma forma de compreender o presente e
realizar escolhas para o futuro.
4. Referências Bibliográficas
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
FREITAS, Itamar. Didáticas da História: entre filósofos e historiadores (1690-1907). Editora
da UFRN: Natal, 2015.
LLUCH, Antonio Rubió y. Don Ignacio Ramón Miró. In: Revista Illustrada Jorba. Ano XIII,
n. 146. Manresa: 1926.
MANGRANÉ, Immaculada González. La enseñanza de la historia en el bachirelllato: la vision
de los alumnos. Tese de doutoramento. Barcelona: Universitat de Lleida, 1993. Disponível em:
<http://www.tdx.cat/bitstream/handle/10803/8224/TIGM2de4.pdf;jsessionid=5C803C3C03F4
DF79FF6EBB3AE4B9E93A.tdx1?sequence=2> Acesso em 12/01/2015.
MIRÓ, Ignacio.Historia. In: CARREDERA, Marinho. Diccionario de Educacion y Metodos
de enseñanza. Tomo II.Imprenta de A. Vicente: Madrid, 1855.