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CÂMARA DOS DEPUTADOS
DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO
NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES
TEXTO COM REDAÇÃO FINAL
COMISSÃO DE RELAÇÃO EXTERIORES E DE DEFESA NACIONALEVENTO: Audiência Pública N°: 0329/03 DATA: 23/04/03INÍCIO: 10h13min TÉRMINO: 13h21min DURAÇÃO: 03h08minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 03h07min PÁGINAS: 62 QUARTOS: 38REVISÃO: Luciene Fleury, Marlúcia, Patrícia Maciel, VíctorSUPERVISÃO: Estela, J. Carlos, Letícia, MirandaCONCATENAÇÃO: Maria Luíza
DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO
CELSO AMORIM - MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
SUMÁRIO: Exposição aos membros desta Comissão das iniciativas do Governo brasileiro emrelação à crise entre os Estados Unidos e o Iraque; esclarecimentos sobre a política deconcessão de vistos a estrangeiros para trabalhar no Brasil; designação de integrante dacomissão brasileira junto à ALCA para comparecer à Comissão de Relações Exteriores e deDefesa Nacional e debater sobre as últimas negociações; discussão sobre a posição doGoverno brasileiro em relação ao agravamento dos conflitos na Colômbia; esclarecimentossobre os brasileiros que estão vivendo em condições subumanas em Portugal; informaçõessobre brasileiros detidos nos Estados Unidos por entrada ilegal naquele país; debate dasituação dos trabalhadores e cidadãos brasileiros retidos no Iraque por ocasião da guerra.
OBSERVAÇÕES
Há intervenção inaudível.Há orador não identificado.
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A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Declaro aberta a reunião
ordinária de audiência pública com a presença do Embaixador Celso Amorim,
Ministro das Relações Exteriores do Brasil, para debater os seguintes assuntos:
expor aos membros desta Comissão a iniciativa do Governo brasileiro em relação à
crise entre os Estados Unidos e o Iraque; designar um integrante da comissão
brasileira junto à ALCA, a fim de que compareça à Comissão de Relações Exteriores
para debater sobre as últimas negociações; discutir sobre a posição do Governo
brasileiro em relação ao agravamento dos conflitos na Colômbia; fornecer
informações a respeito de brasileiros detidos nos Estados Unidos por entrada ilegal
naquele país e debater a situação dos trabalhadores e cidadãos brasileiros retidos
no Iraque por ocasião da guerra. E, também, claro, prestar esclarecimentos sobre os
brasileiros que estão vivendo em condições subumanas em Portugal .
Esta reunião foi convocada nos termos dos requerimentos de autoria dos
Deputados Inácio Arruda, Luiz Carlos Hauly, Fernando Gabeira, Ivan Ranzolin,
Neucimar Fraga e Paulo Baltazar.
Comunico aos Srs. membros desta Comissão que o Embaixador Celso
Amorim disporá de trinta minutos para fazer a sua exposição, prorrogáveis por mais
15, só podendo ser aparteado durante a prorrogação. Os Srs. Deputados inscritos
para interpelar o expositor poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da
exposição pelo prazo de cinco minutos, tendo o interpelado igual tempo para
responder, facultadas as réplicas e as tréplicas pelo prazo de três minutos
improrrogáveis.
Antes de dar início à exposição do ilustre Ministro das Relações Exteriores,
só quero alertar os Srs. Deputados para o fato de que o Ministro tem um horário
rígido e vai viajar no início da tarde, portanto, os trabalhos deverão ser encerrados
às 12h30. Peço então aos Srs. Deputados que tenham um pouco mais de disciplina
ao formular suas perguntas, para que possamos receber as explicações do Ministro.
Passo a palavra ao Exmo. Ministro das Relações Exteriores, que já nos deu a
honra da sua presença no plenário há algum tempo. Agradecemos mais uma vez a
S.Sa por ter vindo a esta Casa.
Com a palavra o Sr. Ministro Celso Amorim.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Muito obrigado, Sra. Presidenta Zulaiê
Cobra, Sras. e Srs. membros da Comissão de Relações Exteriores. Em primeiro
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lugar, quero registrar minha grande alegria e honra de estar aqui presente depois de
ter participado, como acaba de recordar a Sra. Presidenta, de uma reunião também
desta Comissão, mas realizada em plenário, que poderia chamar de
verdadeiramente histórica, não pela minha presença ou pelo o que tenha dito, mas
porque foi uma oportunidade para que a Câmara dos Deputados e muitos
representantes presentes se manifestassem sobre a situação, naquela ocasião, de
iminente ação militar no Iraque. Na realidade, a reunião ocorreu algumas horas
antes de essa ação ter-se iniciado.
Realmente foi um exemplo não só das atitudes firmes dos Parlamentares
brasileiros em defesa da paz, das Nações Unidas e do Direito Internacional, mas
também um claro sinal da sua ligação com os fatos imediatos, tal como eles estavam
ocorrendo. Como se recordam, naquele mesmo dia eu estava numa reunião
ministerial e o Presidente Lula me liberou para que pudesse comparecer àquela
sessão que, por esses motivos que assinalei, considero histórica, repito. É uma
grande honra e um enorme prazer estar de volta.
A Sra. Presidenta mencionou vários temas, alguns deles referentes à situação
de imigração brasileira. Amanhã o Subsecretário de Assuntos Políticos virá também
à Comissão para dissertar sobre esses temas. Sem prejuízo disso, poderia me
referir a alguns aspectos mais genéricos. Como o tempo é curto, irei me concentrar
nos temas da ALCA e Colômbia, que são delicados e, depois, no debate, eu me
disporia a falar sobre qualquer tema, inclusive sobre o Iraque e, eventualmente,
algum outro que seja atual.
Com relação à ALCA, encaminharei à Presidência da Comissão um texto com
as notas preparadas para mim, que será distribuído entre os Parlamentares. O texto
tem detalhes e cronogramas sobre os quais eu não me iria estender. Preferiria fazer
uma abordagem mais política e mais estratégia das negociações da ALCA. Há,
entretanto, ali várias informações úteis e interessantes, como, por exemplo, detalhes
sobre a oferta brasileira, que foi feita até hoje, e a análise preliminar da oferta dos
Estados Unidos.
Portanto, é um documento com substância, não é meramente burocrático. Eu,
em vez de segui-lo como roteiro, farei uma abordagem mais estratégica, mais
política e, depois, se houver perguntas sobre o tema, poderei me aprofundar em
alguns desses aspectos.
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Comecemos pela ALCA. O primeiro tema que gostaria de abordar é sobre a
negociação da ALCA, que se dá no momento em que o Brasil, individual ou
juntamente com os seus parceiros do MERCOSUL, está envolvido em várias outras
negociações internacionais de grande porte. Todos esses processos interagem e é
difícil pensarmos num processo isoladamente dos demais.
No momento o Brasil está envolvido em três grandes processos
internacionais, fora o da integração do MERCOSUL e da América do Sul, aos quais
também me referirei rapidamente. Entre esses três grandes processos está a
negociação da Organização Mundial de Comércio, lançada em Doha no final de
2001, em que todos os membros da OMC — cerca de 140 países, o número varia
de dia para dia, porque sempre há países novos entrando — concordaram em lançar
negociações comerciais multilaterais. É uma negociação ampla a que se deu um
título, algo pomposo, e talvez não totalmente sincero, de Agenda para o
Desenvolvimento de Doha.
Essas são as negociações multilaterais que envolvem princípios — não em
todos os países, porque há aqueles que ainda não são membros da OMC —, mas
que envolvem também, como disse, países de todas as regiões, em torno de 140.
O último país importante a ingressar na OMC — aliás, o ingresso se deu
exatamente nessa ocasião — foi a República Popular da China. Outros países,
como a Rússia, estão em processo de adesão. Essa é uma da negociações.
A outra negociação envolve o MERCOSUL e a União Européia. É uma
negociação importante também, porque a União Européia é ainda, junto com os
Estados Unidos — tem havido uma pequena tendência à baixa na União Européia
—, o maior parceiro para o Brasil e para o MERCOSUL. Até há alguns anos, a União
Européia representava cerca de 29% ou 30% do nosso comércio e os Estados
Unidos, cerca de 20%.
Nos últimos anos houve uma mudança. Hoje eles representam, cada um,
aproximadamente 25% do comércio. A União Européia é o principal mercado para
produtos agrícolas brasileiros e do MERCOSUL em geral. Portanto, sendo essa uma
área em que o Brasil reconhecidamente dispõe de grandes vantagens comparativas,
essa negociação também é importante.
A ALCA é outra dessas negociações. Sem entrar em recapitulações
históricas, é importante dizer que dessas três grandes negociações, em que o Brasil
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e seus parceiros do MERCOSUL estão envolvidos, a ALCA é provavelmente a mais
ampla, complexa e, provavelmente, a que tem maiores implicações políticas não só
do ponto de vista da opinião brasileira, mas também por suas conseqüências. É
ainda aquela que tem o maior escopo e em que as ambições são mais profundas.
Isso, evidentemente, pode ensejar oportunidades, mas também cria uma série
de dúvidas, inquietações e cautelas por parte da opinião pública e de setores
específicos da sociedade brasileira. Cito breves exemplos. Em relação à
Organização Mundial do Comércio, os temas negociados na ALCA e na OMC são
parecidos. Mas na OMC, por exemplo, a questão de serviços está claramente
enquadrada em um acordo já existente, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio —
GATT. Este acordo tem uma série de parâmetros muito definidos. Por exemplo,
todas as ofertas em serviços no âmbito da OMC são feitas na base de listas
positivas. Isto é, apenas se diz aquilo que se quer ofertar. Na ALCA há um
movimento para que isso possa ser expandido, sob a forma de listas negativas.
No caso da OMC, os investimentos na área de serviços estão claramente
configurados dentro daquilo que se chama de “o modo três de prestação de
serviços”, que configura o direito de estabelecimento, portanto sujeito a todas as
demais regras do acordo de serviços. Na ALCA, há um esforço para que
investimentos e serviços sejam considerados como investimentos e não como
serviços. Em termos de investimentos, ainda não há parâmetros definidos. Este é
um exemplo. Há uma série de outras normas que regem o comércio de serviços na
OMC que ainda não está clara na ALCA.
No caso de compras governamentais, a negociação na OMC é basicamente
sobre transparência. Isto é, fazer com que processos de licitações e de compras de
Governo se dêem de tal modo que todos tenham acesso às informações e que não
haja discriminação por falta de informação quanto a um possível prestador
estrangeiro. No caso da ALCA, a ambição é que se inclua também o acesso a
mercados. Ou seja, a pessoa diria que certos setores, a partir de certa quantia, em
determinado nível, iriam se comprometer com a possibilidade de dar acesso não só
à informação, mas também ao mercado.
Na área de propriedade intelectual, hoje em dia o principal debate na OMC se
faz mais no sentido de tornar o acordo existente de propriedade intelectual
compatível com as necessidades de país em desenvolvimento. Isso fica
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especialmente claro no caso das patentes para farmacêuticos. No caso da ALCA, o
esforço que tem sido desenvolvido, sobretudo pelos Estados Unidos, é no sentido de
estender as obrigações de propriedade intelectual para além daquilo que já existe na
OMC. Então é um acordo nitidamente mais amplo e ambicioso, pelo menos na sua
pretensão, do que os da OMC.
Isso, evidentemente, é uma das razões que inspira cautela na negociação da
ALCA. É curioso o fato de que tanto quem critica quanto quem defende a ALCA se
concentra muito mais no aspecto tarifário. Não vou dizer que o aspecto tarifário não
seja importante. É evidente que ele tem a sua importância. E se alguém vai reduzir a
zero, por hipótese, em algum momento suas tarifas em bens de capital, isso supõe
certa leitura sobre sua capacidade de manter a competitividade da sua indústria de
bens de capital, depois de dez ou quinze anos ou, digamos, o desejo ou a
disposição de renunciar a ter uma indústria de bens de capital depois de certo
período. Então, não é que a tarifa não seja importante, repito. Mas é dada
relativamente pouca atenção a outros aspectos que terão, provavelmente, impacto
muito impor na sociedade brasileira, e não apenas em setores econômicos
específicos.
Volto à questão de serviços, por exemplo. Um dos problemas importantes na
área de serviços é a manutenção da capacidade de regulamentação por parte dos
governos. Os países em desenvolvimento têm, em geral, um déficit de
regulamentação em certas áreas, até porque as áreas são novas para muito deles.
E existem riscos em todas essas negociações. Na ALCA, como a pressão tem sido
maior, o risco é um pouco maior. Em todas essas negociações existe a possibilidade
de que seja afetada a capacidade de regulamentação.
Vou dar exemplos. Mesmo no Governo anterior, quando foram negociados os
protocolos de telecomunicações e financeiros na OMC, eles não puderam ser
ratificados. Não que o Governo anterior não tivesse uma ótica bastante aberta em
relação a esses temas. Tinha, por isso os protocolos foram negociados. Mas em um
ou dois pontos a regulamentação que acabou sendo aprovada era diferente da que
havia sido objeto de aprovação coletiva. O Brasil não ratificou esses dois protocolos.
Isso ilustra a complexidade desses temas. Diferentemente da negociação
tradicional de bens, em que toda a negociação é feita em torno de tarifas — pode-se
quantificar até certo ponto, pode-se pensar em reduzir a tarifa de dez para cinco, o
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que pode implicar aumento das importações da ordem de 1 bilhão e pode afetar a
indústria de tal ou qual maneira —, no caso das negociações sobre serviços ou
sobre investimentos, e até certo ponto compras governamentais, está-se afetando a
capacidade regulatória do Estado.
É claro que nossos negociadores estiveram e estão atentos a todos esses
aspectos e, até o momento, não se comprometeram com nada que afete de maneira
importante interesses vitais brasileiros. São aspectos importantes aos quais é
preciso estar atento.
Fiz uma rápida comparação entre a ALCA e a OMC em termos da
profundidade do que se deseja. Até certo ponto, o mesmo pode ser dito em relação
às negociações entre MERCOSUL e União Européia. Embora os temas
investimentos e serviços também estejam presentes na negociação MERCOSUL e
União Européia, os termos, os parâmetros da negociação são certamente menos
ambiciosos do que aqueles inicialmente abordados na ALCA.
Finalmente, uma última comparação que acho que deve ser feita é com o
MERCOSUL. Freqüentemente temos dito — acho que o Governo anterior já dizia e
o Governo atual diz com grande ênfase — que o MERCOSUL e a América do Sul
são nossa prioridade. Ocorre que as negociações da ALCA geraram uma
maquinaria de discussões e de reuniões que faz com que essa prioridade teórica
não seja prioridade na prática. Há mais gente — mais homens e mulheres/hora —
envolvida na negociação da ALCA do que na do MERCOSUL. Estabelecemos uma
prioridade teórica, mas a maquinaria que se estabeleceu em relação à ALCA foi de
tal forma absorvente que as pessoas dedicam mais tempo a isso.
Por outro lado, também é importante notar que vários aspectos que ainda não
foram negociados no MERCOSUL, como é o caso de compras governamentais,
serviços e investimentos, já estão sendo objeto de negociação na ALCA. Isso é fato.
Alguém pode perguntar por que o MERCOSUL não negociou antes, se deveria ou
não fazê-lo. Aí entram muitos fatores, não é o caso de fazer uma análise histórica
disso. Mas o fato real é que estamos sendo levados a fazer uma negociação na
ALCA sem que tenhamos um regime comum no MERCOSUL. Evidentemente isso
nos cria problemas não só nesses casos mais complexos, mas também no caso de
bens, porque há a tendência de os países menores, inclusive do MERCOSUL, se
valerem da ALCA para negociar com o Brasil. Na realidade, como a negociação no
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MERCOSUL muitas vezes tem sido difícil, sobretudo para os países menores —
esse ponto tem atraído a atenção especial do Governo Lula —, eles buscam, por
meio da ALCA, aquilo que não estão obtendo no MERCOSUL. Cito um exemplo
simples na área de bens de capital. Países como o Uruguai e o Paraguai têm
interesse em ter uma pequena — tudo terá de ser pequeno, porque a própria
dimensão dos países é pequena — indústria maquiladora, que poderia se integrar
numa cadeia produtiva em relação ao Brasil. Nunca quantifiquei isso, mas eles têm a
necessidade que pode ser de dez, vinte ou trinta tipos de equipamentos para uma
certa indústria por ano. Como eles não obtêm do Brasil a possibilidade de dar uma
exceção no MERCOSUL, de maneira mais permanente, que possibilite a eles
fazerem isso, eles procuram jogar para a ALCA a redução da tarifa zero, para obter
aquilo que não estão obtendo na negociação do MERCOSUL. Temos procurado
dissociar essas negociações. Se esses países têm preocupações específicas no
MERCOSUL em relação ao mercado brasileiro, vamos tentar resolvê-las dentro do
mercado brasileiro. Este é um ponto importante.
Quanto ao conjunto de processos negociadores, a ALCA apresenta desafios
maiores. Refiro-me a dois aspectos sobre as negociações.
Um dos temas que nos preocupa desde o início do Governo, com relação à
ALCA, é que o cronograma é muito apertado, e isso vem de longa data. Houve uma
pequena antecipação. Havia sido acordado inicialmente que as negociações se
encerrariam em 2005. Agora fala-se em 1º de janeiro de 2005. Na realidade,
perdemos um ano de perda tempo para a preparação. E o cronograma já era muito
apertado, sobretudo à luz das ambições. Os temas são complexos, não envolvem
apenas setores industriais, que exigem até uma certa capacidade de antevisão dos
negociadores brasileiros de como o Brasil vai reagir em relação a certos serviços
que ainda não tem ou para os quais ainda não tem uma indústria capacitada, mas
pode vir a ter. Questões como esta têm que ser vistas.
Mencionarei esse fato porque mereceu a atenção da mídia. O dia 15 de
fevereiro foi a data estabelecida para a apresentação das ofertas na área
classificada dentro da ALCA — essa classificação é muito discutível — como acesso
a mercados. Mas incluir acesso a mercados para bens agrícolas e não-agrícolas,
também nas áreas de serviços, investimentos e compras governamentais é algo
meio curioso, porque, por exemplo, na OMC essas áreas têm classificação própria,
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não se classificam como acesso a mercados propriamente, estão em outras áreas,
porque têm outras implicações. Seja como for, a previsão era a de que se
apresentasse uma oferta até 15 de fevereiro. O Governo anterior tomou o cuidado
de não fazer ofertas nessas áreas, esperou que o atual se instalasse e as fizesse.
