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DESAFIOS DA PRODUÇÃO DE LEITE 1 DESAFIOS DA PRODUÇÃO DE LEITE Artur Chinelato de Camargo! 1 INTRODUÇÃO Em entrevista à Revista Veja em 26 de agosto de 2009, Jim Rogers, lendário investidor americano da Bolsa de Valores de Wall Street em Nova Iorque (EUA),afirmou que os produtos agrícolas vão dominar os mercados e ironizou dizendo que os corretores mais espertos vão aprender a dirigir tratores, para trabalhar para os fazendeiros, que serão os verdadeiros ricos. Esta afirmação está intimamente relacionada ao crescimento populacional que, segundo o site www.peterrussell.com. cresce 150 pessoas por minuto, 9.000 pessoas por hora, 216.000pessoas por dia, 1.512.000 por semana, 6.480.000por mês e 78.840.000por ano. Estes números referem-se ao saldo entre as pessoas nascidas e mortas no planeta. Cada novo habitante demandará alimento, vestuário, energia e abrigo, sendo o setor primário responsável pelo 1 Pesquisador, Embrapa Pecuária Sudeste, Produção Animal - Bovinocultura Leiteira, São Carlos - SP, E-mail: [email protected]

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DESAFIOS DA PRODUÇÃO DE LEITE

1

DESAFIOS DA PRODUÇÃO DELEITE

Artur Chinelato de Camargo!

1INTRODUÇÃO

Em entrevista à Revista Veja em 26 de agosto de 2009,Jim Rogers, lendário investidor americano da Bolsa deValores de Wall Street em Nova Iorque (EUA),afirmou queos produtos agrícolas vão dominar os mercados e ironizoudizendo que os corretores mais espertos vão aprender adirigir tratores, para trabalhar para os fazendeiros, queserão os verdadeiros ricos.

Esta afirmação está intimamente relacionada aocrescimento populacional que, segundo o sitewww.peterrussell.com. cresce 150 pessoas por minuto,9.000 pessoas por hora, 216.000pessoas por dia, 1.512.000por semana, 6.480.000por mês e 78.840.000por ano. Estesnúmeros referem-se ao saldo entre as pessoas nascidas emortas no planeta.

Cada novo habitante demandará alimento, vestuário,energia e abrigo, sendo o setor primário responsável pelo

1 Pesquisador, Embrapa Pecuária Sudeste, Produção Animal - BovinoculturaLeiteira, São Carlos - SP, E-mail: [email protected]

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suprimento de muitas dessas necessidades. A FAO(Organização das Nações .Unidas para Alimentação eAgricultura) previu que em 2010 a demanda por alimentosaté 2020 aumentará em 20% e espera que o Brasil respondapelo atendimento de 40% desse aumento, ou seja, o Brasildeverá responder pelo aumento de 8% da demandamundial de alimentos nesta década em curso.

2 OPORTUNIDADES

O Brasil é o quinto maior país do mundo em extensãorural com 8.514.877 km2 e os valores das terras sãoacessíveis em comparação aos outros países que ainda têemterras a serem trabalhadas pela agricultura, como EstadosUnidos da América e Rússia. Quase metade do territóriobrasileiro (400.000.000 ha) é composto por terras passíveisde serem agricultáveis. Desse total, por volta de 70 milhõesde hectares já estão ocupados pela agricultura, enquanto osoutros 330 milhões estão ocupados pm pastagens de baixaprodutividade, muitas em processo de degradação, ou,simplesmente, não estão sendo utilizadas (Figura 1).

O valor da terra no Brasil é um atrativo para a comprapor estrangeiros. Na Nova Zelândia, o maior exportador delácteos do planeta, sendo responsável por 30% do mercadointernacional deste produto, o valor de um hectare de terragira em torno de US$ 40.000,00, enquanto no Brasil épossível adquirir terras de boa fertilidade e relevomecanizável por menos da metade desse valor. A legislaçãobrasileira permite que qualquer estrangeiro adquira terrasno Brasil desde que aqui resida, havendo um limite para adimensão da propriedade rural, que não poderá ser maior

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que o equivalente a 50 módulos rurais, unidade que variade tamanho de região para região.

