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DESIGN, CULTURA E SEMIÓTICA: EM DIREÇÃO A UM MODELO PARA ANÁLISE
DE VARIÁVEIS SEMÂNTICO-CULTURAIS
FELIPE DOMINGUES MACHADO MELO
DESIGN, CULTURA E SEMIÓTICA: EM DIREÇÃO A UM MODELO PARA ANÁLISE
DE VARIÁVEIS SEMÂNTICO-CULTURAIS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Design da
Universidade do Estado de Minas Gerais como requisito para a obtenção do título
de Mestre em Design, na área de concentração em Design, Inovação e
Sustentabilidade.
Orientador(a):
Prof. Dijon De Moraes Junior, Ph.D.
Co-orientador(a):
Profª. Maria Regina Álvares Correia Dias, Drª
Belo Horizonte 2011
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA
FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
M528d Domingues, Felipe Design, cultura e semiótica : em direção a um modelo para análise das variáveis semântico-culturais/ Felipe Domingues Machado Melo. - - Belo Horizonte, 2011. 124 f. (enc.) : il. p&b. tabs. ; 31 cm. Orientador: Dijon De Moraes Coorientadora: Maria Regina Álvares Correia Dias Dissertação ( Mestrado) – Universidade do Estado de Minas Gerais / Escola de Design / Mestrado em Design, 2011.
1. Desenho (Projeto) – Teses. 2. Desenho Industrial – Teses. 3. Semiótica – Aspectos culturais. I. Moraes, Dijon de. II. Dias, Maria Regina Alvares Correia. III. Universidade do Estado de Minas Gerais. IV. Título. CDU: 7.05:003
Às minhas sobrinhas, gêmeas, que iniciam sua jornada semântica.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelo exemplo de pessoas humanas que são.
Ao meu pai que, com sua simplicidade, é o meu norte ético e criativo.
À minha mãe, pelas inúmeras conversas, suporte e posição ética e firme, meu sul.
À Marina Ulhôa Carvalho, mais uma vez, pela paciência, postura e dedicação incondicional.
Ao Professor Dijon De Moraes, por me receber, apostar em mim e no meu projeto de pesquisa e, acima de tudo, pela postura e orientações.
Ao Antônio Jorge Pietruza pelas conversas, incentivo e carinho.
Ao Professor Antônio Artur de Souza e à Mariana Guerra pela generosidade, pelos exemplos de disponibilidade e de compartilhamento do conhecimento.
Ao Professor José Edson Lara pela imagem sempre presente.
À tia Lila pelas conversas, apoio, incentivo e por não deixar que a luz se apague.
Aos tios e padrinhos Paulo e Ilza pelas conversas e dizeres sábios, do início ao fim destes últimos dois anos e meio.
Ao Sérgio Luciano da Silva por passar a existir, pelas reflexões e por sempre me fazer acreditar que ainda há esperança.
Ao Pedro Campos pela postura e pelas perspectivas de trabalho conjunto que se abrem.
Ao Professor Uajará Pessoa Araújo pelas instruções e reflexões.
À Professora Rita Aparecida da Conceição Ribeiro pela postura e receptividade.
Ao Professor Sérgio Antônio Silva pela referência de simplicidade e humildade docente.
Às Professoras Lia Krucken e Maria Regina Álvares Correia Dias pelos apontamentos.
À Professora Sebastiana Luiza Bragança Lana pelo apoio.
Ao Professor Itiro Iida pela postura, serenidade e carinho.
Ao Rodrigo Stenner e à Maryvana Monteiro pela disponibilidade incondicional.
À Nadja Mourão pela postura e exemplo de pessoa.
Aos colegas da primeira turma de mestrado do PPGD/ED/UEMG pelo sincretismo.
Aos pesquisados que fizeram parte desta primeira amostra sem os quais e sem sua colaboração voluntária este estudo piloto não seria possível.
Aos membros das duas bancas de seleção deste mestrado por aprovarem meu projeto.
À Valquíria Moraes e à Francislene Pereira pela atenção, presteza e carinho.
À Escola de Design pela oportunidade de realização do curso de mestrado.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais e à Whirlpool Latin America pelo incentivo à pesquisa, pela concessão da bolsa de pesquisador e apoio financeiro para a realização desta fase da investigação.
In another moment down went Alice, deeper and again, after it [the rabbit],
never once considering how in the world she was to get out again.
–– Lewis Carroll
RESUMO
DOMINGUES, Felipe. Design, Cultura e Semiótica: em direção a um modelo para análise de aspectos semântico-culturais, 2011. 124 p. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG.* Presente em diversos aspectos da vida dos seres humanos, o design, através da sua manifestação em objetos, contribui para que os indivíduos se definam como grupos sociais, comuniquem-se e experimentem a realidade. Por conseguinte, as relações estabelecidas entre indivíduos e objetos vão além de questões econômicas e materiais, podendo ser entendidas como fenômenos sociais complexos, nos quais os aspectos intangíveis ganham relevância. Nesse contexto, faz-se necessário o melhor entendimento das possibilidades de associação entre aspectos físicos e culturais simbólicos e sua inserção em processos de desenvolvimento e de adaptação de produtos destinados ao mercado global. Baseada nessa premissa, esta pesquisa piloto buscou, empiricamente, avançar no que tange à verificação da adequação metodológica e desenvolvimento de um modelo para a análise de dados relacionados a aspectos semântico-culturais. Assim, lançou-se mão de técnicas etnográficas de pesquisa – observações participante e não participante, registros fotográficos e entrevistas em profundidade – e do programa de computador Pajek como instrumento de suporte à interpretação das informações coletadas. Como resultado deste processo investigativo, foram extraídos três pontos principais pertinentes para o desenvolvimento da pesquisa definitiva. Primeiro, pôde-se avaliar a adequação das técnicas de amostragem e de coleta e análise dos dados, o que permitirá refinar os procedimentos metodológicos para que sejam utilizados, posteriormente, na pesquisa de campo definitiva. Segundo, foi possível inferir sobre a possibilidade de apresentação de um modelo para análise de aspectos semântico-culturais. Terceiro, confirmou-se que a tentativa de associação de métodos de investigação etnográfica a processos de configuração de produtos destinados ao mercado internacional é válida. Tal afirmação faz-se pertinente, uma vez que a introdução de um modelo para análise e discussão de tal questão chama a atenção para a necessidade de verticalização de estudos, tanto em temas associados aos aspectos culturais simbólicos quanto aos existentes na relação estabelecida entre usuários e produtos globais. Palavras-chave: Design. Semiótica. Cultura. Etnografia. Produtos Globais. Linha Branca.
* Comitê orientador: Prof. Dijon De Moraes, Dr. (UEMG) e Profa. Regina Álvares Dias, Dr. (UEMG)
ABSTRACT
DOMINGUES, Felipe. Design, Culture and Semiotics: towards a model to analyze semantic-cultural features. 2011. 124 p. MA Thesis – Universidade do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG. Inherent to several aspects of peoples’ lives, the design and its manifestation through objects support individuals to define themselves as social groups, communicate with each other and experience reality. This means that individuals’ relationships with objects correspond not only to economic and material phenomena, but also and most importantly to complex social phenomena featuring intangible issues. Nevertheless, little is known about the possibilities of associating physical and symbolic cultural features and applying this knowledge to product development and global market-oriented adaptation processes. Building on ethnographic research techniques (i.e. participant and non-participant observation, photographic records, and in-depth interviews) and using the computer software Pajek as a support tool for information interpretation, this pilot research aims to empirically investigate methodological adaptation avenues and develop a model for semantic-cultural data analyses. The results point to three complementary perspectives for the future investigation. First, assessing the adequacy of sampling, data collection and data analysis techniques will ultimately refine the methodological procedures to be applied to the final field research. Second, the investigation proved the possibility of introducing a model to analyze semantic-cultural features. Third, this preliminary research proved the reliability of adopting ethnographic techniques to develop processes aiming to design products for the international market. This last result is important, as the introduction of such a model calls for further studies, both those focusing on themes associated to symbolic cultural features and those concerned with the relationships between users and global products. Keywords: Design. Semiotics. Culture. Ethnography. Global Products. Household Appliances.
LISTA DE FIGURAS
Página
FIGURA 1. Modelo das articulações dos significados funcionais e simbólicos 22
FIGURA 2. Capacidade de migração: novas atividades de design 35
FIGURA 3. Capacidades sustentáveis do design e a incerteza ambiental 42
FIGURA 4. Inter-relação entre categorias de valor, fatores culturais e propriedades de
produtos 44
FIGURA 5. Definição gráfica de signo 72
FIGURA 6. Triângulo semiótico de Peirce 73
FIGURA 7. Cadeia semiológica do mito 79
FIGURA 8. Dupla articulação do sistema semiológico no mito 80
FIGURA 9. Definição gráfica da articulação mítica 80
FIGURA 10. Triângulo de Ogden & Richards 86
FIGURA 11. Rede de contatos gerados a partir da técnica Bola de Neve 91
FIGURA 12. Exemplos de registros fotográficos gerados durante a coleta de dados 96
FIGURA 13. Cruzamento das categorias preliminares 105
FIGURA 14. Cruzamento das categorias semântico funcionais 106
2
LISTA DE QUADROS
Página
QUADRO 1 – Ampliação das atividades associadas ao design 34
3
LISTA DE TABELAS
Página
Tabela 1 – Falas dos pesquisados e possíveis categorias preliminares de análise 94
Tabela 2 – Falas dos pesquisados e possíveis categorias preliminares de análise 95
Tabela 3 – Listagem filtrada correspondente às interferências na parte superior 96
Tabela 4 – Listagem filtrada correspondente às interferências na parte frontal 97
Tabela 5 – Listagem filtrada correspondente às interferências nas partes laterais 97
Tabela 6 – Microcategorias referentes aos itens imantados aderidos à parte frontal 98
Tabela 7 – Microcategorias referentes aos itens imantados aderidos à parte lateral 98
Tabela 8 – Categorias preliminares de análise geradas a partir da Coleta de Dados 1 98
Tabela 9 – Dados gerais referentes à amostra pesquisada 99
Tabela 10 – Dados gerais referentes à amostra pesquisada 100
4
LISTA DE ABREVIATURAS
Cf. Confrontar, referir-se a, ver também.
s.d. Sem data
5
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 14
1.1 Preâmbulo 14 1.2 Questões preliminares 18
1.2.1 Design, produtos globais e competitividade 18 1.2.2 Objetos de uso e semiótica 20
1.3 Objetivos 24 1.3.1 Objetivo Geral 24 1.3.2 Objetivos Específicos 24
1.4 Metodologia 25
2 REVISÃO DA LITERATURA 30
2.1 DESIGN 30 2.1.1 Design e sua evolução conceitual 30 2.1.2 Design e processo de desenvolvimento de novos produtos 32 2.1.3 Design e produtos globais 37 2.1.4 Design orientado para ao usuário 40 2.1.5 Mercado internacional e design sustentável 41 2.1.6 Modelos culturais e produtos globais 45
2.2 CULTURA 48 2.2.1 Origem do conceito cultura 48 2.2.2 O conceito de homem e sua relação com a cultura 49 2.2.3 Concepções do termo cultura 50 2.2.4 Abordagens culturais 55 2.2.5 Cultura e visão de mundo 56 2.2.6 Affordances, cultura material e identidade 58 2.2.7 Manifestação cultural simbólica através do Mito 60 2.2.8 Caracterização das formas simbólicas e sua valorização em objetos de uso 62 2.2.9 Análise cultural 66
2.3 SEMIÓTICA 69 2.3.1 O termo semiótica 69 2.3.2 A conceituação lógica do signo 71 2.3.3 Semiótica e objetos de uso 74 2.3.4 Denotação e conotação 76 2.3.5 Mito e semiologia: articulações simbólicas 77 2.3.6 Signos e objetos de uso 82 2.3.7 Análise semiótica 87
3 ESTUDO EXPERIMENTAL 89
3.1 Pesquisa de campo 89 3.2 Acesso à amostra 89 3.3 Coleta e análise de dados 1: observações e registros fotográficos 92 3.4 Categorias preliminares de análise 94 3.5 Coleta e análise de dados 2: entrevistas em profundidade 99 3.6 Pajek: processamento e análise dos dados 104
4 RESULTADOS E CONCLUSÕES 108
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 112
14
1 INTRODUÇÃO
1.1 Preâmbulo
Esta pesquisa1 fez parte de uma investigação maior e tem por objetivo principal verificar a
adequação, eficiência e eficácia metodológica do projeto ora proposto e gerar inferências
preliminares relacionadas ao modelo para análise em desenvolvimento. Especificamente,
buscou verificar: a adequação das técnicas e procedimentos destinados à coleta de dados, a
eficácia e a eficiência da forma de acesso à amostra definida para a pesquisa, a eficácia do
programa de computador Pajek quanto à sua capacidade de apoiar esta investigação no que
tange à geração de categorias de análise relevantes e, por último, analisar os dados
pesquisados com objetivo de gerar inferências preliminares pertinentes à investigação.
Com sentido de não só avançar em questões relacionadas ao desenvolvimento e
posicionamento de produtos destinados ao mercado global, mas também nos progressos atuais
pertinentes ao assunto, este estudo avança e busca o estabelecimento empírico da relação
entre design, cultura, semiótica e produtos globais com vistas a proporcionar sua
aplicabilidade no setor produtivo. Isto é, está focado tanto em encontrar formas de acesso a
informações relacionadas aos aspectos culturais simbólicos quanto ao modo de sua
transferência aos sistemas de configuração de produtos destinados ao mercado global.
Na tentativa de responder a esta questão direcionadora, além da pesquisa de campo2,
será realizado o levantamento da literatura relevante sobre design, cultura, semiótica e
produtos globais. Isto é, às contribuições obtidas anteriormente por Domingues (2008) a partir
principalmente do escrutínio das obras de Charles Sanders Pierce, Cliffort Geertz, Roland
Barthes e Umberto Eco – as quais, através de uma perspectiva lógico-dedutiva,
proporcionaram a fundamentação e o estabelecimento da inter-relação entre os temas design,
1 Este estudo conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)
em parceria com a Whirlpool Latin America – Processo número TEC-APQ-00997-10. Além disso, é considerado como a segunda etapa (pesquisa aplicada) de dissertação de mestrado desenvolvida e defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Administração do Departamento de Administração e Economia (PPGA/DAE) da Universidade Federal de Lavras (UFLA) no ano de 2008. DOMINGUES, Felipe. Design e cultura em produtos globais: a semiótica como ponto de convergência. 2008. 150 p. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG.
2 Cf. Seção1.4.
15
cultura, semiótica e produtos globais naquele estudo –, serão somados os avanços científicos
recentes relacionados aos temas ora propostos.
A pesquisa prévia da literatura sobre design, cultura, semiótica e produtos globais
possibilitou que fossem identificadas as relações entre os aspectos culturais simbólicos e a
configuração de produtos.
No que tange ao design, sua relevância para o posicionamento de produtos globais é
reconhecida, porém negligenciada tanto pela disciplina da administração quanto no próprio
campo de estudos do design (SIEGAL, 1982; RONKAINEM, 1983; KOTLER; RATH, 1984;
VERYZER; BORJA DE MOZOTA, 2005; BOZTEPE, 2007). Para a primeira, o design é tido
como um subitem do mix de marketing e, no caso do segundo, grande parte das publicações se
volta a questões relacionadas à configuração de objetos, isto é, a aspectos relacionados à
ergonomia, à forma e à usabilidade e, como afirmado por Günter & Triska (2011), o design
enquanto disciplina acadêmica tende a firmar-se área de conhecimento científico. Os estudos
relacionados a aspectos culturais são considerados pela própria literatura formal como
superficiais, fazendo com que profissionais de design realizem seus projetos de forma
emergencial, superficial e intuitiva, o que se torna arriscado quando levados em consideração
os substanciais investimentos e esforços para a inserção de produtos em ambientes
internacionais.
Com base nos postulados acerca da cultura, sendo o ser humano carente de orientação
simbólica, isto é, dependente de códigos que lhe possibilitem existir como indivíduo inserido
em sociedades estruturadas, faz-se desejável a atribuição ou materialização de formas
simbólicas para que os objetos tenham fruição. Ora, se o indivíduo necessita de referenciais
locais para sua própria orientação e é inerente ao ser humano afastar-se ante o desconhecido,
então torna-se relevante a busca de aspectos culturais específicos, sobretudo indicadores de
formas simbólicas que façam parte do nexus social e que possibilitem a indicação e
referenciação de códigos existentes no próprio contexto do indivíduo (DOMINGUES, 2008).
Portanto, pode-se afirmar que as formas simbólicas que permeiam o mundo dos códigos
existentes em universos culturais distintos não devem ser analisadas a partir de metodologias
de cunho positivista, as quais dificilmente conseguem detectar padrões culturais que orientam,
referenciam e conduzem o comportamento dos indivíduos através das crenças, dos rituais e
dos mitos, por exemplo. Aqui, vale inclusive destacar o papel do mito, como descrito por
16
Barthes (1999), como veículo de institucionalização de formas simbólicas, transformando em
natural o não natural concebido pelo próprio homem e traduzido em signos e significações.
Diante disso, pode haver convergência entre as formas como os indivíduos experimentam e
entendem os objetos nas etapas de geração de signos e de significações, isso quando
considerados indivíduos pertencentes a diferentes contextos culturais; isto é, a consonância
pode ocorrer em partes específicas do processo de conceituação mental. Tal suposição, se
verificada empiricamente, pode contribuir para o processo de configuração de produtos
globais, vez que pode facilitar o alinhamento e reduzir ou até mesmo eliminar a necessidade
de adaptações em determinados produtos.
Desde o ponto de vista da semiótica, em Domingues (2008), foram especificados os
pontos-chave para o entendimento do processo de concepção dos signos e sua importância
para os indivíduos em seus próprios ambientes culturais. Em outras palavras, foram
identificados os subprocessos da criação dos signos, a qual ocorre de forma inconsciente na
mente do indivíduo quando este experimenta os objetos de uso em contextos específicos.
Decorrentes de tais subprocessos, as múltiplas articulações dos significantes, dos significados
e dos próprios signos e das significações3, demonstram como tais processos podem ocorrer,
internamente, na mente do indivíduo.
Quanto aos produtos globais, especificamente com relação à sua configuração, a
literatura descreve duas correntes que foram e são, aqui, entendidas como antagônicas e
complementares: padronização e adaptação. No primeiro caso, tem-se a estandardização de
produtos, em que os ganhos se dão na produção em escala, mas com perdas em diferenciação.
O segundo caso provê melhores níveis de diferenciação e maiores chances de se alcançarem
os desejos e interesses dos usuários, o que, consequentemente, eleva os fatores de
competitividade e beneficiam tanto os usuários quanto o próprio mercado. Adaptação e
padronização podem ser entendidas como complementares na medida em que, atualmente, os
avanços tecnológicos, como os descritos por Swan, Kotabe e Allred (2005), permitem rápidas
alterações em produtos para o seu melhor posicionamento, maior eficiência e rápida resposta
ao mercado, não desconsiderando a produção em escala. No entanto, cabe sublinhar que a
diferenciação não mais se alicerça nas características físicas dos produtos, e sim também na
3 Figura 1. Seção 1.2.2.
17
capacidade de transferência, geralmente através do processo de design, de aspectos culturais
intangíveis, ou em outros termos simbólicos, aos objetos de uso. Colocação esta reforçada por
De Moraes (1999, p. 56): “o design se aproxima mais neste final de século das ciências
sociais, da sociologia, da antropologia e da filosofia em busca de antecipar as necessidades
reais dos usuários do futuro”.
Não obstante, como já apontado, são raros os estudos que realmente se aprofundem em
questões culturais (i.e., aspectos culturais simbólicos) para os processos de adaptação de
produtos globais (SIEGAL, 1982; RONKAINEM, 1983; KOTLER; RATH, 1984;
VERYZER; BORJA DE MOZOTA, 2005; BOZTEPE, 2007). O que constitui, de fato, uma
lacuna nos estudos relacionados ao tema. Quando encontrados, apresentam a simples
comparação entre culturas, limitam-se a generalidades, esquivam-se de aspectos específicos
locais ou apenas enaltecem a importância da relação entre design e cultura evitando, assim, a
real aproximação com o principal objeto a ser estudado (i.e., o indivíduo em seu próprio
contexto), vez que é o indivíduo quem experimenta, em sentido antropológico, os objetos. É
provável que tal fato possa ser explicado pelo elevado nível de complexidade e/ou pelos altos
custos de pesquisas em âmbito internacional (MALHOTRA, 2006). Contudo, pode-se afirmar
que, no presente, com o advento dos avanços tecnológicos no âmbito da comunicação, torna-
se possível a criação de uma rede internacional para a realização de pesquisas direcionadas à
investigação de aspectos culturais locais que apoiem os estudos para a configuração de
produtos globais.
Ante o exposto, verifica-se que, a despeito da relevância do tema desta investigação
(design como determinante estratégico), aspectos de design (i.e., design como meio para a
incorporação de aspectos culturais simbólicos) têm sido negligenciados pela literatura tanto
das ciências administrativas quanto do próprio design. Dado que a realidade apresenta
nuanças pouco conhecidas de pesquisadores acadêmicos, especialmente no que se refere ao
posicionamento de produtos globais, este estudo envida esforços na análise de aspectos
culturais simbólicos relacionados a produtos (ou, em outros termos, objetos de uso). Vale
ressaltar que, ao ser considerado o design como um modo, ou processo, para a materialização
de aspectos simbólicos em objetos de uso, nesta etapa da pesquisa (verificação metodológica),
é defendida a tese de que a associação entre semiótica e pesquisa etnográfica – através das
quais se acredita residirem as formas ideais para o entendimento da relação semântica entre
18
indivíduos e objetos de uso – é não apenas possível alcançar um melhor entendimento dos
processos de produção cultural simbólica (signos e significações), mas também tornar factível
a aplicação desse entendimento a produtos já integrados a processos produtivos que visam,
principalmente, o ambiente internacional.
Dito isso, espera-se que esta investigação contribua no sentido de dar sequência e
suporte a estudos avançados, tanto teóricos quanto empíricos, sobre as inter-relações entre os
aspectos culturais simbólicos e a configuração de produtos globais. Dessa forma, o
desenvolvimento de metodologias para coleta, comparação e análise de dados que ampliem e
complementem as informações acerca da relação entre design, aspectos culturais simbólicos e
produtos globais se fazem relevantes e justificáveis.
1.2 Questões preliminares
1.2.1 Design, produtos globais e competitividade
O acelerado ritmo de atualização e o surgimento de novas formas de uso de tecnologias,
especialmente nos campos da comunicação e do transporte, têm eliminado as barreiras e os
obstáculos à expansão de mercados. Assim, indústrias, consumidores e usuários vêm
ampliando seus horizontes para uma perspectiva global em que produtos e serviços, ainda que
não tenham sido concebidos com tal finalidade, passem a ter como ambiente de negócios todo
o planeta. Nessas circunstâncias, a volatilidade e a concorrência entre marcas e produtos têm
aumentado de forma expressiva e vêm impelindo empresas a realizarem adaptações em seus
produtos, com o objetivo de sobreviverem e permanecerem competitivas em mercados cada
vez mais integrados. Nesse contexto, o design tem sido considerado um dos principais
determinantes para a diferenciação e para o posicionamento estratégico de produtos em
ambientes internacionais.
Embora estudos se atenham especificamente aos atributos físicos do design, à sua
funcionalidade e à sua capacidade de reduzir custos, pesquisas apontam os aspectos
intangíveis do processo de design como uma questão imprescindível para a competitividade,
especialmente em um momento como o atual, onde indústrias têm de encontrar novas formas
para diferenciarem seus produtos (TRUEMAN; JOBBER, 1998; MYNOTT, 2001; WHITE et
al., 2003; BOZTEPE, 2007). Apesar de diversas empresas de fato obterem vantagens
competitivas através do investimento na capacidade de produção em escala
19
(independentemente dos gostos, preferências e interesses de seus clientes), é importante
ressaltar que os usuários, ante a grande variedade de produtos, serviços e processos,
constantemente demandam novas opções de consumo e apontam, também, para práticas de
consumo mais conscientes e sustentáveis.
Tem-se, de um lado, que a redução de custos de produção nem sempre constitui a
forma mais eficiente para a obtenção de vantagens competitivas e, de outro, que o design
contribui para a sustentabilidade das vantagens competitivas (WHITE et al., 2003). Nesses
casos, a adaptabilidade e a força de penetração dependem de fatores ambientais, econômicos,
estruturais, legais, tecnológicos, sociais e culturais. Especificamente sobre os aspectos
culturais, Hwang (2004) e Boztepe (2007) apontam que a análise e a aplicação de traços
culturais podem, através do design, ser determinantes para a competitividade quando produtos
são lançados em mercados internacionais4.
O design, concebido como uma nova forma de se vislumbrarem experiências
(CNI, 1996), é tido como um dos principais instrumentos para a inovação e a geração de
conceitos determinantes para o sucesso de produtos globais, como aponta a Confederação
Nacional da Indústria. Além disso, segundo a mesma entidade, design, em outras palavras,
pode ser considerado um instrumento de inovação e de aumento da capacidade competitiva
nos negócios, gerando associações capazes de facilitar e melhorar o posicionamento das
atividades relacionadas às práticas mercadológicas.
É sabido que características básicas como segurança, durabilidade e qualidade podem
ser entendidas como commodities e, portanto, não constituem fatores de diferenciação. Nesse
contexto, o design passa a ser considerado uma etapa fundamental para a certificação de que o
produto a ser disponibilizado ao usuário é aquilo que ele de fato deseja
(ENGELBREKTSSON; SÖDERMAN, 2004). Tal necessidade de foco no usuário se
confirma nos estudos de White et al. (2003) e Boztepe (2007), segundo os quais o aumento da
competitividade e a abundância de produtos contribuem para que os usuários sejam mais
seletivos, imponham elevados níveis de exigência, escolham e se relacionem com os objetos
de acordo com seus desejos, necessidades e interesses.
4 Vale ressaltar que, neste estudo, será atribuída especial atenção aos fatores referentes aos aspectos culturais simbólicos
(especificamente, a como tais características podem, sobretudo na etapa do design, interferir nos processos de desenvolvimento de produtos globais).
20
1.2.2 Objetos de uso e semiótica
A semiótica pode ser entendida como uma ferramenta importante para o entendimento de
questões como a visibilidade, a criação de metáforas e a geração de identidades em artefatos
(ou, em outros termos, objetos de uso), especialmente no que tange à relação entre a forma
física e o significado. Segundo Hjelm (2002), de acordo com a corrente teórica modernista do
design, a utilização da semiótica em design visa possibilitar a melhor compreensão de como
um produto deve ser entendido e utilizado, isto é, como um produto deve comunicar
corretamente a sua função e o modo adequado para sua utilização. No entanto, o próprio
termo produto se mostra em mutação, ou seja, o objeto em si não mais pode ser isolado do
conceito que está em torno dele mesmo, dependendo este das configurações determinadas
pelo designer (BÜRDEK, 2006).