Mas quarenta e cinco dias para um Governo que nem estava pronto — refiro-me ao
segundo escalão —, era um tempo muito curto. Além disso, havia preocupações de
boa parte do eleitorado que apoiou a candidatura do Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva que também teriam que ser levadas em conta. Obviamente, esse prazo, 15 de
fevereiro, colocava-nos numa camisa-de-força. Temos de fazer ofertas, preservar
nossos interesses e, ao mesmo tempo, procurar a unidade do MERCOSUL. Tem
sido projeto de sucessivos governos, mas com grande ênfase do Presidente Lula, a
consolidação do MERCOSUL. A nossa conclusão foi de que no dia 15 de fevereiro
seria feita uma oferta limitada à área de bens e talvez de serviços. Por quê? Porque
na área de bens houve uma consulta mais ampla aos setores industriais e foram
estabelecidas as áreas em que poderia haver maior sensibilidade. Na área agrícola
os problemas eram ainda menores. Claro que nessa área nosso interesse é muito
mais ofensivo. Então, era possível fazer uma oferta com cautelas, que evitasse
comprometer, desde logo, setores como o de bens de capital, da área eletrônica, da
área química. Essa oferta foi coordenada com nossos sócios do MERCOSUL, que
acederam aos nossos pontos de vista e concordaram, inclusive, em reduzir um
pouco o ímpeto inicial das ofertas. Como eu disse, algumas delas não eram sequer
dirigidas ao mercado norte-americano, mas ao Brasil. Eles estavam tentando
negociar com o Brasil por meio da ALCA.
Então, foi possível, pela negociação, pela discussão, reduzir a oferta de tal
maneira que boa parte dos produtos mais sensíveis fosse deixada para um período
de mais de dez anos, e também articular a oferta de maneira a compatibilizá-la com
nossos interesses. Isso com relação a bens agrícolas e não-agrícolas.
Com relação a serviços, tínhamos concordado, em princípio, em fazer uma
oferta relativamente simplificada, os quatro países. Em investimentos e compras
governamentais, tinha-se concordado que haveria uma postergação da entrega das
ofertas para o início de abril, para que houvesse, justamente pela sensibilidade dos
temas, tempo e maior possibilidade de discussão interna e entre os sócios do
MERCOSUL. E assim foi feito.
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No caso de serviços, ao final das contas, Brasil e Argentina decidiram não
apresentar oferta, em boa medida porque, quando tomamos conhecimento da oferta
norte-americana na área de bens, verificamos que era muito pobre em produtos que
nos interessavam e, além disso, tinha um caráter discriminatório, porque foram
ofertas diferentes para os países do Caribe, da América Central, do grupo andino, da
comunidade andina — o Chile e o México são casos à parte — e, por último, para o
MERCOSUL. A oferta para o MERCOSUL era a pior de todas. Isso nos convenceu
de que também não havia pressa em fazer uma oferta na área de serviços, uma
área em que não somos demandantes, mas demandados, e deixar isso para um
segundo momento.
Pouco antes do início do mês de abril, apresentava-se de novo esse assunto
— na época, havia uma reunião do comitê de negociações comerciais da ALCA, em
Puebla — de fazermos a oferta em investimentos, compras governamentais e
serviços.
Nessa ocasião, o Presidente Lula escreveu uma carta aos Presidentes dos
países membros do MERCOSUL em que fazia três afirmações básicas: primeira,
que era importante manter a unidade do MERCOSUL nesse processo negociador;
segunda, que há na sociedade brasileira um sentimento de que há um déficit de
discussão sobre a questão da ALCA, sobretudo sobre os seus temas mais sensíveis
e que era preciso que esse debate fosse aprofundado no Congresso — estamos
fazendo isso aqui hoje e acho que precisaremos de muitas outras discussões
também no meu nível e no de outros negociadores — e na sociedade como um
todo. A terceira era a proposta de uma linha que permitisse mantermos, porque as
coisas não são idênticas, o mesmo espírito da oferta na área de bens. Isto é, que
não se comprometesse nenhum interesse vital dos países do MERCOSUL, a partir
da ótica brasileira. Isso significava fazer uma oferta em serviços bastante limitada,
na linha do que vamos ofertar na OMC ou para a União Européia, e não uma coisa
muito mais ampla, uma oferta em investimentos na linha do que é possível negociar
na OMC e do que vamos fazer com a União Européia e, em compras
governamentais, procurar limitar as ofertas, num primeiro momento, à transparência,
que é o parâmetro básico da OMC, mas não é necessariamente o da ALCA.
A resposta dos nossos sócios teve dois elementos. Por um lado, eles não
concordaram imediatamente com os parâmetros que estávamos propondo. Por
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outro, concordaram que era muito importante manter a unidade do MERCOSUL e,
por conseguinte, concordaram em adiar a oferta para dar tempo, nessas três áreas,
no caso da Argentina, e nas duas, no caso dos outros menores, de continuarmos a
conversa.
Quero dar rapidamente dois ou três exemplos do que essas coisas significam.
No caso de investimentos, quando se fala em lista positiva, sabe-se com clareza o
que se está ofertando. Quando se fala em lista negativa, sabe-se com clareza aquilo
que se está excluindo. Se amanhã surgir um setor novo — por exemplo, havia trinta
anos que serviços de informática e serviços ambientais não existiam como
categoria, não eram catalogados como tal. Então, se esses serviços não fossem
excluídos numa lista negativa, automaticamente, passariam a fazer parte de suas
obrigações. Com a lista positiva sabe-se o que se está ofertando, o que não está ali
não está incluído, até uma nova negociação.
Parece uma coisa meio bizantina, mas não é, tem um efeito concreto muito
imediato. Compras governamentais há freqüentemente. Nesse caso talvez
estivessem excluídas da nossa oferta por se tratar de empresa estatal e não da
União diretamente. Mas podemos perfeitamente imaginar a mesma coisa ocorrendo
com a administração direta. Todos sabemos que compras governamentais são
utilizadas para fazer política industrial. Os Estados Unidos fazem política industrial,
principalmente com o orçamento de defesa. No Brasil esse orçamento é muito
pequeno. Não cabe a mim julgar se atende ou não aos interesses da defesa, mas
certamente não é um instrumento de política industrial numa escala necessária.
Então, outras formas de compras governamentais devem ser usadas para
fazer política industrial. Deve-se, pelo menos, debater o assunto. São dois
exemplos. No caso de serviços, eu já mencionei telecomunicações e serviços
financeiros, que foram objeto de negociação no Governo anterior, que depois não
pôde prosseguir no esforço de ratificação dos acordos, porque envolviam obrigações
agora incompatíveis com o que foi negociado.
O novo Código Civil estabelece, não me recordo em que área, restrições que
nos obrigaram a modificar a oferta que íamos fazer na OMC.
Então, há uma porção de aspectos delicados. Não cabe aos negociadores,
muito menos ao Itamaraty, dizer se o Brasil tem, quer ou não quer ter uma indústria
de bens de capital. Isso não é o Itamaraty que tem de decidir. Posso até ter minha
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opinião sobre isso, mas a decisão cabe aos setores que cuidam da política industrial
no Governo, aos próprios industriais e à sociedade brasileira. O que compete ao
Itamaraty e aos negociadores é criar o espaço necessário para que haja discussão
interna sobre o tema, para que não se descubra mais tarde, no momento de se
impor uma determinada política, que já não se pode fazê-lo. É um problema para o
qual temos de estar atentos.
Isso aconteceu, em certa medida, na Rodada Uruguai do GATT. Algumas
coisas que foram negociadas limitaram certas possibilidades de política industrial.
Estamos até tentando rever, por exemplo, o caso das chamadas TRIMs, que são
medidas de investimento relacionadas ao comércio. Por exemplo, o acordo TRIMs
que dificulta, se não proíbe — essa é uma discussão muito complexa — o
estabelecimento de requisitos de conteúdo local para investimentos estrangeiros.
Dificulta a imposição de requisitos de importação para investimento estrangeiro. São
questões desse tipo que temos de analisar se desejamos aprofundar a discussão.
Em razão dessa situação, logramos que nossos sócios do MERCOSUL
concordassem em continuar uma discussão, que tem de ser rápida também dentro
da sociedade brasileira, porque 15 de junho é o prazo para que apresentemos
nossas ofertas e até 15 de julho, se não me engano — há pessoas que sabem mais
detalhes sobre isso do que eu, existem os cronogramas escritos — é o prazo para
pedirmos aos outros que revisem suas ofertas. Então, entre junho e julho temos de
estar com o arcabouço geral dessa questão.
Vou fazer duas outras menções rapidamente. Isso é muito preliminar, é um
exercício que exige muita reflexão e eu não desejaria tirar uma conclusão rápida
sobre isso. A título de avaliação, a ALCA se processa, a meu ver, em três níveis: um
nível multilateral, entre os trinta e poucos países que estão envolvidos na
negociação, todos os países do Hemisfério, com exceção de Cuba. A própria oferta
dos Estados Unidos foi feita de maneira bilateral. Quando digo bilateral pode ser em
relação a um país ou a um grupo de países. Parte dos assuntos discutidos na ALCA
estão sendo desviados para a OMC. O que acontece na prática? Em certos temas
de natureza geral, a tendência é discuti-los no plano multilateral. Esse plano é muito
desfavorável para o Brasil, porque a maioria dos países não tem interesse em
política industrial. E nós temos. É problema de dimensão. Quando as pessoas dizem
que o acordo do Chile foi bom ou que não foi bom, não sei, não posso julgar. Sei
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que o acordo não seria bom para o Brasil. Se é bom para o Chile, tudo bem, quem
julga é o próprio país, não somos nós. A mesma coisa se aplica a países da América
Central e do Caribe. Quando há uma discussão, por exemplo, sobre preservação de
espaço para política industrial ou para política de desenvolvimento, tende a ser
desfavorável, no âmbito multilateral da ALCA, porque a tendência é o Brasil ficar
meio isolado.
Por outro lado, temas de nosso interesse, como subsídios agrícolas ou
barreiras não-tarifárias do tipo antidumping, de salvaguardas, que tenham relação
com temas de defesa comercial, são jogados para a OMC. Dizem que não se pode
resolver na discussão da ALCA porque é muito difícil, é sistêmico, etc. Digamos que,
nos temas de acesso a mercados, que são de nosso interesse específico, ficamos
no bilateral, num enfrentamento realmente difícil, em parte podendo ter sido objeto
de ultrapassagem no multilateral.
Por exemplo, a presunção que existe na ALCA, que estamos tentando
reverter, é de que as ofertas em investimentos devem ser à base de listas negativas.
Já apontei os inconvenientes. Isso foi decidido numa reunião ministerial, há algum
tempo. Num contexto amplo, com trinta e quatro países, é muito difícil para o Brasil
impor seus desejos. Tudo isso aponta as dificuldades. Agora, há os interesses
também. É claro que o mercado americano ninguém pode ignorar.
Freqüentemente vejo estatísticas que dizem que a ALCA representa 55% das
exportações brasileiras. Esta não é a maneira correta de se abordar a questão,
porque inclui países do MERCOSUL, da ALADI, para os quais dispomos de
mecanismos de negociação de livre comércio. Na verdade para o Brasil a
negociação da ALCA é com os Estados Unidos da América e, em parte, com o
Canadá. A negociação com os Estados Unidos é muito importante, eles são o
principal mercado para as manufaturas brasileiras e competem com a União
Européia como principal mercado em todos os sentidos. Portanto, é uma negociação
importante.
Não tenho uma conclusão pronta, mas me pergunto se não seria — isso faz
parte do processo da ALCA — melhor concentrarmos a negociação nos temas
relativos a acessos a mercados, que poderia incluir certos aspectos de serviços
também, mas incluiria nossos interesses nas áreas de agricultura e de produtos
têxteis, etc. e fazer uma renegociação do tipo quatro mais um, MERCOSUL/ Estados
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Unidos e, paralelamente, MERCOSUL/Canadá. Se isso pode ser situado dentro de
um preâmbulo geral da ALCA, não há nenhum inconveniente, mas o que é perigoso
para nós é que venha a haver um acordo sobre temas como propriedade intelectual,
investimentos ou mesmo certas regras sobre serviços, no plano continental, que
afete ou prejudique nossos interesses.
Em resumo, é o que eu poderia dizer sobre a ALCA neste momento. Repito:
há grande interesse no mercado norte-americano. Ele é extremamente importante.
Isso justifica o engajamento profundo dos negociadores brasileiros, mas há outros
aspectos que têm que ser levados em conta e que podem afetar ou o ritmo ou a
forma da negociação. Isso ainda está sendo objeto de certa reflexão dentro do
Governo e será objeto também de debate com o Congresso e com a sociedade civil.
O Presidente Lula determinou que esse debate seja amplo, que envolva todos
os setores da sociedade. Volto a repetir: não é que não tenha havido debate, talvez
nunca tenha havido no País tanto debate como os que houve sobre a ALCA, mas
ainda é considerado pequeno em relação às necessidades.
Por exemplo, uma das determinações recentes do Presidente Lula foi que a
oferta brasileira da ALCA — os outros não podemos forçar a fazer isso, porque as
ofertas têm uma certa confidencialidade — fosse colocada no site do Itamaraty
sobre a ALCA. Qualquer pessoa, qualquer brasileiro pode acessar as regras gerais e
os produtos específicos em que o Brasil fez oferta. Acho que isso é um grande
progresso em termos de transparência das negociações.
Poderia falar muito mais tempo sobre a ALCA. Vou falar rapidamente sobre a
Colômbia e, depois, concentrando-me nos temas mais polêmicos, que despertaram
mais atenção, oferecer-me para responder o que puder sobre as perguntas.
Com relação à Colômbia, vou direto ao ponto e sem muitos rodeios. O tema
da Colômbia despertou muito interesse a partir do momento em que se colocou a
polêmica de se saber se o Brasil estaria de acordo ou não em classificar as FARC
como organização terrorista. Quero dizer que este tema se originou dessa forma
numa carta do Governo colombiano que figurou na Internet, mas que nunca chegou
a ser enviada como tal, nunca houve o pedido formal direto ao Governo brasileiro de
que classificasse as FARC como movimento terrorista. Houve, sim, dias depois, uma
carta em que o Presidente colombiano pediu apoio a uma iniciativa, de cuja
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concretização não tenho notícia, para que os organismos internacionais — a ONU e
a OEA — classificassem as FARC como movimento terrorista.
Essa questão despertou muita discussão porque se misturou com uma
questão de o Brasil querer mediar ou não o conflito na Colômbia. Quero dizer que no
primeiro encontro que o Presidente Álvaro Uribe teve com o Presidente Lula, no
Equador, quem tocou na hipótese de o Brasil atuar — talvez não tenha usado a
palavra mediador — numa eventual negociação com as FARC foi o Presidente
Álvaro Uribe.
Naquele momento — também é preciso dizer — ele não estava falando de
uma negociação política ampla. Estava falando de uma negociação que dizia
respeito a questões humanitárias e que o Brasil pudesse ajudar, a fim de que
fossem liberados alguns seqüestrados, etc. Ele chegou a mencionar a criação de um
grupo de facilitadores dentro da Colômbia com esse objetivo.
Então, essa questão não foi posta pelo Brasil, mas, sim, pela Colômbia. É
preciso que isso fique claro. Quando houve toda essa polêmica, tínhamos, a
princípio, acertado a vinda do Presidente Álvaro Uribe ao Brasil a convite do
Presidente Lula. S.Exa. veio ao Brasil. Quero mais uma vez dizer, embora não haja
dúvida em relação ao nosso apoio ao combate ao terrorismo e ao narcotráfico, que
em momento algum da visita do Presidente Álvaro Uribe ao Brasil houve o pedido
para que o Brasil considerasse as FARC uma organização terrorista.
Acho que se trata de uma questão inexistente, que acabou sendo criada na
opinião pública em grande medida em razão de algo que não existe. Na realidade o
Presidente Álvaro Uribe está interessado é na cooperação. Neste sentido, estamos
desenvolvendo várias iniciativas. Há um memorando de entendimento entre os
Ministérios da Defesa dos dois países. Iniciamos um grupo de trabalho envolvendo o
Ministério da Justiça, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Defesa.
Uma cooperação que já existia vai ser intensificada na área de lavagem de dinheiro.
Então, há uma porção de ações concretas de cooperação com a Colômbia.
Damos muita importância àquele país, até por objetivos estratégicos. Para nós
interessa que a Colômbia se integre num projeto de espaço econômico da América
do Sul.
Agora, ela só pode se integrar se tiver um ambiente de paz e sem uma
presença muito grande de tropas estrangeiras de qualquer país.
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Para nós interessa que haja esse processo de paz. Temos interesse em
colaborar com o Governo colombiano nesse sentido.
Foi, portanto, uma questão semântica, que atraiu muita atenção, mas não foi,
em nenhum momento, solicitação do Presidente Álvaro Uribe ao Presidente Lula.
Houve apenas uma carta com um pedido de apoio a uma iniciativa que seria tomada
em fóruns multilaterais.
Já que fiz referência a fóruns multilaterais, deixem-me mencionar dois
aspectos. O Brasil apoiou, na OEA, uma resolução relativa a atos terroristas que
teve referência específica — aliás, parece que ontem houve outro de proporção
menor, mas é algo que preocupa muito — a um ato terrorista, que foi aquele do
Clube El Nogal, de Bogotá, que o Governo colombiano investigou e concluiu ter sido
cometido pelas FARC.
Então, a única referência às FARC aparece nessa resolução em que a OEA
condena o ato terrorista que praticaram. Se não me engano, é essa redação, a partir
dos dados apresentados pelo Governo da Colômbia. E essa resolução teve o apoio
do Brasil.
Na ONU tivemos muitos contatos. Eu tive um contato pessoal com o
Secretário-Geral das Nações Unidas e recebi aqui o seu representante especial para
a Colômbia. Em ambos os contatos pude verificar que a ONU não considera positiva
nem produtiva a classificação de organizações como terroristas. A única
organização classificada como terrorista, até hoje, cuja classificação é aceita, é a Al-
Qaeda. Não existe, ao contrário do que muita gente possa pensar, uma longa lista
de organizações terroristas na qual se poderia incluir as FARC. Não é disso que se
trata. Não há uma lista e há enormes dificuldades, por motivos óbvios, sobre os
quais não preciso me estender.
