DICIONÁRIO E SURDEZ

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*Francisco Edmar Cialdine Arruda é mestrando em Linguística Aplicada da Universidade Estadual do Ceará, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Lexicografia, Terminologia e Ensino (LETENS), atuando principalmente com os temas Terminologia, Ensino, Lexicografia, Surdez e Latim. Contato: [email protected] O dicionário é uma importante ferramenta de aprendizagem de línguas, mas seria ele, como o conhecemos, ideal para a educação bilíngue do aluno surdo? por FRANCISCO EDMAR CIALDINE ARRUDA* ste texto vem fechar um ciclo de três partes. Em um primeiro momento, na edição 14, falamos sobre a importância do estudo de termos técnico- científicos, principalmente dentro da sala de aula. Afinal, conhecer os termos de uma área, como, por exemplo, Química, irá ajudar em muito ao aluno dominar aquela disciplina, bem como dará ferramentas para a produção de textos. Mesmo fora do ambiente escolar, um dicionário inglês-português de termos da Química pode ajudar um tradutor a trabalhar um texto da área. Já na edição passada, falamos sobre os estudos relativos à educação linguística do aluno surdo. Defendemos, principalmente, a educação bilíngue, que afirma prioritaria- mente que o surdo tem o direito de ser edu- cado em sua língua materna, a de sinais, com a língua oral de seu país, ensinada como um segundo idioma na modalidade escrita. Este texto irá unir o primeiro tema, o estudo dos termos técnico-científicos, e o segundo, a educação linguística e a surdez, focando principalmente no papel do dicionário escolar na educação do aluno surdo. MATERIAL DIDÁTICO A educação do aluno surdo com a língua de sinais passa necessariamente pelo material didático. No entanto, todos os livros didáticos escolares, com exceção do material das aulas de línguas estrangeiras, são escritos em português, já que o público para o qual eles se destinam são alunos que tiveram um processo de aquisição da língua oral desde cedo — ou seja, os alunos ouvintes. Todavia, o aluno surdo não se enquadra no mesmo perfil. PARA PODER TRADUZIR O MUNDO Consequentemente, os livros, apostilas, dicionários etc. dos ouvintes não irão suprir as necessidades de aprendizagem do surdo. Fica uma lacuna que poderia ser preenchida com a produção de materiais específicos para o público surdo. O uso do dicionário pelo surdo pode oferecer autonomia na aprendizagem de modo geral, minimizando a dependência com relação ao intérprete a, principalmente quando ele precisar ler ou escrever algum texto em Língua Portuguesa – dada sua dificuldade a intérprete “Intérprete” é o termo utilizado para os profissionais que fazem a tradução da Língua Portuguesa para a LIBRAS e vice-versa. É preferível este termo a “tradutor”, pois a interpretação sempre será feita em situações face-a-face e/ ou envolvendo oralidade, isto é, ao vivo, o que não quer dizer que o intérprete não possa traduzir algo. Já a tradução é um processo mais elaborado, no qual uma das línguas envolvidas deve estar escrita. Apesar da existência de grupos e associações – como, por exemplo, a APILCE, no Ceará, a APILSBA, na Bahia, a APILSBESP, em São Paulo, dentre tantas outras – o profissional intérprete conta com muitas dificuldades no exercício de sua atividade, inclusive a falta de regulamentação da profissão pelo Ministério do Trabalho. 50 | Conhecimento Prático | LÍNGUA PORTUGUESA Conhecimento Prático | LÍNGUA PORTUGUESA | 51 Divulgação % DICIONÁRIO DE LIBRAS $ cp-LPortuguesa16.indd 50-51 23/12/2008 17:20:38

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USO DE DICIONÁRIO ILUSTRADO PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS

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  • *Francisco Edmar Cialdine Arruda mestrando em Lingustica Aplicada da Universidade Estadual do Cear, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Lexicografia, Terminologia e Ensino (LETENS), atuando principalmente com os temas Terminologia, Ensino, Lexicografia, Surdez e Latim. Contato: [email protected]

    O dicionrio uma importante ferramenta de aprendizagem de lnguas, mas seria ele, como o conhecemos, ideal para a educao bilngue do aluno surdo? por Francisco Edmar cialdinE arruda*

    ste texto vem fechar um ciclo de trs partes. Em

    um primeiro momento, na edio 14, falamos sobre a

    importncia do estudo de termos tcnico- cientficos, principalmente dentro da sala de aula. Afinal, conhecer os termos de uma rea, como, por exemplo, Qumica, ir ajudar em muito ao aluno dominar aquela disciplina, bem como dar ferramentas para a produo de textos. Mesmo fora do ambiente escolar, um dicionrio ingls-portugus de termos da Qumica pode ajudar um tradutor a trabalhar um texto da rea.

