Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

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Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno Yuri Rodrigues Braz

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Ávidos leitores que anseiam o vinho embriagador do lirismo; meus semelhantes! Cuideis deste livro que tens agora nas mãos como se cuida de uma joia rara, é a essência cristalina da minha alma que vos ofereço. Versos românticos com toda a sinceridade de um homem que não teme o amor e encontra na mulher amada a razão de sua vida. “Com meu sangue limparei tuas feridas E de beijos, cobrirei tuas dores Aquecerei tuas esperanças adormecidas E teus desejos, saciarei com meus amores.”

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Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Yuri Rodrigues Braz

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Aceite, pequena, deste coração crivoEstes versos simples e sinceros

Escritos com o sangue quente e vivoArrancados do peito entrevero.

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Apresentação

Desde o céu, pela terra ao fundo do inferno, são páginas que contém a pura essência de um jovem poeta, que exalam no recôndito das letras, as vibrações sagradas de um coração extremamente sensitivo.

Yuri Rodrigues Braz mostra os assomos das experiências de sua alma buscadora, os mistérios dos vagares pelas águas sagradas e profundas do imenso oceano interno. É o palmilhar pelas sendas secretas, que só mesmo o próprio poeta poderá descrevê-las, senti-las, respirar os seus aromas nos mais profundos sentidos.

Tal como Camões: conta-se a lenda, que tendo ele naufragado numa praia das Índias, protegeu suas sagradas letras de um naufrágio, erguendo os Lusíadas com uma das mãos acima das furiosas vagas, exausto nadava, pois estava nas mãos o que representava a essência da sua própria alma, o seu tesouro mais sagrado, que teria de protegê-lo mesmo a custo elevado. Assim, Yuri Rodrigues Braz, mergulhado nas próprias introspecções, desnuda sua alma e nos mostra à superfície dos nossos sentidos subjetivos a sua obra, o seu verdadeiro tesouro mais profundo, a sua arte.

Chega a sua poesia extasiada, ora sorridente, ora melancólica, porém sempre umedecida do próprio âmago. É como se a sua poesia tivesse caído do céu, sentindo as suas asas de ouro afoitas, sempre em busca de um voo mais alto, mas sem esses elementos não seria ele um legítimo romântico.

A poesia então brota tanto dos mais avermelhados e brilhantes arrebóis da sua vida, como das sombrias e ermas noites, habitadas pelos personagens dos seus sonhos de poeta. Brilha suas letras sobre a vida como o cintilante crepúsculo sobre as águas do mar, puríssimas, numa ardentia escumada de amor e canto, por fim, espalhando

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com seu reflexo uma ternura inviolável. Na introspecção sua alma ressoa, seu coração palpita

dentro das entranhas de um peito ardente, porque deseja, sonha, ama, canta a morte amando a vida, pois sua verdadeira vida realmente é o amor e a poesia. Sente e vive nos poemas os amores vividos e sonhados, e se posiciona nas sendas da vida real. Mas... o que é real para um poeta? Até onde as suas asas poderão levá-lo?...Onde termina a terra e onde começa o céu?... Como são vastos os caminhos da poesia!

Seu amor pelas rimas leva ao leitor uma musicalidade, soando como os acordes consonantes das brisas nas mais doces cantilenas, sussurrando monódias aos corações. É uma poesia bem talhada, bem sentida, bem pensada, limada, apurada, que traz novamente a beleza, a complexidade e a ordem das poesias clássicas do passado, para enriquecer a arte contemporânea.

Na fidelidade das lágrimas, nas expressões de afogos ou de deleites, os sentimentos e as emoções galgam soltos entre as páginas, como douradas borboletas que dançam sobre as flores atraídas pela magia dos perfumes. Assim também galgam as suas rimas!...

Antes é a alma que sente e vive a sua realidade, depois as mãos do jovem poeta transcrevem, porque amam. O que faz o poeta dos amores, senão poesias que encerram em si muita verdade e muita beleza, e os mistérios do coração?

Sente amor por escrever as torrentes de fogo que aquentam os corações, que fervem os sentidos, mas que leva ao doce paradoxo do Paraíso Perfeito - simplesmente poesia! Contudo há uma lógica entre esta analogia dos contrários, sem exageração, porque o poeta pressente os caminhos que lhe causam deleite.

É a sua criação, chamem-no extensão de si: Desde o

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céu, pela terra ao fundo do inferno! É o fruto dessas atividades, que se fazem vivas cenas

dentro de um cérebro inspirado. O mais precioso fruto que nos oferece, ao deleite de nossa compreensão.

Que vibrem no peito de todos os leitores, a poesia, o amor e a inspiração contida nas letras do grande amigo e irmão Yuri Rodrigues Braz.

José Luiz da Luz Poeta, autor do livro “Lira Romântica”

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Sumário

I CÉU..................................................................................10Flor das primaveras........................................................11Água do meu mar...........................................................12Soneto do amor puro......................................................13Que bela!........................................................................14Partida.............................................................................15Aurora resplandecente....................................................16Um simples sorriso.........................................................17Mãe, mãezinha minha.....................................................18O sol e a brisa.................................................................20Mulher nova....................................................................21Pedido.............................................................................22A natureza do amor.........................................................23Estrela da manhã.............................................................24Razão da vida.................................................................25Nesta Noite.....................................................................26Ai de mim!......................................................................27A luz da vida...................................................................28Instante perfeito..............................................................29Uma simples rosa vermelha............................................30Quando choras................................................................31Noite eterna I..................................................................32Sala dos amores..............................................................33O canto e o pranto...........................................................34Amor e desejo.................................................................35Indecência lírica..............................................................36Fragilidade nua...............................................................37

II TERRA............................................................................38O velho...........................................................................39Não lamentarei................................................................40

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Desilusão irracional........................................................42Canto à humanidade.......................................................43Essência de vidro............................................................44Fantoche da arrogância...................................................46O hino da nação..............................................................47Boêmio...........................................................................48O meu cerrado................................................................49Egoísmo do poeta...........................................................50Canção do guerreiro.......................................................51Meus sonhos...................................................................52Flor do céu......................................................................54Aurora ruborizada...........................................................55Lembranças.....................................................................56Não chores......................................................................57O silêncio e seus mistérios.............................................59Instinto libertino.............................................................61Amor que transborda......................................................62Coração antitético...........................................................63Noite escura....................................................................65Inimigos da Paz..............................................................66Dignidade.......................................................................67Hipocrisia.......................................................................68Mágoa.............................................................................69Essa maldição de (se) escrever ......................................70

III INFERNO......................................................................71Amor suicida..................................................................72Saudade atroz..................................................................73Abrande em mim............................................................74Vinho e desilusão............................................................75Livro velho e amor clandestino......................................76Recônditos desejos.........................................................77Baú dos esquecimentos...................................................78Não vás...........................................................................79

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O frio do mundo.............................................................80Lágrimas que a brisa secou.............................................81Amor Passageiro.............................................................82Anjo de pedra.................................................................83Ilusão e Provação............................................................84O amor que se foi...........................................................85Amar e Morrer................................................................86Sinta falta........................................................................87As asas do coração..........................................................88Dê-me a paz....................................................................90Saciedade........................................................................91Restos.............................................................................92Raça de poetas................................................................93Profanação......................................................................94Canto da desilusão..........................................................95A ceia natalina................................................................97O meu coração putrefato................................................98Canto à minha última lembrança..................................100

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Prólogo

A corda percutida de um piano de cauda embalava a felicidade daquele Éden. A aurora trazia os primeiros beijos junto com seus raios de luz, que secava as rosas do orvalho da noite. O poeta é tomado pela poesia e pelo amor, vive um sonho e a felicidade é a sua única realidade. Ama de todo o coração e o rubro amor é a única cor que lhe colore a alma. É o Céu, é a manhã da vida, a primavera do coração.

Depois o Sol colocou-se ao centro, o poeta foi levado para a Terra. O amor ainda povoava seu coração, mas sua mente tornou-se um veneno. Ele então se entregou à filosofia e à crítica, refletiu a respeito do mundo em que vivia e se deixou tomar pela razão, ainda que o seu sentimentalismo ficasse ali, guardado no peito. Veio então o verão e o calor tomou conta do coração do poeta, veio o outono e trouxe as folhas da lembrança.