No caso específico há uma outra preocupação: tanto a ONU quanto o
Governo brasileiro — não entraremos no mérito porque cabe à Colômbia decidir
soberanamente como atuar nesse momento — acreditam que a solução para os
conflitos na Colômbia deve ser política. É um problema que já tem mais de quarenta
anos, a solução não será militar. E, para que haja uma solução política, tem que
haver algum canal potencialmente aberto. Esta não é uma opinião só nossa, é
também das Nações Unidas, de todos. Isso não tem nada a ver com o Brasil querer
mediar nada. É uma questão objetiva. É como o caso do IRA, com quem se
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negociou uma parte — não vou discutir problemas da política interna do Reino Unido
porque fica mais complicado ainda —, com os problemas que se conhece, mas foi
possível pelo menos uma diminuição da violência naquela região e, até certo
momento, a constituição de um governo autônomo na Irlanda do Norte.
Acho que, sem comparar situações específicas, há necessidade, todos
reconhecem... Isso não quer dizer que deixamos de condenar, de combater e de
contribuir para o combate ao terrorismo. O terrorismo é danoso, ele nos prejudica,
ele cria uma situação de instabilidade na Colômbia ruim para o Brasil, ruim para o
projeto de integração da América do Sul.
Isso é basicamente o que eu teria a dizer sobre os temas mais momentosos.
Para não faltar um ponto, já que estamos falando de Colômbia e já que esta é uma
oportunidade de estar aqui — não sei quando a Presidenta me convidará
novamente, depois da minha exposição mais longa do que deveria ter sido —,
gostaria de dizer, com relação à prioridade da América do Sul, que muitas vezes
essas questões ficam colocadas meio retoricamente. E isso é mais objeto de
declarações de intenção do que de atos concretos. Acho que um fato notável é que,
provavelmente, nos primeiros cinco ou seis meses de Governo, pensando mais para
frente, vários Presidentes de países da América do Sul terão vindo ao Brasil. Já
vieram os Presidentes da Argentina, da Colômbia, do Peru. O Presidente da
Venezuela veio em uma emergência, mas voltará para uma reunião de trabalho na
próxima sexta-feira. Segunda-feira receberemos o Presidente da Bolívia e, no dia 12
de maio, o Presidente do Uruguai. Está prevista, com datas mais ou menos
encaminhadas, a vinda dos Presidentes do Equador e do Chile. O Paraguai tem uma
eleição agora, de modo que precisamos esperá-la. E, no caso da Argentina,
poderemos até receber uma segunda visita. É um intenso trabalho no sentido de
transformar em realidade a prioridade de integração da América do Sul. Se os
senhores se derem ao trabalho de ler alguns desses comunicados conjuntos e atos
assinados, verificarão que são muito práticos, muito pragmáticos e em todos os
casos estamos procurando criar comissões de acompanhamento que possam
garantir que as decisões dos Presidentes não fiquem puramente no papel.
Muito obrigado, Sra. Presidenta, e desculpe-me por abusar do tempo.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Nós é que agradecemos a
V.Exa., Sr. Ministro.
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Encerrada a exposição, vamos conceder a palavra inicialmente aos autores
do requerimento. Como primeiro autor e primeiro inscrito, concedo a palavra ao
Deputado Paulo Baltazar.
Peço aos colegas que sejam breves na formulação de seus questionamentos
porque o Ministro tem horário para sair.
O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN – Sra. Presidenta, peço a palavra
pela ordem.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN – Não sei como ficou decidido:
todos farão suas intervenções e o Ministro responderá ao conjunto delas?
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Gosto de perguntas e
respostas rápidas. Quando todos perguntam e o expositor anota para responder
depois a resposta nunca é satisfatória. Estou vendo o nosso lado, porque esta é a
nossa Casa. Os Deputados mandam aqui dentro, fazem o que querem. O Sr.
Ministro, nosso convidado, tem que ficar à mercê dos Deputados, não é assim?
Portanto, peço apenas que os Srs. Deputados sejam breves.
O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN – Nós mandamos um pouco,
V.Exa. manda muito mais.
O SR. DEPUTADO PAULO BALTAZAR – Quero cumprimentar o Ministro
pela bela exposição com que nos brindou.
Serei rápido. Há um requerimento motivado por uma questão na região sul do
Estado do Rio de Janeiro. Vou generalizar fazendo a V.Exa. duas perguntas.
A primeira refere-se ao Iraque. Há trabalhadores brasileiros no Iraque? Qual a
situação desses trabalhadores e de outros brasileiros no Iraque?
Gostaria que V.Exa. nos dissesse qual a política do País em relação ao
Iraque. Tenho acompanhado com clareza o pós-guerra. A guerra no Iraque começou
e já ficamos sabendo de ameaças por aí afora.
Preocupa-me o pragmatismo da política externa mundial. Ninguém mais fala
da agressão dos Estados Unidos da América ao Iraque e, o que é mais grave, à
ONU, ao Direito Internacional. Mal terminou a guerra e muitos, inclusive o Brasil, já
se mostram interessados em participar da reconstrução do Iraque, sob as bênçãos
do agressor.
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O pragmatismo mundial beira o cinismo. Os Estados Unidos destroem o
Iraque e agora o mundo inteiro, com a bênção do agressor, vai participar da
reconstrução. Depois, certamente, vamos participar da reconstrução de outros
países.
O Brasil — se é que vamos exercer alguma liderança na América do Sul —
vai seguir o mesmo caminho do pragmatismo? Será esse o rumo que o Brasil
seguirá? O comportamento dos Estados Unidos reduziu a ONU a uma condição
menor. Vamos todos concordar com isso? Qual será a posição do Brasil em relação
a isso?
São as perguntas que faço a V.Exa.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Ministro
Celso Amorim.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Deputado, com relação aos brasileiros
no Iraque, já fizemos uma pesquisa após interpelação idêntica que nos foi feita no
Senado da República.
Não é fácil afirmar com certeza absoluta quantos brasileiros encontram-se no
Iraque. Só conseguimos detectar, na ocasião, a presença de quatro brasileiros no
Iraque. Todos, se não me engano, binacionais. Um deles, inclusive, é o responsável
pela guarda dos arquivos da embaixada brasileira. Os outros estavam em situação
semelhante. São todos casados, constituíram família e estão integrados no Iraque.
Nenhum deles queria sair de lá. Sei que houve, se não me engano em Volta
Redonda, a idéia de que haveria um grande número de brasileiros no Iraque. Não
temos nada que corrobore essa informação. Esta seria a minha resposta, posso até
mandar-lhe depois, pelo nosso assessor parlamentar, a pesquisa que foi feita.
A sua segunda pergunta é difícil de responder em poucas palavras. Acho que
o pragmatismo é algo importante, faz parte da política externa dos países. Todos
procuram vender seus produtos para gerar empregos, etc. Mas acho que devemos
observar princípios éticos, morais e jurídicos. O Brasil tomou posições claras
contrárias à guerra, não só porque defende a paz e a solução pacífica de
controvérsias, mas também porque defende os mecanismos das Nações Unidas,
inclusive para o caso extremo, que é o uso da força. Esses mecanismos não foram
utilizados.
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Isso, evidentemente, cria um problema difícil no momento da reconstrução.
Mas poderíamos separar essa questão em duas partes. A parte estritamente
humanitária acho que é uma decisão que o Governo brasileiro pode tomar, e
pessoalmente até me inclinaria a favor, desde que em volumes compatíveis com as
nossas possibilidades. A parte humanitária é um apelo das Nações Unidas. Acho
que isso diz respeito às populações civis do Iraque. Pessoalmente, quando estive na
ONU, já naquela época, apesar da situação, era a favor do abrandamento das
sanções, sobretudo as que atingiam civis, por causa de seus efeitos tremendamente
danosos.
Independentemente de quem está ocupando a região neste momento, em
relação à situação da população civil, devemos ter os mesmos princípios
humanitários que inspiram a Cruz Vermelha e o serviço humanitário das Nações
Unidas, que não vêem ideologia. Esta é a parte humanitária.
Na parte da reconstrução, que não passa de negócio, acho que o
pragmatismo deve restringir-se pelos limites da decência. Se houver uma licitação
feita por instituições multilaterais, pelo Banco Mundial ou sob a supervisão das
Nações Unidas, não vejo por que as empresas brasileiras não devam participar.
A médio e a longo prazos, o problema com relação ao Iraque e à situação
nova é que há muitos aspectos jurídicos delicados. É uma situação peculiar porque
o ataque ocorreu sem a autorização das Nações Unidas. E não sabemos se haverá,
a posteriori, uma meia legitimação, não do que ocorreu, mas da situação que se
criou. A análise deve ser feita à medida que o processo se desenvolver. Um aspecto
importante é que temos que defender a centralidade do papel das Nações Unidas
em todo o processo de reconstrução do Iraque, não só física mas também política,
para evitar outras situações como as aludidas pelo nobre Deputado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Concedo a palavra ao
Deputado Luiz Carlos Hauly.
O SR. DEPUTADO LUIZ CARLOS HAULY – Sra. Presidenta, Sras. e Srs.
Parlamentares, Exmo. Sr. Ministro, o calendário da ALCA está mantido, as
negociações continuam. Os prazos poderão ser mudados pela vontade dos países
signatários. Mas os prazos e as negociações estão mantidos, as barreiras tarifárias,
não-tarifárias, fitossanitárias e as considerações todas que foram aprovadas na
autorização do fast track americano, que são muitas também, principalmente no
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caso dos produtos agrícolas, estão mantidas. Não vencemos nenhuma barreira,
ainda, nas negociações que envolvem MERCOSUL e ALCA.
A minha preocupação é a mesma do ano passado, do ano retrasado, dos
últimos anos: não cumprimos a obrigação doméstica; não fizemos o dever de casa;
não fizemos as reformas, as mudanças, as adaptações necessárias para a
diminuição do Custo Brasil, para a harmonização do sistema tributário brasileiro, das
legislações trabalhista e previdenciária. Estamos no mesmo ponto há muito tempo.
Só que o tempo passa rápido e 2005 se aproxima. Nossos representantes sentam-
se para negociar a toda hora e não vemos nenhuma ação mais contundente.
O Governo Lula mantém o mesmo nível de negociação. Os problemas
continuam. Então, a questão da ALCA, do MERCOSUL, a nossa negociação
bilateral e multilateral são um grande problema para o País.
A Comissão tem acesso às informações sobre essas questões pela Internet,
há muito tempo. Temos acesso ao documento elaborado pela Embaixada brasileira
em Washington, Estados Unidos, no ano passado, que tem sido atualizado, com
todo o conjunto de restrições mantidas nas negociações bilaterais Brasil/Estados
Unidos. Os americanos não arredaram pé de seus propósitos. E a posição assumida
pelo Brasil na questão dos Estados Unidos com o Iraque não ajuda, não facilita, não
cria um clima de boa vontade. Os percalços são enormes.
As palavras de V.Exa. são as mesmas do Ministro Celso Lafer. O Itamaraty
cumpre com seu papel de negociar. No conjunto, os interesses não estão sendo
resolvidos. A maioria dos empresários brasileiros reclama, embora de forma ainda
tímida. Ainda ontem estive reunido com um segmento que se mostrou preocupado
com essa inércia.
Os trabalhadores, a Igreja Católica, a sociedade, enfim, todos reagem contra
a ALCA. Faço parte do Fórum Interparlamentar das Américas. Há dois organismos
internacionais de parlamentares americanos: COPA, do qual a Deputada Maninha
faz parte, e FIPA — Fórum Interparlamentar das Américas, onde represento a
Câmara dos Deputados e o Senado da República. Também no FIPA o clima não é
favorável à ALCA.
Mas as negociações estão em curso. O que o Governo Lula, o que V.Exa.
fará em face dessa constatação? Deixará rolar até que o tempo passe e,
inevitavelmente, estejamos dentro da ALCA?
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Quero colocar o dedo na ferida quanto a essa falta de reação.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Nobre Deputado, se V.Exa. me
permite, quero dizer que compartilho integralmente das palavras de V.Exa. Se
tivesse tido a oportunidade de assistir a alguma participação minha em reuniões
internas dos Ministérios, veria que as minhas ponderações coincidem com as suas.
Inclusive, tomo como elogio, sendo V.Exa. um Parlamentar do PSDB, a comparação
com meu antecessor e amigo Celso Lafer.
A imprensa freqüentemente me pergunta o que mudou. Não tenho nenhuma
preocupação em dizer o que mudou e o que não mudou. Digo o que acho certo, o
que o Presidente Lula me instrui a fazer e que ele acha certo. Caberá aos analistas
dizerem o que mudou e o que não mudou.
Evidentemente, estamos agindo neste ano numa realidade diferente da do
ano passado, agravada, como V.Exa. disse, pela exigüidade dos prazos. O
Presidente Lula tentou logo de início, contrariamente ao impulso daqueles que
estavam mais diretamente envolvidos na negociação — usando uma boa expressão
—, dar uma meia-trava na negociação para que pudéssemos pelo menos refletir.
Como eu disse inicialmente, estavam previstas para fevereiro ofertas em cinco
setores. Só fizemos ofertas em dois setores, e até nossos sócios acharam-nas
excessivamente modestas, porque eles tinham outros interesses, justamente por
compartilhar das preocupações que V.Exa. expressou, Deputado.
Então, essa preocupação existe. Temos, como eu disse na minha exposição,
um prazo. Mas é preciso não mitificar esses prazos. Esses prazos são políticos e
não jurídicos. O Brasil ou o MERCOSUL não estará sujeito a nenhuma penalidade,
do ponto de vista jurídico, se algum prazo for postergado. Isso se faz de comum
acordo. Claro, temos de negociar de boa fé e não podemos levar nossos parceiros a
acreditarem numa coisa e agirmos de outra maneira.
Por isso, a preocupação inicial do Governo Lula foi no sentido de não deixar
que nenhum interesse vital brasileiro fosse comprometido nas primeiras ofertas.
Realmente, oferta não compromete. O que está previsto em relação a investimentos,
serviços e compras governamentais é da mesma índole. Não é fácil, porque temos
de convencer também nossos parceiros do MERCOSUL, que nem sempre têm os
mesmos interesses em casos pontuais. Acho que podemos convencê-los tanto
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maior quanto for a generosidade que demonstrarmos nas negociações internas do
MERCOSUL. É isso o que temos de fazer.
Há uma ponderação de V.Exa. que quero comentar. Já me acostumei a ouvir
certo tipo de declaração na imprensa. Hoje houve uma do Secretário do Tesouro.
V.Exa. mencionou vários problemas que afetam interesses do Brasil: questões
fitossanitárias, acesso a produtos agrícolas, eliminação de subsídios e outras
medidas não-tarifárias. Em geral, os negociadores norte-americanos dizem que tudo
está sobre a mesa. Não é uma boa afirmação. Pela minha experiência, poderia até
citar as cicatrizes de várias negociações internacionais. Se há um ponto do qual
discordo não é a tática, mas uma avaliação comumente feita no Governo anterior,
quando se dizia: “Negociamos, negociamos e negociamos e, no final, se for bom,
assinamos; se não for bom, não assinamos”. Isso não acontece. Se chegar ao final
da linha, acaba assinando. Se não assinar, corre um tremendo risco de permitir que
o comércio, por exemplo, com outros países, como o Peru, a Colômbia, a
Venezuela, seja erodido pelo que se está passando na ALCA.
Então, é preciso que a avaliação seja feita a cada instante. É o que estamos
tratando de fazer e, por isso, sentimos necessidade de dar essa arrumação em
termos de prazo. Algumas vezes a imprensa me perguntou: “O que o senhor ganha
adiando o prazo?” Ganho tranqüilidade, porque tenho certeza do que estou fazendo,
e porque tenho mais tempo para ouvir a sociedade brasileira. Mesmo assim, o
tempo é curto.
Estou de pleno acordo com V.Exa. Não estou dizendo que seja uma
condição, mas, se chegarmos à conclusão de que é necessário adiar o prazo,
vamos dizer isso para os norte-americanos e para os demais parceiros. Esta é uma
das questões que estão sobre a mesa. Se for necessário mudar o escopo da ALCA
para tratar apenas dos temas que nos criam menos problemas, que são menos
sensíveis, vamos tratar de levar isso também para os nossos parceiros.
Quero dizer mais uma vez que concordo integralmente com o que diz V.Exa.
É esse tipo de preocupação que tenho procurado expressar dentro do Governo e
nos meus contatos com a sociedade brasileira.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Tem a palavra o Deputado
Fernando Gabeira, autor de requerimento.
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O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – Sr. Ministro, Sra. Presidenta, o
problema de uma audiência como esta é tratar de muitos temas e, por mais
sintéticos que sejamos, não podermos abarcar todos numa pergunta. Terei de
selecionar alguns, para poder manter a disciplina e respeitar o direito dos outros de
intervirem também.
Sobre a ALCA, eu gostaria de mencionar rapidamente que os jornais de hoje
dizem que os Estados Unidos estenderam bandeira branca, não querem retaliar o
Brasil. Não é nada nesse sentido. Acho que devíamos ser um pouco mais
observadores. Anteontem os Estados Unidos fizeram entendimentos com a
Nicarágua, Costa Rica, El Salvador e Guatemala e postergaram o acordo com o
Chile. O acordo com o Chile será postergado no Congresso como uma retaliação
por causa da posição chilena no Conselho de Segurança da ONU. Só quero que
sejamos — a opinião pública, não o Itamaraty — menos ingênuos e observemos um
pouco mais essa situação.
Sobre a Colômbia, concordo plenamente. Quando ainda era Ministro o Sr.
Celso Lafer, apresentei uma proposta, endossada pela Comissão, de que o Brasil,
caso houvesse um processo de facilitação, se integrasse aos países facilitadores.
Fui chamado pelo Embaixador, que me disse que o Presidente Álvaro Uribe ia
assumir, que estavam interessados nesse processo. Não quero dizer que foi por isso
que o Presidente Álvaro Uribe conversou com o Brasil, mas quero ressaltar a
vontade de colaborar da Comissão.
E essa vontade de colaborar leva-nos ao terceiro tema, um pouco mais
áspero, que temos de enfrentar. É a questão de Cuba.
