DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU...

282
FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU REALIDADE? João Everardo Matos Biermann Fortaleza – CE Agosto, 2009

Transcript of DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU...

Page 1: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL

DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU REALIDADE?

João Everardo Matos Biermann

Fortaleza – CE Agosto, 2009

Page 2: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

JOÃO EVERARDO MATOS BIERMANN

DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU REALIDADE?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito Constitucional, sob a orientação do Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho.

Fortaleza – Ceará 2009

Page 3: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

B588d Biermann, João Everardo Matos. Democracia no Poder Judiciário : ficção ou realidade? / João Everardo Matos Biermann. - 2009. 280 f. Dissertação (mestrado) – Universidade de Fortaleza, 2009. “Orientação: Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho.” 1. Poder Judiciário. 2. Democracia. 3. Magistratura. 4 Jurisdição. I. Título. CDU 342.56

Page 4: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

3

JOÃO EVERARDO MATOS BIERMANN

DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU REALIDADE?

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________

Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho

Universidade de Fortaleza - UNIFOR

___________________________________________

Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque

Universidade de Fortaleza - UNIFOR

__________________________________________

Prof. Dr. João Luiz Nogueira Matias

Universidade Federal do Ceará - UFC

Dissertação aprovada em: _____/______/________

Page 5: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

Às gerações passadas, pela pertinácia de seus ideais;

Às gerações atuais, para que entendam que nada é perfeito e pleno;

Às gerações futuras, para que respeitem os antepassados e acreditem que não há “certezas absolutas” que não possam ser superadas;

Aos magistrados, promotores, advogados, procuradores, defensores, professores, agentes da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais ampla dimensão, para que entendam que a Magistratura é apenas um meio mediante o qual se procura realizar Justiça, e para o que é imprescindível a participação coletiva;

Às minhas filhas (Lara, Lais e Carolina), com amor incondicional, para que multipliquem a bondade, a harmonia, a sabedoria, a tolerância, a compaixão e estendam a solidariedade até o limite de suas forças;

À minha esposa Lise Anne, por seu amor, companheirismo e comunhão.

Aos meus pais Hans e Angélica, por suas parcelas de contribuição para a minha existência;

Aos meus irmãos, parentes e amigos, por acrescerem algo mais à minha vida;

À humanidade, para que compreenda que somos apenas pequeníssima parte do todo, que deve ser respeitado, preservado e compreendido.

Page 6: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

AGRADECIMENTOS

Aos mestres com os quais privei de seus conhecimentos.

Ao meu orientador, o Professor José Filomeno de Moraes Filho, pela aceitação do

encargo, por sua paciência e pelo engrandecimento que, penso, imprimiu a este trabalho, com

suas ponderações e observações.

Aos servidores do Curso de Mestrado em Direito Constitucional da Universidade de

Fortaleza (UNIFOR), pela dedicação em suas atividades, com resultados para todos os

mestrandos.

À Universidade de Fortaleza (UNIFOR), pela disponibilização de sua estrutura

organizacional e a seriedade com a qual conduz os seus serviços educacionais, acreditando e

investindo na Educação, como forma de contribuir para a superação das desigualdades

regionais e a construção de uma sociedade mais harmônica e justa.

Page 7: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

“Provar que tenho razão significaria reconhecer que posso estar errado.”

P.A. Beaumarchais (Comediógrafo francês, 1732-1799)

As bodas de Fígaro, I, 1.

“Quem pode duvidar de viver, de lembrar, de compreender, de querer, de saber, de julgar? Mesmo se duvida, vive; se duvida, lembra de onde nasce sua dúvida; se duvida, quer chegar à certeza; se duvida, pensa; se duvida, sabe que não sabe; se duvida, julga não dever concordar irrefletidamente. Portanto, quem duvida de outras coisas não deve, porém duvidar destas, pois, se não existissem, não poderia mais duvidar de nada.”

Santo Agostinho (354-430) A Trindade, X, 10, 14.

Page 8: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

RESUMO

A ruptura do monopólio estatal da Jurisdição, com ampliação para a atuação de outros agentes, afora os membros do Poder Judiciário, com competência para algumas matérias ou compartilhada com a estrutura jurisdicional tradicional, é uma das temáticas abordadas neste trabalho, que apresenta exemplos dessa prática em prestações jurisdicionais atuais e propõe a inserção de outras experiências. A democratização interna nos órgãos do Poder Judiciário, quer na sua estrutura administrativo-financeira (autogoverno), quer no processo de recrutamento de magistrados, no Primeiro e Segundo Graus de Jurisdição, e na busca gradativa de regras uniformes para o equilíbrio das condições de exercício da função jurisdicional, é outro tema abordado, por extensão. Como fio condutor dessas ideias, subjaz a adequação do conceito de Democracia Participativa aplicado ao Poder Judiciário, para justificar o princípio encartado no Art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal brasileira de 1988, de que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição Federal”. A participação ativa da sociedade civil, por meio de grupos organizados, é, nesta dissertação, um dos mecanismos para se alcançar a descentralização do Poder no Judiciário e promover, em sua estrutura, a inserção do elemento político da cidadania, justificando e legitimando, materialmente, o Poder Judiciário.

Palavras-chave: Poder Judiciário. Democracia Participativa. Recrutamento de Magistrados. Jurisdição. Sociedade Civil.

Page 9: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

ABSTRACT

The end of the state monopoly over jurisdiction, with the extension to the performance of other agents, excluding the members of the Judiciary Power with competence for some matters or shared with traditional jurisdictional structure in one of the topics discussed in this work, which presents exemples of that practice in current jurisdictional renderings and proposes to insert other experiences. The internal democratization in the Judiciary Power bodies, whether in their administrative-financial structure (selfgovernment) or in the process of recruiting magistrates in the first and second degree of jurisdiction, and in the gradual search for uniform rules for the balancing of conditions for the exercise of the practice of jurisdictional function is another topic discussed by extension. As a guiding thread of such ideas underlies the adequacy of the concept of participatory democracy applied to the Judiciary Power in order to justify the principle inserted in Article 1, unique paragraph of the Federal Brazilian Constituition of 1988, according to which “Every power emanates from the people, who exercise it by means of representatives elected or directly within the terms of the Federal Constitution”. The active participation of civil society through organized groups in this dissertation is one of the mechanisms to obtain decentralization of the Judiciary Power and promote in its structure the insertion of the political element of citizenship, by materially justifying and legitimating the Judiciary Power.

Key words: Judiciary Power. Participatory Democracy. Recruitment of Magistrates. Jurisdiction. Civil Societ.

Page 10: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Diferenças entre justiça restaurativa e justiça retributiva .....................................141

Quadro 2 Dados de mandatos nas Cortes Constitucionais....................................................171

Quadro 3 Experiência de mandatos nas cúpulas judiciárias .................................................171

Quadro 4 Critérios de idades mínima e máxima para ingressar nos tribunais e no Conselho Nacional de Justiça................................................................................................187

Quadro 5 Dados dos limites de idade nas Cortes Constitucionais........................................189

Quadro 6 Dados dos Ministros do Supremo Tribunal Federal .............................................190

Quadro 7 Dados dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça ..........................................191

Quadro 8 Dados dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho.......................................192

Page 11: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Dados estatísticos do PIB, população e quantidade de desembargadores estaduais, por região......................................................................................................................219

Tabela 2 Participação regional no PIB nacional – ano base 2006........................................220

Tabela 3 Quantidade de desembargadores estaduais por região, com percentuais – Posição em 20.11.2008..............................................................................................................221

Tabela 4 População por região, com percentuais.................................................................222

Tabela 5 População por desembargador estadual ................................................................223

Tabela 6 Magistrados da Justiça Estadual, por 100.000 habitantes.....................................224

Tabela 7 Magistrados estaduais por cada 100.000 habitantes, por região ...........................226

Tabela 8 Magistrados da Justiça do Trabalho, por cada 100.000 habitantes .......................228

Tabela 9 Magistrados da Justiça do Trabalho, a cada 100.000 habitantes 2004/2007 (cargos providos) ...............................................................................................................230

Tabela 10 Magistrados da Justiça do Trabalho, a cada 100.000 habitantes 2004/2007 (cargos existentes)..............................................................................................................232

Tabela 11 Varas do Trabalho – situação em agosto de 2008.................................................234

Tabela 12 Despesa total da Justiça do Trabalho, por habitante 2004/2007 ...........................235

Tabela 13 Magistrados da Justiça Federal, por 100.000 habitantes.......................................239

Tabela 14 Número de habitantes por Juiz Federal do Primeiro Grau – posição em 30.03.2008.....241

Tabela 15 Justiça Federal de Primeiro Grau - Juízes(as) Federais e Substitutos(as) ............242

Tabela 16 Justiça Federal de Primeiro Grau – Quadro consolidado de Juízes(as) Federais e Substitutos(as).......................................................................................................244

Tabela 17 Justiça Federal de Primeiro Grau – Varas Federais e Juizados Especiais Federais. ..245

Tabela 18 Justiça Federal de Segundo Grau – Quadro de desembargadores ........................255

Tabela 19 Despesa total da Justiça Federal, por habitante.....................................................255

Tabela 20 Processos distribuídos e julgados no Superior Tribunal de Justiça, no período de 7.4.1989 a 31.12.2008...........................................................................................257

Tabela 21 Movimento processual no Supremo Tribunal Federal, nos anos de 1940 a 2008 .....259

Page 12: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Participação regional no PIB nacional – ano base 2006. ......................................220

Gráfico 2 Quantidade de desembargadores estaduais, por região, com percentuais – Posição em 20.11.2008........................................................................................221

Gráfico 3 População por região, com percentuais.................................................................222

Gráfico 4 População por desembargador estadual ................................................................223

Gráfico 5 Magistrados da Justiça Estadual, por 100.000 habitantes.....................................225

Gráfico 6 Magistrados estaduais por região, com percentuais..............................................226

Gráfico 7 Magistrados da Justiça do Trabalho, por cada 100.000 habitantes .......................229

Gráfico 8 Magistrados da Justiça do Trabalho, a cada 100.000 habitantes 2004/2007 (cargos providos)......231

Gráfico 9 Magistrados da Justiça do Trabalho, a cada 100.000 habitantes (cargos existentes) ......233

Gráfico 10 Despesa total da Justiça do Trabalho, por habitante 2004/2007 ..........................236

Gráfico 11 Despesa total da Justiça do Trabalho, por habitante ............................................237

Gráfico 12 Magistrados da Justiça Federal, por 100.000 habitantes......................................240

Gráfico 13 Despesa total da Justiça Federal, por habitante....................................................256

Gráfico 14 Processos distribuídos, julgados e acórdãos publicados no Superior Tribunal de Justiça.......259

Page 13: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

AJD - Associação dos Juízes para a Democracia

AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros

APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

DECON - Defesa do Consumidor

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LOMAN - Lei Orgânica da Magistratura Nacional

MDJ - Maisons de Justice e Droit

OAB - Ordem dos Advogados do Brasil

ONG - Organização Não Governamental

ONU - Organização das Nações Unidas

PCA - Procedimento de Controle Administrativo

PEC - Proposta de Emenda Constitucional

PIB - Produto Interno Bruto

PROCON - Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

STM - Superior Tribunal Militar

TAC - Termo de Ajustamento de Conduta

TJE - Tribunal de Justiça Estadual

TRF - Tribunal Regional Federal

TRT - Tribunal Regional do Trabalho

TSE - Tribunal Superior Eleitoral

TST - Tribunal Superior do Trabalho

Page 14: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................15

1 A TRANSIÇÃO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E INDIRETA PARA A DEMOCRACIA DIRETA E PARTICIPATIVA: A REPERCUSSÃO NO PODER JUDICIÁRIO.......................................................................................................................19

2 CONCEITUAÇÃO PRÉVIA DE INSTITUTOS, PRINCÍPIOS E GARANTIAS: A CONSTRUÇÃO DA PROBLEMÁTICA DEMOCRÁTICA NO PODER JUDICIÁRIO ....38

2.1 Jurisdição .....................................................................................................................38

2.2 Independência do Judiciário.........................................................................................42

2.3 Independência do juiz ..................................................................................................44

2.4 Imparcialidade do juiz..................................................................................................51

2.5 Neutralidade do juiz .....................................................................................................55

2.6 A legitimidade do Poder Judiciário..............................................................................58

3 MODELOS DE SELEÇÃO DOS JUÍZES NO BRASIL E NO DIREITO COMPARADO : MÚLTIPLOS SISTEMAS...................................................................................................74

3.1 Brasil ............................................................................................................................76

3.2 Alemanha .....................................................................................................................79

3.3 Espanha ........................................................................................................................80

3.4 Estados Unidos.............................................................................................................81

3.5 França...........................................................................................................................82

3.6 Inglaterra ......................................................................................................................83

3.7 Itália .............................................................................................................................85

3.8 Portugal ........................................................................................................................85

3.9 Suíça.............................................................................................................................86

3.10 Japão............................................................................................................................86

Page 15: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

14

4 DEMOCRACIA E PROJEÇÃO DA SOBERANIA POPULAR NO PODER JUDICIÁRIO E NA DEFESA DA ORDEM JURÍDICA: POSSIBILIDADES, ENTRAVES, SUGESTÕES.....87

4.1 Aberturas para a legitimação e a democratização externas da função judiciária e no Poder Judiciário... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

4.1.1 Justiça Arbitral .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

4.1.2 Tribunal do Júri .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

4.1.3 Juizados Especiais .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

4.1.4 Justiça de Paz ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

4.1.5 Autotutela ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

4.1.6 Composição paritária nos órgãos decisórios da Justiça do Trabalho ... . . . . . . . 106

4.1.7 Justiça Eleitoral.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

4.1.8 Quinto constitucional.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

4.1.9 Critério federativo na composição dos tribunais .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

4.1.10 Ministério Público ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

4.1.11 Acessibilidade ao Judiciário ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126

4.1.12 Instâncias extrajudiciais ou diferenciadas para a resolução de conflitos: a desjudicialização... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

4.2 Aberturas para a legitimação e a democratização internas no Poder Judiciário ........145

4.2.1 Mitigação das garantias constitucionais: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145

4.2.2 Subsídio dos magistrados ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150

4.2.3 Eleições internas no Poder Judiciário ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

4.2.3.1 Composição dos órgãos diretivos dos tribunais .............................154

4.2.3.2 Composição do órgão especial dos Tribunais de Justiça................156

4.2.3.3 Participação de juízes nos Conselhos da Magistratura...................156

4.2.3.4 Coordenação das Escolas da Magistratura .....................................157

4.2.3.5 Comissões internas setoriais nos tribunais .....................................158

4.2.3.6 Composição das bancas examinadoras em concursos públicos para servidores do Poder Judiciário e juízes...........................................158

Page 16: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

15

4.2.3.7 Seleção de magistrados para cursos de pós-graduação e congressos ...159

4.2.4 Escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores .. 160

4.2.5 Mandatos para os membros dos tribunais .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 169

4.2.6 Idades mínima e máxima de acesso ou nomeação para os tribunais.. . . . . . . . . . 174

4.2.7 Idade para aposentadoria compulsória dos magistrados... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188

4.2.8 Promoção de magistrados por merecimento: critérios... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192

4.2.9 Democratização do Conselho Nacional de Justiça e criação de Ouvidorias estaduais e distrital.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197

4.2.10 Distribuição equitativa de servidores e cargos comissionados nas unidades judiciárias .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202

4.2.11 Permuta interestadual entre juízes ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203

4.2.12 Publicização de decisões, acórdãos e despachos: a comunicação eletrônica... 211

4.2.13 Ampliação e descentralização do acervo bibliográfico dos tribunais: uma proposta cooperativa... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214

4.2.14 Distribuição equitativa de juízes, desembargadores e ministros nos órgãos judiciários: critérios e tabelas... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 215

4.2.15 Formação de câmaras de interlocução pré-judicial com os diversos setores sociais e a participação do cidadão – magistrado nas instituições sociais, filantrópicas e agrupamentos coletivos ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261

4.2.16 Orçamento participativo ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................267

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................270

Page 17: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

INTRODUÇÃO

O parágrafo único do Art. 1º da Constituição Federal brasileira de 1988 prevê: “Todo o

poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos

termos desta Constituição”.

No Art. 2º, a Carta Federal elenca como “Poderes da União, independentes e

harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Logo, a premissa inicial é a de

que o poder do povo, quando exercido através desses três Poderes, expressa-se diretamente ou

por meio de representantes eleitos.

Sendo assim, por que o povo não elege os membros do Poder Judiciário, que o

representaria através da delegação do poder soberano popular? O representante eleito, na

democracia semidireta brasileira, em relação ao Poder Judiciário, é o mesmo que o

representante concursado?

Essa reflexão desafia as Teorias da Democracia e do Poder, eis que a práxis democrática

brasileira quanto ao Poder Judiciário parece seguir um modelo quase que excludente daquele

reservado ao processo político utilizado para os dois outros Poderes, o Legislativo e o

Executivo, atribuindo ao Judiciário não só a terceira enumeração dentre os Poderes e na

disposição topográfica do texto constitucional, mas também uma forma diferente de

manifestar a vontade geral do povo.

A crise institucional permeia o Poder Legislativo brasileiro, acusado de constante

envolvimento em corrupção, cooptação pelo Poder Executivo1, transmigração partidária,

1 Filomeno de Moraes, sobre o Poder Judiciário, afirma: “[...] Por isso, sem desprezar o patente progresso relativo à convivência democrática no Brasil nos anos recentes, é inquestionável o caráter atrofiado, truncado, de muitas das instituições políticas. Por conta disso, em grande medida, a organização política brasileira tem problemas no que diz respeito ao processar a diversidade do País e de expressar a pluralidade de interesses e valores socialmente subjacentes. Esse caráter delegativo ( e pouco representativo, por via de consequência) tem razões mais antigas, oriundas de uma formação histórica de forte ênfase no Poder Executivo, da vocação eminentemente anti-representativa enquistada na cultura política brasileira e da recorrência ao autoritarismo, o qual, desgraçadamente, tem imprimido no desenvolvimento político nacional uma lógica de ciclos de contração e ciclos de abertura política”. MORAES, Filomeno. Separação de Poderes no Brasil Pós-88: Princípio Constitucional e Práxis Política. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; BERCOVICI, Gilberto; MORAES

Page 18: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

16

inércia legislativa, caracterizando renúncia tácita às suas funções, loteamento de órgãos

públicos, empreguismo e distinções vencimentais acentuadas, assim como atinge o Poder

Executivo, hipertrofiado, com o ofertório cada vez maior de cargos comissionados ou de livre

nomeação, uso indiscriminado de medidas provisórias, usurpando a competência do Poder

Legislativo, utilização do aparelho policial como meio de coerção política, ações

assistencialistas de feição populista, concentração e aplicação de recursos orçamentários em

regiões de grande densidade econômica, desequilibrando o pacto federativo, dentre outras

manifestações.

O Poder Judiciário, diante da perplexidade e do descrédito do sistema político atual, tem

intervindo intensamente nas decisões sobre políticas públicas e nos desvios e ausências

frequentes da representação política, assumindo, por meio dos juízes, a função típica de

“oráculo da democracia”, incorporando valores morais e políticos às discussões de natureza

jurídica.

Essa judicialização da política, diante do protoprincípio da separação dos poderes,

conduz a reflexões sobre a legitimação das decisões judiciais, uma vez que originadas de

agentes que não são escolhidos direta ou indiretamente pela expressão da soberania popular,

através do sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos.2

No entanto, qual o nível de atendimento das demandas populares, aqui entendidas como

decorrentes da soberania, na democracia representativa moderna? Expressa-se unicamente

essa soberania através do mecanismo formal de eleição dos membros de um Poder?

A relação entre legitimidade e democracia representativa, quando analisada em relação

ao Poder Judiciário, tem sido questionada na medida em que se amplia o tema em face do

perigo reputado ao “governo dos juízes”3 e ao populismo judicial, sem que a vontade popular

tenha meios seguros e eficazes de controle da expressão judiciária, através do dinamismo

inerente à alternância do processo eleitoral.

FILHO, José Filomeno de; LIMA, Martônio Mont’Alverne Barreto (Org.). Teoria da Constituição: Estudos sobre o lugar da política no direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p.151-197, p.190. 2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999, (Art. 14). 3 “Num livro escrito em defesa da magistratura, denominado Le complot des juges (Paris, ed. Du Félin, 1993), Yves Lemoine, antigo magistrado francês, inclui um capítulo intitulado ‘O governo dos juízes’ que começa com estas palavras: ‘Eis a frase de efeito lançada. A frase que vem à boca de cada político que pensa provocar, desse modo, o arrepio das massas populares (‘o governo dos juízes’, pior, talvez: o complô dos juízes)’”. DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 94-95.

Page 19: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

17

Em torno desses assuntos, propõe-se analisar o modelo utilizado pela democracia

brasileira para a escolha dos membros do Poder Judiciário e as manifestações da soberania

popular nesse Poder, legitimando-o. Para tanto, apresentar-se-ão os mecanismos atualmente

disponíveis e utilizados nesse procedimento, perpassando a experiência do Direito

Comparado, analisando teorias e o pragmatismo constatado empiricamente, elaborando

críticas e propondo sugestões, algumas delas já visitadas pela doutrina e por bandeiras

corporativas, outras, decorrentes da subjetividade do autor, possíveis de serem implementadas

mediante alterações legislativas e adoção de uma teoria democrática com viés participativo e

político na dinâmica externa e interna do Poder Judiciário, com viso à ampliação de sua

democratização.

Este estudo tem como ponto de partida a investigação do momento de transição da

democracia representativa e indireta para a democracia direta e participativa, com sua

repercussão no Poder Judiciário, incursionando, para a construção da problemática

democrática desse Poder, por conceituações, princípios e garantias que moldaram a estrutura

de sustentação dessa expressão da soberania popular.

Ao adentrar em temas como jurisdição, independência do judiciário, independência,

imparcialidade e neutralidade do juiz e legitimidade do Poder Judiciário, o interesse do

pesquisador visa à tentativa de reformulação, em algumas ocasiões, e ao aproveitamento, em

outras situações, dos alicerces de construção de uma democracia para o Poder Judiciário, com

uma dogmática que se transforme e se adapte à realidade do Poder, o qual deverá ser exercido

em sua possível plenitude, pela máxima representação da sociedade organizada que, para

tanto, necessita de ampla expressão política, em todos os níveis de manifestação.

Alguns exemplos e aplicativos no âmbito do Direito Comparado são expostos, para que

se possa sobre eles imprimir críticas, mas também deles se aproximar em busca de um modelo

adequado à realidade nacional, principalmente no estágio atual de questionamento das

certezas absolutas e de busca da unidade pela solidariedade, no intercâmbio de uma

globalização em seu aspecto universalizante, no sentido da colmatação das diferenças.

Assim é que a aparente fragmentação do poder estatal, na função judiciária, não visa ao

seu enfraquecimento, mas, ao contrário, à sobrevivência do Estado que, enquanto gestor da

organização e pacificação sociais, não se apresenta mais, definitivamente, como o único reitor

dos vetores cada vez mais aleatórios das forças de influência societária, por exaurimento de

Page 20: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

18

sua credibilidade, pela irracionalidade da lógica política, pela emergência da

imponderabilidade, pela exiguidade e limitação de seus recursos e pela infinitude da natureza

humana.

Se o monopólio da força subsiste, para uns, como forma de agregação política, propõe-

se a ideia, não menos verdadeira, de que o consenso dialético elaborado pelas diversas forças

sociais tende, por sua experimentação constante, ao estabelecimento de uma ordem dotada de

maior fluidez e flexibilidade, adequada às transições permanentes da práxis social.

Portanto, a abertura proposta, no plano externo e interno, para o exercício da função

judiciária não seria tão absurda, se se considerar os albores da democracia e as ideias

revolucionárias que romperam o ancien régimen e implodiram o absolutismo esclarecido.

A democracia, no Poder Judiciário, assim como o mito, estaria mais próxima da

realidade; seria menos ficcional.

Page 21: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

1 A TRANSIÇÃO DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E INDIRETA PARA A DEMOCRACIA DIRETA E PARTICIPATIVA: A REPERCUSSÃO NO PODER JUDICIÁRIO

Inicialmente, para não se incorrer em constatações unicamente empíricas ou teóricas, o

exercício idealizado e imaginativo, longe de reduzir-se a devaneios insuperáveis, busca, no

caso concreto, contribuir para a aproximação entre o Ser e o Dever-Ser da democracia.

Lessa, a pretexto do discurso entre o déficit empírico dos filósofos políticos e o oposto

simétrico do déficit imaginativo, lembra o concurso a que se submeteu Rousseau, perante a

Academia de Dijon, que indagava aos candidatos a respeito do caráter das desigualdades; se

elas tinham origem natural e se podiam ser justificadas de algum modo. Afirma Lessa:

Se Rousseau fosse um cientista social empiricamente orientado, o que diria? Ele, provavelmente, olharia para o lado e para o passado e constataria a virtual universalidade empírica da desigualdade. Então, ele responderia: a desigualdade tal como atestam minhas tabelas e minhas entrevistas diretas está no mundo desde sempre, e não tenho meios para inferir que as coisas possam passar-se de modo distinto. Mas, felizmente, para todos nós, o que Rousseau fez? Decidiu escrever um tratado – o magnífico Discurso sobre as Origens da Desigualdade entre os Homens -, cujo preceito metodológico básico eu acho adorável. Rousseau propõe-se a fazer uma história da desigualdade e adota a seguinte premissa: comecemos por afastar todos os fatos.

[…]

Em outras palavras, a decisão intelectual de Rousseau orienta-se pela imaginação ou, se quisermos, invenção de realidades e valores empiricamente não existentes.

[…]

A história da ciência política é em grande medida uma história de tentativas de elucidação de fatos e artefatos postos no mundo por teorias. Esse é o ponto que eu acho mais interessante: fatos e artefatos institucionais que decorrem de invenções intelectuais.1

A reflexão que se propõe é estabelecer associações possíveis e formular críticas e

sugestões da práxis e da Teoria do Poder, que vinculando a soberania a uma de suas funções –

a Judiciária, possa projetar o mais concretamente possível a vontade popular, direta ou

indiretamente, como expressão de Poder no Estado ou do Poder do Estado, com a participação

da sociedade civil.

1 LESSA, Renato de Andrade. A teoria da democracia: balanços e perspectivas. In: PERISSINOTO, Renato Manseff; FUKS, Mário (Org.). Democracia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 33-54, p.39-40.

Page 22: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

20

Indaga-se, então: a) Se o povo elege diretamente seus representantes para o exercício

das funções legislativas e executivas, por que não o faz em relação às funções judiciárias? b)

Há manifestação da soberania popular no exercício das funções judiciárias? c) Como a

soberania popular se manifesta no Poder Judiciário da democracia contemporânea?

Essas perguntas parecem imbuídas de uma logicidade tal, que é preciso compreender o

processo histórico de dominação dos seres humanos e a construção dos seus mecanismos de

submissão, para que a reestruturação desse Poder não se limite à infantilização dos porquês.

Em rápido corte histórico, admite-se que o homem desceu das árvores, quando se sentiu

seguro para enfrentar os outros animais. Aprendeu a arar a terra e a cultivar seus alimentos.

Caçou e domesticou animais. Acresceu nutrientes ao seu cardápio. Fortaleceu-se. Cercou a

terra e definiu a propriedade. Organizou-se em grupos e começou o seu processo de

socialização. Da organização social surgiu o homem cidadão-público. Sua ânsia de poder, seu

medo, a necessidade de mais víveres para os clãs, dentre outras razões, impulsionaram-lhe

para a conquista de novos territórios e, com isso, a dominação de outros povos.

Com o desenvolvimento das primeiras armas, lapidando a pedra bruta e forjando o

bronze e o ferro, tudo lhe imprimia o sentimento do poder. O fogo, a roda e a pólvora

ajudaram nessa saga.

Com as conquistas, os derrotados eram mortos ou devorados, resolvendo-se o problema

da escassez de alimentos com a eliminação do inimigo. Depois, o homem descobriu que

escravizando o semelhante adquiriria mais poder e se dedicaria a outras tarefas. Nesse ponto,

a escravatura já era um avanço para o próprio derrotado. Este agora não seria mais fonte

alimentar nem seria morto.

Adiantando a ampulheta narrativa, os grupos humanos, vencedores e perdedores, se

organizariam e voltariam a disputar o poder. Havia grandes fossos e desigualdades sociais, a

despeito de parcerias e conformações. A natureza gregária humana superaria sua natureza

bruta. Habilidades as mais diversas se expandiam no processo de politização dos grupos. O

homem dominava a filosofia, as artes, a astronomia, o comércio e a manufatura.

Havia necessidade de gestão para essa riqueza. Religiosos, nobres e segmentos

estratificados do corpo social buscavam a melhor forma de domínio de uns sobre os outros. O

Page 23: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

21

soberano feudal era justificado por todos os meios de poder: o teocrático, o aristocrático, o

burguês. O poder de um ou de alguns continuava sendo o alvo da constante busca.

Surgia, em prosseguimento, o Estado burguês, como organização política do poder. A

sociedade que se via representada por esses novos ideais, agora buscava configurar o seu

próprio poder. Mas quem era esse novo soberano a quem todos confiavam o seu destino,

aquele ou aquilo que teria o poder para organizar o conflito e impor a solução?

Organizar esse poder implicava dizer sistematizar o poder de algo, de um ou de alguns

sobre outros. Mas a liberdade do homem, burilada depois pelo desenvolvimento da razão, não

foi uma busca desde os primórdios?

O que fazia então os homens, se submeterem uns aos outros? A resposta a essa angústia

de La Boétie transformou-se em um clássico sobre da servidão humana. La Boétie indagava:

Em suma, se todo ser que tem o sentimento da sujeição e procura a liberdade; se os bichos, até os criados para o serviço do homem, só podem se submeter depois de protestarem um desejo contrário - que vício infeliz pode então desnaturar o homem, o único que realmente nasceu para viver livre, a ponto de fazê-lo perder a lembrança de sua primeira condição e o próprio desejo de retomá-la?2

Para Etienne, mesmo o poder do povo era perigoso se, ainda que elegendo o seu

soberano, não se exaurisse o seu ciclo servil. Em um mundo de tiranias, Etienne assomava o

seu pessimismo, e dizia:

Há três tipos de tiranos. Falo dos maus Príncipes. Uns possuem o Reino por eleição do povo, outros pela força das armas e outros por sucessão da raça. Os que o adquiriram pelo direito de guerra comportam-se nele como em uma terra conquistada, com se bem sabe e se diz, com razão. Comumente, os que nascem reis não são melhores; nascidos e criados no seio da tirania, sugam com o leite o natural do tirano, consideram os povos a eles submetidos como seus servos hereditários; e segundo a tendência a que estão mais inclinados, avaros ou pródigos, se utilizam do Reino como de sua própria herança. Quanto àquele cujo poder vem do povo, parece que deveria ser mais suportável, e creio que o seria, desde que se visse a lugar tão alto, acima de todos os outros, lisonjeado por um não sei quê que chamam de grandeza, não tomasse a firme resolução de não descer mais. Quase sempre considera o poderio que lhe foi confiado pelo povo como se devesse ser transmitido a seus filhos. Ora, quando eles e ele conceberam esta idéia funesta, é realmente estranho ver como superam todos os outros tiranos em vícios de todo tipo e até em crueldades. Não encontram melhor maneira de consolidar sua nova tirania senão aumentando a servidão e afastando tanto as idéias de liberdade do espírito de seus súditos que, por mais recente que seja a sua lembrança, logo ela se apaga inteiramente de sua memória. Assim, para dizer a verdade, vejo bem alguma diferença entre estes tiranos, mas não que se possa fazer uma escolha: pois se chegam ao trono por caminhos diversos, sua maneira de reinar é quase sempre a mesma. Os escolhidos pelo povo tratam-no como um touro a ser domado; os

2 LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da servidão voluntária. Tradução de Laymert Garcia dos Santos. 4. ed. Comentários: Claude Lefort, Pierre Clastres e Marilena Chauí. São Paulo: Brasiliense, 1999, p. 82.

Page 24: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

22

conquistadores, como uma presa sobre a qual tem todos os direitos; os sucessores, como um rebanho de escravos que, naturalmente, lhes pertence.3

Em síntese, indagava o jurista e filósofo francês:

[…] o que é aproximar-se do tirano senão recuar mais de sua liberdade e, por assim dizer, apertar com as duas mãos e abraçar a servidão?

[…]

Que condição é mais miserável que viver assim, nada tendo de seu, recebendo de outrem sua satisfação, sua liberdade, seu corpo e sua vida?4

Mas se a imagem simbólica do soberano era sombra que iria atormentar os povos desde

os primórdios de sua organização, mister investigar como se deram as primeiras organizações

políticas democráticas, entendendo-se democracia como sendo

aquela forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões de governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo do poder legítimo.5

A democracia como forma de Estado (Staatsformen), como denominam os alemães, ou

como forma de Governo, para os franceses, apresenta-se doutrinariamente sob a forma direta,

semidireta ou indireta. 6 Na democracia direta clássica, o povo reunia-se na Ágora e decidia,

direta e indiretamente, as questões das cidades-Estado gregas, através de assembleias

populares.

Nas praças, que funcionavam como Parlamentos, apenas os homens livres decidiam. Era

uma democracia aristocrática. Cidadãos e Estado se confundiam. A força do Estado era a

força do cidadão. Não havia diferença entre o homem e a coletividade. O homem afirmava a

sua personalidade na polis. O demos agia com funções legislativas, executivas e judiciais. O

espaço diminuto das cidades e a população, igualmente, limitada a esses territórios, assim o

permitiam.

Vencido o grande hiato da Idade Média, com a alteração dos meios de produção da

economia feudal e da relação com a posse da terra, o poder político e econômico forjado nesse

período já não encontrava força para sustentar-se no regime de vassalagem em que se

estabelecia, como forma de servidão. Bonavides assim descreve essa transição:

3 Ibid., 1999, p. 82-83. 4 Ibid., 1999, p. 33. 5 BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 17. 6 Id. Ciência Política. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 233.

Page 25: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

23

[…] a burguesia das navegações, do comércio florescente, das manufaturas próximas, das empresas lucrativas, criara nas cidades a cada passo a base da sociedade nova e da riqueza maior, que vinha substituir a da sociedade dos feudos e da riqueza menor, que era doravante a terra.

As exigências econômicas impuseram assim de imediato aos fundadores de dinastias, ao monarca consolidador do Estado Moderno, a abertura de amplos condutos àquelas forças da produção, cujo ímpeto mais cedo ou mais tarde acabaria por romper a hierarquia social das classes.7

A monarquia absolutista que havia se consorciado com a ordem findante – o feudalismo

medieval – e a classe emergente – a burguesia – sobrevivem o quanto podem.

Ciente de seu poder econômico, formado pela nova ordem comercial e industrial,

incrementada com a expansão dos mercados e dos novos territórios descobertos, a burguesia

avança em suas pretensões e assume o poder político, destronando a intermediação

absolutista. Bonavides explica:

[…] A burguesia sempre se sentiu politicamente oprimida e politicamente espoliada de baixo da monarquia absoluta. Os monarcas de direito divino governavam com a aristocracia territorial e o clero, numa sociedade regida por privilégios intactos quais eram os da feudalidade, consistindo em ordens, graus, títulos, estamentos, corporações e estemas, toda uma camada de exceções vexatórias à burguesia e que, na linguagem de Marx, assinalavam esplendidamente, meridianamente, a permanência da superestrutura política e jurídica do feudalismo, em desacordo com a infra-estrutura burguesa de teor econômico.

A fim de alforriar-se politicamente, isto é, a fim de resolver a contradição entre o poder econômico auferido e a sujeição política a que ficara reduzida é que a burguesia conspirou, se fez revolucionária, empunhou armas e se volveu contra a realeza absoluta, até promover-lhe a queda fragorosa, mediante atos de ferocidade e violência, quais foram os episódios trágicos marcados no calendário de sangue da Revolução de 1789.8

Instalava-se o Terceiro Estado, a burguesia efetivamente no poder. O aparato teórico

dessa nova ordem já vinha sendo implementada. O homem político por essência da

democracia clássica grega, há tanto já esquecido, cede espaço ao homem econômico,

majoritariamente. A vida civil e o realce às individualidades afastam o homem das questões

públicas. Aperfeiçoa-se o mecanismo da representação política da vontade popular.9 É o

homem político representante dos interesses do homem individual, no advento do Estado

liberal. Essa representação avulta-se com a doutrina da duplicidade, no século XVIII, na qual

duas vontades legítimas, diferentes e autônomas, atuavam a vontade popular – a do eleitor e a

7 Id. Teoria do Poder. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 171. 8 Ibid., 2007, p. 167. 9 Para Rousseau “a idéia dos representantes […] vem do governo feudal, desse iníquo e absurdo governo, que degrada a espécie humana e desonra o homem. Nas antigas repúblicas, mesmo em monarquias, nunca o povo teve representantes, e era desconhecida tal expressão”. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2007, Livro III, cap. XV, p. 87-88.

Page 26: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

24

do representante eleito – aquela, limitada ao ato formal de votar; esta, limitada ao exercício

político da representação outorgada.

A soberania seria repensada. A autoridade do soberano deveria encontrar limites. As

ideias de Rousseau e de seu Contrato Social, juntamente com as de Montesquieu, com o

Espírito das Leis e a Teoria da Separação dos Poderes, vicejavam em França, assim como as

de Locke, na Inglaterra, palcos de Revoluções distintas, mas igualmente transformadoras. Em

França, com rupturas mais evidentes com o ancien régime; na Inglaterra, de forma mais

consensual e interativa com a ordem anterior. Para Rousseau, a soberania não poderia ser

representada. Afirmava o genebrino:

Digo, portanto, que, não sendo a soberania mais que o exercício da vontade geral, não pode nunca alienar-se; e o soberano, que é unicamente um ser coletivo, só por si mesmo se pode representar. É dado transmitir o poder, não à vontade.

A soberania é indivisível pela mesma razão de ser inalienável. Porque ou a vontade é geral, ou não; ou é a do corpo do povo, ou só de uma parte dele. No primeiro caso, a vontade declarada é um ato de soberania e faz lei. No segundo, não é mais que uma vontade particular, ou ato de magistratura; é, quando muito, um decreto.

[…]

A soberania não pode ser representada pela mesma razão por que não pode ser alienada; consiste ela essencialmente na vontade geral, e a vontade não se representa; ou ela é a mesma, ou outra, e nisso não há meio termo; logo os deputados do povo não são, nem podem ser, representantes seus; são comissários dele, e nada podem concluir decisivamente.

[…]

[…] Seja como for, no momento em que um povo elege representantes, cessa de ser livre, cessa de existir.10

Dois teóricos do Estado moderno, Rousseau (1712-1778), com a ideia de democracia

direta, e Montesquieu (1689-1755), com a de democracia indireta e representativa, eram,

contudo, céticos em relação ao governo direto do povo, como se estabeleceu entre os gregos.

Propugnavam pela liberdade e pela igualdade, mas mesmo para Rousseau:

Rigorosamente nunca existiu verdadeira democracia, e nunca existirá. É contra a ordem natural que o grande número governe e seja o pequeno governado.

Não se pode imaginar que o povo reúna-se continuamente para cuidar dos negócios públicos, e é fácil ver que não poderia estabelecer comissões para isso sem mudar a forma de administração.

[…]

Se houvesse um povo de deuses, seria governado democraticamente, mas aos homens não convém tão perfeito governo.11

10 Ibid., 2007, p. 36-89. 11 Ibid., 2007, p. 67-68.

Page 27: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

25

Na representação política proposta por Montesquieu, a descrença na capacidade coletiva

do povo também era evidente. Dizia Montesquieu:

Uma vez que, em um Estado livre, todo homem que supõe possuir uma alma livre deve ser governado por si próprio, é necessário que o povo, em seu conjunto, exerça o poder legislativo; mas como isso é impossível nos grandes Estados, e nos pequenos estaria sujeito a muitos inconvenientes, é preciso que o povo exerça pelos seus representantes tudo o que não pode exercer por si mesmo.

[…]

A grande vantagem dos representantes é que estes são capazes de discutir as questões públicas. O povo não é, de modo algum, apto para isso, fato que constitui um dos grandes inconvenientes da democracia.

[…] a palavra dos deputados expressaria melhor a voz da nação;

[…]

Havia um grande vício na maioria das antigas repúblicas: o povo tinha o direito de tomar resoluções ativas que requerem certa execução, coisa de que ele de modo algum é capaz. Ele só deve tomar parte no governo para escolher seus representantes, e isso é tudo o que pode fazer.

Sempre há, em um Estado, indivíduos que se distinguem pelo nascimento, pelas riquezas, ou pelas honras; mas, se eles se confundissem com o povo e só tivessem direito a um voto, como os outros, a liberdade comum seria sua própria escravidão, e eles não teriam nenhum interesse em defendê-la, já que a maioria das resoluções seriam (sic) contrárias a eles. Sua participação na legislação, portanto, deve ser proporcional às outras vantagens que possuem no Estado.12

O Estado liberal precisava firmar sua identidade e sua estabilidade. A liberdade como

sustentáculo filosófico através do exercício da vontade dos novos agentes do poder deveria ter

limites objetivos e aparentemente impessoais – a constituição e a lei – as quais seriam,

doravante, expressões da representação da vontade geral. Com ela, a burguesia substitui a

vontade absoluta dos reis e impõe um componente político que legitimará o novo soberano –

o mercado do nascente capitalismo moderno – prometendo segurança ao cidadão e a seus

novos representantes burgueses. A legalidade equivale, nesse instante, à legitimidade.

Mas se para Rousseau “uma só lei há que de sua natureza requer unânime

consentimento, e é o pacto social” e […] “a oposição de alguns ao pacto social não invalida o

contrato, só dele os exclui”,13 para Montesquieu, com a sua teoria, a concentração de poder,

mesmo na nova ordem liberal, é uma ameaça à instabilidade institucional. Propõe então, para

a segurança da liberdade política, a separação do poder, fracionando as funções da soberania

estatal. Estava criado o sistema de freios e contrapesos, de contenção do poder.

12 MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do Espírito das Leis. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro XI, cap. VI, p.167-168. 13 ROUSSEAU, Jean-Jacques, op. cit., 2007, Livro IV, cap. II, p. 95.

Page 28: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

26

A função judiciária, até então concentrada em torno do poder feudal e, na sequência, do

absolutista, agora representava a vontade da lei, que, por sua vez, representava politicamente

os grupos subjacentes da nova sociedade comercial e industrial. Troca-se o fetiche divino pelo

fetiche do mercado. Transfere-se a servidão ante o absolutismo esclarecido para a servidão ao

comando legal. O juiz, nesse contexto, era apenas o porta-voz da lei. Continua escravo da

legalidade e a ela servil. Dizia Montesquieu:

Há em cada Estado três espécies de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil […]

Chamaremos este último ‘o poder de julgar’, e o outro chamaremos, simplesmente, ‘o poder executivo do Estado’ […] não haverá liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do executivo […]

Tudo então estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais ou o dos nobres, ou o do povo, exercesse estes três poderes: o de criar as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes e as querelas dos particulares. […]

O poder de julgar não deve ser dado a um senado permanente, mas exercido por pessoas extraídas da classe popular, em certas épocas do ano, de modo prescrito pela lei, para formar um tribunal que apenas dure o tempo necessário.

Dessa forma, o poder de julgar, tão terrível entre os homens, não estando ligado nem a uma certa situação, nem a uma certa profissão, torna-se, por assim dizer, invisível e nulo. E ninguém mais terá, constantemente, juízes diante dos olhos: temer-se-á a magistratura, e não os magistrados.

Será necessário mesmo que, nos grandes processos, o criminoso, concomitantemente com a lei, escolha os seus juízes, ou que, pelo menos, possa recusar um tão grande número deles, que aqueles que restarem sejam considerados como de sua escolha.14

Prosseguia Montesquieu:

Entretanto, se os tribunais não devem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo a um tal ponto, que nunca sejam mais que um texto fixo da lei. Se representassem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente quais os compromissos que nela são assumidos.

[…]

Dos três poderes dos quais falamos, o judiciário é, de algum modo, nulo. Restam dois, portanto, e como esses poderes necessitam de um poder regulador para moderá-los, a parte do corpo legislativo, que é composto de nobres, torna-se muito capaz de produzir esse efeito.

[…] Porém, os juízes da nação não são, conforme já dissemos, mais que a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que desta lei não podem moderar nem a força e nem o rigor.15

14 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, op. cit., 2005, Livro XI, cap. VI, p. 165-167. 15 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, op. cit., 2005, Livro XI, cap. VI, p. 167-172.

Page 29: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

27

Para Raymond Aron, “a idéia essencial de Montesquieu não é a separação dos poderes

no sentido jurídico do termo, mas o que poderíamos chamar o equilíbrio das forças sociais,

condição da liberdade política”. 16

A concepção política de democracia parlamentar, sob o amparo de constituições e leis,

logo mais seria questionada, quando as promessas de uma paz celestial e duradoura,

apregoada pelo liberalismo, não mais continham a classe trabalhadora, que aglomerada em

massa reivindicante, fornecia o combustível necessário para a transição do Estado liberal para

o Estado social, apresentando-se como atores de um Quarto Estado.

O consenso liberal, como de resto toda ordem consensual, tende à sua exaustão pela

eclosão de novas subjetividades e antigos dissidentes da vontade geral. As revoluções

socialistas fomentadas a partir do final do século XIX, agenciadas pelas sociedades de massas

e nacionalismos exacerbados, acusam a insuficiência dos parlamentos e denunciam a crise do

Estado liberal e de seu modelo de representação política.

A sociedade, outrora separada do Estado, e sobre ele prevalecente, era conduzida por

uma ordem jurídica na qual o individualismo prevalecia.

As grandes guerras do início do século XX e o ilusionismo da supremacia individualista

liberal denunciado pela crise financeira daqueles anos insuflam os novos descontentes – os

trabalhadores – em busca de direitos fundamentais mais efetivos. Cobra-se agora o retorno do

Estado para o gerenciamento da crise. A legalidade já não corresponde à legitimidade.

Bonavides descreve o momento:

Dessa porfia de classes, brotou o Estado social, com a prevalência de uma concepção da materialidade dos direitos fundamentais. Surgiu, assim, o advento do Estado de Direito de segunda dimensão, onde a garantia dos direitos fundamentais já não consiste, como no primeiro, em afirmar direitos públicos subjetivos. Mas consiste em fazer do legislador, segundo assinalou Grimm, o agente de uma normatividade positiva em favor da consolidação da liberdade, em contraste portanto, com o legislador negativo das chamadas reservas de lei, conforme era índole do Estado liberal.

[…]

Nesse segundo Estado de Direito a democracia pelas vias representativas já não se confina à supremacia de uma classe. Tendo por pressuposto o sufrágio universal, perde ela o teor formal que a revestia, abrindo o raio de sua abrangência participativa a todos os estados, ou seja, a todas as classes. Essa abertura em verdade traz o fermento da dissolução e da crise do sistema representativo em suas bases

16 ARON, Raymond. As etapas do pensa mento socio lógico . Disponível em: <http : / /www.arqne t .p t /por tal / teor ia/aron_montesquieu.html>. Acesso em: 17 set . 2007.

Page 30: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

28

clássicas, a saber, prepara a introdução do princípio democrático na sociedade contemporânea com um conteúdo de cidadania e uma força nova de concretude, que têm reflexos importantíssimos na reforma da velha concepção dos direitos fundamentais e de sua hermenêutica tradicional […]17

Em prosseguimento, ampliam-se os direitos fundamentais. As atrocidades da Primeira

Grande Guerra estuporaram a sociedade já em transformação. A reconstrução dos Estados

atingidos também foi o despertar da centralidade humana enquanto gênero, e não mais

limitada à relação individual ou societária.

Novos valores e garantias fundamentais constitucionalizados, reformulação da

hermenêutica clássica, estímulo e participação na cidadania e no Estado, demandas mais

concretas que afloram da realidade sinalizam a presença do Estado social, desconstruindo

muros ideológicos, ampliando o conceito de soberania para a formação de blocos

comunitários, propugnando por direito à solidariedade, à paz, ao desenvolvimento, à

informação, à comunicação, à proteção do consumidor e do meio ambiente, aos benefícios da

biogenética, à educação e à saúde básicas, ao acesso de bens naturais de uso comum da

humanidade, às tecnologias e, embora de primitiva origem, mas de coletiva preocupação

atual, pelo direito à garantia das fontes alimentares e hídricas.

A universalização e a globalização desses direitos inserem a pluralidade democrática

como princípio afirmativo do gênero humano, não só conceitualmente, mas positivado na

ordem jurídica internacional. Bonavides acresce:

Como se vê, a democracia caminha, a largos passos, para deixar de ser tão-somente forma de governo, de Estado, de república, para subir a um grau superlativo de princípio, de valor e de normatividade, derivado de sua proclamação e reconhecimento como direito da quarta geração.

Na escala da legitimidade constitucional, o século XIX foi o século do legislador, o século XX o século do juiz e da justiça constitucional universalizada; já o século XXI está fadado a ser o século do cidadão governante, do cidadão povo, do cidadão soberano, do cidadão sujeito de direito internacional […] Ou ainda, do cidadão titular de direitos fundamentais de todas as dimensões; século, por fim, que há de presenciar nos ordenamentos políticos do Terceiro Mundo o ocaso do atual modelo de representação e de partidos […]18

Estaria então a democracia participativa no século XXI caminhando para a prevalência

da democracia direta em vez da representativa? O povo, em sua dimensão comunitária e

pluralista, no Estado social, finalmente expressará a sua soberania, sendo o próprio poder no

Poder? Para Bobbio,

17 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2007, p. 512-513. 18 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2007, p. 351.

Page 31: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

29

[…] entre a democracia representativa pura e a democracia direta pura não existe, como crêem os fautores da democracia direta, um salto qualitativo, como se entre uma e outra existisse um divisor de águas e como se a paisagem mudasse completamente tão logo passássemos de uma margem à outra. Não: os significados históricos de democracia representativa e de democracia direta são tantos e de tal ordem que não se pode pôr os problemas em termos de ou – ou, de escolha forçada entre duas alternativas excludentes, como se existisse apenas uma única democracia representativa possível e uma democracia direta possível; o problema da passagem de uma a outra somente pode ser posto através de um continuum no qual é difícil dizer onde termina a primeira e onde começa a segunda.19

Entendendo que o fluxo do poder só poderia ter duas direções, sendo a ascendente -

tipicamente, nos Estados modernos - o poder burocrático, e a descendente, o poder político

exercido em todos os níveis da estatalidade, em nome e por conta do cidadão, dizia Bobbio

que

[…] o processo de democratização, ou seja, o processo de expansão do poder ascendente, está se estendendo das relações políticas, das relações nas quais o indivíduo é considerado em seu papel de cidadão, para a esfera das relações sociais, onde o indivíduo é considerado na variedade de seu status e de seus papéis específicos, por exemplo de pai e de filho, de cônjuge, de empresário e de trabalhador, de professor e de estudante e até mesmo de pai de estudante, de médico e de doente, de oficial e de soldado, de administrador e de administrado, de produtor e de consumidor, de gestor de serviços públicos e de usuário, etc.

[…] se hoje se pode falar de processo de democratização, ele consiste não tanto, como erroneamente muitas vezes se diz, na passagem da democracia representativa para a democracia direta quanto na passagem da democracia política em sentido estrito para a democracia social, ou melhor, consiste na extensão do poder ascendente, que até agora havia ocupado quase exclusivamente o campo da grande política (e das pequenas, minúsculas, em geral politicamente irrelevantes associações voluntárias), para o campo da sociedade civil nas suas várias articulações, da escola à fábrica: falo de escola e de fábrica para indicar emblematicamente os lugares em que se desenvolve a maior parte da vida da maior parte dos membros de uma sociedade moderna […]20

Bobbio não vê nesse processo evolutivo, portanto, a eclosão de um novo tipo de

democracia, mas “a ocupação, pelas formas ainda tradicionais de democracia, como é a

democracia representativa, de novos espaços, isto é, de espaços até agora dominados por

organizações de tipo hierárquico ou burocrático.”21 Para ele, avança-se da democratização do

Estado à democratização da sociedade. Pergunta, então, Bobbio:

É possível a sobrevivência de um estado democrático numa sociedade não democrática?

[…]

19 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 97. 20 Ibid., 1986, p. 54-55. 21 Ibid., 1986, p. 55.

Page 32: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

30

[…] a democracia política foi e é até agora necessária para que um povo não caia sob um regime despótico; mas é também suficiente?22

Considerando que o sufrágio universal ampliou o direito de participação, mesmo

indireto, com a extensão do voto às mulheres, e encurtou a idade para o exercício da

capacidade eleitoral ativa, Bobbio reconhece o índice de desenvolvimento democrático de um

povo não mais pelo número de pessoas aptas a votar, mas pela variedade das questões nas

quais se vota e pelo “espaço no qual o cidadão pode exercer o seu próprio poder de eleitor.”23

Nesse trajeto democrático, o italiano interroga, inclusive, sobre a necessidade do

autogoverno em oposição ao desejo dos governados de serem deixados em paz, afirmando

que

O efeito do excesso de politização pode ser a revanche do privado […] a apatia política […] Ao ativismo dos líderes históricos ou não-históricos pode corresponder o conformismo das massas […] indiferentismo [qualunquismo] dos que cultivam o seu ‘particular’.24

Admite Bobbio a existência de diversos centros de poder, que transformam a sociedade

contemporânea de monocráticas em policráticas, localizando essas instâncias dentro do

Estado, mas não identificadas com ele. Sendo assim, poderia haver sociedade pluralista não

democrática e sociedade democrática não pluralista. A sociedade feudal representaria a

primeira hipótese e a democracia, dos antigos, na polis, a segunda.25

Bobbio equaliza a teoria democrática, em contraposição aos regimes autocráticos, e a

teoria pluralista, com fluxos monocráticos ou policráticos de poder, afirmando:

[...] A teoria democrática e a teoria pluralista têm em comum o fato de serem duas propostas diversas mas não incompatíveis (ao contrário, são convergentes e complementares) contra o abuso de poder […] A teoria democrática toma em consideração o poder autocrático, isto é, o poder que parte do alto, e sustenta que o remédio contra este tipo de poder só pode ser o poder que vem de baixo. A teoria pluralista toma em consideração o poder monocrático, isto é, o poder concentrado numa única mão, e sustenta que o remédio contra este tipo de poder é o poder distribuído […] a república de Rousseau é simultaneamente democrática e monocrática, enquanto a sociedade feudal é simultaneamente autocrática e policrática.26

Com base nessa concentração, o Estado moderno seria, para Bobbio, simultaneamente

democrático e policrático, ora sendo possível o exercício da democracia direta, ora o da

22 Ibid., 1986, p. 55-56. 23 Ibid., 1986, p. 56. 24 Ibid., 1986, p. 56-57. 25 Ibid., 1986, p. 58. 26 Ibid., 1986, p. 60.

Page 33: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

31

indireta ou representativa, dependendo da vastidão do território, do número de habitantes e da

multiplicidade dos problemas que devem ser resolvidos. Para resolver os conflitos da

democracia representativa, nesse contexto, propõe Bobbio a democratização da sociedade

civil para minorar a tendência à formação das pequenas oligarquias, o que reconhece como

sendo o defeito daquela expressão democrática, sugerindo que o poder não seja apenas

distribuído, mas, também, controlado.27

Nessa elaboração não é esquecida a problemática do dissenso no discurso democrático,

principalmente pela dificuldade de se alcançar o consenso integral, aliás, preocupação que

remonta ao pessimismo de Rousseau. Santos recorre ao tema e acrescenta:

[…] foi a subjetividade que levou à democracia, também é essa subjetividade que impõe a perene demanda por novos experimentos, novas formas de interação e novas propostas utópicas, que obriga à liberdade de ousar e de providenciar a quebra da rotina.