Como aponta Chandler (2007), estudos contemporâneos que envolvem semiótica têm-
se movido para longe da classificação dos sistemas de signos e vêm investigando como os
significados são criados, considerando não apenas os aspectos comunicacionais, mas também
como a própria realidade é mantida e criada. Dessa forma, estudos que lançam mão da
semiótica como lente epistemológica podem fundamentar o entendimento da realidade como
ambiente construído e dos próprios papéis dos seres humanos como criadores da realidade.
As investigações ligadas à semiótica não tem como objeto principal apenas os signos
que estão relacionados a alguma coisa na vida diária dos indivíduos, elas abordam,
concomitantemente, a cultura material dos indivíduos, o que inclui edifícios, móveis e objetos
de uso (HJELM, 2002). Usualmente, o objeto de análise da semiótica é o texto, que, por sua
vez, se refere a uma mensagem gravada, a qual independe (ao menos a princípio) do seu
receptor e é constituída por uma montagem de signos (i.e., imagens, livros, sons, gestos e
objetos), que são os elementos centrais para os estudos em semiótica e são construídos e
interpretados pelos indivíduos com base em convenções pré-estabelecidas (HJELM, 2002;
ECO, 2004, 2005a, 2005c; BARTHES, 2006; CHANDLER, 2007). Ora, se os signos são o
objeto central para os estudos em semiótica, os artefatos podem ser assumidos como
significantes da cadeia semiológica como descrito por Hjelm (2002), então os processos de
configuração de produtos podem ser entendidos como a operação de atribuição de possíveis
significados e sentidos a objetos de uso com vistas a transferir aos mesmos determinados
21
códigos estabelecidos culturalmente; ou seja, trata-se da configuração de objetos que denotam
tanto funções primeiras quanto segundas predeterminadas e que, outrossim, permitam a
possibilidade de atribuição de novas funções em ambos os níveis (DOMINGUES, 2008).
Ainda que Eco (2005a) tenha afirmado que ao profissional de design cabe a manipulação de
funções primeiras variáveis e funções segundas abertas, acredita-se que de acordo com
Domingues (2008), no âmbito desta pesquisa, também seja possível – para além do que
postula Eco (2005a) – a atribuição de funções segundas igualmente variáveis. Tal afirmação
tem base nas evidências empíricas apresentadas por Boztepe (2007), segundo as quais é
possível, por meio de pesquisa etnográfica, a criação de modelos de investigação e de análise
de categorias culturais que apoiem o desenvolvimento de produtos globais.
Desde as primeiras fases da concepção de produtos, são atribuídas aos mesmos
informações simbólicas que permitem o seu entendimento e a aferição de valores, o que, por
sua vez, geram sistemas complexos de significação. Considerando que o ser humano
dependente de sistemas de significação para existir enquanto ser humano e experimentar o
mundo, pode-se afirmar que o ato de conferir aos objetos possibilidades para o seu próprio
entendimento em contextos específicos é algo essencial (DOMINGUES, 2008). Embora o
indivíduo exista em determinado macroambiente cultural, os ruídos na decodificação dos
signos relacionados aos artefatos ocorrem em nível micro, isto é, na relação entre indivíduo e
objeto e, mesmo que determinadas atribuições de significado ocorram em nível macro, como
no caso das valorizações simbólicas com características míticas de articulação, é o indivíduo,
como intérprete, quem designa os signos e as significações aos objetos de uso. Assim, tanto
nas articulações semióticas do primeiro nível quanto nas do segundo, é na relação estrita entre
o indivíduo e o objeto (nível micro) onde se dão as articulações entre signos e significações.
Entende-se por articulação semiótica os desdobramentos informacionais oriundos da interação
entre indivíduo e objeto. A FIGURA 1 ilustra as articulações entre os signos (fx) e as
significações (fsx) em objetos de uso.
22
FIGURA 1. Modelo das articulações dos significados funcionais e simbólicos Fonte: Domingues (2008)
As atribuições de sentido e significado dependem da existência de um intérprete, isto é,
de um indivíduo que transforme o objeto em um veículo para a geração de signos. É por essa
razão que, no vértice esquerdo da primeira articulação, ou linguagem-objeto, na qual se
apresenta o objeto de uso (significante) que, enquanto significante, o mesmo ainda não tem
representatividade, ao representar algo, atribui-se um significado ao objeto. Segundo a teoria
semiótica, somente no terceiro momento (signo), resultante dos dois primeiros, é atribuído ao
objeto de uso o signo da primeira articulação, a qual, no caso dos objetos de uso, concretiza-se
em uma função5: fn.
Na primeira articulação (linguagem-objeto) são denotadas as formas de uso do produto
e conotadas suas possíveis funções – f1, f2, f3, fn –, as quais são preconcebidas e reconhecidas
pelos indivíduos. Na segunda articulação (metalinguagem) são retraídos os primeiros signos
atribuídos ao produto, e é dado lugar à forma simbólica, definida aqui como mítica. Em outros
termos, as formas simbólicas das quais os indivíduos se apropriam naturalmente, ainda que
construídas socialmente, permitem a atribuição de novas significações aos objetos. Assim,
5 Vale ressaltar que o termo função, aqui, não remete ao sentido matemático, mas sim como aspectos
funcionais (i.e., função estética e simbólica) dos objetos de uso.
23
como na articulação mítica (metalinguagem) de Barthes (1999), são conferidas aos objetos
outras funções – fs1, fs2, fsn – que correspondem a valores simbólicos institucionalizados, ou
seja, valores criados pelas próprias sociedades e aceitos pelos indivíduos como naturais.
Dessa forma, as funções primeiras dão, na meta-articulação, lugar às valorizações ou
representações sociais simbólicas, isto é, ao objeto são atribuídos valores de significação
social, e não valores funcionais, no estrito sentido da palavra. Desse modo, no nível
simbólico, o significante, signo da primeira articulação, converte-se em forma, a qual é, pela
própria característica da fala mítica, retraída, esmaecida, permitindo a atribuição de novas
conotações ao objeto.
24
1.3 Objetivos
1.3.1 Objetivo Geral
Desenvolver um modelo preliminar para análise e avaliação semântica de objetos em
seus contextos culturais de uso, com o propósito de apoiar o desenvolvimento, a
adaptação ou o posicionamento de produtos globais; e realizar um estudo piloto para
testar e avaliar o modelo preliminar em desenvolvimento.
1.3.2 Objetivos Específicos
1. Verificar a eficácia e a eficiência da seleção e forma de acesso à amostra definida
para a pesquisa.
2. Verificar a adequação das técnicas e procedimentos destinados à coleta de dados.
3. Verificar a eficácia do programa de computador Pajek quanto à sua capacidade de
apoiar a pesquisa no que tange à geração de categorias de análise relevantes.
4. Analisar os dados pesquisados e gerar inferências preliminares pertinentes à
investigação.
25
1.4 Metodologia
Para alcançar os objetivos deste trabalho, foi realizada uma pesquisa exploratória que buscou,
à luz da semiótica, mesclar a prática do design à análise sistemática de aspectos culturais
simbólicos referentes à imagem e à forma de produtos da linha branca6, neste caso, da
categoria refrigeradores. É importante sublinhar que, esta pesquisa é parte integrante de uma
pesquisa maior7 e se refere, principalmente, às etapas de revisão de literatura e de realização
do pré-teste da investigação para análise e adequação metodológica. Não obstante, percorreu
as mesmas etapas e o rigor do método científico para estudos em ciências sociais (CERVO;
BERVIAN, 2002), isto é, analisou variáveis, observou fatos e leis estabelecidas e examinou
conhecimentos prévios obtidos (MEDEIROS, 1991). Por pré-teste, pesquisa piloto, entende-se
o processo de averiguação da validade dos procedimentos de pesquisa vez elaborados. Dessa
forma, o teste-preliminar constitui na apuração dos instrumentos de pesquisa sobre uma
amostra reduzida da população a ser pesquisada, isso com o objetivo de verificar as reais
condições dos instrumentos ora propostos apresentarem resultados com o mínimo possível de
erros (MARCONI; LAKATOS, 2003).
Segundo Malhotra (2006), uma pesquisa exploratória busca maior aproximação com o
tema, o levantamento e análise de variáveis e a verificação das possíveis relações entre
mesmas. Com base no mesmo autor, o presente estudo pode ser caracterizado, ainda, como
uma pesquisa qualitativa, o que permite seu desenvolvimento através de uma abordagem
metodológica de cunho, além de exploratório, não-estruturado. Em tal abordagem
metodológica, as amostras podem ser reduzidas e não-estatísticas e, ainda assim, permitem o
alcance de percepções e a compreensão qualitativa das razões e motivações subjacentes ao
contexto do objeto. Além disso, pesquisas qualitativas favorecem o entendimento de questões
importantes relacionadas ao objeto estudado e revelam áreas de consenso tanto positiva
quanto negativamente a partir das respostas obtidas. As investigações qualitativas, por sua
flexibilidade e diversidade, não aceitam as regras exatas aplicáveis a um grande número de
6 Por linha branca entende-se a categoria de bens de consumo composta por produtos como refrigeradores,
freezers verticais e horizontais, condicionadores de ar, lavadoras de louças, lavadoras de roupas, secadoras, fornos de micro-ondas e fogões. Como características principais dessa categoria de produtos, podem ser citadas a elevada demanda reprimida, a forte influência da expansão do nível de renda e de políticas governamentais e concentração da oferta em poucos fabricantes (BNDES, s.d.).
7 Projeto de pesquisa FAPEMIG / Whirlpool Latin America: processo número TEC-APQ-00997-10.
26
casos, o que não as isenta do rigor científico. Essas pesquisas diferem quanto ao grau de
estruturação prévia, ou seja, quanto aos aspectos que podem ser definidos já no projeto
(ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2001). Segundo os mesmos autores, uma
característica que marca as pesquisas qualitativas é a presença da multimetodologia, isto é, a
utilização de uma grande variedade de procedimentos e instrumentos de coleta de dados.
Nesse sentido, é possível considerar que, dentre outras técnicas para coleta de dados, a
observação direta não-participante e a entrevista em profundidade são as mais utilizadas, mas
podem ser complementadas por outras técnicas provenientes de diversas áreas do
conhecimento. Este tipo de pesquisa apresenta foco na interpretação, enfatiza a subjetividade,
é flexível no modo de condução de seus processos e dá especial atenção ao contexto do objeto
em estudo (CASSELL; SYMON, 1994).
Dito isso, como instrumentos para coleta de dados, recorreu-se a métodos da pesquisa
etnográfica como a observação direta não-participante e participante, os registros fotográficos
e as entrevistas em profundidade, nessa ordem. Tanto as observações diretas não-participante
e participante quanto os registros fotográficos se justificam pelo fato de possibilitarem a
retenção de comportamentos não verbalizados ou verbalizáveis e de imagens que podem
fornecer subsídios para que o pesquisador possa gerar questões pertinentes aos objetivos
propostos para esta pesquisa (ver item 1.3). Quanto às entrevistas em profundidade, elas têm a
finalidade de aprofundar, confirmar e proporcionar o aumento do nível de detalhe nas
possíveis inferências a serem realizadas com base nos dados da pesquisa.
Como afirmado, a observação direta não-participante se justifica pelo fato de
possibilitar o registro de comportamentos. Durante a observação direta não-participante o
pesquisador esteve fisicamente presente, mas não participou das atividades, atuando apenas
como observador presenciando os fatos (MARCONI; LAKATOS, 2003). Nessa condição,
apenas registrou os fatos na medida em que eles aconteceram, não interferindo, assim, no
meio observado. Ademais, como participante externo, o observador tem uma visão mais
objetiva e crítica sobre o ambiente. Como limitação, a percepção do observador pode diminuir
quando os fatos ocorrem rapidamente (COOPER; SCHINDLER, 2003; FLICK, 2004; HAIR
et al., 2005). É mister destacar que tal limitação não acarretou problemas a esta fase da
pesquisa devido aos seus propósitos de análise do próprio método de coleta de dados ora em
etapa de desenvolvimento e confirmação (pré-teste). A observação participante possui por
27
característica a integração real do pesquisador à comunidade ou grupo pesquisado e, dessa
forma, participa de suas atividades cotidianas (MARCONI; LAKATOS, 2003).
Quanto às entrevistas em profundidade, as mesmas são caracterizadas por serem
diretas e permitirem a obtenção de informações referentes a temas específicos e subjacentes
relacionados ao entrevistado e ao seu contexto (MALHOTRA, 2006). As entrevistas podem
ser entendidas como uma técnica a ser utilizada para a compreensão das informações e
opiniões dos indivíduos pesquisados. A utilização de entrevistas com os usuários buscou, por
meio da análise das práticas discursivas, viabilizar a interpretação dos sentidos atribuídos ao
objeto [refrigeradores8] em uso e, ainda, no entendimento da relação estabelecida entre
usuários e tal produto em seu contexto específico. A adequação das entrevistas a esta pesquisa
relaciona-se à alta flexibilidade do método, à possibilidade de ser utilizada em diversos
lugares e à capacidade de gerar dados consistentes (CASSELL; SYMON, 1994). Assim, a
realização de entrevistas possibilitou que pesquisadores e pesquisados interagissem e que
ambos fossem flexíveis tanto em suas perguntas quanto em suas respostas. Esse tipo de
entrevista ofereceu a possibilidade de serem levantadas informações não apenas através das
questões feitas aos entrevistados, mas também através de palavras, frases, imagens ou temas
relacionados ao objeto pesquisado. Vale ressaltar que, especificamente, o tipo de entrevista
utilizado foi o roteiro semi-estruturado por ser menos rígido e apresentar questões
previamente estabelecidas que norteassem o processo de pesquisa.
Com relação à amostragem, com base em Marconi & Lakatos (2003) e por se tratar de,
neste caso, uma pesquisa piloto, a amostra9 não-probabilística deste estudo foi fixada em 10%
da amostra da pesquisa definitiva (60 indivíduos); ou seja, 6 (seis) indivíduos. Ao se definir a
amostra por não probabilística, assumiu-se que a técnica de amostragem não fizesse uso de
8 Categoria de produtos definida em reunião com a coordenação acadêmica do projeto, Professor Dijon De
Moraes, em 12/08/2010 e confirmada junto à coordenação de design avançado da Whirlpool Latin America, Jorge Antônio Pietruza – Gerente da área –, em visita no período de 30/03/2011 a 01/04/2011.
9 De acordo com o parecer da banca de qualificação do projeto em 25/11/2010 e em reunião junto à coordenação da Whirlpool Latin América, Jorge Antônio Pietruza – Gerente de Design Avançado –, em visita à empresa no período de 30/03/2011 a 01/04/2011, foi estabelecido que, como um dos critérios de seleção da amostra, sejam pesquisados indivíduos pertencentes à classe C. Com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), ambas realizadas regularmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por Classe C entende-se a camada social composta por indivíduos cuja renda domiciliar esteja entre R$ 1.530,00 a R$ 5.100,00. Por renda domiciliar (rendimento mensal domiciliar) entende-se "a soma dos rendimentos mensais dos moradores do domicílio, excluindo pensionista, empregado doméstico ou parente do empregado doméstico” (IBGE, 2004, p. 391).
28
seleção aleatória, isto é, foram considerados, ao menos em parte, os critérios de julgamento
prévio e pessoal da equipe de pesquisa ou do pesquisador no campo (MATTAR, 2005). Dessa
forma, neste estudo, para acesso e adequação da amostra aos interesses da pesquisa, foi
utilizada a técnica de amostragem bola de neve. Na técnica de amostragem bola de neve é
escolhido um grupo aleatório de indivíduos a serem pesquisados. Após ser dado início à
coleta de dados, pede-se aos pesquisados que indiquem outros indivíduos que pertençam à
população-alvo de interesse e assim sucessivamente. Por conseguinte, com base em
referências, acreditou-se que os indivíduos indicados tivessem características demográficas e
psicográficas semelhantes, o que não ocorreria se os mesmos fossem selecionados ao acaso
(MALHOTRA, 2006). Ainda segundo o mesmo autor, as principais vantagens da amostragem
bola de neve estão relacionadas à acurácia da amostra selecionada, o que eleva a possibilidade
de localização de características desejadas na população-alvo e os custos relativamente baixos
quanto à técnica utilizada para acesso à amostra.
No que tange à análise semiótica e ao tratamento dos dados, foi utilizado o programa
livre de computador Pajek (versão 1.18). O Pajek, de origem eslovena, é gratuito e seu
manual – Exploraty Social Network Analysis with Pajek – foi gerado e disponibilizado pela
Cambridge University Press. Projetado para análises estruturais exploratórias em ciências
sociais é recorrentemente utilizado para a construção de modelos para visualização e análise
de grandes redes como: redes sociais, redes moleculares em estruturas químicas, redes de
internet entre outras. Para esta pesquisa o Pajek foi utilizado com o objetivo específico de
visualização das articulações simbólicas e suas possíveis conexões, isso para a análise dos
significados da imagem/forma de produtos em uso e em seus contextos. É importante destacar
que tal análise, dentro de suas premissas básicas visa fomentar práticas sustentáveis, vez que
pode gerar economia de recursos, insumos e tempo nos próprios processos de design e
produtivos. Assim, esperou-se gerar um suporte teórico-metodológico à pesquisa que
permitisse a análise dos dados de modo a viabilizar a devida interpretação das informações
coletadas na ocasião da pesquisa de campo definitiva a ser realizada de acordo com o
cronograma estabelecido na proposta integral da investigação10.
10 Projeto de pesquisa FAPEMIG / Whirlpool Latin America: processo número TEC-APQ-00997-10.
29
Quanto ao tratamento dos dados coletados nesse estudo, os mesmos serão analisados
por meio da técnica de triangulação e da análise das práticas discursivas.
A Triangulação pode ser entendida como um método, ou conceito, central para a
integração metodológica e não constitui apenas uma das formas para combinação de vários
métodos qualitativos entre si (FLICK, 2005a; 2005b), mas também pode ser considerada
como uma forma de elevar a significância e a confiabilidade dos dados coletados em
determinada pesquisa. O método de triangulação pode ser classificado em quatro tipos: (i)
triangulação de dados, que se destina ao uso de diferentes fontes de dados; (ii) triangulação
pelo número de investigadores, onde há o emprego de diferentes observadores ou
entrevistadores; (iii) triangulação baseada na teoria que se estabelece a partir da hipótese de
múltiplos pontos de vista teóricos; e, (iv) triangulação metodológica, na qual são combinados
diferentes métodos e instrumentos de pesquisa (FLICK, 2004). É importante destacar aqui
que, para este estudo, optou-se pela quarta classificação. Isto é, para que a triangulação dos
dados neste estudo fosse possível, foi necessário que, como proposto – observação direta não-
participante e participante, registros fotográficos e as entrevistas em profundidade –, os dados
fossem provenientes de diversos instrumentos de coleta e que eles fossem analisados em
conjunto e de maneira integrada (POZZEBON; FREITAS, 1998). Nos dizeres de Flick (2004,
p. 274), “nesse caso, as diferentes perspectivas metodológicas complementam-se no estudo do
assunto, um processo que é entendido como a compensação complementar das deficiências e
dos pontos obscuros de cada método isoladamente”. Dessa forma, foi esperado que o método
de triangulação permitisse a obtenção de dados sem que prevalecesse a superioridade
metodológica de uma técnica em relação à outra.
Quanto à análise das práticas discursivas, em acordo com Spink (2004), ela partiu do
pressuposto que não existe cisão entre o sujeito e o objeto da pesquisa e trata-se de uma
abordagem científica que se atém à compreensão dos sentidos atribuídos pelos indivíduos aos
seus contextos específicos, neste caso aos objetos de uso.
A última fase – tratamento dos resultados obtidos e interpretação dos mesmos –
consistiu em processar os dados brutos de modo a torná-los significativos e válidos. Obtidos
os resultados, baseado em Bardin (1977), foi possível a proposição de inferências
correlacionadas aos objetivos deste trabalho, ou acerca de descobertas não esperadas.
30
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 DESIGN
Esta seção visa apresentar a evolução conceitual do design, sua importância tanto em relação
aos processos de desenvolvimento de produtos globais quanto ao seu uso e sua prática no
sentido de transpor aspectos relacionados aos usuários a tal processo. Isso com objetivo de
entrelaçar as relações existentes entre o próprio conceito de design, o processo de
desenvolvimento de novos produtos e de produtos globais, bem como a prática do design
sustentável de produtos, sua orientação aos usuários e para o mercado internacional. Além
disso, ao final, apresenta modelos culturais relacionados a produtos globais.
2.1.1 Design e sua evolução conceitual
O termo design pode ser entendido como um processo criativo, inovador e provedor de
soluções a problemas que é de importância fundamental não apenas para as esferas produtiva,
tecnológica e econômica, mas também para as dimensões cultural, ambiental e social (CNI,
1996).
No século XX, Siegfried Giedeon descreveu a introdução do designer industrial: “ele
formava a carcaça, cuidava do desaparecimento dos mecanismos (da máquina de lavar) e dava
a tudo formas aerodinâmicas como as de um trem ou automóvel” (BÜRDEK, 2006, p. 15).
Desenvolveu-se, assim, nos Estados Unidos, o formalismo, styling, ou seja, a separação
explícita entre o trabalho técnico e a configuração de produto e de novos materiais.
As discussões mais intensas sobre a conceituação do termo design se deram na antiga
República Democrática Alemã, onde o termo era compreendido como parte da política social,
econômica e cultural. Foi também na mesma região onde Horst Oelke chamou a atenção para
o fato de que a configuração formal deveria também se voltar para a vida social ou individual,
e não apenas para os aspectos sensoriais e perceptivos dos objetos.
Em 1979, foi elaborada pelo Internationales Design Zentrum (Centro Internacional de
Design) de Berlim a seguinte descrição, que destaca, dentre outros, os aspectos funcionais e
ecológicos do design:
31
O bom design não se limita a uma técnica de empacotamento. Ele precisa expressar as particularidades de cada produto por meio de uma configuração própria; ele deve tornar visível a função do produto, seu manejo, para ensejar uma clara leitura do usuário; deve tornar transparente o estado mais atual do desenvolvimento da técnica; não deve se ater apenas ao produto em si, mas deve responder a questões de meio ambiente, de economia de energia, de reutilização, de duração e de ergonomia; deve fazer da relação do homem e do objeto o ponto de partida da configuração, especialmente nos aspectos da medicina do trabalho e da percepção. (BÜRDEK, 2006, p. 15)
Na mesma direção, Michael Erlhoff deixa registrada sua definição: “O design, que –
diferentemente da arte – precisa de fundamentação prática, acha-se principalmente em quatro
afirmações: como ser social, funcional, significativo e objetivo” (BÜRDEK, 2006, p. 16).
A despeito da diversidade de conceitos, tem-se atualmente que o design é uma
atividade crucial no processo de inovação, pois se refere ao campo da criatividade no qual as
ideias são geradas e no qual é realizada a união entre as possibilidades técnicas e as
exigências/oportunidades de mercado e entre a produção e o consumo. Mesmo a mais
inusitada invenção precisa ser materializada em uma forma utilizável, e isso se dá através do
processo de design (CNI, 1996).
As vastas e dinâmicas dimensões das funções e atributos do design são responsáveis
pelas diferentes perspectivas encontradas tanto dentro quanto fora das empresas. Dentre essas
dimensões, destacam-se: a criatividade; a capacidade de resolução de problemas; a criação de
novos estilos; a diminuição de custos de produção; a melhoria da qualidade, desempenho,
funcionalidade, segurança e facilidade de uso e descarte de produtos; a diferenciação, o
aumento da atratividade estética e a agregação de valor aos produtos; o aumento da
produtividade, lucratividade e competitividade; e, ainda, a melhoria da imagem dos bens e
serviços, assim como das empresas e países responsáveis por sua produção (CICs, 2005).
A convergência das funções e atributos supracitados ao processo de design demanda
conhecimentos que vão desde a etapa de concepção, desenvolvimento, produção e marketing
de um novo produto até o descarte do mesmo. Adicionalmente, ao se analisar um determinado
produto, pode-se notar que a diferença do design não está só em sua forma de apresentação e
utilização, mas também na embalagem, no manual de uso, nos impressos e materiais
promocionais, na forma de venda do produto, na marca e na logomarca (CICs, 2005). Desse
32
modo, enquanto prática, o design permeia todo o processo de desenvolvimento de novos
produtos.
2.1.2 Design e processo de desenvolvimento de novos produtos
Estudos têm demonstrado que as atividades de design podem ser determinantes no
desempenho corporativo e nos processos de inovação, além disso, demonstram que as
atividades de design e de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) dificilmente podem ser
realizadas isoladamente (WALSH, 1996; ROY; RIEDEL, 1997; WHITE et al., 2003,
BOZTEPE, 2007). Portanto, faz-se necessária a maior atribuição de importância aos
processos de Desenvolvimento de Novos Produtos (DNP).
O processo de DNP tem sido descrito como uma difícil integração entre dois
segmentos: o técnico e o comercial. Durante o processo de DNP, há interação de um número
enorme de disciplinas, como P&D, engenharia, design industrial, pesquisa de marketing e
produção. Em geral, atividades como P&D, engenharia e produção estão associadas
primeiramente a questões técnicas de produtos, enquanto outras, como design industrial e
marketing, estão focadas, com base nas necessidades dos usuários, na transferência de funções
tecnológicas a um produto utilizável (VERYZER; BORJA DE MOZOTA, 2005).
A identificação e implementação das necessidades de consumidores nos estágios
iniciais de desenvolvimento de produtos são questões significativas para o processo de DNP
(WHITE et al., 2003; ENGELBREKTSSON; SÖDERMAN, 2004). Nesse contexto, dois
fatores merecem destaque: a utilização de métodos para identificação das necessidades dos
usuários e a utilização de representações do produto para embasar a comunicação com os
usuários nos processos iniciais do desenvolvimento de produtos (WHITE et al., 2003;
ENGELBREKTSSON; SÖDERMAN, 2004). De modo semelhante, o lançamento de
produtos no mercado global passa pelo mesmo processo em estágio mais avançado: o produto
deve ser reavaliado de acordo com as necessidades do mercado para que decisões referentes
ao processo de DNP possam ser tomadas. De acordo com Engelbrektsson & Söderman
(2004), há um consenso de que as necessidades dos usuários são importantes no
desenvolvimento de produtos; porém, os diferentes métodos para tal empreendimento apenas
descrevem vagamente como eleger suas necessidades (WHITE et al., 2003;
ENGELBREKTSSON; SÖDERMAN, 2004; BOZTEPE, 2007). Com a proeminência do
33
design como um fator determinante para o posicionamento, diferenciação e aumento do valor
de marcas, a prática do design tem ganhado importância no processo de DNP em empresas
líderes.