Escureceu. As cordas de um violino estremeceram, a brisa correu fria beijando as flores noturnas, a lua tímida escondeu-se em seu leito celestial e a penumbra cobriu a face da Terra com seu manto negro. Permaneceu, entretanto, um poeta apaixonado escrevendo em meio a uma floresta escura. Ele perdeu-se nos recônditos do seu coração e pôs-se a escrever os versos da alma. É o Inferno, é o inverno, é a decepção e a lamúria. Deixou ali a paixão que fazia sangrar seu peito, chorou com toda a tristeza do amor que lhe consumia. O amor tomou conta da sua razão e ele sofreu por este amor, amaldiçoou-o, desejou não mais amar; desejou não mais viver. Entregou-se à loucura desse sentimento doentio e teve suas entranhas consumidas pelo desgosto, o amor fez do poeta um defunto. Que ainda ama.

Yuri Rodrigues Braz

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I CÉU

“Um inefável mas bem doce anseioA vaguear nos bosques me impelia,E, por entre mil lágrimas ardentes,

Sentia-me surgir no peito um mundo”Goethe – Fausto

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Flor das primaveras

Tanto brilho de beleza reluziaAqueles olhos que eu tanto quisera

Uma linda rosa que me sorriaRuborizado o carmim da face dela.

Ah! Torvo e maldito coração!Depois de aquele inesquecível diaAquele doce sorriso que me sorriaFez da minha mente uma prisão.

Deste-me esperança e receioAquela linda rosa me olhando

Flor que respirei e amei sonhando,Lembra-te que eu te pranteio!

Minha pequena se tu puderesSorrir-me um sorriso de salvação

Vem ser a flor das primaverasQue nascem em meu coração.

Deixa tua vida ser minha única vida,Pois não quero ser lembrança esquecida.Tu que atingiste meu ser mais profundoUne nos lábios meus minha alma à tua

Pois ao triste e terno frescor da lua,Eu quero, ao pé de ti, sentir o mundo.

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Água do meu mar

Derrama tua voz em meus ouvidosBenfazejo canto da pequena cotovia

E esparrama sobre meus sentidosO cortejo que docemente inebria.

Irradia, com a viva cintilaçãoDos teus olhos, flâmulas a lampejar

Meus dias, que padecem na escuridãoClamando teu amor a me iluminar.

Faz jorrar caudais de beijos ardentesE soprar eternais desejos em torrentesNo coração meu, que só sabe te amar.

Brotar primaveras de sonhos inocentesE inundar todos os meus dias pendentes

Com o amor teu, água que enche meu mar.

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Soneto do amor puro

Com meu sangue limparei tuas feridasE de beijos, cobrirei tuas dores

Aquecerei tuas esperanças adormecidasE teus desejos, saciarei com meus amores.

Amor meu, de tudo prestarei auxílioE em tudo serei teu companheiro

Ainda que todos te condenem ao exílioSerei teu amor pelo mundo inteiro.

Quando errares, estarei sempre ao teu ladoTomando teu sofrimento, lutarei desesperadoCuidando para que jamais deixe de sonhar.

Quando estiver carente, o coração apaixonadoSerei o amor que te prestará todo cuidado

Fazendo-me sempre uma estrela a te iluminar.

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Que bela!

Que bela! Que anjo de perfeição!Vi refletida na tez pálida e suaveAquela luz que vem do coração

Enaltecida esperando meu desbrave.

Quais lábios! A chamar ao pecadoRosados tal como uma rosa perfumada

Tão cheios de um desejo ocultadoÚmidos de uma paixão avermelhada.

Quais olhos! Negros cor de mistérioCheios de um silêncio que me tomaTal como a noite, com brilho etéreoEstrelas-rosa, com todo seu aroma.

Que bela! Que anjo de perfeição!Traços suaves que me conquistaram

Beleza prima da minha exaltaçãoMeus olhos tristes em ti se firmaram.

[És bela a donzela da minha paixão]

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Partida

Assim, temendo as presas da vidaVocê me encontrou só e assustadoPara mim, vendo minh'alma doridaDeixou um beijo no lábio pousado.

Então, querendo a alegria sabidaQue conquistou-me o ego acanhadoO coração, sofrendo da despedidaOfertou um sorriso ao seu pecado.

Deixei que um vento lhe beijasseChorei sofrendo pelo meu impasse;Decidiu abandonar minha tristeza.

Fiquei amando a inocente solidãoSonhei chorando a ausente paixão;

Partiu a levar toda única beleza.

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Aurora resplandecente

Teus lábios são forte chamaOnde os meus querem se queimarTeu sorriso, um poema declama

Criando poesia no meu triste sonhar.

A paixão nos teus olhos, um licorCom o qual quero me embriagar

Nos braços etéreos de um lindo amorDo qual jamais quero me afastar.

És tu princesa, a linda auroraQue resplandece em minha imaginação

Trazendo a primavera que conheci outrora

A flor de uma desconhecida paixão.Tu és minha musa, rainha e senhora

A dona eterna do meu pobre coração.

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Um simples sorriso

A chama incandescente da aurora apagada,Uma estrela em um céu negro a reluzirUm simples sorriso minha doce amada

É o que preciso hoje para existir.

Fez-me submergir do vale da solidãoBuscando a centelha que havia esvaecido

Teu sorriso, minha infinita paixãoÉ a veste que eu já havia despido.

Dá-me querida teu sorriso pela eternidadeEssa doce expressão que me faz sonhar

Trazendo ao meu coração toda a felicidade

Que só tua beleza pode me proporcionar.Sê o sol da minha adversidadeE a poesia que me faz amar.

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Mãe, mãezinha minha

Tu que me amaste sempre e tantoDesde quando eu nem mesmo existiaAinda na barriga, deste-me acalantoDemonstrando todo amor que sentia.

Mãe, tu querida mãe do coraçãoQue tudo o que sabia me ensinouE que cada ferida minha curou,

Tu és a única digna de veneração.

E quando então eu te desobedeciaEsbravejavas sem querer brigarEu chorava, por não querer errarCheia de amor, logo me acolhia.

Mãe, mãezinha do meu único mundoCada valor que hoje eu tenho

Devo ao berço do qual provenhoDo teu amor sempre tão profundo.

Quantas vezes não adoecesteTentando cuidar das minhas doenças

E diante das minhas desavençasCom o coração aberto me recebeste.

E eu cresci envolto por teu amorMais que isso, submerso de ti,

Que me amaste mesmo quando partiE me ensinaste da vida o real valor.

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Tu, mãe, quando da noite tive medoAbraçaste-me e cantaste em meu ouvido

Sobre o amor real e seu sentido;Seguraste minha mão em segredo.

Mãe, mãe, mãe! Eu sou teu filhoDigo isto do fundo da minha almaNão quero ser alguém pra vivalmaBasta-me ser reflexo do teu brilho.

Vezes tantas oculta me viesteDar-me um presente escondido

Faltava dinheiro, mãe, digo sentidoMas tu me tinhas tal estrela celeste.

Toma estas lágrimas de gratidãoGuarda junto com cada doce beijo

Do teu filho, o único desejoÉ viver para sempre no teu coração.

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O sol e a brisa

Quero que essa mesma brisa lentaQue te beija a pele devagar

Livre-me também desta tormentaDe querer e não poder te beijar.

Quero ser esse sol que te contemplaTodos os dias sem cessar

Pois essa saudade não se afugenta,E sempre quero contigo estar.

Mas se a tua ausência é o que tenhoUso-me da recordação para aliviar

O berço incômodo do qual provenho,

A lembrança desses olhos a brilhar.Pois do sol e da brisa me abstenhoMas eu jamais deixarei de te amar.

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Mulher nova

Depois de algumas borrifadas de perfumeEla para e me sorri com o cabelo molhadoVeste-se a rosa de beleza como o costumeE emudece-me com um beijo orvalhado.

Ofereço-lhe então um sorriso de felicidadeA mulher nova manipula bem a sedução

E bem sabe que exala beleza com facilidadeProvocando os instintos e tomando atenção.

Contudo receio que não saiba minha amadaQue da mulher nova, sua própria natureza

Preserva ainda a inocência da menina mimada.

Ela então sorri e caminha com leveza,Mulher nova, bem sabes que és admirada

Mas não sabes que a inocência é a sua beleza.

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Pedido

A noite é longa e trazNas estrelas, um véu de solidão

O coração é triste e fazNo amor, um homem sofrer de paixão.

Preciso de alguém para alimentarOs sonhos que crescem dentro de mim

Uma bela rosa para compartilharDa minha vida o colorido jardim.

Queria que fosse minha estrela brilhanteE me desse sonhos na noite relutante;Completasse o vazio do meu coração.