Os produtores de poder são, também, os irredentos de sempre, que não abdicam da liberdade subjetiva. É nesses irredentos, sobretudo, que se funda o impulso para a transcendência de cada momento histórico. E com isso, produzem quanta de poder, em adição à quantidade do poder atual que se exaure na distribuição prevalecente […] São os que possuem a inclinação aventureira de transpassar o que está posto e a serenidade de ignorar a ameaça do ostracismo. É nos irredentos que sempre se origina a agonia criadora da dramaticidade democrática, a de legitimamente reclamar por realizações que a democracia não pode atender […]28

A equação lógica de Bobbio, então, monta o vetor do futuro democrático:

[…] a liberdade de dissentir tem necessidade de uma sociedade pluralista, uma sociedade pluralista consente uma maior distribuição do poder, uma maior distribuição do poder abre as portas para a democratização da sociedade civil e, enfim, a democratização da sociedade civil alarga e integra a democracia política.29

Enquanto Bobbio acreditava no sistema representativo, mediado por novos grupos de

poder da sociedade civil, outros visionários insistem na reinserção do mecanismo da

democracia direta para a formação do consenso e da tolerância ao dissenso democrático. Para

muitos cientistas políticos não haverá, porém, o fim da representação democrática, mas

o importante e essencial, absolutamente indispensável para definir hoje a identidade da democracia direta, é que o povo tenha ao seu imediato dispor, para o desempenho de uma desembaraçada e efetiva participação, os instrumentos de controle da mesma. Sem isso a participação será sempre ilusória, e o é nas chamadas democracias representativas do Terceiro Mundo, onde aqueles instrumentos

27 Ibid., 1986, p. 61. 28 SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O paradoxo de Rousseau: uma interpretação democrática da vontade geral. Rio de Janeiro: Rocco, 2007, p. 157. 29 BOBBIO, Norberto, op. cit., 1986, p. 63-64. Sobre o direito ao dissenso, ver também MORAES, Filomeno. Direito à oposição. O Povo, Fortaleza, 28 nov. 2006, p. 4.

Page 34: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

32

compõem, não raro, o biombo atrás do qual se ocultam as mais obnóxias ditaduras sociais de confisco da liberdade humana.30

Atraído pela ideia da democracia direta, mas não totalmente convicto quanto ao seu

destino, Santos analisa o tema:

A democracia direta é uma idéia sedutora. Sedutora e generosa. Há uma confissão de humildade na prática de consultar o eleitorado sobre questões excessivamente controversas. A concessão de um mandato não equivale a alguma lúcida transferência de intimidades telepáticas entre um e outro. Sensata, portanto, a providência de requisitar a opinião expressa dos mandantes na eventualidade de sérias divergências entre os mandatários.31

Mencionando plebiscitos e referendos como expressão da opinião dos mandantes,

vislumbra o autor a possibilidade de “descompasso, ou melhor […] aparente desencontro

entre a opinião do público e a preferência da maioria parlamentar”.32 Acresce Santos, ainda,

que:

O parlamento vem a ser precisamente o lugar em que são expostos argumentos contraditórios, em que se processa a persuasão de uns, a reconsideração de outros e a deliberação que, afinal, raramente corresponde imaculadamente a alguma das opiniões originárias. A opinião expressa em plebiscito escapa ao contraditório, estando contaminada por maior probabilidade de celebrar um erro entre todas as opiniões possíveis. O senso comum compartilha com os ideólogos a ilusão de que o número assegura a qualidade de uma opinião, mas não há conexão necessária entre uma coisa e outra. O número atribui poder causal, dele decorrendo, figuradamente, a força desta. Por isso mesmo, a substituição das instituições representativas e parlamentares por mecanismos deliberativos sem mediação equivaleria a transferir poder causal, produtivo, a preferências sustentadas sem o filtro do confronto argumentativo.33

Conclui Santos:

Não há como recorrer de decisões plebiscitárias. Os perdedores em tais decisões são perdedores absolutos. Além disto, não se supõe legítimo submeter aos parlamentos propostas contrárias aos resultados dos plebiscitos […] Uma sucessão de escolhas plebiscitárias daria lugar à constituição de um contingente de cidadãos condenados ao silêncio por tempo indeterminado. Na verdade, o mecanismo se converteria em uma fábrica de ostracismo ideológico. Uma parcela da população, suficientemente homogênea, seria capaz de impor, sem a mediação do confronto argumentativo parlamentar, o exílio interno dos dissidentes minoritários […] mecanismos complementares da democracia direta […] entretanto, devem permanecer submetidos ao confronto conciliatório tendo em vista a capacidade produtiva (destrutiva) que detêm. São instrumentos relevantes e potencialmente úteis, sem dúvida. Mas são essencialmente, omnifuncionais, tanto servem à democracia como podem beneficiar tiranias […]34

30 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2007, p. 499. 31 SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., 2007, p. 7. 32 SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., 2007, p. 7. 33 SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., 2007, p. 8. 34 SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., 2007, p. 9-10.

Page 35: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

33

No cotejo entre a proposta reformista de Bobbio, dirigida à democracia representativa,

com ampliação dos centros de poder até então excluídos, e a sua compreensão da limitação da

sociedade nos grandes aglomerados, a partir do século XX, de fazer valer a vontade geral

diretamente pelos mecanismos já existentes e à disposição da democracia participativa35

(referendos, assembleias de cidadãos, plebiscitos, vetos e consultas populares, orçamentos

participativos, recall, propostas legislativas populares, dentre outros), escapava ao visionário

da democracia futurista, por limites temporais, as novas realidades com as quais o poder,

enquanto mito simbólico, viria delas se apropriar, ou porque não dizer, idealizar, como forma

de propor uma nova dimensão ao percurso da dominação.

Trata-se da tecnologia interativa e digital, da virtualidade da realidade, dos votos e

consultas eletrônicos e instantâneos, adotados em todos os quadrantes da convivência

humana, da internet como rede universal de conexão da informação, do fetiche

consumológico, dos seres pré-construídos, reprogramados, reconstruídos e planejados

biologicamente, da opinião pública e publicada,36 das inteligências artificiais, dos home-work,

dos controles estatísticos compulsivos e substitutivos da subjetividade, da volatilidade e

ciclotimia dos mercados e das matrizes dos desejos e das paixões humanas, das

emergencialidades bionaturais (fome, sede, oxigênio, controles climáticos, tragédias

ambientais, etc.), do bombardeio da informação e da contrainformação, enfim, de tudo aquilo

que a ciência e a imaginação humanas têm aceleradamente transformado de ficção em

realidade objetiva. Parece configurar-se o que Ribeiro sintetizou com a observação de que

“nenhuma realidade cabe nas versões e formatos que o homem criou para digerir o mundo e a

si próprio”. 37

Ao contrapor-se toda essa parafernália aos obstáculos outrora reconhecidos para a

operacionalização da vontade geral pela via democrática direta, não se está apologizando, 35 “Quanto ao referendo, que é o único instituto de democracia direta de concreta aplicabilidade e de efetiva aplicação na maior parte dos estados de democracia avançada, trata-se de um expediente extraordinário para circunstâncias extraordinárias. Ninguém pode imaginar um estado capaz de ser governado através do contínuo apelo ao povo: levando-se em conta as leis promulgadas a cada ano na Itália, por exemplo, seria necessário prever em média uma convocação por dia. Salvo na hipótese, por ora de ficção científica, de que cada cidadão possa transmitir seu voto a um cérebro eletrônico, sem sair de casa e apenas apertando um botão”. BOBBIO, Norberto, op. cit., 1986, p. 53-54. 36 “A opinião pública não existe em estado natural. Ela é construída a partir de sentimentos e expressões verbalizadas e traduz um certo estado de espírito, a percepção do sentir-se bem ou descobrir-se marginalizado, como pessoa e cidadão […] Para Bourdieu, a opinião pública não existe; resulta de uma relação que se realiza entre os que emitem uma opinião e a percepção dos que a vêm conhecer, por via de uma leitura feita por mediadores de todo o gênero […] Nunca a opinião pública pareceu representar papel tão importante na democracia quanto em nossos dias […] MENEZES NETO, Paulo Elpídio de. Quem faz a opinião pública. O Povo, Fortaleza, 28 set. 2008, p. 7. 37 RIBEIRO, Regina. A teoria das cebolas. O Povo, Fortaleza, 16 out. 2008, p. 6.

Page 36: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

34

como consequência, a certeza do atingimento, somente pelo voto individual e instantâneo, da

real e concreta satisfação das necessidades materiais e da realização efetiva e plena dos

direitos fundamentais do gênero humano, até porque, em muitas ocasiões, ainda é no

burburinho das propostas pré-elaboradas que surge a fórmula adequada para o resultado útil.

Santos localiza em Rousseau essa preocupação:

O parágrafo relevante sobre a concepção algébrica da vontade geral encontra-se no capítulo III, do Livro II do Contrato e diz o seguinte: ‘Há freqüentemente muita diferença entre a vontade de todos e a vontade geral; esta não visa senão o interesse comum, a outra contempla o interesse privado e não mais do que a soma dos interesses particulares: mas retirem dessas mesmas vontades o mais e menos que se entredestroem e restará pela soma das diferenças o interesse geral’.38

Ademais, se pesa contra a democracia representativa a crítica do seu esvaziamento por

conta da manipulação dos centros de poder parlamentar ou do seu conformismo, manifestado

por um governismo suspeito, inerte e opressor do dissenso político, – o governo da oposição –

não é tão segura a ideia de que a vontade geral, manifestada diretamente, principalmente no

âmbito das grandes complexidades que envolvem aspectos da soberania interna e externa,

também não sofreria a influência dos mesmos manipuladores. Para Xavier:

A democracia aparece nos debates contemporâneos como uma idéia transtemporal, como modalidade particular de encenação política, produzindo uma aparência de que todos os partidos políticos, movimentos sociais e seus membros são democráticos. Porém, o que esse fenômeno negligencia é a dimensão experimental da democracia, o fato dela ser inerente às lutas concretas, às disputas de interesses e às agonias da conjuntura política.39

Esse caráter transtemporal, transcendente ou experimental da democracia talvez seja um

elemento importante para a retomada no cenário atual, da ideia de democracia direta, nos

limites em que a institucionalidade comportar, com a relatividade possível, diferente da ideia

absoluta que se estabeleceu na polis grega. Os obstáculos procedimentais já foram vistos

como contornáveis ou de riscos semelhantes ao da democracia representativa. A sua prática

não implicaria o abandono dos diálogos parlamentares nas questões para as quais uma nova

ordem possa reservar o espaço necessário. Bonavides, mais veemente na ideia, entende que:

Uma democracia desse quilate e teor, em que cada lei e cada ato administrativo de superior interesse público ficam sujeitos à iniciativa e à sanção do povo dirigente, fará que alguns sobreviventes do sistema representativo assumam ainda, no contexto do regímen, uma função útil, mas meramente auxiliar, instrumental e subsidiária, provavelmente de segundo ou terceiro grau.

Nesse caso, se houver ainda mandatos parlamentares, seu exercício não poderá esquivar-se jamais a um controle popular absoluto, traduzido inequivocamente na

38 SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., 2007, p. 56, nota 14. 39 XAVIER, Uriban. Democracia: modo de vida. O Povo, Fortaleza, 23 set. 2008, p. 7.

Page 37: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

35

completa imperatividade do respectivo mandato popular. Sujeita-se assim o agente infiel e transgressor da vontade do povo à destituição pelos mecanismos peculiares a essa forma de democracia.

[…]

Cada ato de deliberação e produção legislativa de maior importância não se efetivará sem a certeza de que o elemento popular poderá ser sempre e eficazmente o juiz que há de sentenciar a aprovação ou derrogação das decisões tomadas. Todos os grandes atos da vida política serão assim referendados pelo povo em última instância.40

A democracia direta proposta por Bonavides “não se confunde com os seus próprios

meios instrumentais […] com o formalismo nem tampouco com a materialidade de suas

técnicas […] postula […] a legitimidade fundamental e substancial do processo político

[…]”41

O Poder Judiciário, nesse contexto, foi um agente importante para a consolidação do

Estado social e a superação de suas crises. A carta de princípios e valores fundamentais

inseridos nos textos constitucionais seria, pouco a pouco, interpretada e efetivada pela nova

hermenêutica. O Judiciário, por seus membros, não seria mais só a boca da lei, mas

acrescentaria um discurso principiológico ao texto normativo, dando efetividade à regra

estática.

O Poder Legislativo, embora passível de renovações constantes, continuava inerte em

sua função legiferante emergencial, como se os grupos de poder representassem apenas a

extensão das mesmas oligarquias governativas, partidárias42 e familiares.43

A renúncia tácita a impor-se como legislador efetivo das transformações sociais

aceleradas abriu flancos nesse Poder, que foram ocupados pelo governo do Executivo, com a

parcimônia sobre as Medidas Provisórias e o preenchimento das lacunas legais, pelo Poder

Judiciário. “Fora da hermenêutica não há Direito nem Ciência do Direito; tampouco há

Constituição ou Direito Constitucional”, acrescenta Bonavides.44

A atuação do Supremo Tribunal Federal como “Tribunal Constitucional, colégio

legislador de primeiro grau e espécie de constituinte de plantão”45, é identificada como

40 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2007, p. 500. 41 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2007, p. 505. 42 Sobre a necessidade de se criar “cláusulas de desempenho para regular o funcionamento dos partidos e sua representação nas instituições da democracia”. CAMPOS, Fábio. Eleição vai firmar grupo de partidos no Brasil. O Povo, Fortaleza, 18 set. 2008, p. 18. 43 Sobre o tema CARVALHO, Erivaldo. A família como extensão do poder no Ceará. O Povo, Fortaleza, 4 ago. 2008, p. 21. 44BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2007, p. 510. 45BONAVIDES, Paulo. O futuro da Constituição está na democracia participativa. Diário do Nordeste,

Page 38: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

36

consequência da inércia do Poder Legislativo e como forma de rivalizar com a hipertrofia do

Poder Executivo. Afirma Bonavides:

Porquanto, ao dizer o que é a Constituição, em certa maneira, não raro está a legislar com mais rapidez, aliás, que as duas casas do Congresso, podendo a esse respeito, rivalizar com o Executivo, na velocidade com que este expede medidas provisórias. Mas a decadência congressual e executiva é tamanha no país pelas increpações de corrupção e por escândalos que cercam tanto o Legislativo como o Executivo, que estes dois Poderes, dado que tenham origens mais democráticas, perderam, todavia, em decorrência portanto de razões morais, maior parcela de credibilidade que a ‘constituinte togada’. A meu ver, enquanto não se fizer mais legítima, mais autêntica, mais democrática, a ação governativa do Executivo e do Legislativo, o que unicamente se obterá com o cidadão governante da democracia participativa no topo do exercício efetivo da soberania, o regime estará mais bem protegido e resguardado com os arestos legislativos dos ministros do Supremo.46

Sobre essa interferência do Judiciário nos outros Poderes, o atual presidente do

Supremo Tribunal Federal respondeu à crítica, esclarecendo:

[…] esse é um desejo trazido pela própria Constituição. Segundo ele, na inércia do Legislativo, o Judiciário está sendo obrigado a enfrentar questões que não estão no ordenamento jurídico, como foi o caso da greve dos servidores públicos e do tempo de aposentadoria nas atividades insalubres.47

Esse novo Poder Judiciário que surgiu com a Constituição Federal de 1988 precisa

implementar, na sua dimensão política e jurídica, “o controle final e supremo do povo em

todas as instâncias do poder”,48 adotando “o princípio democrático erigido à categoria de

direito fundamental”,49 preenchendo lacunas e contendo excessos dos demais Poderes, o que é

natural existir na construção de um processo democrático civilizatório, porém, também deverá

conciliar essas novas funções, das quais foi alijado ao longo da história construtora do Estado,

com a sua própria abertura ao princípio da democracia participativa, promovendo e

operacionalizando o acesso à justiça; à participação popular, isolada ou conjunta, na prestação

jurisdicional, reconhecendo que na sociedade de massas e pluralista do século XXI, “o

processo de inclusão social é decisivo e parece ser a senha para entender essa transformação

no capitalismo e na democratização da América Latina e sua integração ao mundo global”.50

A democratização no Poder Judiciário não implicará a perda de sua função jurisdicional,

nem das garantias de seus membros – juízes em todos os graus – e não afetará o seu

Fortaleza, 31 ago. 2008, p. 4. 46 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2008, p. 4. 47 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Passado e futuro do direito brasileiro se encontram em seminário no STJ. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/pubicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89072>. Acesso em: 18 out. 2008. 48 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2007, p. 517. 49 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 2007, p. 517. 50 PARENTE, Josênio. Democracia de massa. O Povo, Fortaleza, 12 abr. 2008, p. 5.

Page 39: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

37

autogoverno, mas contribuirá para que, podendo o povo exercer o seu poder soberano, por

meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos da Constituição Federal, elegendo

juízes em todas ou em algumas instâncias específicas, ou ainda, corroborando com os meios

atuais de recrutamento dos magistrados, promova o aperfeiçoamento do Estado democrático

participativo e reconheça o outro enquanto gênero humano.

Isso é uma expectativa e procurar-se-á teorizar nos capítulos seguintes, reconhecendo

vantagens nos modelos atuais, criticando posições obsoletas, redimensionando ideias antigas e

sugerindo modificações razoáveis. Possivelmente, ao final, possa-se concluir, com a

perplexidade de Lessa que,

[…] talvez a democracia não tenha uma teoria. A democracia é um desses acasos históricos, uma coisa que aconteceu em alguns países, que foi copiada em outros. Não é de modo algum um conceito universal. Ela é um evento histórico, datado, específico de certas sociedades […] No máximo o que há é um conjunto de expectativas nossas com relação à democracia. Expectativas, temores e apostas, sem as quais não vivemos, que por razões pragmáticas e retóricas designamos como teorias.51

Outra hipótese é aceitar que ainda não se chegou ao fim da história, e que as

expectativas, as experiências e as ações humanas são ilimitadas e imprevisíveis.

51 LESSA, Renato de Andrade, op. cit., 2002, p. 54.

Page 40: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

2 CONCEITUAÇÃO PRÉVIA DE INSTITUTOS, PRINCÍPIOS E GARANTIAS: A CONSTRUÇÃO DA PROBLEMÁTICA DEMOCRÁTICA NO PODER JUDICIÁRIO

No desenvolvimento desta dissertação serão abordados alguns temas que se apresentam

doutrinariamente como institutos próprios, princípios e garantias, que se inter-relacionam e

são necessários à compreensão deste trabalho.

Embora cada um deles pudesse ser objeto de um estudo independente, gerando

dissertações específicas, procurar-se-á firmar agora uma conceituação básica para facilitar a

assimilação do ponto central deste estudo, que é a constatação, a defesa e a ampliação do

exercício da soberania popular no processo de democratização e legitimação externa e interna

da função judiciária.

Para tanto, este capítulo tratará de conceitos sobre jurisdição, independência do

Judiciário e do juiz, imparcialidade e neutralidade do juiz e, por fim, legitimidade do Poder

Judiciário.

2.1 Jurisdição

Rocha afirma que:

a compreensão do Poder Judiciário requer uma prévia definição da jurisdição uma vez que o Poder Judiciário se define, substancialmente, em razão do que faz, isto é, em razão do exercício da função jurisdicional, configurando-se, assim, como o Poder do Estado a quem compete o exercício da função jurisdicional.1

Continua Rocha, afirmando, ainda, que o conceito de jurisdição é empírico, quanto à

sua origem, assim como os conceitos jurídicos, que são obtidos através da abstração

1 ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 9.

Page 41: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

39

generalizadora, quanto à extensão, sendo um conceito geral, que é obtido por abstração das

particularidades das jurisdições concretas.2

Na elaboração da ideia conceitual de jurisdição, o autor relaciona critérios da literatura

jurídica referentes ao objeto (solução de conflitos), ao sujeito (realização pelos membros do

Poder Judiciário), à forma de atuação (o processo) e à substituição de atividades (substituição

das partes no pronunciamento sobre situação jurídica alheia).3

Nesse trajeto construtor, Rocha também ressalta o aspecto relativo desses liames

identificatórios, colacionando exceções e críticas a todos eles.

Correlacionando Estado, Direito, Sociedade e conflito como pressupostos necessários

para conceituar a jurisdição, Rocha destaca o papel daquele nas modernas sociedades

industriais, fragmentadas em classes, grupos e corporações, com seus múltiplos interesses,

sendo necessárias forças de coesão e de coerção para a solução de conflitos e a

implementação de decisões.

Para tanto, com apoio em Kelsen, o autor realça, no processo de conceituação da

jurisdição, a função estatal de criação e aplicação de normas, preponderando esta sobre

aquela, considerando a função de concreção terminal do direito e o processo de individuação

do sistema jurídico, prevalecendo na aplicação o princípio da legalidade sobre o princípio

democrático, este, presidindo, essencialmente, a fase criativa do Direito.4

Em defesa do monopólio da jurisdição pelos órgãos do Judiciário, como um complexo

orgânico unitário, regido por um estatuto comum, Rocha atribui a essa centralidade o primeiro

traço tipificador da função jurisdicional na Constituição, fundamentado no Art. 5º, incisos

XXXV e XXXVII, e no Art. 92, ambos da Carta Federal, salvo as exceções previstas no

próprio Texto.

Para que essa função estatal seja efetiva e confiável, satisfazendo as necessidades de

certeza e segurança jurídicas, entende o doutrinador que a jurisdição como instância que

realiza as funções de interpretar e aplicar as normas jurídicas deve agir coativamente e de

2 Ibid., 1995, p. 18. 3 Ibid., 1996, p. 18. 4 Ibid., 1996, p. 22.

Page 42: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

40

modo terminal, transformando as proposições normativas abstratas e gerais em disciplina

efetiva de fatos concretos e reais, estendendo-se aos processos cautelar e executório.5

Rocha, ao sustentar ser a jurisdição monopólio dos membros do Judiciário, salvo as

exceções expressas na Constituição, agrega também a esse conceito certas prerrogativas dos

sujeitos exercentes dessa função (independência e imparcialidade), as quais, por metodologia

deste estudo, serão abordadas em tópicos separados.

Por fim, alude o autor também às garantias das partes, no conteúdo conceitual de

jurisdição, acostando como elemento estrutural na atuação do poder estatal o princípio do

devido processo legal (Art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal), projetando-o através do

princípio do contraditório e do princípio da igualdade processual, essencialmente.

Portanto, em síntese de todos esses elementos constitutivos, Rocha conceitua jurisdição,

no Direito brasileiro, como a “função de atuação terminal do direito, realizada por órgãos do

Judiciário independentes e imparciais, decidindo conflitos de interesses através do devido

processo legal”.6

Excluído desse conceito está, para o autor, a jurisdição voluntária, por entender não

tratar-se de atividade jurisdicional propriamente dita, porque não visa a concluir

definitivamente o processo de efetivação do Direito e não tem por objeto um conflito de

interesses, dentre outras diferenças.

Zaffaroni, admitindo que o Judiciário, como outras instituições, não tem uma só função,

afirma que:

A função judiciária é a ‘jurisdição’, ou seja, ‘dizer o direito’, como um terceiro que esteja situado ‘supra partes’, diante de um conflito, mas, na realidade isto não passa de um simples sinal da essência da função judicial, sem constituir uma descrição de sua complexidade e menos ainda de sua dimensão política.

É inquestionável que dirimir conflitos entre pessoas é uma função judicial, mas isto não serve para caracterizá-la, porque há outros órgãos do Estado que fazem o mesmo, sem contar os muitos particulares que também o fazem. De toda forma, não há dúvida de que dirimir conflitos é uma função judicial e que é necessário que os cidadãos gozem de um eficaz serviço judiciário e de um amplo acesso a ele […]7

5 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1995, p. 23-25. 6 Ibid., 1995, p. 34. 7 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário: Crise, Acertos e Desacertos. Tradução de Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 35.

Page 43: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

41

Rodrigues entende a jurisdição como a função estatal que tem por escopo atuar o direito

e garantir sua eficácia, de forma imparcial e, em última instância, no caso concreto, quando

provocada.8

Liebmann9 conceitua jurisdição como “o poder que toca ao Estado, entre as suas

atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por

força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica”.

Enfim, no desenvolvimento deste trabalho, serão abordadas exceções previstas pela

Constituição Federal, com caráter substitutivo da jurisdição estatal, mesmo quando há

conflitos de interesses na composição de litígios, em torno de bens patrimoniais ou de direitos

disponíveis entre pessoas maiores e capazes, como é o caso da arbitragem, cuja decisão final,

chamada sentença arbitral, produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da

sentença proferida pela jurisdição prestada pelo Poder Judiciário (Art. 31, da Lei n.º

9.307/96), configurando, por si, exemplo de quebra do monopólio estatal da prestação

jurisdicional, salvo quanto à sua implementação coercitiva. Nesse sentido, confira-se

Carmona:

Por outro lado, considerando que a função do árbitro não difere substancialmente daquela desempenhada pelo juiz estatal, foi inserido na lei o disposto no Art. 17, equiparando árbitros e funcionários públicos para os efeitos da legislação penal.

[…]

O Art. 32 determina que a decisão final dos árbitros produzirá os mesmos efeitos da sentença estatal, constituindo a sentença condenatória título executivo que, embora não oriundo do Poder Judiciário, assume a categoria de judicial. O legislador optou, assim, por adotar a tese da jurisdicionalidade da arbitragem, pondo termo à atividade homologatória do juiz, fator de emperramento da arbitragem. Certamente, continuarão a surgir críticas, especialmente de processualistas ortodoxos que não conseguem ver atividade processual muito menos jurisdicional – fora do âmbito da tutela estatal estrita.10

E continua Carmona:

Para rebater a idéia tacanha de jurisdição, não há lição mais concisa e direta que a de Giovanni Verde: ‘A experiência tumultuosa destes últimos quarenta anos nos demonstra que a imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a idéia que a justiça deva ser administrada em via exclusiva pelos seus juízes’.

8 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. O Poder Judiciário no Brasil. In: Cadernos Adenauer III, (2002), n. 6, O terceiro poder em crise: impasses e saídas. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, fev. 2003, p. 13, nota 1. 9 LIEBMANN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile. Reimpressão da 2. ed. Milão, 1968, v. I, n. 1, p. 3 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: procedimentos especiais. 38. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. I, p. 38. 10 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n.º 9.307/96. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 42-45.

Page 44: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

42

[…]

O conceito de jurisdição, em crise já há muitos anos, deve receber novo enfoque, para adequar-se a técnica à realidade. É bem verdade que muitos estudiosos ainda continuam a debater a natureza jurídica da arbitragem, uns seguindo as velhas lições de Chiovenda para sustentar a idéia contratualista do instituto, outros preferindo seguir idéias mais modernas, defendendo a ampliação do conceito de jurisdição, de forma a encampar a atividade dos árbitros; outros, por fim, tentam conciliar as duas outras correntes.

[…]

O fato que ninguém nega é que a arbitragem, embora tenha origem contratual, desenvolve-se com a garantia do devido processo e termina com ato que tende a assumir a mesma função da sentença judicial.11

Nessa hipótese e noutras que se abordarão ao longo desta dissertação, tem-se por

substituída ou mitigada a função jurisdicional estatal na formação do título judicial, muitas

vezes relegada aquela tarefa a atividade meramente homologatória, em jurisdições

voluntárias, e nas contenciosas com resultados conciliatórios ou transacionais, assim como

naquelas em que a soberania dos veredictos apenas impõe uma decisão técnica, condicionada,

em sua moldura, ao juízo valorativo impresso pelo Conselho dos Heliastas.

Nesse viés é que se percebe, mesmo que ainda precariamente, forte incursão ampliativa

da soberania popular na co-prestação da jurisdição, total ou parcialmente, não se podendo

mais, em caráter absoluto, atribuir à função estatal o caráter de atuação terminal do Direito,

salvo se necessária a coação para a sua efetiva implementação, poder este ainda exclusivo do

Estado.

2.2 Independência do Judiciário

Para reforçar a separação de funções do Poder do Estado, o constituinte imprimiu a essa

distribuição as ideias de independência e harmonia. Diferente da independência institucional

do Judiciário,12 no entanto, é a do agente, pessoa física e individual que integra aquele Poder.

Divide-se a independência do Judiciário em independência política e independência

administrativa. A independência política decorre da relação com o poder estatal, tem como

finalidade a defesa de sua liberdade contra o próprio poder político ilimitado e garante o

controle da constitucionalidade dos atos das outras duas funções da soberania do Estado, a

legislativa e a executiva.13

11 Ibid., 2004, p. 45-46. 12 C.F./1988, op. cit., (Art. 2º). 13 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1996, p. 111.

Page 45: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

43

A independência administrativa é o autogoverno da Magistratura, que lhe assegura

competência de autogestão administrativa, financeira, orçamentária e disciplinar.14

Essa independência, que em relação aos demais Poderes do Estado lhe assegura

identidade própria, no plano interno é exercida de forma concentrada e autocrática, com pouca

democratização, sendo mínima a participação dos membros do Judiciário – os magistrados -,

que têm baixa interferência nas decisões que lhes atingem, assim como a dos consumidores e

operadores do aparelho judicial – jurisdicionados, servidores auxiliares e advogados -, que

pouco opinam ou são ouvidos no aperfeiçoamento desses serviços.

Como toda expressão de poder, o Judiciário também se sujeita a limites na sua

independência. Esses limites são exercidos pelos outros Poderes, de forma constitucional e

política. Assim é que o Presidente da República é quem escolhe e nomeia os Ministros do

Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores. Quanto aos juízes dos Tribunais

Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e os egressos da advocacia, junto

aos Tribunais Regionais Eleitorais, também é o chefe do Poder Executivo Federal quem os

nomeia. Nos Estados e Distrito Federal, são os governadores quem escolhem e nomeiam

alguns membros do Poder Judiciário estadual, que ingressam nas Cortes da Justiça Comum

preenchendo as vagas reservadas ao quinto constitucional. No caso dos membros dos

Tribunais Superiores e Supremo Tribunal Federal, ainda é necessária a aprovação da maioria

absoluta do Senado Federal, demonstrando também a incursão do Poder Legislativo.

Um segundo limite à independência do Judiciário dá-se pela dependência deste Poder de

uma Polícia Judiciária vinculada e subordinada ao Poder Executivo, tanto na esfera federal

quanto na estadual. Não havendo uma polícia própria, a força coercitiva da jurisdição fica à

mercê do Comando do Poder Executivo, no plano operacional, resultando, por vezes,

conflitos entre Poderes, principalmente em relação às ordens judiciais dirigidas contra a

Administração Pública.

Outro nível de restrição à independência do Judiciário dá-se no plano do controle fiscal

e orçamentário pelo Legislativo, sendo que, neste último, também com controle do Executivo.

O controle legislativo fiscal opera-se através da Lei de Responsabilidade Fiscal, que impõe

limites aos gastos do Judiciário quanto às despesas com pessoal, em percentual equivalente a

6% das receitas correntes líquidas da União e dos Estados, respectivamente. A isso, acresça-se

14 C.F./1988, op. cit., (Arts. 96 e 99).

Page 46: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

44

o limite prudencial imposto15 no Art. 22, parágrafo único, da referida lei, que cria um subteto

para esse limite, reduzindo-o, na prática.

O controle orçamentário dá-se através dos Poderes Legislativo e Executivo. No primeiro

caso, mediante as tratativas que se desenvolvem durante a votação do orçamento. No

segundo, porque embora aprovada a versão final do orçamento, é o Poder Executivo o gestor

do Tesouro Estadual, ficando as liberações orçamentárias condicionadas ao seu crivo. Dallari,

a respeito, discorre:

Um sinal claro do desrespeito é o tratamento dispensado ao Poder Judiciário em matéria orçamentária. Em primeiro lugar, a parte do projeto de lei orçamentária relativa ao Judiciário, que este prepara e remete ao Executivo para integrar o projeto geral do Estado, normalmente sofre cortes, às vezes substanciais, como se as despesas ali previstas fossem supérfluas ou adiáveis. São raros os Estados em que isso não ocorre […] E depois de aprovada a lei orçamentária não existe, de parte dos chefes do Executivo de modo geral, a preocupação de entregar prontamente ao Judiciário a parcela dos tributos a ele destinada […] Essa é uma conseqüência da maldefinida aliança entre o chefe do Executivo estadual e a chefia do Judiciário, que gerou a idéia de que os governadores dos Estados não precisam preocupar-se em cumprir com rigor suas obrigações constitucionais para com o Tribunal de Justiça, pois este será sempre dócil e cooperativo.16

2.3 Independência do juiz

Para Zaffaroni, não se há de confundir a independência moral ou ética, algo individual e

da consciência, sobre a qual o direito apenas possibilita a sua formação, com a independência

jurídica do juiz, aquela garantia de que o magistrado não estava submetido às pressões

externas ao Poder Judiciário, nem às internas, do próprio Poder. 17

Rocha entende que a independência do juiz deve envolver a independência funcional e a

independência estatutária ou administrativa. Por independência funcional, refere-se, como

Zaffaroni, às interferências internas e externas. A título de interferências administrativas ou

estatutárias, menciona o risco de subordinação administrativa do juiz a outros núcleos de

poder.18

Ambos os autores são unânimes na crítica à estrutura militarizada, hierarquizada e

verticalizada da organização do Poder Judiciário, que estabelece uma relação de subordinação

administrativa no sistema de promoções entre os juízes de Primeiro e Segundo Graus.

15 Art. 20, I-b e II-b, da Lei Complementar n.º 101, de 04 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). 16 DALLARI, Dalmo de Abreu, op. cit., 2007, p. 144. 17 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 2007, p. 87-88. 18 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 144.

Page 47: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

45

Nesse sentido, entendem que a independência funcional é atingida pela dependência

administrativa, uma vez que a estrutura tecnoburocrática característica da Magistratura no

Brasil, com cargos escalonados em carreiras, proporciona o desenvolvimento do que Rocha

denomina de “pequena oligarquia dos tribunais”19 e Zaffaroni, de “corpos colegiados que

exercem uma ditadura interna”.20

Contra essa estrutura verticalizada, conhecida como bonapartista ou napoleônica,

propõe Zaffaroni um modelo horizontal, que reconheça “igual dignidade a todos os juízes,

admitindo como únicas diferenças jurídicas aquelas derivadas da diversidade de

competência”.21

É verdade, frise-se, que a instituição de critérios objetivos para promoções de juízes, o

advento dos controles exercidos pelo Conselho Nacional de Justiça e a possibilidade, sempre

presente, de promoções por antiguidade, em grau de alternância às promoções por

merecimento, arrefecem as críticas formuladas, mantendo um espaço reservado contra os

eventuais desvios.

No plano da independência externa do juiz, há uma série de aspectos que se relacionam

à sociologia, envolvendo o relacionamento do juiz com o meio social em que vive, as mídias,

as atividades acadêmicas, associativas e filantrópicas, enfim, um conjunto de elementos que

integram a sua personalidade, incluídas aí, também, as suas inclinações políticas.

Os regimes ditatoriais se organizaram sob o manto da força e da supressão das

individualidades e subjetividades. E foram poucos, até então, os lapsos de convivência em um

Estado Democrático de Direito, desde o início da independência desta nação.

Com o constitucionalismo moderno e as pressões internacionais por mais respeito aos

Direitos Humanos, às liberdades de expressão e com a adoção de um rol mínimo de garantias

fundamentais, individuais e coletivas, o positivismo legal perdeu espaço para a sua vertente

principiológica e o Judiciário caminhou no mesmo sentido, adotando um viés mais realista e

menos abstrato na interpretação da norma jurídica.

19 Ibid., 1996, p. 149. 20 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 89. 21 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 89.

Page 48: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

46

Esse comportamento influenciou os magistrados à proximidade com a sociedade,

desenvolvendo toda a sua pluralidade enquanto indivíduos inseridos no contexto dos

problemas a eles submetidos.

O juiz, reservado e absorto, começou a falar, a apresentar-se na imprensa, a expressar-se

não só como a boca da lei, mas escutando, auscultando, vendo e sentindo, mais próximo da

problemática social.

Desafeiçoado a essa abertura, surgiram os riscos da superexposição e as dificuldades

para a manutenção da razoável distância, necessária ao não comprometimento de sua

independência.

Acresça-se a isso a percepção de que, sendo uma expressão da soberania estatal, o Poder

Judiciário também é um poder político e, como tal, deve buscar todas as formas consentidas

pelo ordenamento jurídico para a solução dos conflitos, dentre elas, a conciliação e a

transação.

Para conciliar é preciso comunicar-se. Essa comunicação, quando se dá no plano dos

direitos individuais, assume uma postura mais intimista e reservada, a despeito da

publicidade, em regra, do processo.

O problema reside quando da abordagem das questões coletivas, dos direitos difusos,

homogêneos ou não. Surge, então, a prática das audiências públicas, nas quais a discussão das

questões aloja-se nas Ágoras específicas, conforme a temática. É uma espécie de preparação

para a formação de juízos valorativos, escutando e ouvindo a voz da sociedade.

Nesse espaço estão as grandes discussões, como as do aborto, interrupção da gravidez

de fetos anencéfalos, Lei de Biossegurança, terras indígenas, direitos de minorias,

inelegibilidade e corrupção eleitorais, dentre outras, com realização de audiências,

inaugurando essa nova fase de participação popular na antessala da jurisdição.

Assim, o juiz, acostumado apenas a falar nos autos, tem se pronunciado nesses debates

públicos, anunciando, por vezes, opiniões pessoais ou colegiadas, antecipando julgamentos e

decisões.

Page 49: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

47

Afora isso, o Judiciário também tem incursionado em espaços até então reservados ao

Executivo e ao Legislativo, provocando insatisfação nos membros daqueles dois Poderes, que

o acusam de intromissão indevida.

Se para uns essa atitude do Judiciário é apenas exercício de sua função política prevista

na Constituição para efetivar direitos e garantias fundamentais, para outros é típica incursão

em assuntos alheios a sua competência, gerando crise institucional.

Como consequência do que se denominou de judicialização da política, a estrutura

orgânica desses poderes reage com a também denominada politização da justiça, como num

sistema de freios e contrapesos, em busca do equilíbrio.

Importante, portanto, que haja razoabilidade no exercício desse novo papel do Judiciário

e de seus membros, para que, ao se exporem perante a sociedade, os juízes não percam a

serenidade do debate; a equidistância necessária à imparcialidade; não antecipem decisões

ainda passíveis de amadurecimento pelo contraditório das partes; não frequentem os

noticiários além do necessário, competindo com as já tradicionais manchetes; nem se deixem,

acima de tudo, ser cooptados pelo brilho dos salões e dos palácios, fartos de transeuntes

habilidosos na construção de vínculos que comprometem a isenção das consciências

julgadoras. Nesse sentido, lembra Roseno:

Por muitos anos, seguindo rigidamente os ditames da Lei Orgânica da Magistratura, o Judiciário adotou uma postura extremamente cautelosa e discreta em relação à divulgação de suas ações. Mas, ao dar as costas ao sentimento das ruas, corria também o risco de ver a população dar as costas ao próprio Judiciário, e resolveu mudar de atitude perante a mídia e a sociedade.22

Conclui Roseno, afirmando que essa nova transparência é “certo modo de sair de um

extremo para outro”, entendendo ser desejável um certo equilíbrio “porque já há muitos

membros do Judiciário que adoram a mídia, o que também não está correto”.23

Para assegurar no plano normativo e com status constitucional a independência do juiz,

a Constituição Federal previu garantias mínimas, quais sejam: vitaliciedade, inamovibilidade

e irredutibilidade de vencimentos.

A vitaliciedade, como uma das garantias constitucionais do juiz, é prevista no Art. 95,

inciso I, da Constituição Federal, sendo adquirida após dois anos de exercício da função de

22 ROSENO, Marcelo. In: NORÕES, Edilmar. Transparência. Diário do Nordeste, Fortaleza, 04 set. 2008. p. 3. 23 Ibid., 2008, p. 3.

Page 50: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

48

magistrado, em se tratando do Primeiro Grau de jurisdição. No Segundo Grau, a vitaliciedade

é adquirida automaticamente, após o magistrado nomeado entrar em exercício.

A perda do cargo durante o período bienal que antecede a obtenção dessa garantia

pressupõe a deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, decisão administrativa esta

que deverá ser adotada pelo voto de 2/3 de seus membros efetivos.24 Após a sua aquisição, a

perda do cargo dependerá de decisão judicial transitada em julgado, nada impedindo, porém,

que o juiz seja posto em disponibilidade remunerada, até o final do processo, o que

corresponde, na prática, a uma subtração provisória do seu exercício jurisdicional.

Por um aspecto, a exigência desse típico estágio probatório25 seria algo até salutar para o

processo de aferição do desempenho funcional do juiz, como ocorre para os servidores

públicos civis, aos quais se atribui a estabilidade no cargo de provimento efetivo, provido por

concurso público, após três anos de efetivo exercício, somente perdendo o cargo em virtude

de sentença judicial transitada em julgado; mediante processo administrativo; e por meio de

procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar,

assegurada, em todos as situações, a ampla defesa e o devido processo legal.26

O elemento distintivo dos dois exemplos é que, durante o período de estágio probatório,

o juiz presta a jurisdição e, portanto, necessita de independência em suas convicções jurídicas,

enquanto o servidor público tem apenas relação de subordinação administrativa, devendo

antes, como depois de sua efetivação no cargo, agir conforme orientação de seu superior

hierárquico, salvo, para evitar transgressão legal; por reserva de consciência; ou, em

raríssimas hipóteses, quando lhe é dada a possibilidade de formar juízo valorativo.

Sendo assim, nesse período probatório, o juiz está monitorado não apenas pelas regras

objetivas que tem a cumprir, mas por seu perfil ideológico, suas convicções políticas e

associativas, suas manifestações públicas acerca da própria carreira e de suas nuances e sua

liberdade interpretativa em questões polêmicas.

As partes processuais mais sagazes, sabendo dessa semi-independência momentânea,

por vezes ameaçam juízes com representações junto ao Conselho Nacional de Justiça ou às

24 C.F./88, op. cit., (Art. 95, I) e Lei Orgânica da Magistratura Nacional, Art. 22, II, alíneas “a” a “d”. BRASIL. Lei Orgânica da Magistratura Nacional (L.C.) nº 35, de 14 de março de 1979. Dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Disponível em: < http://www2.camara.gov.br >. Acesso em: 31 maio 2009. 25 Ibid., (Art. 93, VIII). 26 Ibid., ( Art. 41).

Page 51: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

49

Corregedorias dos Tribunais, para alcançarem decisões mais conservadoras e rigorosamente

ortodoxas, próximas de uma inalterabilidade factual. Não é raro se ver notáveis modificações

de perfis ocasionalmente solícitos e momentaneamente conformados, tornando-se mais

autênticos, inovadores e criativos, após a aquisição da vitaliciedade.

Outro aspecto quanto à vitaliciedade, é o fato de que, no Segundo Grau de jurisdição,

essa garantia é automática e imediata ao exercício funcional. Até certo ponto, explica-se essa

diferenciação em relação ao Primeiro Grau, considerando que esses juízes quando ascendem

aos tribunais já alcançaram a vitaliciedade. Os tribunais, porém, não são formados apenas de

juízes de carreira. Há também vagas para membros do Ministério Público e da Advocacia,

reservadas pelo quinto constitucional.

A justificativa de que os membros do Ministério Público já são vitalícios quando

escolhidos para os tribunais, devido ao longo tempo de exercício funcional, não é defensável,

considerando que o estágio a que se submeteram foi para um cargo distinto, com experiências

e atribuições diversas das inerentes à Magistratura.

Quanto aos advogados, maior razão não há para esse diferencial, eis que, nem sempre

eles são egressos de cargos públicos anteriores e, ainda que o fossem, não há vitaliciedade nos

eventuais cargos reservados a funções advocatícias que, de resto, são cargos distintos dos

reservados a magistrados.

Portanto, o razoável seria que fosse extinto esse discrimen em relação aos juízes de

Primeiro Grau ou fosse estendida aos membros de tribunais egressos do quinto constitucional

a mesma regra imposta para vitaliciar juízes, avançando-se na democratização interna no

Poder Judiciário.

Atente-se, inclusive, para a possibilidade de que advogados e membros do Ministério

Público, que outrora tiveram pleitos negados por juízes não vitalícios, possam se encontrar,

posteriormente, na condição de magistrados relatores de processos de vitaliciedade desses

mesmos juízes, se acaso vierem a compor os tribunais a que estão vinculados esses

magistrados.

Isso é mais uma demonstração da condição de pouca independência a que está

submetido o juiz durante o período anterior à aquisição da vitaliciedade.

Page 52: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

50

A inamovibilidade é outra garantia constitucional que contribui para o reforço da

independência do juiz, assegurando-lhe o direito de não ser removido ou promovido para

outra vara ou comarca, sem a sua anuência.

Isso implica dizer que mesmo a carreira na Magistratura se organizando em níveis

burocráticos e verticalizados, ao juiz é assegurado o direito de, empossado em uma comarca

ou unidade jurisdicional, lá permanecer até quando lhe aprouver, recusando promoções ou

remoções, mesmo em prejuízo de sua ascensão funcional, salvo se aposentar-se por ato

voluntário ou compulsório, for posto em disponibilidade, promovido ou removido no

interesse público (Art. 93, VIII, da Constituição Federal e Art. 45, I, da LOMAN).

Essa garantia evita que juízes sejam deslocados de uma região específica ou de varas

onde tramitem processos cujas partes estejam descontentes com decisões judiciais ou

tramitação de processos.

A irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos Arts. 37, X e XI; 39, § 4º; 150,

II; 153, III e 153, § 2º, I, da Constituição Federal, encerra o rol de garantias reservadas pelo

Art. 95 da Carta Política.

Com isso, também se quer preservar a remuneração pelo exercício da função

jurisdicional, contra represálias dos outros dois Poderes, e mesmo do próprio Judiciário, por

suas cúpulas.

O pagamento pelo trabalho do juiz não será objeto de barganha pelos Poderes que

interferem no orçamento público, nem pelos setores paraestatais de pressão política, daí é que

o constituinte estipulou regras que criam paradigmas remuneratórios no próprio Poder

Judiciário e proibiu acréscimos excepcionais aos limites delineados, assim como benefícios

fiscais e tributários privilegiados.

Um desses mecanismos de proteção ao subsídio percebido pelo juiz é a recomposição

do seu valor real, assegurando-lhe revisão anual e geral. Enfim, essas são garantias que

asseguram a independência do juiz no plano constitucional, sobre as quais se proporão

mitigações e ponderações no decorrer desta dissertação, a fim de se desenvolver ideias toantes

à dinâmica de democratização do Poder Judiciário.

Page 53: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

51

2.4 Imparcialidade do juiz

Para Rocha, a imparcialidade no sentido objetivo consiste na “indiferença do juiz a

respeito das situações jurídicas objeto do processo”;27 e no sentido subjetivo, na “eqüidistância

a respeito das partes em relação às quais a sentença opera efeitos”.28

Rocha entende ser a imparcialidade “um dos atributos essenciais da atividade

jurisdicional”. Afirma ainda que:

[…] a imparcialidade só pode ser compreendida em seu pleno significado se a considerarmos à luz da finalidade da jurisdição que […] é garantir a eficácia do ordenamento jurídico, em última instância, no caso concreto […] a imparcialidade, antes de ser um fim em si mesmo, não é outra coisa senão um meio para permitir a realização daquela finalidade que constitui a essência da jurisdição. Com efeito, se a finalidade da jurisdição é garantir a eficácia do próprio ordenamento jurídico e, só indiretamente, o interesse das partes, então o juiz tem a posição de um terceiro em face das partes e dos interesses em conflito […]

Por conseguinte, a imparcialidade é um atributo derivado da finalidade assinada à jurisdição, e não um atributo autônomo e independente […]29

Sendo um atributo essencial da jurisdição, e considerando a tese encampada pelo

legislador acerca da jurisdicionalidade da arbitragem, é razoável admitir, e assim previu a lei

de arbitragem, que a imparcialidade também seja um atributo derivado da finalidade destinada

às formas de prestação jurisdicional não estatais ou não exercidas diretamente por um juiz

togado, investido da função de um poder estatal.

Assim é que, na arbitragem, o Art. 14 da Lei n.º 9.307/96 previu a adoção das mesmas

regras de impedimento e suspeição estipuladas no Código de Processo Civil para os juízes

togados. Rocha, no entanto, admite haver duvidosa constitucionalidade em relação à

competência do árbitro para julgar sobre a sua própria suspeição ou impedimento, “o que

violaria o princípio universal da imparcialidade do julgador, uma das garantias fundamentais

do devido processo legal assegurado na Constituição”.30

Na verdade, a exceção de suspeição ou impedimento, a despeito de ser decidida pelo

próprio árbitro, nos órgãos arbitrais colegiados a decisão será do colégio e não de um árbitro

isolado, no caso, o Presidente, salvo expressa disposição das partes, em contrário.

27 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 81. 28 Ibid., 2006, p. 81. 29 Ibid., 2006, p. 81-82. 30 Ibid., 2006, p. 103.

Page 54: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

52

Se ainda assim persistirem razões para a sustentação da parcialidade do árbitro, resta

ainda a possibilidade de se recorrer ao Poder Judiciário para postular a decretação de nulidade

da sentença arbitral prolatada com esse vício, sem prejuízo da responsabilidade civil e penal

do árbitro e da instauração de procedimento ético para apurar o seu desempenho.31

A previsão da imparcialidade do árbitro na jurisdição arbitral está consignada,

expressamente, no § 6º do Art. 13 e no Art. 14 e seu § 1º da Lei n.º 9.307/96.

Portanto, mesmo na jurisdição que não é prestada diretamente pelo Estado, como no

caso da arbitragem, remanesce a ideia de imparcialidade como garantia para o seu exercício.

Uma abordagem da imparcialidade, como princípio geral informativo da jurisdição, no

âmbito dos processos civil e penal, e como direito fundamental subjetivo da parte a um

processo público, justo, équo e com todas as garantias, é desenvolvida por Souza, em tese de

doutorado sobre os aspectos da (im)parcialidade positiva e negativa do juiz.32

Souza constata que, “na democracia, a confiança no correto exercício da atividade

jurisdicional […] é pressuposto indispensável para se alcançar o adequado e necessário clima

de pacificação social e convivência harmônica entre seus concidadãos”, afirmando que “a

garantia de que o processo será conduzido por um juiz ou magistrado imparcial, ou a

necessidade de que o julgador se situe como terceiro que irá valorar interesses alheios, é da

essência da atividade jurisdicional no Estado contemporâneo”.33

Desconstruindo criticamente, consoante afirma o prefaciador de sua obra, o conceito de

imparcialidade judicial, propõe Souza a reconfiguração da aplicação processual desse

atributo, sob o prisma da (im)parcialidade positiva e da (im)parcialidade negativa do juiz,

procurando “romper com a perspectiva meramente formal e abstrata da imparcialidade do

juiz”, por entender, como Michel Mialle, que “o pensamento crítico parte da experiência de

31 Os Arts. 17 e 33 da Lei n.º 9.307/96, preveem a responsabilidade criminal do árbitro e as hipóteses de nulidade da sentença, respectivamente. A responsabilidade civil do árbitro não está prevista especificamente nessa lei, mas a doutrina no assunto e alguns órgãos arbitrais já inseriram em seus regulamentos previsões sobre essa responsabilidade, a exemplo do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil/Canadá (no Art. 6.3) e do Centro de Arbitragem da Câmara Americana de Comércio de São Paulo (Art. 7.1). CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 227. 32 Artur César de Souza é Juiz Federal vinculado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Pós-doutor pelas Universidades: Universitá Statale de Milano - Itália, Universidade de Valência - Espanha e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 33 SOUZA, Artur César de. A parcialidade positiva do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 19.

Page 55: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

53

que o mundo é complexo: o real não mantém as condições da sua existência senão na luta,

quer ela seja consciente, quer inconsciente”.34

Souza entende que “o conhecimento do juiz no processo não se dá por uma atitude

imparcial (passiva), mas pela interação do meio processual, das partes, e de sua própria

experiência do mundo que é construída e se deixa construir”. Nesse sentido, no plano

processual, a ideia de soberania democrática popular é destacada, em perfeita “harmonização

entre processo e democracia […] segundo os parâmetros de um processo público com todas as

garantias”.35 Para Souza, a parcialidade positiva do juiz tem

por finalidade a efetivação material dos princípios fundamentais previstos na Constituição Federal […] uma vez que os princípios constitucionais incorporam as noções básicas da ordem jurídico-política, pode-se considerar que eles são mais que simples normas jurídicas; na verdade, são verdadeiras ‘idéias forças’ representadas pela síntese axiológica de um determinado complexo normativo.

A feição positiva do princípio da imparcialidade é resultado dessa síntese axiológica de um determinado complexo normativo‘principiológico’ previsto na Constituição Federal […] não é um fim em si mesmo, mas é estruturado apoiando-se mutuamente nos outros princípios consagrados pelos textos constitucionais, entre eles, aqueles que estabelecem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a erradicação da pobreza, marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais.36

Souza propugna por uma “parcialidade positiva do juiz como instrumento de superação

das desigualdades sociais, culturais e econômicas no processo penal ou civil, para além da

igualdade meramente idealista e formal”. Souza critica a via idealista da noção do direito e do

processo, afirmando que, assim, procura-se “sustentar um universalismo a-histórico e um

pluralismo de explicações”.37 Para ele,

uma coisa é o idealismo de um processo penal ou civil que represente a aplicação dos princípios democráticos, como o da igualdade, o da ampla defesa e o do contraditório. Outra coisa bem diferente é a realidade concreta desse instrumento de perfectibilização da tutela jurisdicional.

[…]

Em certas circunstâncias há efetivamente a necessidade de se reconhecer as diferenças para que se possa igualar […]

[…]

Reconhecer as desigualdades das partes, independentemente da posição que exercem na relação jurídica processual, é de rigor, não para igualá-las, concretamente, pois as diferenças sociais, culturais e econômicas sempre estarão presentes na realidade, mas, sim, para permitir a realização de atos concretos e eficazes que possam atenuar essa lamentável e indesejável circunstância da vida.

34 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 23. 35 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 194. 36 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 232-233. 37 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 202-203.

Page 56: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

54

A alternativa para esse lamentável quadro da natureza humana é realçar a parcialidade positiva do juiz, seja em relação ao réu ou mesmo em relação à vítima do crime e à sociedade como um todo, a fim de que, por meios legítimos conferidos pelo ordenamento jurídico, e que não são poucos, possa promover-se o desenvolvimento da relação jurídica processual penal ou civil com base nos princípios democráticos fundamentais previstos na Constituição Federal brasileira de 1988.38

A imparcialidade também apresenta uma função negativa, qual seja, a “proibição de que

os juízes atuem no processo de forma a se inclinar em favor de determinada parte por

interesse pessoal ou qualquer fator discriminatório”.39 Para tanto, há regras de abstenção e

recusa previstas nos Códigos de Processo Civil e Penal, relativas à suspeição e ao

impedimento do magistrado. Nessas hipóteses, “a imparcialidade seria um requisito de

legitimação do juiz para sua participação no processo”.40

A imparcialidade, embora não expressa no texto constitucional, decorre da

“densificação de um princípio constitucional ou como direito fundamental a um processo

público e com todas as garantias”.41 Desse modo, ainda que não haja referência expressa no

texto constitucional, o § 2º do Art. 5º da Constituição Federal dispõe que os direitos e

garantias expressas na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos

princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais ratificados pela República

brasileira.