Na Comissão, por minha iniciativa, formulamos uma proposta de posição para
o Governo brasileiro, diferente da assumida anteriormente. Evidentemente, somos
Deputados, alguns mal votados, como eu, e não temos condição de definir política
externa, apenas sugerimos. Mas as respostas do Governo brasileiro a nossa
sugestão de assumir um caminho diferente parecem-me que podem ser objeto de
uma crítica fraternal.
Primeiro, as declarações do Ministro Celso Amorim de que normalmente não
procuraria um espalhafato nesses casos porque há caminhos mais discretos e mais
eficientes para tratar o assunto. Realmente, há iniciativas diplomáticas secretas que
alcançam grande resultado, mas, em grande parte dos momentos em que não se faz
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nada, usa-se também essa justificativa de que “estamos trabalhando secretamente,
estamos fazendo tudo no maior silêncio”.
O segundo aspecto refere-se ao nosso novo Embaixador em Cuba. Ele veio
ao Senado, no dia 1º de abril, para ser sabatinado. As prisões em Cuba começaram
no dia 18 de março e isso não foi mencionado em sua sabatina. Eu reprovaria tanto
ele como os Senadores que nada lhe perguntaram sobre esse fato. A verdade é que
a conjuntura cubana não aflorou nesse processo. E o Itamaraty, com seu alto nível
de profissionalismo, quando estiver para assumir um diplomata que não esteja a par
dos casos, deveria pelo menos aconselhá-lo a entrar na Internet algumas semanas
antes de assumir o cargo.
O segundo aspecto são as declarações do Embaixador de que o problema de
direitos humanos em Cuba seria um problema interno. Isso invalida toda o nosso
trabalho internacional, não digo do Brasil, mas dos abolicionistas mundiais, contra a
pena de morte. Lutamos contra a pena de morte no Irã, na China, nos Estados
Unidos e em Cuba, onde quer que ela aconteça. Então, não tem essa história de
que direitos humanos é assunto interno do país e que ninguém deve se meter. É um
equívoco que deve ser reconsiderado nessas declarações.
Existe uma outra mais impressionante ainda. O Embaixador declarou ao O
Estado de S. Paulo, ao Jornal do Brasil e a outros órgãos da imprensa que não
gostaria de referir-se sobre esse assunto porque para ele era assunto de família.
Pensei: “Meu Deus, será que estamos mandando um embaixador para representar o
Estado brasileiro ou estamos fazendo um processo de intercâmbio, como o que
fazemos quando mandamos adolescentes para a Austrália ou para os Estados
Unidos e lá eles têm família especial adotiva que os recebem?” Esse processo, no
meu entender, rebaixa a capacidade de o Brasil intervir internacionalmente, elimina
a possibilidade de exercermos liderança no Continente à altura do que deve ser
exercido. Conseguimos levar a Argentina no processo de abstenção, a Venezuela
voltou para o seu caminho, mas hoje mesmo os jornais mostram quem esteve
conosco no processo de abstenção. Se olharmos todos que votaram pela
abstenção, veremos que alguns são países com ficha muito grande de desrespeito
aos direitos humanos e são países inexpressivos. Quer dizer, ficamos praticamente
em posição que não me parece a mais adequada. É apenas uma crítica fraternal
para mostrar que a política externa deveria ser levada em outras considerações,
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porque Cuba é um país que vive certa efervescência oposicionista, surgem várias
agências novas, os Estados Unidos estão extremamente interessados em intervir,
temos de um lado os “falcões”, muito interessados em agitar, e, de outro, uma
ditadura fossilizada. Esta é a verdade.
O Governo brasileiro não precisa assumi-la, mas todos a vêem. A nossa
política lá, no meu entender, deveria ser conduzida na perspectiva de uma
diplomacia preventiva, para evitar que outros fatos piores ocorram.
Se concordarmos com essa perspectiva de uma diplomacia preventiva, ficam
apenas as críticas aos descaminhos que foram assumidos no processo.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – O Deputado Fernando Gabeira sabe da
grande admiração que tenho por ele como Deputado, como escritor e pela
capacidade que tem de formular questões de modo objetivo e pertinente.
Não tratarei da retaliação. Recebo a crítica fraternal e irei refletir sobre ela.
Também não me deterei tanto em outras declarações. A posição que foi tomada em
Genebra, por determinação minha, depois de ter conversado com o Presidente,
baseou-se em dois ou três fatos que acho importante mencionar. Na minha opinião,
direitos humanos não é problema interno de Cuba. Não creio nisso. Acho que a
Comissão de Direitos Humanos de Genebra — afirmo isso com a experiência de
quem já foi Embaixador lá duas vezes, além de Ministro — é altamente seletiva nos
temas que escolhe. Não citarei exemplos, pois estaria cometendo uma falha
antidiplomática. Mas é fácil: basta olhar para o mundo e veremos que apenas certos
países, por certos motivos, em certas ocasiões, são escolhidos para se examinar a
situação dos direitos humanos. Existe alta seletividade.
No caso de Cuba, minha firme opinião é a seguinte. Se o embargo econômico
— que não tem qualquer base em nenhum instrumento multilateral, porque,
inclusive, as sanções estabelecidas pela OEA foram abolidas — já tivesse cessado
há muito tempo, provavelmente Cuba já seria uma democracia, como o Deputado e
eu desejamos.
É muito difícil separar a situação de Cuba desse contexto. Com relação à
Comissão de Direitos Humanos, não é que os assuntos de determinado país não
devam ser objeto de exame ou escrutínio. Acho que devem, sim. No Governo
anterior propus que fosse feito um relatório global, que era idéia do antigo Secretário
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de Direitos Humanos, José Gregori. Esse relatório deveria cobrir todos os países,
para não permitir essa seletividade.
Os senhores podem olhar a lista dos países que estão sendo examinados por
violação dos direitos humanos. Perguntem se o Brasil, na época da ditadura militar,
foi condenado alguma vez pela Comissão de Direitos Humanos.
Há uma seletividade e uma politização evidentes. No caso de Cuba ainda há
um fato que pode ser usado como desculpa, com o que não concordamos: o
embargo sem base legal internacional. Esse conjunto de fatores nos tem levado
historicamente a uma posição de abstenção. Isso não nos impediu de fazer críticas
ao fato ocorrido. Embora muitos setores da imprensa acreditem que a nossa
manifestação foi fraca, na realidade, foi mais forte do que em qualquer período
anterior. Há um jornalista, que é meu fraternal amigo, que disse: “O Brasil não
poderia ter manifestado forte preocupação, mas pavor e horror”. Ora, se eu
manifestasse pavor e horror por tudo aquilo que vejo, o Brasil iria manter relações
diplomáticas com poucos países.
Uma coisa é aquilo que se pode espontaneamente dizer ou sentir; outra coisa
é aquilo que se manifesta. Fomos além. Pusemos na nota oficial brasileira algo
incomum: a afirmação de que continuaremos a manter diálogo com Cuba sobre esse
tema. Cuba até poderia entender isso como uma interferência indevida em assuntos
internos. E sem entrar em detalhes, porque senão perderia o sentido. Na véspera de
votação não haveria muito cabimento. Mas, na véspera mesmo dessa votação, tive
oportunidade de falar com o Ministro cubano e expor até alguns dos aspectos que o
Deputado Fernando Gabeira agora mencionou. Inclusive no sentido de que achamos
que isso dificulta a ajuda dos amigos de Cuba.
Realmente, Cuba fez coisas importantes, sobretudo na área social.
Evidentemente, hoje, tem um governo que não corresponde aos nossos padrões.
Em termos de política, isso é um problema do povo cubano, mas, quando se trata de
julgamentos sumários, de aplicação da pena de morte sem a devida publicidade —
somos contra a pena de morte —, devemos condenar, não há a menor dúvida. E
sobre isso tive oportunidade de conversar pessoalmente com o Ministro Felipe Pérez
Roque, na véspera da votação.
Então, não é que haja um pretexto para não fazer nada. Há o desejo de se
fazer. Se o que fizemos foi suficiente ou não, eu não sei. Há, também, o chamado
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embargo que se cria e uma atual situação internacional que fortalece — e já vi isso
ocorrer em vários países —, infelizmente, uma certa psicologia de cerco. A
psicologia de cerco, ou de sítio, no fundo acaba fortalecendo também as tendências
mais rígidas. Isso é lamentável de todas as partes.
Em última instância, não podemos decidir por ele. Mas a nossa opinião é no
sentido de que Cuba se ajudaria mais se tivesse uma atitude mais aberta.
Sou Ministro do Governo Lula, mas, do ponto de vista pessoal, quero dizer
que estive em Cuba em 1994, com o Ministro das Relações Exteriores do Governo
Itamar Franco. Na ocasião levei duas mensagens a Cuba: a primeira no sentido de
que deveriam assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o que fizeram pouco
depois; e, a segunda, no sentido de que deveriam ter gestos mais concretos na área
de direitos humanos.
Tive o privilégio — considero isso efetivamente um privilégio —, por
circunstâncias das quais não vou entrar em detalhes nesta Comissão, de ter
anunciado o convite que Cuba fez, então, ao Alto Comissário da ONU para os
Direitos Humanos, o equatoriano José Ayala Lasso, para visitar aquele país. A visita
foi bem sucedida, segundo todos afirmam, inclusive o próprio José Ayala Lasso. Ele
visitou prisões, esteve com a oposição etc.
Então, acho que há campo, sim, para a atuação diplomática. Acho lamentável
que haja julgamentos sumários, acho lamentável que haja pena de morte, mais
ainda pena de morte com julgamento sumário. E acho lamentável que alguém ainda
seja preso por emitir opinião. Esta é a posição do Governo brasileiro.
Também achamos que em certos órgãos não há autoridade moral suficiente
para esse tipo de ação. Hoje, por exemplo, é possível que se apresente na OEA
uma resolução sobre esse tema. Achamos que a OEA não tem competência para
discutir esse tema. Se Cuba foi suspensa pela OEA, esta instituição não pode
praticar aquilo que Cuba está sendo acusada de fazer, isto é, não dar o direito de
defesa. Então, se houver uma votação no Conselho Permanente da OEA — e não
sei se vai haver, porque isso está transcorrendo —, o Brasil não apoiará. E não é
porque esteja de acordo com Cuba, mas porque acha que não se pode usar o
mesmo foro que expulsou o país, ou, pelo menos, o suspendeu, para condenar o
próprio país, sem que ele tenha direito de expor o seu caso. Porque, senão, além de
ser juridicamente discutível, é também ética e moralmente discutível.
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Essa a visão geral que temos do problema.
O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – Peço um minuto aos
companheiros para a tréplica.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Pois não. Tem V.Exa. a
palavra, nobre Deputado Fernando Gabeira.
O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – O primeiro ponto que temos
que observar é o seguinte. No próprio contexto da reunião havia uma declaração,
proposta por Cuba, para se votar uma condenação contra o embargo. O Brasil teria
condições de votar pela entrada de um funcionário da ONU em Cuba e votar,
também, contra o embargo. Quanto a isso não haveria nenhum inconveniente.
Depois, o que se estava pretendendo nessa reunião era exatamente o que se
conseguiu em 1994. (Risos.)
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – De outra forma, de outra forma!
O SR. DEPUTADO FERNANDO GABEIRA – Mas é exatamente o que se
conseguiu. Não há nada demais que lá entre o Alto Comissário da ONU para
Direitos Humanos a fim de saber se está tudo bem. Coisa que o Brasil faz de bom
grado. Quer dizer, nós chamamos, levamos, mostramos.
Então, creio que não haveria nenhum problema para o Brasil em votando
essa resolução. É claro que é uma comissão especial; a presidenta é da Líbia, é
seletiva. Mas, nesse caso específico, acho que o Brasil tinha condições de fixar sua
posição. Mas quem define são V.Exas. (Risos.).
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Não é tréplica ou quadréplica. É
apenas um esclarecimento. Dificilmente teria sido possível o que V.Exa. diz. Eu
sugeri que nós votássemos contra, apesar de o Brasil ser contra o embargo por
achar que isso tudo fazia parte da politização do tema. Se o Brasil tivesse votado a
favor do embargo e se a parte do embargo tivesse passado, provavelmente a
resolução teria sido retirada. Não haveria essa possibilidade do ponto de vista
prático e processual. Conhecendo como funciona a CDH, dificilmente essa
possibilidade ocorreria.
(Intervenção inaudível.)
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Não, a emenda foi votada antes.
(Intervenção inaudível.)
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O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Sim, mas foi votada antes. As duas
foram votadas antes: a de Costa Rica e a de Cuba.
Mas, enfim, isso é um detalhe. Entre os países que se abstiveram, não vou
discutir quais são expressivos ou não. Há países que votaram contra, como a África
do Sul, cujas credenciais democráticas são indiscutíveis. Então, há um balanço aí.
Acho que houve mais uma questão de países desenvolvidos do Ocidente ou em
desenvolvimento. É uma outra ótica.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Concedo a palavra ao
Deputado Francisco Dornelles e, posteriormente, ao Deputado José Thomaz Nonô.
Gostaria de solicitar a todos os Srs. Deputados que se compenetrassem do
horário. Sr. Ministro, eu estou achando que V.Exa. terá que voltar porque hoje não
daremos conta. Nosso tempo pode ser estendido até as 14h.
O SR. DEPUTADO FRANCISCO DORNELLES – Sr. Ministro Celso Amorim,
quero parabenizá-lo pela exposição.
Gostaria de abordar três pontos: compras governamentais, acordo de
investimento e serviço.
Já tive oportunidade de dizer, nesta Comissão, que a Constituição de 1988
estabeleceu a preferência de compras governamentais para as empresas brasileiras
de capital nacional. O Constituinte cometeu um grande equívoco. Em primeiro lugar,
tratar um assunto dessa natureza na Constituição; e, em segundo, porque, em vez
de estabelecer uma preferência para empresas domiciliadas no Brasil em relação às
domiciliadas no exterior, criou duas categorias de empresas brasileiras: uma de
primeiro grau, de capital nacional, e a outra de capital estrangeiro.
Emenda constitucional posterior eliminou esse artigo, e passou-se a ter o
entendimento de que, com a eliminação do artigo, tornava-se proibido dar
preferência a empresas brasileiras. Esse assunto ficou cinzento. Hoje, porém, com
satisfação, vejo nas últimas licitações da PETROBRAS, para construção de
plataformas, que ficou estabelecido um percentual entre 60% e 70% para a
participação de empresas brasileiras, ou seja, empresas domiciliadas no Brasil, de
capital nacional ou estrangeiro.
A pergunta que eu faço é a seguinte: existe, nas conversações ou nos
acordos com a OCDE, com a OMC e com a ALCA, alguma pretensão de que o
Brasil abra mão dessa possibilidade de dar preferência em compras governamentais
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para empresas brasileiras? E, no caso de o governo de um país ter a participação de
90%, 50% ou 5% numa estatal, em qualquer desses casos, a compra da estatal é
considerada compra governamental?
O segundo ponto que gostaria de questionar é com relação ao acordo de
investimento. Sempre tive posição contrária ao acordo de investimento. Acho que
não tem sentido um país que tem uma ordem jurídica fazer um acordo bilateral de
investimento. Primeiro, porque ele transmite a idéia de que algum investimento aqui
não tem garantia. Segundo, porque estabelece diferenciações. Se eu faço um
acordo de investimento com o país “A”, o investidor do país “B” também vai querer
um acordo. Assim, haveria uma série de acordos bilaterais de investimentos com
todos os países, ou o país “B” se sentiria discriminado. E, muitas vezes, nesses
acordos de garantia de investimentos, os países desenvolvidos querem cláusulas
que são até mais favoráveis do que as relacionadas ao investidor do próprio país.
Recebi informação de que existe posição do Governo contrária à
homologação, continuação ou assinatura desses acordos bilaterais de
investimentos. Gostaria de perguntar a V.Exa. qual é a posição do Governo
brasileiro em relação a esses acordos bilaterais.
Grande parte das atenções nessas negociações com a ALCA e com a OMC
se voltam para problemas tarifários e têm uma dimensão, muitas vezes, maior.
Sempre que exista um acordo, seja no campo da OCDE, da OMC ou da ALCA, há
necessidade de que ele seja amplo e de que contemple todos os setores. Pois bem.
O acordo pode ser localizado em termos de mercadorias e deixar de lado serviços e
compras governamentais? O pacote tem de ser completo? Haveria a possibilidade
de o País firmar acordo envolvendo serviços sem que houvesse, por parte dos
países desenvolvidos, uma liberação na área agrícola, por exemplo?
São essas as questões que eu tinha a fazer. Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Tem a palavra o Sr.
Ministro.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Agradeço a V.Exa., Deputado
Francisco Dornelles, as perguntas a mim dirigidas.
De fato, sua explicação sobre o aspecto constitucional é perfeita. Neste
momento, a preocupação que nos tem movido em relação aos acordos, sobretudo
aos da ALCA, é justamente no sentido de preservar a possibilidade de que as
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compras governamentais sejam utilizadas para estimular a produção nacional.
Quanto à possibilidade de uma estatal automaticamente ser ou não considerada
parte da compra governamental, creio que isso está sob negociação, porque o País
poderia excluir tais empresas de sua oferta.
O SR. DEPUTADO FRANCISCO DORNELLES – Se uma estatal for
controlada em 100% pelo Estado ou se a participação for de 40% ou de 5%, a
situação é a mesma?
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Não tenho certeza absoluta quanto a
isso, mas creio que, teoricamente, é possível. O problema é que, uma vez admitido
que todas essas possibilidades estão sujeitas a negociação, cada exclusão feita tem
um preço negociador. A meu ver, o problema é que, quando o processo da ALCA foi
iniciado, expandiu-se a agenda negociadora e aceitou-se que todas essas
possibilidades fariam parte daquilo que, na língua inglesa, é chamado single
undertaken, ou seja, empreendimento único. Foi feito por um bom motivo, para que
a agricultura não ficasse de fora, mas estávamos nos amarrando a áreas delicadas
como essa. Então, tudo tem um certo preço.
Entendo que, mesmo antes, já não era intenção do Governo brasileiro incluir
em sua oferta a compra de empresas estatais, independentemente da composição
do capital. Mas é natural que, sendo feita uma exclusão, isso tenha um pequeno
preço. No momento em que a outra parte não quiser nos fazer determinada oferta
em uma área que nos interessa, isso será alegado em sua defesa. Eles dirão que
nós mesmos estamos excluindo áreas que lhes interessam.