Figura 1 - Terras agricultáveis no mundo em milhões de hectares,segundo levantamento feito pela FAO em 2009.'100 r:: -- - - - - - - - - - - -- - - - -- - - -- - -- -- - -- - - - - - - -

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3 DESAFIOS

o Fórum Econômico Mundial define competitividadecomo o conjunto de instituições, políticas e fatores quedeterminam o nível de produtividade de um país. As notase os "rankings" são calculados a partir de dados estatísticose de pesquisa de opinião realizada com executivos dos 144países participantes. Para coletar os dados de maneiraeficiente, o Fórum Econômico Mundial conta com o apoiode uma rede de mais de 160 instituições parceiras. NoBrasil, a Fundação Dom Cabral é responsável pela pesquisade opinião realizada junto à comunidade empresarial.

A Figura 2 mostra o "ranking" da qualidade dainfraestrutura dos países integrantes dos BRICS (Brasil,Rússia, Índia, China e África do Sul) dentre os 144 países

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avaliados, segundo o Fórum Econômico Mundial (2012),e otamanho do desafio a ser enfrentado pelo Brasil para umcrescimento sustentável.

Figura 2 - Classificação da qualidade da infraestrutura dos BRICS(Brasil,Rússia, Índia, China e África do Sul) dentre 144 países, segundo o FórumEconômico Mundial (2012).

Qualidade da Infraestrutura - Classificação Global

South Arrie. China Indla Russla Brazlllnfraestrutura

geral58 69 87 101107

South Afriu China Ind •• Brazil Rus.sia

Rodovias

42 54 86 123 136

China Inclla Russia Soutll Afriu BrazilFerrovias

22 2730 46 100

SoutII Afriu China Indla Russla Brazll

Portos

52 59 80 93 135

SoutI1 Afrlca India China Rus.sl. Brozil

Transporteaéreo

lli /;li 7n ,,,. 'uMelhores ( ) Piores

Fonte: Fórum Econômico Mundial, 2012.

Seja qual for o setor da agropecuária é necessário oaumento sustentável da produtividade da terra (produçãopor hectare por ano) para que se mantenha acompetitividade da atividade desenvolvida. O caso do setorleiteiro argentino é emblemático e sinalizador dasdificuldades a serem enfrentadas neste sentido.

A necessidade de se elevar a produtividade da terralevou instituições de ensino e de pesquisa da Argentina asugerir o confinamento de vacas leiteiras como sistema a

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ser implantado. Deram ao processo; no início dos anos de1990, o nome de "modernização da pecuária leiteira".

Os dados da produção de leite da Argentina apontamque, do início dos anos de 1990 até o final dos anos de 2010,a produção leiteira saltou de seis bilhões de litros de leitepara 10,5 bilhões de litros de leite. No mesmo período onúmero de produtores de leite sofreu redução, passando de44.000 para pouco mais de 10.000. Esses dados podem seranalisados sob dois aspectos relevantes: econômico e social.

A migração de um sistema baseado no uso de pastagenspara um sistema de confinamento requereu algumasadequações como, por exemplo, o investimento vultoso emmáquinas e equipamentos para a conservação de forragensna forma de fenos e silagens. Na passagem do milêniovirou "moda" na Argentina o silo chamado de "linguiça".Com isso, a competitividade do setor lácteo do país vizinhofoi aumentada em relação às outras atividadesagropecuárias e o reflexo veio com a elevação em 80% daprodução do país em um período de apenas 20 anos, ouseja, sob este aspecto, o sucesso da empreitada foiretumbante.

Entretanto, os pequenos proprietários não conseguiramacompanhar a "modernização da atividade leiteira" eacabaram vendendo ou alugando suas propriedades, e umcontingente de 75% dos produtores argentinos foi"convidado" a se retirar da lida com as vacas de leite emum período de apenas 20 anos, ou seja, sob este aspecto, odesastre da empreitada foi retumbante.

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o "moderno modelo de produção" estimulado pelosextensionistas argentinos, quê porsua vez foram orientadospor instituições de ensino e pesquisa daquele país, pode sercaracterizado como excludente, pois o aumento deprodução veio acompanhado da saída de milhares deprodutores de leite da atividade.