A regra do § 3º do Art. 5º da Constituição Federal também acresce ao texto

constitucional tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos, constando em

muitos deles a garantia da imparcialidade do juiz. São exemplos desses instrumentos legais: a

Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. 10) e o Pacto Internacional de Direitos

Civis e Políticos (Art.14).

Na legislação infraconstitucional, os dispositivos legais relativos à imparcialidade

negativa do juiz estão nos Arts. 252 e 254 do Código de Processo Penal e Art. 134 e 135 do

Código de Processo Civil, elencados de forma taxativa e assim aceitos pela jurisprudência

majoritária brasileira.

Portanto, a (im)parcialidade do juiz, do árbitro ou de qualquer outra instância julgadora,

quer no sentido positivo, quer no negativo, é essencial para o estabelecimento da confiança e

38 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 203-204, 207-211. 39 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 233. 40 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 122. 41 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 55.

Page 57: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

55

da reciprocidade necessárias à consolidação da democracia participativa, na qual “[…] a

justiça não pode ser administrada sem o controle do povo em nome do qual os magistrados

proclamam fazer justiça”.42

Essa (im)parcialidade, que se apresenta no aspecto subjetivo pelas restrições negativas

dirigidas à pessoa do juiz (impedimento e suspeição), e no aspecto objetivo, com a ação

positiva que considera as partes de um todo (diferenças diversas), com reflexos na relação

jurídica processual, parte da premissa, para Souza, de que “a justiça humana é parcial, pois a

sua humanidade não pode deixar de se resolver na sua parcialidade”.43 E que:

Por meio de uma racionalidade crítica que rompe com a totalidade processual dominante (atual concepção do princípio da imparcialidade), o juiz deve abandonar sua subjetividade solipsista de apenas realizar um ato de conhecimento no âmbito de atividade jurisdicional, para por meio de sua sensibilidade reconhecer a exterioridade das vítimas, das diferenças sociais, econômicas e culturais.

O juiz não deve tematizar o outro (vítima inferiorizada na relação jurídica processual), mas deixar transparecer um desejo metafísico de proferir uma decisão équo e justa, pois o juiz, em relação às vítimas do sistema, tem uma responsabilidade ética pré-originária à totalidade do sistema jurídico dominante.44

2.5 Neutralidade do juiz

Para Rocha, neutralidade não se confunde com imparcialidade. Enquanto esta é

elemento estrutural da jurisdição, afetando-a, aquela não é da essência da jurisdição. A sua

ausência não implica a perda da imparcialidade.45

A neutralidade como um conceito de indiferença em relação a valores políticos e

ideológicos pressupõe a ideia de que a jurisdição não é prestada por um Ser pensante,

humano, e que traz consigo uma formação multi e interdisciplinar.

Valores políticos, técnico-jurídicos, econômicos, psicológicos, ideológicos, espirituais,

culturais, enfim, preenchem todo o Ser do juiz, moldando a sua personalidade, e influi,

naturalmente, no conteúdo da prestação jurisdicional.

A ideia de um juiz dotado de pureza quase divina, alheio aos humores ambientais,

asséptico, marginalizado da sociedade, é também mencionada criticamente por Griffith, que

encontra na doutrina a afirmação igualmente irônica de que o juiz “quando se dispõe a julgar,

42 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 195. 43 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 144. 44 SOUZA, Artur César de, op. cit., 2008, p. 254. 45 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1995, p. 31-32.

Page 58: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

56

deve atuar como um eunuco político, econômico e social, e desinteressar-se do mundo fora do

tribunal”.46 Acrescenta Zaffaroni:

Em princípio, ao pretender que o juiz como pessoa possa ser ‘neutro’, por dotes pessoais que o situam acima dos conflitos humanos, associa-se à sua imagem pública um componente sobre-humano ou divino, que obviamente não é mais do que um produto de manipulação, mas que chega à imaginação coletiva e produz exigências de atitudes dirigidas aos juízes, sob o ângulo desta percepção de seu perfil.

Como ninguém é uma divindade, em medida maior do que todos o somos, ninguém pode assumir o papel de divindade e cumpri-lo satisfatoriamente e muito menos por nomeação estatal, no nível individual a disparidade entre as exigências de atitudes e a capacidade individual gera conflitos individuais muito graves, que afetam a identidade e conduzem a erros de conduta, tais como o ‘moralismo’ daquele que se considera juiz da ética de todos os concidadãos, a onipotência de quem afirma estar combatendo os piores males e flagelos de toda a humanidade e contendo os genocídios, a rigidez angustiante que se traduz em conflitos familiares, quando não em uma verdadeira ruptura depressiva.47

Prossegue Zaffaroni, afirmando que:

Definitivamente, esta imagem não é mais do que um instrumento da ditadura ética da pior espécie, condicionada pelo processo interacionista, que nos explica a tendência em assumir as atitudes que nos exigem conforme os estereótipos e a corresponder positivamente a eles. A ‘moralidade judicial’ ou ‘ditadura ética’ (na versão doutrinária mais sofisticada, a ‘etização do direito’) é produto desse mecanismo.48

Concluindo que essa articulação tem “a função política de considerar que os juízes são

alheios ao poder”,49 Zaffaroni insiste que:

Não é em vão que, entre muitas besteiras, se fale da judicatura como um ‘sacerdócio’, com o que se prepara a opinião pública para que considere como inconveniente qualquer atitude judicial que implique uma limitação ou um freio ao exercício do poder partidário ou uma crítica ao sistema. O público perde de vista o fundamental papel político do juiz e inclusive o rechaça como improcedente, que é o que todo autoritarismo pretende para exercer o poder sem qualquer limitação. O juiz perde-se numa estranha e nebulosa imagem de santo e pai rigoroso e moralista, que condena o mundo. Isto corresponde, certamente, a uma mitologização da figura do juiz, elaborada através de séculos e que sobrevive enfaticamente nesta imagem, cujas raízes inconscientes não são difíceis de perceber.50

Rocha afirma, também, que “se do ponto de vista axiológico inexiste neutralidade, do

ponto de vista do direito positivo não há nada obrigando o juiz a ser neutro político-

46 GRIFFITH, J.A.G. Giudici e política in Inghilterra. Milano, 1980, p.188 apud ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 91. 47 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 160. 48 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 160-161. 49 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 161. 50 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 161.

Page 59: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

57

ideologicamente”.51 Caso isto existisse, a norma seria ineficaz, por “exigir comportamento

sobre-humano do juiz”.52

Dallari, crítico severo do conceito de neutralidade absoluta e defensor da politicidade do

“cidadão-juiz”, entende que:

Os juízes exercem atividade política em dois sentidos: por serem integrantes do aparato de poder do Estado, que é uma sociedade política, e por aplicarem normas do direito, que são necessariamente políticas. Mas, antes de tudo, o juiz é cidadão e nessa condição exerce o direito de votar, o que não é desprezível quando se analisa o problema da politicidade de suas decisões. Não há como pretender que o juiz, fazendo uma escolha política no momento de votar, fique indiferente ao resultado da votação. Ele deve querer, como é óbvio, que sejam vencedores o candidato e o partido de sua preferência […]53

E finaliza Dallari:

[…] O juiz sempre terá de fazer escolhas, entre normas, argumentos, interpretações e até mesmo entre interesses, quando estes estiverem em conflito e parecer ao juiz que ambos são igualmente protegidos pelo direito. A solução do juiz será política nesse caso, mas também terá conotação política sua decisão de aplicar uma norma ou de lhe negar aplicação, pois em qualquer caso haverá efeitos sociais e alguém será beneficiado ou prejudicado.

Por todas essas razões merece acolhida a precisa conclusão do jurista argentino Roberto Dromi, na obra El Poder Judicial (Tucumán, ed. UNSTA, 1982, a propósito da politicidade jurídica: ‘Deve recuperar-se o critério que o Direito é uma ordenação imposta pela ‘razão prática’, e não pela ‘razão pura’. A neutralidade jurídica é uma quimera. Todo Direito, por sua própria condição, está inspirado numa ideologia política, à qual serve, como ferramenta jurídica do sistema. Mesmo os intentos jurídicos ‘puristas’ teorizados em abstrato se inserem num contexto estatal determinado, onde a racionalidade normativa fica à mercê da circunstância política’.

O reconhecimento da politicidade do direito nada tem a ver com opções partidárias nem tira, por si só, a autenticidade e a legitimidade das decisões judiciais. Bem ao contrário disso, o juiz consciente dessa politicidade fará um esforço a mais para conhecer e interpretar o direito, considerando sua inserção necessária num contexto social, procurando distingui-lo do direito abstrato ou do que é criado artificialmente para garantir privilégio, proporcionar vantagens injustas ou impor sofrimentos a outros com base exclusivamente numa discriminação social.54

Portanto, o que é proibido ao juiz pela Constituição Federal é a atividade político-

partidária (Art. 95, parágrafo único, inciso III), sob a forma de militância. A liberdade de

manifestar o pensamento, sem o anonimato; a liberdade de consciência e de crença; e a

liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica, e de comunicação,

independentemente de censura ou licença, são direitos e garantias fundamentais previstos no

51 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1995, p. 31. 52 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1995, p. 31. 53 DALLARI, Dalmo de Abreu, op. cit., 2007, p. 89. 54 DALLARI, Dalmo de Abreu, op. cit., 2007, p. 89-90.

Page 60: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

58

Art. 5º, IV, VI e IX , da Constituição Federal, e que não afetam negativamente o juiz ao

prestar a jurisdição.

2.6 A legitimidade do Poder Judiciário

Para a introdução do tema da legitimação do Poder Judiciário, é necessária antes alguma

conceituação sobre o que são legalidade e legitimidade. Bonavides leciona que:

A legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido. […] traduz a noção de que todo poder estatal deverá atuar sempre de conformidade com as regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do poder que se exerce ao direito que o regula […] o funcionamento do regime e a autoridade investida nos governantes devem reger-se segundo as linhas-mestras traçadas pela Constituição, cujos preceitos são a base sobre a qual assenta tanto o exercício do poder como a competência dos órgãos estatais […] O conceito de legalidade se situa assim num domínio exclusivamente formal, técnico e jurídico.55

Por legitimidade, Bonavides entende como sendo o

questionamento acerca da justificação e dos valores do poder legal. A legitimidade é a legalidade acrescida de sua valoração. É o critério que se busca menos para compreender e aplicar do que para aceitar ou negar a adequação do poder às situações da vida social que ele é chamado a disciplinar. No conceito de legitimidade entram as crenças de determinada época, que presidem à manifestação do consentimento e da obediência.56

E continua Bonavides:

A legalidade de um regime democrático, por exemplo, é o seu enquadramento nos moldes de uma constituição observada e praticada; sua legitimidade será sempre o poder contido naquela constituição, exercendo-se de conformidade com as crenças, os valores e os princípios da ideologia dominante, no caso a ideologia democrática.57

A esse aspecto jurídico-filosófico do binômio legalidade-legitimidade, Bonavides

acresce as influências da teoria da legitimidade como representação dominante do poder, de

natureza sociológica, com as manifestações weberianas da legitimidade: a carismática, a

tradicional e a legal ou racional.58 Para Vasconcelos:

55 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 1983, p. 113-114. 56 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 1983, p. 114. 57 BONAVIDES, Paulo, op. cit., 1983, p. 114. 58 “[...] Max Weber faz que a legalidade repouse sobre três formas de manifestação da legitimidade: a carismática, a tradicional e a legal ou racional [...] A autoridade carismática assenta sobre as ‘crenças’ havidas em profetas, sobre o ‘reconhecimento’ que pessoas alcançam os heróis e os demagogos, durante as guerras e as sedições, nas ruas e nas tribunas, convertendo a fé e o reconhecimento em deveres invioláveis que lhe são devidos pelos governados. O poder carismático se baseia, segundo o sociólogo, na direta lealdade pessoal dos seguidores.A autoridade carismática [...] conserva nas suas formas mais puras o caráter autoritário e imperativo. Já a autoridade tradicional se apóia na crença de que os ordenamentos existentes e os poderes de mando e

Page 61: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

59

Todo grupo social pressupõe organização interna e estrutura de poder, por mais embrionária que seja, que lhe assegure a manutenção e o desenvolvimento. Mas o poder, para impor-se necessita de autoridade, isto é, ser legítimo.59

Situando a legitimidade no plano da instância de valor e não no da validade, afirma o

autor que a temática tem natureza filosófico-política e deságua no campo das ideologias,

sendo o Direito e a democracia “termos que se exigem, se implicam e se completam. Apenas

o poder de formação democrática pode ser tido por autorizado e, portanto, legítimo”.60 Diz

mais:

Parece ter ficado claro que a legitimidade não é condição criada e imposta pelo Estado, conquanto ele mesmo, para impor-se como poder soberano, dependa de legitimação. Não se há de supor, apressadamente, que o Direito positivo capaz de legitimar-se seja só aquele criado pelo Estado.61

Em sua Teoria da Norma Jurídica, Vasconcelos inter-relaciona legitimidade, Estado e

Democracia, quando doutrina que:

A fundação do Estado importa, em termos definitivos, um ato de transferência de poder. Isso não resulta na alienação de sua titularidade, que permanece intacta, com o corpo social; recebe o Estado, apenas, delegação para exercitá-lo. E o fará em nome do povo. É a teoria que nos legou o Liberalismo, como tal positivada nos textos constitucionais modernos, a exemplo do nosso, onde se lê: ‘Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’ (Art. 1º, parágrafo único). Projetando-se a formulação no plano jurídico, tem-se que, enquanto o Estado se converte em juiz da legalidade, fica o povo como árbitro supremo da legitimidade.62

O povo que compõe a nação, com inserção em um contexto político-econômico

globalizado, cuja estabilidade é vital para a consolidação de indicativos sociais favoráveis e

direção comportam a virtude da santidade. O tipo mais puro, prossegue Max WEBER, é o da autoridade patriarcal, onde o governante é ‘senhor’, o governado o ‘súdito’ e o funcionário o ‘servidor’ [...] presta-se obediência à pessoa por respeito, em virtude da tradição de uma dignidade pessoal que se reputa sagrada. Todo o comando se prende intrinsecamente à tradição, cuja violação brutal por parte do chefe poderá eventualmente pôr em perigo seu próprio poder, cuja legitimidade se alicerça tão-somente na crença acerca de sua santidade. A criação de um novo direito em face das normas oriundas da tradição é em princípio impossível. Conseqüentemente, a direção política do meio social goza de uma solidez e estabilidade que se acha sob a dependência imediata e direta do aprofundamento da tradição na consciência coletiva. Quanto ao último tipo, o da autoridade ‘legal’, que informa toda a época do racionalismo ocidental, temos o poder fundado no estatuto, na regulamentação da autoridade [...] o tipo mias puro é o da autoridade burocrática. Sua concepção fundamental se resume na postulação de que qualquer direito pode ser modificado e criado ad libitum, por elaboração voluntária, desde que essa elaboração seja formalmente correta. A obediência se presta não à pessoa, em virtude de direito próprio, mas à regra, que se reconhece competente para designar a quem e em que extensão se há de obedecer [...] o poder racional ou legal cria ademais em suas manifestações de legitimidade a noção de competência, o poder tradicional a de privilégio e o carismático, desconhecendo esses conceitos, dilata a legitimação até onde alcance a missão do chefe, na medidade de seus atributos carismáticos pessoais, conforme observa aquele pensador”. BONAVIDES, Paulo, op. cit., 1983, p. 121-122. 59 VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria Geral do Direito: teoria da norma jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, v. I, p. 236. 60 Ibid., 1993, p. 238. 61 Ibid., 1993, p. 238. 62 Ibid., 1993, p. 246.

Page 62: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

60

autoafirmação da diversidade cultural – não só pelo resgate do déficit histórico democrático,

no caso brasileiro, como pela projeção na constante reorganização do poder mundial – dispõe

hoje de uma ordem constitucional cuja legalidade pode ser experimentada de forma

autocrática ou participativa, dependendo para isso do viés interpretativo que se dê ao texto de

suas normas. Faria identifica algo semelhante como sendo a crise da legitimidade, e afirma:

Assim, se o processo de legitimação indica o grau de solidez e o nível de aceitação de um sistema político, todo o problema da legitimidade envolve, basicamente, uma crise de mudança social, uma vez que a ordem institucional não é um corpo em repouso, mas um processo permanente: nesse sentido, o movimento inicial é a ruína total ou parcial, lenta ou súbita, da ordem constitucional, motivada de um lado por novas exigências dos diversos grupos sociais, e de outro, pela ineficácia do sistema político em captar as necessidades de alteração e modernização de suas regras (enrijecendo-se em sua criatividade e aumentando a tensão entre governantes e governados). Daí a importância do papel exercido pelo consenso ao maximizar as potencialidades de um sistema político, possibilitando o equilíbrio, evitando o clima de tensão e garantindo o ajustamento dos valores que correspondem, no sentimento coletivo, à aspiração de justiça […]

Mesmo porque, se o conceito de legitimidade tem um caráter empírico, na medida em que a legitimidade jamais encontra uma resposta única, mas pressupõe o concurso da opinião pública e implica a capacidade de um sistema político de manter a crença de que as instituições vigentes são as mais apropriadas à sociedade, nosso esforço apenas terá algum sentido se nossa visão pragmática da democracia e nossa abordagem retórica do direito forem suficientemente sensíveis para fazer uma leitura ideológica dos diferentes argumentos possíveis, decifrando os topoi políticos e jurídicos, compreendendo a deformação de sentido que eles são capazes de produzir.63

Ruivo, tratando do poder e de sua legitimação, também alude à necessária participação

da sociedade na instituição jurídica, predicando:

Com a expansão do Estado, porém, alarga-se o sistema político em detrimento do cultural: a administração abandonou a sua autonomia e exige-se mais lealdade. A intervenção e planificação administrativa de novas áreas alarga o ‘público’, invadindo zonas de tradicional autolegitimação e debilitando os esquemas de justificação. O ‘sentido’ começa a constituir algo de escasso (e a administração tradicionalmente não o produz).

A essa expansão do Estado corresponde, pois ‘um acréscimo mais que proporcional das necessidades de legitimação’. E para se manter enquanto aparelho externo à sociedade, desconexo na imagem do conjunto e reservando-se todo um potencial legitimador, o Estado vai descarregar sobre algumas das suas funções a tarefa de assegurar essa crença de adequação em resposta ao déficit de legitimação. A renovação e revitalização da instituição judiciária e do ‘papel do juiz’ torna-se assim de extrema importância pela repercussão, pelo efeito legitimador de retorno, que passa a ter sobre todo o sistema social: discutem-se então as formas de garantia de legitimidade das decisões judiciais – o processo em si, a garantia de acesso à justiça, a posição do juiz face às partes e sua imagem social. Em suma, conexão entre aparelho judicial e sociedade: aproximação do processo de tomada de decisão e participação.

[…]

63 FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica: Crise do direito e práxis política. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 46 e 103.

Page 63: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

61

Proximidade e participação, para além de legitimarem o processo de tomada de decisão do aparelho judicial, vêm, assim, também legitimar globalmente a sociedade. Não há descontinuidades entre os seus processos, continuando, pois, o aparelho judicial a reproduzir as relações econômicas dentro dos limites de uma compatibilidade funcional.64

Sales, sobre o tema, propõe a legitimação da função judiciária pela submissão do juiz à

Constituição e à lei, afirmando que: “O juiz, ao controlar a aplicação da lei através de uma

interpretação constitucional, garantindo a efetividade dos direitos fundamentais e o Estado

Democrático de Direito, possui legitimação democrática”.65

O ordenamento jurídico, portanto, para Sales, é o limite da legitimação do Poder

Judiciário, e acrescenta:

O Poder Judiciário brasileiro, mesmo com todos os problemas da estruturação desse Poder […] as freqüentes declarações e inconstitucionalidade de legislação elaborada pelo Poder político com pouca preocupação com as normas, princípios e valores constitucionais, constituem uma esperança e uma expressão clara da nova tendência da função jurisdicional, cuja total legitimação democrática, no entanto, só atingirá o seu ponto mais alto quando, dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, cumprir suas tarefas constitucionais.66

Nessa moldura de submissão do Judiciário à Constituição e à lei, vislumbra-se a ideia de

cisão entre a natureza jurídica e a natureza política da função jurisdicional, como se esses dois

atributos não fossem partes da mesma estrutura – o Poder do Estado.

Esse poder estatal é a manifestação da soberania popular, que encontra na Constituição

sua extensão e seus limites. O problema reside no delineamento desse mecanismo dialético e

orgânico e na sincronia dessas duas forças e das suas características atávicas de expansão e

compressão.

As raízes históricas dessa dinâmica de separação das funções estatais encontram sua

formulação dogmática ainda entre os revolucionários franceses que, ávidos pela

reestruturação do poder do ancien régime, emolduraram a atuação do Judiciário, tornando

seus membros meros servidores da lei. Nesse sentido, Rocha afirma:

De fato, a submissão do juiz à lei é uma derivação lógica da posição hegemônica da Assembléia e de seu produto, a lei, que, por sua vez, é a expressão da hegemonia burguesa.

64 RUIVO, Fernando. Aparelho judicial, Estado e legitimação. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p. 66-94, p. 87-90. 65 SALES, Lília Maria de Morais. Poder Judiciário: o modelo tecnoburocrático e a Constituição Federal de 1988. Dissertação. (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito. Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, 2000, p. 123. 66 Ibid., 2000, p. 120.

Page 64: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

62

Sabemos que, no antigo regime, os juízes (‘parlements’), além das tarefas jurisdicionais, exerciam também funções políticas, como a expedição dos ‘arrets de réglemen’ verdadeiros textos normativos através dos quais regulavam matérias pretensamente conexas com o exercício da jurisdição e, bem assim, o registro de atos normativos do monarca (‘droit d’enregistrement’), por meio dos quais controlavam sua conformidade às leis fundamentais da monarquia (controle de constitucionalidade), oportunidade em que dirigiam ao soberano as ‘remontrances’, que eram reclamações sobre a incompatibilidade dos atos reais, e que podiam levar à recusa do registro caso não atendidas.67

Prossegue Rocha:

Pois bem, com o advento da Revolução de 1789, o Judiciário sofre, como vimos, mutilações que redundam em perda dessas competências políticas e conseqüente desqualificação ao papel de simples e estrito aplicador das leis da Assembléia, mutilações que marcam todo o processo de formação do modelo de juiz que guia a magistratura do continente até os anos cinqüenta deste século [o século XX] e continua guiando a magistratura da América Latina.

Desse modo, a idéia-força da Revolução de 1789, do culto da lei, gera a imagem do juiz servidor da lei, do juiz tributário da lei, enfim, do juiz ‘boca da lei’, na expressão de Montesquieu, em visível contraste com os tribunais do antigo regime (‘parlements’), caracterizados pela influência na direção política do Estado.

[…]

Em conclusão, a imagem do juiz que emerge da Revolução de 1789 é a de um aplicador mecânico da vontade do legislador sem nenhuma liberdade criativa.

[…]

[…] a razão da persistência dessa imagem do juiz, na Europa continental, até os anos cinqüenta deste século [século XX], e na América Latina, até os dias correntes, devemos buscar a explicação em dois fenômenos interdependentes: de um lado, a funcionalidade dessa imagem aos interesses dominantes, sobretudo a exigência de certeza do direito imprescindível ao cálculo econômico da economia de mercado e, de outro lado, a inércia intelectual, característica das grandes correntes de pensamento, como é o positivismo jurídico, que sobrevém às condições histórico-materiais que lhe deram origem.68

Justificando essa separação funcional e originária do Poder Jurisdicional, com arrimo

constitucional, Sales apoia a sua ideia no pensamento de Gomes, que afirma:

Ressalta-se que a legitimação democrática do Judiciário é estruturalmente, portanto, totalmente diversa da dos demais poderes do Estado. Divide-se em duas fontes de legitimação do Poder Judiciário: a legitimação formal, assegurada pelo princípio da legalidade e da sujeição do juiz à lei; a legitimação substancial, que consiste na função e capacidade da jurisdição de tutelar os direitos fundamentais e garantir o Estado Democrático e Constitucional de Direito.69

Insistindo ainda no tema da separação das funções política e jurisdicional, continua

Sales, com o entendimento de Gomes:

67 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1995, p. 96-97. 68 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1995, p. 97-98. 69 GOMES, Luiz Flávio apud SALES, Lília, op. cit., 2000, p. 121.

Page 65: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

63

A legitimação política, só porque é representativa, não significa que é mais importante ou goze de maior hierarquia perante a legitimação judicial (formal ou legal); ambas as modalidades de legitimação foram concebidas pelo Poder Constituinte e estão previstas pela Constituição; ambas estão no mesmo pé de igualdade. Se o constituinte quisesse poderia Ter (sic) estruturado de modo distinto o Poder Judiciário.

Não o fez, certamente, por respeito à tradição brasileira que afasta qualquer tipo de eleição direta (do povo) para cargos judiciais. Não cabe discutir qual das duas legitimações é a mais democrática: ambas o são. O que se espera, isto sim, é que cada Poder estatal cumpra suas tarefas, sobretudo as constitucionais rigorosamente dentro dos seus limites, sob pena de rompimento do necessário equilíbrio entre os poderes.70

Buscando na democracia a legitimação da função judiciária, independentemente do

sufrágio universal, Zaffaroni arremata:

Uma instituição não é democrática unicamente porque não provenha de eleição popular, pois, nem tudo o que provém dessas origens é necessariamente ‘aristocrático’. Uma instituição é democrática quando seja funcional para o sistema democrático, quer dizer, quando seja necessária para sua continuidade, como ocorre com o Judiciário.

Quando se diz que o Poder Judiciário tem legitimidade constitucional, mas não legitimidade democrática, se ignora sua funcionalidade democrática. Pareceria que o reconhecimento da função política do Judiciário fosse incompatível com a nomeação por concurso público, por exemplo, e que seria paradoxal que aquele possa julgar em nome do povo, quando não é eleito pelo povo.

[…]

Pensamos que a legitimidade não é julgada unicamente pela origem, senão também, e às vezes fundamentalmente, pela função. Segundo nosso ponto de vista, o prioritário no Judiciário é sua função democrática, ou seja, sua mencionada utilidade para a estabilidade e continuidade democrática.71

Até aqui, algumas construções linguísticas do discurso doutrinário despertam

interrogações, tais como: se a legitimação do Poder Judiciário está em sua submissão à

Constituição e à lei, os outros dois Poderes, que criam a norma e cumprem o que nela está

previsto, igualmente não estão sujeitos à moldura legal? Mais do que sujeição, não realiza

também o Poder Legislativo o controle de legalidade primeiro, no momento da elaboração da

norma, mesmo que em abstrato? Há serventia na interpretação e sanção judiciais concretas,

quando a norma é alterada posteriormente, alcançando resultados pretéritos, em benefício de

situações genéricas e abstratas, tornando inócua a função jurisdicional exercida? A

continuidade, a funcionalidade e a estabilidade democráticas a que se refere Zaffaroni,

também não são funções legislativas e executivas?

70 SALES, Lília, op. cit., 2000, p. 122. 71 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 43-44.

Page 66: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

64

Ser funcional, nesse discurso, dando continuidade e estabilidade à ordem democrática,

parece antes traduzir as ideias de instrumentalidade, constância, automatismo e permanência

do que as de adequação, dinamismo, autonomia e incerteza, estes, eventos típicos da ocorrência

social e que se prestam à formulação da legalidade e de sua legitimidade fundante e justificante.

Essa sustentação semântica quanto à legitimação da função jurisdicional e à definição

de um locus próprio, dissociado do elemento político do poder, através de uma lógica

racional, linear, certa e objetiva, impede a percepção ampla da função a ser exercida pelo

Judiciário e a necessidade de fundamentação legitimamente mais abrangente e pluralista, sem

prejuízo da ideia de que, em algum momento, toda e qualquer ordem experimentará um lapso

de certeza, permanência e consenso, porém, trazendo em sua própria estrutura o gérmen da

dúvida, da incerteza, da temporalidade, da pluralidade.

Advertindo sobre a necessidade de integração da configuração normativo-constitucional

com o processo político efetivo, ao analisar a questão no plano do Princípio da Separação dos

Poderes, Moraes afirma:

[...]

Cumpre lembrar, porém, que a idéia de que nem a constituição nem a lei são capazes de, por si sós, modificar a natureza das coisas ou das constituições não é incompatível com a filosofia subjacente ao Do Espírito das Leis. O mesmo já havia sido intuído pelo teórico pioneiro do Estado moderno, quando, n’O Príncipe, observou que ‘[...] há tamanha distinção entre como se vive e como se deveria viver, que aquele que trocar o que se faz por aquilo que se deveria fazer, aprende antes sua ruína do que sua preservação’. (MAQUIAVEL, 1996, p.73).

Por conseguinte, a compreensão do princípio da separação de poderes não pode limitar-se à sua configuração normativo-constitucional, fazendo-se necessária a integração de tal configuração com o processo político efetivo, em outras palavras, um diálogo permanente entre a teoria constitucional e a teoria política.72

Essa desconexão entre o poder judicial e poder sociopolítico é visto por Ruivo como um

dos cernes da crise de legitimidade no Poder Judiciário, cujos membros tendem a ser apenas

agentes burocráticos de uma ordem legal cristalizada. Para Ruivo:

[…] o aparelho judicial aparece à superfície da sua atividade como que em desconexão com o sistema político global, desconexão essa que, no fundo, não é senão reflexo da ideologia da separação veiculada pela prática científica ideológica que subjaz à ciência jurídica enquanto dogmática. Desde logo, a separação entre legalidade e ética social […] a separação entre o político e o econômico […] a separação entre o Estado e a sociedade atinge, portanto, o próprio Estado: um dos seus aparelhos, o judicial, é empurrado para a sociedade para melhor satisfazer a idéia de não intervenção e de seleção ‘natural’ ao nível econômico-social. Tal

72 MORAES, Filomeno. Separação de Poderes no Brasil Pós-88: Princípio Constitucional e Práxis Política, op.cit., 2003, p. 153-154.

Page 67: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

65

desconexão é, portanto, extremamente relativa, posto que os juízes exercem a sua atividade decisória no contexto do sistema político e normativo de que fazem parte integrante. O que os distingue dos outros ‘atores políticos’, para utilizar a terminologia de Peltason, ‘não é o fato de se encontrarem fora do sistema, mas de estarem de modo diferente com ele relacionados’.73

Entendendo ser a teoria da separação dos poderes uma dupla ficção, no tocante ao fator

de desconexão a que se referiu, Ruivo acrescenta:

Separam-se os poderes, separa-se Estado e sociedade, ficando o poder judicial em situação de extrema ambigüidade. Se enquanto exercício de poder ele é empurrado para a sociedade, para resolver eventuais conflitos que perturbem a pacificidade da liberdade contratual que caracteriza as relações da área privada, o domínio dos sujeitos de direito, e, nesse sentido, ocultando o poder, do lado da sociedade assiste-se ao movimento inverso: de modo progressivo, o juiz vai sendo relegado para a área do Estado, não só porque se encontra vinculado à lei deste, mas também porque a própria lei (em conformidade com o desenvolvimento do Estado) vai crescentemente abandonando a sua função meramente ordenadora, intervindo na configuração da esfera privada. O aparelho judicial adquire, deste modo, uma característica que, se por um lado, é essencial ao seu funcionamento, por outro, como veremos, pode ser, em alto grau, geradora de contradições: referimo-nos ao fato de a ilusão de desconexão se realizar face ao sistema político, mas, para poder frutificar, ter de se operar conjuntamente com uma efetiva distanciação da própria sociedade. E cada vez mais se teoriza a independência do juiz na medida em que este, cada vez mais, se transforma em funcionário público […] como acabamos de ver, o ‘poder’ judicial é algo de ilusório, a partir da própria teoria que o alicerça […]74

Constata Ruivo, então, que o Estado “expande-se cada vez mais, alastrando as suas

funções à sociedade civil”. Nesse sentido, “o Estado, que pretendia continuar a pairar

neutralmente sobre a sociedade, parece ‘socializar-se’; por outro lado, a sociedade parece

estatizar-se”.75

Assim, uma das fontes possíveis de legitimação do Judiciário – a decorrente da origem

do poder, pela teoria da democracia representativa, esta, verdadeiro dogma, tanto no processo

de recrutamento dos juízes, quanto na aceitação de mecanismos de eleição dos membros e

dirigentes dos tribunais -, poderia ser assimilada pela norma constitucional como tentativa de

reconexão entre os elementos político e jurídico do poder estatal, considerando a constatação

de que o princípio da separação absoluta e pura dos poderes já não regula a realidade

sociopolítica nacional, e o fato de que as diversas funções do poder do Estado se estabelecem,

na contemporaneidade, com relações de interpenetração visivelmente percebidas. Nesse

sentido, entende Ruivo que:

Tudo se confunde, portanto. E a isso não escapa também a separação dos poderes. Altera-se por completo o contexto histórico em que se produzira a teoria. E os três

73 RUIVO, Fernando, op. cit., 1989, p. 72. 74 RUIVO, Fernando, op. cit., 1989, p. 75-76. 75 RUIVO, Fernando, op. cit., 1989, p. 76.

Page 68: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

66

poderes básicos crescentemente se interpenetram, irrompem no espaço que, inicialmente, a cada um havia sido atribuído. A administração perde o seu papel de mera executora neutral de normas gerais, incrementando-se o seu poder Legislativo: e aqui a teoria sofre adaptações, falando-se numa espécie de capacidade legislativa por delegação. O Executivo transforma-se assim num Executivo legislador: quer devido ao novo tipo de problemas, e conseqüentes resoluções, que lhe surgem (vindo a lei, pouco a pouco a perder também o seu caráter de norma geral e a referir-se a situação concretas diretamente determinadas pela esfera econômica), quer devido à progressiva tecnicização do poder político (que consigo traz a ideologia do vazio ideológico e a nova idéia legitimadora da resolução dos problemas de crescimento econômico), quer ainda devido à unidade do poder que o Executivo cada vez mais representa (unidade de exercício direto e unidade de controle das funções dispersas).

Conseqüentemente, o Parlamento vê-se despojado do monopólio da produção jurídica […] pela expansão das autorizações legislativas concedidas ao Executivo ou até pela própria renúncia à regulamentação.76

Quanto ao Poder Judiciário, entende Ruivo que

o extravasar dos seus domínios faz-se pela via do Legislativo: é por exemplo, a integração das lacunas através de decisões da suprema instância, é a apreciação judicial da constitucionalidade das leis […] O que é importante é que todas estas incursões de cada uma das funções do Estado no campo da outra e no espaço originariamente reservado à sociedade civil podem vir a proporcionar ao Judicial uma nova idéia configuradora desse seu poder.77

Admitindo que a ideia básica de produção de decisões para a solução de conflitos

continuará a mesma no Poder Judiciário e que a vinculação à lei mantém-se como princípio

geral nos sistemas fechados continentais, Ruivo vaticina:

Que se passa então? Será que, no momento em que o Legislativo vê apagar-se parte da sua função de controle do Executivo, o Judicial vai saltar em defesa da idéia de soberania popular (até ai consumada no Parlamento), incorporando-a e, desse modo, prefigurando as condições para se assumir como verdadeiro poder ao assegurar a proteção do cidadão contra as arbitrariedades do Estado e do Estado existente em cada cidadão?78

O cenário apresentado por Ruivo faz lembrar a construção de um trocadilho linguístico

que se difundiu em textos jurídicos, demonstrando a dificuldade que encontra a doutrina em

compatibilizar os elementos político e jurídico da estrutura legitimamente. Trata-se das ideias-

conceito de judicialização da política e politização da justiça, que nada mais são do que a

materialização desse divisionismo.

Vista a legitimação do Poder Judiciário sob o aspecto funcional, resta analisar a

possibilidade de legitimação desse Poder sob as luzes da representatividade popular, mediante

76 RUIVO, Fernando, op. cit.,1989, p. 76-77. 77 RUIVO, Fernando, op. cit.,1989, p. 77. 78 RUIVO, Fernando, op. cit.,1989, p. 77.

Page 69: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

67

eleições externas, pelo povo, e internas, pelos próprios membros do Poder ou por setores da

sociedade.

A fórmula mágica para a melhor expressão da vontade geral não existe. Um dos grandes

elos perdidos, ou quem sabe, jamais alcançados pelo homem, é exatamente a busca dessa

interseção, dessa ligação entre o que é, enquanto realidade fática e o que pode ou deve ser,

enquanto ideação. Isso é o consenso, o caminho contínuo da democracia. Se a noção de caos

imprime a perspectiva de desordem, não é menos aceitável a afirmação de que mesmo no caos

existe uma ordem a ser decifrada, ainda que para tanto admita-se que a resposta seja a

contínua busca das soluções.

A democracia participativa, como meio de exercício da soberania popular, tem sido uma

das propostas de mediação dessa vontade geral. Albuquerque observa essa opção e afirma:

Democracia Participativa pode parecer uma fórmula política confusa, imprecisa em termos conceituais, na medida em que a participação já se inscreve como um pressuposto lógico, ontológico, indissociável da idéia democrática.

Participação que também propicia interpretações dúbias semanticamente, na medida em que pode traduzir formas de poder ‘abstratas’, vazadas em fórmulas procedimentais, limitando-a ao reconhecimento da esfera autônoma do indivíduo na realização dos Direitos Civis, ou viabilizar-se, mitigadamente, no âmbito dos Direitos Políticos, através da representação política, segundo a ótica restritiva da concepção liberal de Estado.

Outra compreensão mais ampla da participação, consentânea com as matrizes sociais do pensamento filosófico, político, jurídico, moderno e contemporâneo, procura relacioná-la à expansão dos processos de exercício direto do poder pelo povo, diminuindo os espaços da manifestação da representação política, tendo em vista a tendência ineliminável já flagrada por Rousseau, da autonomização dos interesses dos representantes frente aos representados.

[...]

Neste sentido, a idéia de Democracia Participativa revigora-se como resposta a uma demanda crescente da sociedade civil por um novo tipo de Estado, em que instituições jurídicas e políticas dêem vazão à livre expressão da vontade popular, atualmente represadas pelos mecanismos burocráticos do Estado e no caso brasileiro ainda assumem uma dimensão mais preocupante, dado a natureza patrimonialista, autocrática, exterior, de nossas instituições em face da soberania popular.79

Pergunta-se, então: Se o povo não participa diretamente para a formação da função

judiciária, enquanto instância decisória, estaria ele exercitando o seu poder e sendo dele

destinatário? Müller sugere algo:

[...] é de se perguntar se antes o papel do povo no trabalho dos administradores, governantes e juízes não foi visto de forma demasiado idealista. Onde funcionários

79 ALBUQUERQUE, Newton de Menezes. Democracia Participativa: o exercício da soberania popular. In: SOUZA FILHO, Oscar d' Alva (Coord.). BONAVIDES, Paulo (Consultor Especial). Reforma política: novos caminhos para a governabilidade. Universidade Aberta do Nordeste, [s./d.]. p. 113-128.

Page 70: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

68

públicos e juízes não chegam ao seu cargo por meio de uma eleição pelo povo, a sua ação se liga de forma demasiado etérea à ação originária do povo ativo - à eleição de parlamentares que colaboram na promulgação de textos de normas, que foram depois implementadas de forma defensável no Executivo e no Judiciário.

[...] no Estado Democrático de Direito, o jurista não pode brincar de pretor romano. Os poderes ‘executantes’ [‘ausführenden’] Executivo e Judiciário não estão apenas instituídos e não são apenas controlados conforme o Estado de Direito; estão também comprometidos com a democracia. O povo ativo elege os seus representantes; do trabalho dos mesmos resultam (entre outras coisas), os textos das normas; estes são, por sua vez, implementados nas diferentes funções do aparelho de Estado; os destinatários, os atingidos por tais atos são potencialmente todos, a saber, o ‘povo’ enquanto população. Tudo isso forma uma espécie de ciclo [Kreislauf] de atos de legitimação, que em nenhum lugar pode ser interrompido (de modo não-democrático). Esse é o lado democrático do que foi denominado estrutura de legitimação.80

Vidal, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, defende o

concurso público para o recrutamento de juízes, citando o Senador Nabuco:

O grande mérito do concurso é afastar in limine os absolutamente incapazes. Em abstrato, ninguém poderá seriamente negar que o concurso oferece tríplice vantagem: dá à magistratura os mais amestrados na ciência do direito, eleva o juiz no conceito público e torna difícil o ingresso de incapazes. Soma total: mais um elemento de independência do juiz. Na prática, poderá alguma vez não corresponder o concurso ao ideal doutrinado? Concedido - mas se o concurso não serve para, em regra, dar a medida da aptidão científica do candidato, servirá o pleno arbítrio do governo?81

Barbi, na defesa do concurso público, também assinala:

A exigência de concurso público para ingresso na magistratura de primeiro grau teve a grande vantagem de fazer melhor seleção no plano intelectual. Outra vantagem desse sistema é que permitiu o acesso de bacharéis originados da classe média e da classe pobre, mesmo quando desprovidos de proteção política. O resultado final foi verdadeira democratização na escolha dos juízes, pelo predomínio apenas das qualidades intelectuais, independentemente da classe social de origem.82

Criticando o sistema de carreira funcional no Poder Judiciário, Almeida Filho,

desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, defende a eleição para juízes e

esclarece:

[...] mesmo os juízes chamados de carreira, só em tese, têm o direito de subirem do 1° ao 2° Grau, isso porque a promoção por antigüidade poderá deixar de ser acatada pelo tribunal, se dois terços de seus membros assim o entenderem, e na denominada

80 MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 59-60. 81 VIDAL, José. O Poder Judiciário: A Magistratura e os Sistemas de Escolha dos Juízes. In: Anais Forenses do Estado de Mato Grosso, n.50, Milesi, 1981 apud BANDEIRA, Regina Maria Groba. Seleção dos Magistrados no Direito Pátrio e Comparado: Viabilidade legislativa de eleição direta dos membros do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema6/pdf/200366.pdf>. Acesso em: 10 out. 2007. 82 BARBI, Celso Agrícola. Formação, Seleção e Nomeação de Juízes no Brasil, sob o ponto de vista da humanização da Justiça. Revista de Processo, São Paulo, n. 11/12, p. 32-36, jul./dez. 1978 apud BANDEIRA, Regina Maria Groba, op. cit., 2007.

Page 71: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

69

promoção por merecimento, a bem da verdade, não existe mérito e - o que é pior - muitas vezes há demérito no promovido, que a logra à custa de conchavos e vassalagens, não condizentes com nenhum homem e, muito menos, quando exerce o ofício judicante.83

Nesse mesmo sentido, a opinião de Machado, juiz federal da 21ª vara da Seção

Judiciária do Ceará, para quem

o merecimento do juiz em um Estado Democrático de Direito como se auto-intitula a República Federativa do Brasil (art. 1º, da Constituição Federal), não pode continuar a ser aferido pelo filhotismo, afilhadismo, nepotismo, sectarismo, ou qualquer outra forma de apaziguamento; tampouco, pela subserviência servil e, nem mesmo, pelos títulos e ilustrações com que se adorna o magistrado mais vaidoso, para sobre si chamar a atenção do tribunal, pois não são as qualidades de filho, afilhado, parente, pupilo, amigo, conivente ou douto, que dão eficiência ao ofício de ‘dar a cada um o que é seu’, sim, as qualidades apontadas pelo Ministro Lindhdurst, da Corte Suprema dos Estados Unidos da América: honestidade, habilidade e coragem. Segue que, a não ser extinta a carreira, extinta deveria ser a promoção por merecimento, com o critério ou a falta de critério, com que é o mérito do magistrado atualmente aferido.84

Nesse artigo, Machado defende a realização de concurso público, de provas apenas

escritas, sem provas orais, para todos os membros dos tribunais, estando aí, segundo ele, a

chave democrática para o fim da carreira na Magistratura.

Narrando as dificuldades do sistema eletivo para seleção de juízes, Reis menciona

estudos de André Tunc, Suzanne Tunc e de Harold Laski, nos Estados Unidos, dizendo que

as conseqüências deste democratismo judiciário foram péssimas. No início deste século, as descrições de observadores europeus mostravam o amesquinhamento da magistratura escolhida por eleição popular e o abalo na sua independência [...] os candidatos não eram procurados entre as pessoas de valor, mais aptas para as funções judiciárias, mas que não obteriam a maioria dos sufrágios. Eram preferidos advogados ambiciosos, intrigantes e insinuantes, sabedores de como seduzir os eleitores. Deviam participar dos meetings e contribuir para a caixa do partido, mas, se eleitos, seus vencimentos seriam inferiores aos honorários que auferiam como advogados. Por vezes, o candidato a juiz chegava ao ponto de anunciar, nos comícios, como julgaria as questões. Era uma magistratura débil, na qual a população não tinha confiança nem gozava de respeito [...] Por ocasião de processos importantes, os jornais preparavam de tal maneira a opinião pública, a favor desta ou daquela decisão, que o magistrado era constrangido a segui-la, se não quisesse ser obrigado a se demitir. Em Dakota do Norte, houve juízes que buscavam o favor de seu eleitorado pela publicação de manifestos semanais acerca dos assuntos judiciários.85

83 ALMEIDA FILHO, José Baptista de. O fim da carreira ou do falso mérito e o controle do incontrolável. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília, v. 8, n. 1, p. 27-30, jan./mar. 1996 apud BANDEIRA, Regina Maria Groba, op. cit., 2007. 84 MACHADO, Agapito. Concurso para todos os Poderes. Diário do Nordeste, Fortaleza, 09 jun. 1995 apud BANDEIRA, Regina Maria Groba, op. cit., 2007. 85 REIS, Carlos David S. Aarão. A Escolha dos Juízes pelo voto popular. Revista de Processo, n. 78, p. 217-231, abr./jun. 1995 apud TUNC, André; TUNC, Suzanne. Le Système Constitutionnel des États-Unis

Page 72: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

70

Gonçalves também condena o sistema da eletividade, ao afirmar:

Em Roma, na França, na Suíça, na Rússia, na Iugoslávia e nos EUA - em alguns de seus Estados - e, inclusive no Brasil Colônia quanto aos juízes da vintena e os juízes ordinários, e no Brasil império quanto aos juízes de paz, vigorou o sistema de seleção de juízes através de manifestação popular por meio de votos [...] Hoje, tanto entre nós como em Roma, na França, e em Portugal, não subsiste mais o critério da eletividade pela evidência de sua impropriedade. A uma porque não é fácil para selecionar aquele que reúne requisitos de personalidade e caráter, cultura geral e também jurídico-científica. A duas pelo indisfarçável comprometimento que passa a vincular o votado ao votante, retirando daquele toda condição de ser imparcial no pronunciamento de sua decisão.

[…]

Por fim, o sistema de concurso público de provas para aferição do conhecimento científico do candidato, e de títulos, que é o predominante em nosso País e que tem dado mostras ao longo dos anos, comparado com os demais critérios e países, é o mais eficaz.86

Enfim, em alguns países do sistema da common law, adota-se o sistema de seleção de

juízes por meio de eleição. Nos países que adotaram a tradição romano-germânica (civil law),

o sistema utilizado foi o do concurso público. A se admitir, portanto, a representação da

soberania popular no Poder Judiciário através da seleção de juízes pelo concurso público,

surge um paradoxo na democracia, entre o controle dos atos de governo e o sistema

representativo. Appio, então, indaga:

Como controlar o conteúdo dos atos políticos sem afrontar diretamente um regime democrático ancorado na representação popular? O controle judicial não representa, na prática, um modelo de democracia aristocrática?

O conteúdo das decisões políticas não pode ser objeto de revisão judicial, por conta de sua legitimidade, decorrente do sistema representativo de exercício do poder político no Brasil, bem como, pela clara interferência em atividades privativas dos demais Poderes da República. Recorde-se, todavia, que o papel construtivista da Constituição não consiste em uma atribuição exclusiva dos governos eleitos, mas sim, numa tarefa que transcende os limites da representatividade formal e da estrutura orgânica do Estado. Nesse sentido, a democracia participativa não revoga os fundamentos da democracia representativa, mas apenas amplifica os instrumentos de proteção direta deste valor constitucional [...] Não existe um conflito real entre democracia representativa e participativa, na medida em que se trata de conceitos complementares.

[…]

O controle judicial das políticas públicas implicará a substituição da vontade dos membros dos demais Poderes pela vontade dos juízes, ou seja, a

d’Amérique. Paris, Domat Montchrestiein, 1954 e LASKI, Harold. The Tecnique of Judicial Appointment in Studies in Law and Politics, New Haven, Yale University Press, 1932 / El Estado Modern: sus instituciones políticas y económicas. Barcelona, Bosch, 1932 apud BANDEIRA, Maria Regina Groba, op. cit., 2007. 86 GONÇALVES, Willliam do Couto. O Juiz na História, critérios de sua escolha e a escola da magistratura. Revista de Processo, São Paulo, n. 60, p. 180-186, out./dez. 1990 apud BANDEIRA, Maria Regina Groba, op. cit., 2007.

Page 73: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

71

substituição de um ato de vontade de agentes estatais eleitos pela vontade dos não-eleitos.

[...] Contudo, a intervenção judicial será mais pronunciada nos casos em que o governo eleito se distanciar dos programas inicialmente propostos, na medida em que o Poder Judiciário gozará, nestes casos, de uma legitimidade material que decorre, exatamente, do sistema representativo.87

E prossegue Appio, relacionando legitimidade e democracia:

A relação entre legitimidade e democracia é intensa, quando se considera a superação dos postulados tradicionais de um sistema fundado exclusivamente na representação popular, pois, como adverte Leonel Severo da Rocha, ‘não existe mais a legitimidade em si; transcendente e indiscutível, justa e imaculada. A legitimidade passa a ser um direito conquistado, todos os dias, transforma-se num discurso no qual a justificação depende da práxis argumentativa racional’. Já nos casos em que os governos eleitos seguem rigidamente os programas propostos durante o debate eleitoral, a intervenção judicial se mostrará tímida, na medida em que, ao alterar uma política governamental, os órgãos do Poder Judiciário terão de sustentar a legitimidade de suas decisões, à medida que não são eleitos pela população, mas sim escolhidos através de mecanismos internos de seleção […]

Portanto, a margem de discricionariedade política outorgada pelo próprio constituinte aos governos eleitos não pode ser suprimida por força de uma decisão judicial, sob pena de afronta ao sistema representativo e indevida invasão de atribuições políticas.88

Müller também questiona a legitimidade do Poder Judiciário, quando afirma:

Se desse modo os eleitos não mais decidem (porque decidem o ‘mercado’, bolsa de valores, o FMI, o Banco Mundial & Cia.) e aqueles que decidem não são eleitos, faz-se mister desenvolver estratégias de resistência democrática. Do contrário, as formas de democracia direta ou participativa ficam inteiramente impossibilitadas e mesmo a democracia tradicional do modelo representativo sucumbe diante de uma exclusão que cada vez menos pode ser acobertada – a(sic) uma exclusão da esfera na qual são tomadas as decisões de longo alcance.89

Portanto, ou se aceita que o Poder Judiciário é apenas um órgão administrativo,

formado por agentes políticos recrutados por concurso público, restrito a uma parcela da

aristocracia intelectual de formação privativamente jurídica, com grau de insindicabilidade

popular e perpetuação antidemocrática, representando o discurso oculto da tecnoburocracia,

das ideologias liberal, socialista e mercadológica, expresso no ordenamento jurídico que lhe é

dado interpretar, ou se admite, por esforço de conformação com o que está consolidado

doutrinariamente e com ideias defendidas por alguns teóricos da democracia, que

87 APPIO, Eduardo. Discricionariedade Política do Poder Judiciário. Curitiba: Juruá, 2006, p. 139-131. 88 Ibid., 2006, p. 141-142. 89 MÜLLER, Friedrich. A democracia, a globalização e a exclusão social. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS: CIDADANIA, ÉTICA E ESTADO, XVIII, 2002. Brasília, v. I, p. 262-274, p. 264, 2003 apud APPIO, Eduardo, op. cit., 2006, p. 111-112.

Page 74: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

72

a legitimidade do Poder Judiciário advém do grau de eficácia social de suas decisões, uma vez que os direitos sociais se constituem em condições de possibilidade do exercício da liberdade humana, mas […] que não se trata de defender um populismo judicial, mas sim, de um compromisso com a ‘continuidade da sociedade’[…] que a judicialização da política é resultado da aquisição de uma parcela de legitimidade política, retirada dos demais Poderes, os quais teriam sido vítimas de uma colonização.90

Albuquerque sustenta, nesse mesmo sentido, “que a legitimidade das decisões judiciais

se assenta nos valores que ela busca consagrar, mediante a diuturna atualização de sua

fórmula política”.91 Müller amplia a discussão e propõe que:

[...] para preservar democraticamente um sistema, a democracia não basta como mecanismo único no plano institucional. Ela deve fundar-se nos direitos humanos para todos. Exige um Estado de Direito configurado nos seus detalhes, para que a implementação, a concretização das normas, democraticamente deliberadas, disponha dos parâmetros mais operacionais possíveis. E essa democracia necessita, sobretudo, de uma política direcionada para estabelecer equilíbrios sociais, de uma política justa, para que, com efeito, todo o povo possa participar democraticamente. (grifo original).

[...]

[...]. E quando as instituições estatais encarregadas não zelam suficientemente pelo cumprimento da sua tarefa de supervisão da construção ou chegam mesmo a violar a planta de construção, a constituição, os cidadãos devem defender-se: resistência democrática por meio da sociedade civil. (grifo original).

Por sua vez, tanto a resistência quanto a atividade carecem de três condições necessárias na democracia: direitos humanos eficazes; uma política social empenhada na compensação das desigualdades […] e formas do Estado de Direito, nas quais a resistência e a atividade possam expressar-se legalmente.92

Müller, contrariamente aos que propugnam pela aceitação da atual matriz democrática

das decisões do Poder Judiciário, que é decorrente de autorização do legislador constitucional

ou em virtude da adoção de conteúdos hermenêuticos e interpretativos que efetivam os

direitos e garantias fundamentais, propõe, para o Poder Judiciário,

como participação regular dos poderes de Estado: a eleição de juízes pelo povo (e.g. apenas para determinadas instâncias - inferiores - ou apenas para formas específicas como os juízes de paz ou as cortes arbitrais, ou apenas para determinadas áreas do direito como o Direito Trabalhista [...] e é mesmo necessária para a eleição de juízes constitucionais, ao menos pelo parlamento).93

90 ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima; GONÇALVES, Marcus Fabiano. Direito, ordem e desordem: eficácia dos direitos humanos e globalização. Florianópolis: Ida, 2004, p. 42-51.(Coleção Direitos Humanos) apud APPIO, Eduardo, op. cit., 2006, p. 111. 91ALBUQUERQUE, Mário Pimentel de. O órgão jurisdicional e sua função: estudos sobre a ideologia, aspectos críticos, e o controle do Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 185 apud APPIO, Eduardo, op. cit., 2006, p. 111. 92 MÜLLER, Friedrich, op. cit., 2003, p. 125-127. 93 MÜLLER, Friedrich, op. cit., 2003, p. 129.

Page 75: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

73

Todo o pulsar entre esses dois modelos de exercício da soberania popular nas

funções jurisdicionais estabelece uma tensão válida na busca de soluções, as mais

próximas da vontade geral, constantemente em construção, visando à concreção da

democracia material.