Com base em um estudo na Inglaterra, White et al. (2003), afirmam que inúmeras
empresas não conseguem sobreviver comercializando seus produtos apenas em seus países de
origem e, portanto, vêm utilizando o design para desenvolver produtos capazes de competir
em mercados externos. As empresas estão integrando e combinando novas capacidades a
forças já existentes no design industrial tradicional, estão associando o design aos diferentes
níveis de processos, isto é, às atividades de marketing, branding e desenho industrial. Tal
comportamento visa, principalmente, a ampliação da capacidade de migração das empresas.
Dentre as novas atividades, estão inclusos mecanismos de obtenção de retorno dos usuários,
websites interativos, uso de redes sociais da Internet e atividades diretas e intensivas de
branding e marketing. O Quadro 1 provê uma lista resumida das novas atividades que as
firmas têm adotado para se tornarem competitivas, principalmente, no mercado global.
34
ATIVIDADE DESCRIÇÃO Branding - Venda direta de produtos de marca própria.
- Desenvolvimento da própria marca. - Elevação da importância da marca.
Marketing Websites interativos
- Elevação de informações em mercado exportadores.
- Negociação direta com os consumidores. - Utilização de websites para promover e
gerenciar as vendas. Obtenção de retroalimentação de consumidores e empregados
- Consideração de ideias de design de qualquer indivíduo dentro da empresa.
- Estabelecimento de diferentes exigências. - Implementação de variações internacionais. - Contatos informais com fornecedores e
consumidores importantes. Integração do design com as vendas - Criação de design coerente e estratégia de
branding. - Integração do design como processo de
produção. - Elaboração do design e dos produtos pela
própria firma. Customização dos produtos - Customização de softwares e documentação.
- Diferenciação de produtos. - Customização dos produtos em acordo com
exigências particulares de compradores. - Customização de produtos para mercados
específicos. Trabalho em equipe - Equipe forte para design e desenvolvimento.
- Equipe de design. - Equipe para o desenvolvimento de novos
produtos. - Equipes multidisciplinares trabalhando com o
departamento de P&D. Administração de colaboradores externos (Terceirização)
- Trabalho com empresas especializadas em design.
- Trabalho com empresas internacionais. - Adequação da qualidade às exigências dos
mercados. - Estabelecimento de alianças com outras
empresas. - Importação de partes de produtos.
QUADRO 1 – Ampliação das atividades associadas ao design Fonte: adaptado de White et al. (2003).
35
Segundo White et al. (2003), principalmente as atividades centradas na coleta de
respostas dos usuários têm contribuído de forma substancial para o processo de aprendizado
das empresas, especialmente no que tange ao design, permitindo que as mesmas possam
melhorar seus produtos e implementar customizações futuras. A FIGURA 2 mostra, o
posicionamento das atividades centrais e das atividades complementares que contribuem para
o processo de design.
FIGURA 2. Capacidade de migração: novas atividades de design Fonte: adaptado de White et al. (2003).
Ao redor do núcleo de atividades tradicionais das firmas estão as complementares; no
entanto, as fronteiras entre ambas não estão delimitadas. O processo de desenvolvimento de
tais atividades pode ser visto de forma não linear, como um ciclo: ao desenvolver um novo
conjunto de atividades, uma empresa amplia suas capacidades. Muitas dessas atividades estão
inter-relacionadas, cumprindo destacar que essa integração exerce um papel fundamental na
criação de vantagem competitiva e na aprendizagem organizacional (WHITE et al., 2003).
Com relação aos processos de DNP, Hwang (2004) afirma que o aprendizado
constante é a chave para a inovação. A abertura para testes e experimentações pode garantir a
36
forma mais apropriada para a adequação do processo de DNP. O autor ressalta a importância
da existência de um desenho apropriado para a estrutura organizacional junto aos processos de
inovação, de processos e de recursos humanos voltados para a pesquisa.
Desta forma, constata-se que há discussões acerca do processo de desenvolvimento de
produto como um todo e há relatos referentes à necessidade de estudos aprofundados em
certas etapas do processo, como na etapa do design, visando construir um modelo
internacional formalizado que introduza uma base inovadora para análise das variáveis
globais para fins de desenvolvimento e lançamento de novos produtos (RONKAINEN, 1983).
Consoante Yorio (1983), novos produtos deveriam ser desenvolvidos para servir,
simultaneamente, mercados domésticos e internacionais. No entanto, essa observação
contrapõe-se às colocações de outros autores como Davidson & Harrigan (1977), os quais
afirmam que produtos a serem internacionalizados devem sofrer apenas pequenas alterações e
que seu desenvolvimento normalmente parte apenas de análises de mercados domésticos.
Há relatos de altos executivos, encarregados de produtos internacionais, sobre a
negligência das corporações no que diz respeito à necessidade de adaptação de produtos
voltados para o mercado externo (RONKAINEN, 1983), embora atualmente se possam notar
mudanças nesse quadro em indústrias de alimentos, laboratoriais e têxteis, dentre outras.
Como justificativas para tal comportamento seriam: (i) a crença dos gerentes de produto na
impossibilidade de se considerarem os frequentes conflitos e as necessidades dos vários
mercados onde determinados produtos estão inseridos (RONKAINEN, 1983); e (ii) a
considerável atenção dos profissionais de marketing a aspectos como funcionamento do
produto, preço, distribuição, vendas e propaganda, negligenciando-se o contexto onde o
mesmo está inserido, os diversos aspectos informacionais e até mesmo identidade visual das
corporações (KOTLER; RATH, 1984; BOZTEPE, 2007). No mesmo sentido, Siegal (1982)
ressalta que as indústrias têm sido dirigidas por administradores, cujo aprendizado nas escolas
de negócios tem sido voltado aos números, à minimização de riscos e ao uso de planos
fragmentados; enfim, são profissionais cujo trabalho é dirigido para ganhos em curto prazo, e
não para o desenvolvimento de projetos visando a médios e longos prazos.
37
2.1.3 Design e produtos globais
Empresas, quando desenvolvem produtos a serem utilizados em mercados internacionais,
têm-se deparado com problemas complexos. Nesse contexto, McCracken (1988) atribui ao
design a responsabilidade de adequar produtos às esferas de uso e produção e até mesmo o
sucesso ou não de empresas em ambientes internacionais (LORENZ, 1986 apud BOZTEPE,
2007). Contudo, ainda que o uso do design seja reconhecido como fator-chave para o sucesso
em negócios globais (KOTLER; RATH, 1984; WHITE et al., 2003; DAVIS et al., 2004), no
próprio âmbito da disciplina poucas pesquisas têm sido realizadas para entendimento e
utilização do design no desenvolvimento de produtos globais e, quando realizadas, as
pesquisas tratam de modelos conceituais ou apenas de casos de empresas isoladas
(BOZTEPE, 2007).
Portanto, há um amplo debate sobre produtos de empresas que competem em âmbito
internacional. De acordo com Calantone et al. (2004) e White et al. (2003), tal questão vem
sendo discutida nas últimas décadas, sendo os debates marcados por duas estratégias de
marketing internacional divergentes: a padronização e a adaptação. A primeira, baseada na
comercialização do mesmo produto em todos os mercados, tem como vantagem baixos custos
e provém de economias de escala que se destinam a desenvolver, produzir e distribuir
produtos idênticos em diversos países. No entanto, pode ser indesejável oferecer o mesmo
produto em localidades que se diferenciam em termos de ambiente legal, canais de
distribuição, topografia, clima, níveis de desenvolvimento tecnológico e de mercado, bem
como fatores de competitividade e culturais. Assumindo-se que consumidores pertencentes a
culturas distintas podem ter necessidades diferentes, a estandardização pode não satisfazer aos
usuários em um novo mercado. Nesse caso, realiza-se a adaptação, isto é, o estabelecimento
do nível de diferenciação que os atributos físicos do produto e sua embalagem devem ter em
mercados distintos (CALANTONE et al., 2004). Ainda que a adaptação de produtos para
mercados distintos possa elevar os custos de desenvolvimento e produção, produtos adaptados
podem atender melhor às necessidades dos usuários e aumentar as margens de lucro.
Na literatura, nota-se um aprimoramento nas estratégias de posicionamento e nas
formas de se enxergarem mercados potenciais e suas características (CALANTONE et al.,
2004). Toda essa discussão sobre o tema culmina na necessidade de aprofundamento em
determinados aspectos do processo de desenvolvimento de produtos, especialmente no de
38
design (no qual é factível a aplicação de estratégias com foco no usuário). Calantone et al.
(2004) e Boztepe (2007), ao tratarem de assuntos como modificações em propaganda e
comunicação de mercado, observam que empresas que competem em ambientes
internacionais podem decidir por realizar pouca ou nenhuma adaptação tanto física e/ou
tangível em seus produtos. Não obstante, considerando os avanços recentes em tecnologia que
vêm possibilitando a produção de pequenas quantidades de maneira eficiente, Cantalone et al.
(2004) reiteram que os administradores deveriam avaliar cuidadosamente as diferenças entre
os usuários, desenvolvendo apropriadamente design, quantidade, componentes e outras
características de seus produtos.
Ao expandirem seus mercados, as empresas tendem a exportar seus produtos para
países com culturas e condições econômicas similares (DAVIDSON; HARRIGAN, 1977) e,
nesse sentido, as determinantes identificadas para o DNP tem sido as proficiências em
marketing e a diferenciação dos próprios produtos (COOPER, 1979). Maidique & Zirger
(1984) separam a coordenação, o planejamento eficiente, a sinergia entre o marketing e a
tecnologia no DNP e, ainda, a interação do usuário como facilitadores do sucesso entre
públicos-alvo análogos. Cooper & Kleinschmidt (1995) destacam a importância de
investimentos em processos de P&D e do direcionamento de novos produtos a mercados
similares. Darling & Postnikoff (1985) sublinham que tamanho e composição do mercado,
níveis de competitividade, embalagem, promoção, canais de distribuição, características
culturais, ambientes sociais e políticos são fatores que devem ser analisados para a maioria
dos produtos. Hwang (2004) apresenta, no caso do mercado de cosméticos local sul-coreano,
inundado por produtos internacionais, a importância da análise de mercado e da cultura local
para associação de conceitos e enseja, ainda, a ênfase no design como diferencial para o
lançamento de produtos de fato competitivos e adequados.
Ao serem relacionados os estudos de Davidson & Harrison (1977) e Hwang (2004),
percebe-se uma mudança na estruturação dos mercados e na forma de as empresas se
posicionarem bem como seus próprios produtos, vez que o segundo trabalho, mais recente,
descreve uma situação oposta à do primeiro. No caso de Hwang (2004), os cosméticos devem
competir com produtos provenientes de culturas não similares, o que comprova a competição
entre produtos globais e a necessidade de consideração de aspectos culturais locais, ou seja,
mercados locais competem em nível global dentro de seu próprio contexto.
39
Ainda assim, a questão da utilização do design vem sendo debatida apenas como um
subitem dentro da corrente clássica do mix de marketing (BUZZELL, 1968; QUELCH;
HOFF, 1986), haja vista que as pesquisas acerca de adaptação e padronização de produtos
vêm sendo orientadas, ainda hoje, pela óptica da propaganda e da administração tradicional
(BOZTEPE, 2007). Quando realizadas, as decisões sobre adaptar ou não produtos de
empresas globais normalmente são realizadas pelos próprios designers, que o fazem de forma
intuitiva ou através da reação a uma abordagem de marketing, isto é, as adaptações ocorrem
em momentos nos quais emergem as necessidades, e não em antecipação a elas
(APPLBAUM, 2000; VERYZER; BORJA DE MOZOTA, 2005).
Estudos apontam que as adaptações, quando realizadas antecipadamente, referem-se a
aspectos regulatórios governamentais e industriais (PORTER, 1986), o que torna a natureza
do produto mais bem entendida e mais rapidamente absorvida pelos mercados. Entretanto, os
casos de falha nos negócios apontam que a orientação para o consumidor na adaptação de
produtos é mais que opcional, é necessária (BOZTEPE, 2007). Como exemplo, a “a
Whirlpool, para sobreviver no mercado indiano, adaptou a sua Lavadora Mundial, uma
lavadora padrão planejada para países em desenvolvimento, com o objetivo de não embolar os
saris de 5,58 m usados pelas mulheres indianas”11 (BOZTEPE, 2007, p. 514). Portanto, o
design orientado para os usuários é necessário para integrar produtos a mercados locais de
forma a não causar ruídos e introduzir, por vezes, novas formas de realização de tarefas
referentes ao uso dos objetos. Todavia, compete ressaltar que, embora reconhecida, a
utilização da adaptação de produtos orientada aos usuários não tem sido considerada
prioridade para as pesquisas em design (BOZTEPE, 2007).
Em suma, o design orientado para o consumidor, associado a aspectos culturais locais,
foi identificado como um dos instrumentos determinantes para o posicionamento adequado de
produtos, garantindo diferenciação e competitividade.
11 Tradução do autor para: “Whirlpool’s World Washer, a standard washing machine intended for developing
countries, had to be modified in order not to tangle the 18-foot saris worn by Indian women to survive in this market”.
40
2.1.4 Design orientado para ao usuário
O reconhecimento do design orientado para os consumidores tem crescido tanto no campo de
pesquisas em design quanto no dos negócios, devido ao fato de o mesmo proporcionar
experiências superiores e maior valor para os usuários (KOTLER; RATH, 1984; BOZTEPE,
2007). Kim & Mauborgne (2005) afirmam que o foco na mudança dos valores dos usuários e
a consequente criação de novos nichos ou novos mercados podem tornar a competitividade
irrelevante. Além disso, estudos empíricos na área de posicionamento de produtos apontam
que a orientação para o usuário em mercados internacionais provê melhores resultados no que
se refere ao alcance dos objetivos, vendas e rentabilidade (CAVUSGIL; ZOU, 1994;
CANTALONE et al., 2004). Entretanto, continuam inexploradas as questões referentes a que
fatores devem ser integrados (e de que forma e em que momento) ao processo de design com
o objetivo de agregar valor aos usuários (BOZTEPE, 2007).
A orientação do design para os usuários consiste no profundo entendimento e na
materialização de suas necessidades, transformando quantidades significativas de tecnologia e
informação em algo tangível com a habilidade de prover funcionalidades mais acuradas a um
produto, o que viabiliza aos usuários maior interação com esse produto e obtenção dos
benefícios a ele inerentes. Ainda que haja tamanha significação e reconhecimento para o
design orientado para o consumidor, sua relação com os processos de DNP permanece em
estágio inicial de aplicação (VERYZER; BORJA DE MOZOTA, 2005). O design oferece um
grande potencial para posicionamento e diferenciação de produtos e pode atuar como
determinante do sucesso de um bem. Um dos objetivos do design é criar altos níveis de
satisfação no consumidor e elevar os ganhos em empreendimentos a partir da união do mix de
design: desempenho, qualidade, durabilidade, aparência e custos. Através do design, usuários
formam a imagem do valor agregado ao produto, o que eleva o valor pago pelo bem
(KOTLER; RATH, 1984).
A possibilidade de diferenciação e melhor posicionamento de produtos oferecidos pelo
design industrial, associado ao aumento da complexidade de produtos e do esteticismo atual,
tem feito com que o design se torne um instrumento relevante no processo de DNP
(VERYZER; BORJA DE MOZOTA, 2005). Assim, estudiosos do marketing têm proclamado
o design como fator limite para o incremento da competitividade empresarial (KOTLER,
2003). Mesmo com o reconhecimento do design como uma importante variável estratégica,
41
poucos avanços têm sido obtidos no sentido de ampliar o entendimento do DNP em relação ao
potencial do design como variável de marketing.
São complexas as relações entre design, marketing e outras disciplinas envolvidas no
processo de DNP, e a integração desses fatores é fundamental para o sucesso ou o fracasso de
um produto em última instância. Normalmente, as perspectivas dos consumidores, quando
aplicadas no DNP, são provenientes das disciplinas do marketing e do design industrial, não
sendo a última explorada de forma exclusiva (VERYZER; BORJA DE MOZOTA, 2005).
Embora as relações entre o design orientado para o consumidor e a sua contribuição
para os processos de DNP ainda não sejam consistentes, há traços de emprego intuitivo do
design na prática (VERYZER; BORJA DE MOZOTA, 2005; BOZTEPE, 2007). Devido à
ausência de pesquisas formais sobre a interação e a forma como o design orientado para o
consumidor é difundido entre as disciplinas de marketing e design industrial, tem crescido a
importância de estudos sobre o design como fator crítico e estratégico no processo de decisão
do usuário (VERYZER; BORJA DE MOZOTA, 2005), especialmente quando o assunto em
questão é o mercado internacional.
2.1.5 Mercado internacional e design sustentável
Por design sustentável entende-se a exploração da prática do design visando ao
aprimoramento de atributos funcionais, estéticos, tecnológicos e de qualidade do produto, o
que, em última instância, implica o aumento do desempenho mercadológico e da velocidade
de resposta em contextos específicos. Indústrias e inovadores vêm cada vez mais buscando os
benefícios da utilização do design sustentável, que abrangem a influência nas preferências do
usuário, no estabelecimento de marcas globais, na antecipação do surgimento de novos
segmentos, na ampliação dos conhecimentos atuais e na melhoria do desempenho nas
empresas (KOTABE; HELSEN, 2003).
Swan, Kotabe e Allred (2005) expõem a influência da implementação consistente do
design sustentável em ambientes incertos e apontam as variáveis da aplicação do design em
resposta às rápidas mudanças tecnológicas e à incapacidade de previsão das alterações
relacionadas aos mercados. Em outras palavras, associando as necessidades dos usuários às
dinâmicas competitivas, o design sustentável é capaz de prever as possíveis variações a serem
42
aplicadas em produtos através de mercados distintos, o que pode ser considerado um fator
relevante para a manutenção e sustentabilidade de produtos globais.
A proposta fundamental do estudo realizado por Swan, Kotabe e Allred (2005) foi
relacionar as quatro capacidades do design sustentável – funcional, estética, tecnológica e
qualidade – com o desempenho das empresas em ambientes incertos (FIGURA 3), que são
moderados pelas preferências dos usuários, pelas necessidades relacionadas aos produtos e
pelos padrões tecnológicos.
FIGURA 3. Capacidades sustentáveis do design e a incerteza ambiental Fonte: adaptado de Swan, Kotabe e Allred (2005, p. 148).
Por definição, segundo Swan, Kotabe e Allred (2005). as quatro capacidades do design
sustentável são: (i) capacidade de expansão funcional sustentável do produto, que consiste no
desenvolvimento de produtos com tecnologias similares, possibilitando versatilidade ou
adaptabilidade que permitam o desenvolvimento de uma família de bens aplicáveis ou
facilmente adaptáveis aos mercados domésticos e internacionais; (ii) capacidade estética
funcional do produto, que torna o bem visualmente atraente em ambientes locais e externos;
(iii) capacidade tecnológica sustentável do produto, definida pela utilização de uma base
tecnológica e de materiais que satisfaçam as exigências técnicas e dos usuários para as
gerações presente e futura do objeto; e (iv) qualidade sustentável do produto, que garante a
43
eliminação de desvios das características e dos conceitos preestabelecidos em múltiplos
contextos, ou seja, a tentativa de eliminação dos possíveis ruídos presentes no objeto.
As contribuições do estudo de Swan, Kotabe e Allred (2005) são significativas no que
diz respeito ao processo de DNP e às estratégias de marketing. Em primeiro lugar, dá-se início
ao delineamento de um modelo sobre os determinantes das capacidades do design. Essas
capacidades podem auxiliar nos processos decisórios, equilibrando as duas correntes citadas
anteriormente, estandardização e adaptação12, para uma melhor adequação de produtos às
necessidades de segmentos menores, às características ambientais e às mudanças
tecnológicas. Em segundo lugar, esse modelo dá suporte para o entendimento gerencial de
insucessos, de altos custos de desenvolvimento, da velocidade de resposta do mercado e dos
níveis de incerteza, além de permitir que, por meio do desenvolvimento das capacidades
sustentáveis do design, como defendido pelos autores, empresas repartam seus elevados
custos com design de produtos ou componentes em vários contextos e ofereçam produtos
atraentes em diversos países. Finalmente, o estudo de Swan, Kotabe e Allred (2005) mostra
que as capacidades sustentáveis do design afetam o desempenho das empresas, bem como a
velocidade de resposta ao mercado e a própria resposta ao mercado. Portanto, empresas, ou
produtos, podem elevar seus níveis de sustentabilidade não apenas reduzindo a quantidade de
possíveis adaptações no futuro, mas também garantindo feedbacks mais rápidos que otimizem
seu tempo de resposta em relação ao de seus concorrentes. Dessa forma, as empresas não
arriscariam a realizar gastos com desenvolvimento de capacidades desnecessárias e tampouco
a não contar com as devidas capacidades quando elas se mostrarem necessárias.
Por outro lado, Boztepe (2007) defende a utilização de um modelo13 – FIGURA 4 –
para adaptação de produtos internacionais com base em informações etnográficas detalhadas
obtidas diretamente dos usuários em seus contextos culturais. Seu modelo permite a
variação/combinação de qualquer produto com as suas características dependendo do contexto
de uso.
12 Cf. Seção 1.1. (estandardização e adaptação) 13 Modelo esse que pode ser entendido como complemento do modelo apresentado por Swan, Kotabe e Allred
(2005).
44
FIGURA 4. Inter-relação entre categorias de valor, fatores culturais e propriedades de produtos Fonte: traduzido de Boztepe (2007, p. 529).
O modelo proposto pela autora pode ser trabalhado do centro para fora e vice-versa,
dependendo do contexto de sua aplicação. Tal abordagem, baseada nos valores dos usuários14,
pode auxiliar os profissionais de design a (i) avaliar produtos existentes em novos contextos,
(ii) planejar pesquisas etnográficas e (iii) determinar processos de tomada de decisão com
relação à adaptação ou estandardização de produtos. Portanto, pode-se, com a utilização de
tais informações, reduzir o índice de falhas no processo de introdução de produtos em novos
contextos; sugerir o emprego de um banco de dados de informações dos próprios usuários e
esperar que os designers sejam capazes de relacionar as informações aos produtos; aplicar tais
informações na fase de design e implementação, de modo a ajudar na identificação das
14 Cf. Seções 2.2.8 e 2.2.9.
45
adaptações necessárias e na definição das características dos produtos em termos do nível de
especificidade das interferências em design voltadas a atender aos valores atribuídos pelos
usuários15 (BOZTEPE, 2007).
A questão central do modelo16 desenvolvido por Boztepe (2007) é o levantamento de
quais fatores devem ser considerados quando se fizer uso do design para adequação de
produtos para mercados específicos e para geração de valor para os usuários. Em vez de
estabelecer relações genéricas universais, o modelo propõe o foco nos benefícios que os
usuários obtêm a partir da sua relação com os produtos. Dada a complexidade e natureza
evasiva da questão, é difícil propor uma aplicabilidade universal. No entanto, a introdução de
métodos etnográficos no conceito de valor do usuário pode prover informações relevantes
para futuros avanços teóricos sobre o tema bem como apoiar a criação e o desenvolvimento de
novos modelos.
2.1.6 Modelos culturais e produtos globais
Segundo Boztepe (2007), houve inúmeras tentativas de desenvolvimento de modelos que
definissem as variáveis culturais. Contudo, ainda não se conseguiu definir quais atributos, ou
variáveis culturais, devem realmente ser sublinhados. Embora alguns modelos tenham sido
concebidos com o objetivo de apoiar a atividade de design e decisões de marketing para a
adaptação de produtos, eles buscam apenas a possibilidade de comparação genérica entre
aspectos de diferentes culturas e em certas dimensões.
Dentre os modelos mais conhecidos, está o de Hall (1990a; 1990b), no qual foram
propostas duas dimensões clássicas de cultura. A primeira se refere às informações, como são
comunicadas, e propõe que a cultura seja dividida em altamente e pouco contextualizada
(high-context e low-context): as informações e comportamentos não são comunicados
explicitamente17 no primeiro caso, mas o são no segundo. A outra dimensão está relacionada à
noção de tempo (i.e., orientação de passado e futuro, ou seja, como as atividades estão
diacronicamente organizadas), este sendo divido em monocrônico (no qual os fatos ocorrem
de modo linear) e policrônico (no qual os fatos ocorrem simultaneamente ou de modo não
15 Cf. 2.2.9. 16 O modelo de Boztepe (2007) é entendido, aqui, como resposta ao modelo de Swan, Kotabe e Allred (2005). 17 Veja, por exemplo: Geertz (1989, p. 185-213).
46
linear). Na visão da autora, tais dimensões, embora não adequadas para a identificação de
informações refinadas sobre determinadas culturas em um dado espaço temporal, podem, sim,
auxiliar os designers na ordenação de tarefas e disposição de informações.
Boztepe (2007) ainda faz breve descrição dos trabalhos de Hofstede (1981) e
Trompenaars & Hampden-Turner (1997). O primeiro, baseado em estudos empíricos em 50
países, identificou, ranqueou e classificou cinco dimensões culturais: (i) distância de poder,
(ii) individualismo x coletivismo, (iii) masculinidade x feminilidade, (iv) medo da incerteza e
(v) orientação em curto prazo x orientação em longo prazo. Já os últimos alegam que
dimensões referentes ao modo como as pessoas se relacionam com a natureza e com o tempo
incluem: (i) universalismo x particularismo, (ii) individualismo x coletivismo, (iii) tempo
específico x tempo difuso, (iv) realização x fracasso, (v) indivíduo cético x indivíduo
emotivo, (vi) orientação temporal e (vii) orientação natural.
Conforme defende Boztepe (2007), as colocações de Hall (1990a; 1990b), Hofsted
(1981) e Trompenaars & Hampden-Turner (1997) podem servir como orientação geral, ou
ponto inicial, para a avaliação de produtos globais e para o entendimento cultural. Entretanto,
o dimensionamento (HALL, 1990a; 1990b; TROMPENAARS; HAMPDEN-TURNER, 1997)
e o ranqueamento cultural (HOFSTED, 1981) não incluem as mudanças que, inevitavelmente,
ocorrem em processos culturais, isto é, a cultura não pode ser tida como estática18. Assim, a
tentativa de realizar design com base em informações de diversos países pode induzir a
generalizações equivocadas por parte dos designers. As informações das quais necessitam os
designers se referem especificamente à relação de uso dos objetos in loco. Como o
conhecimento de informações detalhadas torna mais precisa a prática do design e as respostas
dos profissionais da área, tais modelos necessitam de informações complementares com maior
especificidade acerca das similaridades culturais e da maneira como os usuários interagem
com os produtos e suas formas características de uso em contextos distintos.