Ressalte-se que não está em julgamento o modelo deprodução de leite, mas, sim, os resultados obtidos sob osprismas econômico e social.

o Brasil já vivenciou algo semelhante, com odesenvolvimento a qualquer custo, na época do "milagrebrasileiro" no início da década de 1970, quando o governoestimulou a migração de produtores rurais da região Sul doPaís para abrir as fronteiras agrícolas nas regiões Centro-Oeste e Norte. As famílias somente receberiam o título deposse da terra caso desmatassem seus lotes.EconomicamenLe, um sucesso. Ambientalmente, umatragédia.

Em nosso País, é possível obter elevada produtividadeda terra (acima de 20.000 litrosjhajano) e, ao mesmotempo, permitir que produtores de leite de todos os tipos etamanhos tenham a oportunidade de participar dessa"cruzada" rumo ao futuro, sem que seja necessária aexclusão de qualquer produtor, a não ser por vontadeprópria, caracterizando, desta forma, um modelo que incluias pessoas.

COIllOesse" novo milagre brasileiro" poderá ser levadoa diante? A resposta é simples, mas sua execução é

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complexa. A exploração dos benefícios do clima tropical e,consequentemente, do potencial de produção dasgramíneas forrageiras tropicais é a resposta simples.Entender que somente implantar piquetes dessas plantasque sejam corretamente adubados, irrigados em algunscasos, e bem manejados não bastará para se ter sucessoeconômico na atividade. Será preciso ter habilidade paraentender as interações entre o clima, o solo e os animais, edestes com o ser humano. O conforto e o bem-estar dorebanho, o atendimento em tempo integral das exigênciasnutricionais dos animais, a correta estruturação do rebanho,a reprodução perfeita das matrizes e das novilhas, apersistência elevada da produção das vacas leiteiras, umprograma de melhoramento genético que não seja alteradode tempos em tempos de acordo com o modismo e queconsidere a venda de animais como uma de suas principaisferramentas, um rebanho impecável sob o ponto de vista desaúde, a administração profissional da atividade com todosos controles zootécnicos e financeiros básicos sendoefetuados ininterruptamente, a necessidade de se trabalharcom o estritamente necessário em relação às máquinas,implementos agrícolas e benfeitorias, a despreocupaçãoquanto às estradas de acesso e a energia elétrica, aexistência de compradores de leite idôneos na região, afacilidade de compra de insumos e a presença de umaassistência técnica qualificada são alguns dos aspectos aserem considerados para se ter sucesso na atividade leiteira.

Em 1998, um grupo de pesquisadores da EmbrapaPecuária Sudeste elaborou um programa oficial envolvendo

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um conjunto de práticas tecnológicas, anteriormentetestadas em fazendas experimentais de algumas instituiçõesde ensino e pesquisa, que poderiam ser adaptadas adiferentes situações locais. A ideia básica envolvia a seleçãoentre as técnicas conhecidas que pudessem ser ajustadascaso a caso de diversidade biofísica e socioeconômica decada sistema de produção. Após a aprovação formal doprograma por parte da Embrapa, que mais tarde seriadenominado Balde Cheio, os trabalhos tiveram seu pontode partida nos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro eSão Paulo. Os pesquisadores da Embrapa treinavamdiretamente os extensionistas e os produtores, trabalhandocom eles nas fazendas em visitas periódicas. Após três anos,o programa demonstrou um impacto positivo em termos deprodutividade e bons indicadores econômicos. O objetivode elevar a renda do produtor pela introdução detecnologias no âmbito da propriedade adaptando osprocessos e aprendendo com os produtores foi amplamentealcançado (CAMARGO; Nov AES; Novo et al., 2006). Umaavaliação interna do programa revelou alguns pontosimportantes. Em primeiro lugar, a experiência fora daestação experimental trouxe algumas reflexões importantessobre como e quando uma tecnologia específica deveria serestabelecida na prática em uma determinada situação davida real. Em segundo lugar, trabalhar com produtores debase fam.iliar ao invés de produtores que empregavam mãode obra foi mais eficiente quanto ao aprendizado de ambos,extensionistas e produtores. Com a evolução do trabalhoverificou-se que as taxas de migração dos membros dasfamílias decrescerame a 'carga de trabalho para todos que

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trabalhavam diretamente no leite foi reduzida, havendomaior tempo livre durante o dia. Os produtores assistidostiveram condições financeiras de pagar os estudos para osadolescentes, puderam fazer algumas reformas nahabitação, como um banheiro no interior da casa, porexemplo, e adquirir alguns eletrodomésticos. Além disso, etalvez mais importante, foi o resgate da autoestima dosprodutores e dos extensionistas. A experiência com osprodutores que empregavam mão de obra foi menospositiva devido a problemas na condução prática dasmudanças sugeridas, falhas na comunicação entre osenvolvidos (pesquisadores, extensionistas, produtores emão de obra executora dos trabalhos), dada a falta degestão adequada nessas propriedades.