Outra hipótese é apenas referendar a democracia formal e seus princípios retóricos.

Essa democracia

não visa ‘racionalizar autoridade’ pela participação dos cidadãos, em processo discursivo de formação de vontades. Nessa democracia não há igualdade política. O pluralismo de elites substitui a autodeterminação do povo e afasta as decisões que pactuam ou impõem uma norma jurídica das pressões por legitimação. O resultado disso é um direito extremamente funcional ao sistema econômico, mas que não cumpre a sua função de integração social legítima, porque os destinatários não podem questionar a validade das normas a serem seguidas e o fardo da integração social é carregado pela facticidade (coação de sanções exteriores). Daí surgem questões importantes: como pode surgir um sistema de direitos que possua uma gênese normativa legítima? E qual o critério para o exame da legitimidade de pretensões de validade normativa no âmbito do direito? Um questionamento profundo da democracia representativa liberal individualista requer a construção de sistemas interpretativos ‘independentes’ da crença na legitimidade das instituições vigentes, para que possa restringir e minar sistematicamente não só a capacidade adaptativa do modelo como também as teorias que o sustentam. Nesta trilha, o pensamento de Jürgen Habermas, ao encetar um caminho lançando mão da teoria do agir comunicativo, possibilita a crítica da democracia formal, e, sobretudo permite investigar o fundamento de validade de uma ordem jurídica legítima. 94

O mesmo raciocínio utilizado na análise da representatividade democrática externa para

a formação do Poder Judiciário pode ser extensivo ao seu corpo interno, como consequência

lógica da legitimação recebida pelo povo. Neste caso, quer se adote o princípio da

representatividade política ou o da funcionalidade para a continuidade democrática, lembra-

se, por oportuno, a advertência de Bobbio: “Enquanto a presença de um poder invisível

corrompe a democracia, a existência de grupos de poder que se sucedem mediante eleições

livres permanece, ao menos até agora, como a única forma na qual a democracia encontrou a

sua atuação”.95

No Capítulo 4, adiante, serão expostas ideias e sugestões sobre a operacionalização da

democratização no Poder Judiciário.

94 JUSEFOVICZ, Eliseu. Democracia e legitimidade do direito à luz da teoria habermasiana. In: LOIS, Cecília Caballero (Org.). Justiça e Democracia: entre o universalismo e o comunismo: a contribuição de Rawls, Dworkin, Ackerman, Raz, Waltzer e Habermas para a moderna teoria da justiça. São Paulo: Landy, 2005, p. 153-195. 95 NORBERTO, Bobbio, op. cit., 1986, p. 11.

Page 76: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

3 MODELOS DE SELEÇÃO DOS JUÍZES NO BRASIL E NO DIREITO COMPARADO: MÚLTIPLOS SISTEMAS

A complexidade da dinâmica social e econômica atual, com suas múltiplas e intrincadas

relações, formando cada uma delas micro-organizações, atribui à função judiciária a solução

de demandas não mais apenas limitadas a conflitos intersubjetivos, mas a contextos de

variados interesses coletivos e difusos.

Nesse sentido, o questionamento sobre as formas de acesso a uma das funções da

soberania estatal – a judiciária – é objeto de contínua reflexão, desde quando o individualismo

marcante do Estado liberal não conseguiu alcançar o idealismo propugnado de paz e bem-

estar social.

O que se constata na realidade das organizações políticas e nas diversas formas de

governo, é que tem se mantido quase historicamente inalterado o processo de escolha e

recrutamento dos juízes na grande maioria dos países, atendendo a critérios puros ou mistos,

instrumentalizando-se através de escolhas populares diretas e semidiretas; designações através

do Poder Legislativo; do Poder Executivo; do Imperador; do Rei; do Príncipe; do próprio

Poder Judiciário; de concursos públicos e mediante escolha dentre notáveis.

Bandeira, ao analisar os diversos métodos de seleção dos magistrados, menciona

classificação de Zaffaroni, para quem, quando o ingresso e a demissão dos juízes ocorrem por

juízo político, tem-se o modelo empírico-primitivo; nos casos em que há a exigência de

seleção técnica e carreira estruturada no poder interno da cúpula, o modelo é o

tecnoburocrático e quando o Poder é entregue a um órgão pluralista, separado das últimas

instâncias e formado por juízes eleitos horizontalmente por outros magistrados, a estrutura

judiciária seria a do tipo democrático contemporâneo. No esquema dessa classificação, os

países latino-americanos adotam o modelo empírico-primitivo, com exceção do Brasil, cuja

Justiça segue o modelo tecnoburocrático.1

1 BANDEIRA, Regina Maria Groba, op. cit., 2007.

Page 77: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

75

Essa mesma classificação atribuída ao modelo brasileiro, no sentido tecnoburocrático, é

a adotada por Rocha, quando afirma que:

[...] os governantes das diferentes justiças são escolhidos dentre os membros dos respectivos tribunais, por eleição, na qual votam apenas os componentes desses mesmos tribunais. Trata-se, evidentemente, de um modo de acesso ao poder e de uma forma de exercê-lo, caracteristicamente autocrático, uma vez que a chefia é privativa da pequena classe de magistrados dos tribunais que se auto-elegem, perpetuando-se no poder e dele marginalizando a grande maioria.

[...]

Esta articulação entre magistratura e dirigentes do Judiciário reveste importância sob dois aspectos, entre outros. O primeiro, relacionado à sua compatibilidade com o princípio democrático inscrito no art. 1º da Constituição, conforme o qual, o Brasil é um Estado Democrático de Direito, incompatível, pois, com uma organização autocrática, de vez que a essência da democracia é a participação de todos e o exercício do poder pela maioria. Lembre-se, por oportuno, que o princípio democrático tem um âmbito de aplicação geral, estendendo-se a todos os setores do Estado, especialmente ao Judiciário, uma de suas instituições fundamentais. O outro aspecto refere-se à influência dessa forma de organização na atuação funcional do juiz.2

Rocha, analisando a estrutura interna do Judiciário brasileiro, entende tratar-se de uma

organização burocrática, no sentido weberiano. E acrescenta:

Para Weber a burocracia é, essencialmente, um sistema de organização do poder que tem como principais características os elementos seguintes: a) a distribuição vertical do pessoal dentro da organização; b) a profissionalização; c) a propensão por um método decisório técnico.

A distribuição vertical do pessoal dentro da organização dá origem ao processo de hierarquização do poder [...] A organização burocrática aparece, pois, com a configuração geométrica de uma pirâmide.

A profissionalização significa que os membros da organização se atribuem um âmbito de atividades que consideram de sua peculiar competência.

Finalmente, a propensão por métodos decisionais técnicos exprime a idéia de que os membros da organização formulam suas decisões com base em critérios técnicos e não voluntários ou subjetivos.3

Na ordem esquemática dessa classificação, Rocha conclui ter o Judiciário brasileiro

estruturação correspondente aos traços essenciais da organização burocrática tipificada por

Weber, principalmente quanto à verticalização das funções, sendo os órgãos do Judiciário

uma autocracia, “no sentido de que são independentes da coletividade dos administrados,

sobre os quais exercem um poder praticamente absoluto”.4

Ao descrever as diversas formas de seleção dos juízes para o exercício da função

jurisdicional, não se pode esquecer que em Estados distintos há fórmulas diferentes de

2 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1995, p. 43-44. 3 Ibid., 1995, p. 44. 4 Ibid., 1995, p. 45.

Page 78: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

76

organização política, algumas delas democráticas e outras nem tanto, porém, são exemplos

acreditados pelo povo que, conformado, também participa com a aceitação da delegação

outorgada a seus representantes.

A seguir, uma breve síntese do modelo de recrutamento de juízes no período

republicano brasileiro e no direito comparado.

3.1 Brasil

A Constituição Imperial brasileira de 1824 dispunha sobre nomeação de juízes-

árbitros e a eleição de juízes, nos Arts. 160 e 162, respectivamente. Os juízes eleitos eram

chamados de juízes de paz e eram os responsáveis pelas tentativas de conciliação, sem as

quais não se iniciava processo algum.

A Constituição de 1891 não previu a forma de seleção dos juízes ao longo dos Arts. 55 a

62 de seu texto. Não havia proibição de atividade político-partidária dos juízes. O Presidente

da República nomeava os ministros do Supremo Tribunal Federal, que chegou a ter um

ministro médico (Barata Ribeiro), nomeado por Floriano Peixoto, pois à época exigia-se

apenas notável saber e reputação, além de idade superior a 35 anos (Art. 56).

Os juízes federais tinham cargos criados pelo Congresso (Art. 55) e eram nomeados

pelo Presidente da República, mediante proposta do Supremo Tribunal Federal (Art. 48, n.º

11), acontecendo o mesmo com os cargos criados para os tribunais.

A Constituição de 1934 introduziu a regra do concurso público para o provimento de

cargos de juiz de Primeiro Grau nos Estados, Distrito Federal e Territórios, mediante normas

de organização judiciária locais (Art. 104, alínea “a”). O acesso aos graus superiores se dava por

antiguidade e por merecimento, respeitando-se a regra do quinto constitucional, reservando-se

vagas para advogados e membros do Ministério Público (Art. 104, alínea “b” e § 6º).

Os Estados podiam manter a Justiça de Paz eletiva, fixando-lhe a competência (Art.

104, § 4º), assim como podiam criar cargos de juiz com investidura limitada a certo tempo e

competência para julgamento das causas de pequeno valor, preparo das excedentes da sua

alçada e substituição dos juízes vitalícios (Art. 104, § 7º).

Os juízes federais eram nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros natos

de reconhecido saber jurídico e reputação ilibada, com idade entre 30 e 60 anos, indicados, na

Page 79: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

77

forma da lei e por escrutínio secreto, pela Corte Suprema (Art. 80 e seu parágrafo único).

Criou-se a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar como órgãos integrantes do Poder Judiciário

(Art. 63, alíneas “c” e “d”).

A Corte Suprema era composta por onze ministros, nomeados pelo Presidente da

República, com aprovação do Senado Federal, dentre brasileiros de notável saber jurídico e

reputação ilibada, alistados eleitores, com idade entre 35 e 65 anos, salvo se já magistrados

(Arts. 73 e 74). Vedava-se ao juiz atividade político-partidária (Art. 66).

A Constituição de 1937 manteve as mesmas regras para os juízes estaduais, do Distrito

Federal e dos Territórios (Arts. 103 a 110) e não previu a existência de juízes e tribunais

federais dentre os órgãos do Poder Judiciário (Art. 90). Havia, no entanto, como na

Constituição de 1934, juízes e Tribunais Militares (Art. 90, alínea “c”); juízes de paz eleitos e

juízes de investidura temporária, com competência para causas de pequeno valor.

A Corte Suprema voltou a chamar-se Supremo Tribunal Federal, composto de 11

ministros, nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Conselho Federal,

órgão assemelhado ao Senado Federal, que deixou de existir durante essa Constituição. A

idade mínima para o cargo era de 35 anos e a máxima, de 58 anos (Arts. 97 e 98).

A Carta de 1946 constitucionalizou a Justiça do Trabalho, inserindo como órgãos

integrantes do Poder Judiciário juízes e Tribunais do Trabalho. A Justiça Eleitoral e a Justiça

Federal, outrora compondo o texto constitucional de 1934, mantiveram-se fora da Carta de

1937 e 1946. Surgiu o Tribunal Federal de Recursos. Havia vedação para o exercício de

atividade político-partidária. Juízes estaduais eram recrutados por meio de concurso público

de provas. Manteve-se a Justiça de Paz temporária.

A Constituição de 1967 restabeleceu a previsão de juízes federais (Art. 112, inciso III) e

criou o Conselho Nacional da Magistratura. O recrutamento para juízes estaduais e federais

dava-se mediante concurso público de títulos e provas (Arts. 123, § 1º e 144, inciso I).

Havia Justiça de Paz temporária só para celebração de casamentos; juízes togados com

investidura limitada no tempo, para julgamento de causas de pequeno valor e crimes que não

cominassem penas de reclusão.

Page 80: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

78

A Constituição de 1969 repetiu as regras da Constituição de 1967, acrescendo a

possibilidade de a lei exigir dos candidatos prova de habilitação em curso de preparação para

a Magistratura (Art. 144, inciso I, alterado pela Emenda Constitucional n.º 7, de 13.04.1977).

A atual Constituição de 1988, com as Emendas Constitucionais n.º 19/98, 20/98 e

45/2004, prevê a exigência mínima de 3 anos de prática em atividade jurídica, para o ingresso

na carreira de magistrado, além de concurso público de provas e títulos, com aferição do

merecimento nas promoções, dentre outras exigências, mediante o aproveitamento do juiz em

cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento (Art. 93, inciso II, alínea c). Também são

previstos cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, como

etapa obrigatória do processo de vitaliciamento, ministrados em Escolas Nacionais de

Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Lei

Complementar Nacional n.º 35, de 14.3.1979 -, foi recepcionada como constitucional, e

também dispôs que a lei podia exigir dos candidatos para inscrição em concursos de seleção

de juízes título de habilitação em curso oficial de preparação para a Magistratura (Art. 78, § 1º).

A Justiça de Paz, consoante a Constituição de 1988, é remunerada, composta de

cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e

competência para celebrar casamentos, verificar os respectivos processos de habilitação e

exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras que venham a ser

previstas na legislação.

Os membros dos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior

do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral e Superior Tribunal Militar), do Supremo Tribunal

Federal e do Conselho Nacional de Justiça, este, agora instalado, são escolhidos e nomeados

pelo Presidente da República, independente de concurso público, com observância de uma

complexidade constitucional consensual, formada pela reunião de vontades envolvendo uma

corporação classista (Ordem dos Advogados do Brasil); membros de tribunais estaduais,

distrital e regionais; a sociedade (Ministério Público); as Forças Armadas (Exército, Marinha

e Aeronáutica); juízes de Primeiro Grau; os Estados, representados pelo Senado Federal e o

povo, representado pela Câmara Federal.

Também independe de concurso público a escolha dos membros dos Tribunais de

Justiça Estaduais e Distrital, dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais, Trabalho e dos

Tribunais Militares Estaduais, cujo acesso se dá através de critérios de merecimento e

Page 81: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

79

antiguidade, alternadamente, em relação a juízes de carreira concursados no Primeiro Grau de

jurisdição; e pela regra do quinto constitucional, para os membros do Ministério Público,

também concursados no Primeiro Grau, e os da Advocacia. O ingresso de advogados e

membros do Ministério Público é instrumentalizado por um procedimento envolvendo quatro

fases (eleição direta entre os pares; formação de lista sêxtupla pelos respectivos órgãos

superiores; redução a uma lista tríplice pelos tribunais destinatários; e escolha e nomeação

pelo Presidente da República, no caso dos Tribunais Regionais do Trabalho, Federais e

Eleitorais, e pelos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, em se tratando de

Tribunais de Justiça Estaduais, Distrital e Tribunais Militares Estaduais.

Nos exemplos seguintes (3.2 a 3.10), colhe-se das pesquisas de Nalini e Bandeira

síntese das principais características do recrutamento de juízes em alguns países.

3.2 Alemanha

Em regra, os juízes são selecionados com base em exames finais nas faculdades de

direito. O sistema seletivo é o de adestramento teórico-prático, comum a todas as profissões

legais. Compreende estudos nas universidades, nos ofícios judiciários e na Administração

Pública, de quatro a cinco anos. Ao final do período de dois anos de prática nos tribunais, em

repartições públicas e em bancas de advogados (Referendardienst), o Referender submete-se a

um exame estatal (Assesorexamen). Há aferição vocacional e parte desse adestramento é

remunerada. Após a seleção, há um período probatório de três a cinco anos. A carreira na

Magistratura atende a critérios de antiguidade e merecimento.

São escolhidos os candidatos que obtiverem as melhores notas no Assesorexamen,

nomeados para as instâncias inferiores da Judicatura, dentre aqueles com idade entre 25 e 26

anos.

Vencido o estágio de prova, o juiz é nomeado em caráter vitalício, pelo Ministro da

Justiça. Participa da seleção uma comissão (Richterwahlausschuss), com integrantes diversos,

segundo a entidade federativa, formada por representantes do Parlamento, da Judicatura e do

Executivo.5

5 WOLF, Manfred. Ausbildung, Auswahl und Ernennung der Richter. RePro, 10/125-126 apud NALINI, José Renato. Recrutamento e preparo de juízes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 24.

Page 82: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

80

A comissão encarregada avalia o mérito do candidato, ouve o Conselho Judicial

(Presidialrat), cuja opinião não é vinculativa, e, após, indica o nome do aprovado para a

nomeação.

A escolha dos juízes do Tribunal Federal Constitucional (sundesverfassungssricht) dá-

se dentre nomes indicados pela Câmara Federal (Bundestag) e pelo Conselho Federal

(Bundesrat), em partes iguais, para um período de 12 anos (Lei Fundamental, de 23.5.1949,

Art. 94).

Existem ainda juízes não profissionais, os escabinos (Schoffen), em tribunais penais e

assessores (Ehrenamtliche Richter), atuando em órgãos judiciais. São escolhidos por comitês

populares ou associações profissionais e sindicais e designados pelos tribunais ou pelo

Executivo, para períodos anuais. Wolf afirma ainda, consoante Nalini, que:

Tais juízes leigos concorrem com os profissionais para decidir os assuntos tanto nos aspectos de fato como de direito. Os escabinos atuam nos Tribunais Penais de primeira instância e de apelação, mas não nas Cortes Federais. Os assessores atuam nas salas mercantis dos Tribunais Civis de Apelação e nos Tribunais Administrativos e Financeiros tanto de primeira como de segunda instância, enquanto os assessores dos Tribunais Sociais e do Trabalho funcionam tanto em primeira instância como em apelação, e inclusive nos Tribunais Supremos Federais.6

3.3 Espanha

A seleção dos juízes, antes realizada através da Escuela Judicial, agora é feita pelo

Centro de Estudos Judiciales, por meio das oposiciones, que são formulações teóricas

preparadas para aferir o nível do candidato. O aspirante permanece por um período de cerca

de três meses no Centro e submete-se às oposiciones, que não são difíceis, porque há um

consenso de que é “melhor um juiz inexperto do que comarca vaga”.7

A aposentadoria compulsória dos juízes e funcionários públicos dá-se aos 65 anos e há

cerca de um juiz para cada 10.800 habitantes.

Critica-se a política de formação dos juízes dizendo que se privilegia mais a quantidade

do que a qualidade. A Ley Orgánica del Poder Judicial, de 1985, reduziu o número de temas

escolhidos nas oposiciones (provas seletivas), substituindo a oralidade e os prazos limitados,

por uma maior liberdade expositiva em provas escritas, com maior duração.

6 Ibid., 1992, p. 24. 7 BLANCA, Luiz Gago. La formación de los Jueces. Revista Independiente de Justicia, B. C. Publicaciones, Madri, fev./mar. 1991, p. 32 apud NALINI, José Renato, op. cit., 1992, p. 41.

Page 83: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

81

Após a aprovação nas oposiciones, o aspirante é admitido como estagiário no Centro de

Estudos Judiciales, cujos resultados são adicionados às provas teóricas já realizadas, podendo

repetir o curso, se reprovado. Durante o curso prático no Centro, o aspirante recebe uma

remuneração, mensalmente.

3.4 Estados Unidos

Não há concurso público. Os juízes federais são nomeados pelo Executivo, após

indicação de nomes de profissionais com indiscutível valor jurídico, sugeridos pelos

Tribunais, Congresso Nacional, Associações de Classe, vinculando a discricionariedade.

Schwartz destaca que, na prática, o Gabinete do Advogado Geral, o FBI, a Associação

Nacional dos Advogados, o Comitê Judicial do Senado, os senadores da unidade federada em

que se apresenta a vaga e grupos privados que apoiam ou se opõem aos candidatos interferem

diretamente no processo.8

No plano da Justiça Estadual, são as unidades federadas que escolhem o processo.

Assim, em 37 estados, os juízes locais são eleitos; em nove estados, é o Poder Legislativo que

os designa; e no restante, são escolhidos pelo Governador.

Há vários métodos de seleção, porém os mais comuns são: a) o Merit Selection,

conhecido por Plano do Missouri; b) o Elective Selection; e c) o Executive Appointment

Selection.

Pelo Plano Missouri, forma-se uma Comissão composta pelo Presidente da Suprema

Corte local, três advogados e três representantes do povo, indicados pelo Governador. Propõe-

se uma lista tríplice e o Governador escolhe um nome, que exercerá o cargo de juiz por um

ano. O juiz submete-se a uma votação popular para a confirmação de seu nome. Após a

confirmação, o juiz exercerá suas funções por doze anos em um Tribunal de Apelação e por

seis anos em uma Corte de primeira instância, podendo ser reeleito. Quase sempre os juízes

são egressos da classe dos advogados militantes, podendo ainda ser servidores públicos ou

professores.

8 SCHWARTZ, Carl E. Judicial Selection, Supervision and Removal in the United States. RePro, 10/121 apud NALINI, José Renato, op. cit., 1992, p. 63.

Page 84: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

82

Nas nomeações dos juízes federais, quase sempre o Presidente da República referenda

nomes de seu Partido Político. O mesmo ocorre no plano estadual, com os juízes sendo

referendados pelos governadores.

Os juízes federais nos Estados Unidos só podem ser destituídos por má conduta,

mediante um processo instaurado no Congresso Federal. Consta que apenas nove juízes

federais, incluindo um membro da Suprema Corte, foram processados, e só quatro

condenados. Schwartz afirma que:

A eleição popular dos juízes fracassou nos Estados Unidos e o sistema de designação dos candidatos por titulares do Poder Executivo, com aprovação legislativa ou sem ela, também demonstrou sua ineficácia pela excessiva influência partidária e inclusive a possibilidade de corrupção, e até os procedimentos que combinam ambos os sistemas para levar em consideração a capacidade dos candidatos, como o chamado ‘Plano Missouri’, que deixou muito poder em mãos dos colégios de Advogados locais e nacionais.9

Bandeira, ao comentar a crítica sobre o processo seletivo de juízes nos Estados Unidos,

cita o professor Meador, catedrático de Direito da Universidade da Virgínia, que em sua obra

American Courts questiona a adequação da função jurisdicional ao sistema eleitoral, que

demanda, entre outras providências, filiação partidária e apresentação de plataformas pelos

magistrados. Dentre as críticas de Meador, Bandeira destaca:

O financiamento de campanha é outro grave problema, com o crescente aumento de custo, principalmente da publicidade televisiva, essencial para o sucesso da disputa. Nesse passo, os candidatos têm que levantar fundos junto a advogados e empresas que podem ser partes em processos futuros. Conclui o professor, então, que o dano à objetividade judicial e à aparência dessa objetividade é óbvio.10

3.5 França

Não há obrigatoriedade de formação universitária específica em matéria jurídica para a

Magistratura. Isso é exigido apenas para a Advocacia.

A Magistratura judicante francesa de 1º grau tem formação funcional na École

Nationale de la Magistrature Française, em curso com duração de três anos, com aulas

teóricas e práticas, além de formação humanística e sociológica. Após esse curso e diversos

estágios, os candidatos se submetem a concurso.

9 Ibid., 1992, p. 63. 10 BANDEIRA, Regina Maria Groba, op. cit., 2007.

Page 85: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

83

Aprovados nessa fase seletiva final, o Conseil Supérieur de la Magistrature, presidido

pelo Presidente da República e integrado por doze membros magistrados e três não

magistrados, opina sobre o aproveitamento do candidato.

Há ainda uma Magistratura administrativa e contábil, com um centro de formação

próprio, a Escola Nacional de Administração. A carreira de magistrado tem seleção

competitiva e seletiva e adota critérios de mérito e antiguidade nas promoções.

A Escola Nacional da Magistratura francesa surgiu em 1970, por transformação do

Centro Nacional de Estudos Judiciários e como resposta a uma crise que acometeu os

métodos de recrutamento da Magistratura masculina francesa, predominando a feminização

da Magistratura.11

É preocupação da Escola francesa o despreparo entre candidatos homens e mulheres,

com nível básico de conhecimentos insuficiente, ausência de autoridade e racionalidade

mínimas.

A Escola francesa pugna por uma formação eclética para o magistrado, incluindo

matérias atinentes às ciências humanas e sociais. Para a formação francesa, diz-se que:

O Magistrado deve ser um homem de decisão e de reflexão e não apenas um técnico do Direito. Ele não é mais considerado, hoje, como um padre exercendo qualquer função sacra. A profissão exige uma cultura geral muito aprofundada e de noções gerais em disciplinas muito diversas: medicina, contabilidade, ciências humanas etc., todas em evolução constante.12

3.6 Inglaterra

Não há necessidade de qualificação jurídica para a Magistratura inglesa. Há um

Conselho Consultivo Nacional para o Treinamento de Magistrados, denominado National

Advisory Council on The Training of Magistrates.

Nalini afirma que todos os agentes que exercem funções judicantes, dos juízes da

Câmara dos Lordes e das Cortes Superiores, aos magistrados estipendiados e juízes de paz,

são independentes tanto do Legislativo como do Executivo.

11 BOIGEOL, Anne. La Formation des Magistrats. Actae de La Recherche en Science Social, Rapport/1954, par le Conseiller Ancel, v. 64/50 apud NALINI, José Renato, op. cit., 1992, p. 44-45. 12 HUET, Sophie. La Formation des Magistrats. In: La Formation des Magistrats, La Justice. Les Cahiers Français, n. 156-157/23 apud NALINI, José Renato, op. cit., 1992, p. 46.

Page 86: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

84

A Coroa, aconselhada pelos ministros, nomeia os altos membros do Judiciário: os

Lordes de Apelação vitalícios, o Lorde Presidente da Suprema Corte, o Master of the Rolls, o

Presidente do Tribunal de Testamento, Divórcio e Almirantado e os juízes da Corte de

Apelação (Court of Appeal), todos por recomendação do Primeiro Ministro.

O Lorde Chanceler nomeia os juízes inferiores da Alta Corte (Puisne Judges), os juízes

das Cortes Distritais (exceto no Lancashire, onde eles são nomeados pelo Chanceler do

Ducado de Lancashire), os Presidentes das Sessões Trimestrais, as autoridades judiciárias dos

burgos, os magistrados metropolitanos e outros juízes remunerados. Os juízes de paz são

nomeados pelo Lorde Chanceler em nome da Coroa.

Nas nomeações para os condados, o Lorde Chanceler é assessorado pelo Lorde

Lieutenant, com a assistência de um comitê consultivo local e, quanto aos burgos, por outro

comitê consultivo. Nalini acrescenta que:

Exceção feita no caso do Lorde Chanceler que, sendo o Chefe do Judiciário para alguns fins, é também destacado membro do Governo nomeado por recomendação do Primeiro Ministro, considerações políticas não intervêm na nomeação dos juízes. Nem estes, tampouco, são escolhidos no seio da numerosa classe dos servidores civis do Judiciário. Exceto os juízes de paz, os magistrados na Inglaterra têm sido sempre escolhidos entre os advogados militantes (barristers). O juiz de um burgo (que trabalha só meio expediente) deve, por exemplo, ter sido um barrister com pelo menos, cinco anos de atividade ininterrupta; prazo que se dilata para sete em relação a juiz distrital ou magistrado estipendiado.

Em certas circunstâncias, v.g., em casos de prevaricação ou incapacidade provada, juízes das cortes inferiores podem ser removidos de sua posição pelo Lorde Chanceler, mas todos os juízes superiores (exceto o próprio Lorde Chanceler que, como Ministro do Gabinete, muda com o Governo), exercem o posto enquanto se conduzirem bem, sujeitos apenas à remoção por ordem do Soberano, mediante comunicação apresentada por ambas as Casas do Parlamento. Esta disposição da Lei da Judicatura (Consolidação) de 1925 – que deriva, por via da Lei da Suprema Corte de Judicatura, de 1875, do Act of Settlement, de 1701 – teve por fim perpetuar a independência do judiciário. A idade compulsória para aposentadoria dos juízes é de 75 anos.13

Nas Cortes do interior, há tendência de nomeação de advogados que não foram bem-

sucedidos em sua profissão, sendo tidos como honestos, mas de pouco preparo intelectual. Os

magistrados que ocupam cargos remunerados, em regra, atuam nos grandes centros e são

afeitos à matéria criminal.

Há ainda magistrados leigos, nomeados por recompensa a serviços públicos,

funcionando aos pares, sem necessidade de preparo jurídico. São criticados pela desproporção

13 Ibid., 1992, p. 52.

Page 87: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

85

nas punições aplicadas, pela tendência ao partidarismo e pela discriminação de classes em

delitos menos graves.

3.7 Itália

O concurso público é a forma adotada na Itália. O certame é realizado para acesso único

tanto a juízes, como a promotores e funcionários de carreira diretiva do Ministério da Justiça.

Exige-se saúde comprovada (poder escrever e ouvir); moral aferida (não ter sido

condenado por crime doloso ou não responder a processo semelhante) e prova de

conhecimentos escrita e oral. O concurso transcorre em prazo longo, durante dois a três anos.

A Constituição italiana, de 22.12.1947, possibilita ao legislador infraconstitucional a

regulação da participação popular direta na Magistratura, por designação ou eleição, de juízes

honorários para todas as funções inerentes aos juízes concursados (Art. 106). Podem exercer

cargo de vogal no Tribunal Supremo (Consiglieri di Cassazione), por méritos pessoais,

mediante designação do Conselho Superior da Magistratura, catedráticos de universidades

jurídicas e advogados com pelo menos quinze anos de exercício.

3.8 Portugal

O Centro de Estudos Judiciários é uma instituição responsável pela formação inicial,

complementar e permanente de magistrados, subordinado ao Ministério da Justiça.

Para o ingresso no Centro, o candidato submete-se a testes de aptidão, exceto se doutor

em Direito, advogado, conservador e notário, com pelo menos sete anos de atividade

profissional e classificação de serviço não inferior a bom, ou informação favorável da Ordem

dos Advogados. Essa reserva limita-se a um quinto das vagas disponíveis.

Os testes envolvem prova escrita e oral, em temas sobre questões sociais, econômicas,

culturais e jurídicas. A banca é presidida pelo diretor do Centro e é formada por um júri

composto por um magistrado do Ministério Público, dois professores do Centro e duas

personalidades de reconhecida idoneidade no domínio da cultura.

A formação inicial do magistrado exige dez meses de atividades teórico-práticas;

estágio de iniciação junto aos tribunais, com duração de dez meses; estágio de pré-afetação

Page 88: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

86

junto aos tribunais, com duração de seis meses; e três meses de atividades de formação

complementar, a serem realizadas nos primeiros cinco anos de exercício da Magistratura.

Os participantes do curso e estágio proporcionado pelo Centro de Estudos Judiciários

podem optar, ao final, conforme seu aproveitamento, pela Magistratura Judicial, pela

Magistratura do Ministério Público, pela Conservadoria (registro imobiliário) ou pelo

Notariado (titularidade dos cartórios de notas ou tabelionatos).

3.9 Suíça

Os juízes dos Cantões são eleitos pelo povo, para mandatos de 4 a 6 anos, podendo ser

reeleitos até que completem 65 ou 70 anos. No plano federal e em vários tribunais cantonais,

os juízes são eleitos pelo Parlamento. A Confederação Helvética, a exemplo dos Estados

Unidos, tem regras distintas para os seus Cantões.

3.10 Japão

Ao terminar os estudos universitários, os candidatos se submetem a um exame nacional

de caráter jurídico. Após o resultado, os aprovados ingressam no Instituto de Prática e

Investigação Jurídica, para treinamento constante de teoria e prática, por dois anos, junto a

diversos tribunais.

Ao final, submetem-se a um segundo exame, perante um comitê especial, presidido pelo

Presidente da Suprema Corte. Concluída essa etapa, os candidatos estão aptos a funcionar

como juízes assistentes, funcionários do Ministério Público ou exercer a Advocacia.

O Presidente da Suprema Corte é nomeado pelo Imperador, após indicação do Gabinete,

que designa os demais membros da Corte. Na primeira eleição seguinte da Câmara de

Deputados, os juízes da Corte têm suas nomeações revistas pelo voto popular, ocorrendo outra

aferição similar após 10 anos. Até esse período, os juízes podem ser destituídos e,

ultrapassando essa fase, são vitaliciados, exercendo suas funções até os 70 anos. Na primeira

instância, a compulsória dá-se aos 65 anos. Para ser designado juiz titular, é preciso

experiência anterior de pelo menos 10 anos como juiz assistente, podendo adicionar-se a esse

período o tempo de prática junto ao Ministério Público ou na Advocacia.

Page 89: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

4 DEMOCRACIA E PROJEÇÃO DA SOBERANIA POPULAR NO PODER JUDICIÁRIO E NA DEFESA DA ORDEM JURÍDICA: POSSIBILIDADES, ENTRAVES, SUGESTÕES

Seja qual for a forma de expressão da vontade geral na democracia, como manifestação

da amplitude do poder político, jurídico, econômico, cultural, enfim, da vontade da sociedade

pluralista, impõe-se a abertura da legalidade para a legitimação dos diversos núcleos de poder

que formam a soberania popular.

Se essa expressão se dá por meio de delegação indireta do poder, de forma semidireta e

compartilhada ou diretamente, são questionamentos que a experimentação, a construção

teórica, a tensão decorrente da luta interna entre esses centros de poder e as novas

configurações da ordem globalizada irão determinar, com a dialeticidade quase atávica que

caracteriza o equacionamento dessas variáveis, que se mesclam e se organizam

simultaneamente no processo de tentativas, constatações e expectativas, na construção da

realidade.

No Poder Judiciário, a efetivação do Princípio Democrático do Estado de Direito pode

se dar mediante ampliação da legitimação democrática na prestação jurisdicional, publicidade

de decisões e assuntos diversos de sua estrutura, acessibilidade máxima aos serviços

prestados, simplificação das formalidades instrumentais, aperfeiçoamento do processo de

recrutamento, formação e garantias dos magistrados, dotação orçamentária compatível com as

necessidades materiais do Poder, estruturação das carreiras, otimização da relação existente

entre a quantidade de magistrados e de processos, equilíbrio da representação judiciária no

pacto federativo, sistemas de controle, dentre outras nuances que, por metodologia desse

trabalho, serão abordadas como aberturas externas e internas para a legitimação e a

democratização do Poder Judiciário.

Page 90: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

88

4.1 Aberturas para a legitimação e a democratização externas da função judiciária e no Poder Judiciário

Consiste a ideia de legitimação e democratização externas da função judiciária e no

Poder Judiciário, em ações pelas quais o povo e a organização da sociedade civil se inserem

na dinâmica desse poder, participando na formação da prestação jurisdicional consensual ou

conflitual, com ou sem a intermediação de juízes togados, em uma fase específica do

reconhecimento do Direito ou na sua atuação efetiva e executória, assim como também nos

meios de acessibilidade aos serviços e agentes prestacionais demandados.

Às práticas existentes e às outras já extintas, somam-se sugestões e críticas no sentido

da sua ampliação, restabelecimento e modificação, para aproximar e diminuir os espaços

democráticos excludentes, na tentativa de romper com o dogmatismo que aparelha os

mecanismos de dominação do poder.

4.1.1 Justiça Arbitral

Conceitua-se a arbitragem como sendo

meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial [...] colocada à disposição de quem quer que seja, para solução de conflitos relativos a direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor.1

Distingue-se a arbitragem da mediação e da conciliação, essencialmente, porque “o

objetivo da primeira é a obtenção de uma solução imposta por um terceiro imparcial,

enquanto as duas últimas visam à celebração de um acordo”,2 atuando este terceiro apenas

como aproximador das partes, as quais resolverão o conflito, pessoalmente e diretamente.

Conciliação e mediação, como meios autocompositivos de solução das controvérsias diferem,

basicamente, pela atuação de um terceiro intercalado aos conflitantes, agindo o mediador

como um potencializador de sugestões das próprias partes e o conciliador, exercendo uma

função mais ativa, propondo, inclusive, sugestões.3

1 CARMONA, Carlos Alberto, op. cit., 2004, p. 51. 2 CARMONA, Carlos Alberto, op. cit., 2004, p. 53. 3 CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem: Lei nº 9.307/96. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 129.

Page 91: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

89

Como alternativa à solução de controvérsias, a arbitragem é meio através do qual

rompe-se o monopólio da atividade compositiva estatal de natureza jurisdicional, quando se

tratar de dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis e mutuamente acordados.

A ampliação da legitimação popular para o exercício da função outrora tipicamente

estatal foi recepcionada por alguns doutrinadores, como Carnelutti, como um equivalente

jurisdicional, pois entendia o jurista italiano que a jurisdição apenas poderia ser prestada pelo

Estado, resumindo-se a decisão arbitral, apenas por semelhança, ao método estatal de

resolução das lides.

Para situar a evolução desse método e a natureza jurídica da decisão arbitral, mister um

breve esboço de sua utilização ao longo da história universal e também da nacional.

Os babilônios já resolviam seus conflitos por meio da arbitragem pública. Os hebreus

assim procediam, para conflitos privados. No caso dos gregos, entre as cidades-Estado, “havia

um tribunal intermunicipal, no qual questionava-se a existência da arbitragem compromissória

e da obrigatória”.4

O tratado pactuado entre Espanha e Atenas, em 455 a.C., já previa cláusula

compromissória como meio de solução pacífica dos conflitos de interesses. Na Roma antiga

havia o arbitramento clássico, que só veio a perder força quando o Estado se publiciza,

perdurando até o fim do Império. No período Justiniano

a decisão arbitral tinha valor intrínseco. Cabia ao árbitro o exame e a decisão de pendências relativas ao preço na compra, venda e na locação. Na Constituição de Justiniano (531 a.C.) se houvesse cláusula de penalidade haveria interferência do magistrado na execução do laudo arbitral.5

Com a concentração do poder no Estado romano, desaparece a figura do iudex ou do

arbiter, reunindo-se nas mãos do pretor as etapas do in jure e apud judicem, por delegação da

auctoritas pelo Imperador. Surge, então, a figura do juiz como órgão estatal, com o poder-

dever de prestar a jurisdição.

Na sociedade feudal e no âmbito da common law, a arbitragem também teve papel

importante e decisivo como método de solução de conflitos.

4 STRASSMANN, Karin; LUCHI, Cínthia. O instituto da arbitragem no Brasil. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/19677/1>. Acesso em: 17 abr. 2008. 5 Ibid., 2008, on-line.

Page 92: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

90

No Brasil, a previsão da arbitragem constou da Constituição Imperial de 1824 (Art.

160), para a solução de litígios cíveis. Em 1831 e em 1837, litígios referentes à locação de

serviços eram resolvidos por meio de arbitragem e, em 1850, com o advento do Código

Comercial brasileiro, as locações mercantis eram submetidas à justiça arbitral.

A Constituição atual do Brasil, mesmo que sumariamente, menciona a arbitragem,

direta ou indiretamente, como meio de solução pacífica dos conflitos, consoante disposições

em seu preâmbulo, no Art. 4º, inciso VII, e no Art. 114, §§ 1º e 2º.

A Lei n.º 9.307, de 23 de setembro de 1996, finalmente, dispôs sobre o uso da

arbitragem no Brasil, sendo este o instrumento legal que regulamenta a matéria.

O Art. 31 dessa lei assegura que “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus

sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo

condenatória, constitui título executivo”. Consoante essa prescrição normativa, Carmona

afirma que:

[...] O legislador optou, assim, por adotar a tese da jurisdicionalidade da arbitragem, pondo termo à atividade homologatória do juiz, fator de emperramento da arbitragem. Certamente continuarão a surgir críticas, especialmente de processualistas ortodoxos que não conseguem ver atividade processual – e muito menos jurisdicional – fora do âmbito da tutela estrita [...]6

Verde acrescenta:

A experiência tumultuosa destes últimos quarenta anos nos demonstra que a imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a idéia que a justiça deve ser administrada em via exclusiva pelos seus juízes.7

Assim, salvo para arguir a validade e a eficácia da sentença arbitral brasileira, nas

hipóteses elencadas no Art. 32 da Lei de Arbitragem, e mediante o procedimento do Art. 33

dessa norma, a sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores o mesmo efeito da

sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário. Quanto ao argumento de que a

arbitragem é inconstitucional, Barral afirma:

Não se trata aqui de um mito, mas de análise equivocada da natureza jurídica da arbitragem e dos limites impostos pelo art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988.

Uma resposta fácil a esta assertiva seria dizer que o dispositivo constitucional se dirige ao legislador, no sentido de não afastar a apreciação pelo Judiciário, enquanto

6 CARMONA, Carlos Alberto, op. cit., 2004, p. 45. 7 VERDE, Giovanni. Arbitrato e giurisdizione. L’Arbitrato secondo la Legge, 28/83. Nápoles, Jovene Editore, 1985, p. 161-182, esp. p.168, trad. livre apud CARMONA, Carlos Alberto, op. cit., 2004, p. 45.

Page 93: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

91

na arbitragem esse afastamento se efetiva pela própria vontade das partes, em relação a direito sobre o qual têm disponibilidade. Se podem contratar, transacionar ou dispor do direito em questão, as partes podem delegar a terceiro o direito de determinar o destino do mesmo.8

Para efeito deste estudo, suficiente apenas demonstrar que a arbitragem como meio

alternativo de solução de conflitos é uma das formas de ampliação da legitimação democrática

no exercício da jurisdição, mesmo que limitada às hipóteses legais, viabilizando, assim, o

acesso do povo não só aos resultados da prestação jurisdicional, mas ao seu próprio exercício,

eis que, nos termos do Art. 13, da Lei n.º 9.307/96, “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e

que tenha a confiança das partes”, entendida a capacidade como sendo a prevista no Código

Civil brasileiro, excluídos os relativamente e os absolutamente incapazes (Arts. 3º e 4º,

respectivamente), assim como as pessoas jurídicas. Só a pessoa física pode ser árbitro,

inclusive analfabetos e estrangeiros.

4.1.2 Tribunal do Júri

Uma das formas de manifestação da soberania popular na função judiciária, com

legitimação já consagrada no ordenamento jurídico, é através da composição do Tribunal do

Júri, onde pessoas do povo são sorteadas, em lista previamente elaborada, para integrar o

Conselho de Sentença que julgará os crimes dolosos contra a vida.

Sua origem remonta à própria noção de Direito. Doutrinadores diversos encontraram a

instituição do júri no período Mosaico, entre os judeus do Egito, sob a orientação de Moisés.

Em Roma, havia os judices jurati. Na Grécia antiga, havia os diskatas. Em Atenas, o

Areópago, composto por antigos arcontes, os quais julgavam segundo as suas consciências. A

Heliéia, espécie de Tribunal Popular, integrado por heliastas, que eram cidadãos optimo jure,

também julgava segundo o mesmo critério.

Atribui-se à Inglaterra, na época do Concílio de Latrão e da Carta Magna, em 1215, a

origem moderna da instituição do Tribunal do Júri, quando foram abolidas as ordálias ou

Juízos de Deus, consolidando-se o instituto do Tribunal do Júri no sistema do Common Law.

Com a Revolução Francesa e a desconfiança dirigida aos juízes togados, oriundos de

castas familiares, o Júri ratifica sua força popular, sendo exigida a condição de eleitor para o

8 BARRAL, Welber. A arbitragem e seus mitos (resposta ao juiz Silva Salvador). Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, ano 2, n. 5, p. 143-155, jul./dez. 1998.

Page 94: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

92

exercício da função, dispensada a justificativa para os votos e admitindo a condenação apenas

por maioria, diferente do sistema inglês, que exigia a totalidade dos votos.

Na Europa, apenas a Bélgica, a Noruega, a Espanha, a Inglaterra e alguns Cantões da

Suíça (Gêneve, Friburgo e Zurich) admitem a instituição do Tribunal do Júri. Adotam essa

prática, também, a Austrália, a África do Sul, os Estados Unidos e, na América do Sul, apenas

o Brasil e a Colômbia.9

No Brasil, em 1822, instituiu-se o Tribunal do Júri, com competência exclusiva para os

crimes de imprensa, àquela época.

A Constituição de 1988 previu a instituição do Júri no Art. 5º, inciso XXXVIII,

assegurando a plenitude da defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a

competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, inserindo-o no Título dos

Direitos e Garantias Fundamentais, elevando-o à condição de cláusula pétrea.

As características de um ritual solene, com sigilo dos votos e soberania dos resultados

do julgamento, muito se assemelham ao processo democrático eleitoral, no qual cada eleitor

representa um voto, com igual significância, manifestando-se secretamente e com a garantia

republicana de que os resultados serão respeitados.

Assim, como não é necessária a qualidade de alfabetizado para a obtenção da

capacidade eleitoral ativa, sendo suficiente a condição de eleitor e, portanto, de cidadania, no

Tribunal do Júri também se exige ser o jurado cidadão, maior de 18 anos e com notória

idoneidade.

É bem verdade que a capacidade eleitoral ativa inicia-se aos 16 anos (Art. 14, § 1º,

inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal), facultativamente, enquanto o Código de

Processo Penal restringe a 18 anos a idade mínima para o jurado (Art. 436), além da condição

pessoal de notória idoneidade, normalmente aferida dentre cidadãos que integram a

burocracia estatal, associações de classe e de bairros, sindicatos profissionais ou núcleos

comunitários (Art. 425, § 2º, do Código de Processo Penal).

9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4, p. 79.

Page 95: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

93

Esse segmento representa apenas parcela da cidadania, porém, abrange praticamente

todas as classes sociais que atualmente se encontram organizadas sob a forma de vínculos

profissionais.

Esse espectro do tecido social, de onde se podem convocar jurados, é a comprovação de

que é possível, sob o ponto de vista da Teoria da Democracia, ampliar a margem da soberania

popular na função judiciária.

A competência, hoje, do Tribunal do Júri, para o julgamento dos crimes dolosos contra

a vida (Arts. 121 a 126 do Código Penal), além daqueles que lhe são conexos ou continentes,

realça a importância que o legislador imprimiu à valoração do maior crime contra a natureza

humana, que é a morte de alguém, concedendo ao povo o direito de julgar o criminoso,

consoante a prova dos autos – a justiça formal – mas também, de acordo com os valores de

cada nicho comunitário, considerando que as razões materiais do crime e a sua valoração

diferem, territorialmente, segundo a cultura e a íntima convicção dos julgadores de fato.

Nisso consiste a soberania dos veredictos, embora tenha a norma e a doutrina

relativizado essa soberania, ao prever que, sendo o réu condenado ou absolvido, em face de

argumentos contrários à prova dos autos, poderá submeter-se a outro Júri, se anulado o

primeiro julgamento pelo juízo ad quem, em razão de apelação, procedendo-se assim, apenas

por mais uma vez, salvo se no primeiro julgamento o acusado foi absolvido e no segundo ele

foi condenado. Nessa condição, por preponderância do direito à liberdade, igualmente direito

fundamental, possível será um terceiro julgamento (Art. 593, inciso III, alínea “d” e § 3º, do

Código de Processo Penal). Outra hipótese de mitigação do princípio da soberania dos

veredictos no Tribunal do Júri é a revisão criminal (Art. 621, do Código de Processo Penal).

A abertura democrática a ser implementada no Tribunal do Júri poderia consistir,

doravante, na ampliação de sua competência para o julgamento de outros crimes ou conflitos

comunitários, uma vez que a Constituição Federal quando garantiu a competência desse

Tribunal para os crimes dolosos contra a vida, não excluiu a possibilidade de que a lei

ordinária possa estender esse rito processual especial para outras demandas, como havia a

previsão em 1822, quando a instituição do Júri foi criada no Brasil para os crimes de

imprensa, exclusivamente.

Page 96: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

94

Com esse elastério, o Conselho de Sentença, que julga os maiores crimes – os dolosos

contra a vida - poderia assumir outras competências, dando aos seus veredictos a legitimação

popular, por representarem largo segmento do povo ativo.

Aliás, na forma como se regulamentou o processo, no sistema tecnoburocrático

brasileiro, na fase reservada ao juiz togado, após o réu ter sido pronunciado, restam apenas a

aplicação da pena, após o veredicto dos jurados, a decisão sobre a liberdade provisória do réu,

se acaso pender recurso de eventual sentença condenatória, o exercício do poder de polícia no

recinto do julgamento e a presidência dos atos processuais daquele momento. A principal

função é a dos jurados, que condenam ou absolvem o réu. A subsunção da pena ao veredicto é

ato quase que mecânico e automático, diante das respostas à quesitação apresentada aos

jurados.

Pode-se até dizer que esse procedimento é uma forma de expressão da democracia

participativa, coexistindo o poder estatal formal, expressão da soberania indireta, por

intermédio dos juízes concursados; e a soberania popular, diretamente exercida pelos juízes de

fato e do fato, selecionados em procedimento cujo acesso é ampliado ao cidadão.

Vislumbra-se, mesmo que limitadamente, a aproximação no exercício dessa vontade

geral, decorrente da lei, com o poder delegado e a manifestação direta da convicção popular.

Ademais, a dialética dos procedimentos no Tribunal do Júri permite até que se alcancem

resultados assemelhados aos do Recall, pois a sessão de julgamento no Tribunal pode ser

deslocada para outra comarca, se ocorrer a hipótese do Art. 427 (desaforamento), havendo

indícios de que, dentre outras razões, os jurados estejam sendo fortemente influenciados pela

efervescência dos fatos e das interferências sociais e políticas; quando o juiz togado

desconstitui o Conselho de Sentença, nas hipóteses do Art. 466, § 1º (o jurado manifesta

opinião sobre o processo), do Art. 497, inciso V (o réu é considerado indefeso) e do Art. 481

(a verificação de qualquer fato essencial para a decisão da causa não puder ser realizada

imediatamente), todas do Código de Processo Penal; por deficiência da acusação (neste caso é

a sociedade que não se vê bem representada) e, por último, quando o próprio Estado anula o

julgamento, determinando que outros jurados, novamente reunidos, exerçam o direito-dever

de julgar o réu (quando há recurso por julgamento contrário à prova dos autos, por exemplo).

Page 97: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

95

Portanto, é o Tribunal do Júri, com a sua dinâmica, uma das formas de exercício da

função judiciária com a presença direta do povo, quebrando o monopólio da prestação

jurisdicional, pelo menos em seu conteúdo material.

4.1.3 Juizados Especiais

Os juizados especiais e os juizados de pequenas causas, previstos na Constituição

Federal de 1988 (Art. 98, inciso I e seu § 1º e Art.24, inciso X, respectivamente), representam

marco importante no processo de dessacralização do formalismo processual, no sentido da

ampliação do acesso democrático à função jurisdicional, caminho este que abrange elementos

de facilitação, tais como: isenção de custas processuais, competências específicas, dispensa de

advogados, desobrigação de honorários sucumbenciais, rito especial, principiologia própria,

redução das vias recursais, adoção de mecanismos mediadores e conciliatórios, enfim, um

microssistema jurisdicional próprio e adequado à pluralidade da sociedade e de suas

microlesões.

Embora os juizados especiais tenham absorvido, na prática, as funções dos juizados de

pequenas causas, a verdade é que remanescem competências diferenciadas, mantidas por

entendimentos doutrinários e jurisprudenciais ratificadores da distinção efetivada pela

Constituição Federal.

O Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.807-5, 10

tendo como requerente o governador do Estado de Mato Grosso e relator da medida liminar o

Ministro Sepúlveda Pertence, decidiu, por unanimidade, no sentido dessa diferenciação,

quando afirmou:

[...]

2. Dada a distinção conceitual entre os juizados especiais e os juizados de pequenas causas (cf. STF, ADIn n.º 1.127, cautelar, 28.9.94, Brossard), aos primeiros não se aplica o art. 24, X, da Constituição, que outorga competência concorrente ao Estado-membro, para legislar sobre o processo perante os últimos.

[...]

10 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1.807-5/DF, Relator da medida liminar Ministro Sepúlveda Pertence. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp? numero=1807&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=m>. Acesso em: 18 ago 2009.

Page 98: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

96

Nesse sentido, constituições estaduais ainda distinguem expressamente esses dois

órgãos do Poder Judiciário do Estado, a exemplo da Constituição do Estado de São Paulo, no

Art. 54, inciso VIII (juizados especiais) e inciso IX (juizados de pequenas causas), e a do

Ceará, no Art. 124, prevendo os juizados especiais, e no Art. 125, dispondo sobre os juizados

de pequenas causas.

Contudo, com a edição da Lei n.º 9.099, de 26.9.1995, legislando sobre os juizados

especiais cíveis e criminais e revogando, em seu art. 97, a Lei n.º 7.244/84, que dispunha

sobre os juizados de pequenas causas, e com o advento da Lei n.º 10.259, de 12.07.2001,

instituindo os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal, a existência

de juizados de pequenas causas ficou condicionada à sua criação, por lei complementar

estadual, de iniciativa dos Tribunais de Justiça, considerando a competência concorrente

prevista no Art. 24 da Constituição Federal.

No limite desta proposta democratizante, evidenciar-se-á apenas a ideia dos juizados

especiais, tal como ela foi criada e como poderia ser ampliada.

Bhagwati, magistrado indiano, presidente do Comitê de Direitos Humanos da

Organização das Nações Unidas (ONU) e conselheiro regional do Alto Comissariado de

Direitos Humanos para a Região da Ásia e do Pacífico, na defesa da democratização de

soluções e do acesso à justiça, propõe que:

O foco das atenções dos direitos humanos deve se voltar para as camadas mais destituídas e vulneráveis dos países em desenvolvimento, para quem a vida é uma eterna vigília e a quem Gandhi, o Pai das Nações, disse: ‘Eu tive a dor de observar pássaros que, por desejo de força, não puderam ser acariciados nem com um alvoroço de suas asas. O pássaro humano sob o céu da Índia se levanta mais fraco do que quando pretendia se aposentar. Para milhões, é uma eterna vigília ou um eterno transe’.11

Quando se busca o entendimento no sentido da democratização dos meios de acesso à

função judiciária, pela participação do maior segmento social possível, direta ou

indiretamente, no processo decisório, pretende-se também alcançar nível de

comprometimento tal, com a prestação jurisdicional, que o conflito submetido ao Estado não

seja apenas um exercício formal da cidadania, mas a perspectiva real de obtenção de respostas

para a satisfação da pluralidade humana.

11 BHAGWATI, P. N. Democratização de soluções e acesso à justiça. Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, Brasília/DF, ano 5, n. 12, p. 44-47, 2º sem. 2002.

Page 99: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

97

Essa dimensão, a seu turno, realiza-se com base no respeito à complexidade da

sociedade, repleta de variados pleitos, tão urgentes quanto efêmeros, tanto mais importantes

quanto essenciais à formação de um sentimento firme e crescente de autoestima civilizatória e

coletiva, pressuposto indispensável para a estruturação do sentimento de pertencimento que

deve ser atributo de uma nação.

Grandes causas, com grandes ou desiguais litigantes, difíceis soluções, processos

complexos e demorados, ineficácia e inefetividade, formalismo desmesurado, burocracia

entediante, maestros que regem uma orquestração sinfonicamente inaudível pela grande

massa, não se adaptam a microdireitos e microlesões, cuja valoração não se pode submeter a

princípios de bagatela e insignificância, pois no conjunto das pequenas demandas, das

querelas mais comezinhas, no dinamismo das pequenas relações de troca do ambiente social,

forma-se a ideia real da cidadania de um povo.