Uma vez que a etnografia possibilita o profundo entendimento dos valores19 em
diferentes localidades, Boztepe (2007) propõe o uso de técnicas etnográficas para a coleta de
informações específicas que deem suporte às equipes de design para o desenvolvimento de
produtos globais. Atualmente, todavia, a utilização de informações etnográficas pelos
18 Cf. Geertz (1989, p. 94-101). 19 Cf. Seção 2.2.8.
47
designers se limita ao alinhamento de formas, funções, materiais, texturas etc., sendo a
tendência o uso de informações específicas para o desenvolvimento de produtos (BAILETTI;
LITVA, 1995). Em outros termos, pode-se dizer que a incorporação total de estudos em
ciências sociais para o desenvolvimento de produtos permanece em estágios iniciais
(BOZTEPE, 2007), mas seria um suporte indispensável para evitar a simplificação ou falta de
sensibilidade a conteúdos de fato relevantes. Portanto, é necessário o desenvolvimento de
modelos e ferramentas que deem suporte de planejamento a pesquisadores em design para o
entendimento e organização das informações, especialmente no que tange à cobertura de
informações relevantes ao direcionamento dos processos de pesquisa na área e à
sistematização e interpretação de dados de pesquisa.
Vale ainda ressaltar que as categorias simbólicas descritas por Boztepe (2007) – valor
de identidade e significância social, valor emocional e valor espiritual (cf. FIGURA 4) – não
são mutuamente excludentes e podem ser entrelaçadas e interdependentes. Na prática, tais
categorias servem como referência para a adaptação de produtos e, ao definirem adaptação em
termos dos benefícios e resultados finais que os usuários podem obter através da própria
experiência com os objetos, tornam claros para os negócios os motivos pelos quais os
processos adaptativos são necessários.
48
2.2 CULTURA
Os estudos das formas simbólicas em disciplinas e na literatura das ciências sociais têm sido
feitos frequentemente sob a subscrição do conceito de cultura. Salvo a raridade consensual
sobre o tema, é notória a relevância dos estudos dos fenômenos culturais para as ciências
sociais (THOMPSON, 1995). Tal importância se explica pelo fato da vida social não ser,
basicamente, uma questão de fatos e de objetos que ocorrem como fenômenos do mundo
natural, e sim uma relação de movimentos simbólicos de ações e expressões significativas
realizadas entre indivíduos que procuram entender uns aos outros através da interpretação de
sinais, ou símbolos (GEERTZ, 1989; THOMPSON, 1995). De forma mais ampla, os estudos
dos fenômenos culturais podem ser pensados como o estudo do mundo sócio-histórico
composto por um campo de significados. Contudo, o conceito de Cultura não tem sido sempre
usado de tal forma e possui, desde sua origem, uma longa história, que culmina nas atuais
utilizações do termo nas diversas disciplinas e literatura das ciências sociais. Dessa forma, o
conceito de cultura se aproxima mais de uma ideia a ser sustentada que uma concepção
estática (GEERTZ, 1989).
Portanto, esta seção foca o conceito de cultura sobre suas relações com os processos de
produção simbólica. Isto através de uma visão geral sobre o termo e seus desdobramentos ao
longo da história, tendo seu ápice em sua definição mais adequada para este estudo. Assim,
oferece as bases para o entendimento da sua relação com os processos de manifestação
simbólica em contextos sociais estruturados.
2.2.1 Origem do conceito cultura
Com o surgimento da visão estereoscópica combinada à capacidade de utilização das mãos,
foi aberto aos primatas um mundo tridimensional. A realidade de tocar e examinar um objeto
atribuindo-lhe um significado único forneceu ao homem uma nova percepção do seu habitat
(LARAIA, 2007).
Na perspectiva do antropólogo francês, Claude Lévi-Strauss, o surgimento da cultura
ocorre no momento em que é convencionada a primeira regra (ou norma). Por outro lado,
Leslie White, antropólogo norte-americano, afirma que a transição do estado animal para o
humano ocorre no momento em que o cérebro humano se torna apto a criar símbolos.
Segundo White (apud LARAIA, 2007, p. 55),
49
todo comportamento humano se origina no uso de símbolos. Foi o símbolo que transformou nossos ancestrais antropóides em homens e fê-los humanos. Todas as civilizações se espalharam e perpetuaram somente pelo uso de símbolos... Toda cultura depende de símbolos. É o exercício da faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos que torna possível a sua perpetuação. Sem o símbolo não haveria cultura, e o homem seria apenas animal, não um ser humano... O comportamento humano é o comportamento simbólico. Uma criança do gênero Homo torna-se humana somente quando é introduzida e participa da ordem de fenômenos superorgânicos que é a cultura. E a chave deste mundo, e o meio de participação nele, é o símbolo.
Assim, todos os símbolos devem ter uma forma física, pois, do contrário, não podem
penetrar em nossa experiência e o seu significado não pode ser percebido pelos sentidos.
2.2.2 O conceito de homem e sua relação com a cultura
Para o entendimento cultural do conceito de homem, Geertz (1989) propõe duas ideias.
Primeiramente, a cultura deve ser entendida não como complexos de padrões concretos de
comportamento – costumes, usos, tradições etc. –, mas sim como um agrupamento de
mecanismos de controle – planos, regras, instruções etc. – com o objetivo de governar o
comportamento. O homem depende, mais que qualquer outro animal, de tais mecanismos de
controle extragenéticos (i.e., culturais) para ordenar sua própria existência. O entendimento
dessa dependência dá origem a uma nova concepção do ser humano, a qual lança luz sobre as
formas pelas quais suas capacidades inerentes são gerenciadas.
Tal visão da cultura como mecanismo de controle contempla o pensamento humano
como algo social e público. Portanto, o ato de pensar não consiste apenas nas ocorrências
oriundas da mente, mas também naquilo que transita como símbolos significantes através de
palavras, artefatos ou qualquer outra coisa que esteja distante da realidade e que tome forma
para dar significado à experiência. Do ponto de vista do indivíduo que recebe os significantes
com que convive, tais significados estão em uso desde quando ele nasce e continuarão
existindo mesmo quando da sua morte; porém, os objetos, durante sua existência, podem
sofrer modificações, independentemente da participação do indivíduo. Assim, os símbolos,
durante a vida do homem, são por ele utilizados deliberada e descompromissadamente, com o
objetivo, sempre, de orientação, fazendo parte da construção da realidade individual de cada
sujeito (GEERTZ, 1989).
50
Devido à ausência precisão das qualidades não simbólicas, o ser humano precisa de
sistemas simbólicos para sua própria orientação – o que não ocorre no mundo dos animais
ditos inferiores (na maioria dos casos), os quais são programados fisicamente e contam com
fontes genéticas de informação que lhes garantem a experiência. Quanto ao homem, suas
atividades menos programadas (ou melhor, menos programáveis) conferem-lhe, de forma
inata, possibilidades de respostas gerais mais complexas e, contraditoriamente, menos
precisas, tornando o comportamento humano, na ausência de padrões culturais, ingovernável.
Na contramão dessa experiência disforme, “a cultura, a totalidade acumulada de tais padrões,
não é apenas um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela, a
principal base de sua especificidade” (GEERTZ, 1989, p. 33).
Em síntese, tendo em vista o conjunto de mecanismos simbólicos para controle do
comportamento e as fontes de informação extrassomáticas, são claros os reflexos do conceito
de cultura para o conceito de homem. A cultura estabelece o vínculo entre o que o ser humano
pode se tornar e o que realmente é. O homem é desenvolvido através de padrões culturais,
sistemas de significados simbólicos, que são criados historicamente e possibilitam o diálogo
do ser humano com sua realidade e orienta tanto o seu comportamento quanto a sua
experiência no meio em que vive.
2.2.3 Concepções do termo cultura
O conceito da palavra latina cultura obteve presença significativa em diversos idiomas
europeus no início do período moderno. Seus primeiros usos mantiveram parte do seu sentido
original, que se referia, essencialmente, ao cultivo ou ao cuidado de algo, como grãos e/ou
animais. A partir do século XVI, a utilização da palavra é ampliada para o processo de
desenvolvimento humano, isto é, para o cultivo da mente. Contudo, a aplicação do termo de
forma independente de associações com a concepção original do termo se dá apenas no fim do
século XVIII, com a palavra francesa Cultur, incorporada ao alemão como Kultur
(THOMPSON, 1995).
No início do século XIX, a palavra cultura é utilizada de forma ambígua, possuindo,
também, o sentido de civilização. Proveniente da palavra latina civilis, referindo-se a
cidadãos, o termo civilização é inicialmente usado na França e na Inglaterra ao final do século
XVIII com o objetivo de descrever o processo de desenvolvimento humano em direção ao
51
polimento e à ordem social, em contraste à barbárie e à selvageria. Diferentemente da forma
de adoção do termo na França e na Inglaterra no referido período, o termo Zivilisation, na
Alemanha, opõe-se negativamente ao termo Kultur: aquele se relaciona diretamente com
polimento e refinamento das maneiras, dos modos, enquanto este se refere a produtos
intelectuais, artísticos e espirituais nos quais se expressam a individualidade e a criatividade
das pessoas. Expressando de outra maneira, o termo Kultur é então utilizado para simbolizar
todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra Zivilization refere-se às
realizações materiais (THOMPSON, 1995).
A oposição dos termos na Alemanha está ligada a padrões de estratificação social do
início da Europa moderna. Na nação alemã, o francês é, à época, falado pela corte
nobiliárquica e pela classe alta da burguesia, sendo visto como símbolo de status entre as
classes superiores. Diferente de tais classes existia também na Alemanha um extrato de
intelectuais denominado intelligentsia, desenvolvia as próprias atividades artísticas e
intelectuais e zombava das outras classes que nada faziam nesse sentido, pois empregavam
suas energias no refinamento de suas maneiras à moda dos franceses. Em um movimento
distinto daquele dos grupos de intelectuais emergentes franceses, que foram absorvidos pela
grande sociedade cortesã de Paris, os intelectuais alemães foram excluídos da vida na corte e
buscaram sua realização no campo da academia, da ciência, da filosofia e da arte
(THOMPSON, 1995).
Ao final do século XVIII e início do XIX, o termo cultura é, não raramente, utilizado
em publicações que têm por objetivo apresentar histórias universais da humanidade. No seu
uso, o termo tem o sentido de cultivo, aprimoramento e enobrecimento das qualidades físicas
e intelectuais de um indivíduo ou de um povo. Essa apresentação de cultura está intimamente
associada à crença iluminista no caráter progressista da nova era.
O conceito de cultura que emerge no final do século XVIII e início do XIX,
desenvolvido principalmente pelos filósofos alemães, pode ser definido como concepção
clássica do termo:
Cultura é o processo de desenvolvimento e enobrecimento das faculdades humanas, um processo facilitado pela assimilação de trabalhos acadêmicos e artísticos e ligado ao caráter progressista da era moderna (THOMPSON, 1995, p. 170).
52
A concepção clássica de cultura privilegia e favorece alguns trabalhos e valores em
detrimento de outros (favorecimento este ligado à intelligentsia alemã e, de forma genérica, à
crença no progresso encontrada no Iluminismo europeu). Não obstante, tais pressupostos não
são mantidos por muito tempo, sendo alterados com o surgimento da antropologia cultural, a
partir da qual o conceito é despojado de conotações etnocêntricas e moldado para atender aos
objetivos da descrição etnográfica. Assim, o estudo da cultura altera seu foco para o
esclarecimento dos costumes, práticas e crenças de outras sociedades e abandona sua estreita
ligação com o enobrecimento da mente e do espírito do núcleo europeu.
Edward Tylor (1832-1917) sintetiza o conceito no termo inglês Culture, o qual, por sua
vez, corresponde às complexas relações entre os conhecimentos, crenças, costumes, artes, leis,
moral, capacidades e hábitos – isto é, aspectos sociais – da espécie humana. Todavia, em
1973, Cliffort Geertz propõe uma condensação conceitual do termo, afirmando que o tema
mais importante da antropologia moderna seria reduzir a amplitude do conceito de cultura,
tornando-o um instrumento especializado e mais forte teoricamente.
Em Primitive Culture, Edward Tylor (1871 apud LARAIA, 2007) é o primeiro a
formular o conceito de cultura do ponto de vista antropológico. É também o precursor do
entendimento de cultura como um objeto de estudo sistemático por consistir em um fenômeno
natural possuidor de causas e regularidades e, portanto, passível de estudo objetivo e análises
capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução. No
entanto, influenciada por Charles Darwin, a visão evolucionista de cultura defendida por
Tylor e outros pensadores contempla o desenvolvimento humano de forma exclusivamente
unilinear e etnocêntrica.
Contestando o evolucionismo, Franz Boas (1859-1949) dá início ao chamado método
comparativo. Seus estudos e crítica atribuem à antropologia duas tarefas: “a reconstituição da
história de povos ou regiões particulares e a comparação da vida social de diferentes povos,
cujo desenvolvimento segue as mesmas leis” (LARAIA, 2007, p. 35). Com isso, Franz Boas
desenvolve o particularismo histórico, ou Escola Americana, segundo a qual os eventos
históricos determinam os caminhos de cada cultura.
Por sua vez, Alfred Kroeber (1876-1960) demonstra, em seu trabalho, o Superorgânico
(1917), que a principal influência da cultura sobre os seres humanos reside no seu potencial
de possibilitar-lhes ir além de suas capacidades orgânicas, o que essencialmente os distancia
53
do mundo animal e os “liberta” da sua natureza biológica. O autor, ao estabelecer a
diferenciação entre orgânico e cultural, promove o rompimento entre a relação biológica e
cultural e afasta, assim, o domínio cultural da esfera natural: as qualidades de comunicação
oral e a capacidade de produzir suas próprias ferramentas extracorpóreas diferenciam o ser
humano dos animais, sendo o homem possuidor de cultura. As principais contribuições de
Kroeber correspondem aos seguintes apontamentos: (i) o comportamento humano como
sendo determinado pela cultura; (ii) a existência de padrões culturais; (iii) a adaptação aos
meios ecológicos através da cultura, possibilitando ao homem romper as barreiras ambientais
e ampliar o seu habitat; (iv) a dependência do aprendizado para garantir a própria existência;
(v) o processo de aprendizagem (socialização e endoculturação) como determinante do
comportamento e da capacidade artística ou profissional; e (vi) a cultura como processo
cumulativo que limita ou estimula a prática criativa do ser humano, permitindo a indivíduos
mais bem dotados intelectualmente utilizar o conhecimento já existente para gerar novos
objetos ou novas técnicas.
De acordo com Thompson (1995), podem-se identificar quatro momentos históricos
principais referentes às seguintes concepções de cultura: clássica, descritiva, simbólica e
estrutural. Sob a denominação de concepção clássica, o termo cultura surge entre os filósofos
e historiadores alemães nos séculos XVIII e XIX; a sua utilização se refere ao processo de
desenvolvimento intelectual ou espiritual, que é distinto de processos civilizatórios. Com o
advento da antropologia cultural ao final do século XIX, o conceito clássico dá lugar a novas
concepções antropológicas, as quais podem ser apresentadas como concepção descritiva e
concepção simbólica. A descritiva refere-se ao variado conjunto de valores, costumes,
crenças, convenções, hábitos e práticas características de uma sociedade específica ou de um
recorte histórico determinado. Em outras palavras, a concepção descritiva pode ser definida
como:
O conjunto de crenças, costumes, ideias e valores, bem como os artefatos, objetos e instrumentos materiais, que são adquiridos pelos indivíduos enquanto membros de um grupo ou sociedade. (THOMPSON, 1995, p. 173)
Contudo, tal conceituação do termo perde sua validade e utilidade devido à
necessidade de focar-se na definição de uma série de fenômenos sociais que possam ser
54
analisados de forma sistemática. Desse modo, tal conceituação torna-se vaga e sem o rigor da
análise científica.
É no trabalho de Jacques Turgot (1727-1781) em que se encontra a primeira menção à
relação entre cultura e aspectos simbólicos e também se assevera que o homem faz uso de
signos com a propriedade de multiplicar infinitamente suas ideias, o que possibilita a retenção
e perpetuação de suas premissas. No mesmo sentido, em 1951, Lévi-Strauss afirma que a
cultura pode ser tida como um conjunto de sistemas simbólicos no qual estão inseridas as
artes, a religião, as ciências, as relações econômicas etc., as quais, por sua vez, buscam
demonstrar determinados aspectos da realidade física e da realidade social, as relações entre
essas duas, bem como com outros sistemas simbólicos (ROCHA, 1995). Dessa forma, o foco
de interesse é deslocado para o simbolismo e para os fenômenos culturais, que são, por
natureza, fenômenos simbólicos e devem ser estudados a partir da interpretação dos símbolos
e das ações simbólicas.
A concepção simbólica de cultura tem sua atenção voltada para a característica única
dos seres humanos: a capacidade de desenvolvimento de linguagens pelas quais expressões
significativas podem ser elaboradas e convertidas pelos indivíduos. Além disso, os seres
humanos têm a habilidade de atribuir significado a construções não linguísticas, como ações,
obras de arte e objetos materiais.
Grosso modo, a concepção simbólica de cultura pode ser descrita como:
O padrão de significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si [sic] e partilham suas experiências, concepções e crenças. (THOMPSON, 1995, p. 176, grifo do autor)
Embora seja apropriada para o desenvolvimento de uma abordagem construtiva para os
estudos dos fenômenos culturais, essa concepção simbólica tem como debilidade a ausência
de atenção suficiente às relações sociais estruturadas nas quais os símbolos e as ações sociais
estão inseridos. Por essa razão, Thompson (1995) desenvolve o que chama de concepção
estrutural da cultura, de acordo com a qual os fenômenos culturais podem ser entendidos
como formas simbólicas em contextos estruturados e sua análise pode ser entendida como o
estudo da constituição significativa e da contextualização social das formas simbólicas.
55
Baseado na concepção cultural de Geertz (1989), Thompson (1995) propõe a análise
estrutural da cultura, que busca relacionar o caráter simbólico a contextos socialmente
estruturados. O autor conceitua essa análise da seguinte forma:
O estudo das formas simbólicas – isto é, ações, objetos e expressões significativas de vários tipos – em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas. (THOMPSON, 1995, p. 181)
Na mesma linha, Geertz (1989) sugere que o conceito de cultura é essencialmente
semiótico, isto é, o homem é um animal preso a uma trama de significados elaborada por ele
mesmo. Portanto, o conceito de cultura é um emaranhado de significados que
denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos; um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida. (GEERTZ, 1989, p. 66)
Enfim, para a compreensão do conceito de cultura sob o viés estruturalista, tem-se não uma
ciência positiva, mas sim interpretativa, em busca de significados.
2.2.4 Abordagens culturais
Uma das principais tarefas da antropologia moderna é a reconstrução do conceito de cultura,
uma vez que este, como visto (Cf. Seção 2.2.4), tem sido formulado de maneira fragmentada.
Em 1974, Roger Keesing classifica as tentativas modernas de definição conceitual de cultura
e aponta, em seu trabalho Theories of Culture, duas linhas teóricas que visam definir o termo:
sistema adaptativo e teorias idealistas de cultura. No sistema adaptativo, culturas são sistemas
utilizados para adaptar as sociedades humanas aos seus pressupostos biológicos, sendo a
mudança cultural essencialmente um modo de seleção natural. Sob essa perspectiva, a
tecnologia, a economia de subsistência e os elementos da organização social constituem uma
forma adaptativa da cultura. Por outro lado, a teoria idealista de cultura é subdividida em
sistemas cognitivos, sistemas estruturais e sistemas simbólicos. A teoria baseada em sistemas
cognitivos se diferencia pela “análise dos modelos construídos pelos membros da comunidade
a respeito de seu próprio universo” (LARAIA, 2007, p. 61) e entende cultura como um
56
sistema de conhecimento, ou melhor, como tudo que um indivíduo deve saber ou acreditar
para coexistir dentro da sua sociedade. Já a teoria que toma cultura como sistemas estruturais,
de Claude Lévi-Strauss, define o termo como um sistema simbólico proveniente da criação
acumulativa de informações na mente humana e busca descobrir na estruturação dos domínios
culturais (mito, arte, parentesco e linguagem) os princípios da mente que geram essas
elaborações culturais. Por sua vez, a teoria que considera cultura como sistemas simbólicos,
desenvolvida principalmente nos Estados Unidos, tem como um dos principais precursores o
antropólogo Clifford Geertz. Segundo o autor, os significados e os símbolos e seus
significados são fruídos pelos indivíduos inseridos em um sistema cultural, isto é, são
públicos e não privados, estão fora da mente do ser humano e interferem, quase que
diretamente, na visão de mundo (GEERTZ, 1989).
2.2.5 Cultura e visão de mundo
Até o presente, não são raras as menções de determinismos culturais com base em aspectos
genéticos e geográficos. Haja vista as manifestações de pequenos grupos pulverizados no
globo que julgam diferenciar-se dos demais exatamente pela sua posição geográfica e
características genéticas.
Do ponto de vista genético, a diferenciação humana se dá através do dismorfismo sexual,
o que não interfere no comportamento da espécie. Portanto, os aspectos comportamentais são
definidos pela endoculturação, isto é, a conduta de um indivíduo é determinada pela
aprendizagem, ideia previamente demonstrada por John Locke (1978 apud LARAIA, 2007),
através de suas postulações em Ensaio acerca do entendimento humano, no qual o pensador
afirma que a mente humana possui uma capacidade ilimitada de absorção de conhecimento
desde o seu nascimento20. Por outro lado, geograficamente, as diferenças do ambiente físico
especificariam as distintas qualidades entres os indivíduos; contudo, a partir de 1920, estudos
demonstraram que diferenças culturais podem coexistir dentro de um mesmo espaço
geográfico e, atualmente, é correto afirmar que tais determinismos não possuem relação direta
20 Tais colocações sobre diferenciação humana tornam-se mais consistentes através de três inferências de
estudos recentes: (i) o descarte do ponto de vista sequencial da relação entre evolução física e cultural do ser humano em favor de uma perspectiva interativa; (ii) a descoberta de que as principais mudanças que geraram o homem moderno ocorreram em nível cerebral; e (iii) o entendimento de que o homem é fisicamente incompleto, isto é, necessita aprender para poder funcionar.
57
com o comportamento dos indivíduos da raça humana. Em outras palavras, as diferenças entre
os homens não podem ser interpretadas com base nas limitações impostas biológica ou
geograficamente, mas sim com base nas suas formas de apreender e enxergar o mundo, o que
é entendido pela antropologia cultural como visão de mundo: “Homens de culturas diferentes
usam lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das coisas” (LARAIA, 2007, p. 67).
Por visão de mundo entendem-se os aspectos cognitivos e existenciais de determinada
cultura. É a forma como os indivíduos de determinado povo, ou sociedade, enxergam as
coisas através de seu conceito de natureza, de si mesmas e da própria sociedade como um
todo. É através da visão de mundo que indivíduos tornam admissível seu ambiente natural,
que então passa a se apresentar como um reflexo de um verdadeiro estado das coisas. Assim,
as formas como os indivíduos percebem e coexistem no mundo, bem como as avaliações de
ordem moral e valorativa, são fruto de um passado cultural.
Os indivíduos enxergam a realidade através de sua cultura e, portanto, tendem a
considerar seu próprio modo de vida como o mais adequado e natural. Esse comportamento,
considerado um fenômeno universal, pode ser denominado etnocentrismo e tem por ponto
fundamental de referência o próprio grupo. Em outras palavras, sistemas culturais possuem
lógica de funcionamento própria, e a tentativa de transferi-la ou considerar o outro irracional é
um comportamento inerente aos indivíduos. Desse modo, tem-se que a coerência só pode ser
encontrada dentro do mesmo sistema. Como exemplo,
um amontoado de árvores e arbustos só pode ser ordenado quando é classificado através de uma taxonomia. Esta, contudo, não é uma propriedade da botânica ocidental, pois muitas sociedades tribais construíram sistemas de classificação bastante sofisticados para o mundo vegetal que as envolvem. (LARAIA, 2007, p. 92)21
Portanto, o entendimento da lógica de um sistema cultural depende da compreensão de
categorias geradas por esse próprio sistema. Por categorias são entendidos os
21 Com base nos dizeres de Laraia (2007), pode-se entender como indivíduos pertencentes a determinado
sistema cultural o percebem de forma complexa, atribuindo-lhe significados imperceptíveis e estranhos a outros indivíduos.
58
princípios de juízo e raciocínios ... constantemente presentes na linguagem, os quais, sem que sejam necessariamente explícitos, existem ordinariamente, sobretudo sob a forma de hábitos e diretrizes da consciência, estas próprias inconscientes. (LARAIA, 2007, p. 93 – fragmento adaptado)
Todavia, vale ressaltar que sistemas culturais são passíveis de mudança e estão em
constante processo de modificação22. Tais alterações devem ser buscadas nas experiências dos
indivíduos e de seus grupos, os quais, governados por símbolos, percebem, sentem, julgam,
raciocinam, agem e expressam ou materializam aspectos culturais simbólicos através de
affordances, de sua cultura material e onde são refletidas suas identidades.
2.2.6 Affordances, cultura material e identidade
Por affordances podem ser entendidas as possibilidades de ações disponíveis em determinado
contexto por determinado agente, ou seja, o modo pelo qual o sujeito percebe o ambiente e o
mesmo [ambiente] possibilita a realização de ações que interfiram sobre o próprio ambiente
(GIBSON, 1986a, 1986b). Assim, affordances estão diretamente ligadas à percepção, vez que
podem ser percebidas pelos indivíduos em determinados ambientes. As affordances descritas
por Gibson não são necessariamente percebidas ou conhecidas, elas apenas existem e estão à
disposição dos indivíduos; tais affordances, na concepção de Norman (s.d), por fazerem parte
do ambiente, podem ser entendidas como affordances reais. Dessa forma, são captadas pelo
sujeito as possibilidades de ação, não as qualidades ou as propriedades de ambientes ou de
objetos (GIBSON, 1982), ou seja, o foco está na possibilidade de realização de um ato, não
nas propriedades específicas de um objeto ou de um ambiente. Ainda no sentido de realização
de possíveis ações, Zingale (2008, p. 62) afirma que affordances são “as guias, as passagens
que permitem a superação de obstáculos”23. Ao ser transposto o conceito de affordance para a
disciplina do design, segundo Lidwell et al.º(2010), determinados objetos e ambientes podem
ser considerados como mais ou menos adequados que outros à funções específicas (i.e., rodas
para girar e salas para lecionar), e o que lhes garante a adequação para a realização de tarefas
22 Na concepção de Laraia (2007), tais processos de mudança podem ser classificados em dois grupos: (i)
mudanças culturais internas e (ii) mudanças provenientes do contato com outros sistemas culturais. As primeiras ocorrem de forma lenta e são consequência dos movimentos do próprio sistema cultural. No segundo caso, considerado o mais atuante nas sociedades humanas por ser considerado um processo de aculturação, tem-se que as alterações podem ser bruscas, mas nem sempre traumáticas.