Queria que andasse comigo na vidaDe mãos dadas, destemida,

E aceitasse viver essa paixão.

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A natureza do amor

Quero contar estrelas no colo teuE ver a aurora borrifar luz no jardim,

Aquele sorriso que me ofereceuOuvir nos teus olhos um lindo launim.

Quero que a vida inunde-me de poesiaVer a orquestra doce da natureza

Poder contemplar o brilho da fantasia,No crepúsculo com suas flores de beleza.

Quero pintar um quadro na eternidadeCom traços românticos de dois corações

Ao ouvir uma música de afetividade

Tocada apenas pelas nossas pulsações.Quero sim, da vida, toda a felicidadeE viver contigo um mar de emoções.

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Estrela da manhã

Estrela da manhã, dá-me teu risoPara iluminar os escuros d'alma,Donzela artesã do meu sorriso

Apenas teu raiar puro me acalma.

Banhado por tua luz eu queroDesabrochar vívidos sentimentosEnamorado, me conduz o esmeroDo teu olhar de lívidos acalentos.

Deixa eu viver deste alimentoRubro do teu lábio suculentoE jamais sentirei outra fome.

Deixa meu ser pálido e sedentoEsquentar-se com teu raio bento

E saberás: teu amor me consome!

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Razão da vida

Protegido por minha própria solidãoEu fenecia como aquela rosa tardia

Velando cada mistério do meu coraçãoEnquanto no peito a esperança batia.

Eras tu que fazia a fibra vibrarTu que eu nem conhecia já habitavaOs segredos íntimos do meu sonharTua existência oculta me consolava.

Quando então chegastes a derramarPalavras doces para me consolar

Não tive dúvidas, eras a escolhida!

Então meu peito, que não há de saciarBebeu a poesia que estavas a declamarE tua paixão deu razão à minha vida!

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Nesta Noite

Reluzentes astros que no céu a brilharNão vos escondam nesta noite de sonhosQue do coração, pensamentos tristonhos

Já não podem machucar.

Nesta noite verei um sorriso a maisQue desta Terra, a estrela mais pura

Oferecer-me-á com toda doçuraEm momentos eternais.

Não murcheis, rosas da minha devoçãoEste não será o beijo derradeiro

Eis que conquistarei o mundo inteiroPara dar ao meu coração.

Perfumai-me nesta noite, oh lavandaDai-me uma rosa para pôr no chapéuPois vireis aqui ver-me estrela do céu

Minha doce Fernanda.

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Ai de mim!

Torna este rude homem em algo importanteEnriquecendo minha vida com tua beleza,Ensina para o sol que queima fumeganteComo se deve brilhar com toda alteza.

Meu coração percebe agora que jamais amouE meus lábios, dois ruborizados peregrinosOrvalham pelo desejo que neles se assentouPelos teus olhos de diamantes pequeninos.

Oh! Amada! Ai de mim sem teus amoresMais perigosos são teus lábios que espadasE mais perfume tens na pele que as flores,

Ama-me somente e não precisarei de mais nada.

Não atribuas a leviano amor este fraquejarFui tomado pela paixão que a noite revelouE sou fraco demais para não me subjugarPor este hálito teu que de fogo me tomou.

Ai de mim! Ir-me sem destino e sem amorRessecar minha pele sem os beijos teus;

Toma estas rosas que te invejam com ruborE perfuma teus dias, como fará com os meus.

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A luz da vida

Qual veneno esses olhos destilamQue me roubam a alma e o coração?

Na noite da minha vida cintilamEstrelas de luz que afastam a solidão.

A rosa da madrugada eu vi florescerNo inverno frio da depressão,

Eram seus lindos olhos meu bem quererQue naquele dia, me tiraram da prisão.

Uma prisão ideológica que me queimavaMas que cedeu ao seu brilho de salvação;Tempestade de sentimentos me lançava

Na primavera de doçura e quietação.Você, minha rosa, perfume que ansiavaÉ a luz da minha vida, calorosa paixão.

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Instante perfeito

Foi só uma fração de instanteEla aninhada em meus braços

Deixando a razão deveras distanteAquecida no calor do meu abraço.

Significou mais; a eternidadeNaquela paixão dita proibida

Que libertou a alma com verdadeNa emoção que tomou a vida.

Aquele amor, cheio de defeitosFoi o ador asseio e perfeito

Sendo decifrado apenas por nós

Nos anseios do nosso fulgorO floreio foi a então a única cor

Do apaixonado desejo feroz.

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Uma simples rosa vermelha

Dou-lhe do céu a luaPara em seus olhos brilharNa minha vida tal escultura

E as tristezas afastar.

Dou-lhe o sol do nortePara a luz não lhe faltarE nada mais lhe importeNa aurora a desabrochar.

Dou-lhe o vale suspensoPara que possa caminharNo orvalho puro e densoNo crepúsculo a cantar.

Depois me vem o prantoDo meu coração arpista.

Neste mundo, nada encontro,Que em ti já não exista.

Dou-lhe então com cadênciaUma simples rosa vermelhaO meu amor como essênciaE da minha vida, a centelha.

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Quando choras

Uso cada lágrima hoje descidaDo tom sensível da tua facePara lavar a tristeza nascida

No seio oculto do meu disfarce.

Sinto-me então, por bem quererO guardião do sorriso escondidoDesbravando todo o teu temerPara trazer o brilho esvaecido.

Quando estás assim, minha queridaDesbotando-se em dolorido prantoEu mantenho a expressão erguida

Guardo dor qualquer em recantoPara cuidar de cada tua ferida;

Teu tormento é o meu desencanto.

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Noite eterna I

Quero ver-te mais do que quero viverPorque viver sem o doce do teu sorriso

Seria como voar sem poder verAs flores belas que formam o paraíso.

E se me cativas dessa forma, coração,Se marcamos o horário do grande diaEu não suporto minha forte pulsação

Que de felicidade com força se inebria.

A noite torna-se então eternaE os olhos não se fecham de excitação.Conto os minutos para ver-te donzelaLinda rosa da minha eterna expiação.

Eu quero poder ter nos teus braçosO sabor do infinito a me consumir

Quero sentir em teus abraçosO forte brilho do amor a me conduzir.

O meu sono foi a lembrança do teu beijoMeu dia foi um martírio de inquietaçãoFaz deste poeta a fonte dos teus desejosPorque és amada e vive neste coração.

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Sala dos amores

Aquela sala em que nos enrolamosEm um abraço quente e apertado

Durante um filme que mal lembramosTão cheio de um desejo apaixonado...

Parece-me tão maior agora na solidãoSentado no centro tentando te sentir

Fugindo da saudade que machuca o coraçãoTentando inutilmente os sentidos iludir.

O mesmo palco de sorrisos nos semblantesCom lágrima e tristeza pôde me absolverPor essa vontade de você, rosa distante

Querendo beijos nos teus lábios beber.Essa sala tem vida nos instantesE morte que não sei esquecer.

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O canto e o pranto

No frescor pela brisa reveladoSinto o mundo; e não sinto nadaDas flores, o perfume exalado

Não pode trazer minha doce amada.

Os versos escritos neste rascunhoSão só lágrimas de um homem que ama

Rimando tristeza ao próprio punhoNa natureza que lhe declama;

Versos que por pássaros são cantadosE não ouve o pobre apaixonadoTão perdido nos vazios deixados

Pela ilusão do seu coração quebrado.Não ouve os versos pelo vento anunciados

Para dar vazão ao seu pranto guardado.

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Amor e desejo

Ouça-me querida, esta luz brilhanteQue teus olhos tão docemente irradiaIlumina também o teu corpo delirante

Provocando-me na noite fria.

Eu quero que o lindo céu estreladoSeja cúmplice do nosso amor

Quero teu corpo quente e suadoQueimando-se com o desejo avassalador.

Com você quero esquecer o momentoE me perder em desejos quase inocentes

Porque teu sorriso é poesia e acalento

Mas teu corpo é chama ardenteQue abrandará no louco movimento

De dois corpos que se amam loucamente.

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Indecência lírica

Por entre flores e dores eu navegueiEngendrando flâmulas na imaginação

Apagadas pelo frio de uma paixãoNascidas nos lares e ares que visitei.

Mas tu, argênteo seio de porcelanaRubros lábios de um fogo ardenteTu és a chama da cama indecente

Versos de prazer que meu corpo declama.

E na cama não há dama mais perfeitaLangorosa rosa de corpo selvagem

Nua compraz-me, descoberta a paisagemEnrijeço-me ainda na espreita.