Os juizados especiais são a promessa vigorosa de infiltração no tecido comunitário, de

uma nova forma de exercer não somente o jus discere, mas também o jus dare. Não se trata

de uma justiça distributiva de benefícios populistas ou da aplicação de um direito alternativo,

mas da adoção de alternativas informais, necessárias a uma “criação jurídica complexa”12 que

restaure, em curto prazo, direitos lesados, restabeleça a crença na igualdade, diminua a

precariedade dos acessos ao aparelho jurisdicional, disponibilize cenários físicos

geograficamente mais próximos do local de residência das partes, isente custas, dispense

advogados ou os torne facultativos, tenha celeridade, adequando o tempo processual ao tempo

das emergências postuladas, afaste o medo e o pânico presenciais e adote o direito como

pedagogia de transmissão do conhecimento e não como instrumento de poder intelectual dos

mais astutos e abastados.

Pequenas causas, soluções despadronizadas, equidade, instalações simples e

convidativas, ações conciliatórias e mediadoras, juízes presentes e próximos aos fatos sociais

que serão apreciados, sem toga nem galhardões, primazia da oralidade, flexibilização máxima

da regra processual, unidades julgadoras descentralizadas, tudo isso forma um espaço de

aproximações onde os pequenos conflitos, dos mais desassistidos ou não, podem ser

rapidamente resolvidos, evitando a fuga dos contendores em direção a tutelas parajurídicas ou

simplesmente descomprimindo o fluxo natural de tensionamento social, muitas vezes

12 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995, p. 179.

Page 100: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

98

mascarado por índices de baixa litigiosidade, que mais representam a descrença na função

judiciária do que o respeito aos seus mecanismos.

Assim, algumas sugestões poderiam ser implementadas, com características próprias

para essa justiça especial, tais como:

a) Ampliação da legitimação ativa dos demandantes, inclusive por substituição

processual, prática utilizada para a proteção das camadas mais vulneráveis e

desprovidas das comunidades, como os desempregados, os sem-terra e sem-teto,

índios, menores, mulheres violentadas, mendigos, imigrantes, deficientes físicos,

necessitados de serviços urgentes de saúde, excluídos do ensino formal básico,

vítimas domésticas, vizinhos, dentre outros, independentes do valor da causa;

Para a garantia e proteção contra a violação de direitos humanos, por exemplo:

A Suprema Corte da Índia abriu suas portas para ampliar a doutrina do locus standi, o que é conhecido como a chance de proporcionar e possibilitar aos pobres a oportunidade de trazerem seus problemas diante dos tribunais [...] no documento ‘Nomeação de Juízes e Transferência de Caso’, sustenta que apesar de a regra comum da jurisprudência anglo-saxônica afirmar que uma ação somente pode ser trazida pela pessoa a quem o dano foi causado, esta regra pode e deve partir da observação da pobreza massiva e da ignorância do povo. Ou seja, quando o dano é causado a uma pessoa ou a uma classe de pessoas que, por razões de pobreza, inabilidade ou desvantajosa posição socioeconômica não pode aproximar-se dos tribunais para obter sentenças judiciais, qualquer pessoa ou representante de organização não governamental, agindo de boa-fé, pode mover uma ação no tribunal procurando reparação judicial para o dano causado a essa pessoa ou classe de pessoas e, nesse caso, os tribunais não insistirão na petição regular a ser preenchida pelo indivíduo ou pela ONG que assumir a causa [...]13

b) Descentralização e aumento das unidades dos juizados especiais, instalando-as nos

diversos bairros das cidades, desenvolvendo a percepção de proximidade do

aparelho judicial com a população de seu entorno, como num sistema de integração

de ações sociais localizadas. Nesse contexto, juízes, promotores, conciliadores,

advogados, partes e sociedade seriam elos de uma mesma corrente, com ações

conjuntas nos diversos setores da sociedade civil de suas circunscrições,

produzindo resultados mais adequados às peculiaridades locais;

c) Ampliação da competência material do Art. 3º da Lei n.º 9.099/95, incluindo outras

demandas atualmente excluídas, como as de família, tributárias, fiscais,

previdenciárias, desde que haja consensualidade;

13 BHAGWATI, P.N., op. cit., 2002, p. 46.

Page 101: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

99

d) Eleição dos conciliadores e juízes leigos dentre cidadãos e por meio deles, desde

que residentes na mesma área constante do cadastro eleitoral dos Tribunais

Regionais Eleitorais, correspondente à circunscrição das unidades dos juizados

especiais, com mandatos fixos e com suplentes.

4.1.4 Justiça de Paz

Outra forma de solução de conflitos e interesses, legitimando a participação popular e

contribuindo para a ampliação do espaço reservado aos cidadãos na função judiciária, pelo

menos nas jurisdições não contenciosas, diz respeito à Justiça de Paz, prevista na Constituição

Federal de 1988, em seu art. 98, nos seguintes termos:

Art. – 98 – A União, no Distrito Federal, e os Estados criarão:

[...]

II – justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.

O que se verifica na redação deste inciso é que o constituinte, ao utilizar o termo

jurisdição, o fez com conotação de jurisdição contenciosa, desprezando a diferenciação que o

legislador processual adotou e a doutrina consagrou, entre jurisdição voluntária e jurisdição

contenciosa.

Pela jurisdição voluntária, o Estado atua por meio de órgãos do Poder Judiciário14,

exercendo atos de administração de interesses que têm alguma significação e gravidade e que

a lei houve por bem destinar à função estatal a sua atribuição, por entender que essa

intervenção desfrutará de maior idoneidade e independência do que se fosse realizada por

outros órgãos públicos.

Na jurisdição voluntária, não há partes e sim interessados ou participantes. Não há

conflitos ou litígios e sim interesses a serem tutelados em favor de seus titulares. Como não há

conflito, em princípio, não há contraditório, o que poderá surgir no decorrer do processamento

do pedido, transformando a jurisdição em contenciosa.

14 Para maior compreensão, vide capítulo 2, retro.

Page 102: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

100

É pressuposto da jurisdição voluntária “um negócio ou um ato jurídico, e não, como

acontece na jurisdição contenciosa, uma lide ou uma situação litigiosa.”15 Theodoro Júnior

afirma, com fundamento nas lições de Pietro-Castro, que:

Os órgãos judiciais são convocados a desempenhar uma função administrativa destinada ‘a tutelar a ordem judiciária mediante a constituição, asseguramento, desenvolvimento, e modificação de estados e relações jurídicas com caráter geral, ou seja, frente a todos’.16

Portanto, para que a disposição constitucional tenha coerência e unidade, por

principiologia que lhe é inerente, forçoso é admitir que a jurisdição excludente a que se refere

a norma máxima é a contenciosa, prestada por um dos órgãos do Poder Judiciário, consoante

o rol descrito no art. 92 da Constituição Federal, no qual os juízes de paz não se incluem,

mesmo porque o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que as decisões

arbitrais também são forma de jurisdição e, como a Justiça de Paz, os tribunais arbitrais

também não integram o aparelho do Poder Judiciário.

O que causa espécie e reflexão é o fato de que, sendo a competência o limite da

jurisdição, por definição doutrinária, algumas matérias sejam obrigatoriamente e

privativamente submetidas ao Poder Judiciário, e outras não, em se tratando de jurisdição

voluntária, mesmo que com características próprias, como as já descritas, embora tenham

notória relevância, como a relação jurídica resultante no casamento e de sua habilitação

formal, inclusive os seus atos impugnativos.

Parece que se prenuncia, com isso, uma crescente abertura constitucional, com

repercussão processual, no sentido de que, paulatinamente, a jurisdição enquanto primazia do

Estado, com possibilidade de contraditório, coação (embora esta também exista na jurisdição

voluntária) e lide (enquanto conflito de interesses qualificados por uma pretensão resistida) -

características da jurisdição contenciosa -, será a que efetivamente remanescerá como

atividade exclusiva do Poder Judiciário, no plano da jurisdição propriamente dita.

As demais atividades jurisdicionais atinentes à tutela e proteção de interesses privados

ou mesmo públicos, inseridas na ordem jurídica, mas passíveis de resolução por meios

alternativos de solução de conflitos (arbitragem, mediação, conciliação), os atos consensuais, 15 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1997. v. I, n. 62, p. 79-80. 16 PRIETO-CASTRO Y FERNANDIZ, Leonardo. Derecho Concursal, Procedimentos Sucessores, Jurisdicción Volontaria, Medidas Cautelares, Madrid Editorial Tecnos, 1974, n. 135, p.180 apud THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: procedimentos especiais. 38. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. III, p. 378.

Page 103: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

101

ainda que representando relações jurídicas, como o inventário, a partilha amigável, se com

partes capazes, a separação e o divórcio, estes, nos termos da autorização concedida pela Lei

n.º 11.441, de 04/01/2007, e as atribuições dos juízes de paz, são também formas de jurisdição

voluntária, agora, e cada vez mais, compartilhadas entre o Poder Judiciário e instituições

outras que, privativamente ou por delegação do Poder Público, prestarão jurisdição, no

sentido autocompositivo, heterocompositivo ou simplesmente fiscalizatório e tutelador.

Ao contrário do que se apregoa como sendo uma ação orquestrada tendente à

terceirização da atividade jurisdicional, que se iniciou com as funções de administração

judiciária de interesses ou conflitos privados, para prosseguir, em futuro contínuo, com a

jurisdição contenciosa, atendendo à vertente globalizante dos mercados, entremostra-se a

inafastável capacidade que têm os grupos e as comunidades plurais de realizarem a

construção social da realidade,17 em que o fazer hermenêutico não se limite às instâncias

oficiais, por ser inerente a todos, como numa sociedade aberta dos intérpretes da

Constituição, adequando-se à teoria da democracia.18

O juizado de paz no Brasil, historicamente, “foi uma tentativa de introduzir novas bases

para a administração da Justiça Colonial, marcada pelo centralismo e pelo distanciamento do

povo; buscava a descentralização e a democratização”.19 Flory afirma que:

LA PRIMERA gran reforma de la década liberal fue también la primera modificación importante del sistema judicial. La creación en 1827 del puesto de juiz de paz (juez de paz) señaló el comienzo del período de reforma y el ascenso inminente de los liberales; el juez de paz brasileño, como se concibió originalmente, sería un magistrado sin entrenamiento, y sin paga elegido para ejercer en asuntos de poca importancia y conciliaría a los litigantes en perspectiva [...]20

O que precedeu à instituição dos juízos populares, dentre eles, o juízo de paz, foi a

formação de um corpo de juízes para o julgamento das causas de abuso de liberdade de

imprensa, criado pelo Decreto de 18 de junho de 1822, que era uma extensão, no Brasil, da lei

adotada pelas Cortes portuguesas, no ano anterior.21 Este Conselho era composto de 24

17 BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. 7. ed. Petrópolis: Vozes,

1987. 18 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição – contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997. 19 RODYCZ, Wilson Carlos. O juiz de paz imperial: uma experiência de magistratura leiga e eletiva no Brasil. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/RevistaJH/vol3n5/sumario_vol3n5.php>. Acesso em: 28 abr. 2008. 20 FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. México: Fondo de Cultura Económica, 1986, p. 81. 21 El decreto de las Cortes del 12 de julio de 1821 creó el sistema de jurado para juzgar los delitos de la prensa en

Page 104: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

102

jurados, nomeados pelos ouvidores das Relações ou das comarcas, dentre “homens bons,

honrados, inteligentes e patriotas”.22 Decidiam sobre os fatos e a pena era aplicada por um

juiz. Foi essa a primeira norma que previu órgãos jurisdicionais no Brasil.

Posteriormente, pela Lei de 15 de outubro de 1827, foram criados os juízes de paz. Em

todas as freguesias ou paróquias deveria haver um juiz de paz e um suplente, eleitos

juntamente com os vereadores, pela mesma sistemática. A recusa ao mandato era proibida,

salvo moléstia impeditiva ou exercício de emprego que o impossibilitasse.

O juiz de paz, no Império, tinha competência para:

- Conciliar as partes antes da demanda;

- Processar e julgar as causas cíveis cujo valor não excedesse a dezesseis mil-réis;

- Manter a ordem nos ajuntamentos (reuniões públicas), dissolvendo-os no caso de

desordem;

- Pôr em custódia os bêbados durante a bebedice, corrigindo-os por vício e

turbulência;

- Dar sermões em prostitutas escandalosas, obrigando-as a assinar termo de bem viver,

com a cominação de penas;

- Fazer destruir os quilombos;

- Fazer autos de corpo de delitos;

- Interrogar os delinqüentes, prendê-los e remetê-los ao juiz competente;

- Ter uma relação dos criminosos para fazer prendê-los;

- Fazer observar as posturas policiais das câmaras;

- Informar ao juiz de órfãos sobre incapazes desamparados e acautelar suas pessoas e

bens, enquanto aquele não providenciasse;

Portugal (B-CLB, 1821-1822, pt.1, pp. 19-28). Esta ley se extendió a Brasil el 18 de junio de 1822 (B-CLB, 1822, pt. 2, p. 23-24). FLORY, Thomas, op. cit., 1986, p. 181, nota 28. 22 RODYCZ, Wilson Carlos, op. cit., 2008, on line.

Page 105: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

103

- Vigiar sobre a conservação das matas públicas e obstar nas particulares ao corte de

madeiras reservadas por lei;

- Participar ao presidente da província quaisquer descobertas úteis que se fizessem no

seu distrito (minas);

- Procurar a composição das contendas e dúvidas sobre caminhos particulares,

atravessadouros e passagens de rios ou ribeiras, sobre uso das águas empregadas na

agricultura ou na mineração, dos pastos, pescas e caçadas, sobre limites, tapagens e

arcadas das fazendas e campos, e sobre os danos feitos por familiares ou escravos;

- Dividir o distrito em quarteirões que não contivessem mais de vinte e cinco fogos.

Rodycz acresce que o juiz de paz tinha competência também para impor penas de multa

até o máximo de trinta mil réis ou um mês de prisão ou três de correção, conhecer das multas

por contravenção às posturas municipais, registrar livros de estrangeiros que fossem morar no

seu distrito, nomear em seu distrito os delegados de quarteirão, conhecer ex officio dos crimes

policiais em seu município, presidir juntas paroquiais de alistamento da Guarda Nacional,

processar, cumulativamente com os juízes criminais, ex officio, os crimes públicos até a

pronúncia, julgar as habilitações para a naturalização de estrangeiros.23

Essa, em apertada síntese, é a experiência democratizante da função judiciária exercida

no passado imperial pela justiça de paz, com mais amplitude, e hoje, limitada pela disposição

do Art. 98, inciso II, da Constituição Federal, mas com a abertura que o próprio constituinte

facultou ao legislador ordinário, quando permitiu que outras matérias pudessem ser

conhecidas e decididas por esses juizados.

Os juízes de paz são eleitos pelo povo, dentre cidadãos, por voto secreto, direto e

universal, com mandatos fixos e jurisdição específica, mesmo que não contenciosa.

É, pois, uma abertura precursora da participação popular na administração da justiça e

na prestação jurisdicional, no âmbito do poder do Estado e no exercício da soberania.

23 RODYCZ, Wilson Carlos, op. cit., 2008, on line.

Page 106: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

104

4.1.5 Autotutela

A evolução das sociedades humanas tornou inevitável que o uso da força individual ou

grupal fosse contido, em prol da pacificação social e da domesticação do chamado estado de

natureza, que dificultava a formação de uma sociedade civil e a superação de conflitos sociais,

econômicos e políticos.

A falta de uniformização na solução das demandas interindividuais e intergrupais

deturpava a noção de justiça e a de razoabilidade. Os problemas eram enfrentados na forma

primitiva de organização social, mas havia sempre a prevalência do mais forte, do mais hábil

e do mais organizado, restando continuamente novos conflitos latentes a dificultar o alcance

de uma paz mais duradoura e confiável.

Maia Filho atribui a essa lei da causação circular o fato de que, “em todos os espaços

sociais e em todas as épocas históricas as tensões internas sempre estiveram inevitavelmente

presentes com toda a sua força dramática, incontrolável e desagregadora”.24

É, pois, com o advento do Estado moderno que a noção de jurisdição como atividade

estatal começa a se firmar, simultaneamente com a própria ideia de Estado, com sua divisão

em funções orgânicas.

A idealização de uma sociedade racionalmente estruturada, onde o poder e a soberania

deixassem de ser encarnação de uma fonte única, personalista e absoluta, impulsiona a

revolução burguesa do Estado liberal, instituindo uma nova ordem de dominação, sendo

necessário um ente que pudesse sobrepairar à desagregação que advinha da novel

convergência de forças.

Essas novas forças atuantes na formação do Estado moderno surgiram, segundo Maia

Filho, com fundamento no pensamento de Saldanha,

como convergência de dois processos, um de centralização – concentração e outro de legitimação – absolutização,25 conduzidos com superior competência pelas classes sociais interessadas na implantação de uma estrutura monopolística de poder, no caso, a classe dos proprietários de bens materiais.26

24 MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A antiga e sempre atual questão da submissão do poder público à jurisdição. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 1, 2003. p. 146-159, p. 148. 25 SALDANHA, Nelson. Estado de Direito, Liberdades e Garantias: estudos de direito público e teoria política. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980, p. 59 apud MAIA FILHO, Napoleão Maia, op. cit., 2003, p. 151. 26 MAIA FILHO, Napoleão Nunes, op.cit., p.151.

Page 107: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

105

A autotutela como meio de solução dos próprios conflitos cede o seu lugar para o novo

centro de poder, o Estado, que criará uma função própria para dizer o direito e distribuir a

justiça. Maia Filho acresce que:

Vistas as coisas deste modo, o monopólio estatal da jurisdição, vencendo a aludida fase autotutelar, afirma, por um lado, a verificação definitiva do poder do Estado Moderno, que passa a ministrar com exclusividade aos indivíduos as soluções mais desejáveis do ponto de vista da pacificação social, que assim se torna um macrofazer do Poder Público, isto é, a solução dos conflitos passa a ser estratégica para o grupo governante, impondo-se até mesmo contra a vontade de ambos os conflitantes originários; a essa característica da jurisdição chamou-se de força substitutiva da vontade das partes.27

A visão de Maia Filho sobre o poder jurisdicional do Estado, decorrente da absorção da

função de conciliar ou mediar conflitos inevitáveis, em substituição aos próprios sujeitos

contendores, parece não admitir a quebra do monopólio desse poder, quando assegura que:

[...] teria de ser mesmo a natural evolução das instituições, máxime quando se entende que a própria estrutura do Estado se encaminha para não permitir a atuação de parceiros no exercício do seu poder; a tendência natural das estruturas de poder é a de expandir constantemente a sua dominação, eliminando os adversos e os concorrentes e neutralizando os opositores; essa é a regra e a lição da história humana.28

Contudo, o Estado tem cedido essa primazia, como já se apercebe com a possibilidade

de composição conflitual em outros núcleos que não o exclusivamente estatal, admitindo

também coparticipações, como são os casos já mencionados da arbitragem, da justiça de paz,

do tribunal do júri, das intervenções consensuais no direito de família e das sucessões, estas,

realizadas pelas serventias judiciais, a título exemplificativo.

A autotutela como modo de tratamento dos conflitos em que a decisão é imposta pela

vontade de um dos sujeitos envolvidos repousa, para Rocha, “[...] no poder de coação de uma

das partes. Serve, assim, à parte mais forte. Nela, o critério da justiça da decisão é sacrificado

uma vez que o fator predominante é a força”.29

Mas foi a ordem jurídica que autorizou a coexistência, juntamente com a função

jurisdicional, dessa primitiva forma de solução conflitual, em situações tais que parece

emergir algo como um direito natural a uma reação instantânea e emergencial para a garantia

de um direito fundamental, quer seja ele o direito à vida, ao patrimônio, ao trabalho ou à

produção.

27 MAIA FILHO, Napoleão Nunes, op. cit., 2003, p. 151. 28 MAIA FILHO, Napoleão Nunes, op. cit., 2003, p. 151. 29 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1996, p. 33.

Page 108: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

106

São exemplos de autotutela ainda presentes no ordenamento jurídico: a legítima defesa

(Art. 23, inciso II) e o estado de necessidade (Art. 23, inciso I), ambos do Código Penal

brasileiro; a legítima defesa e o estado de necessidade (Art. 188, incisos I e II,

respectivamente), do Código Civil brasileiro; a reintegração ou manutenção da posse por ato

do próprio possuidor, quando ameaçado ou esbulhado – legítima defesa da posse ou desforço

possessório (Art. 1.210, § 1º); a poda de raízes e ramos de árvores que ultrapassarem a

estrema do prédio (Art. 1.283); o penhor legal, em favor dos hospedeiros, estalajadeiros ou

fornecedores de pousada ou alimento, sobre as bagagens, móveis, jóias, ou dinheiros dos seus

consumidores ou fregueses (Arts. 1.468 a 1.470), todos do Código Civil brasileiro; o direito à

greve e ao lockout (Arts. 9 e 37, inciso VII, da Constituição Federal); a prisão em flagrante

delito por qualquer um do povo (Art. 301, do Código de Processo Penal), dentre outros.

O relevante e destacável dessa forma remanescente de exercício da justiça e aplicação

do direito, cuja abertura, por força consuetudinária, ainda se manteve em paralelo ao poder

jurisdicional atual, é que todas essas ações autotutelares podem ser exercidas com a força e a

coerção necessárias para a sua efetividade, assim como ocorre na jurisdição estatal

tradicional.

Na autotutela, reage-se à lesão atual ou iminente de um direito, existe um conflito

antecedente e se aplica força para implementar uma decisão, enfim, estão presentes algumas

das características típicas da jurisdição, em caráter emergencial e com apoio na ordem

jurídica.

É, pois, mais uma forma democratizante de se ampliar o acesso popular ao exercício da

jurisdição, no seu aspecto participativo.

4.1.6 Composição paritária nos órgãos decisórios da Justiça do Trabalho

Até o advento da Emenda Constitucional n.º 24, de 1999, a jurisdição trabalhista era

exercida, no primeiro grau, por Juntas de Conciliação e Julgamento. Dispunha o art. 111 da

Constituição de 1988, até então:

Art. 111 – São órgãos da Justiça do Trabalho:

I – o Tribunal Superior do Trabalho;

II – os Tribunais Regionais do Trabalho;

III – as Juntas de Conciliação e Julgamento.

Page 109: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

107

Essas Juntas eram compostas de um juiz do trabalho, magistrado de carreira, que as

presidia, e de dois juízes classistas, sendo um representante dos empregados e outro dos

empregadores. Assim, também, era a previsão disposta no art. 647 da Consolidação das Leis

do Trabalho (CLT):

Art. 647 – Cada Junta de Conciliação e Julgamento terá a seguinte composição:

a) 1 (um) juiz do trabalho, que será seu Presidente;

b) 2 (dois) vogais, sendo um representante dos empregadores e outro dos empregados.

Parágrafo único - Haverá um suplente para cada juiz classista.30

Os juízes classistas ou vogais, assim como os seus suplentes, deveriam ser brasileiros;

ter reconhecida idoneidade moral; ter mais de vinte e cinco e menos de setenta anos de idade;

estar no gozo dos direitos civis e políticos; estar quite com o serviço militar; contar com mais

de dois anos de efetivo exercício na profissão e ser sindicalizado, o que se provava mediante

documento expedido pelo respectivo sindicato. Sua nomeação era de competência, no caso

das Juntas de Conciliação, do Presidente do Tribunal Regional do Trabalho em que serviam.

Os vogais não precisavam ser bacharéis em Direito e geralmente não o eram. Seus

nomes eram escolhidos por organizações sindicais, mediante eleição da categoria a que

pertenciam, paritariamente, dentre empregados e empregadores, compondo listas tríplices que

eram encaminhadas aos Tribunais Regionais do Trabalho, para escolha e nomeação pelo

Presidente do Tribunal.

Dentro de quinze dias, a partir da posse, que se dava perante o Presidente da Junta, a

investidura do vogal ou suplente poderia ser impugnada por qualquer interessado.

A investidura dos juízes classistas se dava por três anos, podendo se estender por até

dois períodos iguais, totalizando seis anos. Os juízes classistas tinham como prerrogativas:

participar das audiências da Junta a que integravam; aconselhar as partes à conciliação; votar

na solução das controvérsias submetidas ao pronunciamento da Junta e em matérias de ordem

interna que o Presidente daquele colegiado submetesse ao seu pronunciamento; pedir vista

dos processos pelo prazo de vinte e quatro horas no máximo e formular, por intermédio do

30 BRASIL. CLT (1943). Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943, alterado pelo Decreto-lei nº 9.797, de 09 de setembro de 1946. Dispõe sobre a Consolidação das Leis do Trabalho, Brasília/DF, 2009.

Page 110: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

108

Presidente, aos litigantes, testemunhas e peritos, as perguntas que quisessem fazer para

esclarecimento dos conflitos submetidos ao pronunciamento da Junta.31

Essas Juntas poderiam conciliar, instruir ou julgar, com qualquer número de sua

composição, sendo, porém, indispensável a presença do Presidente, cujo voto prevalecia em

caso de empate. No caso de embargos, deveriam estar presentes todos os membros da Junta e,

na execução e liquidação das decisões, funcionava apenas o Presidente.

Com essa técnica decisória, tanto a prestação jurisdicional era compartilhada, na

formação do título executivo judicial trabalhista, como, por vezes, ante a dinâmica do

confronto de propostas, pretensões e resistências, havia casos em que a Junta deliberava por

maioria de dois votos contra um, decidindo os dois juízes classistas no mesmo sentido, por

consenso obtido no decorrer do processo, sendo voto vencido o do juiz togado trabalhista.

Apenas quando havia empate, é que o voto do juiz presidente prevalecia.

Aliás, reconhecendo como positiva essa sistemática no plano da democracia, Santos

afirma, referindo-se ao Poder Legislativo, que:

O parlamento vem a ser precisamente o lugar, em que são expostos argumentos contraditórios, em que se processa a persuasão de uns, a reconsideração de outros e a deliberação que, afinal, raramente corresponde imaculadamente a alguma das opiniões originárias. 32

Nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho também havia

juízes classistas, escolhidos paritariamente. Nos Tribunais Regionais, os vogais eram

escolhidos pelas Federações, com base territorial na região e, no Tribunal Superior do

Trabalho, pelas Confederações Nacionais, após aprovação pelo Senado Federal. Em ambas as

situações, os juízes eram nomeados pelo Presidente da República, dentre os nomes que

compunham listas tríplices, com mandatos de três anos, podendo ser reconduzidos

indefinidamente, desde que continuassem sendo indicados pelo colégio eleitoral que os

escolheu.

No Tribunal Superior do Trabalho, havia 17 juízes togados e 10 classistas, e a

composição dos Tribunais Regionais variava conforme o Estado, porém, num como noutro, a

participação de juízes classistas era sempre paritária.

31 MALTA, Christovão Piragibe Tostes. Prática do processo trabalhista. 23. ed. São Paulo: LTr, 1992, p. 136. 32

SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., 2007.

Page 111: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

109

Portanto, a ideia de representantes de empregados e empregadores era, até o advento da

Emenda 24, uma característica da Justiça do Trabalho.

O percurso dessa prática inicia-se no governo do presidente Washington Luís quando,

mediante a Lei Paulista n.º 1.869, de 10 de novembro de 1922, criava-se uma Justiça Rural do

Trabalho, com representação classista e competência restrita a ações sumárias para a cobrança

de dívidas oriundas dos contratos e obrigações, decorrentes da interpretação e execução dos

contratos de locação de serviços agrícolas de valor limitado, inspirada nas Comissões

Paritárias da Espanha.33

Posteriormente, em 1932, surgiram as Comissões Mistas de Conciliação (Decreto n.º

21.396, de 12 de maio), para compor dissídios coletivos, e as Juntas de Conciliação e

Julgamento (Decreto n.º 22.132, de 25 de novembro, alterado pelo Decreto n.º 24.742, de

1934), para os dissídios individuais. Em 1934, a Justiça do Trabalho foi inserida oficialmente

na Constituição Federal promulgada naquele ano, em 16 de julho, vinculada, porém, ao

Ministério do Trabalho (Art. 122). Embora não incluída como órgão do Poder Judiciário, o

Supremo Tribunal Federal admitia a natureza judicial das suas decisões.

O Decreto-lei n.º 1.237, de 2 de maio de 1940, modificado pelo de n.º 2.851, de 10 de

junho, e regulamentado pelo Decreto n.º 6.596, de 12 de dezembro, possibilitou que as Juntas

executassem suas próprias decisões, com autonomia, independente da Justiça Comum.

A Consolidação das Leis do Trabalho surge com o Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio

de 1943, e, finalmente, a Constituição Federal de 1946 insere a Justiça do Trabalho como

órgão do Poder Judiciário (Art. 94).

A Constituição Federal de 1988, como mencionado em tópico anterior, previu também a

possibilidade da intervenção arbitral na Justiça do Trabalho (Art. 114, §§ 1º e 2º), na hipótese

de dissídios coletivos.

Outra reforma nas leis trabalhistas que inseriu a participação paritária entre empregados

e empregadores, no sentido da resolução conflitual, deu-se com a edição da Lei n.º 9.958, de

12 de janeiro de 2000, que alterou a Consolidação das Leis Trabalhistas, criando as

Comissões de Conciliação Prévia, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais

do trabalho (Arts. 625-A a 625-H, da CLT).

33 MALTA, Christovão Piragibe Tostes, op. cit., 1992, p. 130.

Page 112: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

110

Essas Comissões são uma forma derivada das Comissões Mistas de Consulta e

Colaboração previstas também no Art. 621 da CLT, com origem constitucional no Art. 11 da

Carta Federal de 1988.

Martins, em estudo do assunto, afirma que “a maioria das reclamações trabalhistas é

pouco complexa, sendo que 60% delas resulta em acordo”34, daí justificar-se a criação dessas

Comissões, que são meio extrajudicial de composição de conflitos individuais, mediante

conciliação, resolvendo-se o litígio na própria empresa ou no sindicato, evitando o

ajuizamento da ação.

Enfim, presume-se que a exclusão dos juízes classistas da composição dos órgãos da

Justiça do Trabalho parece ter caminhado no sentido inverso da origem de seus institutos,

como que expressando a necessidade de autoafirmação do Poder, afastando-se de uma

experiência histórica que surgiu com feição mais democrática, se considerada a maior

participação das partes diretamente interessadas no conflito, para a função de prestar a

jurisdição, de forma célere, efetiva e legítima.

Os juízes classistas representavam, praticamente, todos os setores da sociedade; eram

eleitos; havia alternância nos cargos (no Primeiro Grau); suas decisões, quando majoritárias,

suplantavam até mesmo as dos juízes togados e, acima de tudo, decidiam sobre direitos e

obrigações, dos quais eram diretamente destinatários. Nada mais democrático.

Se lhes faltava a competência para determinar coercitivamente o cumprimento de seus

julgados, nas decisões colegiadas havia pelo menos a impressão de que o povo encontrava-se

presente, exercendo, compartilhadamente, o poder que lhe é inerente na Democracia. A

mudança não depôs a favor da soberania popular.

4.1.7 Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral é mais um espaço onde se dá a manifestação da soberania popular no

processo decisório do Poder Judiciário e na composição de seus órgãos.

34 MARTINS, Sérgio Pinto. Comissões de conciliação prévia e procedimento sumaríssimo. São Paulo: Atlas, 2006, p. 65.

Page 113: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

111

Consoante o Art. 118 da Constituição Federal de 1988, são órgãos da Justiça Eleitoral: I

– O Tribunal Superior Eleitoral; II – os Tribunais Regionais Eleitorais; III – os Juízes

Eleitorais; IV – as Juntas Eleitorais.

Os membros desses órgãos têm mandatos e, nas composições dos tribunais, há reserva

de vagas para advogados.

No Tribunal Superior Eleitoral, dois de seus sete membros são escolhidos dentre

advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal

Federal em lista sêxtupla e nomeados pelo Presidente da República.

A Constituição Federal não dispôs sobre as idades mínima e máxima dos membros do

Tribunal Superior Eleitoral, porém, este Tribunal decidiu, por unanimidade, que os advogados

que compuserem aquele órgão terão que cumprir a regra do Art. 94 da Constituição Federal,

neste tocante, devendo contar com mais de dez anos de efetivo exercício profissional, como

exigido nos Tribunais Regionais Federais e nos Tribunais de Justiça.35

Esse também é o posicionamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que

entende aplicar-se, de forma geral, às hipóteses de indicação de advogado para compor os

órgãos colegiados do Poder Judiciário, a exigência mínima de dez anos de efetivo exercício de

atividade profissional.36

Assim, dispensados estão os advogados da idade mínima de 35 anos, já sendo, só por

isso, mais amplo o acesso deles aos Tribunais Eleitorais do que o dos demais membros, juízes

de carreira. Isso é, de certa forma, uma abertura para a flexibilização dos limites etários nos

tribunais que decidem sobre aspectos vitais do direito à cidadania, qual seja, o voto direto e

secreto, no sufrágio universal, através do qual se exerce a soberania popular.37

Nos Tribunais Regionais Eleitorais também há dois juízes escolhidos dentre seis

advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelos Tribunais de Justiça

e nomeados pelo Presidente da República. 35 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Mandado de Segurança n.º 2.833/2001-MG. Relatora: Ministra Ellen Grace, decisão unânime. Diário de Justiça, Brasília, DF, 1 mar. 2002. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/servicos_online/catalogo/publicacoes/revista_eletronica/internas/rj13_2/paginas/acordaos/ac2833.htm>. Acesso em: 31 maio 2009. 36 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 24.334-5-PB. Relator: Ministro Gilmar Mendes, decisão unânime. Diário de Justiça, Brasília, DF, 26. ago. 2005. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/servicos_online/catalogo/publicacoes/revista_eletronica/internas/rj17_1/STF24334_5.htm>. Acesso em: 31 maio 2009. 37 C.F./1988, op. cit., ( Art. 14).

Page 114: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

112

Outra característica que insere os Tribunais Eleitorais na dinâmica democrática é a

alternância dos mandatos de seus membros, os quais servirão por dois anos, no mínimo, salvo

motivo justificado, e nunca por mais de dois biênios consecutivos, sendo os substitutos

escolhidos na mesma ocasião e pelo mesmo processo, em número igual para cada categoria.38

Isso é importante porque é um precedente constitucional para a mitigação das regras da

vitaliciedade e da inamovibilidade, possibilitando a razoabilidade da proposta de exercício,

por prazo determinado, das funções da magistratura nos tribunais, sob a forma de jurisdição

contenciosa, atividade normativa ou consultiva, como ocorre na Justiça Eleitoral, ou como

controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, no caso do Conselho

Nacional de Justiça, igualmente órgão do Poder Judiciário, cujos membros também são

escolhidos com mandatos pré-fixados e com composição plural.39

Essa alternância do Poder, nos órgãos da estrutura do Judiciário, acompanha a constante

mutabilidade da realidade social, que se manifesta por forças diversas, cuja composição,

salutar ao exercício democrático, representa a adequação necessária ao processo de integração

e legitimação da soberania popular, numa interpretação constitucional aberta, que acomode as

várias pressões sociais, ideológicas e políticas, produzindo-se a si mesma.

Integram ainda a Justiça Eleitoral, as Juntas Eleitorais. Estas, consoante previsão do Art.

36 do Código Eleitoral, compõem-se de um juiz de direito, que será o presidente, e de dois ou

quatro cidadãos de notória idoneidade, nomeados sessenta dias antes da eleição, depois de

aprovação do Tribunal Regional, pelo presidente deste.

Essas Juntas têm competência, nas zonas eleitorais sob sua jurisdição, para apurar as

eleições, resolver as impugnações e demais incidentes verificados durante os trabalhos da

contagem e da apuração, expedir os boletins referentes aos votos apurados em cada seção e

expedir diplomas aos eleitos para cargos municipais.40

Os membros das Juntas Eleitorais também gozam, no exercício de suas funções e no

que lhes for aplicável, de plenas garantias, e serão inamovíveis.

38 C.F./88, op. cit., ( Art. 121, § 2º). 39 C.F./88, op. cit., ( Art. 103-B, caput, e § 4º). 40 BRASIL. Código Eleitoral (1965). Leis e legislação eleitoral: código eleitoral e legislação correlata. 3. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2002, Art. 40.

Page 115: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

113

Como as Juntas decidirão por maioria de votos as impugnações41, suas decisões podem

suplantar até o voto do juiz eleitoral, como acontecia nas antigas Juntas de Conciliação e

Julgamento da Justiça do Trabalho. Isso é a demonstração evidente de que a jurisdição

eleitoral prestada naquela oportunidade pode prescindir do juiz concursado, no que pertine à

eficácia de sua manifestação. Transitada em julgado, impõe-se aquela decisão com a mesma

definitividade inerente à jurisdição comum. Trata-se de abertura democrática à legitimação da

jurisdição por outros agentes que não os juízes togados.

Proposta que poderia ser implementada no âmbito dos Tribunais Regionais Eleitorais é

a divisão, quanto à origem das carreiras de seus membros, em proporções idênticas, entre a

magistratura estadual e a federal, atualmente desigual em favor dos magistrados estaduais,

considerando que a matéria especializada e a igualdade dos direitos políticos no pacto

federativo atingem igualmente competências estaduais e federais.

A escolha destes magistrados também poderia ser realizada por meio de eleição direta

entre todos os juízes estaduais e federais, de acordo com a categoria da qual são egressos,

possibilitando a indicação de juízes de todas as instâncias e entrâncias, que igualmente lidam

com a mesma matéria, ainda que respeitando a regra do “quinto na antigüidade”, em cada uma

das entrâncias nas quais se divide a organização judiciária dos Estados, fazendo-o de forma

alternada, de modo a facultar a todos o mesmo direito, reservando aos Tribunais de Justiça

apenas a indicação de seus membros junto aos Tribunais Regionais Eleitorais, através de

eleição pela composição plena daqueles órgãos.

A forma como se dá atualmente a indicação desses juízes privilegia os magistrados de

entrância final, que já disputam também as inúmeras vagas nas diversas zonas eleitorais das

capitais, havendo, portanto, inexplicável diferenciação.

O argumento da experiência, antiguidade na carreira ou maior aprimoramento

intelectual não se compatibiliza com o fato, muitas vezes evidente, de que todos são juízes

concursados; há zonas eleitorais disponíveis tanto em comarcas do interior como na especial;

alguns juízes das capitais têm até menos tempo na magistratura do que outros do interior,

tendo obtido maior experiência com o exercício da função eleitoral, em todo o seu processo e,

por último, em face da inclusão do exercício das funções de juiz eleitoral junto aos Tribunais

Regionais Eleitorais, em muitos Estados, como elemento de avaliação objetiva nas promoções

41 Ibid., 2002, Art. 169, § 1º.

Page 116: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

114

de magistrados, nas vagas destinadas ao critério do merecimento, com pesos

superdimensionados, tornando-se esse evento fator de desequilíbrio dentre os juízes

concorrentes à progressão funcional na carreira.

O exercício da Advocacia por juízes ou suplentes dos Tribunais Eleitorais egressos da

categoria de advogados é permitido, conforme decisão liminar concedida pelo Supremo

Tribunal Federal, em 6 de outubro de 1994, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º

1.127-8, ajuizada em face da proibição contida no Art. 28, da Lei n.º 8.906, de 4 de julho de

1994.

Ocorre, no entanto, que mesmo proibido o exercício da advocacia eleitoral a esses

juízes, nas circunscrições de suas atuações, muitos são os momentos em que esses

magistrados-advogados postulam perante juízes estaduais que exercem a magistratura de

Primeiro Grau eleitoral, cumulativamente com a da Justiça Comum.

Por terem seus nomes submetidos à escolha dos Tribunais Regionais Eleitorais, e por

serem suas decisões passíveis de reapreciação por esses mesmos magistrados, questionável

poderá ser o nível de imparcialidade, tanto dos juízes eleitorais dos tribunais quanto dos juízes

eleitorais de Primeiro Grau, considerando o poder de influência de uns sobre os outros.

Nesse caso, a ubiquidade funcional autorizada, em vez de contribuir para o

aperfeiçoamento democrático, desperta nos cidadãos a dúvida de que o processo decisório

eleitoral, de alguma forma, pode não reunir a isenção ideal.

Melhor seria que, durante o biênio eleitoral, o advogado que fosse escolhido para

exercer função jurisdicional junto aos tribunais recebesse vencimentos semelhantes aos dos

demais integrantes, juízes de carreira, ficando impedidos de praticar qualquer ato inerente à

advocacia, em qualquer instância do Poder Judiciário, afastando a suspeição sobre o seu

nome.

4.1.8 Quinto constitucional

Consiste o instituto do quinto constitucional na destinação de um terço das vagas do

Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais,

Tribunais Regionais do Trabalho e Tribunais de Justiça Estaduais, para advogados e

representantes do Ministério Público, escolhidos alternadamente.

Page 117: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

115

No Tribunal Superior Eleitoral não se aplica essa regra, porém, reservam-se duas vagas

para advogados, das sete existentes, não havendo participação do Ministério Público na

composição do tribunal, funcionando o parquet apenas como fiscal da lei. O mesmo ocorre

nos Tribunais Regionais Eleitorais. No Superior Tribunal Militar, 20% das vagas são

destinadas a advogados, civis, restando ao Ministério Público apenas uma das quinze vagas

que compõem o Tribunal.

Percebe-se, assim, que a distribuição dos cargos nesses dois últimos tribunais não

atende ao critério proporcional de igualdade e alternância, da mesma forma que nos demais.

No Supremo Tribunal Federal não há essa exigência na escolha de seus membros,

porém a práxis política que comanda o processo de nomeação de seus ministros tem

preservado, ao longo de sua história, a indicação de nomes oriundos da classe dos Juízes, do

Ministério Público e dos Advogados.

No Direito brasileiro, o quinto constitucional foi introduzido pela Carta Federal de

1934, limitado à Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, assegurando:

Art. 104 – Compete aos Estados legislar sobre a sua divisão e organização judiciárias e prover cargos observados os preceitos dos Arts. 64 a 72 da Constituição, menos quanto à requisição de força federal, e ainda os princípios seguintes:

[...]

b) investidura, nos graus superiores, mediante acesso por antigüidade de classe, e por merecimento, ressalvado o disposto no § 6º;

[...]

§ 6º - Na composição dos tribunais superiores, serão reservados lugares, correspondentes a um quinto do número total, para que sejam preenchidos por advogados, ou membros do Ministério Público, de notório merecimento e reputação ilibada, escolhidos em lista tríplice, organizada na forma do § 3º.

O Poder Judiciário, consoante o Art. 63 da Constituição de 1934, compunha-se dos

seguintes órgãos:

Art. 63 – […]

a) a Corte Suprema;

b) os juízes e tribunais federais;

c) os juízes e tribunais militares;

d) os juízes e tribunais eleitorais.

Page 118: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

116

A Justiça dos Estados, Distrito Federal e Territórios era disciplinada em capítulo

distinto, não integrando o rol dos órgãos acima mencionados, competindo privativamente aos

Estados:

Art. 7º - […]

I – decretar a Constituição e as leis por que se devam reger, respeitados os seguintes princípios.

[...]

e) garantias do Poder Judiciário e do Ministério Público locais.

Poletti afirma que:

Prevaleceu a tese da dualidade, vencida a proposta unitária, que federalizava toda a Justiça, da Comissão. Arthur Ribeiro, Ministro do Supremo Tribunal e que saíra da Comissão por não concordar com o unitarismo, viu a sua opinião vitoriosa na Constituinte, sobretudo porque sustentada pelos representantes originários dos Estados mais fortes, e ricos da Federação.42

Surgido no período do governo Vargas, o instituto do quinto tem recebido críticas,

taxando-o de corporativo, oportunista e inadequado ao modelo tecnoburocrático adotado no

Brasil para a seleção de seus juízes, pela via do concurso público.

Alegam os opositores desse direito que a inserção no Poder Judiciário de cidadãos com

atuação funcional distinta daquela estritamente estatal não mais se compatibiliza com a

pluralidade atual de seus membros, considerando os fenômenos da juvenilização e da

feminilização da magistratura.43

Entre as inúmeras vantagens da participação de advogados na composição dos tribunais,

mídias e literatura jurídicas elencam, ainda:

a) A oxigenação da magistratura concursada com a experiência própria dos

advogados junto ao público consumidor da prestação jurisdicional;

b) A fiscalização dos atos do Poder Judiciário por um contingente maior da

população;

c) O fato de a advocacia ser atividade essencial à administração da justiça, nos termos

do Art. 113 da Constituição Federal de 1988;

42 POLETTI, Ronaldo. Constituições brasileiras: 1934. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. v. 3, p. 52. 43 BONFIM, Benedito Calheiros. Extinção ou manutenção do quinto constitucional? Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=61>. Acesso em: 6 maio 2008.

Page 119: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

117

d) Visão diferente, qualidade e multivivência jurídicas;44

e) A mitigação do autoritarismo dentro do Estado;45

f) Maior dose de cidadania e vivência social;46

g) A democratização do Judiciário;

h) A quebra do corporativismo e do hermetismo no Poder Judiciário.

No rol das críticas, colhe-se, também:

a) Os advogados continuam a defender o interesse de seus clientes dentro do

Tribunal;

b) Os advogados escolhidos integram grupos políticos restritos dentro da categoria

que os indicou;

c) Os advogados ficam submissos à estrutura do Poder Judiciário durante os anos que

antecedem a sua escolha;

d) Não há oxigenação nas idéias e no processo decisório e jurisprudencial;

e) O Conselho Nacional de Justiça já exerce a fiscalização do Poder Judiciário;

f) Os advogados só aspiram ao ingresso nos tribunais, relegando a magistratura de

Primeiro Grau;

g) Os advogados são reprovados nos concursos para juízes e querem entrar pela porta

do fundo dos Tribunais;47

h) Os advogados adquirem vitaliciedade logo ao ingressarem nos tribunais,

diferentemente dos juízes concursados;

44 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ministro César Rocha defende quinto constitucional em seminário da OAB. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area+398&tmp.texto=87040>. Acesso em: 6 maio 2008. 45BRITTO, Cezar. OAB: quinto constitucional é melhor antídoto ao Estado policial. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=87055>. Acesso em: 6 maio 2008. 46 Ibid., 2008. 47 OLIVEIRA, Antônio Cláudio Mariz de. Magistratura não é emprego. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2 abr. 2008. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=mostranoticia&mat_id=12903>. Acesso em: 6 maio 2008.

Page 120: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

118

i) Desestímulo à magistratura de carreira;

j) Retardo da progressão funcional da magistratura de carreira;

k) Discrepância entre as idades dos advogados e a dos juízes de carreira, sendo menor

a daqueles, em regra, favorecendo a eternização nos cargos e dificultando a

renovação dos quadros;

l) Os advogados já participam das bancas de concursos para juízes;

m) Risco de que a composição dos tribunais superiores tenham mais advogados do que

juízes de carreira, em face da origem dos primeiros, se ingressaram nos Tribunais

Inferiores também oriundos da classe dos advogados.

Em suma, entre críticas e defesas, aparecem algumas propostas, dentre elas:

a) Concurso público para advogados, já que os membros do Ministério Público já se

submeteram a concurso externo na carreira;

b) Ingresso no quinto constitucional somente a partir do Primeiro Grau de jurisdição,

como os demais juízes de carreira, submetendo-se aos mesmos sacrifícios, deveres

e condições (oxigenação em todas as atitudes);48

c) Suprimir a fase de redução das listas oferecidas pela OAB, perante os tribunais,

remetendo-as diretamente ao Chefe do Poder Executivo;

d) Aumento do período mínimo de efetivo exercício profissional, como pré-requisito

de ingresso nos tribunais, de 10 para 20 anos;

e) Estipulação de mandatos, possibilitando a alternância dos cargos e o retorno do

advogado ao seu exercício profissional original;

f) Constituição de bancas técnicas especializadas para sabatinar os advogados

indicados;

g) Reformulação dos estatutos da OAB para dificultar a rejeição por seu Conselho, de

nomes consagrados em votação direta pela categoria dos advogados.

48 RODRIGUES, Francisco César P. A polêmica do “quinto constitucional”. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/?secao=artigo+detalhe&art_id=848>. Acesso em: 6 maio 2008.

Page 121: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

119

Não são poucas as observações sobre esse tema, inclusive sobre a autonomia da OAB

quanto ao direito de elaborar as listas sêxtuplas de advogados, segundo os critérios que

estipular em seus regulamentos, não podendo os tribunais preterir todos os nomes, salvo se

eles não preencherem o critério do notório saber jurídico, aferido objetivamente, e o da

reputação ilibada, apurada através de certidões públicas. Satisfeitas essas condições, o direito

é subjetivo e de competência exclusiva do órgão classista.

O que se deve realçar, para este estudo, é que a participação de advogados e

representantes do Ministério Público, com ou sem as alterações que venham a ser

implementadas nessa prática constitucional, é mais uma maneira de se ampliar a presença

popular, mesmo que para segmentos restritos da sociedade, mas que trazem consigo as

impressões imediatas de quem busca o acesso ao Poder Judiciário ou tem como função a

defesa da sociedade.

Em muitos países, como já se viu, os membros dos tribunais e os juízes têm origem em

diversos setores da sociedade, não se fechando em feudos do saber e do poder. Devem

expressar, assim, democraticamente, a pluralidade da sociedade.49

Os tribunais ou a magistratura de Primeiro Grau não seriam o locus definitivo de grupos

autoesclarecidos e eternos, mas representariam a abertura e a alternância que deveriam ser

inerentes ao Poder, sem prejuízo de sua força aglutinadora e impositiva.

4.1.9 Critério federativo na composição dos tribunais

Por serem os Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM), assim como o Supremo

Tribunal Federal, instâncias recursais finais, salvo, naqueles, quanto às competências

materiais ou funcionais originárias e específicas, sua composição, considerando a garantia do

princípio do equilíbrio federativo, deveria respeitar, mediante critérios, a igualdade e a

proporcionalidade que o legislador constitucional assegurou aos Estados e ao povo, no Senado

e na Câmara Federal, respectivamente.

Os argumentos da imparcialidade e independência, afora as demais prerrogativas

constitucionais dos membros desses tribunais, não afastam a premissa de que, sendo o juiz um

49 Para Filomeno Moraes “[...] é desnecessário dizer que a consolidação da democracia brasileira está em função, em grande medida, da institucionalização de um judiciário democrático, republicano e independente”. MORAES, Filomeno. Quinto Constitucional. O Povo, Fortaleza, 29 maio 2007, p. 4.

Page 122: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

120

Ser político, por essência, reúne em torno de si um conjunto de valores que se forma ao longo

de sua vida, recebendo forte influência dos padrões sociais, culturais, étnicos e econômicos,

dentre outros, do local de suas origens ou do lugar onde, mais demoradamente, exerceu suas

atividades funcionais.

Não sendo e nem podendo ser neutro, o juiz conduzir-se-á, como todo ser humano,

reagindo segundo o padrão individual e coletivo que vivenciou, impregnando suas decisões

com o verniz de sua formação.

O Brasil é um continente que aglutina povos, valores e costumes, os mais diversos. A

aplicação do direito não está imune ao reflexo que esses elementos hão de repercutir na

personalidade do juiz.

Assim como o que dá sentido ao texto da norma é a interpretação, que é subjetiva, o

trabalhador, o empresário, o Poder Público, os grupos, o poder econômico, a prática política,

os costumes, as tradições, enfim, a cultura de uma região não é igual à de outra. Há, por

vezes, tolerância entre populações diversas, dentro de um mesmo espaço territorial e sob uma

soberania única, em função de um pacto social e de uma ordem jurídica que sinaliza com

mecanismos compensatórios e igualitários, que se inserem no conjunto de forças, equilibrando

o sistema de tensionamento político e social.

Bercovici, analisando o problema do federalismo no Brasil, afirma que um dos aspectos

fundamentais da garantia de igualdade é o da igualdade política.50 Discorrendo sobre o

modelo da proporcionalidade na Câmara Federal e o da igualdade, no Senado da República,

acrescenta:

Wanderley Guilherme dos Santos defende para os sistemas representativos a ‘regra de ouro’ de José de Alencar. Segundo sua interpretação, a ‘regra de ouro’ de José de Alencar consistiria no fato de as minorias representadas no Parlamento não serem esmagadas pela maioria, nem, por outro lado, terem condições de impedir a maioria de governar. A regra é a do equilíbrio entre o direito da minoria à representação e o direito da maioria ao governo não despótico de uma minoria. Os problemas advindos do respeito a essa regra são notados com muito mais intensidade em um Estado federal representativo como o Brasil, onde as disparidades regionais são a regra. Acaba sendo no Congresso Nacional que os Estados minoritários, econômica, populacional e eleitoralmente, procuram defender seus interesses e compensar inferioridades.

Assim, autores como Wanderley Guilherme dos Santos e Paulo Bonavides defendem a manutenção dos privilégios na representação para os Estados menores, em

50 BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 77.

Page 123: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

121

detrimento dos grandes Estados, pois vêem nessa distorção a garantia do equilíbrio federativo [...]51

Essa ideia de equilíbrio federativo na escolha de representantes dos Estados e da

população e segundo critérios de igualdade e proporcionalidade, poderia também orientar as

indicações de magistrados no âmbito dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal

Federal, por se tratar de órgãos de um Poder cujos membros são vitalícios e inamovíveis,

diferentemente do Poder Legislativo, além do fato de serem escolhidos, ao final, pelo Chefe

do Poder Executivo Federal.

A técnica constitucional adotada para a eleição dos representantes do Legislativo e do

Executivo não só atribui ao povo, igualmente, o voto, como possibilita que suas escolhas

possam ser revistas periodicamente, contribuindo para a constante aferição de valores e

propostas no âmbito da democracia.

Isso ainda se torna mais evidente, na medida em que cada Estado da Federação é

contemplado com o mesmo número de Senadores e a representação na Câmara Federal é

variável, atendendo ao crescimento da população, respeitados os limites mínimo e máximo.

No Poder Judiciário, além do povo não eleger os magistrados, no caso dos tribunais,

somente os membros destes órgãos finalizam a lista de inscritos ou pré-selecionados, podendo

até recusar seus nomes, e é o Chefe do Poder Executivo quem os chancela, no final do

processo.

Essa interferência de reduzido número de vontades, associada ao crivo final de uma

única pessoa, suscita questionamentos no plano da teoria da democracia, pelo risco de que

haja a perpetuação de uma hegemonia política, intelectual, jurisprudencial ou cultural,

definida no momento das escolhas, adquirindo uma estabilidade que não mais se

compatibiliza com a regra da alternância do poder.

Poder-se-ia argumentar que o critério de escolhas atende a um sistema de alternâncias

entre advogados, juízes federais, desembargadores dos Tribunais de Justiça estaduais e

distrital, representantes do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e dos

Territórios, sendo isso, por si, mais abrangente do que a vinculação federativa adotada pelo

Poder Legislativo Federal.

51 Ibid., 2004, p. 89-90.

Page 124: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

122

A assertiva não é verdadeira, na medida em que muitos são os candidatos e poucos são

os escolhidos. Ademais, há Estados com um grande número de membros nos Tribunais de

Justiça, como é o caso de São Paulo, onde só o número de desembargadores excede a

quantidade de todos os juízes e desembargadores estaduais de unidades federativas menores.

No Superior Tribunal de Justiça, instalado desde abril de 1989, só foram nomeados, até

o momento, ministros oriundos, por local de nascimento, de dezenove Estados, contando na

atual composição efetiva com membros de apenas treze Estados,52 do total de vinte e sete

Unidades Federativas estaduais. Há ministro naturalizado brasileiro, o que engrandece a

nação, mas há apenas um membro, dentre todos, oriundo da Região Norte e outro da Região

Centro-Oeste do País, de um total de onze Estados que compõem essas regiões.53

No Supremo Tribunal Federal não tem sido diferente. Em toda a sua história, que

remonta ao Império, somente vinte Estados legaram juristas para os seus quadros, compondo-

se o Supremo Tribunal Federal, hoje, de membros egressos de apenas sete Estados.54

Esse referencial pertine apenas aos Estados de nascimento desses ministros.