23 Tradução e plural nosso para: “... il guado, il passaggio che permette di superare un impedimento.”.
59
são, normalmente, suas características físicas. Consoante, como acrescenta Krippendorff
(2006), designers que realizam projetos centrados nos usuários desenham produtos
direcionados ao entendimento, mais que dando relevância a aspectos técnicos. Assim, tanto
objetos quanto ambientes, ao apresentarem relação direta às suas funções através de seu
design, têm suas formas de utilização e eficiência melhoradas. No entanto, em design,
Norman (s.d.) destaca a necessidade de se tornar o termo mais preciso: affordance percebida24
ou sugerida. Isso devido à necessidade de preocupação com o que o usuário realmente
percebe acerca da possibilidade de realização de uma determinada ação. Especificamente no
caso do design de produtos, onde são tratados objetos físicos, segundo Norman (s.d.), as
affordances podem ser tanto reais quanto percebidas, ainda que sejam diferentes. Dessa
forma, deve-se ressaltar as interferências diretas provenientes de convenções culturais
compartilhadas dentro de determinados grupos sociais nas affordances reais; ou seja, as
affordances percebidas podem interferir diretamente nas possíveis finalidades de ações
realizadas por parte dos indivíduos.
As finalidades atribuídas aos objetos são provenientes de processos culturais e,
portanto, além de considerações econômicas, também devem ser observados os aspectos
simbólicos intrínsecos à produção material. Segundo Barthes (2006), o objeto é o elemento
mediador entre o homem e sua própria ação no mundo; funciona como ferramenta de
intervenção e de modificação, possibilitando a interferência humana sobre o ambiente, o qual
apenas surge no momento em que o ser humano atribui significados a elementos da natureza e
a artefatos concebidos para a própria superação humana.
Como assevera Sahlins (2003, p. 179), “nenhum objeto, nenhuma coisa é ou tem
movimento na sociedade humana, exceto pela significação que os homens lhe atribuem”.
Destarte, Santos (1994) afirma que o objeto emerge de dois aspectos principais: (i)
intencionalidade humana, isto é, surge como uma representação da extensão dos órgãos dos
sentidos humanos, permitindo o prolongamento dos seus atos25; e (2) materialização de
valores estéticos, funcionais etc., ligados estruturalmente ao contexto, à sociedade,
transformando o concreto em simbólico. É por meio da produção de bens e valores que se
24 Tradução do autor para o termo original cunhado por Norman em inglês: perceived affordance. 25 Em estudos culturais, tal visão dos objetos como extensão da capacidade do homem foi primeiramente
descrita por Alfred Kroeber. KROEBER, A. L. The Superorganic. American Anthropologist, v. 19, n. 2, april/june, 1917.
60
constitui e se reflete a identidade cultural de uma sociedade (BOMFIM, 1999) e é possível
afirmar que o indivíduo não possui identidades coerentes, haja vista que elas se modificam de
acordo com as circunstâncias (HALL, 1990b), o que conduz os objetos a uma alternância de
sentidos e significados de acordo com o contexto (DENIS, 1998). Ainda sobre o termo
identidade, Bonsiepe (2011), afirma que, no discurso atual do design, o termo ganha
relevância e assume papel central26.
A manifestação de identidade em produtos ocorre principalmente em três aspectos
informacionais: (i) existência propriamente dita do produto (i.e., condição fenomênica), (ii)
origem do produto (i.e., sistema cultural ao qual pertence) e qualidade do produto (i.e.,
função) (Niemeyer, 2003. Por outro lado, Celaschi (2010) delineia a existência de várias
identidades existentes ou agregadas a produtos (i.e., identidade do designer, do material, do
território, identidade própria e, dentre outras, do próprio consumidor) e além disso, desloca a
nomenclatura objeto para mercadoria contemporânea, onde produtos contém e são
determinados por fatores como forma, função e significado.
Como exposto, tais informações são comunicadas através de elementos da
configuração, materiais utilizados, procedimentos de produção e acabamento, organização das
partes, esquema de cores, odores e possíveis sons produzidos. Assim, desde sua concepção,
são atribuídos significados simbólicos aos objetos e nestes se veiculam informações primárias
e sistemas complexos de signos (BARTHES, 2006). Por conseguinte, o desenvolvimento e a
produção de objetos vão além da concepção lógica e da eficiência material (SAHLINS, 2003).
Tais sistemas complexos podem ser observados, por exemplo, em manifestações culturais
(i.e., as crenças, os mitos27 e os rituais), nas quais os objetos se convertem em representações
simbólicas e terminam por ter suas propriedades materiais enfraquecidas.
2.2.7 Manifestação cultural simbólica através do Mito
O mito pode ser definido como um fenômeno básico da cultura humana e, dada a sua
relevância para os estudos das ciências humanas, tem sido tomado como objeto de pesquisas 26 Bonsiepe (2011) em Design, Cultura e Sociedade, desenvolve, verticalmente, o termo identidade. No entanto,
não cabe, nesta investigação, a ampliação teórica do mesmo. Aqui, tal ampliação poderia ser entendida como uma digressão, vez que, apesar da relevância do conceito de identidade para o discurso contemporâneo do design, nessa fase do estudo, não é tema central .
27 Vale frisar que, neste estudo, somente o mito será abordado (cf. Seção 2.2.7), haja vista a sua estreita relação com os sistemas semiológicos e as formas simbólicas.
61
interdisciplinares (NÖTH, 1995). Na concepção de Barthes (1999), o mito é um fenômeno
semiótico cultural, e não uma forma de narrativa: o mito é uma fala, um sistema de
comunicação, uma mensagem não material que pode não ser oral. Portanto, o mito não é um
conceito, um objeto ou até mesmo uma ideia: ele é uma forma, um modo de significação e
possui condições de funcionamento próprias (destarte, qualquer coisa que possa ser julgada
por um discurso pode constituir um mito). É através dos mitos culturais que os indivíduos dão
sentido à sua existência dentro da própria cultura: os mitos culturais expressam e organizam
as formas compartilhadas de conceituação das coisas em sistemas culturais (LAKOFF;
JOHNSON, 1980).
O mito não é definido pelo artefato, mas sim pela mensagem que profere: é uma fala
definida por sua intenção (BARTHES, 1999). Assim, os objetos transitam de uma forma
muda e aberta à apropriação da sociedade, viabilizando um discurso social, não natural e
tampouco material. O que viabiliza essa não materialidade da fala mítica é a pressuposição de
uma consciência significante, isto é, uma imagem é criada tendo em vista determinada
significação – fato esse que transforma uma imagem em uma escrita no momento em que a
primeira se torna tão significativa quanto a segunda. Por conseguinte, objetos se transformam
em fala ao significarem alguma outra coisa.
Isso posto, o mito, como uma fala, um sistema comunicacional, torna-se dependente da
semiologia28, vez que trata do problema da significação. O mito é um valor que não permite
julgamentos, pois em seu significante há ambiguidade que sempre permite uma visão por
outro lado; nele o sentido apresenta a forma e esta, por sua vez, o distancia. No mito, não
ocorrem contradições; forma e sentido nunca estão no mesmo lugar (BARTHES, 1999).
Como surge de conceitos históricos e contingentes, sua natureza é interpretativa; dirige-se ao
indivíduo impondo sua força intencional, obrigando-o a absorver a duplicidade proposital da
sua fala (BARTHES, 1999). A fala mítica é instigante, perturbadora e, simultaneamente,
paralisante: no momento em que atinge o indivíduo, eleva-se e recupera generalidade,
permitindo que o conceito afaste o sentido físico do significante, falsificando-o. “É esse breve
roubo, esse momento furtivo de falsificação, que constitui o aspecto transitório da fala mítica”
(BARTHES, 1999, p. 147), permitindo sua inserção em processos comunicacionais como
28 Cf. Seção 2.3.1.
62
formas simbólicas de existência que, por sua vez, possuem características específicas de
funcionamento.
2.2.8 Caracterização das formas simbólicas e sua valorização em objetos de uso
Uma vez inseridas no processo de comunicação em determinados contextos, de acordo com
Thompson (1995) as formas simbólicas podem ser caracterizadas de acordo com seu processo
de concepção, emissão e recepção, podendo-se remeter aos aspectos: intencionais,
convencionais, estruturais, referenciais e contextuais.
Por aspectos intencionais entende-se que as formas simbólicas de expressões são
veiculadas de um sujeito para outro sujeito (ou sujeitos). Em outras palavras, determinadas
formas simbólicas são produzidas e empregadas com o objetivo de expressar aquilo que
determinado indivíduo quer dizer ou tenciona. Para produzir mensagens em códigos para cuja
interpretação se acredita que os receptores tenham a chave, parte-se de dois pressupostos
básicos. Primeiramente, assume-se que objetos enquanto formas simbólicas significativas são
produzidos, construídos ou empregados por um sujeito que deseja agir intencionalmente ou
que esses são percebidos como produzidos intencionalmente por determinado indivíduo. O
segundo pressuposto está relacionado ao fato de que o verdadeiro significado da forma
simbólica nem sempre corresponde àquilo que o sujeito-produtor deseja ou tenciona dizer,
sobretudo quando não há uma relação dialógica entre as formas simbólicas. Em outros termos,
o significado de uma forma simbólica pode depender de uma enorme gama de fatores e a real
intenção do sujeito-produtor pode ser um desses fatores, mas não o único.
O aspecto convencional consiste no fato de que a construção, produção e emprego das
formas simbólicas, assim como sua interpretação pelos receptores, são processos que
envolvem a aplicação das mais variadas regras, códigos e convenções, os quais se alteram de
acordo com as formas que são empregadas, variando desde aspectos gramaticais e estilos de
expressão a convenções que governam a ação e interação entre indivíduos que desejam tanto
se expressar como compreender as expressões de outrem. Contudo, a utilização de regras e
convenções na produção e interpretação das formas simbólicas não significa o completo
entendimento ou a ausência de ruídos no processo de troca de informações ou expressões29.
29 Cf. Seção 2.2.5.
63
Na realidade, sua aplicação ocorre em situações práticas, e sua interpretação é realizada com
base em conhecimentos tácitos30 que os indivíduos empregam no dia a dia, criando
significado e dando sentido a expressões alheias. Conhecimentos tácitos são compartilhados
socialmente, o que possibilita correções e aprovação por parte de outros indivíduos e, além
disso, demanda a aplicação de regras, códigos e convenções para a interpretação das formas
simbólicas. Dessa forma, é importante que seja feita a distinção dos processos de codificação
e decodificação de mensagens simbólicas, o que não exige a coexistência de ambas: de um
lado, tem-se por codificação a produção e emprego de formas simbólicas; de outro, a
decodificação consiste na interpretação pelos receptores dessas formas.
O aspecto estrutural estabelece que formas simbólicas possuem, em suas construções,
estruturas articuladas. Nelas podem ser observadas estruturas de elementos que as compõem,
isto é, elementos que permitem que a estrutura simbólica seja analisada formalmente. Por
conseguinte, deve-se realizar uma distinção entre a estrutura e o sistema que está solidificado
em uma determinada forma simbólica. Analisar a forma estrutural é analisar os elementos
específicos e suas inter-relações passíveis de discernimento na própria forma simbólica, na
qual a estrutura é um padrão de elementos que podem ser identificados em casos factuais de
expressão, em efetivas manifestações verbais, em expressões ou em textos. A análise de um
sistema solidificado exige a abstração da forma simbólica em questão e a reconstituição geral
de seus elementos e suas inter-relações, isto é, um sistema simbólico pode ser descrito como
elementos sistêmicos que existem de forma independente de qualquer forma simbólica
determinada e constituem, por si sós, formas simbólicas particulares.
A análise do aspecto estrutural é importante devido aos sentidos dados às formas
simbólicas, os quais, constituídos de traços estruturais e elementos sistêmicos, permitem a
compreensão aprofundada dos significados. Não obstante, tal análise é limitada, pois exaurir
os traços estruturais e sistêmicos é uma tarefa praticamente impossível ante a complexidade
de suas inter-relações e a dificuldade de atribuição “correta” de significado ao que pode
significar algo sobre alguma coisa. Ademais, a análise estrutural limita-se à focalização na
composição interna dos traços estruturais e dos elementos sistêmicos das formas simbólicas,
30 Cf. Nonaka & Konno (1998).
64
negligenciando, assim, aspectos referenciais, contextuais e sócio-históricos em que tais
fenômenos simbólicos estão inseridos.
Por aspecto referencial entende-se que as formas simbólicas são construções que
tipicamente representam algo, referem-se a algo e dizem algo sobre alguma coisa. Tal aspecto
abrange o modo geral pelo qual a forma simbólica, em determinado contexto, pode substituir
ou representar um objeto, indivíduo ou situação ou, ainda, em sentido mais específico, referir-
se a um objeto singular; cabe destacar que as formas simbólicas dizem, afirmam ou declaram,
projetam ou retratam algo sobre o indivíduo (THOMPSON, 1995; SANTAELLA, 2007).
No quinto aspecto das formas simbólicas, o aspecto contextual, “as formas simbólicas
estão sempre inseridas em processos e contextos sócio-históricos específicos dentro dos quais
e por meio dos quais elas são produzidas, transmitidas e recebidas” (THOMPSON, 1995, p.
192). Desse modo, expressões corriqueiras empregadas por indivíduos em contextos
estruturados socialmente podem carregar traços das relações sociais referentes a esses
contextos. Portanto, formas simbólicas complexas, como discursos, obras de arte, objetos etc.,
e os modos como são interpretadas e valorizadas pelos indivíduos estão estreitamente
relacionados com os meios pelos quais essas formas são produzidas e transmitidas em
determinado contexto.
Uma vez contextualizadas as formas simbólicas, elas passam, não raramente, por
processos de valorização, avaliação e conflito. Tornam-se objeto do que Thompson (1995)
denomina de processos de valorização, isto é, processos através dos quais são atribuídos
determinados tipos de valor às formas simbólicas.
Não há um consenso acerca do conceito de valor na disciplina do design e tampouco
em outras onde ele é largamente utilizado (BOZTEPE, 2007). Aqui, a especificidade do termo
reside no valor de troca31. Tal abordagem se opõe às correntes objetivistas, em razão da visão
de valor como significado, isto é, os indivíduos não valorizam os produtos pelo que fazem ou
pelo que se propõem a fazer, mas sim pelo que estes significam ante os sistemas de símbolos
conhecidos e compartilhados nas sociedades que os constroem (BAUDRILLARD, 2005, 2007).
Para Moles (1981), valor é a propriedade qualificável associada ao objeto em seu
contato com o indivíduo, formando, assim, um ponto de atração variável de acordo com o
31 Cf. Lourenço (2006).
65
contexto cultural. Por conseguinte, há uma infindável possibilidade de variações de valores (e
de formas de valorização) a serem associados aos objetos. Holbrook (1999) define o termo
como experiência, isto é, “o valor não reside no produto comprado, nem na marca escolhida
e, tampouco, no objeto possuído, mas sim nas experiências de consumo provenientes dele,
do produto”32. Segundo Boztepe (2007), valor pode ser definido como prática ou resultado
simbólico gerado pela interação entre o produto e o usuário; logo, também está estreitamente
relacionado à experiência.
Moles (1981), que conta com o respaldo de Thompson (1995), estabelece a distinção
entre valorização econômica e simbólica. A primeira33 é o processo pelo qual é dado valor
econômico às formas simbólicas para que possam ser trocadas em um ambiente de comércio.
Por valorização simbólica tem-se o processo pelo qual os indivíduos que as produzem e as
recebem atribuem um determinado valor às formas simbólicas. Nesses termos, ao criarem
uma relação de estima com determinados objetos, os indivíduos que os produzem ou os
recebem atribuem-lhes valores simbólicos, ou seja, aprovam-nos ou condenam-nos, apreciam-
nos ou desprezam-nos. No entanto, às formas simbólicas podem ser atribuídos vários níveis
de valor, isto é, um mesmo objeto, dependendo do contexto, pode ser admirado por uns e
desprezado por outros. Tal fenômeno pode ser descrito como um conflito de valorização
simbólica, o que ocorre em contextos socialmente estruturados caracterizados por assimetrias
de vários tipos, o que garante variação no status de significação das formas simbólicas.
O valor para o usuário é proveniente da combinação entre as propriedades dos
produtos e a forma específica como cada usuário, em seu contexto, relaciona-se com eles. Em
estudo recente, o compartilhamento social e cultural de significados (i.e., símbolos, rituais,
mitos e tradições) foi identificado como fundamental na experiência de uso de produtos e
como categorias de valor simbólico identificadas foram relacionadas, dentre outras: valor de
significância social, valor emocional e valor espiritual34 (BOZTEPE, 2007).
32 Tradução do autor para: “[…] value resides not in the product purchased, not in the brand chosen, not in the
object possessed, but rather in the consumption experience(s) derived therefrom” (grifos no original). 33 Não cabem aqui detalhamentos sobre os aspectos da valorização econômica; embora sejam também
relevantes, foi dada ênfase apenas às formas de valorização simbólica. Ademais, os conflitos que surgem em circunstâncias reais entre ambos os tipos de valorização se sobrepõem de formas complexas (Thompson, 1995), não sendo cabíveis digressões neste momento.
34 Neste estudo, não cabem digressões sobre todos os aspectos relacionados às categorias gerais e específicas tratadas pela autora. Cf. Boztepe (2007).
66
Apoiando-se na mesma autora e retomando a Seção 2.2.6 deste trabalho, pode-se dizer
que o valor de significância social se refere aos benefícios relacionados à construção – através
da posse de produtos e da experiência com eles – de reputação individual entre sujeitos
pertencentes ao mesmo grupo. Veblen35 (1899 apud BOZTEPE, 2007) afirma que os
indivíduos utilizam artefatos como veículo de afirmação dentro do nexus social, do que se
pode depreender que o simples fato de possuir um objeto da moda é fato suficiente para se
demonstrar determinada imagem. Goffman (2004) dá a esse valor de utilização de objetos
como veículo para a obtenção de distinção da imagem individual a denominação de
administração da imagem, a qual depende não apenas da imagem estática do objeto, mas,
sobretudo, da sua forma de utilização e dos resultados obtidos com o seu emprego. Em outros
termos, um indivíduo utiliza uma série de “coreografias” com o objetivo de controlar
impressões formadas a seu respeito pelos demais integrantes do grupo.
O valor emocional está relacionado com os benefícios efetivos do objeto, como prazer
e diversão, proporcionados aos indivíduos – benefícios esses correspondentes a prazeres
estimulados pelas sensações provocadas pelo produto. Como descrito por Norman (2003,
2004), valores emocionais são considerados um fenômeno psicológico. Como exemplo, tem-
se que a percepção local de estético pode afetar o que os indivíduos consideram prazeroso, e o
que é considerado moda também pode variar dependendo do contexto.
Finalmente, por valor espiritual entendem-se as crenças no sobrenatural, ou seja, a
apreciação de produtos pela boa sorte. Contudo, nesse aspecto não foram encontradas
aplicações ou evidências empíricas relevantes.
Isso posto, mostram-se pertinentes a identificação e a análise de padrões culturais que
permeiam a relação dos indivíduos em seus próprios contextos.
2.2.9 Análise cultural
Os padrões culturais são programas que fornecem um gabarito ou diagrama para a
organização dos processos sociais e psicológicos, o que pode ser considerado análogo aos
sistemas genéticos, os quais fornecem um modelo para a organização dos processos orgânicos
(GEERTZ, 1989). Tais padrões culturais são importantes devido à necessidade do ser humano
35 VEBLEN, T. The theory of the leisure class. Nova Iorque: The Modern Library, 1899.
67
em ser guiado de alguma forma: como seu comportamento não é programado
fisiologicamente, a grande generalidade, disseminação e variabilidade da capacidade de
resposta do homem é conduzida por tais padrões. Ademais, o homem é um ser que se
completa, é agente da própria construção e, através de sua capacidade específica, cria modelos
simbólicos. Esses símbolos, ou códigos culturais, podem ser entendidos como mapas para o
posicionamento do homem diante do não familiar, isto é, diante de circunstâncias em que as
guias de comportamento, pensamento ou sentimento institucionalizado são fracas ou
inexistentes.
Estudar os códigos simbólicos partilhados em determinada estrutura social consiste em
investigar a cultura dessa estrutura. Como assevera Schneider°(1968),
cultura é um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidades e regras sobre as relações e modos de comportamento. O status epistemológico das unidades ou ‘coisas’ culturais não depende da sua observabilidade: mesmo fantasmas e pessoas mortas podem ser categorias culturais. (apud LARAIA, 2007, p. 63)
Sendo assim, a investigação da cultura, a totalidade de tais padrões, pode ser entendido
como o estudo da maquinaria que os indivíduos ou grupos de indivíduos empregam para
orientar a si mesmos em um mundo que, de outra forma, seria obscuro.
A análise cultural é a definição de estruturas de significação e a determinação de sua
base social e de sua importância. A questão reside, pois, em “uma multiplicidade de estruturas
conceituais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são
simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas” (GEERTZ, 1989, p. 7). Contudo, deve
ser tomada com ressalvas a proposta de análise cultural partindo dos próprios sistemas
simbólicos, pelo isolamento dos seus elementos, especificando as relações internas entre eles
mesmos e passando a caracterizar todo o sistema geral. O comportamento deve ser observado
com primazia, uma vez que é através dele – ou da ação social em artefatos e em estados de
consciência – que as formas culturais encontram articulação. Enfim, é através das práticas
comportamentais que é possível ter acesso empírico aos sistemas simbólicos.
Assim, a análise cultural torna-se “uma adivinhação dos significados, uma avaliação
das conjecturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir das melhores conjeturas, e não
a descoberta do Continente dos Significados e o mapeamento da sua paisagem incorpórea”
68
(GEERTZ, 1989, p. 14). Portanto, o objetivo geral da análise simbólica, ou em outros termos,
análise semiótica da cultura é possibilitar o diálogo entre a ciência e o objeto de estudo, o ser
humano. Em estudos culturais, cujo objetivo é a análise do discurso social, os significantes
são ações simbólicas ou um grupo de ações simbólicas. Disso depreende-se que a análise
cultural possui bases trêmulas e quanto mais profunda mais incerta e incompleta ela é;
destarte, a adoção de um conceito semiótico de cultura e uma abordagem interpretativista da
mesma implicam na aceitação da contestabilidade de tal análise.
A análise cultural corresponde ao estudo da constituição significativa e da
contextualização social das formas simbólicas. As ligações entre os sistemas culturais e os
modos de experimentação não devem ser simplesmente presumidas. A dificuldade da análise
cultural reside na forma de se determinar tanto as independências como as interligações de
tais sistemas e, além disso, descobrir como determiná-las. Dessa forma, tal análise diz respeito
a uma pesquisa dos símbolos significantes em vários níveis de ligação entre si – níveis esses
que são os veículos materiais da percepção, da emoção e da compreensão. Disso, tem-se que
as formas simbólicas não podem ser entendidas como material de análise cultural com fins
positivistas; o caráter semiótico não é intrínseco aos objetos, dentre outras formas de
manifestações simbólicas que o possuem, mas sim imposto a essas formas.
69
2.3 SEMIÓTICA
Esta seção36 apresenta uma visão geral sobre o conceito de semiótica e expõe as bases para o
entendimento das articulações dos processos de atribuição sígnica e significativa aos objetos
de uso (em outras palavras, descreve os processos de constituição dos signos e das
significações interna e externamente ao indivíduo) e, além disso, explicita os fundamentos
relacionados à semiótica a serem aplicados no projeto ora proposto.
2.3.1 O termo semiótica
A etimologia do termo semiótica tem suas origens no grego semeîon, que significa signo, e
sêma, que pode ser traduzido por “sinal” ou também “signo”. Semio- é uma latinização do
termo original grego e os radicais parentes, sema(t)- e seman-, são ocupados como bases
morfológicas para várias derivações de vocábulos que designam as ciências semióticas.
Do ponto de vista histórico, o termo semiótica vem convivendo com rivais e
precursores terminológicos, tais como semeiologia, semassiologia, semologia etc. Destarte,
dentre essas, a terminologia mais expressiva tem sido semiologia, utilizada em 1659 pelo
filósofo alemão Johannes Schulteus para tratar de uma doutrina geral do signo e do
significado – intitulada Semeilogia Metaphysiké – e, ainda hoje, empregado
indiscriminadamente pela literatura sobre o tema.
De forma pluralista, o termo semiótica pode ser entendido como a ciência dos signos e
dos processos significativos na natureza e na cultura, a ciência que investiga todas as
linguagens possíveis ou, ainda, a ciência que busca analisar as formas de constituição de todos
e quaisquer fenômenos como fenômenos de produção de significação e de sentido. Tais
definições, a despeito das semelhanças, não são aceitas por todas as escolas interessadas no
termo, muitas das quais buscam restringir a utilização do termo apenas ao âmbito da
comunicação humana.
No século XX, a semiologia se restringe à tradição dos estudos linguísticos de
Ferdinand de Saussure e de semioticistas como Louis Hjemslev ou Roland Barthes. Ainda
assim, os semioticistas elaboraram distinções conceituais entre ambos os termos: semiótica e
36 Cumpre sublinhar que as Seções 2.3.1 a 2.3.2 se pautam basicamente nas obras de Nöth (2003) e Santaella
(2007). Para evitar repetição excessiva, limita-se, nessas seções, à explicitação das referidas fontes apenas nas circunstâncias estritamente necessárias, como no caso de citações diretas.
70
semiologia. O primeiro designa uma ciência mais geral dos signos, incluindo os signos
animais da natureza, enquanto o segundo refere-se a uma teoria dos signos humanos, culturais
e, especialmente, textuais. De acordo com Santaella (2007), o termo semiologia está
diretamente ligado a aspectos linguísticos e caracteriza-se pela apropriação de concepções
pressupostas à linguagem verbal articulada para o domínio de todos os outros processos de
linguagens não verbais, o que explica por que não raramente a semiologia é preenchida por
aspectos teóricos provenientes de áreas como a teoria da comunicação e informação, a
semântica, a antropologia, o estudo dos mitos e a simbologia.
De forma sucinta, Eco (2005a) define semiologia como uma teoria geral dos
fenômenos de comunicação, entendidos como elaboração de mensagens com base em códigos
convencionados como sistemas de signos formalizados; ao passo que as semióticas
correspondem a tais sistemas de signos formalizados ou formalizáveis. Hjelmslev37 (1961
apud NÖTH, 2003), por sua vez, assume a semiótica como um sistema de signos com
estruturas hierárquicas análogas à linguagem – língua, sinais de trânsito, arte, música ou
literatura –, e a semiologia como a metassemiótica de tais sistemas, tratando dos aspectos
semióticos comuns a todos os sistemas semióticos.
Consoante Nöth (2003), é ainda mister fazer uma distinção entre o desenvolvimento da
semiótica propriamente dita e os estudos semióticos avançados. Os estudos semióticos, que
coincidem com a origem da filosofia, especialmente em Platão e Aristóteles, tiveram seu
início com Johann Heinrich Lambert (1728-1777), que publicou um tratado filosófico
específico intitulado Semiotik, e com John Locke (1632-1704), que lançou o Essay on Human
Understanding (1690) postulando uma doutrina dos signos com o nome de semeiotiké. Essa
doutrina pode ser entendida como semiótica avant la lettre, abarcando todas as investigações
sobre a natureza dos signos, da significação e da comunicação na história das ciências.