Então, considero que é do nosso interesse tentar limitar essa oferta. De certa
maneira, estou começando a responder à segunda pergunta formulada por V.Exa.,
Deputado Francisco Dornelles. Repito: é do interesse do Brasil tentar fazer com que
o acordo da ALCA esteja, tanto quanto possível, limitado à área de bens. Creio que,
hoje em dia, isso já não é totalmente possível, a não ser que decidamos interromper
a negociação. É difícil conseguirmos limitar totalmente à área de bens. O que
podemos tentar é fazer com que, em outras áreas, as ofertas sejam de tal natureza
que não comprometam nenhum interesse maior de nosso País.
Por exemplo, inclusive no âmbito da OMC, há muito interesse na questão da
transparência das compras governamentais. Independentemente de, em alguns
casos, reservarmos 60% do mercado para a produção local, espera-se que tudo
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seja feito de maneira totalmente transparente, para que um eventual supridor
estrangeiro tenha acesso às informações — não estamos falando em garantia de
acesso a mercados — que lhe possibilitem, se for o caso, estar presente. Mas isso
não será fácil, porque decisões anteriores de Ministros que se pronunciaram na
ALCA foram no sentido de que as negociações sobre compras governamentais não
seriam apenas sobre acesso a mercados.
Então, primeiramente, o nosso trabalho é no sentido de convencer os nossos
parceiros do MERCOSUL. Em segundo lugar, nosso trabalho será o de convencer
os nossos parceiros maiores sobre a necessidade de nos limitarmos a esse aspecto.
Não sei se conseguiremos tal objetivo. Mais tarde, teremos de avaliar se o esforço
vale a pena.
Nossa dificuldade é prever todas as situações como compras governamentais
e serviços. Obviamente, poderíamos excluir as empresas estatais, mas pode surgir
uma outra situação que não foi excluída e que nos interessa. É essa a principal
razão para a cautela.
Voltando à pergunta sobre se é possível fazer um acordo somente sobre
bens, respondo que considero isso muito difícil. Honestamente, isso é muito difícil,
por causa dos parâmetros já aceitos. Com certeza, seria melhor para o nosso País
que o acordo envolvesse apenas os bens — quanto a isso não há a menor dúvida.
O que podemos fazer é tentar que as outras áreas sejam tão limitadas quanto
possível. Vamos fazer da mesma maneira que os Estados Unidos, que procuram
jogar para a OMC a questão dos subsídios agrícolas, por exemplo, porque na OMC
as forças se equilibram de maneira um pouco melhor do que na parte bilateral.
Com relação aos acordos de investimentos, eles foram retirados do
Congresso no final do Governo anterior para uma reavaliação. Ainda não há uma
posição do nosso Governo com relação a isso. O que temos tratado de fazer,
sobretudo este Governo, é que os acordos com a ALCA e a União Européia excluam
qualquer possibilidade de disputa entre investidor e Estado, o que a OMC já fazia.
Poderia haver disputa entre Estados se um deles achasse que alguma concessão
feita estivesse sendo retirada, mas não seriam acordos do tipo dos de garantia de
investimentos, que dão a investidores estrangeiros acesso a tribunais internacionais.
O entendimento está sendo mais por esse lado e no sentido da possibilidade de
garantir acesso a mercados e investimentos que já existam.
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A tendência é olhar dessa forma. No documento que vou distribuir há um
detalhamento mais técnico sobre essa questão. Especificamente sobre acordos
bilaterais, digo que estão em reexame.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Deputado
José Thomaz Nonô.
O SR. DEPUTADO JOSÉ THOMAZ NONÔ – Sr. Ministro, Sra. Presidenta,
em primeiro lugar, gostaria de registrar minha satisfação com o nível de excelência
sempre presente no Ministério das Relações Exteriores, hoje ratificado em gênero,
número e grau pelo Ministro Celso Amorim. Confesso que o brilho da exposição do
Ministro, sua franqueza, seu didatismo e as perguntas procedentes dos colegas que
nos antecederam de certa forma nos esclareceram acerca de algumas questões
específicas que gostaríamos de colocar.
Eu, particularmente, me sinto gratificado. A questão da ALCA, Sr. Ministro,
tem para nós uma dimensão curiosa, quase mítica. Na campanha eleitoral, a ALCA
fazia, digamos assim, em linguagem diplomática, uma lista de oferta negativa.
Quando cheguei a Quebrangulo — lugar bastante distante dos fóruns
nacionais e que só entra para a História do Brasil porque lá nasceu Graciliano
Ramos —, um jovem rurícola me perguntou, para condicionar o voto dele, se eu
votaria a favor ou contra a ALCA. Fiquei estupefato com esse fenômeno da
globalização! Na época se dizia com muita clareza que apoiar a ALCA era uma
atitude evidentemente impatriótica; discuti-la, uma heresia. Isso fez parte de um
marketing de campanha violento.
Vejo hoje, com bastante satisfação, que a ALCA é absolutamente absorvida
pelo Governo Lula, que, de forma competente, negocia posições confortáveis,
patrióticas, nacionais, se possível; se não prevalecentes, pelo menos igualitárias. E
isso é uma posição moderna, aberta. Só a maneira como isso foi discutido já me
gratifica. Já poderei voltar a Quebrangulo e dizer que o Governo Lula está junto da
ALCA, discutindo a ALCA de forma fraterna, democrática, consensual e diplomática,
como deve ser.
Esse primeiro ponto é fantástico! O quinto mundo vai observar o primeiro com
olhos vigilantes e atentos, fazendo revisão. Aliás, o revisionismo, se formos discutir
filosoficamente, é a tônica desses primeiros meses de novo Governo. Continuo
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conservador, com as mesmas posições anteriores, mas vejo com inegável satisfação
esse approach que o Governo Lula faz em relação a esses temas.
Há uma outra questão, Sra. Presidenta, Sr. Ministro, que me parece
importante e um avanço. A retirada dos acordos de investimentos é algo
fundamental. Durante anos, nesta Comissão e quando fui Presidente da Comissão
de Constituição e Justiça e de Redação, sempre defendemos a posição de que
esses acordos não são bons para o País porque instituem uma situação
discriminatória, com eleição de fóruns e processos de arbitragem no mínimo
discutíveis, e estabelecem uma relação de privilégio entre as partes, que não
operam para as mais de cem nações que estão excluídas desses acordos.
Sr. Ministro, tenha certeza de que V.Exa leva da maioria da Comissão uma
posição absolutamente favorável à revisão desses acordos. A maioria deles ficou,
digamos assim, imobilizada nesta Comissão durante anos exatamente por conta
dessa divergência filosófica, que não é só ideológica, mas é muito prática na
discussão desses temas.
A questão cubana é delicada. Sr. Ministro.
Voltamos há pouco do Chile. Eu presido a Democracia Cristã, do México até o
Chile, e lá houve uma reunião da Interparlamentar. Nós, no Brasil, não exercitamos
muito a diplomacia parlamentar, coisa que os europeus fazem com inegável talento
e os americanos repudiam frontalmente. Cada um de nós com suas vicissitudes e
seus problemas. Talvez, pelo fato de o Parlamento Europeu ser uma realidade
política onde se elegem representantes, onde se discutem, com a legitimidade do
voto, temas transnacionais com muito mais flexibilidade e clareza do que nos
parlamentos nacionais, eles estejam cem anos à frente. Pois bem. Presenciamos lá
um repúdio unânime à posição cubana.
Insisto, volto aqui à questão de Cuba. Faço parte do Grupo Parlamentar
Brasil/Cuba. Freqüentei aquele país desde a época do saudoso Ministro Zappa,
particular amigo e ícone do Itamaraty.
Essa atitude recente de Cuba foi repudiada por unanimidade. A explicação
dos Parlamentares cubanos — e a delegação cubana era presidida por um membro
do Comitê Central do Poder Popular, o equivalente ao Congresso cubano, ou
simulacro —, enfatizava a tônica de sua posição: tratava-se de um assunto interno e,
por isso, não cabia a interferência de ninguém. Argumentamos que, por essa via,
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também não poderíamos repudiar o embargo, porque ele vulnerava basicamente
sua única vítima, que era a própria Cuba. E mais, que nós acorremos sempre em
sua solidariedade.
Concordo com V.Exa. quando diz que o embargo é, paradoxalmente, o
grande mantenedor do estado de imobilização institucional em Cuba, porque é um
leitmotiv, é uma bandeira permanente, um discurso eterno e uma situação
absolutamente injusta, desumana, desigual, sem qualquer tipo de respaldo; uma
tortura que se faz contra todo um país, sem falar nos Helms-Burton da vida e outras
coisas semelhantes. Mas isso não justifica a barbárie.
Associo-me aqui, Sr. Ministro, àqueles que acham que a posição brasileira foi,
digamos assim, tímida. E aqui me permito uma pergunta maldosa da Oposição —
faço questão de dizer. Não haveria nenhuma correlação dialética entre essa posição
brasileira e a bandeira branca aludida pelos jornais de hoje ao discurso moderno do
Ministro John Snow, Secretário de Tesouro norte-americano, bastante distinto do
discurso de 30 dias atrás? Não estará o Brasil fazendo pequenas concessões
diplomáticas para obter, talvez, ganhos em outro foro de negociação? Não tenho
idéia clara sobre isso, mas gostaria, evidentemente, de ouvir uma reposta de V.Exa.
nessa linha, Sr. Ministro.
A terceira questão é a seguinte. O Brasil, durante muito tempo, embora o ex-
Presidente Fernando Henrique Cardoso negasse peremptoriamente, postulou,
ansiou, negociou, operou de forma a obter um lugar definitivo no Conselho de
Segurança das Nações Unidas.
A questão do Iraque — e foi outro assunto discutido com muita ênfase por
Parlamentares no mundo inteiro — fragilizou todo e qualquer organismo
internacional, especial e especificamente a ONU e, dentro da ONU, o Conselho de
Segurança, que foi reduzido a uma comissão de frente de escola de samba.
Perdoem-me o argumento canhestro. Fez barulho, desfilou e foi solenemente
ignorado pelo país agressor.
Pergunto a V.Exa., Sr. Ministro: valerá a pena continuar batalhando por um
lugar no Conselho de Segurança? Alguns advogam nos fóruns internacionais a
necessidade de ele ser ampliado, com a inclusão de potências emergentes, que não
as grandes, como Índia, Brasil, líderes de blocos continentais. Mas valerá a pena? O
Governo brasileiro fará tratativas no sentido de ainda postular um assento nesse
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Conselho? E, desdobrando a pergunta, qual será a posição — e está pergunta está
sendo feita para que V.Exa. se reconcilie comigo — que o Brasil assumirá para
colaborar pela reabilitação desse Conselho tão duramente vulnerável?
Quem tem alguma experiência na área internacional sabe, com absoluta
clareza, a respeito, por exemplo, das leis humanitárias. Trabalhei durante quatro
anos em Genebra, acertando com o Crescente Vermelho e com o Comitê
Internacional da Cruz Vermelha ações humanitárias e ações de respeito ao Direito
Internacional Humanitário. É fundamental manter o foro, é fundamental ter onde
negociar e onde se discutir.
O conflito no Iraque abre a perspectiva sombria de outras intervenções
similares. A questão da Síria foi uma exibição de músculos, sem dúvida alguma. E
amanhã, talvez, numa visão delirante, por que não invadir a Amazônia para garantir
a liberdade do ar que se respira, que é muito produzido no Brasil, e é o que fazemos
com muita propriedade?!
Assim, é necessário reativar o foro, é necessário mantê-lo, é necessário que
um país como o Brasil dê sua parcela de colaboração. Mas gostaria de saber qual a
estratégia e qual a contribuição brasileira nessa matéria.
Sr. Ministro, reitero meu encanto com a exposição de V.Exa., feita com muita
clareza, didatismo e — permita-me consideração de natureza pessoal — de maneira
pragmática, utilizando-se de linguajar pouco comum aos diplomatas, qual seja, o de
muito tato e cuidado nas respostas. Creio que V.Exa. foi franco e prático, e é o que
queremos para estreitar este relacionamento.
A Presidenta Zulaiê Cobra trará V.Exa. outras vezes à Comissão para que
secunde o brilho que teve na sessão de hoje. Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Sr.
Ministro.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Muito obrigado, Deputado, pelas
palavras de V.Exa.
Com relação à importância dos pronunciamentos dos Parlamentares, recordo
que, na linha das preocupações de V.Exa., o Presidente Lula tem proposto um
Parlamento do MERCOSUL, eleito por voto direto eventualmente, quer dizer, no final
do processo. Essa possibilidade já existe, mas vai na linha do reforço da
possibilidade de manifestação sobre temas internacionais.
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Concordo com sua análise de que a ação da maior potência, da maneira que
ocorreu, sem dúvida alguma fragilizou um pouco as Nações Unidas. Mas eu não
concordaria com as freqüentes qualificações de que as Nações Unidas foram
desmoralizadas. Acho que não o foram porque elas tentaram cumprir seu papel. Se
você tem um sócio de um clube que não respeita suas regras, você não pode dizer
que o clube foi desmoralizado. Creio que o clube ficou onde devia. Mas não há
dúvida de que, se há um instrumento multilateral que não é acatado, pelo menos
segundo a interpretação da maioria — compreendo que os Estados Unidos têm uma
interpretação diferente disso, assim como o Reino Unido —, se há normas que não
são acatadas pelos parceiros mais poderosos, isso é motivo de preocupação.
Qualquer diplomacia no mundo hoje tem de se preocupar com isso.
Estamos vivendo um momento muito peculiar. É a primeira vez, em termos de
fato, desde que o mundo de Estados-Nação se conhece como mundo — não me
refiro ao mundo dos impérios declarados, que era outro mundo —, que houve tal
desequilíbrio de poder. Essa é uma realidade que já existia antes da noção de
guerra preventiva, ou melhor, de legítima defesa preventiva, expressão surgida
recentemente. Então, repito, essa preocupação já existia.
Vivi na ONU e, de certa maneira, sentia ser necessário algum tipo de nova
barganha entre os Estados Unidos, que são, de longe, a maior potência. Atualmente,
o aumento anual no gasto com o setor militar dos Estados Unidos é maior do que o
gasto total de qualquer de seus aliados da OTAN. Então, evidentemente esse é um
desequilíbrio de poder que nunca existiu. E como se consegue, dentro dessa
situação, algum tipo de equilíbrio?
V.Exa. perguntou sobre a estratégia. Acho que, em parte, tentando reforçar o
lado normativo, pode ter havido agora um afastamento — e sem dúvida houve, pelo
menos dentro do nosso entendimento — das normas das Nações Unidas. Mas é
nossa convicção, talvez um pouco ingênua, de que, a médio prazo, os próprios
Estados Unidos vão descobrir que é do seu interesse reforçar o sistema multilateral.
O que falamos em relação a isso é um pouco o comentário que se pode fazer
da democracia ou de outros sistemas no plano interno. A democracia é mais lenta e
exige que sejam ouvidas opiniões contrárias, opiniões divergentes. Mas as decisões
tomadas democraticamente são as mais duradouras, as mais perenes dentro de um
país. O mesmo ocorre no plano multilateral. Creio que as atitudes que têm endosso
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multilateral possuem uma legitimidade que as garante por muito mais tempo. As
outras geram ressentimentos, dúvidas. E tenho a impressão de que os Estados
Unidos também acabarão vendo as coisas dessa forma.
E como se faz isso? Acho que isso é um trabalho diário; não existe receita. É
um trabalho diário de convencimento de que esse tipo de situação em que o
organismo multilateral se manifesta é o melhor para todos, mais conducente à paz;
não gera reações, não gera possivelmente outros atos terroristas e outros
inconformismos, a que já assistimos nos dias de hoje, assim como manifestações
que podem conduzir a certo fundamentalismo. Isso é muito importante. Dentro desse
contexto, encontra-se a questão da reforma do Conselho de Segurança.
Queria dizer, mais uma vez, que a reforma do Conselho de Segurança pode
até ser também uma aspiração brasileira, porque o Brasil é um país grande,
legítimo, e acredita que possa contribuir. O Brasil é um país de história pacífica, um
país que não teve uma guerra nos últimos 130 anos, a não ser na 2ª Guerra
Mundial, à qual acorremos para contribuir para a democracia. Então, há uma série
de fatores, além da questão do tamanho da economia e do território, que fazem com
que possamos ter essa aspiração legitimamente. Mas, independentemente dessa
aspiração, essa é uma necessidade do próprio sistema das Nações Unidas. Não foi
o caso, pois agora aconteceu por outros motivos. Mas não se pode amanhã dizer
que certas decisões do Conselho de Segurança não são legítimas ou não têm força
por não possuir representatividade.
Portanto, há uma necessidade não apenas do Brasil ou da Índia, mas mesmo
das Nações Unidas de que ela se reforme para incluir os países que hoje mais
representam a realidade internacional, entre eles o Brasil. Esse é um tema que não
sairá da agenda até ser resolvido. Tenho certeza disso. Não sei quanto tempo vai
levar. Pode levar um, dois, três anos.
Acho que a crise do Iraque atualiza, de certa maneira, a discussão do tema, o
que já está sendo percebido em Nova Iorque, sem que o Brasil tenha pedido. Às
vezes, introduzimos o tema de maneira genérica, e eles são específicos em relação
ao Brasil. Isso ocorreu recentemente tanto nas minhas conversas com o Ministro
francês Dominique de Villepin quanto nas conversas com o Presidente do Peru,
Alejandro Toledo, e em outros casos que não vou citar para não me prolongar. Mas
é um tema atual. Agora, quanto a quando vai ocorrer e de que forma, creio que não
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devemos ter a preocupação de gastar capital diplomático com isso. Isso é natural,
mas desde que estejamos sempre colocando sobre a mesa o tema da necessidade
da reforma, da legitimidade do Conselho. É o que temos feito.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Deputado
Augusto Nardes.
O SR. DEPUTADO AUGUSTO NARDES – Sr. Ministro, há muito tempo
defendemos nesta Casa a questão dos adidos agrícolas, mas não conseguimos
avançar. Tive a oportunidade de morar quatro anos em Genebra e acompanhar, na
Delegação Permanente do Brasil, a timidez do nosso País em relação à questão
econômica, especialmente no que diz respeito à venda dos nossos produtos no
exterior. Pude constatar também, quando Presidente da Assembléia — e também
estive em Pequim —, que não temos pessoas especializadas nos principais postos
para que possamos vender nossos produtos. Estamos aí com uma supersafra, e a
tendência é aumentar, mas não temos gente especializada no Itamaraty que sejam
capazes de vender nossos produtos ou que, pelo menos, possam abrir as portas
para isso.
