Diário de Bordo

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Cá de dentro, lá por fora. Crónica de uma viagem de 4 dias ao norte do País.

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Diário de Bordo

CÁ DE DENTRO, LÁ POR FORA (crónica de uma viagem de 4 dias ao norte do País)

James Habanero

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© 2011 Produções Boralá

1ª Edição

Capa e Contra-capa por Camarada American

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Dedicatória

A todos aqueles que nunca abdicaram!

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Dia 1 Palmela. Verão de 2000. Saímos num dia solarengo, já espreguiçado, cada um artilhado à sua maneira, como convém! Somos três, eu, Carlos e Paulo, três belos manjericos, bons amigos... Carlos é irmão de Paulo, Carlos, Carlão, Carlitos, “The three duces”, folgazão, máquina fotográfica sempre pronta a disparar, repórter indomável, olhar insondável cheira aventura no ar: está inebriado. Paulo é irmão de Carlos, Paulo, perdão Mr P., como prefere que lhe chamem, figura sagaz, fina, elegante, apologista da “festa”, driver de serviço, também ele irá perscrutar o horizonte com a sua espectacular vídeo câmara, filmando tudo, mas mesmo tudo, desde os mais sórdidos recantos, até às mais indiscretas varandas de qualquer andar, por mais altas que sejam! Eu, sou o “Calimero”, desgostoso, lamúrias, nada me corre bem. Até fogem de mim: ressono que me farto! A “quilometragem” pesa-me, o azar persegue-me. No entanto, tenho aquele “brilhosinho” nos olhos. O cronista de serviço. Estes três manjericos têm, entretanto, uma coisa em comum: são todos doentes! Mr P. queixa-se da “espandilose”, Carlos é asmático, eu sofro das cruzes. Canastrões! Fazemo-nos à estrada num jeep confortável, equipado com aquela engenhoca horrorosa que dá pelo nome de “ar condicionado” mas que, ás vezes, dá cá um jeitão!...

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Ponte Vasco da Gama, portagens, auto-estrada, ai vamos nós, em direcção a ... ...ás Termas de S. Pedro do Sul, Mr P. dixit. Alega o cavalheiro já lá ter tido um amigo que, por sinal, já nem lá habita, mas não faz mal – é um sítio baril, concerteza! Talvez debaixo desta mais que duvidosa influência, paramos no Luso. Aí, claro, bebe-se água. E faz-se negócio. Deparamos com uma rua pejada de tendas, vendendo toda uma série de “recuerdos” daquelas recôndidas paragens. Proposta mais tentadora: - Pague quando quiser! Abrimos os braços, num sorriso aberto: não se metam connosco! Ah, “nos quedamos à la farmácia” para o abastecimento dos estratégicos “Gurosan” e “Benuron”. Estratégica, também, a paragem que fazemos mais à frente, em Viseu, para conhecer a cidade: Presunto, pão e vinho, tudo da região, claro. Chegamos ás Termas por volta das oito da tarde e ficamos imediatamente apreensivos com o que se nos depara. Ruas desertas, pequenos grupos da terceira idade às portas dos hotéis, calma e silêncio olímpicos, tudo isto dominado por um rio Vouga apoteoticamente poluído. Aliás, haver praia há, fluvial e tudo, mas lá está a placa: “Proibido tomar banho”. Mr P. encontra, finalmente, aquilo que há muito procuramos: um sítio à maneira para pousarmos – Clube de Campo do Gerós, apartamentos. Na recepção, informam estar a piscina fechada e que o melhor é acelerar se quisermos jantar fora.

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É que depois das nove e meia, já não servem refeições: gente simpática, esta! O apartamento é fixe. grande , luminoso, arejado, boas vistas (só árvores!) e, milagre dos milagres, contém um precioso ferro de engomar. Aleluia! Apressamo-nos: “olhó jantar!”. Depois do banho, muita perfume pró sovaco e muita gel, devidamente aconselhados pelo chefe da recepção, grande amigo, lá acostamos ao Sr. José, restaurante recomendado. Nove e um quarto... Excelente repasto. Deliciamo-nos com uma misteriosa carne grelhada, regada com um tinto adequado, amena converseta, quando, por altura dos cafés, as luzes começam a falhar e o pessoal a arrumar a tralha. Olhamo-nos, perplexos: É verdade que não há mais clientes mas são só dez e vinte! Mr P. é o primeiro a reagir: mais três JB, por favor! A proposta é aliciante e José, o proprietário, que de santo não tem nada, apresta-se a servir. Revela então que esta malta milita outros horários. O verbo é: “cedo”. Deitar, acordar, levantar, vestir, comer, fumar, mijar, etc., sempre, sempre cedo. Impressionados, pagamos de pronto a conta, antes que se faça tarde. Partimos em busca de novas aventuras, já noite. Num breve reconhecimento pelas Termas, descobrimos jardins, pontes, fontes e matagal q.b. para explorar amanhã. Enquanto se partilha uma água com gás, procuramos o bar mais próximo. Et le voilá: “Bon J’au” Cores garridas, esplanada catita, empregados cabeludos (cadé as empregadas?), doses miseravelmente curtas, de partir o coração, a pedir livro de reclamações.