A semiótica propriamente dita tem suas raízes na história da medicina, entendida como
estudos diagnósticos dos signos das doenças e utilizada pelo médico Galeno de Pérgamo
(139-199 d.C.) para inserir a diagnóstica como a parte semiótica da medicina. Atualmente, o
termo, na medicina, foi abandonado ou restrito à sintomatologia.
37 HJELMSLEV, L. Prolegomena to a theory of language. Madison: University of Wisconsin Press, 1961.
71
Em 1969, a Associação Internacional de Semiótica, por iniciativa de Roman Jakobson,
determinou a utilização da semiótica como termo geral do território de investigações tanto no
âmbito da semiologia quanto da semiótica geral.
2.3.2 A conceituação lógica do signo
Para a compreensão e o conhecimento de qualquer fenômeno, a consciência produz um signo,
sendo que tal acontecimento está situado no nível da percepção, isto é, consiste na
interposição de uma camada interpretativa entre a consciência e o que é percebido. Dessa
forma, é estabelecida a relação do homem com o mundo: ele o interpreta através de uma
representação de outra representação, o que Peirce definiria como Interpretante da inicial.
Assim, há uma relação de dependência de conhecimento na representação entre os dois
signos. Para se conhecer e conhecer, o homem traduz signos em signos. Em síntese, um signo
está em uma relação de três elementos envolvidos em uma ação bilateral ad infinitum: de um
lado, ele representa o que está fora dele, o objeto; do outro, ele se dirige a um indivíduo, que,
por sua vez, processa-o, traduzindo-o em um novo signo que possa ser entendido. Enfim, o
significado é algo que se move e se furta incessantemente, garantindo ao ser humano o que se
pode chamar de consciência interpretativa.
Na obra de Peirce38, existem múltiplas conceituações para o termo signo. Dentre elas,
Santaella (2007, p. 58) destaca:
Um signo intenta representar, em parte pelo menos, um objeto[,] que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo se o signo representar seu objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete uma mente, de tal modo que, de certa maneira, determine naquela mente algo que é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a causa imediata ou determinante é o signo, e da qual a causa mediata é o objeto, pode ser chamada o Interpretante.
Em outras palavras, o signo é algo que representa algo: seu objeto. Portanto, o signo só
pode existir na condição de representar outra coisa diferente dele mesmo. Ele não é o objeto
em si, mas sim o que está no lugar dele, independente da natureza desse objeto, como uma
imagem mental ou palpável, uma ação ou mera reação gestual etc. Assim, ele só pode 38 Charles Sanders Peirce (1839-1914) é considerado o precursor mais importante da semiótica moderna e pode-se dizer que
seu objeto de estudo é a semiose.
72
representar o objeto de certa forma e em uma determinada capacidade. Contudo, vale reter a
conceituação de Interpretante, que não está vinculada o intérprete do signo, mas sim com o
processo relacional que se cria na mente do intérprete. A partir da relação de representação
signo-objeto, é gerado na mente do intérprete outro signo, traduzindo-se, desse modo, o
primeiro.
Uma representação gráfica, como a da FIGURA 5, é válida para o melhor
entendimento das relações entre os signos, objetos e interpretantes.
FIGURA 5. Definição gráfica de signo Fonte: Santaella (2007, p. 59).
Na terminologia adotada por Peirce e demonstrada na FIGURA 6 a seguir, o
representamen é tomado como o primeiro elemento que se relaciona com o objeto (segundo),
habilitado a determinar um terceiro, o Interpretante (NÖTH, 2003). O representamen é a
denominação dada por Peirce ao objeto perceptível (CP, 2.230)39 utilizado como signo para o
receptor e é considerado como o veículo do objeto à mente do próprio receptor, ou o signo em
si mesmo.
39 Nas citações referentes ao trabalho de Charles Sanders Peirce, Collected Papers (CP), os números se referem aos volumes e aos seus respectivos parágrafos: p. ex. (CP, 2.308).
73
FIGURA 6. Triângulo semiótico de Peirce Fonte: adaptado de Chandler (2007, p. 30)
O objeto, segundo elemento do signo, corresponde ao referente, à coisa em uma
relação que tem por função apenas aproximar o intérprete do representamen. Os objetos
podem ser uma coisa material do mundo do qual há um conhecimento perceptivo (CP, 2.230)
ou uma entidade mental ou imaginária de um pensamento ou signo (CP, 1.538). No entanto,
Peirce ainda delimita uma terceira possibilidade de existência do objeto além das
supracitadas: uma coisa que é inimaginável em determinado sentido.
Peirce reconhece dois tipos de objetos: imediato e mediato. O primeiro é uma
representação mental do objeto, quer ele exista ou não. É o objeto dentro do signo; é o objeto
“como o signo mesmo o representa e cujo ser depende, portanto, da representação dele no
signo” (CP, 3.536); o objeto imediato refere-se à forma enquanto objeto dinâmico, aquilo que
o signo substitui, e está representado no signo. O objeto mediato, real ou dinâmico é “o objeto
fora do signo”; é a “realidade que, de determinada maneira, realiza a atribuição do signo à sua
representação” (CP, 4.536). É, pois, aquilo que só pode ser indicado, cumprindo sublinhar que
o signo não pode se expressar por si só, mas sim a partir de algo que o intérprete define por
experiência própria (CP, 8.314).
O terceiro elemento constituinte do signo é a significação desse signo, ou Interpretante
(NÖTH, 2003), definido por Peirce como o próprio resultado significante, isto é, o efeito do
signo (CP, 5.474). De acordo com a teoria peirceana das ideias e com seu conceito de
74
semiose, “um signo dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo
equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. [...] o signo assim criado [é] o
interpretante do primeiro signo” (CP, 2.228). Dessa forma, percebe-se a noção de semiose
ilimitada definida por Peirce, por meio da qual um signo cria um interpretante que pode ser
considerado um representamen de outro signo e assim ad infinitum (CP, 2.92, 2.303).
Destarte, há uma geração sucessiva de signos, não sendo apresentados nem o primeiro nem o
último. Tal processo de semiose, apesar de sempre se dirigir a outro como uma espiral
ilimitada, pode ser suspenso, interrompido, mas não finalizado (CP, 5.284).
Como no caso dos objetos, Peirce também classifica o interpretante em classes de
forma triádica, subdividindo o efeito do signo sobre a mente do intérprete e descrevendo três
categorias maiores de interpretantes: o imediato, o dinâmico e o final. A primeira categoria, o
interpretante imediato, está relacionada com a qualidade natural da impressão, isto é, com a
potencialidade de representação não reflexiva, a qual um signo é capaz de produzir sem uma
reação real (CP, 8.315). O interpretante dinâmico, considerado a segunda categoria, está
relacionado com o resultado direto gerado no intérprete por um signo; é a coisa
experimentada individualmente e que se distingue em cada caso de interpretação; é cada
efeito que qualquer indivíduo pode produzir; tal experiência depende da natureza do signo e
do seu potencial como signo.40 A última categoria definida por Peirce, a do interpretante final,
está ligada ao hábito e à lei, ou à interpretação final decisiva a que cada intérprete pode chegar
(CP, 8.184). Caso o signo seja convencional ou de lei, o interpretante é um signo que retorna
ao signo anterior e o traduz em um signo de igual natureza, e assim infinitamente, o que é
denominado por Peirce como interpretante em si, haja vista que, nesse caso, há uma
generalidade de respostas com relação ao signo em determinadas condições.
2.3.3 Semiótica e objetos de uso
Entendida a semiótica não apenas como a ciência dos sistemas de signos propriamente ditos,
reconhecidos e reconhecíveis, mas como a ciência que analisa todos os fenômenos culturais
como sistemas de signos e de comunicação, pode-se dizer que é nos objetos de uso onde
40 De acordo com Santaella (2007), há, ainda, o interpretante dinâmico energético, que pode ser caracterizado
por uma influência externa, uma ação concreta, que altera a resposta do interpretante dinâmico, sendo o interpretante dinâmico energético considerado o segundo nível do interpretante dinâmico.
75
reside o maior desafio da realidade a ser explicada. Tal provocação se explica pelo fato de os
objetos de uso, a princípio, não comunicarem, mas sim funcionarem. Sendo assim, o primeiro
problema que se apresenta para a semiótica no momento em que deseja desvendar os
fenômenos culturais é saber se funções podem ser também interpretadas sob o aspecto
comunicacional e se a observação dessas funções sob esse ângulo impediria sua compreensão
e definição exatamente como funções, permitindo outros tipos de funcionalidade, também
essenciais (ECO, 2005a).
Na perspectiva de Barthes (2006), uma vez caracterizada a existência de um grupo
social, qualquer forma de utilização é convertida em um signo dela mesma. Assim, um objeto
de uso que executa determinada função, não só a possibilita, como também a promove.
Porém, afirmar que um artefato promove determinada função aponta, da mesma forma, que
ele assume uma função comunicacional, informando a função a ser executada; e, em um
contexto social, veicula a adequação de suas formas de uso. Em outros termos, um artefato
promove determinada função e significa o modo como tal função deve ser executada (ECO,
2005a).
Entretanto, Eco (2005a) levanta a questão de se o que vem sendo entendido agora
como comunicação não seria apenas estimulação, sendo o estímulo um emaranhado de
acontecimentos sensoriais que conduzem a determinada resposta, que pode ser imediata ou
mediata. Respostas imediatas advêm de estímulos sensoriais que não são resolvidos com a
percepção, não fazendo parte, portanto, da inteligência e não transpondo apenas uma resposta
motriz. Por outro lado, as respostas mediatas dependem do reconhecimento da relação entre
objetos, o que pode ser considerado uma situação além de uma pura relação estímulo-
resposta, conduzindo a um procedimento intelectivo que sofre intervenções de processos
sígnicos. A identificação dos signos relacionados a tais processos é realizada com base no
reconhecimento de informações passadas, apreendidas; o indivíduo, tendo reconhecido os
signos, ou signo, torna-se capaz de perceber o estímulo proposto e a possibilidade de uma
função realizável. Desse modo, a utilização dos objetos de uso se estende para além das
funções possíveis, abrangendo os significados associados que dispõem ao indivíduo usos
funcionais. Destarte, objetos podem denotar e conotar funções específicas de acordo com o
sistema cultural em que estão inseridos.
76
2.3.4 Denotação e conotação
Denotação e conotação são conceitos importantes e úteis que estabelecem distintas relações
entre significante e significado. Esses termos permitem a descrição de dois significados
(conotativo e denotativo), ambos relacionados ao repertório cultural dos indivíduos
(CHANDLER, 2007).
Por denotação entende-se o literal, o sentido atual do signo ou ao significado comum e
opera no nível do significante (HJELM, 2002, CHANDLER, 2007); em objetos de uso,
refere-se ao que um produto é: um sofá, um refrigerador, uma joia etc. Pode ser adicionada,
no caso dos objetos de uso, a função básica de um produto ou o modo de utilização desse
objeto: um sofá para assentar-se, um refrigerador para conservar alimentos, uma joia para
adornar e assim analogamente em outros objetos. Segundo a mesma autora, tais conceitos
parecem ser bastante óbvios; no entanto, no mundo contemporâneo, saber o que é um produto
e como utilizá-lo pode constituir uma atividade um tanto quanto difícil; mas essa é exatamente
uma das tarefas de que se incumbe a semiótica de produtos. Produtos devem ser ambíguos e
de fácil uso e, ainda, ter suas funções claramente comunicadas, não necessitando
(preferencialmente) de manuais de instrução.
Sabe-se que, além dos sentidos literais, outras concepções, ou conceitos, podem ser
atribuídas aos objetos, o que ocorre no nível do significado e é definido como conotação
(HJELM, 2002). O termo conotação é utilizado como referência a associações específicas,
isto é, atribuições de sentido socialmente construídas, ou personalizadas, no objeto. Assim, a
conotação é dependente do contexto, fazendo com que os signos sejam mais abertos a uma
maior gama de interpretações.
A denotação e a conotação são usualmente apresentadas como níveis diferentes de
sentidos e Barthes (1999) introduz a ideia de novas ordens de significação. A primeira ordem
de significação é a própria denotação, isto é, o signo consiste em significante e significado41.
A segunda ordem, ou conotação, consiste no uso do signo denotativo como significante,
sendo a ele é atribuído novo significado.
41 Cf. Seção 2.3.5: FIGURA 7, p. 79.
77
Não obstante, a separação entre a primeira e a segunda ordem de significação é difícil,
o que gerou, conforme aponta Barthes (1999), a terceira ordem de significação: o mito42.
Trata-se de ideologias dominantes que sofrem mudanças ao longo da história, isto é, “o mito
tem efetivamente uma dupla função: designa e notifica, faz compreender e impõe [...];
transforma história em natureza” (BARTHES, 1999, p. 139). Para sua manutenção, os mitos
geram seus signos e códigos e podem ser entendidos de forma estendida como metáforas que
auxiliam os indivíduos a dar sentido às suas experiências dentro de suas respectivas culturas
(LAKKOF; JOHNSON, 1980). Portanto, os mitos têm por função tornar naturais formas
ideológicas, fazendo com que valores históricos e culturais, atitudes e crenças se tornem
“naturais” e façam, assim, parte do senso comum (BARTHES, 1999). Vale aqui ressaltar que
a conversão de formas artificiais a naturais se dá, não raramente, através do design e, nos
dizeres de Forty (1986 apud HJELM, 2002, p. 6): “diferentemente da mídia mais ou menos
efêmera, o design tem a capacidade de lançar mitos em formas duradouras, sólidas e
tangíveis, parecendo, assim, eles mesmos a própria realidade”43. Tais conversões, quando
tratadas de modo contextualizado, isto é, quando similares e consideradas em ambientes
culturais distintos, podem apresentar, ainda, diferentes formas de articulação.
2.3.5 Mito e semiologia: articulações simbólicas
No âmbito da semiótica, os mitos são interpretados como discursos culturais que consistem
em significados conotativos impressos em níveis denotativos (CHANDLER, 2007; NÖTH,
1995).
Portanto, a semiologia, ou semiótica como aqui entendida44, estuda a relação entre dois
termos, o significante e o significado, estabelecendo uma relação de equivalência entre dois
elementos. Entretanto, vale ressaltar que em um sistema semiológico, diferentemente da
linguagem comum, devem ser considerados três termos: o significante, o significado e o
signo, que é a resultante associativa dos dois primeiros e exemplificado por Barthes:
42 Cf. Seções 2.2.7 e 2.3.5. 43 Tradução do autor para: “unlike the more or less ephemeral media, design has the capacity to cast myths into
enduring, solid and tangible form, so that they seem to be reality itself ”. 44 Cf. Seção 2.3.1.
78
Temos um ramo de rosas: faço-o significar a minha paixão. Não só existem rosas “passionalizadas”. Mas, no plano da análise, estamos perante três termos; pois estas rosas carregadas de paixão deixam-se perfeita e adequadamente decompor em rosas e em paixão: esta e aquelas existiam antes de se juntarem e formarem este terceiro objeto, que é o signo. (BARTHES, 1999, p. 135, grifo no original)
Com esse exemplo, o autor deixa claro como um signo é composto e decomposto.
Nesse caso, após a formação do terceiro elemento [paixão], o significante [rosas] esvazia-se,
dando espaço à plenitude do signo e à formação de um sentido. No plano da experiência, não
é possível a dissociação entre as rosas e a mensagem e, no plano da análise, não se pode
confundir o significante “rosas” com o signo “rosas”45.
O mesmo sistema semiológico [o significante, o significado e o signo] pode ser
encontrado no mito, o qual, porém, apresenta uma particularidade: a existência de um
segundo sistema semiológico, como mostrado na FIGURA 8. O que no primeiro sistema é
tido como signo é, no sistema mítico, caracterizado como significante, valendo aqui sublinhar
que as matérias-primas para a fala mítica (i.e., linguagem, fotografias, pinturas, ritos e
objetos) se reduzem simplesmente à função significante. O mito considera apenas a resultante
global da primeira cadeia semiológica: um signo global. É esse signo global que dá início ao
sistema aumentado pelo mito construído.
45 Tal distinção entre os três elementos constituintes do signo torna-se importante para o entendimento do mito
como sistema semiológico, vez que este é construído e historicamente mutável.
79
FIGURA 7. Cadeia semiológica do mito Fonte: adaptado de Barthes (1999, p. 137).
Com base na FIGURA 7, no mito se apresentam dois sistemas semiológicos: a
linguagem, ou modos de representação que lhe valem, e seu próprio sistema. Barthes (1999)
preferiu denominar esses sistemas respectivamente de linguagem-objeto e metalinguagem,
como se pode observar na FIGURA 8. Todavia, a primeira cadeia, no caso do mito, não deve
ser considerada além do seu respectivo signo global, que lhe atribui sentido, resultante da
interação entre os outros elementos do signo, o qual, por sua vez, passa a exercer função
significante; e é, por isso, que as outras linguagens, como a escrita ou a imagem, vistas como
linguagem-objeto, podem ser tratadas da mesma forma.
80
FIGURA 8. Dupla articulação do sistema semiológico no mito Fonte: elaborada pelo autor com base em Barthes (1999)
Ao avançar em direção ao mito, cabe especificar seus elementos, sua terminologia. No
mito, o significante pode ser visto de modo ambíguo: é denominado sentido no âmbito da
língua e forma nele mesmo. O significado continua sendo denominado como conceito. Já o
terceiro termo, o signo, no mito se apresenta como significação, dada a sua dupla função:
“designa e notifica, faz compreender e impõe” (BARTHES, 1999, p. 139), como mostra a
FIGURA 9.
FIGURA 9. Definição gráfica da articulação mítica Fonte: elaborada pelo autor com base em Barthes (1999)
81
Sentido e forma se apresentam de modo concomitante no mito, vazio de um lado e
pleno de outro. Como sentido, o mito já prende a leitura e tem uma realidade sensorial, possui
uma história e uma significação, pressupõe “um saber, um passado, uma memória, uma ordem
comparativa de fatos, de ideias, de decisões” (BARTHES, 1999, p. 139). Segundo o mesmo
autor, ao transformar-se em forma, o mito tem seu sentido enfraquecido e é, paradoxalmente,
forçado a fazer com que seu significante busque significado próprio. Contudo, o principal
aspecto dessa relação é que a forma não anula o sentido; ela apenas o enfraquece, deixando-o
à sua disposição e transformando-o em uma reserva histórica. A forma precisa da relação
“parasitária” estabelecida com o sentido, isto é, precisa se apoiar nele, voltar às raízes e por
vezes ali se alimentar; e, acima de tudo, a forma precisa se esconder no sentido.
“O conceito restabelece uma cadeia de causas e efeitos, de motivações e de intenções”
(BARTHES, 1999, p. 140). Através dele é implantada, no mito, uma nova história, ou melhor,
ao passar de sentido a forma, o mito perde seu passado tornando-se disponível para o saber do
conceito, o qual, por sua vez, é um saber confuso, composto por relações esmaecidas,
ilimitadas, de cuja função dependem a unidade e a coerência (BARTHES, 1999). Assim, a
principal característica do conceito mítico é a possibilidade de apropriação, isto é, o conceito
permite diferentes entendimentos ou percepções acerca da mesma forma. Em outras palavras,
o significado, no conceito mítico, pode ter inúmeros significantes. Os conceitos míticos
podem se construir, se alterar, se desfazer e desaparecer completamente e, por serem
históricos, podem pela própria história ser eliminados.
Em semiologia, a resultante entre dois elementos é denominada significação, e o mito é
justamente essa significação. No mito, os dois primeiros elementos – forma e conceito – estão
presentes; o mito não tem por função esconder, mas sim deformar. “Não há nenhuma latência
do conceito em relação à forma: não é absolutamente necessário um inconsciente para
explicar o mito” (BARTHES, 1999, p. 143). A presença da forma é literal e estende-se, o que
se deve à natureza já constituída do significante mítico, que só pode oferecer-se através da
matéria – diferentemente do significante linguístico, que se apresenta de forma psíquica. No
mito visual, a extensão é multidimensional: os elementos da forma, espacial, estabelecem
relação de lugar, ao passo que o conceito é disforme, fluido. Assim, o que liga o conceito à
forma no mito é uma relação de deformação, que só é possível devido ao fato de a
constituição da forma no mito já ser previamente concebida por um sistema de significação
82
anterior, cultural. No mito, o significante possui duas faces: uma tomada pelo sentido, plena, e
outra vazia, a forma; sendo a primeira deformada pelo conceito.
A significação, resultante da relação entre forma e conceito, é sempre motivada. O
mito precisa da duplicidade da forma para que possa existir, isto é, a analogia entre forma e
sentido dá sentido à linguagem mítica, motivando o mito. Barthes (1999, p. 149) exemplifica:
Tenho diante de mim uma coleção de objetos, tão desordenada que não consigo descobrir-lhe nenhum sentido; poderia parecer que neste caso, privada de sentido prévio, a forma não pudesse enraizar em nenhum lugar a sua analogia e que o mito fosse impossível. Mas o que a forma pode sempre, pelo menos, oferecer à interpretação é a própria desordem: pode conferir uma significação ao absurdo, fazer do absurdo um mito.
As analogias atribuídas às formas são geradas através da história, mas a analogia entre
forma e conceito nunca é completa. Destarte, a linguagem mítica prefere se apropriar de
figuras enfraquecidas, pobres, incompletas, nas quais o sentido está aberto para diversas
significações e a motivação é passível de ser escolhida entre diversas possibilidades.
2.3.6 Signos e objetos de uso
Os signos dos objetos de uso devem ser caracterizados “apenas com base num significado
codificado que um dado contexto cultural atribui a um significante” (ECO, 2005a, p. 196).
Dessa forma, os códigos são construídos como modelos estruturais postulados com hipóteses
teóricas, ainda que embasadas em constâncias inferidas pela observação dos usos
comunicacionais. Tal imposição semiótica admite, no signo dos objetos de uso, a existência
de um significante, cujo significado é a função por ele possibilitada.
Diante desse ponto de vista semiológico – fazendo diferenciação entre significantes e
significados, sendo os primeiros observáveis e descritíveis, prescindindo dos significados que
lhes são atribuídos, e os segundos variáveis de acordo com os códigos traduzidos a partir dos
significantes –, torna-se possível o reconhecimento de significantes descritíveis e catalogáveis
nos signos dos objetos de uso. Esse reconhecimento conta com a possibilidade de denotação
de funções precisas de acordo com determinados códigos, que, por sua vez, podem ser
preenchidos de significados sucessivos denotativa e conotativamente com base em outros
códigos.
83
Deve-se aqui delimitar o que se entende por funções primeiras e funções segundas.
Funções primeiras (denotadas) são aquelas de tradição funcionalista, isto é, funções
propriamente ditas, como descer, comer e viver junto. Por funções segundas (conotadas) têm-
se as classificadas como valores simbólicos (ECO, 2004).
Denotativamente, sob o aspecto comunicacional, “o objeto de uso é o significante
daquele significado exata e convencionalmente denotado que é a sua função” (ECO, 2005a, p.
198); ademais, esse objeto significa uma concepção ou forma de uso, ainda que não utilizada.
Todavia, determinadas formas podem não ser reconhecidas como determinantes de certas
funções, exigindo, para sua fruição, o conhecimento prévio de um código específico para sua
utilização. Assim, sob a óptica comunicacional dos objetos de uso,
o princípio de que a forma segue a função significa que a forma do objeto não só deve possibilitar a função, mas denotá-la tão claramente que a torne, além de manejável, desejável, orientando para os movimentos mais adequados à sua execução. (ECO, 2005a, p. 200)
Portanto, a habilidade de um designer não é capaz de tornar funcional uma nova forma
sem o apoio em processos de codificação já existentes. A função é denotada pela forma
apenas com base em um sistema de expectativas e hábitos adquiridos. Não obstante, a
instituição de novas funções não deve se apoiar exclusivamente em sistemas de significados
construídos e conhecidos; pode, sim, basear-se em funções estéticas da mensagem artística.
Disso depreende-se que um objeto de uso cujo objetivo é promover uma nova função primeira
pode conter em sua forma as pistas para a decodificação da função inédita somente quando se
apoia em elementos de códigos precedentes, ou melhor, somente quando deforma
gradualmente funções conhecidas.
Por outro lado, os objetos de uso conotam determinadas ideologias das funções e
podem, ainda, conotar outras coisas. Destarte, a atribuição de funções passa a englobar a
gama de todas as atribuições comunicacionais de um objeto, uma vez que, em uma sociedade,
as conotações simbólicas (segundas) de um artefato não são menos úteis que suas denotações
funcionais (primeiras); e vale ressaltar que tanto as conotações simbólicas como funcionais,
além de seus sentidos metafóricos, comunicam uma utilidade social do artefato que não se
identifica imediatamente com a função primeira (ECO, 2004, 2005a). Portanto, as funções
84
significadas pelos objetos de uso são classes de funções possíveis; não são funções
executáveis nem executadas; são unidades culturais antes mesmo de se tornarem atos práticos
(ECO, 2004).
Porém, deve-se sublinhar que os códigos dos objetos de uso são voltados para
transmitir soluções já elaboradas. Assim, cabe aos mesmos apresentar aos seus contextos
aquilo que seus próprios fruídos lhes indicam, e não o contrário. Sendo realizada a análise sob
esse ponto de vista, os objetos de uso são um serviço que provê soluções técnicas mais
elaboradas de uma demanda pré-constituída. Por conseguinte, a linguagem dos objetos de uso
pode ser definida como uma linguagem retórica que deposita técnicas argumentativas já
provadas, codificadas e interiorizadas pelo corpo social no qual se apoia.
Uma vez considerada a linguagem dos objetos de uso como retórica, pode-se
estabelecer estreita ligação dessa linguagem com a comunicação de massa. Essa ligação pode
ser encontrada quando se especifica o discurso dos objetos de uso no que diz respeito: à
persuasão, na qual as premissas adquiridas são mescladas a argumentos conhecidos e aceitos,
induzindo a determinado tipo de consenso; ao discurso dos objetos de uso, no qual o
indivíduo é desapercebidamente violentado e conduzido a seguir as instruções do designer,
que significa funções e, ainda, promove e induz à fruição desatenta da “fala”; à existência de
significados aberrantes, movendo-se entre o máximo de coerção e o máximo de
irresponsabilidade; à obsolescência dos objetos de uso; e à sua relação com a sociedade de
consumo, em cujo ambiente tecnológico e econômico o designer deve penetrar, buscando
absorver suas razões, ideias e movimentos, mesmo que para contestá-los (ECO, 2005a).
Contudo, ainda que se assemelhe às linguagens atribuídas à comunicação de massa, a
linguagem dos objetos de uso vai além dos limites daquelas. Esses objetos possuem
características heurísticas e inventivas, trazem algo de novo; não apenas conotam
determinadas ideologias de funcionamento e podem, ao subsistir, criticar os modos e as
ideologias funcionais precedentes.