Considerando que alguns deles são nascidos em Estados menores, e durante muito tempo

procuraram obter formação intelectual nos grandes centros e não mais retornaram às suas

origens, a estatística aferida pelo berço de nascimento é mais desfavorável ainda para os

menores e menos destacados Estados.

Pergunta-se, então, de que adianta a preocupação com o Estado de origem, a

universidade onde se graduou ou o local onde o ministro exerceu mais demoradamente a sua

ocupação anterior, se a norma a ser interpretada é a mesma e o tribunal decide por colegiado?

Responde-se com a simplicidade de argumentos e a notoriedade dos fatos: a norma, em

dado momento histórico, é única; as interpretações ao texto da norma diferem, porque fruto da

subjetividade do intérprete. E é na interpretação que se refaz a norma, adequando-a ao caso

concreto, colegiadamente.

52 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Ministros aposentados e ex-ministros. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/web/verMinistrosSTJ?parametro=3>. Acesso em: 9 maio 2008. 53 Id. Ministros ativos. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/web/verMinistrosSTJ?parametro=1>. Acesso em: 9 maio 2008. 54 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 31 maio 2009.

Page 125: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

123

E mais. A mente que interpreta jamais se abstrairá totalmente dos valores sobre os quais

foi formada, dos dogmas e paradigmas herdados de seus antecedentes, porque tudo funciona

como num sistema complexo. Dir-se-á: não se poderá esperar brotar morangos das algarobas,

água perene dos rochedos inóspitos da caatinga ou xiquexique dos pomares de pêssegos e

amoras. É a ordem natural dos fatos.

As desigualdades regionais, consolidadas dentro do federalismo capenga brasileiro,

continuarão, porque desigual também é o processo de escolha dos membros desses tribunais.

O Senado Federal, que aprova a escolha dos nomeados pelo Presidente da República,

limita-se ao ritual do sistema imposto pela base do governo, ou seja, do Chefe do Poder

Executivo. Tudo continua pacificamente como está. Nos Estados Unidos não é diferente,

conforme acentua Zaffaroni:

Em geral, os presidentes nunca nomeiam juízes que não sejam de seu próprio partido. As administrações republicanas desde Reagan conseguiram renovar 70% da magistratura federal e alteraram substancialmente a composição da Suprema Corte. [...]

O candidato a magistrado federal é submetido a uma quantidade de filtragens seletivas para evitar a arbitrariedade presidencial, mas o certo é que todos os controles são puramente políticos, quer dizer, de mero poder.

[...]

A sociedade norte-americana tem múltiplos aspectos admiráveis, dentre eles um dos mais importantes é sua incrível capacidade de autocrítica, mas não acreditamos que sua estrutura judiciária pertença a este elenco. A concentração de poder nas mãos de poucos juízes da Suprema Corte conduz a uma incrível partidarização de sua seleção. Esta instituição não é uma mostra de equilíbrio, mas um campo de luta partidária direta, delimitada de forma a favorecer aos que tenham determinado perfil.55

Enfim, enquanto não houver uma fórmula que se aproxime, nos tribunais, da ideia que

se criou para o Poder Legislativo, de representações paritárias e proporcionais, não se terá

uma interpretação jurídica abrangente para todas as regiões do País, no sistema federativo de

governo e de poder.

Os Estados do Acre, Roraima, Amapá, Rondônia, Amazonas, Maranhão, Piauí, Ceará,

Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina,

Paraná, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Distrito Federal, todos aguardam uma vaga

na composição atual do Supremo Tribunal Federal.

55 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 109-111.

Page 126: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

124

O mesmo se diga em relação aos Estados do Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Pará,

Maranhão, Piauí, Sergipe, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso

do Sul, Tocantins e Distrito Federal, quanto ao Superior Tribunal de Justiça.56 Neste Tribunal

há 33 ministros. Pelo menos um poderia ter nascido ou se formado em cada um desses

Estados. Quanto ao Supremo, poderia haver um sistema de rodízio (federalismo regional),

contemplando todo o país num dado intervalo temporal. Acredita-se que há pessoas capazes,

com reputação ilibada e notório saber jurídico em todos os Estados brasileiros, assim como

uma pulverização ideológica com viés partidário ou não. Que outros fatores reais do poder

impedem esse processo?

4.1.10 Ministério Público

A Constituição Federal dispõe em seu texto:

Art. 127 – O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público:

[...]

II – Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.

[...]

A essencialidade do Ministério Público para a função jurisdicional, na prática

democrática brasileira, reforça o arco legitimante do Poder Judiciário, na medida em que os

representantes ministeriais agem em nome da sociedade, ora como parte, ora como fiscal na

defesa da ordem jurídica e dos princípios do Estado Democrático de Direito.

Poder-se-ia até dizer que o povo se faz presente por meio do Ministério Público, pelo

menos nas matérias referentes a direitos indisponíveis, interesses de incapazes, estado das

pessoas, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, litígios sobre direitos coletivos e

difusos, patrimônio público e social, meio ambiente, populações indígenas, controle externo

da atividade policial, ações penais públicas, ações diretas de inconstitucionalidade e

declaratória de constitucionalidade, usucapiões, falências, ações civis públicas, dentre tantas

outras.

56 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/publicacao/engine.wsp#>. Acesso em: 31 maio 2009.

Page 127: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

125

Nos tribunais que prestam a jurisdição estatal, o Ministério Público também tem seu

lugar garantido nas sessões plenárias das instâncias federais, trabalhistas, militares, estaduais

e eleitorais.

A Lei Orgânica do Ministério Público também destaca essas funções, atribuindo a cada

Estado da Federação a competência para o estabelecimento de normas específicas de

organização, atribuições e estatutos.

Instituição dotada de funções distintas, mas interativas com as do Poder Judiciário, aos

membros do Ministério Público foram asseguradas as mesmas garantias e prerrogativas dos

magistrados, quais sejam: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. O

mesmo se diga em relação às vedações quanto ao recebimento de honorários, percentagens,

exercício da advocacia, participação em sociedades comerciais, atividade político-partidária.

Introduzindo espécie de reciprocidade no controle externo exercido pela sociedade civil,

das funções administrativas, financeiras e do desempenho funcional dos membros do Poder

Judiciário e do Ministério Público, a Emenda Constitucional n.º 45/2004 inseriu no texto da

Carta Federal, o Conselho Nacional de Justiça, como órgão do Poder Judiciário (Art. 103 – B,

caput), tendo como membros, dentre outros, um representante do Ministério Público da União

(Art. 103-B, inciso X) e outro do Ministério Público estadual (Art. 103-B, inciso XI).

Em contrapartida, criou-se também o Conselho Nacional do Ministério Público (Art.

130-A, caput), com as mesmas funções do Conselho Nacional de Justiça, quanto aos membros

do Ministério Público, com a participação de dois juízes, um indicado pelo Supremo Tribunal

Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça (Art. 130-A, inciso IV).

Discute-se, atualmente, sobre a desnecessidade da presença do Ministério Público nos

Conselhos Estaduais da Magistratura, sob a alegação de que ali tramita matéria estritamente

do Poder Judiciário, pertinente a sua organização interna, não havendo a mesma interseção em

relação à presença de juízes nos órgãos correlatos do Ministério Público estadual.

Os Regimentos Internos dos Conselhos Estaduais de Magistratura também asseguram a

presença do Ministério Público em suas sessões, com diversas atribuições, dentre elas:

intervenção oral em qualquer assunto sobre o qual tenha oferecido parecer, ou quando instado

a opinar; representação ao Conselho sobre faltas e omissões no cumprimento dos deveres por

parte dos juízes de Primeiro Grau de jurisdição e servidores do Poder Judiciário; oferecimento

Page 128: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

126

de parecer nas representações contra juízes de Primeiro Grau, nas reclamações contra atos

praticados pelo Presidente, Vice-Presidente, Corregedor Geral da Justiça e desembargador do

Tribunal de Justiça, nos processos administrativos contra decisão de Juízes da Infância e

Juventude, nos recursos de competência do Conselho Superior de Magistratura e nas

correições parciais e gerais.57

A essas atribuições do Ministério Público acrescem-se as funções de intermediação de

conflitos sociais, exercidas em caráter conciliatório ou por mediação, destacando-se os

Termos de Ajustamento de Condutas (TAC), que resolvem, no plano extrajudicial, grande

parte das demandas que chegariam inevitavelmente ao Poder Judiciário.

Percebe-se, portanto, o largo espectro da contribuição do Ministério Público na

consolidação dos princípios do Estado Democrático de Direito e na projeção da soberania

popular no Poder Judiciário e na defesa da ordem jurídica, legitimando, a seu modo, a função

judiciária.

4.1.11 Acessibilidade ao Judiciário

A acessibilidade ao Poder Judiciário ou aos outros meios de prestação jurisdicional

abrange uma série de instrumentos, caminhos, direitos e deveres, mediante os quais o

princípio democrático se implementa no corpo social. Essa acessibilidade deve promover e

disponibilizar ao povo, dentre outras condições:

a) Igualdade de oportunidades para postular a prestação jurisdicional;

b) Disponibilidade de defesa técnica;

c) Franquia das custas processuais quando necessárias;

d) Distribuição equitativa e territorial dos órgãos jurisdicionais;

e) Comunicação ágil, adequada e atualizada dos atos e assuntos judiciários;

f) Prédios adequados, acolhedores e funcionais;

g) Disponibilização de meios de locomoção para situações excepcionais;

57 CEARÁ. Atribuições do Ministério Público do Estado do Ceará. Art. 16. Regimento Interno do Conselho da Magistratura do Estado do Ceará. Diário de Justiça, Fortaleza, CE, 14 jul. 2004, p. 10-17.

Page 129: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

127

h) Garantia da integridade física e moral dos beneficiários;

i) Servidores, magistrados, promotores e defensores, em quantidade suficiente;

j) Controle e fiscalização sobre os atos administrativos do Poder Judiciário e as

decisões do aparelho jurisdicional;

l) Legitimação ordinária ou extraordinária sobre interesses difusos coletivos,

homogêneos;

m) Utilização dos mecanismos legais de participação popular, inclusive o controle

de constitucionalidade.

Alguns desses instrumentos, direitos e deveres serão abordados sob a matriz da abertura

externa, neste subtítulo, e outros serão reservados ao título e subtítulos seguintes (abertura

interna), por melhor se adequarem à metodologia sequencial dos temas.

Frise-se, no entanto, que muitos desses tópicos têm repercussão tanto na democratização

externa quanto na interna, no âmbito do Poder Judiciário.

A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre o acesso ao Poder Judiciário, ao

reconhecer o princípio do Estado Democrático de Direito, com realce para a soberania, a

cidadania e a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, I, II e III); o princípio da igualdade

perante a lei (Art. 5º, caput); a prestação judiciária estatal, integral e gratuita, aos que

comprovarem insuficiência de recursos (Art. 5º, LXXIV), o princípio da inafastabilidade da

apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça a direito (Art. 5º, XXXV); o princípio do

devido processo legal (Art. 5º, LIV); o princípio do contraditório e da ampla defesa (Art. 5º,

LV); o princípio da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua

tramitação (Art. 5º, LXXVIII); e a Defensoria Pública como instituição jurisdicional do Estado,

para a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados (Arts. 134 e 135).

O mesmo preceito de acessibilidade ao Judiciário, em igualdade de condições, está

previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, no Art. 7º, que por força

do Art. 5º, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal de 1988, alcança também a condição de Direito

Fundamental.

Page 130: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

128

Nesse sentido, o Estado deve proporcionar todos os meios ao exercício desse Direito,

disponibilizando defensores públicos em número suficiente e com subsídio compatível com a

complexidade das funções que lhe são inerentes, como previsto no Art. 135 da Carta Federal.

O que se verifica, atualmente, em muitos Estados brasileiros, é uma enorme diferença e

desproporção dos recursos orçamentários aprovados para essa carreira e para a remuneração

dos seus membros, se comparados com os mesmos benefícios alocados para o Ministério

Público e o Poder Judiciário.

Há Estados com inúmeras comarcas sem defensores públicos, sendo essas funções

exercidas por advogados contratados pelos municípios, com remuneração menor do que o já

desigual subsídio dos defensores concursados. Ademais, como esses advogados são

subordinados a órgãos dos Poderes Executivo ou Legislativo, são passíveis de direcionamento

político-partidário, com sério risco de discriminação no atendimento dos cidadãos de

inclinação política oposta aos governos, principalmente nos pequenos municípios, onde as

divisões políticas são mais intensas.

A conclusão a que se chega é que na busca de se alcançar a celeridade e os resultados

estatísticos de produtividade processual, a proteção do direito do desassistido tem sido

relegada a atos meramente formais, com ausência de defesa técnica efetiva e muitas vezes

limitada à subscrição de termos e peças processuais sumários e intempestivos, por falta de

bons advogados e em número suficiente.

O processo para o necessitado torna-se um embuste, deixando-o sujeito à própria sorte.

O Ministério Público e o Poder Judiciário, ambos com remuneração e prerrogativas

constitucionais diferenciadas, sobrepõem-se ao Estado-defensor, postulador, orientador e

consultor. Qual a razão de ser dessa discriminação, quando já se avançou do estágio

dimensional do Estado social, de normatividade e status positivo, para a categoria de Estado

social democrático, onde o princípio da democracia eleva-se à dimensão de direito

fundamental?

Atente-se, por exemplo, às condições dispensadas aos Procuradores dos Estados. Estes

profissionais são mais bem remunerados do que os defensores públicos; em geral, são lotados

nas capitais ou nas grandes cidades, com direito a usufruírem de condições de vida melhores e

ainda podem advogar, exceto contra a Fazenda Pública que representam.

Page 131: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

129

Qual a diferença entre o Procurador do Estado e o Defensor Público, no que tange à

fonte pagadora, à relevância das funções, à quantidade e complexidade dos serviços, ao nível

intelectual, à forma de investidura? Nenhuma, exceto pelo fato de que os Procuradores

estaduais defendem o tesouro estadual e os defensores públicos defendem parte considerável

da população que enche os cofres públicos. Razoável seria que ambos recebessem o mesmo

tratamento, inclusive com o mesmo padrão remuneratório e as garantias constitucionais

assegurados a juízes e promotores.

As custas judiciais, com todos os seus consectários (honorários sucumbenciais,

emolumentos cartoriais etc.) também integram o conceito de assistência jurídica integral. Leis

específicas regulamentam a matéria, porém, não raro, veem-se litígios processuais sobre o

assunto, que consomem mais energia das partes do que o próprio direito material.

Há casos até mesmo de pessoas jurídicas com advogados particulares constituídos, que

recebem o benefício da gratuidade judicial.58 Exigir do hipossuficiente o pagamento das

despesas processuais para postular, defender-se e implementar direitos é o mesmo que negar-

lhe a jurisdição antecipadamente.

Nas ações de habeas corpus e habeas data, pela importância que o legislador

constitucional imprimiu a essas garantias constitucionais (Art. 5º, LXXVII, C.F./88), foi

assegurada a gratuidade a todos quantos delas faça uso, independente da condição financeira

desfrutada, assim como aos atos necessários ao exercício da cidadania (título de eleitor,

direito de votar, certidão de nascimento, dentre outros).

A comunicação ágil, adequada e atualizada dos atos e assuntos judiciários é outra

vertente do acesso à justiça. Por agilidade, entenda-se a emergência necessária para transmitir

as soluções judiciárias, a fim de que o direito seja aplicado com brevidade. A adequação

refere-se aos meios utilizados para a comunicação estabelecida entre o usuário do serviço

jurisdicional e o órgão prestador da jurisdição ou das atividades administrativas correlatas. É

o caso de se falar em inclusão digital, informatização de rotinas, disponibilização de

equipamentos, uso de rádio, TV, fax, telefone, mensagens eletrônicas, cumprimento efetivo de

mandados judiciais, eficiência dos sistemas de entrega de correspondência, imprensa escrita etc.

58 Refere-se ao MATO GROSSO. Processo MC n.º 14.816. Registro n.º 2008/0220893-4, requerente: UNICOM ENGENHARIA E COMÉRCIO LTDA. Requerido: Município de Rondonópolis. Relatora: Min. Eliana Calmon – Segunda Turma. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal _stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89662>. Acesso em: 23 out. 2008.

Page 132: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

130

Se o Brasil é um país de grande extensão territorial, com péssima malha viária, sistema

de distribuição de correspondências monopolizado, poucos servidores para o exercício do

oficialato de justiça, baixo índice de inclusão digital e alto contingente de analfabetos, é

importante que haja adequação da comunicação dos assuntos e atos judiciários às

peculiaridades de cada comunidade, evitando generalidades igualitárias. O argumento de que

as dificuldades das partes não são as mesmas dos advogados que lhes representam, não se

sustenta ante a assertiva de que há hipóteses, a exemplo do jus postulandi, em que se dispensa

advogados e, se necessários estes profissionais para a representação judicial das partes, tanto

eles poderão estar em situações semelhantes de insuficiência material, como estas,

independente da representação, têm o direito subjetivo de ser informadas pessoalmente sobre

os assuntos e atos judiciários.

A atualização da comunicação refere-se à permanente informação a que o cidadão tem

direito numa sociedade onde a notícia se tornou uma mercadoria ávida por consumidores e

com excessiva volatilidade. Nesse sentido, mister que a imprensa escrita e as mídias

eletrônicas tenham todo o acesso possível à informação produzida pelo Judiciário para que o

conjunto da sociedade possa atualizar-se sobre os fatos que interferirão em suas vidas.

Até mesmo a comunicação eletrônica estabelecida em sites oficiais de órgãos do Poder

Judiciário precisa se manter atualizada em tempo real, para acompanhar a virtualidade da

informação. Não é mais razoável que essas fontes de consulta eletrônica demorem muito a

comunicar fatos que já são do domínio público, tornando a notícia inservível para os

interesses do consumidor desse produto democrático.

Fala-se em atualização também do banco de dados da informação, na medida em que a

sociedade tem o direito de conhecer no Judiciário, a história, a estrutura administrativa, o

orçamento e sua aplicação, as metas, o processo eletrônico, o curriculum de juízes, membros

do Ministério Público, defensores e auxiliares judiciários que interferem na relação

processual.

Os prédios do Judiciário onde se instalam sua administração e estrutura jurisdicional

devem ser construídos de maneira a proporcionar o fácil acesso do povo, o sentimento de

acolhimento e igualdade quando a eles se comparece e a funcionalidade, que tem mais

conectividade com praticidade, austeridade e sustentabilidade do que com excentricidades

arquitetônicas.

Page 133: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

131

A locomoção de algumas pessoas que procuram o Judiciário também deve ser

viabilizada. Reclama-se, especialmente, do transporte de presos, quase sempre prejudicados

por falta de viaturas policiais. Por conta disso, atos judiciais são adiados e a jurisdição demora

a ser prestada. Opção que se apresenta é o deslocamento do magistrado aos locais mais

distantes da sede do juízo, onde haja comunidades e contingentes populacionais, como ocorre

nos presídios e em povoados ou distritos, nas comarcas de grande extensão territorial. Nesses

casos, inverte-se o fluxo natural do acesso, dirigindo-se o Poder Judiciário ao jurisdicionado,

na forma de justiça itinerante.

Aliás, essa previsão já está na Constituição Federal de 1988, quando prescreve a

realização de audiências e demais atos da atividade jurisdicional nos limites territoriais da

respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários, e o

funcionamento descentralizado de Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do

jurisdicionado à justiça, em todas as fases do processo.59

Além desses canais de aproximação dos órgãos do Poder Judiciário com a sociedade, a

Constituição Federal de 1988 prevê também que

a União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará ouvidorias de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça.60

Este Conselho,61 com a sua competência prevista na Constituição Federal, tem

atribuições de controle e fiscalização da atuação administrativa e financeira do Poder

Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, no que pertine à

temática da acessibilidade:

Art. 103-B – […]

[…]

§ 4º - […]

[…]

II – zelar pela observância do Art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas;

59 C.F./1988, op. cit., (Arts. 107, II, §§ 2º e 3º; 115, §§ 1º e 2º; 125, §§ 6º e 7º e 126). 60 C.F./1988, op. cit., (Art. 103, § 7º). 61 O Conselho Nacional de Justiça foi criado pela E.C. n.º 45/2004 e insere-se como órgão do Poder Judiciário.

Page 134: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

132

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa.

[…]

VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

Esses controle e fiscalização são realizados pelo Conselho Nacional de Justiça, que é

composto por magistrados e representantes do Ministério Público de todas as instâncias,

exceto a militar; de membros da Ordem dos Advogados do Brasil; e por dois cidadãos,

indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. É representação

indireta do povo e da sociedade, porém, já é um avanço no processo de acessibilidade.

Para facilitar esse acesso, o CNJ realizou, em 15.10.2008, em Salvador/BA, a primeira

audiência pública, desde o início de suas atividades em 2005, com a presença de 300 pessoas

no Tribunal de Justiça da Bahia, e outra no Maranhão, em 23.10.2008, para ouvir as

reivindicações dos cidadãos e adotar medidas que visem à melhoria da eficiência dos serviços

da justiça naqueles Estados.62 Outras audiências estão sendo realizadas nas Unidades

Federativas estaduais.

Retornar-se-á ao tema do Conselho Nacional de Justiça mais adiante, quando for

abordada a temática da democratização interna no Poder Judiciário.

Outro aspecto relacionado diretamente à acessibilidade no âmbito do Judiciário alude às

garantias da integridade física e moral daqueles que procuram o aparelho jurisdicional.

Refere-se à segurança que o Estado deve proporcionar às partes, testemunhas, vítimas,

auxiliares judiciais, magistrados, representantes do Ministério Público, advogados públicos e

privados, além de policiais, no exercício de seus direitos e funções.

No âmbito do Direito Penal, a eficácia da apuração da verdade real é, por vezes,

maculada pelo temor das partes envolvidas, que se sentem coagidas e ameaçadas pela

criminalidade organizada, que desafia o Estado e atenta contra a integridade física e moral dos

que participam do processo.

62 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Judiciário de São Paulo propõe 40 boas práticas e objetivos para modernizar a Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php? option=com_content&task=view&id=5330&Itemid=42>. Acesso em: 24 out. 2008.

Page 135: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

133

O programa de proteção às vítimas e testemunhas não atende suficientemente à

demanda da sociedade que, por consequência, afasta-se do Estado e recusa a sua proteção,

prejudicando o acesso ao Judiciário.

Os prédios e dependências públicas onde se realizam atos jurisdicionais e são guardados

bens apreendidos, instrumentos e produtos dos crimes, também não têm, em sua grande

maioria, apoio da força policial ou vigilância de suas instalações, ficando à mercê da própria

sorte, diante da turba ensandecida e dos agentes criminosos.

Veem-se, não raro, invasões, agressões, depredações, incêndios e furtos, noticiados

diariamente pela mídia, com danos ao patrimônio público, subtração de bens materiais e

processos, guardados em prédios judiciais, além de agressões a todos os que ali transitam. A

vigilância e a força públicas, seletivamente distribuídas e alocadas junto a bancos e a

estabelecimentos privados, mostram à sociedade a ordem de valores priorizada. Ir aos prédios

e Fóruns da Justiça para postular o seu direito tem causado constrangimento ao cidadão.

Nega-se, assim, o acesso à justiça.

Outra dificuldade para a sociedade acessar o Judiciário refere-se ao contingente humano

que integra esse Poder. A quantidade de servidores do próprio Judiciário, em cada comarca ou

juízo, é insignificante para atender à demanda processual. Apela-se, muitas vezes, para

convênios com os entes públicos mais próximos, provocando suspeitas da própria sociedade,

que vê nessa colaboração uma forma disfarçada de incursão desses entes no resultado da

prestação jurisdicional.

Acresça-se a isso a enorme diferença vencimental atribuída aos servidores estaduais em

relação aos federais, contribuindo para afastar o recrutamento de quadro qualificado

permanente, ficando os judiciários estaduais como corredores por onde transitam servidores

que, ou se acomodam por diversas circunstâncias ou estão sempre migrando para outros

órgãos do próprio Poder, nas instâncias que remuneram melhor.

Aguarda-se a unidade remuneratória para os servidores do Judiciário. O Supremo

Tribunal Federal já se manifestou sobre a tese da unidade do Poder Judiciário:

A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca denominação, em Justiças, é só o resultado da repartição nacional do trabalho da mesma natureza entre distintos órgãos jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de distribuição de competências pela malha de órgãos especializados, que, não obstante portadores de esferas próprias de atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um único e mesmo Poder. Nesse sentido fala-se em Justiça Federal e

Page 136: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

134

Estadual, tal como se fala em Justiça Comum, Militar, Trabalhista, Eleitoral, etc., sem que com essa nomenclatura ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos.63 (grifo original).

A relação quantitativa entre juízes, promotores e defensores públicos e o acervo

processual sob as suas responsabilidades também são desproporcionais. No Brasil há, hoje,

5.564 municípios, com Poderes Legislativo e Executivo constituídos, no entanto, não há

juízes, promotores e defensores públicos exclusivos para todos esses municípios. Muitos

desses agentes públicos respondem por mais de uma comarca, acumulando tarefas sobre-

humanas. A mesma relação desproporcional entre demandas jurisdicionais e magistrados, por

exemplo, dá-se nos tribunais estaduais, regionais, superiores e no Supremo Tribunal Federal.

A melhoria do acesso ao Judiciário passa pela correção dessa distorção, ampliando a presença

desse Poder e colocando-o lateralmente aos demais.

Por último, destacam-se as iniciativas que o legislador constitucional e o ordinário – o

Poder Legislativo; o extraordinário – o Poder Executivo; e o complementar e subsidiário – o

Poder Judiciário, exercem para ampliar o acesso direto ou indireto à Justiça, mediante normas

substantivas e processuais dirigidas ao direito subjetivo de ação.

Indiretamente, a previsão constitucional de plebiscitos, referendos, iniciativas populares

e vetos, assim como a elaboração de orçamentos participativos previstos por legislações

ordinárias, são contribuições que o Poder Legislativo agrega, para ampliar a acessibilidade ao

Judiciário, na medida em que essa participação democrática, juntamente com a proporcionada

por alguns dispositivos de Medidas Provisórias editadas pelo Poder Executivo, inserem

legitimações ordinárias e extraordinárias para que segmentos da sociedade, cidadãos e grupos

homogêneos, coletivos e difusos possam postular direitos em ações e vias especiais, com

capacidade processual, como no habeas corpus, nas ações civis públicas, nas ações populares,

etc.

O mesmo se diga em relação à legitimação para a proposição da ação direta de

inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, que ampliando o rol dos

legitimados, agora possibilita que além dos representantes dos Poderes Legislativo e

Executivo da União, dos Estados e do Distrito Federal, também possam ajuizá-las o

Procurador da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido

63 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n.º 3.367/DF, Relator Ministro Cezar Peluso. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/VotoPelusoADI3367.pdf>. Acesso em: 31 maio 2009.

Page 137: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

135

político com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de

classe de âmbito nacional.

Essas ações de controle da constitucionalidade são mecanismos que possibilitam o

acesso indireto da sociedade a todos os Poderes, inclusive ao Judiciário.

4.1.12 Instâncias extrajudiciais ou diferenciadas para a resolução de conflitos: a desjudicialização

O amplo acesso ao Poder Judiciário abordado no subtítulo anterior provocou,

outrossim, a sobrecarga do sistema estatal de resolução dos conflitos. “Recrudesceu a

judicialização das relações sociais sem melhorar os mecanismos para efetiva solução das

demandas”.64

A Constituição Federal consolidou direitos fundamentais. O cidadão desreprimiu as

demandas judiciais contidas e, com isso, o volume de processos no Judiciário aumentou

consideravelmente, piorando a morosidade que já caracterizava a imagem desse Poder. Os

direitos conquistados poderiam ser postulados, porém, instaurado eventual conflito, a solução

estatal, com razoável duração do processo (Art. 5º, LXXVIII, C.F./88), negava, na prática, a

efetividade da Justiça.

Algo teria que ser feito no plano processual, na estrutura orgânica do Poder Judiciário

(administrativa e jurisdicional) e na (re)formulação da legislação infraconstitucional

complementar.

Surgiram os juizados especiais cíveis e criminais (Lei n.º 9.099/95); a lei de arbitragem

(Lei n.º 9.307/96); as alterações no Código de Processo Civil, a exemplo da promovida no

Art. 890, na Consignação em Pagamento (Lei n.º 8.951/94); as reformas decorrentes das

Emendas Constitucionais no capítulo do Poder Judiciário; a alteração na Lei de Registros

Públicos, permitindo retificações no registro de imóveis (Lei n.º 10.931/2004) para corrigir

erros na matrícula, por via administrativa e não mais exclusivamente judicial; a legislação da

recuperação extrajudicial da empresa mediante negociação entre credores e devedores,

modernizando o processo falimentar (Lei n.º 11.101/2005); a possibilidade de procedimentos

administrativos para a solução de inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais,

64 CARDOSO, Antônio Pessoa. Desjudicialização das relações sociais. Disponível em: <http://www.amb.com.br/?secao=artigo_detalhe&art_id=708&>. Acesso em: 27 out. 2008.

Page 138: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

136

por meio de escrituras públicas lavradas em cartórios (Lei n.º 11.441/07); a alienação de bens

apreendidos, na alienação fiduciária de bens móveis, independentemente da intervenção do

Judiciário; a venda extrajudicial de imóveis financiados e apreendidos (Lei n.º 9.514/97).

Enfim, instrumentos legais que trazem “ao debate experiências que têm por tônica a

descentralização da construção dos marcos regulatórios da sociabilidade”. 65

O desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia, Antônio Pessoa Cardoso, sugere

procedimentos que ainda poderiam ser desjudicializados, tais como: o cancelamento de

usufruto; a consolidação ou reversão da propriedade no fideicomisso; a adjudicação

compulsória de propriedade imobiliária; a expedição de alvarás; a cobrança de débitos fiscais

apurados, lançados e inscritos na dívida ativa, a exemplo da Caixa Econômica Federal que

executa extrajudicialmente seus créditos relativos ao financiamento de imóveis.66

A desjudicialização através de procedimentos extrajudiciais também já se implementa

no Direito Tributário, no contencioso administrativo, por intermédio dos Conselhos de

Recursos Tributários; no Direito do Trânsito e Previdenciário, com as suas Juntas Recursais;

no Direito Marítimo, Fluvial e Lacustre, com o Tribunal Marítimo, órgão auxiliar do Poder

Judiciário, vinculado ao Ministério da Marinha; no Direito da Criança e do Adolescente, com

os Conselhos Tutelares; no Direito do Consumidor, nos DECONs e PROCONs; nas Casas

de Mediação de toda espécie; nas Associações, Sindicatos, Federações e Confederações; nos

partidos políticos; nos cartórios; nos Conselhos de Comunidades e Penitenciários; nos

tribunais esportivos; nos órgãos ambientais, militares, educacionais e sanitários; nos

procedimentos da Justiça Restaurativa; no Direito do Trabalho, com as Comissões de

Conciliação Prévia, no CADE; na Comissão de Valores Mobiliários, dentre outros.

Todas essas instituições promovem a solução administrativa de conflitos, convergindo

para si as tensões iniciais dos grupos da sociedade civil. A exemplo da Justiça Arbitral, as

decisões desses grupos poderiam ser definitivas, no âmbito de suas competências, nos limites

que a lei lhes atribuir, e com as adesões prévias e consensuais dos contendores quanto ao

procedimento escolhido, restando ao Poder Judiciário conhecer e decidir apenas sobre aqueles

conflitos que envolverem direitos indisponíveis;67 quando não houver acordo sobre a

65 BURGOS, Marcelo Baumann. Justiça de proximidade: notas sobre a experiência francesa. Revista da Escola Nacional da Magistratura, Brasília: Escola Nacional da Magistratura, n. 4, p. 74, 2007. Disponível em: <http://www.enm.org.br/docs/revista4.pdf>. Acesso em: 27 out. 2008. 66 CARDOSO, Antônio Pessoa, op. cit., 2008, on line. 67 Na definição de direitos indisponíveis entraria o controle de constitucionalidade.

Page 139: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

137

utilização da via extrajudicial; quando suscitadas nulidades no procedimento formal e em atos

que impliquem a necessidade da coercibilidade estatal, através do uso da força.

Experiência de vulto no direito comparado são as Maisons de Justice et du Droit (MJD),

instaladas em França, a partir do ano de 1991, e inscritas no Código de Organização Judiciária

Francês, a partir de 1998.

A inovação institucional francesa visava a resolver o problema da violência social no

espaço urbano, caracterizado por conflitos entre jovens, pobres, moradores dos subúrbios e

periferias de Paris e de outras grandes cidades, com o objetivo de aproximar o Direito e suas

instituições do cotidiano dos moradores das áreas consideradas críticas – les quartiers

sensibles.

Burgos descreve o modelo alternativo francês para a resolução desses conflitos urbanos,

afirmando que:

[…] na França, a justiça de proximidade tem por finalidade aproximar o Direito da vida local e o universalismo republicano. Trata-se de um dos muitos remédios institucionais que vêm sendo experimentados em face do mal-estar provocado por aquilo que Pierre Bourdieu (1997) caracterizou como a crise da reprodução cultural, provocada pelo esvaziamento do Estado Welfareano, pela precarização das relações de trabalho, e pela crescente erosão da legitimidade institucional da escola. Como no conhecido argumento de Antoine Garapon, as instâncias produtoras de solidariedade social mergulham em uma profunda crise, e ‘o direito converte-se na última instância da moral comum em uma sociedade desprovida dela’.68

Burgos acrescenta que a justiça de proximidade também atua nos Estados Unidos, com

a idéia de que a ordenação do espaço urbano fomentaria a regeneração de uma cultura cívica perdida, e o braço coercitivo da polícia exprimiria a vontade da coletividade organizada, reduzindo ou até mesmo eliminando a possibilidade de conflito.69

Nos Estados Unidos, continua Burgos,

[…] a tônica tem sido a reforma da polícia, presente tanto na experiência da tolerância zero em Nova Iorque, quanto na do policiamento comunitário desenvolvido em Chicago. O controle sobre o espaço público é seu alvo, e a intervenção da polícia é respaldada e amplificada através da criação de canais de diálogo com as comunidades.70

Outra experiência recente e desenvolvida com apoio no fundamento constitucional da

solidariedade (Art. 3º, I, C.F./88) e do direcionamento para a harmonia social e a solução

68 BURGOS, Marcelo Baumann, op. cit., 2007, p. 76. 69 BURGOS, Marcelo Baumann, op. cit., 2007, p. 75. 70 BURGOS, Marcelo Baumann, op. cit., 2007, p. 75.

Page 140: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

138

pacífica das controvérsias (Preâmbulo da Constituição Federal de 1988), é a ideia de Justiça

Restaurativa, prática de mediação iniciada nos anos 70 do século XX entre réus condenados e

as vítimas de seus crimes, nos Estados Unidos, com formulações teóricas construídas pelo

advogado americano Howard Zehr,71 a qual propõe uma reformulação do conceito de crime e

de justiça. Brancher, discorrendo sobre o tema, afirma:

Inspirada em modelos de justiça tribal, a Justiça Restaurativa nos desafia a ressignificar os valores fundamentais que condicionam as atuais práticas de Justiça, sobretudo no enfrentamento da violência e da criminalidade.

Além do campo da justiça institucional, essas reflexões permitem visualizar e reconfigurar a forma como atuamos nas atividades judicativas que exercemos conosco mesmos e com nossos relacionamentos, nas instâncias informais de julgamentos de que participamos cotidianamente em ambientes como a família, escola ou trabalho.

Ao refletir sobre as práticas da justiça formal - essencialmente retributiva e punitiva - a partir de uma ética baseada na inclusão, no diálogo e na responsabilidade social, o paradigma da Justiça Restaurativa promove um conceito de democracia ativa que empodera indivíduos e comunidades para a pacificação de conflitos de forma a interromper as cadeias de reverberação da violência.72

Segundo Brancher, a Nova Zelândia, que foi a principal impulsionadora desse sistema,

incorporando algumas práticas da justiça ancestral dos aborígenes Maoris, em 1989, incluiu

na sua legislação sobre crianças, jovens e suas famílias, a previsão de que crimes mais graves

praticados por menores de idade, exceto os crimes de homicídio, passariam necessariamente

pelas Family Group Conferences, que são encontros restaurativos envolvendo réus, vítimas e

comunidades.73

A justiça restaurativa, acrescenta ainda Brancher, amplia o foco da justiça tradicional

retributiva, concentrada nos agentes estatais (o policial, o juiz e o promotor), no acusado e seu

defensor, e voltada para os fatos ocorridos no passado e na punição a ser aplicada, para incluir

a vítima e as pessoas de suas comunidades afetivas, assim como a comunidade afetiva do

infrator, preocupando-se com os danos materiais e psicológicos nelas incidentes, mais do que

com o trauma social produzido pela infração, em abstrato. Com isso, estabelece um

mecanismo de diálogo e comunicação, essencial para a sinceridade, a transparência e a

pacificação social. Pinto entende que esse novo paradigma

71 ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008. No original: Changing lenses: a new focus for crime and justice. Scottdale, PA: Herald Press, 1990. 72 BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça restaurativa: a cultura de paz na prática da justiça. Disponível em: <http://www.jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/vis%C30+GERAL+JR_0.HTM>. Acesso em: 28 out. 2008. 73 ZEHR, Howard, op. cit., 2008.

Page 141: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

139

além de abrir o mosteiro do Direito à interdisciplinaridade, e mais do que isso, à transdiciplinaridade, o operador jurídico, tanto nos papéis de autoridade (delegado, promotor, juiz) ou como advogado (inclusive eventualmente atuando como mediador ou facilitador), terá que conciliar, ao trabalhar com justiça restaurativa, a tradicional perspectiva dogmático-jurídica, que traz de sua formação de bacharel em Direito, com uma nova atitude, aberta ao pluralismo jurídico, reconhecendo a legitimidade do senso comum das pessoas direta ou indiretamente envolvidas no conflito criminal e que participarão do diálogo e da construção restaurativa, que trazem dos costumes do cotidiano da vida na comunidade – o direito achado na rua.

[…]

A idéia, então, é voltar-se para o futuro e para restauração dos relacionamentos, ao invés de simplesmente concentrar-se no passado e na culpa. A justiça convencional diz: você fez isso e tem que ser castigado! A justiça restaurativa pergunta: o que você pode fazer agora para restaurar isso?74(grifo original).

Para Ness et al., “a justiça restaurativa, como prática comunitária, é primitiva,

remontando aos códigos de Hamurabi, Ur-Nammu e Lipit-Ishtar há cerca de dois mil anos

antes de Cristo”.75 No Canadá, complementa Pinto,

o modelo também é inspirado nas culturas indígenas em que os protagonistas que se sentam em círculo, utilizam-se de um objeto que é passado de mão em mão representando a posse da palavra. A reunião tem como objetivo a convergência da percepção para a solução do conflito.76

No Brasil, o procedimento criado pela Lei dos Juizados Especiais Criminais, em relação

aos benefícios da composição civil, da transação penal e da suspensão condicional do

processo (Art. 74 e parágrafo único; Arts. 76 e 89, respectivamente, da Lei n.º 9.099/95), é o

embrião da prática restaurativa, mediada por conciliadores, advogados, defensores públicos,

promotores e juízes, com a participação ativa da vítima e do infrator, e que, em perspectiva

evolutiva, poderia descentralizar-se, tornando-se prestação jurisdicional não estatal, pelo

menos até o estágio da execução coercitiva do acordo restaurativo. Para melhor visualização

dos modelos de justiça criminal retributiva e restaurativa, Pinto elaborou formato tabular, nos

termos seguintes:

74 PINTO, Renato Sócrates Gomes. A construção da justiça restaurativa no Brasil: o impacto no sistema de justiça criminal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1432, 3 jun. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9878>. Acesso em: 28 out. 2008. 75 NESS, Van et al. Restoring Justice. Cincinatti, Ohio: Anderson Publishing Co., 2002 apud Ibid., 2007, on line. 76 Ibid., 2007, on line.

Page 142: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

140

VALORES

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Conceito estritamente jurídico de Crime Violação da Lei Penal – ato contra a sociedade representada pelo Estado.

Conceito amplo de Crime - Ato que afeta a vítima, o próprio autor e a comunidade causando-lhe uma variedade de danos

Primado do Interesse Público (Sociedade, representada pelo Estado, o Centro)

Monopólio estatal da Justiça Criminal.

Primado do Interesse das Pessoas Envolvidas e Comunidade – Justiça

Criminal participativa.

Culpabilidade Individual voltada para o passado – Estigmatização.

Responsabilidade, pela restauração, numa dimensão social, compartilhada

coletivamente e voltada para o futuro.

Uso Dogmático do Direito Penal Positivo. Uso Crítico e Alternativo do Direito

Indiferença do Estado quanto às necessidades do infrator, vítima e

comunidade afetados – desconexão.

Comprometimento com a inclusão e Justiça Social gerando conexões.

Mono-cultural e excludente. Culturalmente flexível (respeito à

diferença, tolerância).

Dissuasão Persuasão

PROCEDIMENTOS

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Ritual Solene e Público Ritual informal e comunitário, com as

pessoas envolvidas

Indisponibilidade da Ação Penal Princípio da Oportunidade

Contencioso e contraditório Voluntário e colaborativo

Linguagem, normas e procedimentos formais e complexos – garantias.

Procedimento informal com confidencialidade

Atores principais - autoridades (representando o Estado) e profissionais do

Direito

Atores principais – vítimas, infratores, pessoas da Comunidade, ONGs.

Processo Decisório a cargo de autoridades (Policial, Delegado, Promotor, Juiz e

profissionais do Direito Unidimensionalidade

Processo Decisório compartilhado com as pessoas envolvidas (vítima, infrator e

comunidade) – Multi-dimensionalidade

RESULTADOS

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Prevenção Geral e Especial Foco no infrator para intimidar e punir

Abordagem do Crime e suas Conseqüências Foco nas relações entre as partes, para

restaurar Penalização Pedido de Desculpas, Reparação,

Page 143: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

141

Penas privativas de liberdade, restritivas de direitos, multa

Estigmatização e Discriminação

restituição, prestação de serviços comunitários

Reparação do trauma moral e dos Prejuízos emocionais – Restauração e Inclusão

Tutela Penal de Bens e Interesses, com a Punição do Infrator e Proteção da

Sociedade

Resulta responsabilização espontânea por parte do infrator

Penas desarrazoadas e desproporcionais em regime carcerário desumano, cruel,

degradante e criminógeno – ou – penas alternativas ineficazes (cestas básicas)

Proporcionalidade e Razoabilidade das Obrigações Assumidas no Acordo

Restaurativo

Vítima e Infrator isolados, desamparados e desintegrados. Ressocialização Secundária

Reintegração do Infrator e da Vítima Prioritárias

Paz Social com Tensão Paz Social com Dignidade

EFEITOS PARA A VÍTIMA

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA Pouquíssima ou nenhuma consideração, ocupando lugar periférico e alienado no

processo. Não tem participação, nem proteção, mal sabe o que se passa.

Ocupa o centro do processo, com um papel e com voz ativa. Participa e tem controle

sobre o que se passa.

Praticamente nenhuma assistência psicológica, social, econômica ou jurídica

do Estado

Recebe assistência, afeto, restituição de perdas materiais e reparação

Frustração e Ressentimento com o sistema Tem ganhos positivos. Suprem-se as

necessidades individuais e coletivas da vítima e comunidade

EFEITOS PARA O INFRATOR

JUSTIÇA RETRIBUTIVA JUSTIÇA RESTAURATIVA

Infrator considerado em suas faltas e sua má-formação

Infrator visto no seu potencial de responsabilizar-se pelos danos e conseqüências

do delito Raramente tem participação Participa ativa e diretamente

Comunica-se com o sistema por Advogado Interage com a vítima e com a comunidade É desestimulado e mesmo inibido a dialogar

com a vítima Tem oportunidade de desculpar-se ao

sensibilizar-se com o trauma da vítima É desinformado e alienado sobre os fatos

processuais É informado sobre os fatos do processo restaurativo e contribui para a decisão

Não é efetivamente responsabilizado, mas punido pelo fato

É inteirado das conseqüências do fato para a vítima e comunidade

Fica intocável Fica acessível e se vê envolvido no processo Não tem suas necessidades consideradas. Supre-se suas necessidades

Quadro 1 Diferenças entre justiça restaurativa e justiça retributiva Fonte: Pinto (2007, on line)

Page 144: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

142

A Associação dos Magistrados Brasileiros, a Secretaria de Reforma do Judiciário do

Ministério da Justiça e a Escola Nacional da Magistratura, compreendendo a necessidade de

aprofundamento dos meios alternativos de resolução conflitual, realizou, de 7 a 10 de abril de

2008, o Ciclo de Conferências sobre Justiça Restaurativa – Trocando as Lentes, acreditando

que a proposta pode e deve ser implantada definitivamente no Brasil.77

A lentidão do Estado no sentido do reconhecimento das soluções alternativas de

realização da justiça por caminhos extrajudiciais, com eficácia semelhante à dos títulos

judiciais estatais, estimula o surgimento de um poder dual na sociedade, com função judicial

caracterizada, de acordo com Santos, pela luta entre poderes complementares ou paralelos, e

não necessariamente antagônicos, para a resolução de conflitos interclasses.78 Santos analisa

essa dualidade entre direito e justiça, referindo-se às associações de moradores das favelas das

grandes cidades do mundo capitalista, e cita o exemplo da favela do Rio de Janeiro, a qual

denominou Pasárgada. 79

Essa comunidade, observa o cientista, elegia a associação de moradores que se

encarregava de representar os interesses da comunidade junto ao Estado, mediando a obtenção

de serviços públicos e equipamentos coletivos, promovendo a pacificação no seio da favela,

transformando em instância judicial a resolução de conflitos no seu interior, ratificando as

relações jurídicas e resolvendo as disputas que surgiam delas.80 Santos explica a dinâmica

desse processo em Pasárgada:

As relações jurídicas se originam usualmente em contratos (vendas, locações etc.) cujo objetivo é a propriedade, posse e os direitos reais sobre a terra e as habitações (casas e barracos) ou parte delas. Mas a associação também desempenha funções com respeito a relações de direito público, concernentes a direitos da comunidade como um todo frente a algum ou alguns de seus membros. Quando, por exemplo, os moradores desejam celebrar um contrato, podem ir à associação e entrevistar-se com o presidente. Vêm, normalmente, acompanhadas por familiares, amigos ou vizinhos, alguns dos quais servirão de testemunhas. As partes explicam suas intenções ao presidente, o qual formula perguntas relativas à natureza do contrato e a seu objeto

77 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB. Magistrados acreditam que justiça restaurativa é aplicável ao Brasil. 8 abr. 2008. Disponível em: <http://www.amb.com.br/?secao= mostranoticia&mat_id=12942&>. Acesso em: 27 out. 2008. 78 SANTOS, Boaventura de Sousa. Justiça popular, dualidade de poderes e estratégia socialista. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1998, p. 185-205. 79 Pasárgada, na história da Humanidade, era uma cidade da antiga Pérsia e é atualmente um sítio arqueológico na província de Fars, no Irã, situado a 87 km a nordeste de Persépolis. Foi a primeira capital da Pérsia Aqueménida, no tempo de Ciro II da Pérsia, e coexistiu com as demais, dado que era costume Persa manter várias capitais, em simultâneo, em função da vastidão do seu império. Na literatura brasileira, Manuel Bandeira (1886-1968), consagrou o nome Pasárgada como um lugar ironicamente ideal, em ‘Vou-me embora pra Pasárgada’, poema de sua autoria. WIKIPÉDIA. Enciclopédia on line. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/PAS%C3 A1rgada>. Acesso em: 31 out. 2008. 80 SANTOS, Boaventura de Sousa, op. cit., 1998, p. 200-201.

Page 145: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

143

até formar-se uma idéia clara. Então o contrato é posto por escrito e arquivado, distribuindo-se cópia às partes intervenientes. A intervenção da associação, que designa como ratificação, é um processo muito sutil e complexo pelo qual a relação jurídica entre as partes se prevê de uma fonte autônoma de segurança. Quando rebenta um conflito entre dois moradores, a associação pode ser chamada a resolvê-lo, dando início a um processo que termina na discussão da questão pelas partes e pelos moradores em uma audiência dirigida pelo presidente.81

Esse direito de Pasárgada, consoante expõe Santos, se fosse baseado em um estatuto

legal ou no direito do asfalto, como assim denominado pelo cientista político, seria tão

respeitado pela comunidade como o seria se aplicado pela justiça estatal. Acresce Santos que

não reclamando o direito de Pasárgada validade ou execução fora da comunidade e só

resolvendo conflitos inter-classistas, essa legalidade alternativa não entra em confrontação,

podendo ser rotulada de funcional à dominação burguesa, pela reprodução pacífica e a baixo

custo da força de trabalho, porém, a seu modo de ver, essa organização comunitária atua

como meio de proteção contra as pressões estatais promovidas pelos interesses capitalistas

que visam ao deslocamento das favelas e à apropriação das áreas ocupadas para transferi-las à

especulação imobiliária; constitui um meio de administração alternativa e democrática com a

conivência estatal e contribui para minimizar a brutalidade da reprodução social das classes

trabalhadoras em condições de luta muito difíceis.82 Concluindo seu estudo, Santos entende

que:

Esta orientação estratégica não pressupõe a recusa da legalidade burguesa democrática nem a da democracia parlamentar em qualquer lugar em que exista. Pressupõe, antes, a possibilidade de uma utilização não-burguesa das formas políticas e jurídicas democráticas que a burguesia soube num tempo impor às classes dominantes do ancien régime.83

Souza e Lamounier lembram que “o recurso a julgamentos intuitivos não é apenas um

expediente, mas um requisito inescapável para se tentar antecipar o futuro”84, como se

estivesse diante do oráculo de Delfos, na Grécia antiga, comparam eles.

Nesse sentido, essas manifestações culturais de acomodação social que visam à solução

conflitual por todos os meios de mediação devem ser urgentemente estudadas, sistematizadas

e reguladas, para legitimar o controle estatal, evitando assim a deletéria fragmentação da

unidade do poder.

81 SANTOS, Boaventura de Sousa, op. cit., 1998, p. 200. 82 SANTOS, Boaventura de Sousa, op. cit., 1998, p. 201-202. 83 SANTOS, Boaventura de Sousa, op. cit., 1998, p. 203. 84 SOUZA, Amaury de; LAMOUNIER, Bolívar. O futuro da democracia: cenários político-institucionais até 2022. Estudos Avançados. Dossiê Brasil: o país do futuro. Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 20, n. 56, jan./abr. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-4014200600010005&<script=sci_arttext>. Acesso em: 31 out. 2008.

Page 146: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

144

Essa unidade não seria o conjunto de todas as partes que representam os núcleos de

fragmentação, mas a gerência normativa e eficaz dessas diversas unidades de poder,

reconhecendo limites e peculiaridades, resolvendo distorções e atuando como uma força de

colmatação e coesão que se impõe como o fundamento de uma soberania política, cujo vértice

seria representado pela sociedade civil, organizada democraticamente pela participação e

solidariedade. Isso é possível e já vem sendo implementado. Urge acompanhar a rapidez das

transformações.

No Brasil, já há normatização de algumas práticas diferenciadas de prestação

jurisdicional, atendendo à peculiaridade da sua formação étnica. Veja-se o caso da justiça

indígena. Dispõe o Estatuto do Índio (Lei n.º 6.001/73): “Art. 57 – Será tolerada aplicação

pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais e disciplinares

contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em

qualquer caso a pena de morte”. Freitas afirma que esta é uma norma que

subtrai da justiça comum o julgamento de um delito. E não se pense que é descumprida. Na verdade, ela é adotada diariamente em dezenas de aldeamentos indígenas e já teve inclusive precedentes de reconhecimento (Caso Basílio) pelo Tribunal do Júri Federal de Boa Vista, Roraima, em caso de homicídio.85

Enfim, questão que se formula na construção do processo coletivo e participativo de

desjudicialização estatal das instâncias conflituais é saber quais as hipóteses em que é viável a

elaboração de modelos comunitários judiciais, envolvendo os diversos grupos da sociedade

civil.

Já se viu que essa experiência é possível e já se integrou à práxis e ao ordenamento

jurídico, com ou sem a mediação86 jurisdicional estatal na formação do consenso integrativo.

O desenvolvimento dessa combinação, inserindo a sociedade autorregulativa (civil) e a

representação estatal (política), acredita-se, é um dos segredos da democracia e que não se

desvelará, senão com experimentalismo e expectativa positiva, em agir constante e aberto,

num processo de argumentação, teorização, desconstrução e reconstrução de paradigmas e

conexões, percebendo que a organização do poder estatal decorreu de ideologias adredemente

elaboradas, visando à convivência social e à dominação de uns sobre os outros e que “há uma

85 FREITAS, Vladimir Passos de. Soluções alternativas: judiciário busca alternativas para combater morosidade. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/58759,1>. Acesso em: 31 out. 2008. 86 SALES, Lilia Maria de Morais. Mediação de Conflitos: família, escola e comunidade. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007.

Page 147: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

145

coisa mais forte do que todos os exércitos do mundo, e isso é uma ideia cujo tempo chegou”.87

Olhe-se em volta e veja-se como a sociedade se organiza e como tem resolvido suas

pendências. As massas já não esperam somente pelo Estado; elas se impõem com suas

soluções e seus consensos de adequação.

4.2 Aberturas para a legitimação e a democratização internas no Poder Judiciário

Até agora foram analisadas algumas manifestações da legitimação e democratização

externas da função judiciária e no Poder Judiciário, mediante a participação e a representação

da soberania popular, ampliando aquele espaço interpretado como restrito e privativo dos

agentes que prestam a jurisdição estatal, com pretensão monopolista e definitiva, investidos

de poder obtido através do concurso público ou por nomeações diversas, além das questões

relativas à acessibilidade aos serviços prestados pelo judiciário.

Pretende-se, em prosseguimento, investigar temas diversos relativos à estrutura interna

do Poder Judiciário, verticalizada, burocratizada e hierarquizada, com repercussões

administrativas e jurisdicionais, apontando críticas e sugestões para a solução dos entraves

que comprometem o desempenho efetivo e democrático do exercício da função judiciária

outorgada pelo povo aos magistrados. A ideia que permeia todo o desenvolvimento desses

tópicos é a de não se permitir que haja mecanismos imunossupressores institucionalizados ou

ideologizados, e que se fomente ao máximo a participação interna dentro do próprio poder,

democratizando a estrutura autocrática, típica do poder burocrático.

4.2.1 Mitigação das garantias constitucionais: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios

Essas prerrogativas constitucionais expressas no Art. 95, incisos I, II e III da

Constituição Federal de 1988, visam a dar efetividade ao princípio da independência do juiz,

o qual, segundo Zaffaroni: “Importa a garantia de que o magistrado não estará submetido às

pressões de poderes externos à própria magistratura, mas também implica a segurança de que

o juiz não sofrerá as pressões dos órgãos colegiados da própria judicatura”.88

87 Frase atribuída a Victor Hugo, escritor francês (26 de fevereiro de 1802 - 22 de maio de 1885). In: DUALIBI, Roberto. Dualibe das citações. São Paulo: Mandarim, 2000, p. 339. 88 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 88.