    J na edio passada, falamos sobre os estudos relativos educao lingustica do aluno surdo. Defendemos, principalmente, a educao bilngue, que afirma prioritaria-mente que o surdo tem o direito de ser edu-cado em sua lngua materna, a de sinais, com a lngua oral de seu pas, ensinada como um segundo idioma na modalidade escrita.

    Este texto ir unir o primeiro tema, o estudo dos termos tcnico-cientficos, e o segundo, a educao lingustica e a surdez, focando principalmente no papel do dicionrio escolar na educao do aluno surdo.

    Material didticoA educao do aluno surdo com a

    lngua de sinais passa necessariamente pelo material didtico. No entanto, todos os livros didticos escolares, com exceo do material das aulas de lnguas estrangeiras, so escritos em portugus, j que o pblico para o qual eles se destinam so alunos que tiveram um processo de aquisio da lngua oral desde cedo ou seja, os alunos ouvintes. Todavia, o aluno surdo no se enquadra no mesmo perfil.

    para podertraduziro mundo

    Consequentemente, os livros, apostilas, dicionrios etc. dos ouvintes no iro suprir as necessidades de aprendizagem do surdo. Fica uma lacuna que poderia ser preenchida com a produo de materiais especficos para o pblico surdo.

    O uso do dicionrio pelo surdo pode oferecer autonomia na aprendizagem de modo geral, minimizando a dependncia com relao ao intrprete a, principalmente quando ele precisar ler ou escrever algum texto em Lngua Portuguesa dada sua dificuldade

    a intrpreteIntrprete o termo utilizado para os profissionais que fazem a traduo da Lngua Portuguesa para a LIBRAS e vice-versa. prefervel este termo a tradutor, pois a interpretao sempre ser feita em situaes face-a-face e/ou envolvendo oralidade, isto , ao vivo, o que no quer dizer que o intrprete no possa traduzir algo. J a traduo um processo mais elaborado, no qual uma das lnguas envolvidas deve estar escrita. Apesar da existncia de grupos e associaes como, por exemplo, a APILCE, no Cear, a APILSBA, na Bahia, a APILSBESP, em So Paulo, dentre tantas outras o profissional intrprete conta com muitas dificuldades no exerccio de sua atividade, inclusive a falta de regulamentao da profisso pelo Ministrio do Trabalho.

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  • com a lngua escrita e as caractersticas peculiares a de sua produo textual. Para que o dicionrio seja, de fato, uma ferramenta pedaggica, de grande importncia que seja produzido visando a um pblico-alvo especfico. Por exemplo: imagine um dicionrio de lngua geral, como nosso famoso e volumoso Aurlio. Imagine agora tal livro nas mos de uma criana de ensino fundamental. O prprio tamanho da obra j uma prova de que ele no se ajusta ao pblico-alvo. Compare agora o layout de um dicionrio infantil com esse primeiro. Um dicionrio infantil faz uso de vrios recursos visuais para tornar a aprendizagem mais ldica o que se configura como uma estratgia de aprendizagem eficaz para esse pblico. Perceba, com isso, que, ao produzir um dicionrio, devemos ter em mente quem ir utiliz-lo e para qu a.

    dicionrio visualO aluno surdo, por conta de sua lngua

    espacial visual e de seu processo de aquisio

    Nesse caso, retirado do dicionrio Larousse escolar, os recursos visuais so poucos explorados. No h o uso de cores diversas, apenas negrito, itlico e a marca tipogrfica para SEPARAR slabas. Observe mais um exemplo:

    Neste novo exemplo, retirado do dicionrio infantil ilustrado Aurelinho, existem vrios recursos explorados que visam a facilitar a consulta: a cor azul, usada para dar destaque a algumas informaes importantes; o tamanho da fonte, as marcas de itlico e negrito, usadas para classificar as informaes em ordem de importncia e, por ltimo, a ilustrao. Note que estes recursos apenas facilitam a transmisso do conceito de abelha, e a imagem faz a ligao entre a palavra e o mundo concreto a do aluno.

    Melhorando o usoContudo, claro que o dicionrio, em

    si, no ir transformar o mundo do surdo. necessrio que ele saiba us-lo, que tenha o conhecimento necessrio de quais so as informaes dispostas no dicionrio e como localiz-las. Eis que entra em cena o papel do professor em ensinar e estimular o aluno a criar estratgias para usar o dicionrio. Desde atividades mais simples, como exerccios de ordem alfabtica a, relacionar palavras e conceitos, comparar dicionrios diferentes, escrever por extenso as abreviaes

    encontradas no verbete, identificar as marcas tipogrficas ou smbolos existentes, criticar a ideologia por trs das definies, dentre tantas outras atividades. Tais exerccios mostram para o aluno a riqueza existente no dicionrio e como possvel aproveitar de fato a as informaes nele dispostas.