As técnicas suasórias empregadas na concepção de objetos de uso fazem com que
funções sejam denotadas e, no ponto em que as formas são identificadas com os materiais que
as sustentam, esses objetos se autossignificam. Nos dizeres de Eco (2005a, p. 227) “[O
objeto,] autossignificando-se, informa, ao mesmo tempo, não só sobre as funções que
promove e denota, mas também sobre o MODO como decidiu promovê-las e denotá-las”.
85
Desse ponto de vista, segundo o mesmo autor, surge a noção de styling, em que há
justaposição de novas funções segundas a funções primeiras invariadas; fingidamente aquelas
informam (na realidade, confirmam), utilizando novas estratégias suasórias, o que o usuário
desejava, fazia e sabia. Entretanto, a ressemantização de objetos através do styling pode
aparecer como tentativa de conotar – com o uso de novas funções – uma distinta forma de
determinado objeto. Enquanto os modos de vida cotidiana são alterados, a função primeira
permanece inalterada, mas as atribuições de novas conotações permitem uma revisão da
maneira como são vislumbrados os objetos (isso no sistema de outros objetos em contextos
específicos e na relação estabelecida entre todos no seu conjunto).
Dito isso, tem-se que o designer deve articular os significantes dos objetos de uso
buscando denotar funções, as quais, por sua vez, são os significados de tais significantes.
Todavia, o sistema funcional pertence, sim, ao âmbito de outros setores da cultura; é também
fato da cultura, mas é fundado por outros sistemas de comunicação que informam a realidade
com outros instrumentos provenientes da sociologia e da antropologia cultural, dentre outras
áreas do conhecimento. Portanto, os objetos de uso informam o que na realidade não lhes
pertence – isso por poderem ser nomeados mesmo se não existissem, dessa forma, residem na
antropologia cultural os códigos para a concepção dos objetos de uso (ECO, 2005a).
Ao ser tratada a narrativa semiológica com base em sistemas de comunicação, a
mesma deve ser elaborada do lado esquerdo do triângulo de Ogden & Richards46 (1966 apud
ECO, 2005a) – FIGURA 10 – devido ao fato de que a semiologia estuda os códigos como
fenômenos de cultura e – insensível às realidades verificáveis a que os signos se referem –
somente deve examinar como se fixaram regras de equivalência entre um significante e um
significado, através de um interpretante que signifique tais códigos a partir de outros
significados e a partir de regras de articulação entre os elementos do repertório paradigmático.
46 OGDEN, I. A.; RICHARDS, I. A. Il significato del significato. Milão: Saggiatore, 1966.
86
FIGURA 10. Triângulo de Ogden & Richards Fonte: Ogden & Richards (1966 apud ECO, 2005a, p. 21)
Tal fato não implica afirmar que o referente não exista, mas sim que ele constitui
elementos de outras ciências, ao passo que o estudo do sistema de signos pode e deve
desenvolver-se no universo das convenções culturais regulatórias do intercâmbio
comunicacional. Como afirma Eco (2005a, p. 234):
As regras que governam o mundo dos signos dizem respeito ao mundo dos signos: dependem de convenções comunicacionais postuladas como tais [...] ou, dentro de uma perspectiva ontológica, dependem de uma eventual estrutura universal da mente humana segundo a qual somos falados pelas próprias leis de toda linguagem possível.
Por essa razão, fala-se em código antropológico, ou seja, em fatos relacionados ao
universo das relações sociais e das determinações ambientais, porém vistos somente enquanto
já codificados, isto é, reduzidos a sistemas culturalizados. Dessa forma, a questão da
utilização de códigos externos levantada por Eco permanece do lado esquerdo do triângulo de
Ogden & Richards – FIGURA 10 – e, do ponto de vista do design, o referente físico aparece
já mediado por um sistema de convenções, que permite a sua tradução em um código
comunicativo, apresentando não seu referente físico, mas um significado cultural. Portanto, o
signo gerado através do design se converte no significante, que denota uma função ou
87
possibilidade de uma função, a qual, por sua vez, torna-se o significante que conota um
significado simbólico com valor social.
Na visão de Eco (2005a), a linguagem do design poderia ser considerada parasitária,
como o mito47 de Barthes (1999), uma vez que carece de outras linguagens para se exprimir.
Porém, tal afirmação em nada reduziria a importância do código pertencente às regras do
design, pois há outros códigos desenvolvidos para expressar em seus termos os significantes
de outras linguagens e pois, na verdade, até mesmo a linguagem verbal interfere em processos
de comunicação ao se apropriar de outras linguagens.
Deve-se ainda admitir a possibilidade de os códigos do design serem considerados
fracos sob vários aspectos e serem sujeitos a reestruturações constantes. Tal possibilidade se
deve à existência de uma sequência não catalogada de códigos antropológicos em contínua
mutação e variação de uma sociedade para outra. Destarte, os códigos do design precisam
rever suas regras constantemente de modo a se adequarem à função de significação de
significantes de outros códigos. Ao extremo, tais códigos devem não somente reestruturar
suas regras com vistas à possibilidade de adequação aos códigos antropológicos aos quais se
refere, mas também desenvolver modelos gerativos que permitam a previsão de códigos
futuros não percebidos no contexto atual (ECO, 2005a).
Resta, pois, ao designer viver em um mundo de construção e de desconstrução de si
mesmo para que possa prestar seu serviço. Esse profissional vê-se forçado a se converter em
sociólogo, antropólogo, político, semiólogo etc. Compelido a buscar maneiras que informem
sistemas de exigências sobre as quais não tem poder e obrigado a manipular uma linguagem,
como a do design, que constantemente deve falar algo distinto de si mesmo, o designer é
coagido a pensar a totalidade e “projetar funções primeiras variáveis e funções segundas
abertas” (ECO, 2005a, p. 243).
2.3.7 Análise semiótica
Dá-se o nome de análise semiótica ao estudo das relações existentes entre os elementos
constitutivos das formas simbólicas, ou dos signos, e das relações entre tais elementos e os do
sistema mais amplo, do qual as formas simbólicas, ou os signos, podem fazer parte
47 Cf. Seção 2.3.5.
88
(THOMPSON, 1995). A análise semiótica exige uma abstração metodológica dos contextos
sócio-históricos de produção e recepção das formas simbólicas, focando, assim, nas próprias
formas simbólicas. Em outros termos, tem como foco os elementos constitutivos, suas inter-
relações e as características estruturais internas dos símbolos, interligando-as aos sistemas de
códigos dos quais os signos, ou formas simbólicas, fazem parte. Por conseguinte, a
contribuição da análise semiótica consiste na sua capacidade de desvendar, ao menos em
parte, as maneiras pelas quais produtos são construídos através de formas simbólicas. Tal
desvendamento é possível por meio da identificação dos elementos constitutivos das formas
simbólicas e suas inter-relações, através das quais uma mensagem é construída e transmitida.
Entretanto, a utilização da análise semiótica não pode ser enxergada como autossuficiente
para o estudo das formas simbólicas. Tal sistema de investigação é, de certo modo, parcial, o
que gera limitações na compreensão das maneiras como se dá a combinação dos elementos
para que tais formas simbólicas digam algo de algo.
89
3 ESTUDO EXPERIMENTAL
3.1 Pesquisa de campo
Este estudo foi realizado na cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, no período
que compreende ao segundo semestre do ano de 2011. Para a realização da investigação a
amostra contou com a participação voluntária de dez indivíduos pesquisados. O acesso aos
pesquisados (Pn) que deram início ao processo de investigação (P1, P2, P7, P8, P9 e P10) foi por
conveniência, porém, foi respeitado o critério Classe C48 para a seleção dos mesmos. Além
disso, ainda que tenha sido estipulado, com base em Marconi & Lakatos (2003), o percentual
de 10% da amostra da pesquisa49, ou seja, um total de seis pesquisados para este estudo piloto,
é importante ressaltar que foram, a estes e por segurança, somados quatro indivíduos em caso
de desligamento de algum participante, vez que o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (Apêndice 1) garante aos pesquisados o direito de desistência de participação
durante o processo de investigação mesmo que em andamento. Destaca-se que, no caso do P2,
foram utilizadas as duas técnicas de pesquisa definidas na metodologia da investigação50:
observação participante e não-participante. Para a observação participante foram realizados os
mesmos procedimentos de coleta de dados, no entanto e diferentemente do Pesquisador
Voluntário (PR), o Pesquisador Responsávelº(PR)51 residiu por um período de 15 dias no
domicílio do referido pesquisado. Dessa forma, foi possível fazer uso, observar, realizar os
registros fotográficos e tomar notas sobre as formas de utilização do objeto de pesquisa em
questão [refrigerador] in loco. As impressões acerca de todo o processo referente à coleta de
dados da pesquisa encontram-se nos tópicos a seguir e ressalta-se, ainda, que tal processo foi
subdividido em duas fases principais, nomeados como Coleta de Dados 1 e 2.
3.2 Acesso à amostra
Nos primeiros contatos com a finalidade de ter acesso a indivíduos a serem pesquisados, por
se tratar de uma amostra que devesse atender principalmente ao critério Classe C, foi possível
48 Cf. nota 9, p. 27. 49 Cf. nota 7, p. 25. 50 Cf. 1.4, p. 25. 51 Felipe Domingues (Pesquisador responsável) e Pedro Henrique dos Santos Campos (Pesquisador voluntário).
90
perceber certa resistência no que se refere à explicitação da renda domiciliar52 por parte de
alguns pesquisados e também com relação à participação na pesquisa. Tal afirmação está
baseada em questionamentos, comentários e comportamentos de Possíveis Pesquisados (PP)
como: “... para quê você precisa saber isso?” [PP1 em tom ríspido]; “... hmmmm... preciso
comprovar?” [PP2 em tom de quem não se sente confortável com a indagação]. Além disso,
nos casos do PP4 e do PP5, mesmo após terem agendado a visita com o Pesquisador
Voluntário (PV) via conversa telefônica, ao se aproximar a data do encontro, ambos
desmarcaram seus apontamentos bem como justificaram, direta ou subjetivamente, suas
respectivas indisponibilidades para participarem da pesquisa: “... tenho que desmarcar por que
tenho outro compromisso.” [PP4], dessa forma o PV tentou, na mesma conversa remarcar a
visita e, mais uma vez, o PP4 apresentou justificativa para não participar do estudo: “... tenho
que verificar... nunca paro em casa.” [Pelas impressões do PV sobre a fala de PP4 não valeria a
pena continuar insistindo com o mesmo]. No caso do PP5, da mesma forma, foi agendada
visita por telefone e, no ato da confirmação, via Microsoft MSN®, segundo o PP5, o mesmo
tinha outro compromisso e não sabia se teria como providenciar os documentos que
comprovassem a renda domiciliar dentro do prazo estipulado; as impressões do PV foram que
o PP5 realmente justificava sua indisposição em participar da pesquisa ao colocar barreiras
para a realização da visita, PV optou por também não insistir com o possível pesquisado. Por
outro lado, no caso do PP3, houve abertura com relação à questão financeira e, após o
primeiro contato e com base na técnica de coleta de dados bola de neve53, o mesmo foi
indagado sobre a possibilidade de indicação de pessoas que atendessem ao critério Classe C.
De imediato, PP3, agora Pesquisado 1 (P1), iniciou uma listagem de possíveis participantes
para a investigação. Ao ser feita a checagem com relação à renda domiciliar54 junto aos
indicados, a resistência quanto à renda domiciliar permaneceu, ainda que de modo menos
direto e perceptível: “... a senhora Aparecida55, brigou comigo, disse que não recebe pesquisa,
que já perdeu bolsa família por que um moço de pesquisa visitou”; não obstante, parte dos
indivíduos, devido à indicação, se mostrou menos resistente, mas não menos desconfortáveis,
quanto à menção e/ou apresentação de documentos que comprovassem a renda domiciliar.
52 Cf. nota 9, p. 27. 53 Cf. 1.4, p. 25. 54 Cf. nota 9, p. 27. 55 Pseudônimo.
91
Haja vista o comportamento do P4 que, ao ser apresentado ao PR, portava um envelope que
continha documentos, no entanto, o mesmo foi colocado pelo pesquisado cuidadosamente
entre ele mesmo e o apoio de braço de um sofá [como alguém que discretamente esconde algo
que não quer mostrar]. Por outro lado, P8 e P9 não demonstraram nenhuma espécie de
resistência quanto à comprovação de renda. Ao ser realizada a visita ao domicílio do P8, o
mesmo já havia deixado os documentos separados e disponíveis e quando informado sobre a
necessidade de confirmação da renda domiciliar, prontamente disponibilizou os documentos
para comprovação; quanto ao P9, os documentos foram deixados à disposição do PV. Por
conseguinte, pode-se afirmar que o acesso a outros indivíduos bem como às suas informações
pessoais referentes à renda domiciliar foram facilitados mediante a indicação e constatou-se
que, como demonstrado na FIGURA 11, tal procedimento viabilizou o contato direto com
indivíduos, a princípio desconhecidos, que atendessem ao critério de seleção da amostra.
FIGURA 11. Rede de contatos gerados a partir da técnica Bola de Neve Fonte: dados da pesquisa
No entanto, diante dos fatos relatados, com o objetivo de não inviabilizar o acesso à
amostra piloto e não criar antipatia entre pesquisadores e pesquisados, optou-se pela não
exigência de comprovantes de renda; o que não significa que o referido documento não tenha
sido solicitado, mas sim que se optou pelo respeito, pelo conforto e pela preservação da
92
vontade dos pesquisados voluntários com a finalidade de não criar constrangimentos aos
mesmos e tampouco invadir sua privacidade de forma agressiva. Além disso, como a
participação dos pesquisados foi pautada pelo voluntariado e não lhes foi oferecida nenhuma
contrapartida, financeira ou material, entendeu-se como aceitável a confiança na palavra dos
indivíduos quando a restrição relacionada à comprovação da renda domiciliar se colocou
presente de forma verbal, subjetiva ou mesmo comportamental. Vale destacar que, com base
em comentários de pesquisados, para eles a renda informal é considerada importante para a
composição da renda domiciliar e a mesma [renda informal] eleva a entrada de recursos
financeiros nos domicílios e o poder de consumo nos lares, poder este refletido nos bens de
consumo dispostos nos lares visitados. Salvo a mudança de posicionamento com relação ao
acesso à amostra (não exigência estrita de comprovação de renda), o processo de coleta de
dados foi desenvolvido como planejado e sem contratempos.
3.3 Coleta e análise de dados 1: observações e registros fotográficos
Os pesquisados foram contatados, foram agendados os encontros em horários adequados à
visitação aos seus respectivos domicílios e realizadas as visitas. Nos primeiros encontros
foram apresentados tanto os pesquisadores responsável e voluntário quanto a proposta de
investigação em si, isso com base no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice
1). Vale sublinhar que na primeira visita foram, como previsto, realizados registros
fotográficos e anotações com base nas falas dos usuários bem como nas suas próprias
impressões sobre as observações e seus próprios aparelhos.
No que se refere à observação participante, a mesma foi realizada por um período de
15 dias no domicílio do P2. Durante a estadia no domicílio do pesquisado, o PR observou e
compartilhou o objeto em análise [refrigerador] utilizado pelos dois residentes e por ele
mesmo. No período de observação, foram registradas duas manifestações verbais por parte de
P2, através de comentários, entendidos aqui como pertinentes aos objetivos desta pesquisa:
“... tem que ser frost free56” [P2 com sorriso no rosto] e “... o congelador é poderoso” [P2 com
sorriso no rosto em tom de satisfação]. Além disso, em 11 dos 15 dias de estadia, foram
56 Termo do inglês que, traduzido para o português, significa “sem gelo” [Tradução nossa]. Frost free se refere,
especificamente, ao modo de funcionamento do compartimento destinado ao congelamento de alimentos no refrigerador que não permite a formação de camadas de gelo na parte interna do referido local.
93
gerados registros fotográficos com objetivo de documentar possíveis mudanças no objeto em
estudo. Não foram detectadas interferências no objeto além das alterações cotidianas advindas
do uso e movimentação dos alimentos no espaço interno do refrigerador, no entanto, na parte
externa, embora os itens imantados57 não tenham sofrido alterações, houve o acréscimo de um
item [calendário] na lateral esquerda do objeto, o que caracteriza o uso cotidiano das faces
externas do objeto.
Quanto à observação não-participante, diante das impressões provenientes da
observação participante, a mesma se restringiu a três visitas aos domicílios dos pesquisados
com o intuito de captar possíveis alterações que caracterizassem interferências nos
refrigeradores. De modo similar ao ocorrido em P2, as manifestações verbais acerca do objeto
em estudo se mostraram presentes: “... não arrumei nada, não repare...” [P1]; “... ai, não repare
na bagunça.” [P3]; “... vem cá [pesquisado conduzindo PR], ela [geladeira] está ali. Está
desorganizada... estou querendo comprar outra” [P4]; “...ºestá suja e bagunçada, mas está ali.”
[P5]; “... meu Deus! Nem tive tempo de organizar a geladeira!” [P6 disse assentado, sorrindo e
com as mãos no rosto, encolhendo-se e colocando a cabeça praticamente entre seus joelhos];
“... está tudo sujo aí, não tive tempo de arrumar.” [P7]; “... mas é claro que você irá tratar
[pesquisado referindo-se ao uso do programa de computador Adobe Photoshop®] as manchas
e sujeiras do meu refrigerador, não é?”; “... espero que você não repare a bagunça, ok?”; e,
“... eu gosto bastante de iogurte e prefiro manter o produto organizado na caixa” [P8].
Quanto aos registros fotográficos, os domicílios foram visitados por três ocasiões e,
durante as visitas, registros fotográficos foram realizados. Das 277 imagens geradas, 78
correspondem aos registros obtidos durante o período da observação participante e as demais
são provenientes do processo de observação não-participante.
Com base nas impressões obtidas através das técnicas de observação participante, não-
participante e dos registros fotográficos, foi possível a análise dos dados e a geração de
categorias preliminares de análise que dessem subsídio à geração do roteiro de entrevistas em
profundidade.
57 Grosso modo: ímãs de geladeira.
94
3.4 Categorias preliminares de análise
Para a geração de categorias preliminares que apoiassem a elaboração do roteiro de
entrevistas, foram relacionados e analisados (i) todos os aspetos contidos nas falas dos
indivíduos entendidos como relevantes bem como (ii) todos os itens que caracterizassem
interferências dos usuários no objeto.
Os aspectos contidos nas falas dos indivíduos e entendidos como relevantes foram
identificados através da análise comparativa entre os discursos dos indivíduos registrados ao
longo da pesquisa de campo; ou seja, durante os dois processos de observação, as falas dos
indivíduos, quando consideradas relevantes e pertinentes aos objetivos da pesquisa, foram
registradas. Tais registros encontram-se dispostos na Tabela 1, onde também são apresentadas
as possíveis categorias preliminares de análise relacionadas aos discursos dos pesquisados.
Tabela 1 – Falas dos pesquisados e possíveis categorias preliminares de análise
Pesquisado Falas Categoria preliminar
P1 “... não arrumei58 nada, não repare...” Organização
P2 “... tem que ser frost free” [P2 com sorriso no rosto]
“... o congelador é poderoso” [P2 com sorriso no rosto em tom de satisfação]
Condição
Eficiência
P3 “... ai, não repare na bagunça.” Organização
P4 “... vem cá, ela está ali. Está desorganizada... estou querendo comprar outra”
Organização
P5 “... está suja e bagunçada, mas está ali.” Organização
Limpeza
P6 “... meu Deus! Nem tive tempo de organizar a geladeira!” [P6 sorrindo com as mãos na cabeça, encolhendo-se e colocando-a praticamente entre seus joelhos]
Organização
P7 “... está tudo sujo aí, não tive tempo de arrumar.”
“... mas é claro que você irá tratar as manchas [fazer uso do Adobe Photoshop®] e sujeiras do meu refrigerador, não é?”
Organização
Limpeza
Continua
58 Grifos nossos.
95
Conclusão
Pesquisado Falas Categoria preliminar
P8 “... espero que você não repare a bagunça, ok?”
“... eu gosto bastante de iogurte e prefiro manter o produto organizado na caixa”
Organização
P9 Não realizou comentários -
P10 “Não repare... não tive tempo de arrumar nada...” Organização
Fonte: dados da pesquisa
Quanto às interferências realizadas pelos usuários, as mesmas foram identificadas
através dos processos de observação não-participante e participante59 e gravadas por meio dos
registros fotográficos. Com fins de viabilizar a identificação de itens relevantes para análise e
também com vistas a apoiar a construção de categorias de análise que subsidiassem a
elaboração do roteiro de entrevistas, o objeto [refrigerador] foi dividido em quatro partes:
superior, frontal, laterais, internas (Congelador e refrigerador). Para este estudo piloto, como
critérios de relevância que justificassem a análise foram consideradas as partes nas quais ao
menos 60% dos indivíduos da amostra realizaram uma ou mais interferências no objeto, bem
como a identificação de interferências que pudessem ser consideradas de caráter semântico.
Com base em tais critérios, constatou-se que interferências foram identificadas em
praticamente todas as partes – Tabela 2.
Tabela 2 – Falas dos pesquisados e possíveis categorias preliminares de análise
Parte principal Percentual de indivíduos (%)
Superior 66,7
Frontal 100
Laterais 77,8
Internas 100
Fonte: dados da pesquisa
59 Apenas no caso do P2.
96
Com relação às partes internas, ainda que nelas tenham ocorrido interferências pela
totalidade dos indivíduos pesquisados, nesta pesquisa optou-se por não considerar tais
interferências, vez que as mesmas se mostraram estar relacionadas, principalmente, ao uso,
manuseio e movimento natural de alimentos e recipientes entre outros itens comuns no
interior de refrigeradores localizados em domicílios brasileiros; ou seja, devido à sua não
relação direta com o objeto de estudo principal (análise semântica), a parte interna foi
excluída da análise.
Feito isso, com base nos registros fotográficos (i.e., FIGURA 12) foram relacionados
os itens observados e considerados como interferência dos usuários pesquisados no objeto nas
três partes (superior, frontal e laterais) assumidas como principais para o estudo.
FIGURA 12. Exemplos de registros fotográficos gerados durante a coleta de dados Fonte: dados da pesquisa
A partir da relação dos itens, foram geradas listas filtradas para análise – Tabelas 3, 4 e
5 – com objetivo de subsidiarem a criação das categorias preliminares a serem incorporadas
ao roteiro de entrevistas.
Tabela 3 – Listagem filtrada correspondente às interferências na parte superior
Listagem filtrada Percentual de indivíduos (%)
Eletrodomésticos 66,7
Recipientes 83,3
Forros em tecido 66,7
Continua
97
Conclusão
Listagem filtrada Percentual de indivíduos (%)
Alimentos 50
Cestas 33,3
Outros 16,7
Fonte: dados da pesquisa
Tabela 4 – Listagem filtrada correspondente às interferências na parte frontal
Listagem filtrada Percentual de indivíduos (%)
Ímãs de geladeira 100
Adesivos 11,11
Fonte: dados da pesquisa
Tabela 5 – Listagem filtrada correspondente às interferências nas partes laterais
Listagem filtrada Percentual de indivíduos (%)
Ímãs de geladeira 85,71
Panos 28,57
Fonte: dados da pesquisa
As informações apresentadas nas Tabelas 1, 3, 4 e 5, foram traduzidas em macro e
microcategorias. Como macrocategorias de análise: condição, eficiência, organização,
limpeza, suporte (parte superior) e painel (partes laterais); e, devido à elevada ocorrência de
ímãs de geladeira como forma de interferência nos refrigeradores localizados nos domicílios
dos pesquisados, como disposto nas Tabelas 4 e 5, entendeu-se como pertinente a criação das
Tabelas 6 e 7, onde foram criadas subcategorias, aqui compreendidas como microcategorias
de análise, para a identificação e provável incorporação de possíveis categorias de análise ao
roteiro de entrevistas.
98
Tabela 6 – Microcategorias referentes aos itens imantados aderidos à parte frontal
Microcategorias de análise Percentual de indivíduos (%)
Adorno 89
Informativo 44,44
Religioso 22,22
Fonte: dados da pesquisa
Tabela 7 – Microcategorias referentes aos itens imantados aderidos à parte lateral
Microcategorias de análise Percentual de indivíduos (%)
Adorno 14,3
Informativo 71,43
Religioso 14,28
Fonte: dados da pesquisa
A Tabela 8 apresenta, de forma sintetizada, as categorias preliminares de análise micro
e macro60 geradas na Coleta de Dados 1, onde, a partir das informações obtidas na primeira
coleta de dados através das técnicas de observações participante e não-participante e de
registros fotográficos, pôde-se identificar possíveis categorias preliminares divididas em
macro e microcategorias.
Tabela 8 – Categorias preliminares de análise geradas a partir da Coleta de Dados 1
Técnica de coleta de dados Categorias preliminares de análise Índice de Ocorrência (%)
Macro
Observação participante e Condição 11,11
Observação não-participante Eficiência 11,11
Organização 63
Continua
60 As categorias macro se referem às categorias preliminares geradas a partir das partes consideradas como
principais dos refrigeradores (Superior, frontal e laterais) e as categorias micro se referem às geradas com base na classificação dos itens imantados.
99
Conclusão
Técnica de coleta de dados Categorias preliminares de análise Índice de Ocorrência (%)
Limpeza 22,22
Registros fotográficos Suporte 66,7
Painel 100
Micro Frontal Lateral
Registros fotográficos Adorno 89 14,3
Informativo 44,44 71,43
Religioso 22,22 14,28
Fonte: dados da pesquisa
Tais categorias subsidiaram a elaboração dos roteiros de entrevistas e foram
incorporadas direta ou indiretamente na Coleta de Dados 2.
3.5 Coleta e análise de dados 2: entrevistas em profundidade
Os procedimentos de abordagem com os pesquisados seguiu a mesma rotina utilizada para a
Coleta de Dados 1. Isto é, os indivíduos foram contatados, foram agendados os encontros em
horários adequados à visitação aos seus respectivos domicílios e realizadas as entrevistas.
Nos encontros foram feitas as anotações referentes aos dados gerais dos pesquisados,
sintetizados na Tabela 9, bem como a aplicação do roteiro de entrevistas.