Há, portanto, uma timidez muito grande em relação a isso. Senti isso numa
viagem que fizemos aos Estados Unidos, há alguns anos, pela Câmara dos
Deputados. Há pessoas dentro da diplomacia norte-americana que conhecem muito
mais a nossa situação econômica e os nossos principais produtos do que os nossos
próprios diplomatas.
Há oito anos, estamos tentando, por intermédio da Comissão de Agricultura e
Política Rural, da qual eu fazia parte, convencer o Itamaraty de que temos adidos
agrícolas nos pontos mais importantes para vender os nossos produtos. Gostaria de
saber se há condições de avançarmos. Não sabemos onde colocar essa esplêndida
safra se não conseguirmos exportá-la.
Eu participei da Rodada do Milênio, em 2000, em Seattle, nos Estados
Unidos, e percebi que poderíamos avançar muito mais em relação a picos tarifários,
a subsídios no âmbito da OMC. O Grupo de Cairns, que está enfraquecendo,
segundo as últimas informações, poderia estar dentro da OMC abrindo espaço para
derrubarmos as barreiras e as dificuldades que temos internacionalmente. Qual a
situação do Brasil em relação a isso?
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Gostaria de saber também a visão de V.Exa. com relação ao avanço da
biotecnologia no MERCOSUL. Como competiremos com a Argentina e, futuramente,
com a ALCA, se somos proibidos de avançar na questão da biotecnologia? Como
competir em termos internacionais? Qual o nível de competitividade do Brasil?
Dirijo esse questionamento não somente ao Sr. Ministro, mas sobretudo aos
Parlamentares, porque teremos de examinar medida provisória que limita o avanço
da biotecnologia no Brasil, uma questão extremamente complexa em relação ao
MERCOSUL.
Sr. Ministro, já que V.Exa. falou das FARC, quero fazer outra pergunta. Já foi
comprovado, segundo noticiam vários jornais brasileiros, que houve uma aliança,
recentemente, entre o bandido Fernandinho Beira-Mar e as FARC. Como V.Exa.
encara o fato de as FARC, consideradas uma das principais articulações
revolucionárias da América Latina, utilizarem o narcotráfico como ponto básico para
manter as suas forças armadas e de guerrilha em atividade permanente? Há um
diálogo do nosso Governo com guerrilheiros, mesmo comprovada essa aliança com
o narcotráfico?!
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Sr.
Ministro Celso Amorim.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Responderei, primeiro, à última
pergunta. Que eu saiba, não há nenhum diálogo do nosso Governo com as FARC.
Eu concordo plenamente: temos de nos preocupar com a prática do terrorismo.
Aproveito para mencionar que sugerimos ao Presidente da Colômbia, Álvaro Uribe,
que leve ao Conselho de Segurança das Nações Unidas a idéia de um embargo de
armas não só contra as FARC, mas contra todas as organizações de extrema direita,
a exemplo dos paramilitares, que também assassinam, traficam drogas — isso a
imprensa muitas vezes não divulga. Existem as FARC e a ALN, na esquerda, e os
paramilitares, na direita.
Não sugerimos isso antes, porque o assunto nunca foi levado ao Conselho de
Segurança. Os países, de modo geral, não permitem que seus problemas internos
cheguem a esse Conselho, porque, na prática, ele é muito invasivo. Mas, como a
Colômbia levou o tema das FARC ao Conselho de Segurança, nós sugerimos ao
Presidente Uribe que, talvez, uma maneira de lidar com o problema específico —
sem entrar em questões de ordem semântica — fosse criar embargo de armas a
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todos os movimentos armados ilegais na Colômbia, e que o embargo talvez pudesse
se estender à lavagem de dinheiro e a outras questões correlatas. Isso já foi feito
outras vezes, não é novidade.
Por exemplo, a UNITA, da Angola, nunca chegou a ser classificada como
movimento terrorista, porque pretendia preservar a possibilidade de diálogo no final.
Mas isso não impediu o embargo da ONU a armas e ao comércio de diamantes mais
tarde. É difícil implementar tudo isso, da mesma forma que combater o crime, mas
foi realizado. De certa maneira, essa medida tira a legitimidade, reduz o espaço e
força um pouco esses movimentos a procurarem a via da negociação, que é o que
desejamos. O Brasil quer ajudar sem entrar na discussão semântica, que, para mim,
não tem sentido e não é produtiva.
Fui Embaixador em Genebra e sou obrigado a não concordar com V.Exa.
quando diz que o Brasil tem uma atuação tímida. Eu concordo que o Brasil precisa
ter mais conhecimento técnico em algumas questões. Mas sempre defendi que isso
não depende de nós, sempre defendi que a Confederação Rural Brasileira e o
Ministério da Agricultura mande pessoas por mais tempo. Criação de adidos é outra
coisa. Toda a experiência que temos com a criação de adidos no passado resultou
na transformação em cabide de emprego. E isso, vou ser franco, é algo dificílimo de
evitar. Dizem que a idéia não é essa, mas a realidade acaba sendo. Isso torna as
pessoas permanentes...
(Não Identificado) – E concurso?
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Talvez fosse melhor exigir no concurso
para diplomata ou para oficial de chancelaria conhecimento em agricultura. Sempre
defendi que as pessoas que trabalham em embaixadas têm de se atualizar. Uma
pessoa que é adido há mais de dez anos também se desatualiza. Fui chefe da
delegação de Genebra por duas vezes. O que preciso é que pessoas que entendam
do assunto fiquem fora por longos períodos durante a negociação. Mas não
concordo que há timidez política.
Mais de uma vez, o Brasil ameaçou virar a mesa em agricultura ao arrepio
dos Estados Unidos e de outros membros do Grupo de Cairns. Nós somos um dos
países mais fortes. O Canadá, por exemplo, tem dúvidas. O Brasil é extremamente
afirmativo nessa área. Seria importante pessoas prestarem auxílio às embaixadas.
No Brasil há poucos diplomatas.
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O que o Itamaraty faz muitas vezes não tem preço, como, por exemplo, eleger
a primeira juíza para o Tribunal Penal Internacional, contribuir para a pacificação na
Venezuela, ser a favor da paz. Isso não tem preço, mas tem um custo, que é de
pessoal. O Itamaraty talvez seja, comparativamente a outros países, o menos
aparelhado em termos de pessoal. Hoje, temos cerca de 12% a 15% da nossa
mão-de-obra em Brasília emprestada para outros Ministérios. Há, realmente,
carência de mão-de-obra. O Governo Lula terá de enfrentar essa realidade.
Para mim, diplomatas brasileiros têm de estagiar na FIESP, na Confederação
Rural Brasileira ou na Confederação Nacional da Agricultura, e tem de haver
pessoas desses órgãos ou de setores privados passando temporadas mais longas
em Genebra, no caso de negociações. Tem de haver também uma integração maior,
sem necessariamente a figura do adido. Caso contrário, haverá o adido financeiro, o
adido econômico, o adido comercial, o adido cultural, o adido de informação, o adido
de imprensa. Infelizmente, os cofres do Itamaraty não têm condições de abarcar
isso, nem os cofres da União.
Nós continuamos lutando pela abolição dos picos tarifários. Mas há,
efetivamente, divisões dentro do Grupo de Cairns. Países desenvolvidos, a exemplo
do Canadá, e em desenvolvimento, como a Indonésia, para citar dois exemplos
opostos, não se associam a alguns projetos nossos. No caso de negociações da
OMC, nós dependemos de uma aliança com os Estados Unidos, que é paradoxal,
porque eles praticam muitos subsídios.
Sobre a questão da biotecnologia, confesso minha ignorância e vou me valer
dela para não dar uma resposta definitiva. Sei que há dois tipos de argumento: o do
aumento da produtividade e o dos nichos de mercado. No entanto, como leigo,
confesso não ter condições de pronunciar-me sobre o tema. O Itamaraty poderá
aprofundar-se nele para responder futuramente.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Tem a palavra a nobre
Deputada Luciana Genro.
A SRA. DEPUTADA LUCIANA GENRO – O Sr. Ministro nos brinda com
explicações e questões muito importantes.
Primeiro, fico satisfeita em saber da preocupação do Itamaraty e do Governo
brasileiro em escutar a sociedade brasileira sobre o tema ALCA. Trata-se de
preocupação extremamente importante, mesmo porque, como as negociações são
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praticamente secretas, muito pouco se sabe a respeito do que vem sendo discutido
ali. Têm sido feitas comparações com o NAFTA.
Nós tivemos no Brasil — e provavelmente por isso o menino mencionado pelo
Deputado José Thomaz Nonô o questionou a respeito da ALCA — uma grande
campanha realizada pelos movimentos sociais, entre eles a igreja, em que 10
milhões de brasileiros votaram, em plebiscito, a favor do Brasil fora da ALCA.
Evidentemente, não foi um plebiscito oficial. Por isso, está-se formando na Câmara
dos Deputados uma frente parlamentar contra a ALCA, que busca encontrar um
texto para apresentar um projeto de lei que possa propiciar esse plebiscito no Brasil,
dada a relevância do tema.
Sr. Ministro, V.Exa. tocou num ponto relativo à ALCA que considero essencial.
Trata-se do fato de que está em jogo não apenas a questão tarifária, embora essa
seja a mais amplamente debatida, até porque as preocupações dos exportadores
têm prevalecido nesse debate sobre a ALCA, mas a da capacidade regulatória do
Estado, que, na verdade, como V.Exa. disse, coloca em jogo a própria soberania do
País. Se o País perde a capacidade regulatória sobre questões importantes,
evidentemente está tendo sua soberania afetada. As comparações que têm sido
feitas entre a ALCA e o NAFTA mostram a possibilidade de se atingir de forma brutal
a soberania nacional a partir da implantação da ALCA.
É muito lembrado o exemplo do que ocorreu entre os Governos
norte-americano e canadense. O Governo canadense proibiu um aditivo à gasolina
denominado MMT, mas as empresas norte-americanas que atuam no setor
questionaram a proibição, recorrendo a uma espécie de tribunal supranacional
formado pelo NAFTA. Além de conseguirem ganhar a ação, impedindo que o
Governo canadense mantivesse a proibição, foram indenizados devido aos lucros
cessantes no período em que a proibição esteve valendo.
Esse tipo de questão também está em debate na ALCA. Essencialmente
quando atingir a capacidade do Estado de regular e estabelecer normas e leis que
possam prejudicar os interesses de grandes empresas, inclusive multinacionais.
Como essa questão é sempre citada, seria importante que V.Exa. nos confirmasse
se ela está sendo negociada ou não na ALCA.
Sobre os debates a respeito do tratamento a empresas nacionais e
estrangeiras, há notícia de que o Brasil teria apresentado junto à OMC proposta de
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tratamento igualitário para empresas estrangeiras e nacionais nas negociações
comerciais, o que ocorreu no ano passado, no Governo anterior, e também de
abertura total para empresas estrangeiras em áreas de telecomunicações e
postagens, inclusive proibindo monopólios estatais. Pediria que V.Exa. confirmasse
se essas propostas foram apresentadas.
Como o debate tem se centrado mais nas questões tarifárias, cria-se a
expectativa de que, caso os Estados Unidos diminuam subsídios e barreiras
tarifárias, a ALCA seja um negócio lucrativo para o Brasil. Jornais noticiam que o
Governo norte-americano estaria disposto a abrir mão de subsídios e tarifas para
proporcionar a ALCA. Minha preocupação é justamente essa, porque, como bem
disse V.Exa., a questão não é apenas tarifária. Vamos acabar fazendo negociações
e mais negociações e no final da linha teremos de aceitar aquilo que foi negociado
no acordo. Preocupa-me o fato de o Brasil fazer algum tipo de concessão no marco
das tarifas dos subsídios em favor do Governo norte-americano.
V.Exa. disse que não se pode negociar indefinidamente, porque se caminha
para um processo irreversível cujo preço será bastante alto. Pergunto-lhe: qual o
limite do Governo brasileiro nessas negociações? A ALCA, da forma como vem
sendo discutida, não nos interessa. Interessa apenas ao Governo e às empresas
multinacionais norte-americanas. Nesse sentido, o que o Governo brasileiro pensa
em fazer para tornar a ALCA aceitável?
Milhões de brasileiros manifestaram-se contrários à ALCA. Ela é nefasta aos
interesses nacionais e atinge nossa soberania. Quando este Governo dará um basta
nisso tudo e se retirará das negociações?
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Sr.
Ministro Celso Amorim.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Deputada Luciana Genro, não sei se
tenho a resposta específica para a última pergunta de V.Exa. Trata-se de
preocupação também nossa. O que lhe posso dizer é que sairemos disso na medida
do possível. Em todo processo de negociação internacional há de separar as coisas.
As pessoas se manifestam contrárias ou favoráveis à ALCA como se ela estivesse
pronta, mas não está. Dependerá de como seremos capazes de negociá-la. A
situação é diferente no caso da OMC. Se um país qualquer pretende entrar para a
OMC, sabe antecipadamente quais são os seus preceitos. Para entrar para a OMC
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basta pagar uma jóia e respeitar suas regras. A OMC está pronta, já existe. A ALCA
existe apenas como proposta.
Tenho tentado tirar várias dúvidas sobre esses aspectos. Cheguei a oferecer
uma visão maior, sem entrar no mérito sobre se isso fazia parte do processo. A
ALCA, por exemplo, não faz parte do processo, porque a sigla Área de Livre
Comércio das Américas representa algo muito simples. Para que ela seja
reconhecida na OMC, do ponto de vista jurídico, tem de haver uma previsão de livre
comércio que englobe a grande maioria dos bens negociados. Fora isso, tudo o mais
é passível de negociação entre os membros. Em muitas áreas sensíveis para o
Brasil, como as que a Deputada mencionou, poderá haver uma ambição muito
grande. Em certas áreas foram um pouco longe demais, mas gostaria de reverter
isso. No caso casos dos investimentos, houve manifestação ministerial a favor das
chamadas listas negativas. No Brasil, seria conveniente trabalharmos mais com as
listas positivas. Em relação a serviços, deveríamos ficar limitados a alguns setores e
preservar a capacidade de regulamentação. No caso do GATS, que é acordo da
OMC, a capacidade de regulamentação doméstica é prevista como exceção
genérica. A maneira de negociar pode acabar levando, sem querer, num caso
concreto, a uma abdicação.
É preciso todo o cuidado, mas não há necessariamente uma
incompatibilidade em negociar a oferta que o Brasil pretende fazer na OMC, limitada
a determinados setores, conforme noticiado na imprensa. Em tudo que se negociar,
inclusive na tarifa, está-se renunciando a um direito soberano. Se o Brasil concordar
com uma tarifa máxima de 35% para bens manufaturados, estará a rigor reduzindo
sua soberania. Se amanhã o Congresso votar uma elevação da tarifa para 70%,
vamos ter problema internacional.
Toda negociação internacional envolve algum tipo de problema. Queremos
evitar que os setores sensíveis, nos quais a regulamentação do Estado é
fundamental — educação, saúde, comunicações e mesmo o setor financeiro —,
sofram algum dano. Estamos sendo extremamente cuidadosos com esses setores.
Por isso, as ofertas estão sendo muito limitadas.
Se V.Exa. perguntar se com essas ofertas limitadas os nossos parceiros
continuarão ou não interessados em negociar, não sei. Vamos ver o que acontece.
O Governo brasileiro não precisa, de modo algum, sair das negociações da ALCA.
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Deve colocar o que deseja e o que não deseja — e vamos ver se os nossos
parceiros concordam com isso.
Combinei, a princípio, uma conversa informal, mas que já se estendeu. Isso já
foi tão noticiado pela imprensa que hoje em dia virou reunião formal, talvez até
atrapalhe nossos planos.
De qualquer maneira, combinei uma conversa com o representante comercial
americano, Embaixador Zoellick, para o final de maio. Na ocasião, avaliaremos a
questão em profundidade. O Ministro Antonio Palocci está disposto a examinar todas
as possibilidades. Vamos dizer ao embaixador que apenas aceitaremos o que for
bom para nós. Toda negociação é uma via de duas mãos. O Brasil sabe que não
pode ignorar o mercado americano totalmente. Não seria honesto da minha parte se
dissesse que vamos preservar apenas os nossos interesses. Se hoje a participação
do Brasil no mercado americano é pequena — 2%, 1% —, amanhã poderá ser
reduzida, chegar a 0,75%, e podemos deixar de exportar itens importantes na área
de têxteis, etc., tudo porque o País não participou de uma negociação.
Os negociadores brasileiros têm de ter a consciência tranqüila, sem ferir
nenhum interesse fundamental deste País, e explorar as capacidades de negociação
até o fim. Essa variação terá de ser feita pela sociedade brasileira a cada momento.
Colocamos, por isso, nossa oferta na Internet. Quem estiver interessado em saber
mais detalhes, basta acessá-la.
Estamos dispostos a debater o assunto quantas vezes for necessário, mas
não vamos privilegiar exclusivamente o setor empresarial, apesar de ele ser
importante porque conhece as sensibilidades específicas de produtos, sobretudo na
área tarifária. Debateremos a questão com outras pessoas, com os sindicatos.
Discussões que envolvem grande número de pessoas acabam não sendo
proveitosas, pois não conseguimos chegar a uma conclusão.
É dentro desse espírito que temos trabalhado. O Presidente Lula expressou
uma preocupação muito forte com a negociação da ALCA. O que virá a ser a ALCA?
Dependerá um pouco da nossa capacidade de negociar, da nossa firmeza. Não
podemos nos deixar iludir com um canto fácil de sereia. Os negociadores dizem que
está tudo sobre a mesa. Isso não nos interessa. Temos de ver a conclusão. Se
houver uma segunda oferta norte-americana, quero saber agora. Quero saber já se
os produtos agrícolas do nosso interesse vão entrar na negociação de maneira
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significativa. Não podemos deixar para saber essas coisas importantes no final.
Pode ser tarde.
É, portanto, importante debatermos permanentemente com a sociedade tema
tão significativo. Todos têm de confiar em nossa capacidade de negociação. Não sei
se as negociações até agora eram secretas ou não. Não quero julgar o que houve
no passado, mas de hoje em diante seria importante que houvesse confiança entre a
sociedade civil e os negociadores. Qualquer país tem responsabilidade
constitucional na política externa e uma liderança a manter.