És tu estro lírico sem falso pudorPrelúdio de uma vida de esplendor.

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Fragilidade nua

Fere minha inocência com teus seiosRoçando de leve em meu corpo nuRasga toda a essência dos anseios

Sendo alimento do meu desejo cru.

Dilacera com tua boca minha castidadeUmedecendo meus sonhos com salivaExagera no mistério da sensualidade

Gemendo à minha libido altiva.

Cava meus impulsos com tuas mãosManejando as chamas do meu instinto

Crava tuas unhas na minha afliçãoVencendo a trama de tudo que sinto.

Enterra meu corpo no teu desejo

Encaixando minha vontade com a tuaE me deixa absorto neste lampejo

Gozando a tua fragilidade nua.

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II TERRA

“Quem desejaDeveras trabalhar, servir-se deve

Do melhor instrumento.E para quem escreveis não vos esqueça.”

Goethe – Fausto

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O velho

Um velho! Foi o que vi no espelho;Quando me dei conta do acontecido

E percebi tudo que já havia idoManchar os meus olhos de vermelho.

Abri a janela para tentar me acalmarE só vi a brisa do tempo entrando

Tomando cada canto que posso lembrar;Fui caindo e a tristeza me afagando.

Não! Não me chamem de velho abatidoCada ruga foi um sentimento vivido

E essas cãs, dias que eu abracei.

Não! Não me digam do tempo que passouE sim de cada sorriso que me abrandou

Cada dia que vivi e que amei.

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Não lamentarei

Quando rebentar-se do meu peitoA fibra que me faz ver as cores

Não lamentarei cada amor desfeitoNem chorarei por minhas dores.

Esse brilho convulso que esplendeAo lume dos planos se finava

Toma a razão depois se desprendeE a face de tristeza me mostrava.

Foi vida, sim, nos seus arrebóisQue se findavam como finda o diaMas que buscavam, tais girassóis

A chama que a aurora inebria.

Que seria do amor sem a desilusãoOu da alegria sem a tristeza?

Monótona melodia sem emoçãoQue se desfaz sem nenhuma beleza.

É necessário perder-se na escuridãoPara reconhecer o valor das rosasSentir o odor fétido da desilusãoPara entender razões perfumosas.

Dores em mim, jamais engrandeçoMas também não maldigo o sofrimento

Pois sofrendo reconheci meu apreçoNa dor aprendi o valor do acalento.

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Quando meu último hálito acenderA chama morta do derradeiro gemidoLembre-se, o amor que me fez viver

Proveio do sofrimento na dor nascido.

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Desilusão irracional

Navegando em seu próprio prantoExpressão recôndita da agonia

O poeta perde da vida, o encantoNas desilusões que sempre sentia.

Desconsolado, pobre poeta, choravaE não entendia porque era tão impiedosoO mundo, que simplesmente o ignoravaTratando-o tal um moribundo leproso.

Pensava ser um todo sempre racionalE predizia cada pequena ação

Que seguia seu cego desejo pessoalIgnorando da vida, toda a emoção.Irracional o poeta era e não sabia

Simplesmente agia pelos sentimentosE deleitava-se com o que lhe aprazia

Sendo a vida cada um de seus momentos.

E a decepção então o devorava novamentePois não aceitava a simples realidade:Age-se sem maldade, pelo que se sente

Depois se arrepende pela eternidadeQue não dura mais do que um segundoAté sentir outro sentimento profundo

Que o faça sentir-se imundo.

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Page 43: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Canto à humanidade

Aquela criança em estado febrilQue apresenta uma cantilena tristeNasceu sem berço, num ninho vil

E jamais soube por que existe.

É apenas mais uma em um coroDe finas vozes desfavorecidas

Num lúgubre canto canoroDe uma legião de almas esquecidas.

Condenados mais por sua condiçãoDo que pelos atos executadosPobre criança e sua expiação

Vive no inferno sem seus pecados.

Pudera ser apenas um desejo lúdicoDe um pequeno inocente isoladoMas aquele pequeno ser pudico

Canta o canto dos desconsolados.

Fraca é então a humanidadeQue se destrói num grande fragorNão ouve o canto da serenidade

E não acha na vida seu próprio valor.

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Page 44: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Essência de vidro

Pobre ser que em sua idiossincrasiaTão cheio de sentimentos e de razão

Corrompe-se na vida em demasiaPor sua própria alma de distração.

Frágil! A cada um a mesma sentençaDo rei babilônico que o medo nunca vestiu

Ao pobre mendigo sem crençaFrágeis são como nunca antes se discerniu.

Teme encontrar da vida o fimA morte, dama misteriosa e astuta

Que faz da vida um simples pasquimE de qualquer esforço, uma labuta.

Um simples trabalho sem sentidoUm simples esforço desperdiçado

Pois do homem, a essência é de vidroOh ignorante ser desbriado!

Hipócrita é o que eu posso dizerDe uma espécie tão frágil

Que de força tenta transparecerSem saber que a vida é um lábil.

Em um mundo de sentimentosTenta todas as dores suportar

Mas a fragilidade que carrega por dentroÉ mais forte do que pode imaginar.

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Page 45: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Corrompe-se em nome da ambiçãoE destrói-se procurando a vida

Toda a sua glória, apenas uma encenaçãoQue na sua essência foi esquecida.

Se não fosse pela ambição do poderSeria na fragilidade o seu pulcroDa morte não se pode esconder,

A vida acaba num sopro!

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Page 46: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Fantoche da arrogância

Uma sociedade sem olhos e sem ouvidosQue se movem pelo prazer visual

São sempre tão facilmente corrompidosPor qualquer cena colorida e banal.

A persuasão com efeitos tridimensionaisQue contemplam ideologias doentias

Anunciadas por musas sensuaisNum falso enredo atraente de fantasias.

Em uma falsa verdade sem sentidoEm um grande erro tão adentrado

Que desde o início é tão escondidoMas que até o fim é tão bem mostrado.

Perdemos-nos como crianças eufóricasPor um brinquedo barato e vulgarE sofremos do mundo as cólicas

Por na vida não sabermos nosso lugar.

Pobre ser de tanta personalidadePela sua própria arrogância é velado

Só consegue na vida por vaidadePor seus iguais ser controlado.

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Page 47: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

O hino da nação

Cortando o ar em tom ovanteSoou triste o hino da nação

Na tarde dos ventos uivantesBrilhando de poesia e admiraçãoE trazendo o riso ao semblante,Esperanças ao cinza do coraçãoQue teme sempre futuro erranteDor qualquer de farta desilusão.

Um ritual sublime no AlvoradaFez cintilar a chama ainda puraDe sonhos que resistem à geadaDe um país de pouca candura

Que coloca medo na mente agoniadaCom corrupção e pouca compostura.

Com a bandeira dobrada a caminharOs Dragões foram um último delírioDe salvação para continuar a amarA Pátria que ainda é como um lírio;

Exala o cheiro patriota e olenteMas que fenece sem o sol anuente

Do respeito a toda a sua gente.

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Page 48: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Boêmio

Hoje, qual um vagabundo, a vaguearTento eu fugir dos meus medos, andando

Pálido, tal um moribundo, chorandoCaio sozinho em um bar.

Pego um charuto, dou uma baforadaGelada, embriaga-me a cerveja.Vejo cantada, na moda sertaneja

A morte esperada.

Mas, não é só cerveja que vou bebendoNa peleja, algo mais posso escutar

Ouço - sofrendo - minha solidão cantar;Bebo e vou morrendo.

Nesta vida desregrada, tento fugirMas, uma emboscada vai me consumindoEnquanto eu bebo, a mim mesmo findo,

Deixando de existir.

Vida boêmia em mim não cura a dorAlivia a doença com uma ilusão

Seu dissabor é uma completa perdição;Preciso é de amor.

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O meu cerrado

Teus troncos tortuosos são a imagemDa árida luta travada, oh vegetação!

Nos tons beges da tua linda paisagemTens frutos, tens rosas, tens perfeição.

Se teus ventos sopram seca estiagemTuas nascentes matam a sede do chãoTua fauna assovia o canto selvagem

De pássaros que voam no seio da nação.

Deixa tua flora vestir-me, cerradoCom teu manto de folhas ressequidasNa noite do belo céu azul estrelado.

Quero apreciar tua beleza esquecidaNa casca grossa do tronco entortadoQue se retorce pela batalha da vida.