Tabela 9 – Dados gerais referentes à amostra pesquisada
Idade Sexo Localização Nível de Instrução
Estado Civil
Pessoas/Domicílio Tempo /
Entrevista
P1.1 53 M Belo
Horizonte Alfabetizado Casado 2 21min
P1.2 59 F Belo
Horizonte Alfabetizado Casado 2 23min
P2 30 F Belo
Horizonte Superior Solteiro 2 20min
P3
Usuários que desistiram ou se ausentaram durante a fase de coleta de dados. P4 P5 P6
Continua
100
Conclusão
Idade Sexo Localização Nível de Instrução
Estado Civil
Pessoas/Domicílio Tempo /
Entrevista
P7 44 F Belo
Horizonte Superior Solteiro 2 16min
P8 34 M Belo
Horizonte Superior Casado 2 19min
P9 29 F Ribeirão das
Neves Superior Casado 5 19min
P10 32 F Belo
Horizonte Ensino Médio
Solteiro 2 22min
Fonte: dados da pesquisa
Quanto ao roteiro de entrevistas, o mesmo foi elaborado com base nas categorias
preliminares macro e micro de análise geradas na Coleta de Dados 161 e divido em duas partes
principais: (i) checagem de conceitos / categorias e (ii) questões funcionais e semânticas. Com
base nas respostas dos pesquisados frente aos questionamentos, foram geradas novas
categorias de análise, aqui entendidas como semânticas, dispostas na Tabela 10. Vale ressaltar
que, na Tabela 10, estão descritas tanto as categorias preliminares macro e micro quanto às
categorias geradas62 a partir das preliminares com base nos questionamentos, divididos nas
duas etapas da aplicação do roteiro de entrevistas, descritos anteriormente.
Tabela 10 – Dados gerais referentes à amostra pesquisada
PARTE 1 – Checagem de conceitos / Categorias preliminares Categoria preliminar (conceito) Categorias de análise semântica 1. Geladeira C1
C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8
Continua
61 Cf. Tabela 8, p. 97. 62 Às categorias semânticas geradas foi atribuída a letra “C” acrescida de numeração de 1 a 118, isso com o
objetivo de preservar as informações resultantes da análise dos dados da investigação.
101
Continuação
PARTE 1 – Checagem de conceitos / Categorias preliminares Categoria preliminar (conceito) Categorias de análise semântica 2. Organização C9
C10 C11 C12 C13 C14 C15 C16 C17 C18
3. Limpeza C19 C20 C21 C22 C23 C24 C25 C26 C27 C28
4. Suporte C29 C30 C31 C33 C34 C35
5. Prateleira C36 C37 C38 C39 C40 C41
6. Painel C42 C43 C44 C45 C46 C47
7. Adorno C48 C49 C50 C51 C52
Continua
102
Continuação
PARTE 1 – Checagem de conceitos / Categorias preliminares Categoria preliminar (conceito) Categorias de análise semântica 8. Enfeite C53
C54 C55 C56 C57
9. Informativo C58 C59 C60
10. Religioso C61 C62 C63 C64
11. Religião C65 C66 C67 C68 C69 C70
PARTE 2 – Categorias geradas a partir de aspectos semânticos Categorias preliminares Categorias associadas ao uso 1. Geladeira C71
C72 C73 C74
2. Funcionalidade adequada C75 C76 C77 C78 C79 C80 C81 C82 C83 C84 C85 C86 C87 C88 C89
Continua
103
Conclusão
PARTE 2 – Categorias geradas a partir de aspectos semânticos Categorias preliminares Categorias associadas ao uso 3. Organização C90
C91 C92 C93 C94 C95 C96 C97
4. Limpeza C98 C99 C100 C101 C102 C103
5. Suporte C104 C105 C106
6. Painel C107 C108 C109 C110 C111 C112 C113 C114 C115 C116 C117
7. Itens adicionais C118 Fonte: dados da pesquisa
Com o objetivo de elencar e diferenciar os graus de relevância das categorias criadas,
como previsto, foi utilizado o programa de computador Pajek e, com base nas informações
processadas e apresentadas pelo programa foram geradas as inferências finais sobre o método
de pesquisa descritas nos tópicos resultados e conclusões e considerações finais, 4 e 5,
respectivamente.
104
3.6 Pajek: processamento e análise dos dados
A partir dos dados provenientes da coleta e análise de dados 263, através do programa de
computador Pajek (Mode 1 Network)64, as informações foram processadas e analisadas. Vale
ressaltar que os dados foram processados em duas etapas: cruzamento das categorias
preliminares e cruzamento das categorias entendidas como semânticas. Dispostos nas Figuras
13 e 14.
63 Cf. 3.5, Tabela 10, p. 99. 64 Mode 1 Network refere-se ao modo de processamento de informações que relaciona, neste caso e em casos
análogos, informações de mesma ordem. Neste caso, relaciona categorias com sentido de determinar a centralidade existente entre elas.
105
FIG
UR
A 1
3. C
ruza
men
to d
as c
ateg
oria
s pr
elim
inar
es
Fon
te: d
ados
da
pesq
uisa
106
FIG
UR
A 1
4. C
ruza
men
to d
as c
ateg
oria
s se
mân
tico
fun
cion
ais
Fon
te: d
ados
da
pesq
uisa
107
Com base na FIGURA 13, é possível afirmar que, dentre as categorias relacionadas
provenientes da primeira parte da pesquisa – observações participante e não-participante e
registros fotográficos – quatro categorias podem ser assumidas como centrais: C20, C31, C27
e C40. Além disso, ainda sobre a FIGURA 13, foram identificados quatro clusters, ou
agrupamentos, de categorias: (i) C10, C36, C5, C26, C8, C17 e C47; (ii) C66, C21, C37, C6,
C45, C57 e C41; (iii) C48, C54, C65, C55, C68, C3, C69, C24, C52, C13, C70 e C18; (iv)
C43, C62, C30, C22, C23, C38, C14, C34 e C35. Como categorias que possuem ligações
fortes com as quatro centrais, podem ser especificadas: C9, C29, C1, C51, C25, C63, C64 e
C28. Por outro lado, a partir da FIGURA 14, que foi criada a partir das categorias geradas nas
entrevistas em profundidade, é possível a extração de principalmente categorias centrais, ou
seja, pode-se afirmar que, no segundo momento, as categorias se apresentaram de forma mais
consistente, palpável, e menos pulverizadas como as dispostas na FIGURA 13. Dessa forma,
por apresentarem ligações mais fortes e estarem posicionadas no centro da rede de
centralidade semântica, podem ser listadas como categorias centrais: C90/104/107, C93, C94,
C95/98, C99, C112 e C101. É importante ressaltar aqui, que a preservação e lançamento de
todas as categorias no programa de computador Pajek se justifica pelo fato de estar sendo
testada a viabilidade de uso do programa como instrumento que subsidie análises posteriores
referentes à semântica de produtos. A avaliação realizada do conjunto de técnicas de coleta de
dados foi apresentada no tópico resultados e conclusões.
108
4 RESULTADOS E CONCLUSÕES
Esta pesquisa piloto logrou atingir satisfatoriamente todos os objetivos, geral e específicos,
definidos no escopo desta investigação. Assim, no que se refere ao objetivo geral foi possível
a verificação quanto à adequação, eficiência e eficácia metodológica do projeto ora proposto e
gerar inferências preliminares relacionadas ao modelo para análise em desenvolvimento.
Quanto aos específicos, ainda que existam observações que possam modificar a estrutura do
método de pesquisa proposto, do mesmo modo foi possível a verificação tanto da eficácia
quanto da eficiência da forma de acesso à amostra definida para a pesquisa; da adequação das
técnicas e procedimentos destinados à coleta de dados; da eficácia do programa de
computador Pajek quanto à sua capacidade de apoiar a pesquisa no que se refere à geração de
categorias de análise relevantes; e, quanto à análise dos dados pesquisados e a geração de
inferências preliminares pertinentes à investigação. Diante disso, seguem os resultados e as
conclusões referentes a cada uma das etapas da pesquisa como previstas e descritas na
metodologia do projeto65.
Com relação ao acesso à amostra, foi seguido o critério Classe C e fez-se uso da
técnica bola de neve. Pôde-se concluir que o critério Classe C não configura um problema
para acesso à amostra, porém, a solicitação da comprovação da renda domiciliar se mostrou
um fator complicador ao serem estabelecidos os contatos com os pesquisados, vez que parte
dos mesmos não se mostrou, comportamental ou verbalmente, confortável com a solicitação.
Dessa forma, acredita-se que a oferta de uma contrapartida, financeira ou material, aos
pesquisados amenize a relação entre pesquisador e pesquisados. Além disso, a proposição de
uma contrapartida aos pesquisados pode aumentar os níveis de tolerância dos pesquisados
com relação ao acesso e ao número de visitas aos seus domicílios; ou seja, os critérios da
pesquisa não podem ser alterados com base na vontade dos indivíduos pesquisados. Pode-se
argumentar com relação à interferência na opinião dos indivíduos, a favor ou contra, nos
resultados da investigação devido ao tipo de contrapartida; entretanto, vale aqui ressaltar que
as informações às quais objetiva esta investigação, a princípio, não estão estreitamente ligadas
a questionamentos relacionados diretamente a nenhuma marca ou tipo de objeto, mas sim a
questões subjetivas, abstratas, ligadas à relação entre indivíduo [usuário] e o objeto
65 Cf. 1.4, p. 25.
109
[refrigerador]. Dito isso, pode-se afirmar que, mesmo que determinado pesquisado deseje
alterar seu comportamento ou fala com fins de se beneficiar, tais alterações de conduta podem
ser detectadas e não configurarão interferências nos resultados da pesquisa. Com relação ao
uso da técnica bola de neve, a mesma se mostrou eficiente e eficaz no que se refere ao quesito
facilitar o acesso à amostra, vez que, em média, para cada indivíduo pesquisado da amostra
foram indicados 1,7 outros possíveis pesquisados, isto é, pode-se afirmar que, com base em
indicações, há probabilidade da amostra ser aumentada exponencialmente.
Quanto à adequação das técnicas – observações participante e não-participante,
registros fotográficos e entrevistas em profundidade – e procedimentos destinados à coleta de
dados, todos apresentaram aspectos válidos para a investigação, salvo a observação
participante, que merece considerações especiais.
Os apontamentos acerca da observação participante restringem-se a três aspectos
principais: amostra reduzida, tempo de permanência no domicílio e olhar do pesquisador; tais
considerações procuram defender o uso da técnica enquanto opção válida para o estudo
proposto, vez que a mesma não se mostrou, nesta fase, como técnica relevante para o acesso e
coleta de dados pertinentes à investigação. Devido à amostra reduzida (um indivíduo), pode-
se afirmar que a observação participante não tenha atendido às necessidades da pesquisa,
porém, é possível que uma amostragem maior com o mesmo tempo de permanência, ou o
aumento do período (>15 dias), elevem a probabilidade de detecção de aspectos semântico-
culturais. Vale ainda ressaltar que existe a possibilidade de fatos relacionados a tais aspectos
não terem sido detectados no período de permanência, ou até mesmo não tenham ocorrido ou
sido citados pelo pesquisado naquele espaço de tempo, considerado aqui como curto para a
coleta de informações provenientes de observações participantes. Independente do tempo de
permanência e da amostragem reduzida é possível que o olhar comum, “viciado”
culturalmente, do pesquisador responsável não tenha percebido informações semântico-
culturais válidas à pesquisa. As observações não-participantes permitiram o acesso aos
refrigeradores nos domicílios e a identificação de aspectos relacionados aos mesmos in locu,
especialmente no que se refere às formas de uso e às interferências realizadas pelos usuários
em suas geladeiras. Porém, os dados gerados através das observações não-participantes se
referem a informações relacionadas às funções intrínsecas a partes dos refrigeradores (i.e.,
funções abrir e fechar), funções estas que não fazem parte dos pressupostos básicos desta
110
investigação. No entanto, somados a estas observações foram realizados os registros
fotográficos que possibilitaram a retenção de informações tanto básicas quanto relevantes
acerca dos refrigeradores. Os registros fotográficos como técnica de coleta e retenção de
informações para posterior análise funcionaram como esperado. Com base nas imagens
geradas em momentos distintos da coleta de dados nos domicílios, foi possível identificar as
categorias preliminares de análise extraídas dos sinais deixados pelos próprios usuários em
seus refrigeradores e, além disso, tais registros permitiram que aspectos não percebidos no
momento das visitas fossem identificados posteriormente, o que levou ao enriquecimento dos
dados coletados e das categorias preliminares de análise e, além disso, economia de tempo
nos domicílios pesquisados, o que garante, de certa forma, conforto aos indivíduos
participantes da investigação. Tais categorias foram traduzidas em questões e tópicos
incorporados aos roteiros a serem explorados durante as entrevistas em profundidade. Quanto
às entrevistas em profundidade, as mesmas permitiram à pesquisa piloto o acesso a aspectos
semânticos da relação estabelecida entre os indivíduos [usuários] e seus respectivos objetos
[refrigeradores]. No entanto, são necessárias adequações em sua estrutura para que, por parte
dos pesquisados, fiquem claros alguns aspectos relacionados ao entendimento das questões
propostas (i.e., forma de questionamento, adequação de conceitos e questões listadas). Diante
disso, pode-se afirmar que, embora os dados lançados no programa de computador Pajek
estejam corretos e o programa tenha funcionado positivamente em termos de verificação
metodológica, a validade das informações precisa ser verificada com objetivo de elevar o
nível de confiabilidade dos resultados gerados. Vale ressaltar aqui que, para esta fase da
investigação, a validade, ou não, das informações não deve ser entendida como essencial, isso
pelo fato de se tratar de uma pesquisa piloto.
Com relação à eficácia do programa de computador Pajek quanto à sua capacidade de
apoiar a pesquisa no que se refere à geração de categorias de análise relevantes, pode-se
afirmar que o programa atende às necessidades da investigação. No entanto, julga-se
necessária a adequação do termo categorias de análise relevantes para categorias de análise
centrais ou centralidade das categorias de análise. Isto é, o programa pode auxiliar a
pesquisa na geração das conexões entre as categorias e no delineamento da centralidade entre
as mesmas, mas não na determinação de relevância das categorias. É mister destacar que a
determinação da centralidade só pode ser obtida através do uso do Pajek, vez que ela não é
111
atingida pela mera contagem da ocorrência de categorias e/ou sua relação com os indivíduos.
Quanto à atribuição de relevância ou não, essa deve ser realizada pela equipe de pesquisa e,
preferencialmente, em conjunto com equipes de designers, vez que as mesmas são
responsáveis pela transferência de aspectos semânticos encontrados a objetos.
Quanto à análise dos dados pesquisados e à geração de inferências preliminares
pertinentes à investigação, pode-se afirmar que, do ponto de vista teórico, os dados
apresentaram articulações semântico funcionais, ou seja, além das funções básicas esperadas
do objeto [refrigerador], ao mesmo são atribuídas, pelos indivíduos desta amostra, novas
funções, aqui entendidas como semântico culturais de primeiro nível (i.e., comunicação,
suporte, decoração etc.), ou semântico funcionais. Por funções semântico culturais de
primeiro nível, entendem-se aqui, novas funções atribuídas ao objeto que estejam relacionadas
estritamente ao uso do mesmo, isto é, sem propósitos de posicionamento social. É válido
ressaltar que, dentro do escopo desta pesquisa piloto, não foram detectadas funções com
propósitos sociais.
112
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com vistas a identificar, relacionar e analisar empiricamente as relações teóricas existentes
entre design, cultura e semiótica inerentes à relação estabelecida entre indivíduos [usuário] e
objetos [refrigeradores], esta pesquisa piloto teve por objetivo geral (i) verificar e analisar os
níveis de eficácia e eficiência das técnicas de pesquisa – observação participante e não-
participante, registros fotográficos e dos roteiros de entrevistas – quanto à sua adequação para
a coleta de dados bem como da utilização do programa de computador Pajek e da análise das
práticas discursivas definidas, no escopo desta investigação, como instrumentos adequados à
análise de dados relacionados aos aspectos semânticos existentes na relação estabelecida entre
indivíduo e objeto. Isso com fins de gerar inferências preliminares relacionadas ao modelo
para análise de aspectos semântico-culturais em desenvolvimento. Buscou-se,
especificamente, verificar tanto a eficácia quanto a eficiência da forma de acesso à amostra
definida para a pesquisa; verificar a adequação das técnicas e procedimentos destinados à
coleta de dados; verificar a eficácia do programa de computador Pajek quanto à sua
capacidade de apoiar a pesquisa no que tange à geração de categorias de análise que tenham
relevância para o estudo ora proposto; e, por último, gerar inferências preliminares pertinentes
à investigação.
No que tange aos aspectos teóricos da pesquisa, foram possíveis tanto a aproximação
lógica quanto o estabelecimento das ligações entre os temas em questão – Design de produtos
globais, Cultura e Semiótica. Ainda no âmbito da teoria relacionada aos temas, mesmo que
Gibson e Norman tenham, de fato, deixado clara a existência das affordances, permanecem
como contribuições mais relevantes as obras de Pierce, Eco, Barthes e Geertz, que
possibilitaram a fundamentação teórica e o avanço para a realização da investigação empírica
ora proposta. Quanto às constatações empíricas, ainda que a amostra para esta pesquisa possa
ser considerada pequena, foi possível a verificação, no campo, de interferências semânticas na
relação dos indivíduos com seus respectivos objetos. Como previamente exposto66, a
experiência no campo se mostrou válida e permitiu aos pesquisadores gerar hipóteses de
pesquisa que, se confirmadas podem dar sequência a estudos avançados no âmbito do uso da
66 Cf. Tópico 4, Resultados e Conclusões.
113
semiótica para análise de produtos globais o que, no médio e longo prazo, pode permitir a
verticalização das investigações acerca da semântica de produtos.
Dessa forma, como hipóteses (Hn) relevantes podem ser consideradas as seguintes
premissas e suas respectivas justificativas.
H1: O envolvimento de pesquisadores estrangeiros no processo de coleta e análise de dados etnográficos referentes a investigações relacionadas a produtos globais permite o melhor aprofundamento e a melhor identificação de aspectos semântico-culturais.
Com base em experiências prévias de pesquisa informal do Pesquisador Responsável
em ambiente internacional, é pertinente afirmar que a presença de indivíduos provenientes de
outros contextos culturais pode facilitar a identificação de aspectos semântico-culturais à
medida que seu olhar, estranho, ao se deparar com aspectos ou comportamentos culturais
diversos aos de sua origem coloca-se, naturalmente, em estado de alerta e, por conseguinte,
aqui é entendido como um instrumento válido para o trabalho em nível semântico-cultural. No
entanto, com base em aspectos antropológicos, indivíduos tendem a considerar sua própria
cultura como referência para nortear tanto seu próprio comportamento quanto sua própria
leitura da realidade; logo, é necessário que o pesquisador estrangeiro tenha plena consciência
da sua qualidade de indivíduo externo67 ao meio de inserção. Isto é, na posição de
investigador, o estrangeiro deve abster-se de toda e qualquer pré-concepção advinda de suas
raízes ou, ao menos, ter consciência de seu status de pesquisador, com objetivo de gerar
registros formais acerca da investigação. Ainda no âmbito da melhor apreensão e refinamento
das informações de campo, com fins de permitir sua transferência de modo o menos genérico
e o mais eficiente possível aos objetos, pode-se considerar uma segunda hipótese:
H2: O trabalho conjunto e a troca de informações entre pesquisadores, inclusive de outras áreas do conhecimento científico, e designers elevam o nível de validade dos dados, a precisão e o refinamento das informações coletadas na pesquisa de campo em processo de desenvolvimento.
67 Do inglês outsider.
114
Devido à complexidade e ao nível de abstração dos dados provenientes desta
investigação, entendida como de cunho etnográfico e que esta relacionada a aspectos
semântico-culturais, o contato direto entre pesquisadores e equipes de design experientes pode
ser assumido como fundamental. Isso devido à estreita relação dos dados coletados com o
próprio processo de transferência de informações culturais ou semântico-culturais a objetos de
uso. Isto é, a apresentação de relatórios de pesquisa às equipes de designers pode
comprometer a qualidade dos resultados da investigação quando o oposto é pensado e
realizado, ou seja, a discussão é relevante. Dessa forma, pode-se afirmar, através da terceira
hipótese de pesquisa, que:
H3: Equipes de designers experientes são capazes de transferir adequadamente, a partir do seu próprio repertório cultural coletivo e com base em informações geradas e fundamentadas por pesquisas etnográficas, as informações obtidas e sintetizadas na forma de categorias de análise pelo processo de pesquisa em andamento a produtos em fase de desenvolvimento ou gerar adaptações em produtos já em linha de produção.
A partir da H2, ao terem acesso ao processo de pesquisa e aos dados, ainda que o
mesmo esteja em andamento e os dados sejam parciais, equipes de design que trabalham em
projetos de médio e longo prazos, como, por exemplo, as que desenvolvem produtos conceito
ou novos produtos planejados a serem introduzidos ao fim do ciclo de vida de um anterior,
teriam as mentes de seus integrantes sensibilizadas para as possibilidades inerentes ao
processo de pesquisa em andamento, vez que investigações qualitativas não visam a
generalização de informações, mas sim a verticalização das mesmas e, normalmente, não
apresentam dados conclusivos. Isto é, com base na H3, o próprio fato do processo de pesquisa
etnográfica, qualitativa, ter como característica própria a necessidade de amadurecimento das
informações para que a mesma avance, o compartilhamento das informações da pesquisa,
através de um processo colaborativo entre pesquisadores e equipes de designers, pode acelerar
o processo de desenvolvimento de determinados conceitos e propiciar ações que favoreçam a
inovação atendendo, assim, às necessidades da própria indústria no que tange ao
desenvolvimento e à adaptação de produtos bem como o aumento da velocidade de resposta
115
ao mercado. Além disso, face aos dados provenientes desta pesquisa piloto, é pertinente a
elaboração da hipótese quatro:
H4: A transferência de informações geradas a partir de pesquisas etnográficas com foco em aspectos semântico-culturais, traduzidas em categorias de análise, só faz sentido quando trabalhadas em parceria com equipes de designers experientes.
Pesquisadores não são, necessariamente, designers e a premissa contrária também é
verdadeira. Dessa forma, o compartilhamento de informações associado à experiência
individual prática de cada uma das partes envolvidas na investigação torna a compreensão do
produto em questão completa, ou próxima à sua completude. Tal envolvimento pode ampliar
a visão dos indivíduos participantes do processo de pesquisa, vez que a troca de saberes é
intensificada com a comunicação entre as partes e as relações entre os profissionais tende a se
estreitar, o que pode gerar interferências positivas em ambos os campos de trabalho ao longo
do tempo. Ao se considerar a possibilidade da incorporação de investigações etnográficas com
períodos de duração de médio e longo prazo à estrutura de design, permite, ainda, a
proposição da quinta hipótese de pesquisa:
H5: É possível a concepção de métricas semânticas a partir deste modelo investigativo para análise de aspectos semântico-culturais de modo contínuo e em diferentes contextos.
Partindo do pressuposto que, com base na antropologia social, sistemas culturais são
passíveis de mudanças, e as mesmas devem ser buscadas nas experiências dos indivíduos e
nos grupos aos quais pertencem e, ainda, não raramente estão diretamente relacionadas às
formas de produção de sentido em níveis individual (micro) e macro sociais, o monitoramento
cultural estritamente relacionado ao uso de determinado(s) produto(s), ao longo do tempo,
pode alavancar processos que gerem inovações associadas a aspectos culturais semânticos
ainda em concepção, isto é, projetos de design podem antecipar tendências com base em
informações etnográficas provenientes de investigações contínuas.
Face ao exposto, à complexidade do tema em questão e ao se considerar que esta é
uma pesquisa piloto – parte de uma investigação maior – e, portanto, em andamento, não se
116
faz pertinente o apontamento para estudos futuros que contribuam para o desenvolvimento de
metodologias para a coleta, comparação e análise de dados que ampliem as informações
acerca de processos de investigação etnográfica especialmente focados em aspectos
semântico-culturais. Não obstante, pode-se afirmar que contínuas pesquisas sobre o tema
serão essenciais não apenas para complementar e validar a metodologia ora proposta, mas
também para ampliar o entendimento acerca das complexidades envolvidas nos processos de
atribuição de signos e de significações a objetos de uso, especialmente quando os mesmos se
tratarem de produtos globais.
117
REFERÊNCIAS
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APÊNDICE 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO68 Prezado(a) Senhor(a), Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário(a), em uma pesquisa para um trabalho de mestrado. Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do estudo, assine ao final deste documento. Em caso de recusa o(a) Senhor(a) não participará da pesquisa e não será penalizado(a) de forma alguma. Título da dissertação: Design, Cultura e Semiótica: em direção a um modelo para análise de variáveis semântico-culturais Pesquisador responsável: Felipe Domingues (mestrando) Matrícula: MES2010-3 – PPGD/ED/UEMG / RG M-6.278.877 – SSP/MG Telefone para contato: (31) 9767-8166 Coordenador/Orientador: Professor Dijon De Moraes Junior, Dr. Co-orientador: Professora Regina Álvares Dias, Dr. OBJETIVO E ESCLARECIMENTO DA PESQUISA
Este estudo busca entender como aspectos semântico-culturais estão relacionados às formas de uso de aparelhos como fogões, geladeiras, lavadoras de roupa que utilizamos em nosso dia a dia. Os dados da pesquisa são importantes para a elaboração de um método de pesquisa, que em uma segunda etapa, será ampliado para um número maior de usuários. O propósito do projeto é obter informações que possam colaborar para o aprimoramento de produtos, em especial dos refrigeradores domésticos. Para participar desta pesquisa, solicitamos a sua especial colaboração no sentido de permitir que, com o seu consentimento, o pesquisador responsável obtenha todas as informações relacionadas ao objeto desse estudo que julgar necessárias.
A pesquisa está dividida em duas partes: observação da sua geladeira e entrevista com os usuários em sua residência. Para isso, será necessário que o pesquisador tenha acesso à geladeira do seu domicílio, em horários previamente acordados com o Senhor(a), sempre que necessário para realizar as seguintes ações: (1) observar a geladeira, seu local de instalação, sua forma de uso (interna e externa); (2) tomar notas e tirar fotografias; e (3) ao final do período de observações (2 semanas), realizar uma entrevista com um ou mais moradores do domicílio. As perguntas da entrevista serão relacionadas à como o(a) Senhor(a) e os demais residentes interagem e usam a geladeira. Durante as visitas, será feito uso de câmera fotográfica e gravador de áudio (voz). Garantimos resguardar suas informações pessoais, não as divulgando de nenhuma forma. Quanto às imagens, as utilizaremos para fins acadêmicos, ou seja, para ilustrar a pesquisa no documento da dissertação de mestrado, do relatório final da pesquisa e em artigos acadêmicos. Entretanto, a identificação pessoal dos participantes será preservada. Sua participação neste estudo é muito importante, esperamos contar com sua colaboração. Eu,______________________________________, RG nº _______________________, abaixo assinado, concordo voluntariamente em participar do estudo acima descrito. Declaro ter sido devidamente informado(a) e esclarecido(a) pelo pesquisador responsável sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa. Foi-me garantido que não sou obrigado(a) a participar da pesquisa e posso desistir a qualquer momento, sem qualquer penalidade. Belo Horizonte, _____ de setembro de 2011. ___________________________________ Participante voluntário(a)
68 Registro número 0001 junto ao Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado de Minas Gerais.