    Infelizmente, nossa experincia dita que h muitas dificuldades nesse processo. Primeiro para o professor, em dois aspectos: o uso de dicionrio e o ensino de portugus para surdos. No que se refere ao uso de dicionrio em sala de aula, a formao do professor, de modo geral, em pouco ou quase nada toca nesse tema. Muitas vezes o professor tem que aprender na prtica como desenvolver habilidades para manusear melhor o dicionrio. O mesmo pode ser dito sobre a educao de surdos, j que, com o advento do bilinguismo, a lngua portuguesa deve ser ensinada como segunda lngua, e poucos professores tm uma formao para trabalhar com portugus dessa forma. Alis, h ainda o detalhe de os dicionrios no estarem adaptados a essa realidade. Um dicionrio para o aluno surdo, alm do que j abordamos, deveria ser bilngue (portugus-libras-portugus), mas existe uma lacuna de trabalhos com dicionrios para surdos pela prpria dificuldade de se pesquisar o tema todavia, a tendncia que o campo se amplie a.

    Assim, vemos como importante usar dicionrios em sala de aula e, mais ainda, que o dicionrio pode contribuir para o desenvolvimento da aprendizagem do aluno surdo na lngua portuguesa, possibilitando a ele um crescimento melhor na interao com a realidade ouvinte que o cerca. n

    diferenciado, possui necessidades de apren-dizagem diferentes das de um aluno ouvinte. Um dicionrio para este pblico deve, como todo material didtico, levar em considerao essas particularidades. Um dos aspectos mais relevantes so as caractersticas visuais presen-tes no texto. Tais recursos so indispensveis devido ao fato de o processo de aprendiza-gem do aluno surdo ser essencialmente visual. Marcas tipogrficas, fontes de cores, tamanhos e formas variadas e, principalmente, imagens poderiam passar despercebidos para um leitor comum, mas, para o surdo, esses detalhes fa-zem uma grande diferena, ajudando a recu-perar as informaes dispostas na estrutura de um verbete. Vejamos alguns exemplos para a palavra abelha.

    a Caractersticaspeculiares

    A escrita de portugus por um surdo, chamada por alguns pesquisadores de portugus surdo ou portulibras, possui caractersticas bastante particulares. Como, por exemplo, pode ser observado nessa frase: Eu quero namorado com voc. Isso ocorre devido influncia da lngua materna dos surdos, a LIBRAS, na escrita em portugus. Para saber mais, recomenda-se a leitura de: A construo de sentidos na escrita do sujeito surdo, Marlia da Piedade Marinho Silva, da editora Plexus.

    a A palavra e omundo concreto Muitos estudos de carter semitico sobre a Teoria da Multimodalidade estudam as questes relativas a imagens, figuras, ilustraes etc. Esta teoria analisa os aspectos comunicativos que existem por trs das imagens, defendendo a existncia de textos visuais. Mais informaes podem ser encontradas no livro Sintaxe da Linguagem Visual, de Donis Dondis, da editora Martins Fontes.

    a aproveitar de fatoO uso de dicionriosde Herbert Andras WelkerEditora Thesaurus (2006)

    a Ordem alfabtica Vale ressaltar que o dicionrio no o nico livro que utiliza ordem alfabtica; h outros tipos, como a lista telefnica, por exemplo. Logo, o dicionrio ganha uma utilidade prtica para o dia-a-dia do aluno ao ajud-lo a desenvolver a localizao de informaes em listas organizadas por ordem alfabtica.

    a O campo se amplieDentre as poucas opes que existem, sugere-se o Dicionrio Enciclopdico Ilustrado Trilngue: Lngua de Sinais Brasileira Libras, de Fernando C. Capovilla e Walkiria D. Raphael, da Editora da USP. H ainda O Dicionrio Digital da Lngua Brasileira de Sinais, de Guilherme de Azambuja Lira e Tanya Amara Felipe de Souza, disponvel no site: www.acessobrasil.org.br/libras/

    a Quem ir utiliz-loe para qu

    Existem vrias formas de classificar um dicionrio. No caso do dicionrio escolar, o MEC e o PNLD (Programa Nacional do Livro Didtico) classificam-no seguindo o modelo espanhol, que divide os dicionrios escolares em grupos, relacionando o nmero de palavras e a escolaridade do aluno. O dicionrio do tipo 01 possui de mil a trs mil entradas e idealizado para alfabetizandos. O tipo 02, para alfabetizados, possui entre trs mil e quinhentos e dez mil verbetes. Por fim, o tipo 03, com um corpo composto por um mnimo de 19 mil e mximo de 35 mil verbetes, serve s necessidades de um aluno das sries finais do fundamental. Mas claro que existem outras formas de classificao, segundo o material ou o suporte utilizado se impresso ou digital; o tipo de aprendiz se o aluno de lngua materna ou estrangeira etc.

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    abelha () s f. (lat. apicula). Denominao comum a diferentes espcies de insetos solitrios e sociais, estes ltimos importantes produtores de cera e mel.

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