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Egoísmo do poeta

Não existe, na dimensão do mundo,Ser mais egoísta que o poeta

Em seus versos faz-se moribundoPara partilhar o que lhe acarreta.

Se a tristeza desbota-lhe a faceEntrega-se logo à pena a escrever

Todos os versos tristes, sem disfarcePara que o mundo sinta o seu sofrer.

Mas, se a alegria dá-lhe um sorrisoSó quer saber de desfrutar o paraíso

Daquele momento dantes tão ansiado

Esquece então da pena e da poesiaPois da sua mente, a única fantasia

Está na tristeza do coração condenado.

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Page 51: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Canção do guerreiro

Oh! Bravo homem que desconhece o medo,Eis que desvendo agora o seu segredo.Se entre gritos luta no alto do monte

Suportando o cansaço, a dor e o sangue na fronteMostro que não é pela vitória que tem combatido,

Nem pela recompensa que tens o semblante abatido.Em terras ermas cravou no inimigo a ponta da lança,

Sob o desespero não se curvou à desesperançaÉ, pois, oh guerreiro, pela dama que o espera

Que, antes da espada, sua única companheira era.Por ela, resistiu à dor do corte na agonia

Em seu coração, não ódio, mas saudade trazia.Na sua espada cintilava o brilho dos olhos distantesDa sua amada, tão bela quanto valiosos diamantes

Se o inimigo era forte e colocava-o em uma emboscadaNão a dor, mas a saudade que o castigava.

Oh! Guerreiro! Mil homens vence sem preceMas ao olhar de sua dama, ajoelha e desfalece.Pois ela o aguarda no silêncio de seu casteloPara tuas dores curar com um sorriso singelo.Teu inimigos lutam pela espada e pela glória,

Tu, oh grande, tem na dama e no amor tua maior vitória!

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Meus sonhos

Salve oh lua, amiga infindávelIlumina-me sempre uma vez mais

Enquanto pranteio a dor assazBeija-me a tez com o brilho afável.

Tu, amante da hora incertaQue o meu sono à noite velasteE sonhos a mim proporcionasteCom a luz azul na janela aberta.

Cada sonho cultivado na alvorada,As loucuras de uma doce criançaForam hoje perdidas na esperança

De que pouco vale mais do que nada.Abri mão de tudo que sempre sonheiE por um preço módico eu os vendi

Todos os meus valores eu perdi,Diante dos obstáculos eu fraquejei.

Oh lua! Acolhe este pranto profundoFui enganado por uma distraçãoLudibriado, perdi minha razão,

Quem um dia quis mudar o mundo...O homem me disse: __A sua felicidade

Você pode facilmente comprarBasta sua vida me entregar

Que eu te mostro da vida a verdade.

Maldito! Eu não percebi o perigoA vida é livre, e o verdadeiro prazer

Não é algo que se possa trazer

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Page 53: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Minha presunção foi o meu castigo.A felicidade não está em um local

E jamais poderá ser vendidaEla é despertada, entendida

Algo invariavelmente pessoal.

Minha suprema amiga brilhanteDentro de mim a felicidade estava

E eu cego, sempre a procuravaAchando ser algo distante!

Vendi os meus sonhos sem pensarE nessa noite vermelha e agourentaMinha consciência é uma tormentaTambém tu eu não posso alcançar.

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Flor do céu(canto à justiça)

Oh! Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura!No firmamento reluzes em cadência cintilanteCom um brilho de esperança para toda criatura

És para o justo, um almejado diamante.

Por ti perco a noite em profunda solidão,Abro a janela e vejo um brilho implacável

Flor bela, minha eterna presunção,É alcançar-te no céu inalcançável.

Oh! Flor imaculada dos céus estreladosTira de mim o medo, mal que se espalha,

E me permita caminhar pelos campos orvalhados

Prometidos aos que vestem da alegria a camalha.Somente em ti, apesar do sangue dos enganados,

Ganha-se a vida, perde-se a batalha!

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Page 55: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Aurora ruborizada

O dia hoje acordou tão preguiçosoQue a sua serenidade me tranquilizou,

Um sol dourado e tão afetuosoBeijando a face da noite que passou.

A aurora ruborizada pela belezaDas flores borrifadas de orvalho,Os pássaros cantando com alteza

Fazendo de altar o cimo do carvalho.

Eu, parado, vejo esse quadro se construirCom as cores vivas da perfeição;

O que mais o homem pode querer possuir?

A aurora se levanta serena, sem exceçãoDia após dia, sem jamais se extinguir

Basta ao homem direcionar sua contemplação.

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Page 56: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Lembranças

Não são simples pensamentos que retornam,As lembranças são presentes da memória

Que nos permite reviver uma históriaÁguas passadas que de novo transbordam.

Folhas que o outono não pôde nos levarPois no coração já estavam inscritas

Da vida todas as cenas favoritasQue a nossa alma não quis abandonar.

Seja-me, memória, bálsamo do tempoAnunciante da minha alegria

Recordação viva do esquecimento.

O amor que no papel é nostalgiaSeja-me no presente meu acalentoBebida que de paixão me inebria.

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Não chores

Verdejante vale da minha solidãoSe amanhã não mais fores acordado

Pela aurora de colorido condãoNão cales, nem chores desconsolado.

Em vida foste poeta e a poesia vivesteAmaste de toda alma e, sim, foste amado

Nas fragrâncias que a natureza te concebesteSentiste da vida o perfume exalado.

Então, não chores se a vida te deixarSolitário coração meu, foi-te bela

E de cada felicidade que podes tomarEmbriagou-te com as cores dessa aquarela.

Não sintas falta dos males da matériaNem te aborreças pelas dores do mundoQuando secar o sangue de tuas artérias

Lembra-te do que sentiste de mais profundo.

Tu foste a cor em dias sem emoçãoO adorno em tempos tão condenadosO silêncio no meio de tanta agitação

Tu, poeta, foste a lua dos apaixonados.

Quantas borboletas viste levemente voarPela mesma brisa que te beijava a tezQuantas melodias não ouviste criar

A orquestra de árvores em sua pacatez.

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Page 58: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Não coração, não temas na morte a expiaçãoPois foi o licor da vida que te embriagou

Trazendo nostalgia ao teu coração,Entrega-te a esta dama que sempre te amou.

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Page 59: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

O silêncio e seus mistérios

Amigo de semblante orvalhadoDas horas de pura solidão

Sob a luz de um céu estreladoEis para ti a minha desilusão.

Não sei qual o teu mistério,Mas quão completo é esse vazioQue sem palavras faz-te etéreo

E conforta qualquer coração frio.

És tu nobre silêncio, meu licorQue me vela em uno segredoFaz-me sonhar com o amor

E me dá coragem para todo medo.

Naquela lágrima esquecidaDo pranto constante

Peço que sares minha feridaDo meu amor distante.

Eu não sei com qual feitoUsa-se para curar

Mas tu silêncio escorreitoÉ meu refúgio e lar.

Quase sempre tão cheioDe um triste sonharQue o antigo anseio

No teu seio consegue se formar.

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Page 60: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

No teu mistério interiorÉs sangue para meu coração

Ó cura para meu langorÉs meu refúgio e consolação.

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Page 61: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Instinto libertino(tributo ao Led Zeppelin)

Dessa vez não choravam os violinosAlgazarra gritava muito mais aguda

Talvez copiavam meu instinto libertinoQue a guitarra quebrantava desnuda.

Jimmy segurava as notas com as mãosParecendo surgir dos próprios dedos

Crime; assassinava medos com intençãoLibertando todos os reprimidos segredos.

Plant era um poeta cuja voz libertavaNão de versos, mas de sentimentos

Agente do caos que em nós se anunciavaSubmerso em seus próprios julgamentos.

John delirava, no baixo e na percussãoBateria que em meu coração tocava

E eu almejava, debaixo da introspecçãoA alegria que a emoção me provocava.

E a moral, guardada em lugar qualquerNão incomodava a liberdade do momento

O Strauss, silenciado sem se aborrecerCom a desregrada vontade de rompimento.

Era libertação que ressoava em harmoniaEm notas altas e cheias de reflexões

A comoção que pairava sobre a alegriaFoi afogada no grito gélido dos corações.

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Page 62: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Amor que transborda

Derramei meu amor sobre elaInteiro em uma só torrente

Mas, sendo rosa - e tão belaNão suportou minh'alma ardente.

Entendi que amor pode afogarSe dado mais do que se espera

Quem não está acostumado a amarQueima-se com qualquer quimera.