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O melhor é dizê-lo já. As Termas só têm este bar e, quanto a discoteca, bom, só abre ao fim-de-semana e isto de Verão! Mr P. ouve das boas dos seus companheiros de viagem. Desculpa-se com a “espandilose” e afirma nada estar perdido: festa é festa! Quedamo-nos pela esplanada, varrendo umas valentes “copas”, apreciando a insípida fauna residente. Ás duas da manhã o bar fecha mesmo e é o cabo dos trabalhos: qual café, qual cervejaria, qual tasca, qual caraças – tudo fechado! Abastecemo-nos em plena rua, numa dessas maquinetas de moedas e acabamos a noite cheios de lata (3). Isso mesmo: Cola e 7up. Recolhemos, inconformados. Amanhã será outro dia.

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Dia 2

Termas de S. Pedro do Sul Em terra de cedo, acordai antes! Cerca do meio-dia, mais coisa menos coisa, chegamos à piscina. Bela, água límpida, convidativa, espaço amplo mas vazio: onde está o pessoal? A menina do bar precipita-se para nós, caneta e bloco em punho, chilreando que nem um passarinho: número do apartamento, nome do cliente; só sossega quando lhe sussuramos o sempre desconcertante “coffee please”. Rendida, serve-nos três soberbos cafés. Após uns mergulhos e umas piscadelas ao “bronze”, abandonamos o local, prometendo regressar mais tarde. Duas e meia. Metemo-nos na viatura e descemos ás Termas. O calor aperta e, também talvez por isso, o movimento não é muito. De momento, estamos é preocupados com o almoço: olhas as horas! Esbarramos com o “SEQUEIRA”, restaurante/ tasca/ café/ snack-bar. Espera-nos uma surpresa: a cozinha está aberta!!! Saboreamos um cabrito esturricado, por entre imperiais inacabadas e copos de vinho de sabor enigmático. De repente, entra um jovem casal francês. Desabafa o Sequeira: - Olha, lá vêm os do Kosovo! O casal senta-se e pede uma garrafa de água grande e dois copos. De olhar homicida, Sequeira serve-os. Zarpamos. Vamos até ao “Rossio” beber uma bica.

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Levamos um banho de terceira idade, todos bebericando cafés, cimbalinos e águas, animadíssimos, instalados numa magnífica esplanada, protegida por um amplo manto de árvores frondosas. Sombra, sombra é o que todos procuram, à medida que a brisa fica mais quente. Chegam, partem excursões. Decidimos que está na hora da famosa visita turística. Vergados ao peso do calor, cumprimos a nossa estóica missão. Sebes, carreiros, fontes, pontes, jogos de bisca, sueca, copa, manilha, dominó, pescadores malabaristas, ruínas arruinadas, cheiramos, batemos tudo, qual Sherlock Holmes, obstinado. Assalta-nos a sede e fazemos um break. Desta vez, abrilhantamos o café “MORENAÇA”. Garota simpática a que nos atende, à maneira mesmo. Quando estamos de partida, eis que chega a mulher do patrão e lhe dá grande bronca. Mistério... Por coincidência, a garota pisga-se. Aproveitamos a boleia e regressamos ao nosso quartel-general. Destino: piscina. De caminho, renhido bota-fora ao ping-pong. Exaustos, retemperamos forças num prolongado mergulho. O cenário está diferente. Uma “multidão” de dez banhistas esgota o recinto, enquanto algumas chavalas aquecem os bancos do bar. Pedimos três vodkas. Agitação: Beinda (a menina do bar), confessa não saber prepará-lo, envergonhada. Trocamos um olhar cúmplice e Mr P. franqueia o balcão e inicia-a nas lides.