Esta primeira fase do programa passou por umaavaliação crítica por parte do grupo de pesquisadores queidentificou dois elementos importantes para odesenvolvimento do modelo alternativo de transferência detecnologia. Em primeiro lugar, dada a complexidade daatividade leiteira, com suas múltiplas interações entre solo,planta, clima, ação do rebanho, trabalho e gestão, ainovação requereria grande habilidade dos pesquisadores edos técnicos locais em escolherem, mediante ampla gamade possibilidades tecnológicas, quais as opções maisadequadas, para cada um dos processos específicos deprodução de cada propriedade, concluindo que não existemduas propriedades iguais e, portanto, as estratégias de açãodeveriam ser personalizadas. Um segundo elemento recaiusobre o papel do téCl~i~olocal, o extensionista. Na primeira

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fase, a função deste técnico em treinamento era menosrelevante no sentido de tornadas de decisão e manipulaçãodos dados e dos indicadores de cada fazenda, e istoprecisava e foi revisto.

Neste ponto, urna mudança fundamental foi conduzida.sendo atribuída maior relevância ao extensionista. Oprograma passou a ter o foco voltado ao treinamento dostécnicos locais que eram contratados por parceiros locais,como agências governamentais, prefeituras, cooperativasou associações de produtores. De modo geral, os técnicosda extensão rural têm pouco conhecimento específico dasparticularidades da produção leiteira intensiva, eficiente,rentável e sustentável sob o ponto de vista ambiental. Onovo formato do programa aplicou um enfoqueessencialmente prático, no qual a pequena propriedade deleite familiar era considerada como a melhor "sala de aulaprática" para a capacitação do extensionista local.Trabalhando em proximidade com os produtores duranteesse treinamento de longo prazo, ampliaram-se asresponsabilidades dos técnicos participantes e dospesquisadores. O desenho da proposta de capacitaçãoprevia que idealmente os produtores que participassem dotrabalho não deveriam ter renda externa à propriedaderural, para que servissem como exemplo para outrosprodutores da localidade e que estivessem focados nodesenvolvimento do seu sistema de produção. O grupo doBalde Cheio esperava que pesquisadores, técnicos eprodutores discutissem, trocassem idéias e sugestões sobre

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como introduzir as tecnologias na-produção leiteira e asaplicassem após concordância-de todos.

Após esta mudança na ênfase do trabalho, mais foca danos técnicos do que nos produtores, além da entrada dediversas parcerias com outras instituições, o Balde Cheiovem experimentando um crescimento lento, porém,constante, no que concerne ao número de extensionistas,produtores, municípios e Estados participantes. Muitasparcerias informais foram estabelecidas com serviços deextensão rural governamental, associações de produtores,cooperativas de laticínios, cooperativas de técnicos,organizações não governamentais, prefeituras, fundações,agências de desenvolvimento e, principalmente,profissionais autônomos ligados à extensão rural. Devidoao crescimento oriundo da demanda gerada foi criada afigura do instrutor do programa em apoio ao trabalho dospesquisadores. Dentre os extensionistas, os mais dedicadosao aprendizado, comprometidos com o sucesso do trabalhoe que tivessem perfil de ed ucador foram convidados paraserem instrutores do Balde Cheio, permitindo ao programaatender às solicitações crescentes. As propriedadesutilizadas como "sala de aula prática" passaram a serdenominadas oficialmente como Unidades deDemonstração (UDs), e as propriedades, na localidade ondeestava situada a UD, que demandaram a assistência doextensionista em capa citação, após aprovarem o trabalhoexecutado na UD e onde este atuava sozinho, passaram aser chamadas de Propriedades Assistidas (PAs). A partir daavaliação por parte dos pesquisadores, da qualidade do

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trabalho nas PAs e da ,quantidade de PAs sob aresponsabilidade do técnico local, ocorreu a seleção dosprofissionais que receberam o convite para sereminstrutores do Balde Cheio em outras regiões do País. Namaior parte das regiões, as despesas da Embrapa e dosinstrutores indicados são pagas pelas parcerias locais.