Derramo então em gotas contadasSobre almas não acostumadas

A paixão que ferve em meu peito.

Mas, sendo fonte jamais esgotadaTransborda essa chama guardada

Queimando mais do que o preceito.

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Page 63: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Coração antitético

Alucinado, meio inconsequenteÉ o que posso dizer do meu coração

Exagerado e pouco inocenteLeva a vida como uma grande paixão.

Se for amor, é pra valerEntrego a vida sem medo

Dou a alma e deixo acontecerAmo sem pensar no desenredo.

Amo sem limite e sem temerQuero da vida cada instanteO drama etéreo de se viver

E a tristeza torna-se algo distante.

E quando sou romântico, sou simOrdinário, um louco exageradoTiro tudo o que posso de mim

Até que o coração esteja condenado.

Mas um coração assim corre perigoAma como se fosse para sempre

Sofre por um amor antigoE as virtudes matam-me em seu ventre.

E quando dói, sofro sem fimAtordoado, totalmente desconsolado

Infelizmente eu sou assimTransformo em cantilena um launim.

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Page 64: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Sufoco-me no mar das decepçõesE o amor, torna-se uma navalhaAfogo-me em minhas ilusões

E os sonhos tornam-se uma mortalha.

Abandonado, um louco solitárioAbatido, meu corpo desfalece

Ignorado pelo amor no seu mistérioCondoído, toda a alegria desaparece.

Eu sou assim, um louco antitéticoSe a vida é essa desesperança

Entro sem medo, um tolo amantéticoQue busca no amor a sua abastança.

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Page 65: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Noite escura

Na noite, o escuro da solidãoCorrompe todo vazio da mente

O açoite imaturo da emoçãoProrrompe o arrepio fremente.

Sensível ao medo do isolamentoAgarramos falsas segurançasAo risível arremedo de alentoAcatamos cores de esperança.

Duas solidões podem se beijarQuando encontram-se carentes

Pois corações explodem ao amarPensando sofrer-se eternamente.

Na noite, o escuro da solidãoLudibria os concretos valores

Pernoite que amarguro em afliçãoArrepiam os desafetos das dores.

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Page 66: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Inimigos da Paz

Inimigos da paz! Vós com a espada a brandirLutando sem propósito por quem lhe dominaProfanando com este aço maldito a refletirA mancha do sangue de todos que arruína.

Vós, que acusam ser a fonte do vosso viverEssas batalhas sangrentas! Pois são malditosIncapazes de ver a vida à janela amanhecer

Esquivando-se dos pássaros para ouvir gritos.

Que minhas lágrimas se transformem em chamasSe tudo o que faz o homem não é pela vontade.A única batalha digna apenas no peito inflama.

Se elevam suas mentiras, fazendo-as verdadesSucumbirão, pela mesma maldade que proclamamFerindo-se com a lâmina da sua própria crueldade.

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Dignidade

Passei a tarde toda esperandoAo lado do telefone com ansiedadeA esperança no coração lampejandoÀ espera de uma gota de saudade.

Sim, contei os minutos devagarComo quem conta estrelas esperando

O seu grande amor enfim ligarDizendo que a saudade estava apertando.

Desisto, ligo eu para a felicidadeMas eis que me atende a indiferença

Tratando-me sem a mínima afetividade.

Digo então que sinto falta de verdadeE que meu coração padece de uma doença,

Amar tanto, e ter tão pouca dignidade.

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Page 68: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Hipocrisia

A mim não basta a contemplaçãoDo belo, do sereno, do distante

Essa mentira monótona de ilusãoDestrói o sentimento mais abrasante:

O caos, a antítese, a destruição.Todos falam da misericórdia sem saber

E vivem uma vida sem compaixãoQuero o cadáver, ver a vida apodrecer!

Todos sabem dos problemas que existemTodos ouvem a cantilena dos inocentes

Porque então todas as mentiras que dizem?

Amor, e todas essas ironias decentesNão passam de hipocrisia e vertigem

Para justificar virtudes sempre ausentes.

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Page 69: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Mágoa

Por um jardim de flores murchas eu andeiE com minhas lágrimas eu pude regarTodas as mil dores do meu triste pesar

Todos os labores que por amores clamei.

E foi essa triste natureza mortaQue ornamentou da alma toda paisagem

Seca de beleza, triste estiagemQue meu melancólico peito comporta.

Mágoa, a mãe da dor, também responsávelPor todas as cores que assumiu meu jardim

E pela tristeza hoje suportável.

Foram as lágrimas que caíram de mimQue aguaram rosas de forma amávelColocando na tristeza um belo fim.

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Page 70: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Essa maldição de (se) escrever

Escrevo; sou escravo dessa maldiçãoQuando meu peito pulsa descontroladoSão palavras que escorrem pelo coraçãoFazendo de mim um objeto manipulado.

Escrever é meu mal e minha cura

É aquele momento de pura solidãoQuando sou sincero com minh'alma puraPermitindo ao peito arder e se dar vazão.

É fome que consome e que alimenta

Sou escritor que se escreve enquanto apagaRascunho qualquer, versos de tormenta

Quem escreve à própria alma afaga.

Por isso, se escreves, apenas o façaSeja sincero e não se limite pela moralPois do escritor a alma não se disfarça

Escreve sem medo, ainda que lhe faça mal.

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Page 71: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

III INFERNO

“Com a auroraHorrorizado acordo; amargo pranto

Sobre o dia derramo, que em seu cursoNem um desejo poderá fartar-me,

Nem um sequer”Fausto – Goethe

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Page 72: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Amor suicida

Torna um pouco mais maciaA carne por onde escorre

Pranto meu, furtiva trenodiaQue de consolo me acolhe

Para mais fácil degustarMinha carne, os vermes malditos

Assim quem sabe hei de curarA dor dos sonhos não tidos!

Esverdeado o corpo moribundoApodrece em poço profundoFugindo das dores desta vida.

Um coração fétido e imundoHá de curar sofrimento oriundoDeste meu torvo amor suicida.

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Page 73: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Saudade atroz

Rasgue minha carne, saudade atrozConvulsos gritos da minha lembrança

E estrague-me, atrocidade ferozConfusos lampejos de esperança.

Consternado, aguardo o seu regressoPara esquentar o meu coração gelado

Ludibriado, com o pranto obsessoTento enganar a razão ao meu lado.

Mas, a única cura do coração doentioÉ a doçura da paixão que confio;Vida minha que me faz respirar.

Sem ela, na tortura do eterno frio,Padece e perdura a solidão no vazio;Esquecida a certeza de que irá voltar.

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Page 74: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Abrande em mim

Abrande em meu peito estas doresQue me tornam este ser fleumático

Pois é grande a lembrança dos amoresQue me fazem este torvo apático.

O recital revelado na noite velada,Toda bravura do coração tristonho

Foi cristal quebrado, oh linda amadaDa alvura do teu rosto risonho.

Pelo mal meu, desfeito ser desgrenhadoFaleceu, o peito jovem e apaixonado;

Esperanças eternas que nascem em mim.

Do amor seu, preceito não ignoradoQue cresceu, perfeito e acetinado;

Lembranças ternas restariam no fim.

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Page 75: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Vinho e desilusão

A paixão do vinho me agonizavaÉbrio e ferido pela vida impura

Em meu peito o coração inflamavaA solidão da cansada sepultura.

Ardia em meu hálito já mortoA saudade da lembrança escrita

Do torvo tempo de todo confortoQuando beijei a boca maldita.

Boêmio em minha plena mocidadeCujas páginas a solidão rasgouDa minha vida de vã eternidadeTempo curto que a dor devorou.

Restou apenas o pesar dos dedosQue buscam a garrafa adormecidaBorrifando nos lábios os segredosQue na solidão me tomam a vida.

Que se acenda com os luminaresDos versos escritos no passado

Já não me bastam apenas olharesPara que me sinta novamente amado.

Entorno o vinho robusto do PortoE me escondo no escuro da cidadeEnquanto meu coração já morto

Fraqueja pela dor que me invade.

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Page 76: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Livro velho e amor clandestino

Este livro velho sentado à tua frenteCujas páginas estão carcomidas

E os versos abafados e decadentesSão ruínas de paixões envelhecidasNo depósito assombrado da mente.

Leia este poema triste das venturasQue meu coração até hoje viveu

Inacabado que subsiste na clausuraDe toda paixão que nele adormeceu

Mas que ainda existe e perdura.

Veja restos de páginas arrancadasDeixando todo o meu poema ilegívelConsistem em lágrimas derramadas

E sangue da blasfema insensívelDe toda tua paixão não declarada.