O SR. PRESIDENTA (Deputado Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Sr.
Deputado Alberto Goldman.
O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN – Sra. Presidenta, Srs.
Deputados, em função do tempo de que disponho, serei muito rápido.
Conheço o Ministro Celso Amorim desde as negociações da Comissão de
Propriedade Intelectual, quando S.Exa. estava comandando a delegação brasileira
em Genebra. Estivemos lá na Rodada do Uruguai, do TRIPs etc.
O trabalho foi muito bem feito. Pudemos avançar nas negociações. Os
defeitos talvez tenham sido deste Congresso Nacional, que aprovou algumas
questões, no âmbito do Senado Federal, com as quais não fiquei satisfeito. Está em
tramitação projeto de lei de minha autoria, do qual o ex-Presidente Fernando
Henrique Cardoso e o Ministério da Saúde eram a favor, mas ao qual o Ministério
das Relações Exteriores era contra. Vamos discutir esse assunto em outra ocasião,
porque agora não temos mais tempo.
A posição do Ministro é bem clara, inclusive dá-nos respostas bem realistas
em relação à ALCA.
O Embaixador Celso Amorim é o único Ministro que conheço que ocuparia o
mesmo cargo em dois Governos, tanto no de Lula, como no de José Serra. S.Exa. é
muito competente.
A ALCA está bem posta na balança. O resultado que vamos ter nas
negociações para aceitação da ALCA vai depender do ônus e do bônus que vamos
ter. Evidentemente, vamos ter de conquistar alguns elementos. Temos de ter um
resultado positivo. O resultado final desse ônus e desse bônus tem de ser positivo
para o País. Esse elemento vai nos dizer se devemos aderir definitivamente à ALCA.
É assinar ou não. Podemos, em algum momento, retirar-nos.
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Pergunto: é mais fácil negociar questões agrícolas com os Estados Unidos do
que com a Europa? O Governo Lula, no começo, estava muito entusiasmado com a
Europa, especificamente com a França, considerada modelo para o Brasil. Parece
que essa impressão já se dissipou. É mais difícil negociar produtos agrícolas com a
França do que com os Estados Unidos. Qual a opinião do Ministro?
Temos na estrutura dos Ministérios uma Assessoria Internacional do
Presidente, com o Dr. Marco Aurélio à frente. Pergunto: ela é necessária? Para que
serve? Afinal já temos um Ministro competente e experiente para tratar de questões
internacionais. O Itamaraty não é a assessoria internacional do Presidente? Ou será
que o Dr. Marco Aurélio é apenas um assessor internacional do PT?
Sr. Ministro, como seria visto pelo Itamaraty e talvez pelo Governo cubano o
fato de a Comissão de Relações Exteriores ir a Cuba para acompanhar o que
aconteceu lá?
O Deputado Paulo Delgado defendeu no plenário a posição adotada pelo
Governo de Cuba. Disse S.Exa. que aquela nação cumpriu a Lei de Execuções
Penais, votada democraticamente. Gostaria de saber mais sobre o assunto.
Digo, até com muita emoção, que fomos, em 1980, a primeira delegação que
rompeu com o bloqueio a Cuba. Isso na época em que carimbavam em nossos
passaportes que era proibido ir a Cuba e aos países socialistas. Fomos a Cuba via
Peru. Não sabíamos se voltaríamos. Não tínhamos absoluta certeza sobre se
permaneceríamos ou não com o mandato. Era um momento ainda muito delicado,
embora já fosse de início de abertura.
Impressionamo-nos com o enorme avanço na área social em Cuba. Contudo,
as relações democráticas da sociedade cubana sempre nos preocuparam, ainda
mais neste momento.
Como seria visto o fato de a Comissão de Relações Exteriores ir a Cuba para
acompanhar as condenações lá ocorridas?
Costumamos discutimos com o Ministro das Relações Exteriores muito mais
comércio exterior do que relações exteriores propriamente ditas. Não seria o
momento de repensarmos a estrutura dos Ministérios? Não seria o caso de o
Ministério das Relações Exteriores ser também de comércio exterior? O comércio
exterior está hoje no Ministério do Desenvolvimento, se não me engano. Seria esse
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o local adequado? V.Exa. poderia propor ao Presidente Lula que englobasse
também o comércio no seu Ministério. Não seria oportuno?
A SRA. PRESIDENTE (Deputada Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Ministro
Celso Amorim.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Obrigado, Deputado Alberto Goldman.
Efetivamente, há muito tempo, temos trabalhado juntos e logramos, dentro do
contexto, alguns bons resultados, mesmo naquela época. Muita gente não acreditou
que conseguimos colocar termos de ambigüidade dentro do acordo de TRIPs.
Muitos diziam que a discussão de nada valeria, porque as interpretações
sempre favoreceriam as grandes potências. Os Estados Unidos tentaram levar a Lei
de Patentes brasileira sobre medicamentos à OMC, mas acabaram desistindo,
porque não tinham certeza de que iriam ganhar, porque não possuíam um caso
líquido e certo, e havia a opinião pública contra eles. Acho que isso se deve um
pouco ao trabalho que fizemos juntos naquela época em defesa de interesses
brasileiros.
Quanto à ida da Comissão de Relações Exteriores a Cuba, a política que
defendo em relação não apenas àquele país, mas aos outros, é aquilo que nos
Estados Unidos, na administração anterior, se costumava chamar de engajamento
construtivo. Tal política é muito mais rentável do que a de condenações e de
isolamento, por isso ela tem de ser constituída de maneira equilibrada. Não pode ser
percebida apenas como uma comissão de investigação, mas de efetivo diálogo.
Vejo-a, nesse sentido, de maneira positiva. Com esse espírito, encaro a
necessidade de continuarmos a trabalhar com um país irmão, que sofreu um
isolamento muito grande, apesar de ter uns procedimentos com os quais não
concordamos. Essa linha do engajamento construtivo é muito mais positiva e pode
trazer muito mais resultados do que uma linha meramente de isolamento, que
reforce um aspecto de psicologia de cerco, que correta ou incorretamente é a que
prevalece hoje em Cuba e que leva o país a adotar certas atitudes ou contribui para
a adoção de posturas que condenamos.
Coincidentemente, em 1980, embora estivesse no Executivo, na Presidência
da EMBRAFILME, consegui a duras penas permissão para que os filmes brasileiros
pudessem participar oficialmente do Festival de Cinema de Havana. Antes, eles
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faziam um trajeto estranho. Tinham de ser vendidos para o Panamá e de lá eram
vendidos a Cuba.
A estrutura dos Ministérios é algo delicado. Do ponto de vista prático, a
coordenação das negociações compete ao Itamaraty. A competência normativa
pode até ser meio dividida, mas a competência efetiva para negociar está no
Itamaraty, a menos que se queira dividir totalmente isso — o que seria, a meu ver,
um erro.
Alguém mencionou nesta reunião — e com razão — que os temas políticos e
comerciais se misturam muito. Em relação ao que está ocorrendo com o acordo
comercial com o Chile, minha convicção é a de que ele vai acabar passando, mas a
simples ameaça já demonstra que não podemos ficar desatentos aos aspectos
políticos quando negociamos acordos comerciais. Isso tem de estar presente nas
nossas considerações. Mais importante do que lutarmos por um nome é mantermos
a prática de que efetivamente o comando das negociações comerciais está no
Itamaraty.
A última pergunta — as outras, data venia, eu não vou comentar, se o
Deputado me permitir — diz respeito diretamente à nossa atuação em relação aos
Estados Unidos, à França, à Europa. Do ponto de vista de política internacional
global, a França tem posições que se aproximam das brasileiras. Não estou falando
de coisas específicas, mas a França é um país que defende o Conselho de
Segurança — quer reforçá-lo — e a multipolaridade em termos globais. Temos de
contribuir para recriar essa multipolaridade. Isso não é fácil, porque, como disse
antes, no domínio dos fatos, há uma distância muito grande. Temos de, no domínio
das leis, do Direito, tentar contrabalançar um pouco esse desequilíbrio que existe
nos fatos. E a França, nesse ponto, é um aliada. Não é por acaso que ela, quase
voluntariamente, mencionou o apoio do Brasil ao Ministro Villepin.
Divergimos profundamente das políticas agrícolas francesas. Em nossa
opinião eles estão perdendo tempo. Deveriam transformar o desejo da
multipolaridade em coisa mais prática, facilitando a negociação do MERCOSUL com
a União Européia.
Quem é nosso parceiro mais fácil? Os Estados Unidos ou a União Européia?
Não vejo diferença. No âmbito da OMC, os Estados Unidos aproximam-se mais da
nossa posição. O que eles usam para justificar seus próprios subsídios é a
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existência dos subsídios europeus, em parte. Agora, no âmbito da ALCA, eles são
tão difíceis quanto os europeus. Não há nenhuma diferença nesse aspecto. Cada
vez que se fala em subsídio, apoio interno, eles sugerem o envio do assunto para a
OMC, ou então repetem uma frase de pouca substância, ou seja, tudo está sobre a
mesa. Só que as coisas que interessam ao parceiro mais forte são discutidas agora,
e as questões que interessam ao parceiro mais fraco são deixadas para o fim — e
isso não é nada bom.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Os Deputados Antonio
Carlos Pannunzio, João Alfredo, Coronel Alves, Neucimar Fraga e Ivan Valente
ainda não se pronunciaram, o tempo de que dispomos é exíguo e o Ministro precisa
sair daqui a pouco. Não seria interessante cada um deles fazer uma breve pergunta
ao Ministro?
O SR. DEPUTADO ANTONIO CARLOS PANNUNZIO – Sra. Presidenta,
Sras. e Srs. Deputados, Sr. Ministro, antes de mais nada, queria reiterar uma
reclamação já feita nesta Casa — e com muita seriedade. Temos diversas atividades
a desempenhar aqui. Estava em outra Comissão. Não pude, por isso, ouvir a maior
parte da explanação do Ministro. Saio em grande desvantagem daqui por conta
disso. Sou um grande admirador do Ministro, que é sem dúvida alguma um dos
grandes expoentes do Itamaraty. Quando, no bom sentido, mas provocativo, o
Deputado Alberto Goldman afirmou que S.Exa. seria Ministro de qualquer um que
fosse o Presidente da República, certamente fez menção ao reconhecimento que
todos no Itamaraty e em outros órgãos, conhecendo o trabalho de S.Exa., têm sobre
sua brilhante personalidade, seus conhecimentos e sua competência para o cargo.
Quero louvar a forma como S.Exa. expôs a necessidade de seguir
negociando. Não há posições predeterminadas sobre algo que não tem forma.
S.Exa., com muita clareza, expôs aquilo que é não apenas a posição do Itamaraty
ou do Governo. Fico feliz de constatar isso.
Perdoe-me, nobre Deputada Luciana Genro, mas deve ter havido um
plebiscito dirigido pelo Partido dos Trabalhadores, com o apoio da CNBB, que
perguntava ao brasileiro — sem dar a menor informação — o que era a ALCA.
Perguntavam se a pessoa era a favor ou contra e mandavam assinar o documento .
Ele não tem o menor valor no sentido de pautar, a partir daí, a política de Governo.
Agem muito bem o Governo Lula e o Itamaraty ao seguirem negociando,
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apresentando as posições brasileiras até o limite. O limite será no término das
negociações. Aí tomaremos a decisão, que terá de ser ratificada por esta Casa. Ela
é que vai dar a palavra final. Fico muito feliz de ter constatado isso.
Não sei se S.Exa., em sua explanação, chegou a se pronunciar sobre o
assunto, mas, como tive essa informação de outras fontes, vou fazer minha questão
rapidamente, até porque verifiquei isso no Canadá, com integrantes do Governo
mexicano. Quanto às questões que surgem nos países que integram o NAFTA, não
há, pelo que me foi passado, um órgão para dirimi-las. Elas são levadas à OMC,
cuja dinâmica não pode ser interpretada como rápida ou de alta fluidez: tem, vamos
dizer assim, certos critérios para debater os temas para depois encontrar ou propor
uma solução ao longo do tempo.
Minha pergunta é: nas negociações com a ALCA, estamos levando em
consideração a necessidade de ter no bojo do acordo um órgão, um foro adequado
para dirimir as questões que virão, como vieram as da madeira com os canadenses
e americanos, a dos caminhoneiros com os mexicanos e americanos? Os
americanos são especialistas em provocar cada vez que vêem os seus interesses
ameaçados. Quando surgem questões em desacordo com os termos firmados até
então, debatem o assunto longamente até resolverem essas questões.
Disse o Ministro que deverá encontrar-se num breve espaço de tempo com o
Secretário de Comércio Robert Zoellick, que tem surpreendido o mundo pela sua
franqueza. Tudo que os republicanos de certa forma estão fazendo à frente do
Governo americano já foi escrito. Zoellick tem vários artigos publicados no Foreing
Afairs, revista de política externa da qual sou um assinante e certamente S.Exa. é
um grande colaborador. Nos artigos, ele faz várias afirmações sobre o Governo
americano. Já li alguns a respeito do que pensam Condolessa Rice e outros
integrantes do primeiro escalão americano. Relata também, ao pé da letra, quais são
os interesses americanos em relação ao comércio exterior, o que deve prevalecer,
quaisquer que sejam os argumentos apresentados pela parte contrária. E narra os
fatos com tamanha franqueza que só encontra paralelo num livro que não foi levado
a sério no passado — pude expressar isto num outro momento —, o Mein Kampf,
escrito por um então desconhecido à época: Adolf Hitler.
Pergunto: estamos levando a sério o Sr. Zoellick? Estamos preparados para o
debate se viermos a integrar a ALCA? Ou essas questões serão levadas à OMC?
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Era o que tinha a dizer.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Deputado
João Alfredo.
O SR. DEPUTADO JOÃO ALFREDO – Sra. Presidenta, Sras. e Srs.
Deputados, Ministro Celso Amorim, é um prazer participar deste debate com V.Exa.
Além de ser do PT, tenho acompanhado de perto a política externa deste Governo.
Sinto enorme alegria por ela ter resgatado, no melhor sentido da palavra, as figuras
de Samuel Pinheiro Guimarães e José Maurício Bustani, que ocupam cargos
importantes no Governo e que tiveram posições muito firmes em relação à ALCA e à
OPAQ.
Quero fazer-lhe uma pergunta fora do tema, até porque ele já foi bem tratado.
Dirigi-me a V.Exa. no dia 18 de fevereiro de 2003, por meio de ofício que também foi
remetido aos Ministros da Defesa, José Viegas Filho; da Ciência e Tecnologia,
Roberto Amaral, e da Casa Civil, José Dirceu. Trata-se do acordo entre o Governo
brasileiro e o americano sobre salvaguardas tecnológicas relacionadas à
participação daquele país nos lançamentos de Alcântara.
O tempo de nosso ofício é de apenas três meses, mas o do acordo já
completa três anos, é da época de Fernando Henrique Cardoso. O acordo passou
por esta Comissão, quando o então Deputado Waldir Pires, hoje seu colega de
Ministério, num parecer bastante fundamentado, levantou várias aberrações
jurídicas, como o controle da área física, de ingresso de pessoas e equipamentos
por parte do Governo dos Estados Unidos e a própria proibição da utilização desses
recursos no desenvolvimento da nossa política aeroespacial.
Sobre o assunto também tive oportunidade de falar com V.Exa. no dia
daquela grande sessão que fizemos sobre a paz. Cobrei isso de V.Exa., como
também falei com o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, quando S.Exa. esteve
na Casa, e com o Ministro Roberto Amaral. Tenho esperado ansioso — e acredito
que, da mesma forma, boa parte da nossa população — o posicionamento do novo
Governo sobre o assunto. Soube, inclusive, que foi formada comissão
interministerial para tratar do assunto. Por todas as questões já levantadas, seria
importante que a matéria simplesmente fosse retirada de pauta para reavaliação.
Essa foi a sugestão que fiz ao nosso Governo.
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O primeiro parecer do Ministro Waldir Pires foi pela rejeição; o outro, pela
aprovação, mas mediante tantas restrições e condicionamentos que o mais lógico, o
mais claro — até porque sabemos que há outras propostas de outros governos — é
que o assunto seja retirado de pauta para reavaliação, a fim de que o novo Governo
possa adotar posição clara acerca do tema.
Uma vez que até o momento não obtive resposta de nenhum dos Ministros,
nem de V.Exa. nem dos demais, após esses três meses, quero aproveitar para
fazer-lhe publicamente essa pergunta, com as homenagens que faço à atuação de
V.Exa. à frente do nosso Ministério.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Creio que o Sr. Ministro
não vai responder hoje à pergunta de V.Exa., mas apenas dar algumas
coordenadas, porque o assunto é de extrema complexidade.
Passo a palavra ao Deputado Coronel Alves.
O SR. DEPUTADO CORONEL ALVES – Sra. Presidenta, Sr. Ministro, vou
dispensar as apresentações de praxe. Peço-lhe autorização para irmos direto à
pergunta.
Presenciamos aqui verdadeiras aulas de política e economia. Agora mesmo
demos um passeio em Genebra, na ONU; em El Salvador; em Cuba e fomos até
uma cidade do interior de Pernambuco. Contudo, vou mudar um pouco o enfoque.
Quero convidar todos a ir até o Norte do País, na fronteira com a Guiana Francesa.
A pergunta é justamente sobre as relações entre Brasil e França, com a atenção
dispensada, Sr. Ministro, para a relação do Amapá com a Guiana Francesa.
A ALCA e o MERCOSUL têm seus valores e acertos, mas me parece que
levantaram muito mais problemas do que uma boa relação entre o Brasil e a França.
Efetivamente, minha primeira questão é sobre que ações o Ministério das
Relações Exteriores está tomando para, cada vez mais, estreitar o relacionamento
entre o Brasil e a França e entre o Estado do Amapá e a Guiana Francesa.
Minha segunda pergunta refere-se a um assunto bastante abordado, mas que
desejo enfocar sob outro ângulo. Qual a participação do Brasil na reconstrução do
Iraque no pós-guerra, em sua sedimentação e no processo inicial de democracia?
Qual a visão do Ministério das Relações Exteriores, inclusive no aspecto militar,
sobre a situação iraquiana? São essas as duas questões que tinha a fazer.