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As garinas afadigam-se de planos: logo á noite nos “Pecados” (discoteca)! Encolhemos os ombros: esta agora! Da terceira, passamos á menor idade. Adiós! Até sempre! Mais um jantar fora, mais um expulsar “delicado”. Temos que reconhecer: já são onze horas, carago! Rumamos ao “BON J’AU”. Música ao vivo com os “Charanga Beat”, consumo mínimo, patacoada, bimbos, jolis, betinhos, bebedeiras, mini-saias, rouge; festa! Sentamo-nos de copo na mão, saboreando o espectáculo, fazendo a animação e apercebemo-nos que somos os únicos: são surdos, estes cabrões! Fechado o bar, vai tudo para a discoteca. Olha, o porteiro é o mesmo. Não é fantástico? O consumo é que é mais caro, até porque hoje há atracção especial: “LAS CHICAS DE IBIZA”, contratadas expressa e exclusivamente para as Termas. Carlos ouve falar em espanholas e a asma passa à História; Mr P. presegue um traseiro interessante mas longínquo; eu assalto a vocalista dos “CHARANGA”. Festa! Sem sorte, encosto-me ao balcão e peço um scotch com água lisa. Dão-me um copo cheio de gelo, líquido amarelo e uma pequena garrafa de água de plástico. Dou um trago e começo a movimentar-me quando descubro que a garrafa de água desapareceu. Polido, atiro-me ao barman: - Que merda é esta, meu? Não tens água suficiente aqui nas Termas?

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Apanhado em flagrante, o dito cujo devolve a garrafa. Entretanto, Carlos, Carlão, Carlitos, engolfinha-se na pista de dança com uma das “CHICAS”. Ela, minimini vestido preto colado ao corpo, ele, todo vontade. Mr P. observa, taciturno: o traseiro fugiu-lhe. Peço segundo whisky e levam-me de novo a garrafa de água. Sempre calmo, desabafo: - Foda-se para esta merda! Ó filho da puta, dá cá a água! Após certas movimentações suspeitas, os dois irmãos arrastam-me para fora da disco. Ainda lhes fiz um singelo pedido: - Deixem-me dar-lhe com uma puta de uma garrafa na cabeça, caraças! Descemos à praia e, depois de animada “jam session” com pandereta, matracas e house, recolhemos. Nasce o dia.

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Dia 3

Peso da Régua. Três da tarde. É verdade, abandonámos as Termas: definitivamente, água a mais! Continua calor. Estacionamos num sítio magnífico, rio Douro a perder de vista, barco rebelo mesmo ali à mão de semear, encostas e encostas pejadas de vinhas – o paraíso! Depois das filmagens e das fotos da praxe, abrigamo-nos à sombra de uma esplendorosa esplanada... Mr P. pede à empregada: - Três vinhos do Porto mas não traga daqueles para turista, disso temos lá em casa. Afirmativo, acena a rapariga. E lá vem o Porto, copos lindos, de pé alto, contendo um néctar mais poderoso que dez mil “Gurosan”, elixir redentor, verdadeira força da natureza. À conversa com o dono do referido estabelecimento, ficamos a saber ser aquela “pomada” VINTAGE refinado e nada melhor que umas tapas de queijo e presunto a acompanhar. Intrépidos, nem hesitamos: Venham elas! E mais uma rodada. E aqui estamos nós, petiscando e bebendo (e vice-versa), mergulhados em profundas cogitações, quando, de súbito, Carlos se levanta, lesto: - Vou pagar. Entra no café de nota de 50 euros em riste e volta pouco depois, ar desoladíssimo. - Dêem-me mais 50 euros – sibila, entre dentes. Saímos da Régua, levando o “Peso” connosco. Desta vez, espera-nos o Gerês.

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Paramos em Celorico da Beira, depois de jornada particularmente fatigante. Curvas e contra-curvas, serra acima serra abaixo, despenhadeiros assustadores, telemóveis avariados, dramas e mais dramas, corações à beira de um ataque: uff!!! Vale-nos umas imperiais retemperadoras. Depois de nova olhadela ao mapa, pômo-nos a caminho. A paisagem vai mudando à medida que nos aproximamos do nosso destino. Lagoas, rios, praias, chapéus de sol, piqueniques, restaurante – bar – residencial, pensões, alugam-se quartos, apartamentos, vivendas; vende-se. É como um inesperado regresso a casa, um voltar furtivo. Revolta geral. Liga-se a música. Entretanto, permitei que vos alertemos para a armadilha das placas de quilometragem. É assim: quando indicarem 2 Km, pensem em 7 Km; se forem 10, contem com quase 20, é limpinho! Apesar de todos os contratempos, arribamos ao Gerês, ao fim da tarde como habitual, comitiva atenta e curiosa. Assentamos no Ismael aluga-se apartamentos e lá vamos para mais um jantar. Não é nada famoso e, ainda por cima, um sacana de um emigra antecipa-se e estraga-nos o engate de duas cámones já perfeitamente feitas. Indignados, saímos à procura do multibanco mais próximo, quando uma melodiosa voz feminina se faz ouvir: - O multibanco está fora de serviço e não há mais nenhum por aqui. Encadeados pela súbita luz da ribalta, cambaleamos, ganhando tempo: que se passa aqui?