Aceita recomeçar à duas mãosO livro do nosso amor desfeito

Sem preocupar com metrificação

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Page 78: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Baú dos esquecimentos

Aquela rosa tão coloridaCultivada dentro do meu coração

Era a rosa da [nossa] vidaOferecida sem o gelo da razão.

Sob o manto azul estreladoDo outono, os mais doces beijos

Tirei meu coração, coloquei ao seu ladoE expus sem proteção os meus desejos.

Não quis; não posso te culparPediu para esperar, grunhidos de segurança

Mas a rosa não podia esperarSecou sem a água da esperança.

Reguei-a o mais que pude com prantoE guardei-a no baú dos esquecimentosMas, as rosas murcham sem acalanto,

Feneceu regada apenas por meus lamentos.

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Page 79: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Não vás

Não vás, não vás, por favor, Por tudo o que há de mais sagrado

Pelo que te é de mais valorNão, não me deixes neste estado.

Ouve o meu grito desconsoladoVê o meu temor de pleno medo

Não! Não vás! Sinto-me enclausuradoPelas grades deste nosso segredo.

Não vás, não vás, não vásPorque a dor em mim não se esvai

E este é o meu único pedido

Não vás, porque não poderei suportarTodo este meu triste pesar

Clamar teu socorro e não ser atendido.

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Page 80: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

O frio do mundo

Meus ossos estão congelandoMinha boca está seca e geladaMeu coração quase parandoMinha vida, constante geada.

Cristais de pura desilusãoVendavais de sonhos fenecidos

Chuvas de amor em decomposiçãoNeve de desejos esvaecidos.

Só quero uma colcha aquecidaDe terra, sobre o meu leito

Para aquecer o coração desfeito.

Um terno de madeira floridaPara me proteger do frio feitoPor um ser ao amor desfeito.

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Page 81: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Lágrimas que a brisa secou

Todo o pranto outrora derramadoCujo beijo da brisa secou

São apenas manchas no meu passadoLágrimas que o outono levou.

Leva, oh brisa, todas as doresQue colorem de cinza meu sorrisoPois, da vida, todos os dissaboresTornaram o meu brilho omisso.

Enquanto em minha tez estiver pousada[oh brisa]

Saberei eu viver da lágrima evaporadaEm versos sujos do meu coração.

Mas quando formar-se uma emboscadaLevando para longe minha amada

Dentro de mim far-se-á um furacão.

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Page 82: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Amor Passageiro

Daquele amor que um dia me afogouFoi minha vida, minha água, meu ar

Daquele amor, fogo que um dia me queimou.Hoje me libertei, sem querer, sem procurar.

Chegou tão de repente, sem avisarE se foi da mesma forma, sem dizer

Palavra qualquer, razão para consolar.Apenas se foi, me deixando livre de te querer.

Paixão é fogo que queima e esvanecePor isso, querida, não espere muito de mim

Também amei, me entreguei... Mas acontece

Toda paixão fatalmente termina assim.Mas, sempre valerá a pena; aquece,

Repete-se, mesmo sabendo que chegará ao fim.

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Page 83: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Anjo de pedra

Quando abri os olhos vi a cerraçãoSenti o frio me cortando

O mais profundo silêncio pairandoE gárgulas enfeitando a minha prisão.

Sim, eu padecia sozinho no cemitérioPlantando rosas com meu prantoVivendo da beleza do desencanto

E fazendo versos do triste mistério.

Um portão de ferro me prendiaÁrvores secas cantavam com o vento

Catacumbas abertas eram meu acalentoEu então chorava minha agonia.

Uma lágrima na face de um anjo de pedraMostrou-me que o fúnebre recintoEra na verdade tudo o que eu sinto

Eu era o gárgula da minha desmedra.

Não tive forças para me libertar,Aproveitei um túmulo descoberto

Achei a paz em local incertoE enterrei-me para voltar a sonhar!

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Page 84: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Ilusão e Provação

O amor que na aparência é tão gentilNa provação mostra sua face cruel e vil

Enquanto no peito, de esperanças se aqueceVive; mas quando vive a si próprio esvaece.

E quando o sol dourado se revela no orienteQuem vive do amor já fenece doente

Pelos males deste rubro sentimento hediondoVeneno que adoça para matar com abandono.

As lágrimas então aumentam o fresco orvalhoSozinho, em pranto, recostado em um carvalhoFazendo dos suspiros novas nuvens a se elevar

E regando as raízes com o sangue do pesar.

O amor, ilusão que traz a mais pura vidaÉ também quem faz a mais profunda feridaTrazendo esperanças no inocente coração

Que acredita em mentiras que lhe tomam a razão.

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Page 85: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

O amor que se foi

Houve um dia em que teus olhos brilhantesVoltados a mim, deixaram-me encantadoNo coração, batidas fortes e constantesRoubou minha alma, fiquei apaixonado.

Houve um dia em que teu corpo quenteQueimou o meu espírito e deixou-me embriagado

A noite foi palco de um desejo ardenteTe desejei, te amei, fiquei extasiado.

Hoje, amor, é um novo dia... De separaçãoTeus olhos já não tem nenhum luzir

Teus beijos já não me queimam de paixão.

Até a primavera morre com o verão por vir,A vida é um ciclo de constante renovação

E o amor também, em mim deixou de existir.

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Page 86: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Amar e Morrer

Deitou todo seu pesar em meus ombrosE debruçou seus suplícios em meu peito

Dilacerou sem considerar meus escombrosE desdenhou meu artifício tão imperfeito.

Fios de sangue correram de sua faceE eu não soube qual maldição escolher

Enterrar-me para salvar seu impasseOu deixar-lhe a aflição pelo meu sofrer.

Doei minha vida para salvar a sua afliçãoDeixei adormecida a ferida do meu coraçãoAchando calar-se no peito a dor reprimida!

Tentei então cobrir de beijos teus malesErrei por suprimir meus tristes pesares

Amando morri no leito da minha própria vida!

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Page 87: Desde o céu, pela terra, ao fundo do inferno

Sinta falta

Aprenderei a não sentir falta de tiPara que sinta falta do meu bem querer

E quando a noite fria emudecerQue a solidão diga-te que eu parti.

Ah! Sinta falta dos carinhos que te deiDas promessas de amor silenciosas

Dos lábios que só te falavam de rosasE dos beijos sinceros que te dediquei.

Veja que o amor quer sempre companhiaDoce vontade de sempre ter atençãoAmor sozinho não conhece alegria.

O triste deserto que do meu coraçãoViu uma miragem onde não deveriaDeu amor a quem só queria solidão.

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As asas do coração

Um sorriso cinza e melancólicoEm um rosto sem expressão,Um gesto opaco e simbólico

Que esconde o vazio do coração.Quem vê esse quadro monocromático

Sem vida e sem inspiraçãoNão imagina o sentimento acroático

Que deu origem a essa situação.

O brilho nos seus olhos a luzirFoi uma mentira que eu quis para mim

Um orgulho que eu quis permitirVocê, estrela, me abandonaria no fim.

Deixei entrar naquele lindo casteloQue era erguido pela minha presunção

Cedi àquele sorriso singeloE me deixei perder a razão.

A mais doce mentira comigoDa vida, os mais belos momentosQue não passaram de um castigoCruéis obras do meu pensamento.

Pulei no precipício entãoSabendo que iria cair

Mas eu quis sentir aquela sensaçãoPelo simples prazer de me iludir.

Como um pássaro então eu pude voarPelos melhores sentimentos desse mundoE toda a felicidade eu pude experimentar

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Esquecendo-me que iria morrer no fundo.Intrépido, pularia de novo, sem desalento

Você foi a vaidade que eu quis terA rosa mais cara do meu pensamentoO amor que eu jamais irei esquecer.

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Dê-me a paz

Dê-me ao menos aquela convulsãoQue apenas a morte pode proporcionar

Pois bate triste meu coraçãoE esperanças eu já não posso provar.

Dê-me ao menos um caixão embalsamadoOnde eu possa descansar enfimDeste mundo tolo e desgraçado

Que faz tanta tristeza nascer em mim.

Dê-me clarões de repentina loucuraPara que eu possa não mais lamentar

As dores desta noite escura

Que não se cansam de me atormentar.Deixem-me descansar na paz da sepultura

Onde não irei mais amar.

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Saciedade

Sopre a brisa fria e leve emboraTodos os beijos que você não quis me dar

Gele como os invernos de outroraNo teu coração que não sabe nem amar.