Apesar do estabelecimento exitoso do Balde Cheio,ainda é comum no Estado de São Paulo e em outras regiõesde valor elevado da terra a seguinte questão: U A produçãode leite em São Paulo tem futuro?" Quem pergunta temdúvidas não só em relação ao preço da terra, mas tambémalegam dificuldade de se encontrar mão de obra que queiratrabalhar com a atividade leiteira, preço mais elevado dessamão de obra e possibilidade de explorar a terra comatividades agropecuárias mais rentáveis.

Se a produção de leite não pudesse ser realizada emlocais de terra cara, como explicar a lucrativa produção deleite em países como a Nova Zelândia. responsável pelocomércio de 30% de todo o leite vendido no mundo? Alémdisso, o empregado médio recebe por lá um salário mensalde R$ 6.000,00, o preço do litro de leite é semelhante aonosso e, não raro, menor que o pago por aqui. Portanto, astrês primeiras argumentações não se sustentam.

Em relação ao quarto motivo alegado, a dacompetitividade do setor, se for considerada aprodutividade média da atividade leiteira nacional, quegira em torno de 1.500 litros de leite/ha/ ano, e umamargem de lucro da ordem de R$ 0,20/ litro de leite, arentabilidade consequente será de R$ 300,OO/ha/ ano.

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Comparando com o arrendamento de terras para o plantiode cana-de-açúcar no Estado de são Paulo, que paga entreR$ 800,00 e R$l.OOO,OOpor hectare Vu'lho/2016), a atividadeleiteira não terá poder de competitividade.

Entretanto, se aplicados os conceitos básicos quenorteiam a produção intensiva, eficiente e sustentável deleite tais como estruturação e composição do rebanho,capacidade de su porte da propriedade, persistência deprodução, período de serviço das vacas, conforto e bem-estar dos animais, a pecuária leiteira poderá ser uma dasmelhores opções para os investidores no agronegócio.

No Balde Cheio é comum a obtenção, nas propriedadesparticipantes, de produtividades acima de 20.000 litros deleita/Iia/ ano. Considerando uma margem de lucro deR$ O,lO/litro de leite (abaixo do que muitas dessaspropriedades estão conseguindo), atinge-se umarentabilidade de R$ 2.000,OO/ha/ ano, conferindocompetitividade à atividade leiteira.

4 PRIMEIRAS ETAPAS PARA VENCER OS DESAFIOS

4.1 DUVIDAR

o sentido de duvidar é o de questionar se realmente éverdade o que foi ouvido em conversas com outrosprodutores, em palestras ou em dias de campo, o que foilido em revistas, jornais, "sites", mensagens, ou o que foivisto em programas de televisão e no "YoIITII/?e". Éimportante que o extensionista e o produtor verifiquempessoalmente o valor das informações obtidas, solicitandoos endereços dos locais a serem visitados. O extensionista

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deverá fazer um planejamento prévio de visitas a esseslugares e qual o públicodeseja atingir para que ocorra oefeito desejado, que é o de dar ao produtor a oportunidadede visitar uma propriedade com características e situaçãosemelhantes à sua e que esteja tendo êxito na atividadeleiteira. Visitas às propriedades com realidadescompletamente disLintas ao perfil das propriedadesassistidas pelo extensionista resultarão em frustração esensação de impotência. A intenção de qualquerorganizador de excursão técnica é, sem dúvida, a melhorpossível, mas a falta de bom senso poderá transformar essainiciativa louvável em um desastre.