Page 148: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

146

Anteriormente, já se fez a distinção entre a independência do juiz e a da magistratura.89

Para Picardi, 90 a segunda é a condição da primeira e implica autonomia de governo e o poder

disciplinar. É a função de autogoverno do Judiciário. Para Rocha, “quanto ao Judiciário,

considerado como um todo orgânico, as garantias de sua independência constam do Art. 96 e

seus incisos [da Constituição Federal], dotando-o de competência governativa, regimental e

orçamentária”.91

Mitigar as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios

significa, no desenvolvimento de algumas ideias propostas, flexibilizar a interpretação

daquelas prerrogativas para se viabilizar o processo democratizante na estrutura de poder

dentro do Judiciário.

Por vitaliciedade entende-se como sendo a garantia de que o magistrado não poderá

perder o seu cargo, senão em virtude de sentença judicial transitada em julgado, assegurado o

devido processo legal.

No primeiro grau de jurisdição, a vitaliciedade só será adquirida após dois anos de

exercício. Antes disso, a perda do cargo condiciona-se a um processo administrativo, com

deliberação pelo tribunal ao qual o juiz estiver vinculado. A Constituição Federal prevê:

Art. 93 – Lei Complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[...]

IV – previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados.

Ocorre, no entanto, por força do Art. 22, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura

Nacional, que os magistrados do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores, dos

Tribunais Regionais do Trabalho, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça

Estaduais e Distrital adquirem a vitaliciedade logo ao serem empossados em seus cargos,

enquanto os juízes de Primeiro Grau devem se submeter a um estágio probatório de dois anos

e ainda aos cursos mencionados no inciso IV, do Art. 93, da Constituição Federal.

89 Vide item 2.2. 90 PICARDI, Nicola . L’indipendenza del giudice, Sto. Domingo, 1989. In: Justicia y desarrollo democrático em Italia y América Latina, UNICRI. Publ. n. 45, Roma, 1992, p. 279 apud ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 87. 91 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1995, p. 29.

Page 149: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

147

Essa diferenciação só atinge os magistrados que são escolhidos na cota reservada ao

quinto constitucional para advogados e membros do Ministério Público, uma vez que os

juízes de carreira que têm acesso aos tribunais por força das promoções internas, já o fazem

com a vitaliciedade adquirida ao longo das entrâncias por onde passaram.

Os candidatos do Ministério Público, muito embora também já tenham vitaliciedade

quando disputam as vagas dos tribunais, por exigência de sua Lei Orgânica, pertencem a uma

carreira distinta, não sendo razoável interpretar aquela vitaliciedade como sendo a mesma

exigida para magistrados de Primeiro Grau.

Os advogados, ao ingressarem nos tribunais, comprovam apenas o exercício mínimo de

dez anos de profissão, não tendo sido avaliados, como regra, por escolas preparatórias para o

exercício da jurisdição.

Alguns defendem que a exigência de dez anos de prática funcional nas suas diversas

áreas de atuação compensa a obrigação do estágio probatório e a frequência a cursos oficiais

dirigidos à magistratura.

Nada mais discriminatório. Aos juízes de carreira também é obrigatória a conclusão de

um período mínimo de atividade jurídica anterior, que é de três anos (Art. 93, inciso I, da

Constituição Federal) e a frequência a cursos oficiais ou reconhecidos por escola nacional de

formação e aperfeiçoamento de magistrados.

Esses cursos visam não somente ao acompanhamento do conteúdo dogmático do

candidato, mas a uma série de avaliações multidisciplinares, inclusive comportamentais. É

mais um controle que o constituinte impôs para a aferição de uma das garantias que, por se

afastar conceitualmente da regra da alternância democrática, deveria ser rigorosamente

observada.

Os processos complexos pelos quais se submetem esses candidatos do quinto

constitucional não impõem, necessariamente, avaliações como as que são realizadas por

aquelas escolas de formação.

Se a preocupação com esses filtros seletivos é dirigida aos juízes de carreira, como um

controle aristocrático do poder, que o seja a todos aqueles que nele ingressam, inclusive no

Segundo Grau de jurisdição, com mais razão, pois exercerão o poder de censura

administrativa e jurisdicional dos órgãos da Primeira Instância. Ao magistrado que obtém essa

Page 150: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

148

condição pelo ingresso direto nos tribunais, é também possível que haja o desencontro entre

vocação e aptidão para o exercício de funções colegiadas.

Negar-lhe, eventualmente, a vitaliciedade não implica suprimir a pluralidade defendida

para a composição dos tribunais, mas prevenir-se contra escolhas inadequadas. A mesma

submissão provisória a que se prestam os juízes recém-ingressos na magistratura de Primeiro

Grau poderia ser imposta aos magistrados que iniciam suas carreiras diretamente nos

tribunais. A preocupação da sociedade com a prudência, o saber, a experiência, o equilíbrio e

as aptidões de seus juízes é igual para ambas as situações.

A inamovibilidade é a garantia que o magistrado detém de não ser removido de um

lugar para outro, nem mesmo ser obrigado a aceitar promoções contra a sua vontade, salvo no

interesse público, quando deliberado pelo voto de dois terços, no mínimo, dos membros

efetivos do tribunal a que está vinculado. Essa prerrogativa merece ponderações.

Se quis o constituinte criar mais um mecanismo de reforço da independência do juiz,

evitando que grupos contrariados com a decisão judicial se articulassem no sentido do

afastamento do magistrado do local onde presta a sua jurisdição, gerou, com isso, um núcleo

de poder intocável, insubstituível, temível, não renovável, não reciclável, quase que

insindicável.

A despeito dos juízes de Primeiro Grau estarem sujeitos ao fluxo de uma carreira

funcional, que se estrutura em entrâncias, com graus distintos, sendo natural que busquem

progressivamente caminhar na direção das comarcas mais elevadas nessa classificação, até

ascenderem aos tribunais, há cada vez mais frequente magistrados que optam por se

manterem indefinidamente nas mesmas localidades para as quais foram nomeados, em alguns

dos estágios de sua carreira, lá permanecendo até alcançarem o período para suas

aposentadorias, seja por comodidade, por formação de vínculos familiares locais, por

qualidade de vida, por interesses diversos, seja por perceberem que as suas idades e o

escalonamento da carreira não mais lhes permitem, matematicamente, disputar vagas nos

tribunais.

Imagine um município com dez mil habitantes, onde prefeito e vereadores se alternam

em suas funções a cada quatro anos; onde o corpo policial também acompanha a evolução da

carreira, com promoções constantes; novas gerações se formam; a própria estrutura

geopolítica e territorial é passível de alteração e, em sentido contrário a esse dinamismo, o

Page 151: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

149

representante do Poder Judiciário lá permanece por dez, vinte ou mais anos, como o único a

pronunciar a última palavra, até mesmo em face dos dois outros poderes. Quanto poder por

metro quadrado está enfeixado nas mãos de uma só pessoa? Quem ousará contrariá-lo?

Até mesmo as instituições religiosas, que outrora mantinham seus representantes por

longo período na mesma comunidade, hoje, acompanhando o movimento social, acham por

bem reciclá-los na convivência com outras comunidades.

O ideal seria que fosse estipulado um período máximo de permanência dos juízes nas

comarcas de varas únicas e outro, nas comarcas de múltiplas unidades jurisdicionais, impondo

rodízio entre as diversas varas.

Com a ocorrência dos períodos fatais, seriam oportunizadas, com prioridade, as

remoções para as comarcas ou unidades jurisdicionais disponíveis. Isso resolveria eventuais

distorções e acomodações nocivas à sociedade e ao próprio Poder.

Nos tribunais seria criado o sistema equivalente aos mandatos exercidos nos demais

Poderes, com interstícios variando entre quatro e oito anos. Nesse período, os membros dessas

Cortes poderiam rodiziar-se entre as diversas Câmaras internas. No item 4.2.5, a temática será

abordada mais profundamente.

A irredutibilidade de subsídio é outra garantia que pode ser relativizada, especialmente

se houver consenso mútuo entre o ente público pagador e o magistrado, em situações

específicas.

Suponha-se, por exemplo, a possibilidade de permuta entre magistrados estaduais de

unidades federativas diversas, questão que será apreciada no item 4.2.11. Aprovada a

permuta, poderá ocorrer que um dos magistrados esteja com subsídio superior ao dos juízes

do Estado onde o permutado exercerá suas novas funções. A fim de se evitar pleitos

equiparatórios dos magistrados que já exercem a jurisdição no mesmo Estado, o consenso a

ser formulado no processo de permuta possibilitaria essa redutibilidade, enquadrando-se o juiz

permutado no novo organograma funcional e vencimental.

Aliás, a ideia de mandatos para os membros dos tribunais, com possibilidade de retorno

aos seus cargos anteriores, ao final do prazo estipulado, seria perfectibilizada sem maiores

traumas em relação a essas garantias, considerando a relativização que se possa imprimir ao

conceito de imutabilidade dessas prerrogativas.

Page 152: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

150

Portanto, a mitigação que se propõe para essas garantias está diretamente relacionada

com a evolução que se possa admitir em relação aos dogmas internos do Judiciário,

especialmente no direcionamento da democratização de seu poder, exercido pelos juízes, os

quais não serão menos independentes, imparciais e legítimos, pelo fato de transigirem com a

sociedade e com os seus pares, sobre uma parcela desse poder.

4.2.2 Subsídio dos magistrados

A adequada remuneração da função jurisdicional é tão significativa que o legislador

constitucional elegeu esse direito como uma garantia do exercício da magistratura, em

consequência do princípio da independência do juiz. A irredutibilidade de subsídios já foi

comentada no item anterior (4.2.1). A Constituição Federal assevera que:

Art. 95 – [...]

Parágrafo unico – Aos juízes é vedado:

I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo um de magistério;

II – receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

III – [...]

IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

V – [...]

Esse rigor com o exercício funcional do magistrado impõe restrições, mas em

contrapartida assegura garantias sobre as quais já se expôs.

Poder-se-ia até dizer que outros agentes públicos têm limitações tão rígidas quanto as do

magistrado, sem desfrutar das mesmas prerrogativas. Em parte, a afirmativa é correta, porém,

nenhum deles acumula tanto poder sobre o destino das coisas e das pessoas quanto o

magistrado, embora nem sempre ele tenha essa percepção e ainda cultive uma conduta, muitas

vezes, arredia ao seu poder-dever.

Em razão desse nicho de poderes, o magistrado é passível de fortes incursões externas,

derivadas de todas as fontes de influência e, por isso, precisa de garantias para manter a sua

independência.

Para ser independente e infenso a qualquer pressão ou sedução, o agente público precisa

preservar a sua dignidade. Esse discurso deveria ser extensivo a todos, sem que o cargo,

Page 153: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

151

função ou posição na sociedade seja pré-requisito para a sustentação e manutenção da

condição humana. A simples existência do Ser já deveria pressupor esse direito irredutível.

Porém, por constatação empírica e por critérios e cautelas eleitos como necessários para

o equilíbrio da dinâmica das diferenças que, paradoxalmente, existem para realçar o princípio

da igualdade, surgem freios admitidos como satisfatórios para a compensação da correta

utilização do Poder Jurisdicional, dentre os quais, as garantias dos magistrados e as vedações

que lhe são impostas.

O subsídio do juiz, outrora denominado vencimentos, é a fonte e a receita para a sua

sustentação material. Manter íntegra essa fonte, que é a única disponível para a satisfação de

suas necessidades, além da que lhe é facultada pelo exercício do magistério, quase sempre

impossível em virtude do limitado tempo para outras atividades que não as jurisdicionais, é

mister inarredável.

Em passado não muito distante, a magistratura não reunia grandes atrativos, salvo o

idealismo que acompanhava alguns de seus membros. Hoje, a Constituição Federal, no Art.

37, inciso XI, elegeu o subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal como o

limite máximo da remuneração de todos os ocupantes de cargos, funções e empregos públicos

da administração direta, autárquica e fundacional; dos membros de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; dos detentores de mandatos eletivos

e dos demais agentes políticos e dos proventos, pensões ou outra espécie remuneratória,

percebidas cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza.

Nesse teto remuneratório deve se adequar toda a contraprestação pelo exercício da

função, do cargo ou do emprego público, ativo ou inativo, respeitando ainda os limites

internos ou subtetos de alguns representantes de cada ente ou órgão público (prefeitos,

governadores, deputados e desembargadores).

Além da elevação à condição de paradigma remuneratório do serviço público, a

magistratura também teve seus subsídios protegidos da corrosão do poder real da moeda,

provocada pelos mecanismos inflacionários, garantindo com isso a efetiva irredutibilidade a

que se refere o Art. 95, inciso III, da Constituição Federal, quando a mesma Carta previu, no

inciso X, do Art. 37, a revisão anual dos subsídios.

Page 154: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

152

O escalonamento da remuneração de todos os membros do Poder Judiciário, nos seus

diversos graus, instâncias e competências, também recebeu a atenção especial do legislador

constitucional federal, quando assegurou, no inciso XI, do Art. 37, e no inciso V, do Art. 93,

diferenças e percentuais mínimos e máximos de 5% e 10%, respectivamente, entre o

paradigma remuneratório do Supremo Tribunal Federal e o subsídio dos membros dos demais

tribunais e juízes de Primeiro Grau. Toda essa preocupação demonstra a intenção do

constituinte com o respeito à independência da função jurisdicional.

Entre os projetos atualmente em tramitação no Congresso Nacional, visando à alteração

da base remuneratória dos magistrados, está a Proposta de Emenda Constitucional (P.E.C. n.º

210/07), que sugere a alteração dos Arts. 95 e 128 da Constituição Federal, para restabelecer o

adicional por tempo de serviço como componente da remuneração das carreiras da

Magistratura e do Ministério Público.

Na justificativa do projeto de lei foi exposto que o modelo remuneratório desenhado

desde as Emendas Constitucionais n.º 19 e 20/98, criando subsídios em parcela única, gerou

descompasso com a realidade dessas carreiras, que são longas, e sua valorização passava,

historicamente, pela diferenciação de remuneração de acordo com o tempo a elas dedicado

pelo juiz ou pelo membro do Ministério Público.

Em verdade, a experiência adquirida não pode ser igualmente reconhecida entre os

magistrados recém-ingressos na carreira ou no serviço público e aqueles que já foram testados

pelo percurso temporal. Atuaria o adicional por tempo de serviço como um reconhecimento

pela experiência profissional adquirida pelo agente público, possibilitando que sejam

diferenciados, pelo tempo de serviço, os ocupantes de mesmo cargo ou mesmo nível na

carreira, sendo recurso técnico de motivação com repercussão na qualidade e na eficiência do

exercício funcional.

Esse adicional seria calculado à razão de 1% por ano de serviço, limitado a 35% ao

longo da carreira. No serviço público esse adicional existia desde 1827 e na magistratura, pela

Lei n.º 21/1947, já se possibilitava o pagamento desse acréscimo. Atualmente, esse projeto de

lei encontra-se em fase final de votação no Congresso Nacional.92

92 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB. O adicional por tempo de serviço na magistratura nacional. Disponível em:<http://www.amb.com.br/portal/docs/noticias/2008/ATS_estudos.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2008.

Page 155: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

153

Outra parcela remuneratória importante para a democratização interna dos integrantes

do Poder Judiciário é a criação de um adicional de qualificação por aperfeiçoamento

intelectual do magistrado ao longo de sua carreira.

Ingressando na magistratura mediante concurso público de provas e títulos, além do

acesso aos tribunais pelos critérios já analisados, o magistrado não é mais obrigado ao próprio

aperfeiçoamento, salvo por vaidade pessoal, intelectual ou para obtenção de critérios

promocionais para ascensão na carreira. Ocorre, no entanto, que esses critérios não são

uniformes e o seu peso é relativo, remanescendo como padrão objetivo apenas a fórmula da

antiguidade, que a todos atinge, para os juízes de carreira.

Se a qualidade da prestação jurisdicional está intimamente ligada a diversos fatores,

dentre eles o nível intelectual do magistrado, não é razoável que um juiz que emprega o seu

próprio esforço, além de seus recursos financeiros, para alcançar o aperfeiçoamento funcional,

adquirindo graus de especialização, mestrado e doutorado, perceba remuneração idêntica

àquele que se acomoda com a graduação universitária, esquecida no período remoto de sua

formação.

Para os servidores dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, essa diferenciação

remuneratória já é praticada, restando apenas a sua extensão aos magistrados, alterando-se a

Constituição Federal para permitir esse adicional, independente do limite atribuído para o

subsídio da Magistratura.

Enfim, não só é importante a manutenção das garantias constitucionais remuneratórias

mínimas para assegurar a independência da função judiciária como também o é a distinção do

esforço pessoal e da consagração temporal no exercício da jurisdição, para que se alcance a

democratização interna dos mecanismos de reconhecimento e legitimidade nesse Poder.

4.2.3 Eleições internas no Poder Judiciário

A constatação de que a teoria e a práxis democráticas de recrutamento dos juízes no

direito comparado e no Brasil mostraram ser a técnica eletiva, adotada como manifestação da

soberania popular, uma prática excepcional,93 não implica a defesa do mesmo modelo para os

processos de escolhas internas na estrutura orgânica do Poder Judiciário, em relação às

funções de representação tecnoburocráticas. 93 Alguns estados dos Estados Unidos e alguns cantões suíços ainda elegem juízes estaduais e cantonais pelo voto popular.

Page 156: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

154

Rocha assinala que “a independência do Judiciário, enquanto organização, pode ser

analisada a partir de dois ângulos: a) Como independência política; e b) Como independência

administrativa”.94 A independência administrativa, prossegue Rocha,

também chamada de autogoverno da magistratura, consiste na aptidão do Judiciário de gerenciar com autonomia os elementos pessoais e os meios materiais e financeiros imprescindíveis ao exercício da função jurisdicional.

No Brasil, o governo do Judiciário é exercido pelos tribunais de maneira autocrática, o que contradiz o princípio democrático inscrito entre os princípios fundamentais da Constituição e o derivado seja da definição do Estado brasileiro como democrático, seja da radicação popular do poder político, como dito no artigo 1º e seu parágrafo único da Constituição. Há, pois, a necessidade de democratizar o exercício do poder no interior do Judiciário a significar a participação de representantes de todos os segmentos da magistratura e da sociedade em sua administração. A independência administrativa do Judiciário decorre de diversos princípios constitucionais, entre os quais cabe assinalar o art. 96, que outorga competência privativa aos tribunais para sua gestão.95

A abertura ou a ampliação desses poderes para a sociedade e para os membros da

magistratura de Primeiro Grau é clamor que já se ouve em diversos fóruns de discussões,

tanto internos (Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB; Conselho Nacional de Justiça

– CNJ; Associações Classistas), quanto externos (doutrina, mídia, corporações diversas,

outros poderes).

Rocha menciona os chamados Conselhos de Administração do Judiciário, “adotados na

Europa com excelentes resultados para a eficiência, independência e democratização da

instituição”.96

A seguir, elencam-se alguns exemplos nos quais é possível instituir ou ampliar eleições

para a democratização interna do Poder Judiciário.

4.2.3.1 Composição dos órgãos diretivos dos tribunais

Os órgãos diretivos dos tribunais (Presidência, Vice-Presidência e Corregedoria) são

estruturas de cúpula desses tribunais, com competência para matérias administrativas

pertinentes à função de autogoverno do Poder, além de concentrarem decisões sobre a

organização judiciária interna nos Estados e regiões, repercutindo no acesso ao Judiciário e na

distribuição da prestação jurisdicional.

94 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1996, p. 111. 95 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1996, p. 112. 96 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1996, p. 114.

Page 157: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

155

A eleição dos membros desses órgãos, para períodos bienais, dá-se pelo restrito

colegiado que compõe as suas estruturas plenárias, alijando desse processo todo o segmento

de juízes que formam o Primeiro Grau de jurisdição.

É pleito antigo dos magistrados de Primeiro Grau o direito de poderem eleger seus

dirigentes, respeitando a regra de mandatos e alternância nessas funções, como forma de

participarem ativamente da autogestão no Poder Judiciário.

A fórmula constitucional empregada para o recrutamento de juízes através de concursos

públicos, afastando o processo eletivo, talvez tenha sido a semente impregnadora da prática

autocrática dos mecanismos de condução das gestões internas, que caracterizam os tribunais

como órgãos de concentração máxima de poder, infensos à participação da base piramidal de

representação da função jurisdicional.

A pergunta elementar que se formula é: se os membros dos órgãos diretivos dos

tribunais decidem administrativamente sobre assuntos que atingem diretamente os juízes de

Primeiro Grau, por que estes não votam na escolha dos nomes que entendem ser os mais

adequados para a direção daqueles órgãos? Cardoso, desembargador do Tribunal de Justiça

da Bahia, afirma que:

O princípio da transparência não condiz com a submissão de toda uma instituição às conveniências deste ou daquele grupo, desta ou daquela instituição, pois a escolha através de eleição pode não ser a melhor forma, mas é a que atende à boa prática democrática.

O governo dos juízes não pode nem deve permanecer sob o regime da ‘gerontocracia’ sustentado pelo rodízio das cúpulas, no cálculo matemático e, portanto, violador da cláusula pétrea constitucional. O desembargador que assume o cargo hoje pode calcular o dia em que fará parte da diretoria do Tribunal de Justiça, independentemente de qualquer condição pessoal, administrativa ou política.97

A atipicidade do processo eleitoral para a escolha dos dirigentes dos Tribunais de

Justiça chega ao ponto de restringir até mesmo o universo de candidatos dentre os próprios

desembargadores votantes, limitando os escolhidos aos três mais antigos no tribunal, dentre os

membros do órgão especial, quando este existir.

Espera-se que, em breve, possam todos os juízes votar na escolha dos dirigentes dos

tribunais aos quais são diretamente vinculados, da mesma forma legítima como votam para

97 CARDOSO, Antônio Pessoa. Elegíveis para os Tribunais. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=814>. Acesso em: 24 maio 2008.

Page 158: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

156

síndico de seus condomínios. Atualmente, mesmo os analfabetos votam para Presidente da

República.

4.2.3.2 Composição do órgão especial dos Tribunais de Justiça

Com o advento da Emenda Constitucional n.º 45, de 8 de dezembro de 2004, que

alterou a redação do inciso XI, do Art. 92, da Constituição Federal de 1988, a composição do

órgão especial dos Tribunais de Justiça passou a ser escolhida através de práticas mais

democratizantes, reservando metade das vagas para os membros mais antigos do tribunal e a

outra metade para eleição dentre todos os membros remanescentes do Tribunal Pleno,

respeitada a regra do quinto constitucional.

Esse órgão especial é formado, nos Tribunais de Justiça com número superior a vinte e

cinco julgadores, por no mínimo onze e no máximo vinte cinco membros, para o exercício das

atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do Tribunal Pleno. O

mandato do eleito será de dois anos. 98

Pleito interno dos desembargadores que atualmente compõem o órgão especial é no

sentido de que os dirigentes do tribunal sejam escolhidos dentre todos eles, indistintamente,

ampliando a quantidade dos que podem ser eleitos, dos três mais antigos para os vinte e cinco

que integram o órgão especial, na sua composição máxima.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, por 7 (sete) votos a 4 (quatro), em apreciação

de ADIn sobre a matéria, manteve o entendimento emprestado pelo Art. 102 da Lei Orgânica

da Magistratura Nacional (LOMAN), restringindo o universo dos eleitos, ao que Cardoso99

denominou de Conselho de Anciãos.

4.2.3.3 Participação de juízes nos Conselhos da Magistratura

Outra observação sobre a democracia interna dos tribunais é a ausência de juízes de

Primeiro Grau na composição dos Conselhos da Magistratura dos Tribunais de Justiça

estaduais (L.C. n.º 35/79, e Art. 93, inciso XI, da Constituição Federal de 1988).

Se o Conselho da Magistratura é órgão de disciplina, fiscalização e orientação da

magistratura do Primeiro Grau de jurisdição, com funções predominantemente 98 Conforme Art. 5º, caput, da Resolução n.º 16/2006, do CNJ. 99 CARDOSO, Antônio Pessoa, op. cit., 2008, on line.

Page 159: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

157

administrativas, inclusive com competência sobre os juízes de paz e os servidores, além de

outras atribuições delegadas pelo Tribunal Pleno, de acordo com a Constituição Federal, a Lei

Orgânica da Magistratura Nacional, as leis de organização judiciária estaduais e os regimentos

internos dos Tribunais de Justiça, é incompreensível que juízes de Primeiro Grau e até mesmo

servidores do Poder Judiciário não integrem o referido Conselho, o qual deliberará sobre

interesses de toda a magistratura estadual e do corpo funcional administrativo.

Da mesma forma como os membros do Conselho são eleitos pelo Tribunal Pleno, sendo

cativos o Presidente, o Vice e o Corregedor, os juízes de Primeiro Grau e os servidores do

Poder Judiciário poderiam eleger representantes, que teriam direito a voto nas matérias que

lhes sejam diretamente relacionadas. Isso seria manifestação expressa da democracia interna

nesses tribunais.

4.2.3.4 Coordenação das Escolas da Magistratura

As Escolas da Magistratura também poderiam ser mais democratizadas. Seus diretores

são escolhidos pelos tribunais aos quais estão subordinadas, dentre os membros dessas Cortes

e, em regra, os coordenadores são indicados pelo diretor escolhido, recaindo as escolhas em

juízes de Primeiro Grau. Razoável seria que esses coordenadores fossem eleitos por toda a

classe dos juízes, mediante critérios pré-estabelecidos, envolvendo a formação intelectual ou a

atividade docente, considerando que serão gestores diretos do processo de formação e

aperfeiçoamento dos magistrados, máxime, após a obrigatoriedade dessa etapa no processo de

vitaliciamento dos juízes, consoante disposição do inciso IV, do Art. 93, da Constituição

Federal de 1988, com redação determinada pela Emenda Constitucional n.º 45, de 8 de

dezembro de 2004.

Ademais, não são poucos os tribunais que adotam como pontuação, para a obtenção de

critérios objetivos nas promoções por merecimento dos juízes de Primeiro Grau, a condição

de exercício dessas coordenadorias, independente do período de permanência nas funções.

Esse critério será abordado em tópico separado, porém, desde já, entremostra-se como fator

discriminatório interno na dinâmica democratizante do Poder, destoando, inclusive, da regra

da objetividade, eis que o elemento subjetivo na escolha é preponderante, não havendo

pressupostos básicos exigidos no curriculum vitae do escolhido nem direito a disputa pelos

juízes, através de processo eleitoral.

Page 160: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

158

Para revestir o processo de gestão dessas escolas com alguma roupagem

democratizante, algumas delas criaram subcoordenadores para temas específicos, facultando

aos juízes de Primeiro Grau o direito de escolha de seus representantes pela via eletiva,

porém, com funções estritamente simbólicas ou consultivas, sem qualquer poder decisório.

4.2.3.5 Comissões internas setoriais nos tribunais

Outra ausência do direito democrático de participação ampla na gestão administrativa

tem sido observada na composição dos órgãos setoriais e das comissões internas dos tribunais.

Comissões de adoção estadual ou internacional, de jurisprudência e doutrina, de controle da

atividade notarial, de coordenação das diversas unidades de competências jurisdicionais

específicas, de programas e projetos de gestão, de licitação, enfim, de setores os mais diversos

que administram e propõem normas internas, não contam com a presença de juízes e

servidores do Poder ou, quando muito, têm em sua composição alguns desses membros,

porém, escolhidos autocraticamente, sem a participação eletiva de suas classes.

Mesmo que o processo decisório fique restrito aos órgãos de cúpula, por praxe ou

exercício regular das competências privativas, é salutar que muitos pensem e opinem sobre os

seus destinos e os daqueles que representam, pois serão diretamente atingidos com as decisões

da máquina tecnoburocrática do Poder.

4.2.3.6 Composição das bancas examinadoras em concursos públicos para servidores do Poder Judiciário e juízes

Atendem também ao princípio da democracia, legitimante do exercício das funções

jurisdicionais e administrativas do Poder Judiciário, a transparência e a participação coletiva

da sociedade nos concursos públicos para ingresso nas carreiras judiciárias, tanto da

magistratura quanto dos que integram as funções tecnoburocráticas administrativas.

Para o recrutamento de juízes, a Constituição Federal previu, no Art. 93, inciso I, a

participação da Ordem dos Advogados do Brasil, em todas as fases do concurso. Se não há

participação ampla da sociedade, há pelo menos a certeza de que o constituinte inseriu

segmento importante da população no processo de seleção dos representantes do Poder

Judiciário. Salutar seria que também houvesse a obrigatoriedade da presença dos membros do

Ministério Público, como fiscal da lei e em defesa dos interesses sociais, completando o tripé

participativo do sistema democrático de acesso aos tribunais.

Page 161: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

159

O que se propõe é que haja a participação de juízes de Primeiro Grau nas bancas

examinadoras, juntamente com a participação de juízes de Segundo Grau, porém, escolhidos

por seleção ampla, na qual todos os magistrados possam votar nos nomes mais aptos para a

composição desse grupo. Essa oportunidade é de suma importância no processo de

legitimação democrática da escolha dos membros do Poder Judiciário reservado pela

Constituição Federal, considerando que em toda a sua carreira o juiz se submeterá apenas ao

concurso de ingresso, ficando a sua progressão funcional regida, doravante, por regras

internas, nos termos da atual moldura constitucional. Amplia-se, assim, o processo decisório

interno, já limitado pela própria Carta Federal.

A preocupação se torna mais evidente, quando se tem notícias de concursos anulados ou

de reprovável fiscalização na seleção e aferição dos critérios do recrutamento.

Se já há críticas quanto ao limitado universo daqueles que são aptos a se candidatarem,

com supressão das classes mais desfavorecidas, porque não têm acesso ao ensino de qualidade

e também porque a representação funcional é privativa de bacharéis em direito, o risco de se

formar e se perpetuar grupos isolados de poder seria mais controlado.

Frise-se que concursos que se descuidem desse controle podem proporcionar danos

irreversíveis e duradouros na estrutura orgânica do Poder, considerando a vitaliciedade dos

cargos, o prolongado exercício das funções, a reduzida idade e o nível intelectual dos

aprovados, além da suspeita que rondará sobre a independência desses juízes. Gerações

futuras de concursados, oriundas de outros certames, serão alijadas pela ocupação antecipada

dos cargos mais elevados da carreira e pela impressão negativa e coletiva da sociedade,

despertando dúvidas sobre a legitimação desse Poder.

Em relação aos servidores, os concursos deveriam seguir os mesmos critérios

fiscalizatórios, com representantes dos cargos já ocupados, para os quais se recrutam novos

ocupantes.

4.2.3.7 Seleção de magistrados para cursos de pós-graduação e congressos

A designação de magistrados para realizarem cursos diversos, inclusive de pós-

graduação, e participarem de congressos e assemelhados, é outro aspecto do poder interno que

deve e pode ser democratizado. Os beneficiados com essas designações são afastados das

funções jurisdicionais, recebem vencimentos como se estivessem trabalhando, concorrem

Page 162: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

160

normalmente nas promoções da carreira, sendo até beneficiados com a titulação alcançada e

ainda desfrutam da possibilidade de interação social e funcional com outros universos da

magistratura. Enfim, acrescem ao seu patrimônio imaterial valores que os diferenciarão ao

longo de suas vidas.

Razoável seria que se formulassem critérios com atendimento ao pleito geral dos

membros da carreira, valorizando a antiguidade na magistratura; a condição de vitaliciedade;

o posicionamento na estrutura funcional; a aptidão do magistrado; os prazos máximos de

afastamento das funções; o merecimento do candidato; o tempo restante para a aposentadoria

compulsória; a obrigatoriedade mínima de continuidade na função, mediante sanções

ressarcitórias de custos; a alternância dos escolhidos, por nível de entrâncias e graus; o

interesse público na temática escolhida; o custeio integral ou parcial das despesas e ajudas de

custo; o local onde se dará a formação postulada; o aproveitamento posterior em prol dos

demais juízes, através da formação de multiplicadores do conhecimento obtido, dentre outras

sugestões.

Em suma, se o processo eletivo não é o modelo adotado pela Constituição para o

recrutamento dos juízes, que o seja ampliando-se inclusive as experiências já existentes na

formação do status quo interno do Poder Judiciário, facultando oportunidades reais e efetivas

a todos os seus membros, inclusive aos servidores.

A abertura democratizante e a mobilidade indiscriminada na estrutura orgânica do

Judiciário são elementos adicionais à legitimação do Poder.

4.2.4 Escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores

A forma de escolha dos membros dos Tribunais Superiores e do Supremo Tribunal

Federal tem sido objeto de críticas e sugestões, visando à maior democratização dessa

dinâmica.

Consoante a Constituição Federal, os representantes dos três Poderes da República

participam do processo de escolha desses magistrados, chamados de Ministros, salvo em

Page 163: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

161

relação ao Supremo Tribunal Federal,100 quando somente o Poder Executivo e o Poder

Legislativo intervêm nos resultados.

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores são nomeados

pelo Presidente da República. O constituinte federal, talvez por omissão ou deliberada

intenção, evitou mencionar o termo indicação, quando se referiu aos membros do Supremo

Tribunal Federal. Ao utilizar a expressão “escolhidos”, no art. 101 da Constituição Federal,

fê-lo como a sugerir que haveria uma lista de nomes formada por alguma outra instituição

para a escolha derradeira do Presidente da República, o que não ocorre dessa forma

compartilhada, pelo menos em relação ao Supremo Tribunal Federal.

Para esse Tribunal, a Constituição não prevê lista tríplice ou consulta aos membros do

próprio órgão. O Presidente da República é a autoridade quase que absolutamente soberana

para a escolha desses Ministros.

A participação do Poder Legislativo nesse processo, assim como nas escolhas dos

Ministros dos Tribunais Superiores, limita-se à aprovação, pela maioria absoluta do Senado

Federal, dos nomes escolhidos, no caso do Supremo Tribunal Federal, e dos indicados e

escolhidos, na hipótese dos Tribunais Superiores.

Não se tem notícia de desaprovações pelo Senado dos nomes indicados e escolhidos,

por diversas razões, dentre elas, arrisca-se: a praxe de submissão e de “respeito” ao Poder

Executivo; os indicados são nomes acima de qualquer dúvida; o governo e sua base de

sustentação obtêm a maioria absoluta em votações dessas matérias; temor reverencial ou,

simplesmente, limitada percepção política de que os assuntos do Poder Judiciário são

resolvidos pelos acordos de lideranças partidárias em troca de votações mais expressivas no

plano econômico. Ao final, e sempre, prevalece a vontade do Poder Executivo, hipertrofiado.

100 Constituição Federal (1988): “Art. 101 – [...] Parágrafo único – Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”.

Page 164: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

162

No Superior Tribunal de Justiça101 e no Tribunal Superior do Trabalho102 já há uma

maior derivação do poder reservado ao Chefe do Executivo nacional para a escolha dos

membros daquelas Cortes, embora esse compartilhamento se dê ainda dentro da estrutura

orgânica desses tribunais, num sistema de indicação através de listas tríplices, para os

membros da magistratura de carreira, ou sêxtuplas, para os candidatos pertencentes ao quinto

constitucional. Nesta última hipótese, a Constituição previu a redução das listas para o critério

da triplicidade, antes de submetê-las ao Poder Executivo.

A limitação imposta pelo constituinte aos membros que já ocupam os Tribunais

Inferiores (estaduais, regionais ou federais), no caso dos egressos da carreira da Magistratura,

afasta o grande contingente de juízes do Primeiro Grau, condicionando todo o processo de

escolha à estrutura sistêmica de formação desse Poder, caracterizada pela verticalização

interna, com pressupostos que identificam a sua matriz tecnoburocrática aos contornos

assemelhados aos padrões napoleônicos legados pelo modelo francês, que influenciou a

organização judiciária brasileira.

Por esse padrão, a independência do magistrado que aspira à ascensão funcional na

última instância da carreira transmigra do polo individual para o coletivo, o colegiado, o

consensual. Essa dinâmica, em parte, tem seus méritos. É assim, por exemplo, que delibera o

Poder Legislativo. Porém, há sempre o risco de que a força do colegiado,103 conservadora,

porque duradoura, pela própria lógica daquilo que permanece, imponha a moldura na qual

devam as variantes da independência jurisdicional se enquadrar.

101 Diz a Constituição Federal (1988): “Art. 104 – O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três ministros. Parágrafo único – Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: I – um terço dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal; II – um terço, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do Art. 94”. 102 Constituição Federal (1988): “Art. 111-A – O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete Ministros, escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: I- um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no Art. 94; II- os demais dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriundos da magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior”. 103 “O parlamento vem a ser precisamente o lugar em que são expostos argumentos contraditórios, em que se processa a persuasão de uns, a reconsideração de outros e a deliberação que, afinal, raramente corresponde imaculadamente a alguma das opiniões originárias”. SANTOS, Wanderley Guilherme dos, op. cit., 2007, p. 8.

Page 165: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

163

Resta a composição minoritária formada pela antiguidade na carreira, mas esta é de

curta duração, porque alcança os magistrados já com idade avançada, sobrando-lhes pouco

tempo até a aposentadoria para galgar os degraus finais do exercício funcional, logo sendo

substituídos pelos que são escolhidos pela via do merecimento, na alternância constitucional,

em regra, mais novos. Se ainda assim esses magistrados chegarem aos Tribunais Inferiores

por meio da antiguidade, o controle subsequente poderá vetá-los na formação da lista tríplice

para a escolha dos membros dos Tribunais Superiores, uma vez que exercido por estes

mesmos tribunais.

Esse controle tem sido exercido, atualmente, também, pelas cúpulas dos Tribunais

Superiores e Inferiores, quando consolidam as listas dos nomes que ocuparão as vagas

destinadas ao quinto constitucional, como ocorreu recentemente com as indicações

apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para preencher cargo de Ministro

reservado a advogados, no Superior Tribunal de Justiça,104 e de desembargador, no Tribunal

de Justiça de São Paulo,105 inclusive, com repercussão na ordem de antiguidade interna nesses

tribunais, uma vez que no exemplo do Superior Tribunal de Justiça, enquanto tramita o

recurso interposto pela OAB contra essa decisão, outras nomeações em vagas abertas

posteriormente foram perfectibilizadas, sob o argumento de que “O Superior Tribunal de

Justiça é um tribunal estratégico, um verdadeiro tribunal da cidadania, atualmente

assoberbado de recursos e que certamente terá dificuldades de funcionamento com a carência

de tão considerável número de ministros”.106

104 Decisão majoritária do S.T.J., de 12.02.2008, fundamentada no descumprimento do estabelecido no Art. 26, parágrafo 5º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, porque nenhum dos indicados pela OAB alcançou a maioria absoluta dos votos dos Ministros do Tribunal, nos três escrutínios realizados. O Supremo Tribunal Federal indeferiu liminar requerida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no Mandado de Segurança n.º 27.310, decisão da Min. Ellen Grace, impetrado contra possível ato do Presidente da República de indicar membros do Ministério Público e da Magistratura para preenchimento de cargos de Ministros do Superior Tribunal de Justiça. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=86433> e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=88890>. Acesso em: 5 jun. 2008. 105 O Supremo Tribunal Federal manteve, em 10.04.2008, decisão unânime do Tribunal de Justiça de São Paulo, que devolveu para a seccional de São Paulo, da Ordem dos Advogados do Brasil, lista com nomes de seis advogados para concorrer à vaga do quinto constitucional, sob o argumento de que não estariam preenchidos os requisitos constitucionais do Art. 94 (C.F./88), quanto a dois advogados indicados pela entidade. Um responderia a processo criminal e outro não possuiria notável saber jurídico por ter sido reprovado em cerca de 10 concursos para a magistratura. ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/index.asp?/secao=mostranoticia&mat_id=12972>. Acesso em: 5 jun. 2008. 106 ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. OAB. Negada liminar em ação da OAB sobre preenchimento de vaga de ministro do STJ destinada a advogado. Comissão Nacional de Apoio aos Advogados em Início de Carreira (CNAAI). Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticaDetalhada.asp?idConteudo=88890>. Acesso em: 5 jun. 2008.

Page 166: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

164

No Tribunal Superior Eleitoral, os Ministros são escolhidos por nomeação do Presidente

da República, após indicações pelo Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça,

conforme a origem funcional dos nomeados. É o que dispõe o Art. 119 da Constituição

Federal.107

O poder do Presidente da República nessas nomeações é secundário, vez que são os

próprios membros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que

indicam os nomes dos Ministros já em exercício nessas Cortes para compor aquele tribunal

eleitoral, assim como os dos advogados, sem participação da Ordem dos Advogados do Brasil

nessa escolha.

Daí o questionamento sobre a legitimação democrática para a escolha dos membros do

Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Aparentemente, o Presidente da República apenas chancela um dos seis nomes

indicados pelos tribunais mencionados para as vagas reservadas a advogados no Tribunal

Superior Eleitoral, porém, na gênese do processo, já houve a escolha, antecipadamente, pelo

Chefe do Poder Executivo nacional, dos membros do Supremo Tribunal Federal e do Superior

Tribunal de Justiça. Dá-se, assim, uma espécie de autopoiese do Poder.

Ademais, em todos os tribunais da nação há, em sua composição, um membro egresso

do Ministério Público, o que não ocorre no Tribunal Superior Eleitoral. E, diga-se, por

oportuno, no Tribunal Superior Eleitoral são decididas questões vitais para o desenvolvimento

do processo democrático, atingindo diretamente a representatividade popular no direito ao

voto, à participação política, à partidarização e às suas alianças consensuais, à substituição

extraordinária de representantes eleitos, dentre outros.

Não há, sequer, a aprovação dos nomes dos advogados escolhidos pelo Senado Federal,

como nos demais Tribunais Superiores. É um processo tipicamente autocrático, em

descompasso com a ideia central da democracia.

107 Constituição Federal (1988): “Art. 119 – O Tribunal Superior Eleitoral compor-se-á, no mínimo, de sete membros, escolhidos: I- mediante eleição, pelo voto secreto: a) três juízes dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal; b) dois juízes dentre os Ministros do Superior Tribunal de Justiça; III- por nomeação do Presidente da República, dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal”.

Page 167: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

165

No Superior Tribunal Militar a escolha dos seus Ministros não é, como nos demais,

diferente,108 a começar pela desigualdade representativa entre as três Forças Armadas que

indicam membros para a composição reservada a militares. O Exército é representado por

quatro oficiais-generais, enquanto a Marinha e a Aeronáutica indicam apenas três, cada uma.

Parece haver nesse critério um componente histórico inalterável no status institucional

das Forças Armadas, vez que a força efetiva na guerra se dava nos campos de batalha, nas

lutas corporais, nos enfrentamentos diretos. Daí porque, em todas as nações, o contingente

humano e instrumental das forças do Exército sempre sobressaiu sobre as demais.

Esquece-se, porém, que não fossem as Reais Esquadras inglesas, francesas e

espanholas, em passado ainda recente, muitos impérios não teriam se consolidado,

principalmente devido ao deslocamento de tropas na saga colonialista da era imperialista.

Atualmente, não é menor a força do Poder Naval. Temem-se mais os grandes submarinos

atômicos, os super porta-aviões, capazes de deslocar combatentes e material bélico das outras

Forças Armadas, enfim, a própria máquina de guerra, do que qualquer outro aparato.

A Aeronáutica, a mais nova entre as forças de combate, não é menos importante para a

defesa da nação. Desde a Segunda Grande Guerra Mundial, a aviação impôs-se como poderio

bélico. Em Hiroshima, Nagasaki, Dresden e em todos os últimos campos de guerra modernos,

a força aeronáutica foi decisiva para os propósitos a que se lançaram. Sua potencialidade de

ataque e defesa talvez seja a mais contundente.

Forçoso concluir, então, que a desigualdade da composição numérica nesse Tribunal

Militar esteja relacionada ao número de militares ativos em cada uma dessas forças,

sobressaindo-se majoritariamente o Exército, seguido da Marinha e da Aeronáutica e,

consequentemente, vinculando a origem das infrações militares a serem julgadas. É um

critério assimétrico, porém, justificável, ante a realidade fática.

Quanto à paridade representativa entre advogados e membros do Ministério Público há,

no entanto, inexplicável diferenciação. Enquanto nesse tribunal têm assento três advogados

108 Constituição Federal (1988): “Art. 123 – O Supremo Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira e cinco dentre civis. Parágrafo único – Os Ministros civis são escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo: I- três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional; II- dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar”.

Page 168: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

166

dentre os civis, há apenas um procurador militar na composição daquela Corte. Portanto, no

Superior Tribunal Militar, não foi respeitada a paridade adotada nos demais Tribunais

Superiores e Inferiores. Juiz militar de carreira, concursado, também só há um, escolhido

dentre os juízes auditores militares. Mesmo quanto aos advogados, a Constituição Federal não

vincula a escolha a uma lista organizada pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Criada no Brasil em 1808, somente com a Constituição de 1934 a Justiça Militar passou

a integrar os órgãos do Poder Judiciário da União, sendo considerada a mais antiga dentre as

demais Cortes de Justiça brasileiras.

Criticados por muitos como corporativistas, em face da especificidade do direito militar,

Dallari entende que

é comum que esses tribunais façam parte do aparato mantido para garantir a impunidade de militares e de seus associados quando praticarem atos definidos em lei como crimes. É igualmente grave, e, além disso, contraditória, a manutenção desses tribunais, inseridos no Poder Judiciário, em sistemas formalmente democráticos.109

Nesse aspecto, não se entende razoável a crítica de Dallari, a não ser que se possa

estendê-la também à suposição da existência de uma Justiça do Trabalho com características

corporativas, relacionadas às relações de empregos celetistas, majoritariamente da iniciativa

privada, vez que “a apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus

servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-

administrativo”,110 foi subtraída provisoriamente da competência da Justiça do Trabalho,

mesmo após a nova redação que a Emenda Constitucional n.º 45 imprimiu ao Art. 114 da

Constituição Federal.

A ideia de uma organização judiciária focada em um órgão julgador único, no plano

estadual e federal, para as diversas competências infraconstitucionais, no Primeiro Grau de

jurisdição, é costumeiramente defendida nos meios jurídicos, porém, não há estudos

sustentáveis que demonstrem a maior eficiência, o menor custo, a maior celeridade

prestacional e uma maior elasticidade democrática em razão disso.

Ao contrário, essa segmentação horizontalizada da distribuição de competências

específicas contribui para distribuir melhor o fluxo de poder no âmbito do próprio Judiciário, 109 DALLARI, Dalmo de Abreu, op. cit., 2007, p. 136. 110 Cf. Liminar concedida pelo S.T.F., com efeito ex tunc, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.395, de 27 de janeiro de 2005, que concedeu interpretação conforme, ao inciso I, do Art. 114, da Constituição Federal de 1988.

Page 169: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

167

evitando o aparecimento de macrodecisões para questões que requerem conhecimentos

superespecializados.

Uma observação adicional que se faz em relação ao Superior Tribunal Militar é que não

há, na composição do Conselho Nacional de Justiça, um só representante desse tribunal,

embora todos os outros órgãos do Poder Judiciário tenham sido contemplados e também se

imponham, à Justiça Militar, as decisões daquele Conselho.111

Nesse momento, tramita projeto de Emenda Constitucional112 no Congresso Nacional,

de autoria do deputado Silvinho Peccioli, do Partido Democratas, da representação paulista,

que propõe nova redação aos Arts. 94, 101, 104, 107, 119, 120 e 123 da Constituição Federal,

para alterar a forma e os requisitos pessoais de investidura de membros do Poder Judiciário.

O Supremo Tribunal Federal seria formado por cidadãos com mais de quarenta e cinco e

menos de sessenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados em

lista tríplice elaborada pelo próprio tribunal, com posterior nomeação pelo Presidente da

República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo

cinco membros oriundos da Magistratura, com mais de vinte anos de exercício; quatro, em

partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do

Distrito Federal e Territórios, obedecido o disposto no Art. 94 da Constituição Federal, e dois

oriundos do Congresso Nacional, com formação jurídica.

Com isso, o poder do Presidente da República para a escolha e nomeação desses

ministros ficaria limitado aos nomes constantes de uma lista tríplice, o que hoje não ocorre. A

composição desse tribunal ficaria também mais democrática, eis que passaria a ser formada

por juízes de carreira, de qualquer grau de jurisdição e tipo de competência; advogados;

membros do Ministério Público de qualquer instância e atribuição; e por cidadãos oriundos do

Congresso, exprimindo a representação do Poder Legislativo. Nesta última hipótese, melhor

redação deveria exigir que o escolhido fosse membro do Congresso Nacional,

prioritariamente, condicionando com isso a possibilidade de que um(a) Deputado(a) Federal

ou um(a) Senador(a) também integrasse o Supremo Tribunal Federal, o que seria mais do que

legítimo, eis que eleito pelo voto popular. Em último caso, inexistente algum pretendente, o

111 Entendimento semelhante foi esboçado pelo ex-presidente do S.T.M., Ministro-General Max Hoertel. ASSOCIAÇÃO MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB. Informativo da Associação dos Magistrados Brasileiros, Edição Especial, jul. 2006, p. 1. 112 BRASIL. Câmara Federal. Proposta de Emenda à Constituição Federal nº 128/2007. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/536971.pdf>. Acesso em: 31 dez 2008.

Page 170: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

168

Congresso Nacional, reunido em sua composição plenária, escolheria os nomes, de seu

próprio quadro funcional, ou do universo acadêmico, desde que não sejam, em tal situação,

magistrados ou membros do Ministério Público, ativos ou aposentados.

Outro ponto polêmico da Proposta de Emenda Constitucional reside na alteração da

forma de composição do Superior Tribunal de Justiça.

Com a proposta, pretende-se excluir o terço da representação da Magistratura estadual,

mantendo-se os representantes da Magistratura federal, reservando a estes o contingente de

dois terços das vagas do tribunal e abrindo a possibilidade de concorrência não só para

desembargadores dos Tribunais Regionais Federais, mas também para os juízes do Primeiro

Grau da jurisdição federal. A um só tempo os magistrados federais de Segundo Grau se

autodenominaram de desembargadores federais, o que não previu a Constituição Federal, pela

simples leitura dos demais artigos do Capítulo reservado ao Poder Judiciário; excluíram o

Poder Judiciário estadual e incluíram a Magistratura de Primeiro Grau federal.

Para não ser de todo casuística a proposta, salva-se, em favor da democracia interna do

Poder Judiciário, a inclusão dos juízes federais de Primeiro Grau no universo dos

pretendentes, o que é positivo no processo de ampliação da legitimação do poder.

A Associação dos Magistrados Brasileiros já interveio solicitando modificações ao

projeto, no sentido da manutenção da participação da Magistratura estadual; na exclusão do

quinto constitucional e para que a indicação dos candidatos se dê com a estrita observância à

origem da carreira, da forma que é adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho (Art. 111-A,

inciso II, Constituição Federal).113

As outras modificações propostas por esse Projeto de Emenda Constitucional dizem

respeito à criação de bancas examinadoras para a formação das listas sêxtuplas e tríplices no

processo de escolha dos membros para o preenchimento das vagas reservadas ao quinto

constitucional, nos Tribunais Regionais Federais, Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e

Territórios, banca esta composta por membros da classe que disputa a vaga e por magistrados

do tribunal destinatário. Os Tribunais Regionais do Trabalho foram excluídos desse processo.

113 A Associação dos Magistrados Brasileiros ingressou no S.T.F. com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n.º 4.078) contra a Lei n.º 7.746/89, que dispõe sobre a forma de composição do Superior Tribunal de Justiça, pedindo que o Supremo declare inconstitucional o Artigo 1º, inciso I, da aludida lei, conferindo a esse texto normativo interpretação conforme a Constituição, para o fim de limitar o acesso às vagas do STJ a serem preenchidas por juiz ou desembargador aos magistrados de carreira. O relator é o Ministro Eros Grau.

Page 171: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

169

Completa-se a proposição da PEC n.º 128/2007, mencionando a obrigatoriedade de

participação da OAB na escolha dos membros oriundos da classe de advogados, na

composição do Tribunal Superior Eleitoral, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Superior

Tribunal Militar, o que até então é inexistente.

Enfim, essa abertura que se propõe ao processo de escolha dos Ministros dos Tribunais

Superiores e do Supremo Tribunal Federal acompanha a lógica do regime democrático, na

qual o povo, diretamente ou através de seus representantes políticos, eleitos ou aceitos como

expressão de grupos classistas identificados com a matéria jurídica ou com a fiscalização da

aplicação do conjunto normativo, pode expressar a sua soberania. Espera-se, em todas as

propostas que surjam, que a Magistratura de Primeiro Grau também possa integrar o rol dos

aptos a serem escolhidos, até porque em maior número na carreira.

4.2.5 Mandatos para os membros dos tribunais

Nos itens anteriores já se iniciou a abordagem da ideia de mandatos ou exercício

provisório das funções jurisdicionais no Segundo Grau de Jurisdição, tanto nos Tribunais

Inferiores como nos Superiores e no Supremo. A proposta sobre a mitigação das garantias da

inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios precede ao desenvolvimento deste tópico.

Imagine-se, como início de raciocínio, Tribunais de Justiça cuja composição é formada por

percentuais mínimos em relação à totalidade dos membros da Magistratura de Primeiro Grau,

como são os limites estatísticos nessas Cortes.114

Admita-se, agora, que a média etária dos magistrados ao ingressarem na Magistratura é

de 33,4 anos,115 embora, com o fenômeno da juvenilização, muitos juízes aprovados nos

últimos concursos públicos tenham iniciado a carreira com idade entre 24 e 27 anos, fato

constatado em muitos tribunais.

Partindo da premissa de que um magistrado percorre todas as entrâncias de sua carreira

em cerca de vinte anos, aproximadamente, e acrescendo-se esse período à média das idades de

114 ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MAGISTRADOS - APAMAGIS. A magistratura estadual comum de São Paulo é composta por 2.034 cargos de juiz de Primeiro Grau e 360 de Segundo Grau [mensagem pessoal]. E-mail recebido de: <[email protected].>. Acesso em: 8 jul. 2008. 115 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB. Pesquisa AMB 2006: a palavra está com você. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MAGISTRADOS, XIX. Desenvolvimento: uma questão de justiça. p. 15-18 nov. 2006, Curitiba/PR, p. 9. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/pesquisa2006.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2008.

Page 172: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

170

ingresso na Magistratura, presume-se que o juiz integrará os Tribunais Inferiores com idade

próxima dos 53,4 anos. Essa é uma realidade incontestável, já na atualidade.

Como a idade compulsória para a aposentadoria no serviço público é de 70 anos,

conclui-se que o juiz de Primeiro Grau quando tem acesso ao Segundo Grau, lá permanecerá,

em média, por 17 anos, aproximadamente.

Essa introdução ao tema se faz necessária para que se possa defender a tese da

estipulação de mandatos para todos os juízes que integrarem os tribunais de qualquer

instância. Da mesma forma como se defendeu a ideia de que não é razoável que juízes

permaneçam por longos anos exercendo a jurisdição numa mesma unidade jurisdicional, em

razão da dimensão de seu poder, de seus erros, de seus acertos e da necessidade de revisar a

jurisprudência local, possibilitando que outros magistrados possam interagir com as mais

diversas culturas, renovando e democratizando a prestação jurisdicional, também é necessário

que a permanência de magistrados nos tribunais seja limitada, pelos mesmos motivos.