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Olhamos em redor e ali está ela, melhor elas (3), instaladas numa mesa de another café – restaurante – residencial. Apresentamo-nos: três humildes e simpáticos moços da província em busca de um multibanco e um bar agradável. A voz melodiosa levanta-se e aponta: - Olhem, aqui mesmo ao pé, há um. E tem bacalhau fresco, acrescenta, sorriso malandro. Confessamos: peixe não é o nosso forte. Retiramo-nos, diplomaticamente: - Procuramos sítio mais calmo, com bebidas calmas e onde se vá com mais calma. (Patético! Confrangedor!) Aconselham os cafés e snack-bar ainda abertos. Seguimos a sugestão e entramos no primeiro que encontramos. É o desastre. Meia hora depois, eu, queixando-me das “cruzes”, sou levado em braços para o quarto, enquanto as outras duas figuras se debatem com uma dúvida dilacerante: bacalhau fresco? Acabam por sair e purificam-se na discoteca “UNIVERSAL”. Marcados à distância pela concorrência caseira, os nossos homens não têm hipótese mas não abandonam o local antes de dizerem algumas verdades: - Fiquem lá com a merda do bacalhau!

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Dia 4

Gerês. Doze horas. Preparativos. Mr P. informa que há mudanças de planos. Desta vez, o maldito telemóvel funcionou e, por imperativos do foro civil, tem de regressar à base o mais depressa possível. Ah! Então e as cascatas? Não partimos sem ver as cascatas! Indicam-nos umas especiais, menos conhecidas, muito bonitas, “já ali”. Cauteloso, Mr P. cuida da “espandilose”: e o carro vai mesmo até lá? Os nativos asseguram que sim. Seguimos as indicações e, depois de muito subir, montanhas de viaturas debaixo de todas as árvores disponíveis, descobrimos que as cascatas já eram, ou seja, já as tinhamos passado. Um jovem casal (mais um) esclarece: - Estão a ver aquelas escadas? É ali, vinte minutos a andar bem, sempre a subir. Mr P. ainda estrebucha: - Mas não há nada mais perto? Negativo. O melhor ainda são as piscinas naturais: uma hora a andar bem, sempre a subir. Do alto dos mil e tal metros a que estamos, contemplamos uma paisagem deslumbrante. Sopra uma brisa refrescante, miraculosa. Por esta altura, um robusto petiz nortenho passa por nós, incomodado: - “Bento” nojento. Raios partam o “Bento”!

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Pressuroso, o progenitor, que vinha atrás, repreende: - Não chames nomes ao Bento, já foi guarda-redes do Benfica! Enquanto eu solto uma gargalhada sonora, Carlos rejubila: - Até aqui, no meio de nenhures, se vê a força do “glorioso”! Temos de dar desconto: acumula doenças... Afogamos as mágoas num morangueiro fresquinho, mordiscando alguns petiscos da serra. Traça-se o azimute: Nazaré. A maioria não conhece e sempre quis lá ir e, além disso, fica de caminho. Ou quase. Antes de mergulharmos na auto-estrada percorremos itinerários circundantes. Em AMARES, Carlos entra em dicotomia profunda. A placa “Se amares, AMARES será verde”, extasia-o. Por sua vez, o imponente talho “O Benfica”, põe-no absolutamente em órbita. Instantâneos... A Nazaré revela-se um caos, um labirinto desesperante. Depois de mais de uma hora às voltas à procura do ansiado multibanco (todos fora de serviço), sempre em aglomeradas bichas, mais ou menos paradas, tomamos a atitude sensata: jantamos e deixamos passar a confusão. Adeus Nazaré, fica para outra vez! Finalmente, sempre a abrir, chegamos a Palmela à volta da meia-noite. “SO WHAT?”

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