Deixa-me então orvalhando saudadeSentindo hoje a dor do abandonoPois, decerto, foi muita saciedade

Que fez a tua saudade velar no sono.

Ilumina, lua amiga, o meu pesarPois tua beleza sacia, mas não me cansaE as tuas brisas não podem me congelar.

Descansa em paz, rosa da abastançaE não te preocupes com o meu orvalharViverei com o cheiro da tua lembrança.

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Restos

Ela jazia, pálida e embalsamadaNo espaço quente do meu coração

Enfeitada por toda mágoa guardadaE por todas as flores de desilusão.

Ela jazia, moribunda pelas floresQue me tornaram este ser soturno

Apagando toda a chama dos ardoresE as luzes dos olhos taciturnos.

Eu olhando aquele corpo desfalecidoLembrei do que já havia sentido

E de todos sabores daquela paixão.

Não senti nenhum amor enaltecido,Enterrei todo sentimento já tido

Com outros restos em decomposição.

[Ela jazia, eu nada sentia. No peito o coração ainda batia]

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Raça de poetas

Com todo fulgor da imaginaçãoE todo o fogo do ardor da paixão

Sim, eu vivo tudo o que posso sentirE sinto, por sentir, todo meu existir.

Provenho de uma raça de exagerosQue vive só de amores verdadeiros

Não entendo essa brisa como paixãoPois tenho aqui dentro de mim um furacão.

Se queres romance, sou um cálice cheioPois é a lua meu único alimento

Mas não me venhas com o triste devaneio

Do teu estranho amar sem sentimentoPois para meu coração não há nenhum meio

De ilusão com o teu triste lamento.

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Profanação

Velei todas as dores na sala mortuária,A noite namorava as flores com sua solidão

E jazia a virgem pálida e solitáriaMolhada por meu pranto no mármore do caixão.

Levou para o vale dos que não hão de voltarO último suspiro do meu peito em luto

Chorem minhas dores! Eu queria me matar!Quem sabe apagar-me junto com meu charuto!

Jaz macilenta em seu sublime último sonoPerfumada pelas rosas do seu fúnebre leitoEnquanto bebo, ébrio, o vinho do abandono

Que rebenta a tênue fibra do meu peito.

Oh! Amada! Perdoe-me por profanar sua mortePossuindo o seu corpo em plena expiação!Guardarei sua virgindade em grade forte

Livre dos males da nossa eterna maldição.

Pego então o punhal com a mão tremendoE sinto desmaiar meu coração desfeito

Fenece minha carne que jaz enfebrecendoEnquanto meu corpo cobre o dela, satisfeito.

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Canto da desilusão

E dos meus pulsos flageladosAcostumados sempre a lhe levarRosas em dias tão apaixonados,

Estão hoje com sangue a derramarPelos meus lamentos desesperadosQue não conseguem se controlar.

De que me serve essa vidaSe tudo um dia irá morrer?Não quero viver essa ferida

De amar e depois ter de perder.Viver por uma divindade escondida

Ou para ver o amor fenecer?

Se uma rosa, de beleza infinitaFenece, sobrando apenas podridãoO que dizer da menina mais bonitaQue hoje existe em meu coração?O amor que em meu peito palpitaDecerto sofrerá também desilusão.

Sofreu... Sofre... Dor de paixão.

Não acredito em paixão vistosaE nem no amor que me abrandouDesgraça se fazendo de formosaMorte que outrora me enganou

Com a força da inocência dolorosaE a indecência que me sufocou.

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Para a lua, talvez haja felicidadeEm sua virgindade que não se finda

Não ouvirá canto algum de atrocidadeE será sempre tão jovem e linda.

Mas a mim, não me satisfaz a ebriedadeDe esperar sempre a morte entrevinda.

Só conhecerei a verdadeira sorteQuando sonhos não mais se findem;

Em meu sepulcral leito de morteOnde ossos não mais se quebrem

Minha carne suporte qualquer corteE meus desejos não se desesperem.

Quero jazer onde nenhum sonhoExista para me fazer tristonho.

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A ceia natalina

Dê-me a fétida carne putrefataDe um defunto na ceia do natal

Para que eu coma a garfadasO tão exaltado ser humano natural.

Quero um banquete de sangue coaguladoE ossos já em decomposição

Para vingar-me desse ser desgraçadoQue cria a sua própria expiação.

Porque hoje a morte é o meu parE o negro a minha única coloração.Na vida não tenho o que comemorar

Quero apenas a própria morte provarPara sentir o amargo de um coraçãoQue se ilude com o seu triste sonhar.

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O meu coração putrefato

Em meu cadáver revolvem-se vermesDecompondo o meu corpo inerme

Que jaz, putrefato na escuridãoDo meu túmulo, mórbida vexação.

Eu sou apenas isso, um corpo sem vidaUm desgraçado com a pele ressequida

Pelos males da vida de sofrimentoDesiludido em um poço lamacento.

Quando vi na borda da vida obscuraFlorescer uma rosa na sepulturaTive um ímpeto de esperança

Esquecendo toda a dor da lembrança.

Era você, a rosa do meu único mundoColorindo a visão deste ser moribundo

Fazendo-me acreditar no que diz o ventoQue a vida não é só este maldito relento.

Tirei o meu coração podre do peitoE ofereci-o assim, de qualquer jeito

Apenas com uma paixão pura no coraçãoE um desejo inocente de salvação.

Você não quis aquele órgão deterioradoQue ofereci pelo amor enganado.

Eu chorei e lamentei a vida desgraçadaQuis morrer de novo pela dor anunciada.

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Guardei meu coração novamente, desfeitoTétrico, consolei-me, à dor afeito

Mas, uma vez retirado, não se curaO coração morto de uma triste criatura.

Aquietei-me o mais que pude em meu jazigoE fiz dele meu leito e meu castigo

Dormi então o sono dos que jamais voltarãoVelado por vermes, esquecido em meu caixão.

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Canto à minha última lembrança

Porque, jovem poeta, olha para o infinito estendidoQue a ti se mostra com o véu da tristeza desnudadoProcurando nas palavras do vento qualquer sentidoPara consolar o seu exangue coração apaixonado?

Porque nasceste assim, com esse ardor obstinadoQue prende-lhe com paixão tudo que impressiona?Ah! Mil dores viu recitar os verdes prados abaladoPor uma retina obscura que apenas a ti aprisiona.

Ah meu amor, todas estas formas lhe desenhamE vejo seu brilho nesta linda aurora resplandecenteO rubor das tuas faces ao horizonte se assemelham

E seu perfume na rosa matutina se desprende.

No frescor do orvalho pousado na vegetaçãoSinto teus lábios que me queimaram por inteiro

Deste ardor que se mostra quente em meu coraçãoCada pequena centelha chia triste no meu braseiro.

Porque, poeta, foste amar a única rosa do campoPelo qual não poderia dispensar nenhum amor!

Vives agora assim, da tristeza do desencantoQue lhe empalidece a ressequida pele com a dor.

Oh! Vida cruel! Adeus mundo!

Queima-me ainda os lábios daquele fogo sagradoQue vinha em torrentes do seu halito perfumadoCom a chama do meu último suspiro derramado

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Em louvor ao teu amor, meu triste anjo malvado.

Oh! Um pecado? Se já não o faço, hei de pagarFindando minha vida, saciarei meus desejosPois tudo o que desejo e não mais te desejar

Só conheço o vazio que se esconde no despejo.

Oh! Vida cruel! Adeus mundo!

Veja! Rosa amada! Não tremo a minha triste sorteA fria e terrível taça por onde quero me saciar

Hoje, com a absoluta embriaguez da morteNo reflexo frio e fosco do punhal irei tomar.

Ah! Aquele beijo! A única memória da minha vidaÉ também hoje a causa do pranto desbotadoQue escorre quente, salgando a dor da ferida

E antecipando a vida neste mundo amargurado.

Oh! Vida cruel! Adeus mundo!

Acompanhei, à beira da cova, o enterro do defuntoOuvi o ranger das cordas que se afrouxavam

Depois retiradas bruscamente soltando-o ao fundoEra o poeta! Morto pelos amores que lhe tomavam!

Adeus mundo! A primeira pá de terra diz o destinoO lúgubre invólucro meu, me cobrindo por inteiro

O rumor surdo do nada embalado pelo violinoE eu fenecendo coberto pelo passado derradeiro!

Oh! Vida cruel! Adeus mundo!

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