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Obrigado.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Com a palavra o Deputado
Neucimar Fraga, um dos autores do requerimento para a realização desta audiência
pública, que havia ficado fora do primeiro grupo de Deputados que fizeram
perguntas.
O SR. DEPUTADO NEUCIMAR FRAGA – Sra. Presidenta, Sr. Ministro, Sras.
e Srs. Deputados, chamo a atenção para o fato de que o requerimento aprovado
nesta Comissão refere-se à situação dos brasileiros presos por entrada ilegal em
outros países. Durante o ano de 2002, nos Estados Unidos e no México, foram
presos 3.102 brasileiros. E sabemos que milhares estão presos no exterior por
entrada ilegal em países.
Ontem à noite, no Estado do Espírito Santo, realizei audiência que contou
com a presença de diversos familiares desses presos. Queremos saber que papel
pode ser desempenhado pelo Ministro das Relações Exteriores, por intermédio do
Itamaraty, para que essas famílias possam ser assistidas, tendo em vista que há
dificuldade de manter contato com os presos.
Sabemos da existência de máfias internacionais que exploram as famílias
brasileiras. Pessoas que residem do outro lado do mundo se comunicam com essas
famílias, e elas não sabem se a origem daquele telefonema é realmente de
advogado ou do sistema prisional. Repito: sabemos que há milhares de brasileiros
presos e que o contato com as famílias é muito difícil.
Nesse sentido, solicito o apoio do Ministro das Relações Exteriores. Peço a
V.Exa. que acione os embaixadores desses países, a fim de que eles possam ajudar
os brasileiros que têm familiares presos nos Estados Unidos e no México. É nesses
dois países que temos a maior incidência de prisão de brasileiros por entrada ilegal.
Muito obrigado pela oportunidade de discutirmos essas questões.
O SR. DEPUTADO RICARDO BARROS – Sra. Presidenta, peço a palavra
pela ordem.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Tem V.Exa. a palavra.
O SR. DEPUTADO RICARDO BARROS – Sra. Presidenta, desejo apenas
anunciar a presença nesta reunião de alguns Deputados da Ucrânia: Victor Suslov,
Presidente do Grupo Ucrânia—Brasil, Yuri Anatolievitch, Vice-Presidente do Grupo
Ucrânia—Brasil; Yuri Bogaievsky, Embaixador da Ucrânia no Brasil. S.Exas. aqui
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estão para conhecer a Casa, e eu os trouxe para acompanhar os trabalhos desta
Comissão.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – V.Exas. são bem-vindos.
(Palmas.)
Tem a palavra o Deputado Ivan Valente, último orador inscrito.
O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE – Sra. Presidenta, Sr. Ministro Celso
Amorim, Sras. e Srs. Deputados, estamos chegando ao final de nossos trabalhos e,
por isso, não quero atrasar o Sr. Ministro. Desejo fazer-lhe três perguntas pontuais.
A primeira delas refere-se à Colômbia e à FARC. Quero entender qual a
posição do Governo brasileiro em relação ao Plano Colômbia. Entendo que esse
plano é uma ingerência americana na América Latina.
A segunda questão também se refere à FARC, movimento que já tem
quarenta anos e que sempre foi tratado como de libertação nacional. Esse
movimento sempre visou alcançar o poder e passou por diversas fases e governos.
Depois dos acontecimentos relativos ao World Trade Center, esta é a primeira vez
que vejo tal movimento ser inserido pelo Governo americano no eixo do mal, ou
seja, ele foi classificado com um movimento terrorista. Não deveríamos tomar um
certo cuidado com essa questão? Refiro-me à manipulação que o império americano
faz em relação a qualquer movimento real de oposição, isto é, a qualquer ação que
não seja condizente com sua política para a América Latina. Gostaria que V.Exa.
precisasse melhor qual a posição do nosso Governo.
Em relação à Área de Livre Comércio das Américas, desejo reforçar a
questão do plebiscito. Não desabono o que foi feito pela Igreja Católica e pelos
movimentos sociais. Infelizmente, determinadas ações não foram tomadas por
nosso País, Deputado Alberto Goldman. Foram feitas por militantes do PT, mas não
pelo partido.
O SR. DEPUTADO ALBERTO GOLDMAN – Com relação a essa dicotomia,
militante ou não, é público e notório que esse fato foi mobilizado pelo PT, Deputado,
desculpe-me.
O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE – Gostaria que fosse mobilizado pelo PT
— quero deixar isso bem claro —, mas foi deliberação do diretório. Quero dizer que
recolher 10 mil assinaturas em praça pública num movimento organizado
voluntariamente é bastante. É gente que milita, acorda cedo, discute com a
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população e apresenta proposta. Por isso, Ministro, dada a amplitude da Área de
Livre Comércio, deveríamos convocar um plebiscito e debatê-lo nos meios de
comunicação de massa com a população. Isso trará impacto à vida de todos os
brasileiros. O plebiscito promovido pelas entidades foi muito importante por ter
despertado isso.
Está hoje no Brasil, conversando com o Ministro Palocci, o Secretário do
Tesouro Americano, que está louco para negociar. Haverá outras reuniões com a
OMC.
Em relação à política de investimento, os Estados Unidos estão forçando
uma definição geral a despeito de posições contrárias de aceleração desse processo
por parte de alguns países, como a China, a Índia e a Venezuela. O que está sendo
posto na mesa, Ministro, é que, se os Estados Unidos abrirem mão do seu
protecionismo na área agrícola, assim como a Europa, haverá tranqüilidade para se
tocar todo o resto.
Para finalizar, pergunto se não é certa ingenuidade diplomática achar que os
Estados Unidos irão fazer isso, considerando as eleições naquele país no próximo
ano e uma possível reeleição do atual presidente. Por exemplo, os produtos
brasileiros mais competitivos, como a soja e o suco de laranja, estão em Estados em
que o presidente precisa ganhar. Então, não seria ingenuidade achar que os
americanos estão colocando isso na mesa neste momento para votar na OMC essa
política de investimentos? Não poderíamos ter um pouco mais de cuidado e
preparar, juntamente com outros países, outro documento, para que o investimento
externo, inclusive em áreas como serviços e abertura de compras governamentais,
pudesse ser discutido numa política nacional de desenvolvimento nosso?
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Vou começar de trás para frente.
Em primeiro lugar, se há ingenuidade nesse caso, ela é jornalística, não é
diplomática, porque não foi declaração de diplomata algum. Já disse o que pensava
sobre a questão do tudo sobre a mesa. Isso tem de ser cobrado diariamente. Temos
várias negociações. Dizem eles: “Está tudo sobre a mesa”. Contudo, quando se quer
oferta completa, ela não aparece ou demora a aparecer. Minha convicção é que, se
ela ficar para o fim, não aparecerá. Isso ocorreu, por exemplo, com o suco de laranja
na Rodada do Uruguai, da qual participei.
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Estou, de certa maneira, de acordo com a cobrança dos negociadores. Ou
seja, cobrar e não se deixar levar por declarações que são normais. Não estou
fazendo nenhuma crítica ao Secretário do Tesouro. Ele pode ter dito isso num bom
espírito, mas para nós é importante saber hoje efetivamente se isso faz parte da
oferta americana, porque quando dizem que está sobre a mesa, mas não faz parte
da oferta, a credibilidade é baixa. Esse é o ponto fundamental.
A credibilidade dessas frases é baixa. Já disse isso várias vezes e não quero
parecer que estou sendo impertinente ou desagradável com a autoridade
estrangeira, mas dizer que tudo está sobre a mesa e não dizer nada é quase a
mesma coisa, porque sabemos, pelas razões já apontadas, inclusive das restrições
do Fast Track, das dificuldades que vamos ter com certo produtos do nosso
interesse. Então, essa é uma frase que o senhor jamais ouvirá da minha boca,
interpretando uma posição dos Estados Unidos.
Agora quero fazer uma distinção técnica, porém importante. Os investimentos
na OMC não estão propostos pelos Estados Unidos. Na realidade, eles não queriam
essa questão na OMC, ou, pelo menos, não estavam entusiasmados. Ela está
colocada lá sobretudo pela União Européia e pelo Japão. Os Estados Unidos
achavam que na OMC não teriam tratamento adequado e seriam provavelmente
tratados com padrões aquém daqueles que pretenderiam obter em outras partes.
Não me preocupo tanto com a negociação sobre investimentos na OMC, mas
com a discussão acerca dos investimentos na ALCA, onde as ambições são muito
maiores. Isso não quer dizer que não tenhamos de tomar cuidado na OMC, até
pelas razões que o ex-Ministro Dornelles citou antes, como proteção, etc. De
qualquer maneira, na OMC, ela será necessariamente mais restrita.
Quanto à ALCA e ao plebiscito oficial, tenho minha posição. Nunca discuti
isso no Governo. Não posso, por isso, dar a opinião oficial do Governo. É uma coisa
razoável, se se quiser fazer, mas, sendo franco, plebiscito não é o que resolve. A
solução será encontrada por meio do debate. É o que tenho dito. Recebi elogios de
Deputados da Oposição. Quero deixar claro — evito usar expressões não
vernáculas, mas estou encontrando dificuldade de traduzir esta — que não estamos
no mundo de business as usual, quer dizer, não é mera continuidade do que vinha
sendo feito.
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O Governo Lula deu meia trava nas negociações da ALCA — sobre isso não
há dúvida. Não é uma meia trava para não haver negociações, mas para termos
tempo de refletir e fazer um debate com a sociedade. Essa preocupação está, sim,
havendo. Se não pudermos avaliar as coisas enquanto as negociações se
processam, no final, até com o plebiscito, o que vai acontecer? O Governo já
negociou e teoricamente já aceitou. Então, ele vai ter de defender no plebiscito a
posição que negociou. Não é que ele seja ruim, é bom, ele pode ser uma
advertência.
Isso até nos ajudaria de certo modo numa posição negociadora. Os debates
no Congresso Nacional sobre esses temas ajudam em nossa posição negociadora.
Estamos cansados de ouvir diplomatas, negociadores e Ministros americanos
dizerem: “Não, mas temos o nosso Congresso”. É bom podermos dizer que temos o
nosso também. O Congresso brasileiro não vai aceitar qualquer coisa. Mesmo que
eu, da mesa de negociações, aceite, o Congresso brasileiro não aceitará, por
exemplo, restrição à nossa capacidade de regulamentação em áreas como saúde,
educação ou telecomunicações.
É muito importante essa vigilância da sociedade, com a qual estamos
procurando contribuir. O primeiro passo efetivo, além de termos obtido esse prazo
para debater com a sociedade, foi colocarmos na Internet toda a nossa oferta. Tudo
que o Brasil ofereceu até hoje está na Internet, assim como os porquês. É claro que
quem tiver mais dúvida técnica tem de procurar saber. Trata-se de passo inédito de
transparência, faço questão de dizer. Não que não houvesse transparência ou
desejo, mas é um passo adicional muito importante.
O Plano Colômbia possui vários aspectos. O militar é um deles e também o
que mais preocupa. Não podemos, porém, fazer para o Governo colombiano o
julgamento do que lhe convém ou não. Temos de ter nossas preocupações. Disse
durante a exposição que, se houver grande presença militar estrangeira em qualquer
país que seja, temos de nos preocupar. Esse fato, em si mesmo, é desestabilizador.
Até o momento, não chega a ser uma presença muito grande. Os números
que tenho mostram mais ou menos 360 militares norte-americanos. Se isso vai
passar para outra coisa ou não é um julgamento que não quero fazer. Qual é a
maneira que temos de ajudar? Tentar ajudar o Governo colombiano a resolver os
seus problemas, trazer a Colômbia para uma negociação efetiva na América do Sul,
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procurando também ser generosos. Para isso precisamos do apoio dos
Congressistas em geral, pois muitos deles têm ligações com setores específicos da
indústria. Nosso comércio com a Colômbia é pequeno, mas exportamos para lá
quase 700 milhões de dólares e importamos 100 milhões. Então, não podemos
dizer se queremos a integração da América do Sul em vez de eles se integrarem
com a do Norte, se também não formos capazes de oferecer o mínimo para eles.
Isso é verdade para o Uruguai; para o Paraguai, em medida menor; foi num certo
momento verdade para a Argentina; é verdade também para a Colômbia e para
outros países.
Então, se o Brasil quer ter uma liderança, ele tem que ser pró-ativo e tem de
agir com certo grau de generosidade inerente a toda liderança efetiva. Não é
liderança de comando, mas de inspiração.
Sobre brasileiros, vai ser discutido amanhã, mas quero apenas dar um dado
porque, como o Deputado estava aqui e não sei se ainda está, os nossos cônsules
procuram dar a atenção possível a eles. Quero, porém, chamar a atenção dos
senhores para o seguinte: o orçamento do Itamaraty para assistência a brasileiros,
até pouco tempo atrás, era de mais de 700 mil dólares; hoje é de 350 mil. A
população brasileira no exterior aumentou brutalmente. Então, o Itamaraty faz o que
pode.
Agora mesmo, nesse episódio do Iraque, envolvi-me pessoalmente para
saber o que estava sendo feito por cada Embaixador, Ministro e Cônsul.
Pessoalmente fui lá ver. O fato é que nossas possibilidades são muito limitadas.
Antigamente era muito comum um brasileiro desvalido pedir repatriamento e o
Consulado pagar por isso, pois havia verba. Hoje em dia isso é impensável, em
primeiro lugar porque há menos dinheiro; em segundo, o número de brasileiros é
imensamente maior. Então, é preciso ter clareza sobre esses pontos, mas vamos,
sim, falar sobre isso.
Um caso especifico não foi mencionado hoje, mas ele já foi objeto de outros
requerimentos. Refiro-me a Portugal. Temos feito gestões permanentes. Há uma
preocupação com a nova Lei de Imigração, como ela pode ser aplicada etc.
Passando para a Guiana Francesa e o Amapá, já que se falou da França
antes como parceira preferencial, sempre dizemos, um pouco por brincadeira, mas é
verdade, que a maior fronteira da França não é a Alemanha ou a Espanha, mas o
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Estado do Amapá. Então, os presidentes já reafirmaram a disposição da construção
da ponte sobre o Oiapoque, o que é um fato muito importante. Temos de tomar uma
medida ainda dentro do Itamaraty. Refiro-me à criação de uma comissão mista
especifica para a construção da ponte, porque todas essas pontes internacionais
exigem uma série de tratativas. Não é apenas construir, há o problema alfandegário,
de imigração e uma série de outras coisas que têm de ser tratadas, mas estamos
vendo isso. Estamo-nos dedicando a esse importante tema.
Quanto à Alcântara, o Ministro da Ciência e Tecnologia, o Ministro da Defesa
e eu nos reunimos e já fizemos uma exposição de motivos ao Presidente da
República. Nela recomendamos a retirada do projeto. Isso está ainda em exame
num escalão mais alto e eventualmente será objeto de decisão.
Finalmente, com relação à situação da ALCA e da OMC, existe um grupo que
discute o tema da solução de controvérsias na ALCA. Se perguntarem minha
opinião, em termos de rapidez e de dificuldade, a OMC funciona nos dois sentidos.
Por exemplo, no caso dos aviões da EMBRAER, se tivéssemos sido muito rápidos,
teríamos sido retaliados antes. Conseguimos, contudo, virar o jogo no segundo
tempo. Às vezes, é bom para um time que o jogo acabe no primeiro tempo; às
vezes, até que haja prorrogação. Então, essas coisas são muito variáveis e
dependem de que lado estamos olhando e de qual é a situação. Nos casos em que
estamos atacando, queremos que seja rápido; nos casos em que estamos
defendendo, que seja lento. Queremos usar todos os recursos, como se usa na
Justiça: apelação etc.
Há um grupo de soluções de controvérsias na ALCA. Diria que as questões
fundamentais e as próprias experiências — como V.Exa. mencionou — do Canadá e
do México apontam isso. Não sei se chegaremos a um acordo tão amplo quanto foi
o do NAFTA. Os casos mais importantes acabam indo para a OMC. Vou dizer-lhe
por quê. Por exemplo, sobre o antidumping — ontem mesmo estava vendo isso —,
no acordo NAFTA, há uma página que, em última instância, diz que nada do que
está no acordo pode ir contra a lei americana sobre o assunto. Então, a
possibilidade de conseguirmos acordo realmente significativo, embora continuemos
lutando, é limitada. Há mais esperança na OMC, onde os interesses são
diversificados, de conseguirmos melhor acordo. Porém, se isso é verdade para o
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antidumping, tem de ser verdade também nas áreas em que não somos nós os
demandantes, mas os demandados.
Então, com essa observação, agradeço a todos as perguntas. Meus especiais
agradecimentos à Presidenta da Comissão pela oportunidade de participar deste
debate no Congresso Nacional.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Sr. Ministro, sentimo-nos
profundamente honrados com a presença de V.Exa. nesta audiência. A Comissão
de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, que é permanente, deverá ser uma
ponte entre o Ministério das Relações Exteriores e esta Casa. Estamos prontos a
ajudar o Ministério, o Governo Federal e o Itamaraty nessas grandes negociações
que estamos vivendo.
Criticam muito o Congresso Nacional, principalmente a Câmara dos
Deputados, com relação à demora dos acordos internacionais. Dizem que estamos
atravancamos o processo. Temos hoje uma modernidade nesta Comissão, que está
disposta a ajudar o Ministro das Relações Exteriores, o Governo Federal e o
Itamaraty. Estamos à disposição de V.Exa.
Sr. Ministro, V.Exa. falou de uma coisa muito bonita com relação à liderança.
Gostei demais do que disse, ou seja, que liderança tem de ser sempre generosa.
Depois acrescentou que a liderança de comando tem de ser um pouco diversificada.
O SR. MINISTRO CELSO AMORIM – Nossa liderança internacional não pode
ser de comando, mas de inspiração.
A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) – Por inspiração. Gostei
disso. Meu ilustre Ministro, agradecemos a V.Exa. a presença. Esperamos ter o
prazer de outra visita ainda neste semestre para novamente discutirmos tão
importante assunto.
Convoco os Srs. Deputados para reunião amanhã, às 10 horas, nesta
Comissão, quando ouviremos os Embaixadores Gilberto Sabóia, Subsecretário de
Assuntos Políticos, e o Diretor-Geral do Departamento Consular Jurídico e de
Assistência a Brasileiros no Exterior.
Está encerrada a reunião.