A visita direcionada a uma determinada propriedadeleiteira é um instrumento imprescindível no processo demotivação e recuperação do entusiasmo do produtor. Existeum ditado que diz que "viagem cura ignorância". Longe dequerer ofender, essa frase significa que viajar é sair do seumundo, no caso, de sua propriedade leiteira, e ignorânciaremete à falta de conhecimento. Assim, no caso daatividade leiteira, a mesma frase poderia ser escrita daseguinte maneira: "visitar outras propriedades leiteiraspermite descobrir novas possibilidades e formas de seproduzir leite, que até então, desconhecíamos". Frase semimpacto. Ao viajar e descobrir novos "mundos", o produtore o extensionista avaliarão as dificuldades que o produtorvisitado enfrentou e como foram resolvidas. Avaliará aindaque sua propriedade é melhor em comparação àpropriedade visitada em alguns aspectos e pior em relaçãoa outras caracterísLicas. Essas visitas são importantes para

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que o produtor deixe de lado qualquer complexo deinferioridade que possa ter. Em: todas as regiões do Brasil épossível a exploração intensiva, eficiente, racional elucrativa da pecuária leiteira. A visita a outraspropriedades é um dos primeiros atos que o produtordeverá efetuar no gerenciamento profissional de suapropriedade.

4.2 CONTRATAR UM TÉCNICO Ci\PACITADO

o produtor de leite deverá contar com o apoio de umprofissional capacitado, seja ele técnico em agropecuária,técnico agrícola, engenheiro agrônomo, médico veterinárioou zootecnista, profissional autônomo, de empresa privadaou de instituição pública, para que seja o assistente técnicoda propriedade, auxiliando no direcionamento das ações aserem implantadas. Não é simples encontrar esseprofissional no mercado, sendo essa uma das maiscomplexas tarefas que o produtor enfrentará Jogo no iníciodo trabalho de intensificação sustentável e eficiente dapropriedade leiteira.

Para facilitar a contratação desse profissional, caso setrate de profissional autônomo, sugere-se a formação de umgrupo de produtores, pois as despesas de deslocamento,alimentação e hospedagem poderão ser divididas. Esse tipode associação entre produtores e técnicos é muito comumem países de pecuária leiteira evoluída.

4.3 MONTAR UMi\ BOA EQUIPE

Em cada canto do Brasil, a reclamação geral é sobre aqualidade da nossa mão de obra, que por sua vez, está

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diretamente relacionada à qualidade da propriedade rural.Propriedades organizadas~'bemgerenciadas e lucrativassempre contam com apoio de excelentes quadros deempregados. O contrário também é verdadeiro:propriedades mal gerenciadas, sem planos de trabalho e,consequentemente, deficitárias, certamente não possuemboas equipes de trabalho. Se a propriedade rural estivernesse último grupo, recomenda-se um trabalho que comeceaplicando a filosofia de trabalho de um dos maioresprodutores de leite dos Estados Unidos da América, o Sr.Ron St. John:

A sugestão aos proprietários que não pode/li estar otempo todo lia propriedade é que COII tratem pessoasque tenham ° seguinte perfil: que sejam uonestas,respousáoeis, disciplinadas, criativas e que tenhamforça de vontade e disposição para encarar qualquertipo de serviço. Não é necessário que conheçam astécuicas de criação, e sim que tenham disposiçãopara aprender, reoendo, se necessârio, conceitospreuianteute adquiridos. Não é fácil encontrarpessoas COII/ essas características. Tudo isso exigirámuito trabalho. É desgastante selecionar pessoas,mas até [onuar a equipe esse será o tmbalho maisimporianle que o proprietário irá realizar.

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REFERÊNCIAS

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CAMARGO, A. C. DE; NOVAES, N. J.; Novo, A. L. M.; MENDONÇA, F. C.;MANZANO, A.; ESTEVES,S. N.; PAGANI NETO, C.; QUINAGLlA Nuo, P.; DIAS,A. T. F. F.; SANTOSJUNIOR, H. A.; RIBEIRO,W. M.; FARIA, V. P. de. ProjetoBalde Cheio: Transferência de tecnologia na produção leiteira e estudode caso do Sítio Boa Vista, de Elisiário, SP. São Carlos: Embrapa, 2006, 8p. (Comunicado Técnico 7])

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FARIA, V. P. de. Índices de produtividade em gado leiteiro. In: PEIXOTO,A. M.; MOURA, J. C. DE; FARIA, V. P. de (Ed.). BovinocuItura de Leite:Fundamentos da Exploração Racional. Piracicaba: FEALQ, 1986.

WORLD ECONOMIC FORUM. Global ranking, quality of infrastructure.2012. Disponível em: <https:( /www.weforum.org/reports/financial-

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