Ademais, os tribunais têm ampla responsabilidade no aparelho judiciário, sendo

incumbidos não só das competências originárias, mas também das recursais, exercendo o

juízo de reforma ou confirmação das decisões de Primeiro Grau, podendo, com isso, firmar

temporariamente a jurisprudência e editar súmulas que haverão de repercutir nos julgamentos

já realizados pela instância inferior.

No plano do autogoverno do Poder Judiciário, as decisões de natureza administrativo-

disciplinar também atingem todos os magistrados do Primeiro Grau, sem que haja

oportunidade para o consenso coletivo da categoria.

Estudo elaborado pela Associação dos Magistrados Brasileiros aponta como motivos

para a limitação do período de permanência dos magistrados nos tribunais e a adoção de

mandatos para os membros dessas Cortes, os seguintes: a imprescindível renovação dos

quadros das cúpulas dos tribunais, favorecendo a criação e a renovação da jurisprudência; a

modernização das práticas gerenciais; a alternância no poder; o desgaste da estagnação; e o

desestímulo dos demais juízes pela ausência de perspectiva de progressão na carreira,

provocando aumento do número de aposentadorias voluntárias e antecipadas, com

Page 173: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

171

repercussão no erário.116 No Direito Comparado, há o exemplo das Cortes Constitucionais,

que adotam o sistema de mandatos, conforme quadro demonstrativo abaixo:

CORTE CONSTITUCIONAL MANDATO

Corte Austríaca --

Corte Alemã 12 anos

Corte Italiana 9 anos

Conselho Francês 9 anos

Tribunal Espanhol 9 anos

Tribunal Português 6 anos

Corte Belga --

Corte Russa 12 anos

Corte Polonesa 8 anos

Corte Húngara 9 anos Quadro 2 Dados de mandatos nas Cortes Constitucionais Fonte: AMB (2008, on line)

Zaffaroni acrescenta aos dados acima a experiência de mandatos nas seguintes cúpulas

judiciárias:117

PAÍS MANDATO OBSERVAÇÕES Cuba 5 anos Supremo Tribunal

Japão 10 anos Nas cortes de apelação. Para o Supremo, vige a regra do afastamento compulsório aos 70 anos.

Equador 4 anos Supremo Tribunal Honduras 4 anos Supremo Tribunal

Costa Rica 8 anos Supremo Tribunal El Salvador 9 anos Supremo Tribunal Venezuela 9 anos Supremo Tribunal Nicarágua 6 anos Supremo Tribunal

Panamá 10 anos Supremo Tribunal Bolívia 10 anos Supremo Tribunal

Colômbia 8 anos Corte Constitucional; Suprema Corte; e Conselho de

Estado. Quadro 3 Experiência de mandatos nas cúpulas judiciárias Fonte: Zaffaroni (1995)

116 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB. O judiciário brasileiro e o direito comparado: limite de idade para a aposentadoria. Renovação necessária. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/noticias/2008/cartilha_compulsoria.pdf>. Acesso em: 14 jun. 2008. 117 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 115-116, 121-122 e 126.

Page 174: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

172

O obstáculo que pode surgir quanto à questão dos mandatos é no sentido de se definir

qual o destino que terá o magistrado, o membro do Ministério Público, o advogado ou o

militar, após o decurso do prazo para o exercício de suas funções nesses tribunais.

A equação jurídica para a recolocação dos egressos dos tribunais que já ocuparam

cargos públicos em níveis de carreira inferior não é de grande complexidade, considerando

que os seus cargos anteriores podem ser ocupados apenas provisoriamente por outros

membros auxiliares, os militares têm regras próprias que regem a reserva compulsória, e os

advogados, se profissionais autônomos, retornariam as suas bancas advocatícias e, se

ocupantes de cargos ou empregos públicos, seria assegurado o seu retorno a essas colocações.

Ademais, pela duração dos mandatos, pela idade mínima para acesso aos tribunais e

pelo tempo de serviço acumulado ou considerado como tal, situações estas combinadas entre

si, dificilmente não haveria oportunidade para a aposentadoria com vencimentos

proporcionais ou integrais, voluntária ou compulsória, após o período tribunalício.

Outro argumento que se contrapõe a essa ideia é quanto à redutibilidade vencimental do

magistrado. Para tanto, mitigada essa prerrogativa ou garantia, como já exposto, os

vencimentos ficariam condicionados ao cargo ocupado no momento do exercício funcional

atual, salvo para fins de aposentadoria, que acompanharia a regra da proporcionalidade ou

integralidade, nos termos dos interstícios legais mínimos.

As dificuldades com o manuseio de processos nos graus inferiores quando o mesmo

magistrado já atuou no grau superior, em relação ao mesmo feito, seriam resolvidas com a

declaração de impedimento naqueles outros.

Também não há por que se projetar conflitos interpessoais ou interfuncionais pela

alteração do status quo do magistrado, do membro do Ministério Público ou do advogado,

considerando que não há hierarquia entre os ocupantes desses cargos ou funções e o exercício

do Poder Público tem caráter impessoal.

Enfim, a construção da ideia de mandatos para os membros dos tribunais é mais uma

forma de democratizar internamente o Poder Judiciário, evitando que grupos e segmentos de

poder se personalizem e se perpetuem, com o consequente rompimento do mecanismo de

alternância democrática e o enfraquecimento dos sistemas de controle, de percepção da

alteridade jurisprudencial e de aplicação de novas técnicas gerenciais. A duração ideal desses

Page 175: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

173

mandatos é uma questão que se propõe. Os parâmetros do Direito Comparado aqui

colacionados são apenas referenciais de experiências estrangeiras.

Convém lembrar, no entanto, que na dinâmica democrática dos outros dois Poderes, o

maior mandato é o de Senador da República, por oito anos. Portanto, razoável que a duração

dos mandatos nos tribunais tenha o mesmo limite adotado para o Senado,118 excetuando-se no

Tribunal Superior Eleitoral, onde a duração atual dos mandatos atende bem à dinâmica da sua

competência material, e no Conselho Nacional de Justiça, que não é Tribunal, mas integra o

rol dos Órgãos do Poder Judiciário.

Zaffaroni, a despeito de defender a ampliação democrática para os legitimados a

integrarem os tribunais, incorre em aparente paradoxo, no entanto, ao afirmar que

seja como for, em quase todos os países os operadores políticos nomeiam os integrantes das cúpulas judiciárias, sem qualquer limite formal que supere os requisitos mínimos de cidadania, idade e título hábil.

Mas a submissão política das cúpulas não é apenas assegurada através das nomeações, mas, em algumas estruturas, é reforçada mediante a designação periódica, que quanto mais breve seja o período melhor garante a domesticação dos juízes.119

Não parece coerente esse raciocínio. Primeiro, porque, uma vez nomeado, o magistrado

adquire independência jurisdicional, legitimado pelo processo de escolha. Segundo, porque as

cúpulas ou os órgãos judiciários têm independência e autogoverno, constitucionalmente

assegurados, pelo menos no Brasil. Terceiro, porque é exatamente a temporariedade dos

mandatos que assegura o exercício do consenso político e a adequação da jurisprudência às

modificações constantes e emergenciais da sociedade, mais facilmente obtidas através de

colegiados renovados e juízos valorativos atualizados. Por fim, a “domesticação dos juízes” a

que se refere Zaffaroni seria mais efetiva, na hipótese da ocorrência de desvios institucionais,

se os mandatos desses magistrados fossem longos, pois haveria sempre o risco do despertar de

sentimentos atávicos e fidelizações personalizadas, criando um fosso entre a matriz do Poder

nomeante, com suas forças legitimantes, e a realidade factual das novas lideranças.

118 Constituição Federal (1988): “Art. 46 - O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário. § 1º - Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de oito anos”. 119 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, op. cit., 1995, p. 121.

Page 176: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

174

4.2.6 Idades mínima e máxima de acesso ou nomeação para os tribunais

As idades mínima e máxima para os membros dos tribunais, de qualquer competência,

também deveriam seguir um padrão idêntico, considerando a similitude de responsabilidades,

experiências e maturidade emocional, exigidas para todos eles, quer sejam juízes de tribunais

estaduais, regionais, federais, superiores ou do Supremo.

A Constituição Federal de 1988 previu diversos critérios para o ingresso como membro

desses tribunais, ora condicionando a idades mínima e máxima, ora a um período mínimo de

exercício funcional, ora aos dois critérios simultaneamente, ora a nenhum deles.

No critério etário, o mínimo admitido varia entre trinta e trinta e cinco anos e o máximo

é de sessenta e cinco anos, salvo quanto ao Conselho Nacional de Justiça, que embora não

seja tribunal, integra o conjunto dos órgãos do Poder Judiciário, tendo sido assinalado o limite

de sessenta e seis anos.

Quanto ao critério atinente ao tempo de exercício funcional, o constituinte previu a

exigência mínima de dez anos de efetiva atividade para advogados e membros do Ministério

Público. Para o Tribunal Superior Eleitoral e os Tribunais Regionais Eleitorais, a Constituição

não dispôs sobre período mínimo de exercício funcional para os advogados, mas tanto o

Tribunal Superior Eleitoral quanto o Supremo Tribunal Federal já decidiram que deve ser

cumprida a regra do Art. 94 da Constituição Federal, exigindo-se também dez anos de efetivo

exercício funcional.

Para a composição militar do Superior Tribunal Militar também não há limites mínimo

e máximo e, para a composição civil, escolhida dentre advogados, juízes auditores e membros

do Ministério Público Militar, previu-se apenas a idade mínima de trinta e cinco anos.

Em relação aos Tribunais de Justiça estaduais e distrital, a Constituição Federal

reservou aos Estados e Distrito Federal a organização de suas Justiças, observados os

princípios estabelecidos na Carta Federal. A matéria, portanto, é regulada pelas Constituições

Estaduais e pela Lei Orgânica Distrital, respectivamente. A seguir, formula-se quadro

esquemático do que está disposto na Constituição Federal, com critérios de idades mínima e

máxima, fundamento legal e outras exigências, para os que pretendem compor os tribunais e o

Conselho Nacional de Justiça.

Page 177: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

175

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

STF Supremo Tribunal Federal

11, vi ta l íc ios

Mais de 35 anos

Menos de 65 anos

Exigências: Notável saber jur íd ico e reputação i l ibada. Composição: Não há necessidade de vinculação anter ior a ó rgão judic iár io ou de classe. Processo: • Indicação do Presidente da República; • Aprovação pela maior ia abso luta do Senado; • Nomeação pe lo Presidente da República.

Art . 101

STJ Super ior Tribunal de Just iça

Mínimo de 33, vi ta l íc ios

Mais de 35 anos

Menos de 65 anos

Exigências: Notável saber jur íd ico e reputação i l ibada. Composição: I – Um terço dentre juízes dos Tribunais de Just iça, indicados em l is ta t r íp l ice elaborada pe lo próprio Tribunal . Processo:

� O STJ elabora l i s ta dentre os inscr i tos .

� O Presidente da República esco lhe um nome da l i s ta .

� O Senado aprova por maior ia abso luta .

� O Presidente da República nomeia.

I I - Um terço, em par tes

Arts . 94 e 104

Page 178: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

176

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Cont inuação STJ

iguais, dentre advogados e membros do Minis tér io Púb lico Federal , Estadual , do Dist r i to Federal e Terr i tór ios, a l ternadamente. Para o Ministér io Públ ico exige-se mais de 10 anos de carre ira . Para os advogados exige-se mais de 10 anos de e fe t iva at iv idade prof iss iona l . Processo:

� O órgão de classe (OAB e MP) elabora l is ta sêxtupla .

� O STJ reduz a l i s ta para t r íp l ice.

� O Presidente da República esco lhe um nome.

� O Senado aprova por maior ia abso luta .

� O Presidente da República nomeia.

TST Tribunal Super ior do Trabalho

27, vi ta l íc ios

Mais de 35 anos

Menos de 65 anos

Exigências: Notór io saber jur íd ico e reputação i l ibada apenas para os ind icados às vagas de juiz reservadas para advogados . Composição: I - Um quinto dentre advogados com mais de 10 anos de e fe t iva at iv idade

Art s . 94 e 111-A

Page 179: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

177

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Cont inuação TST

prof iss iona l e membros do Minis tér io Púb lico do Trabalho com mais de 10 anos de efet ivo exercício . Processo: Idêntico ao do i tem II do STJ, sa lvo quanto à redução da l i s ta , que é fe i ta pe lo TST. I I - Os demais dentre juízes dos Tribunais Regiona is do Trabalho , or iundos da Magistra tura de carre ira , indicados pelo própr io Tribunal Superior . Processo: Idêntico ao do i tem I do STJ, sa lvo quanto à elaboração da l i s ta , que é fe i ta pelo TST. Neste caso , somente os juízes de carre ira dos Tribunais Regiona is do Trabalho podem concorrer

STM Super ior Tribunal Mil i tar

15, vi ta l íc ios

Mais de 35 anos, para os Minis tros civis . Os Minis tros mi l i ta res são vinculados à regra do posto mais elevado na carre ira , em at ividade . Consoante as nor mas mi l i ta res, não se alcança o posto mais elevado com menos de 35 anos

Menos de 65 anos (Art . 2º , § 1º , Regimento do Super ior Tribunal Mil i tar) , para os Minis tros civis , extensivo aos ministros mi l i ta res, por jur i spru-dência do próprio Tribunal .

Exigências: Notór io saber jur íd ico e reputação i l ibada apenas para advogados . Composição: Quatro o fic ia is -genera is do Exérci to ; t rês of iciais -genera is da Mar inha e t rês of iciais -genera is da Aeronáut ica , todos da a t iva e do posto mais elevado da carre ira . Processo: Não há previsão const i tucional sobre a ind icação desses mi l i tares. Os Ministros c ivis

Art . 123

Page 180: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

178

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Cont inuação STM

são : I - Três dentre advogados de notór io saber jur íd ico e conduta i l ibada, com mais de 10 anos de efet iva at ividade prof iss iona l; I I - do is, por esco lha par i tár ia , dentre juízes aud itores e membros do Minis tér io Púb lico da Jus t iça Mil i tar . Processo: Nomeados pelo Presidente da República após aprovação das ind icações pelo Senado Federa l . Não há previsão const i tucional quanto ao quorum para a aprovação.

TSE Tribunal Super ior Ele i tora l

7, com mandatos de dois anos, no mínimo, e nunca por mais de dois biênios consecutivos.

Não há previsão const i tucio -na l para as vagas de juiz reservadas para advogados . Jur i sprudên-cias do TSE e STF entendem que vige a regra do a r t . 94 da CF quanto à exigênc ia de mais de 10 anos de efet iva at iv idade prof iss io -na l , independen-te da idade mínima. Para os membros

Não há previsão const i tu -cional . Para as vagas reservadas ao STJ e STF, en tende-se que o l imite é a idade de 70 anos , quando se dá a aposenta-doria compulso-r i a . Para as vagas de ju iz reservadas para advogados , não há previsão const i tu -cional .

Exigências: Notável saber jur íd ico e idoneidade moral apenas para os ind icados às vagas de juiz reservadas a advogados. Composição: Por nomeação do Presidente da República, do is juízes dentre se is advogados ind icados pelo Supremo Tribunal Federal . Não há previsão const i tucional de ind icações pela OAB. Processo: O STF ind ica os nomes e o Pres idente da República os nomeia. Não há previsão const i tucional de aprovação pelo

Arts. 94 e 118

Page 181: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

179

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Cont inuação TSE

egressos do STJ e STF, a regra é a prevista para essas Cor tes: mais de 35 anos.

Senado . Os Ministros or iundos da Magis tratura são esco lhidos, mediante ele ição, pelo voto secre to dos membros do STF e do STJ, respect ivamente , sendo : I - t rês dentre os Minis tros do STF; I I - do is dentre os Minis tros do STJ. Processo: Não há previsão const i tucional de nomeação pelo Presidente da República nem aprovação pelo Senado . Pressupõe-se que eles já se submeteram a essas fases . Não há vaga para membros do Minis tér io Públ ico.

TRF Há 5 Tribunais Regiona is Federais no Bras i l .

Mínimo de 7 , vi ta l íc ios

Mais de 30 anos

Menos de 65 anos

Exigências: Notór io saber jur íd ico e conduta i l ibada para as vagas de juízes esco lhidos dentre advogados . Composição: I - Um quinto dentre advogados com mais de 10 anos de e fe t iva at iv idade prof iss iona l e membros do Minis tér io Púb lico Federal com mais de 10 anos de carre ira ; Processo: Para as vagas de juiz reservadas ao Minis tér io Púb lico Federal e aos advogados são elaboradas l i s tas

Arts . 94 e 107

Page 182: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

180

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Cont inuação TRF

sêxtuplas por seus órgãos de c lasse. O TRF reduz as l i s tas para t r íp l ices e as remete para nomeação pelo Presidente da República. I I - Os demais, mediante promoção de juízes federais com mais de 5 anos de exercício , por ant igüidade e merec imento, a l ternadamente. Processo: Embora não haja previsão const i tucional , os Regimentos Internos dos Tribunais Regiona is Federais preveem a elaboração de l i s tas t r íp l ices, pelo própr io Tribunal , dos inscr i tos à promoção para as vagas reservadas a juízes federais , por merec imento, para esco lha e nomeação pelo Presidente da República. As vagas de antigüidade também são preenchidas por nomeação do Presidente da República, após remessa dos nomes pelo Tribunal . Não há l i s tas t r íp l ices nes te caso .

TRT Há 24 Tribunais Regiona is do Trabalho no Bras i l .

Mínimo de 7 , vi ta l íc ios.

Mais de 30 anos

Menos de 65 anos.

Exigências: Notór io saber jur íd ico e reputação i l ibada apenas para os ind icados às vagas

Arts . 94 e 115

Page 183: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

181

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Cont inuação TRT

de advogados. Composição: I - Um quinto dentre advogados com mais de 10 anos de e fe t iva at iv idade prof iss iona l e membros do Minis tér io Púb lico do Trabalho com mais de 10 anos de efet ivo exercício . Processo: Os órgãos de c lasse es tadua is (OAB e Procuradoria Regiona l do Trabalho) elaboram l i stas sêxtuplas e remetem ao TRT, que as reduz para t r íp l ice, remetendo-as para esco lha e nomeação pelo Presidente da República. I I - Os demais, mediante promoção de juízes do trabalho , por ant igüidade e merec imento, a l ternadamente. Processo: são elaboradas l i s tas t r íp l ices para as vagas de merec imento, para esco lha e nomeação pelo Presidente da República. O Presidente também nomeia os juízes para as vagas de antigüidade , independente de l i s ta t r íp l ice .

Page 184: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

182

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

TRE Há 27 Tribunais Regiona is Ele i tora is no Bras i l .

7 , com mandatos de dois anos, no mínimo, e nunca por mais de dois biênios consecut i -vos.

Não há previsão const i tucio -na l para os juízes ind icados da classe dos advogados .

Não há previsão const i tu-ciona l . Para as vagas reservadas a juízes e desem-bargado-res entende-se que a regra é a idade da aposen-tadoria compul-sór ia - 70 anos.

Exigências: Notável saber jur íd ico e idoneidade moral , apenas para os ind icados às vagas de juiz reservadas a advogados. Composição; I - Mediante ele ição pelo vo to secreto : a) de do is juízes dentre os desembargadores do Tribunal de Just iça do Estado sede do TRE; b) de dois j uízes, dentre os juízes de direi to , escolhidos pelo Tribunal de Just iça. Processo: votam na eleição apenas os desembargadores. I I - de um juiz do Tribunal Regional Federal com sede na cap ita l do Estado ou no Distr i to Federa l , ou, não havendo, de juiz federa l , esco lhido , em qualquer caso, pelo Tribunal Regiona l Federa l respect ivo. I I I - Por no meação, pelo Presidente da República, de dois juízes dentre se is advogados , ind icados pelo Tribunal de Just iça. A OAB não indica advogados . Não há membro representando o Minis tér io Públ ico.

Art. 120

Page 185: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

183

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Tr ibunais de Jus t iça Estaduais e Distr i ta l . Há 27 Tribunais de Jus t iça no Bras i l .

Varia conforme as Const i tu i -ções es taduais , d is t r i t a l ou Le is de Organiza-ção Judiciár ia es taduais e d is t r i t a l . Atua lmente , as menores compos i-ções são as dos Estados do Acre e do Amapá, com 9 desembar-gadores , cada, e a maior é a do Estado de São Paulo , com 360 desembar-gadores , afora , nes te ú l t imo, vários ju ízes subst i tu tos de 2 ª Ins tância , que atuam como se fossem desembar-gadores . A quant idade de desembar-gadores de todos os Tr ibunais de Jus t i ça a lcançou o número de 1 .374 membros . 120

Não há previsão na Const i tu-ição Federal . É competência da legis lação res idual dos Estados. A maior ia dos tr ibunais adota a regra do a r t . 94 da CF/88 para as vagas de desembar -gador des t inadas à classe de advogados e do Minis tér io Públ ico. Não há idade mínima para as vagas des t inadas a juízes de carre ira .

Menos de 65 anos para as vagas de desem-bargadores des t inadas a advogados e membros do Minis tér io Públ ico; Menos de 70 anos para as vagas des t inadas a juízes de carre ira .

Exigências : Notór io saber jur íd ico e reputação i l ibada apenas para os indicados às vagas de desembargador reservadas a advogados . Composição: a) Por p romoção de ju ízes de d ire i to da ú l t ima ou ún ica entrânc ia da ca rrei ra , escolh idos , a l t ernadamen te , por merecimen to e ant igüidade. A promoção po r merecimento pressupõe dois anos de exercício na respect iva entrânc ia e in tegra r a pr imei ra quin ta parte da l is ta de ant igüidade des ta , sa lvo se não houver com ta is requis i tos quem acei t e o lugar vago. Processo : Por ant igüidade, o ju iz mais an t igo na ú l t ima ou ún ica entrânc ia é nomeado pelo Pres iden te do Tr ibunal , após a declaração de vacância do cargo de desembargador , sa lvo se recusar ou for prete r ido , na forma da legi s lação em vigor (LOMAN, CF). Por merecimento , e labo ra-se l i s ta t r íp l ice den tre os mais votados pelo Tr ibunal Pleno.

Arts . 93, 94, 125

120 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB. Ibrajus divulga estudo sobre o Judiciário. 24 mar. 2008. Disponível em:<http://www.amb.com.br/portal/?secao=mostranoticia&mat_id=12723>. Acesso em: 30 maio 2008.

Page 186: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

184

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Continuação TJ

Os desembar -gadores es tadua is são vi ta l íc ios.

O Pres idente do Tr ibunal de Jus t iça escolhe e nomeia um dos in tegrantes da l is ta . Só poderão concorre r os ju ízes que in tegra rem a primeira quin ta parte da l is ta de ant igüidade. b) Um quin to dos lugares será preenchido po r membros do Minis té r io Públ ico , com mais de 10 anos de ca rrei ra , e por advogados com mais de 10 anos de efet iva a t ividade prof iss ional , indicados em l is t a sêxtupla pelos órgãos de rep resentação das respec t ivas c lasses . Processo : Os órgãos de c lasse do Minis té r io Públ ico e da OAB elaboram l is t a sêxtupla . Em muitos Estados es ta l i s t a é fo rmada pelos nomes mais votados por toda a categor ia e não somen te pelos órgãos de cúpula . Fo rmada a l i s ta sêxtupla , o Tr ibunal de Jus t iça a reduz para t r íp l ice , po r votação de todos os seus membros , remetendo-a ao Governador do Estado, que escolherá e nomeará um dos indicados .

Page 187: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

185

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Tr ibunais Mil i tares Estadua is 121

7 v i ta l íc ios Adotam a regra do Art . 94 da CF/88 para as vagas des t inadas a advogados e membros do Minis tér io Públ ico. As vagas des t inadas a of iciais da Polícia Mil i tar e do Corpo de Bombeiros sujei tam-se às regras mi l i ta res dessas

Menos de 65 anos para advogados e promoto-res. Menos de 70 anos para ju ízes mi l i ta res de Pr imeiro Grau.

Exigências : Notór io saber jur íd ico e reputação i l ibada para a vaga des t inada a advogado, com mais de 10 anos de efet iva a t ividade prof iss ional . Para a vaga des t inada ao Minis té r io Públ ico , ex ige-se mais de 10 anos na ca rrei ra . Composição: Quat ro membros dentre of ic ia is do ú l t imo posto na ca rrei ra da Po l íc ia Mil i t ar es tadual e do Corpo de Bombeiros , em at ividade, e t rês dentre c ivis , sendo: um ju iz de d i re i to do Ju ízo Mil i ta r es tadual ; um advogado e um membro do Minis té r io Públ ico es tadual . Há concurso específ i co para a Magis t ra tura es tadual mi l i t a r de Primei ro Grau . Processo : Para as vagas des t inadas a advogado e membro do Minis té r io Públ ico , são indicados nomes em l is t as sêxtuplas , reduz idas para t r íp l ices , escolh idos e nomeados pe lo Governador do Estado. Para a vaga de ju iz de d ire i to .

Art . 125 , § 3º

121 A Constituição Federal (Art. 125, § 3º) só autoriza a criação de Tribunal Militar Estadual onde o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. Atualmente, só existe Tribunal Militar Estadual em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Page 188: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

186

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

CNJ Conse lho Nacional de Just iça

15, com mandatos de dois anos, admit ida uma recondução

Mais de 35 anos

Menos de 66 anos

Exigências : Notável saber jur íd ico e reputação i l ibada, apenas para os ind icados pela Câmara dos Deputados e Senado Federa l . Composição: I - Um Minis tro do Supremo Tribunal Federal , ind icado pelo respect ivo tr ibunal; I I - Um Minis tro do Super ior Tribunal de Just iça, indicado pelo respect ivo tr ibunal; I I I - Um Ministro do Tribunal Super ior do Trabalho , ind icado pelo respect ivo tr ibunal; IV- Um desembargador de Tribunal de Just iça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal ; V- Um juiz es tadua l , indicado pelo Supremo Tribunal Federal ; VI – Um juiz de Tribunal Regional Federal , ind icado pelo Super ior Tribunal de Just iça ; VII – Um juiz federa l , ind icado pelo Super ior Tribunal de Just iça ; VIII – Um juiz de Tribunal Regiona l do Trabalho , ind icado pelo Tribunal Super ior do Trabalho ; IX- Um juiz do traba lho, indicado pelo Tribunal

Art . 103-B

Page 189: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

187

Órgão Qte. de Membros

Idade Mínima

Idade Máxima

Exigências Composição Processo

Previsão Const itucional

Continuação CNJ

Super ior do Traba lho; X- Um membro do Minis té r io Públ ico da União , indicado pelo Procurador Geral da Repúbl ica . XI – Um membro do Minis té r io Públ ico es tadual , escolh ido pelo Procurador Gera l da Repúbl ica , dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada ins t i tu ição; XII- Dois advogados , indicadas pelo Conselho Federa l da Ordem dos Advogados do Bras i l ; XII I- Dois c idadãos , de notável saber jur íd ico e reputação i l ibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e ou tro pelo Senado Federa l . Processo : Os membros do Conselho serão nomeados pe lo Pres iden te da Repúbl ica , depois de ap rovada a escolha pe la maior ia absolu ta do Senado Federal . Não efetuadas , no prazo legal , as indicações previs tas nes te ar t igo , caberá a escolha ao Supremo Tr ibuna l Federa l . Não há rep resentantes da Jus t iça Mil i ta r no CNJ.

Quadro 4 Critérios de idades mínima e máxima para ingressar nos tribunais e no Conselho Nacional de Justiça Fonte: Elaborado pelo autor.

Page 190: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

188

4.2.7 Idade para aposentadoria compulsória dos magistrados

A idade limite para a aposentadoria compulsória dos magistrados é outro foco de

discussão no âmbito da democracia interna do Poder Judiciário.

Pela legislação atual, os magistrados são alcançados pela aposentadoria compulsória aos

70 anos de idade, assim como os servidores públicos em geral. Tramita, no entanto, no

Congresso Nacional, Proposta de Emenda Constitucional n.º 457/05, de autoria do Senador

Pedro Simon (PMDB/RS), visando à ampliação desse teto compulsório para 75 anos, para os

servidores públicos, na forma de lei complementar, e acrescenta dispositivo ao Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, com efeitos imediatos à situação dos Ministros do

Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores e Tribunal de Contas da União.

Entre as críticas a essa Proposta, assinalam-se:122

- O aumento da idade protela a imprescindível renovação dos quadros das cúpulas dos

Tribunais, produzindo como resultado nocivo a paralisação do processo de criação e

renovação da jurisprudência;

- Prejuízo na modernização das práticas gerenciais;

- O prolongamento do tempo médio de permanência dos Ministros dos Tribunais

Superiores no cargo observa o seguinte resultado:

STF: média passará dos atuais 15 para 20 anos

STJ: média passará dos 17 para 22 anos

TST: média passará dos 18 para 23 anos

- O desgaste da estagnação e o desestímulo pela ausência de perspectiva de progressão

na carreira, com efeito cascata nas instâncias inferiores;

- Casuísmo da proposta, por beneficiar imediatamente os poucos magistrados desses

tribunais, considerando apenas os órgãos do Poder Judiciário, para os fins

comparativos aqui analisados;

- Renúncia fiscal, com prejuízo ao Tesouro Nacional, pela prorrogação do abono

permanência instituído pela EC n.º 41/03, caracterizada pela ausência de contribuição 122 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB, op. cit., 2008, on line.

Page 191: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

189

previdenciária pelo tempo que continuarem em atividade, quando já poderiam obter a

aposentadoria voluntária, e pela contribuição que esses mesmos agentes, uma vez

aposentados, passariam a verter aos cofres do regime previdenciário, por força da

Emenda 41 e da Lei n.º 10.877/2004;

- Condicionamento da permanência no cargo a uma nova sabatina pelo Senado

Federal, com afronta à garantia da vitaliciedade já adquirida quando do ingresso

nesses tribunais.

Em outros países, com expectativas de vida mais elevadas, o limite de idade não supera

os 70 anos, e ainda há mandatos nas Cortes Constitucionais. Veja-se, exemplificando:

CORTE CONSTITUCIONAL LIMITES DE IDADE

Corte Austríaca

Corte Alemã

Corte Italiana

Conselho Francês

Tribunal Espanhol

Tribunal Português

Corte Belga

Corte Russa

Corte Polonesa

Corte Húngara

70 anos

68 anos

--

--

--

--

70 anos

70 anos

--

70 anos Quadro 5 Dados dos limites de idade nas Cortes Constitucionais Fonte: AMB (2008, on line )

Estudo realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros planilhou os dados

pessoais de todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça

e do Tribunal Superior do Trabalho, projetando o tempo médio de permanência deles nesses

tribunais, pelo sistema atual de aposentadoria compulsória aos 70 anos, e simulação quanto ao

aumento para 75 anos, resultando nos seguintes dados:

MINISTROS DO STF

APOSENTADORIA AOS 70 ANOS APOSENTADORIA AOS 75 ANOS

Ministro

Data Posse

Data

Aposentadoria aos 70 anos

Tempo Permanência no Tribunal

(aposentadoria aos 70 anos)

Data

Aposentadoria aos 75 anos

Tempo Permanência no Tribunal

(aposentadoria aos 75 anos)

Ministro I 17 ago. 1989 Novembro 2005 26 anos Novembro 2020 31 anos

Page 192: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

190

Ministro II 13 jun. 1990 Julho 2016 26 anos Julho 2021 31 anos

Ministro III 14 dez. 2000 Fevereiro 2018 18 anos Fevereiro 2023 23 anos

Ministro IV 20 jun. 2002 Dezembro 2025 23 anos Dezembro 2030 28 anos

Ministro V 25 jun. 2003 Setembro 2012 9 anos Setembro 2017 14 anos

Ministro VI 25 jun. 2003 Novembro 2012 9 anos Novembro 2017 14 anos

Ministro VII 25 jun. 2003 Outubro 2022 19 anos Outubro 2027 24 anos

Ministro VIII 30 jun. 2003 Agosto 2010 6 anos Agosto 2015 11 anos

Ministro IX 16 mar. 2006 Maio 2018 12 anos Maio 2023 17 anos

Ministro X 21 jun. 2006 Abril 2024 16 anos Abril 2029 21 anos

Ministro XI 5 set. 2007 Setembro 2012 5 anos Setembro 2017 10 anos Quadro 6 Dados dos Ministros do Supremo Tribunal Federal Fonte: AMB. Cartilha (2008, on line)

MINISTROS DO STJ

APOSENTADORIA

AOS 70 ANOS

APOSENTADORIA

AOS 75 ANOS

Ministro

Data Posse

Data

Aposentadoria aos 70 anos

Tempo Permanência no Tribunal

(aposentadoria aos 70 anos)

Data

Aposentadoria aos 75 anos

Tempo Permanência no Tribunal

(aposentadoria aos 75 anos)

Ministro I 27 jun. 1991 Julho 2008 17 anos Julho 2013 22 anos

Ministro II 7 abr. 1989 Abril 2010 26 anos Abril 2015 26 anos

Ministro III 22 maio 1992 Fevereiro 2018 21 anos Fevereiro 2023 31 anos

Ministro IV 19 jun. 1995 Outubro 2014 19 anos Outubro 2019 24 anos

Ministro V 15 dez. 1995 Junho 2008 13 anos Junho 2013 18 anos

Ministro VI 27 jun. 1996 Abril 2010 14 anos Abril 2015 19 anos

Ministro VII 17 dez. 1996 Agosto 2017 21 anos Agosto 2022 26 anos

Ministro VIII 28 maio 1998 Maio 2022 24 anos Maio 2027 29 anos

Ministro IX 29 jun. 1998 Outubro 2014 16 anos Outubro 2019 21 anos

Ministro X 15 abr. 1999 Maio 2011 12 anos Maio 2016 17 anos

Ministro XI 30 jun. 1999 Novembro 2014 15 anos Novembro 2019 20 anos

Ministro XII 30 jun. 1999 Março 2015 16 anos Março 2020 21 anos

Ministro XIII 30 jun. 1999 Maio 2022 23 anos Maio 2027 28 anos

Ministro XIV 27 out. 1999 Outubro 2022 23 anos Outubro 2027 28 anos

Ministro XV 26 jun. 2001 Outubro 2018 17 anos Outubro 2023 22 anos

Ministro XVI 26 jun. 2001 Julho 2012 11 anos Julho 2017 16 anos

Ministro XVII 29 nov. 2001 Abril 2023 22 anos Abril 2028 27 anos

Ministro XVIII 25 mar. 2002 Outubro 2026 24 anos Outubro 2031 29 anos

Ministro XIX 3 dez. 2002 Agosto 2026 24 anos Agosto 2031 29 anos

Ministro XX 8 maio 2003 Agosto 2018 15 anos Agosto 2023 20 anos

Page 193: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

191

Ministro XXI 4 jun. 2003 Setembro 2013 10 anos Setembro 2018 15 anos

Ministro XXII 18 nov. 2003 Fevereiro 2011 8 anos Fevereiro 2016 13 anos

Ministro XXIII 19 ago. 2004 Julho 2014 10 anos Julho 2019 15 anos

Ministro XXIV 3 fev. 2005 Novembro 2012 7 anos Novembro 2017 12 anos

Ministro XXV 9 ago. 2006 Outubro 2026 20 anos Outubro 2031 25 anos

Ministro XXVI 6 set. 2006 Outubro 2027 21 anos Novembro 2032 26 anos

Ministro XXVII 23 maio 2007 Dezembro 2015 8 anos Dezembro 2020 13 anos

Ministro XXVIII 12 dez. 2007 Agosto 2014 7 anos Agosto 2019 12 anos

Ministro XXIX 12 dez. 2007 Março 2022 15 anos Março 2022 20 anos Quadro 7 Dados dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça Fonte: AMB. Cartilha (2008, on line)

MINISTROS DO TST APOSENTADORIA

AOS 70 ANOS APOSENTADORIA

AOS 75 ANOS

Ministro

Data Posse

Data

Aposentadoria aos 70 anos

Tempo Permanência no Tribunal

(aposentadoria aos 70 anos)

Data

Aposentadoria aos 75 anos

Tempo Permanência no Tribunal

(aposentadoria aos 75 anos)

Ministro I Abril 1991 Março 2013 22 anos Março 2018 27 anos

Ministro II Dez.1995 Julho 2009 14 anos Julho 2014 19 anos

Ministro III Agosto 1996 Março 2012 16 anos Março 2017 21 anos

Ministro IV Julho 1996 Janeiro 2023 27 anos Janeiro 2028 32 anos

Ministro V 25 jul. 1998 Fevereiro 2014 16 anos Fevereiro 2019 21 anos

Ministro VI 14 out. 1999 Novembro 2023 24 anos Novembro 2028 29 anos

Ministro VII 14 out. 1999 Maio 2029 30 anos Maio 2034 35 anos

Ministro VIII 31 maio 2000 Setembro 2022 22 anos Setembro 2027 27 anos

Ministro IX 21 jun. 2001 Dezembro 2022 21 anos Dezembro 2027 26 anos

Ministro X 21 jun. 2001 Maio 2018 17 anos Maio 2023 22 anos

Ministro XI 15 abr. 2002 Setembro 2017 15 anos Setembro 2022 20 anos

Ministro XII 30 dez. 2002 Outubro 2017 15 anos Outubro 2022 20 anos

Ministro XIII 7 ago. 2003 Julho 2035 32 anos Julho 2040 37 anos

Ministro XIV 28 dez. 2004 Outubro 2020 16 anos Outubro 2025 21 anos

Ministro XV 21 fev. 2006 Junho 2012 6 anos Junho 2017 11 anos

Ministro XVI 16 mar. 2006 Outubro 2018 12 anos Outubro 2023 17 anos

Ministro XVII 21 fev. 2006 Março 2031 25 anos Março 2036 30 anos

Ministro XVIII 21 fev. 2006 Julho 2031 25 anos Julho 2036 30 anos

Ministro XIX 17 maio 2007 Agosto 2022 15 anos Agosto 2027 20 anos

Ministro XX 17 maio 2007 Março 2021 14 anos Março 2026 19 anos

Ministro XXI 4 out. 2007 Março 2021 14 anos Março 2026 19 anos

Ministro XXII 4 out. 2007 Novembro 2018 11 anos Novembro 2023 16 anos

Page 194: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

192

Ministro XXIII 4 out. 2007 Agosto 2028 21 anos Agosto 2033 26 anos

Ministro XXIV 14 nov. 2007 Junho 2022 15 anos Junho 2027 20 anos

Ministro XXV 14 nov. 2007 Fevereiro 2028 21 anos Fevereiro 2033 26 anos

Ministro XXVI 14 nov. 2007 Maio 2023 16 anos Maio 2028 21 anos

Ministro XXVII 27 mar. 2008 Outubro 2036 32 anos Outubro 2041 37 anos Quadro 8 Dados dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho Fonte: AMB. Cartilha (2008, on line)

Portanto, a ideia de alternância no Poder e renovação de práticas gerenciais no âmbito

interno do Judiciário não se compatibiliza com a ampliação do limite de idade para a

aposentadoria compulsória aos 75 anos, quer no Primeiro Grau, quer no Segundo Grau de

jurisdição, sendo fundamental para o processo democrático interno que a função jurisdicional

não seja exercida, necessariamente, pelos mesmos agentes, durante longo tempo, perpetuando

e eternizando as estruturas do Poder e desestimulando o fluxo natural de mobilidade das

novas gerações.

4.2.8 Promoção de magistrados por merecimento: critérios

A Constituição Federal de 1988 previu a promoção por merecimento para magistrados,

nos seguintes termos:

Art. 93 – Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I- […]

II- promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

a) é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;

b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;

c) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;

d) […]

e) […]

III- o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antigüidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância.

[…]

XV – […]

As redações da alínea “c” do inciso II e a do inciso III do referido normativo foram

determinadas, em parte, pela Emenda Constitucional n.º 45, de 8 de dezembro de 2004.

Page 195: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

193

Até então, as promoções por merecimento, no Primeiro Grau de jurisdição, ou para o

acesso aos Tribunais Inferiores eram regidas, na prática, por critérios unicamente123 subjetivos,

sendo determinante o conceito pessoal formado pelo magistrado e as suas relações

interpessoais, intersociais e interfuncionais, cultivadas ao longo da carreira.

Não raras vezes os nomes sufragados já eram conhecidos previamente, atendendo à

lógica das identificações ideológicas com os grupos internos e dominantes do Poder e

influências as mais diversas.

Excepcionalmente, quando remanesciam vagas não disputadas, normalmente em

comarcas inóspitas ou em unidades judiciárias problemáticas, atendia-se aos menos

aquinhoados.

Visando à maior transparência nessas promoções e à implementação das modificações

introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 45, o Conselho Nacional de Justiça editou a

Resolução n.º 6, de 13 de setembro de 2005, com a seguinte redação.

RESOLUÇÃO Nº 6, DE 13 DE SETEMBRO DE 2005

Dispõe sobre a aferição do merecimento para promoção de magistrados e acesso aos Tribunais de 2º grau.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições, tendo em vista o decidido em Sessão de 30.8.2005, com aprovação na Sessão de 13.09.2005, e com base no disposto nos incisos II, III, IV, IX e X, do art. 93 e incisos I e II do § 4º do art. 103-B, ambos da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 45, de 8.12.2004, publicada no Diário Oficial da União de 31.12.2004,

RESOLVE:

Art. 1º - As promoções por merecimento de magistrados serão realizadas em sessão pública, em votação nominal, aberta e fundamentada.

Art. 2º - A promoção por merecimento e o acesso aos Tribunais de 2º grau pressupõem dois anos de exercício na respectiva entrância ou no cargo e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago.

Parágrafo único. É obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento.

Art. 3º - O merecimento será apurado e aferido conforme o desempenho e por critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento.

Parágrafo único: Os Tribunais apresentarão aos votantes, antes da sessão, a lista de magistrados inscritos contendo os elementos necessários para a aferição.

123 São considerados atualmente Tribunais Inferiores: Tribunais de Justiça Estaduais; Tribunais Militares Estaduais; Tribunais Regionais Federais; Tribunais Regionais do Trabalho; Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunal Distrital Federal e dos Territórios.

Page 196: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

194

Art. 4º - No prazo de 120 (cento e vinte) dias, os Tribunais deverão editar atos administrativos disciplinando:

I - a valoração objetiva de desempenho, produtividade e presteza no exercício da jurisdição, para efeito de promoção por mérito;

II - a freqüência e o aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento ou especialização de magistrados que serão considerados para fins de ascensão por mérito, com a respectiva gradação; e

III - até que sejam regulamentados o inciso I do parágrafo único do art. 105 e o inciso I do § 2º do art. 111-A, ambos da Constituição, os cursos que serão considerados para fins de promoção por merecimento com a respectiva gradação, observados, para efeito de participação nesses cursos, critérios de isonomia e de razoabilidade, respeitado sempre o interesse público.

Parágrafo único: No prazo referido no caput, os Tribunais deverão enviar ao Conselho Nacional de Justiça cópias dos respectivos atos.

Art. 5º - Durante o prazo referido no artigo anterior e até que sejam editados os respectivos atos administrativos, os membros dos Tribunais que participarem dos procedimentos de votação para promoção por merecimento deverão fundamentar detalhadamente suas indicações, apontando critérios valorativos que levaram à escolha.

Parágrafo único: Na ausência de especificação de critérios valorativos, que permitam diferenciar os magistrados inscritos, deverão ser indicados os de maior antigüidade na entrância ou no cargo.

Art. 6º - Os membros dos Tribunais que participarem dos procedimentos de promoção por merecimento deverão, nos termos do artigo 93, II, "e" da Constituição Federal, analisar as razões apresentadas pelo magistrado inscrito, caso ocorra hipótese de autos de processo em seu poder além do prazo legal.

Art. 7º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Ministro NELSON JOBIM.124

Com fundamento nessa Resolução, os Tribunais Inferiores editaram suas próprias

Resoluções e Portarias regulamentadoras, especificando critérios objetivos e subjetivos a

serem respeitados nas futuras promoções por merecimento.

Dentre os critérios objetivos, surgiram inúmeros que eram tipicamente subjetivos,

porque condicionados a escolhas pessoais dos membros dos tribunais, sem nenhuma regra de

isonomia. Assim é que, havia pontuação para o exercício da função de Juiz de Direito

Auxiliar das Corregedorias Gerais de Justiça; Juiz de Direito Auxiliar da Presidência dos

Tribunais de Justiça; Juiz de Direito Coordenador, Vice-Diretor e Ouvidor dos Fóruns da

Capital e Juiz de Direito no exercício das Diretorias dos Fóruns do interior do Estado.

Provocado por magistrados, o Conselho Nacional de Justiça decidiu afastar esses

critérios, conforme Acórdão cuja Ementa foi lavrada nos seguintes termos:

124 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 6/2006. Disponível em: <http://www.cnj. jus.br>. Acesso em: 13 dez. 2008.

Page 197: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

195

Procedimento de controle administrativo. Magistratura de carreira. Resolução do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará estabelecendo critérios e pontuação para as promoções por merecimento. Ato administrativo que, fugindo em parte, dos parâmetros estabelecidos pela Resolução n.º 65/2005 (sic) do CNJ, fixa alguns critérios com conteúdos preponderantemente subjetivos violando princípio isonômico. Pontuação pelo exercício das funções de juiz auxiliar da Corregedoria, da Presidência ou da direção do ‘fórum’ pela forma subjetiva de escolha, viola os patamares de igualdade. Revisão parcial do ato. Pedido procedente em parte.125

Com essa decisão, porém, alguns critérios tidos como objetivos continuaram a ser

adotados, embora com intensa carga de subjetividade, tais como: o exercício de Coordenador

Geral de Escola da Magistratura, o exercício da função de Juiz Eleitoral junto ao Tribunal

Regional Eleitoral, o exercício da função de Juiz Convocado para compor o Pleno do Tribunal

de Justiça e a figuração em listas tríplices de promoções.

Para se alcançar a pontuação pelo preenchimento das condições desses critérios pseudo-

objetivos, é preciso que haja nomeações e designações que atendam unicamente à vontade dos

votantes, magistrados de Segundo Grau. Quando muito, exige-se apenas que os candidatos

pertençam à última entrância da carreira, priorizando a escolha sobre os membros das quintas

partes mais antigas.

São tantos os candidatos para as poucas vagas a que se referem os critérios

mencionados,126 que o exercício democrático da concorrência apenas legitima o processo de

escolha subjetiva que implicará, para os vencedores, a obtenção de pontuação objetiva sobre

“algo que é subjetivo na raiz”.127

Não obstante a atribuição de pontuação objetiva a critérios tipicamente subjetivos,

percebe-se também a supervaloração de alguns desses critérios, atribuindo-se notas com pesos

125 A Ementa refere-se à Resolução n.º 65/2005 quando na realidade trata-se da Resolução n.º 6/2005. Presume-se que tenha havido mero erro de digitação. Trata-se de Acórdão no julgamento realizado em 02.05.2006, no Procedimento de Controle Administrativo n.º 68/2005, em que são requerentes Michel Pinheiro e Marlúcia de Araújo Bezerra, Juizes de Direito, e requerido o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, com o seguinte teor: ACORDAM os Conselheiros que compõem o Conselho Nacional de Justiça, por maioria de votos, decidiu (sic) deferir em parte o pedido, para o fim de suspender os itens “b”, “c”, “f” e “i” da Resolução n.º 12/2005 editada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos termos do voto do Excelentíssimo Conselheiro Relator Marcus Faver, que reconsiderou o seu voto inicial proferido na sessão do dia 21 de março de 2006. Vencidos, em parte, os Excelentíssimos Conselheiros Paulo Schmidt, Vantuil Abdala, Douglas Rodrigues, Ruth Carvalho e Oscar Argollo, que deferiram o pedido em maior extensão, suspendendo também os itens “a” e “e” da Resolução n.º 12/2005. Vencidos, ainda, o Excelentíssimo Conselheiro Joaquim Falcão, que julgava inteiramente improcedente o pedido. 126 As Escolas da Magistratura possuem apenas 1 Juiz Coordenador; os Tribunais Regionais Eleitorais têm apenas 2 Juízes de Direito escolhidos para a sua composição e raramente há convocação para preenchimento provisório de cargos nos tribunais. 127 Expressão contida no voto divergente do Conselheiro Paulo Schmidt, no Procedimento de Controle Administrativo (P.C.A.) n.º 68/2005, julgado em 2 de maio de 2006.

Page 198: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

196

desproporcionais aos demais, criando, com isso, reservas de pontuação positiva, com poucos

beneficiados.

Outra distorção na avaliação desses critérios objetivos, com força subjetiva, é a não

exigência de um período mínimo no exercício das funções sobre as quais incidirá a pontuação.

Assim é que, durante o ano ou o biênio nos quais as funções pontuadas, em regra, são

exercidas, mais de um juiz obtém idêntica pontuação, na mesma função. Os escolhidos para

essas funções praticamente antecipam suas nomeações para os cargos imediatos da carreira.

Razoável seria, portanto, que alguns requisitos mínimos fossem exigidos para os

agraciados com a pontuação inerente a alguns critérios tidos como objetivos, tais como: título

de mestre ou doutor, para o exercício da função de Juiz Coordenador das Escolas da

Magistratura, além de eleição por todos os magistrados da área de atuação dessas escolas;

ampliação do número de votantes e candidatos para as vagas de juízes de direito junto aos

Tribunais Regionais Eleitorais, estendendo esse direito a todos os juízes que exerçam ou já

tenham exercido a jurisdição eleitoral no Estado, porque afeitos à mesma matéria, com prática

e desempenho semelhantes; sorteio de um nome, dentre os juízes que integram o primeiro

quinto da antiguidade na última entrância, para ocupar a vaga de juiz convocado para compor,

provisoriamente, o Pleno do Tribunal de Justiça.

Algumas sugestões são propostas com a finalidade de tornar a avaliação desses critérios

algo o mais próximo possível de um ponto de equilíbrio e justiça, destacando-se:

- Manter inalterada a pontuação já atribuída à época da vigência da norma

regulamentadora, respeitando o direito adquirido ante as alterações que vierem a ser

implementadas, sem prejuízo da regra mais favorável;

- Ampliar o rol dos critérios objetivos para abranger toda a dimensão funcional e

intelectual do magistrado, incluindo pontuação para outras áreas de graduação e pós-

graduação multidisciplinar, publicação de livros e artigos científicos, nacionais e

internacionais, inseridos em publicações especializadas ou em obras organizadas em

coautoria, com certificações oficiais e o exercício do magistério em qualquer de seus níveis;

- Dimensionar objetivamente a produtividade do magistrado, consoante a complexidade

de sua unidade judiciária, incluindo outros itens no controle estatístico de produção da gestão

judiciária, tais como: atendimento às partes, aos advogados; treinamentos e convocações

Page 199: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

197

oficiais; conhecimento, cumprimento e assinatura de ofícios, expedientes, mandados, alvarás

e congêneres, que implicam tempo trabalhado sem realização de atos judiciais; quantidade de

pessoas ouvidas em cada audiência em vez de simples contagem dos atos audienciais;

ampliação do prazo de desempenho estatístico para incluir a média de toda a produtividade na

última entrância e não somente nos últimos meses; cumprimento de metas coletivas; adesão a

mutirões e esforços concentrados diversos; percentual de processos conclusos e sem

julgamento; percentual de precatórias não devolvidas.

- Padronizar, nacionalmente, esses critérios;

- Reduzir os critérios subjetivos a um limite tal que não ultrapasse, na sua pontuação

máxima, vinte e cinco por cento da totalidade da pontuação objetiva facultada ao candidato;

- Disponibilizar a todos os candidatos a documentação que cada um dos concorrentes

utilizou para comprovar o preenchimento dos requisitos objetivos, imprimindo transparência

absoluta ao processo.

4.2.9 Democratização do Conselho Nacional de Justiça e criação de Ouvidorias estaduais e distrital

Uchôa, comentando sobre a Emenda Constitucional n.º 45 e o modelo de controle

nacional exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, lembra que Dallari assim se expressou

ao referir-se às deficiências democráticas no Poder Judiciário:

Quando se fala em democratização, no caso do Judiciário, isso implica duas exigências fundamentais: em primeiro lugar, a mudança de atitude do Judiciário no relacionamento com o povo; em segundo, é indispensável considerar igualmente a mudança interna do Judiciário, em sua organização e seus métodos. 128

Criado com competência para o controle da atuação administrativa e financeira do

Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, o Conselho Nacional de

Justiça é órgão do Poder Judiciário,129 híbrido,130 que exerce um controle tanto externo como

interno desse Poder.

128 DALLARI apud UCHÔA, Marcelo Ribeiro. Controle do Judiciário: da expectativa à concretização. O primeiro biênio do Conselho Nacional de Justiça. Florianópolis: Conceito, 2008, p. 55. 129 Constituição Federal (1988): “Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: […] I-A o Conselho Nacional de Justiça”[...] 130 UCHÔA, Marcelo Ribeiro, op. cit., 2008, p. 76.

Page 200: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

198

Na composição do Conselho há membros de fora da estrutura judiciária (advogados,

Ministério Público, cidadãos indicados pela Câmara dos Deputados e Senado Federal), assim

como representantes do Poder Judiciário (juízes e ministros de tribunais judiciários). É o que

consta na norma constitucional:

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:

I- Um Ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo tribunal;

II- Um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo Tribunal;

III- Um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo tribunal;

IV- Um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;

V- Um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;

VI- Um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;

VII- Um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;

VIII- Um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;

IX- Um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;

X- Um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador Geral da República;

XI- Um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;

XII- Dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

XIII- Dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

O déficit democrático no Conselho dá-se, primordialmente, pela forma como são

escolhidos os seus membros. Embora haja a participação dos outros dois poderes da

República, uma vez que os indicados são nomeados pelo Presidente da República, após

aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, a chancela desses poderes é

tida como mera formalidade. Não há previsão constitucional de lista tríplice para a escolha de

um dos nomes apresentados.

O verdadeiro poder na formação da composição desse Conselho está nas mãos das

cúpulas dos Tribunais Superiores, sendo o reflexo da estrutura verticalizada adotada pela

organização judiciária brasileira. Nesse sentido, corrobora Semer, juiz de direito paulista e ex-

presidente da Associação dos Juízes para a Democracia (AJD):

Page 201: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

199

[…]

O CNJ acabou se transformando num grande órgão que pode ser uma grande corregedoria […] Para a AJD, o problema não é ter pessoas de fora participando. O problema que coloco outra vez é a questão da verticalização. O conselho foi formado fundamentalmente por indicações dos tribunais superiores. Então ele foi montado pela cúpula. Isso não é o controle externo, é o controle da cúpula sobre a base.131

Assim é que 60% da composição do Conselho, o equivalente a nove membros, é

escolhida por apenas dois Tribunais Superiores da República (o STJ e o TST) e também pelo

Supremo Tribunal Federal. São os membros desses tribunais que escolhem os seus próprios

representantes e os da Justiça Federal, do Trabalho e da Estadual, de Primeiro e Segundo

Graus.

Estranha-se que, embora o Superior Tribunal Militar se submeta ao controle específico

exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, tenha sido completamente esquecido pelo

legislador constituinte, não havendo um só representante daquela Corte Superior na

composição desse Conselho.

O perfil hierarquizante desse órgão se completa ao se constatar que outros dois

membros desse Conselho são escolhidos pelo Procurador Geral da República, pessoalmente,

sendo que este, por sua vez, é escolhido e nomeado pelo Presidente da República.

Aliás, essa reciprocidade na concentração de poderes também ocorre na formação do

Conselho Nacional do Ministério Público, quando o texto constitucional previu a presença de

dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de

Justiça.132

O temor inicial de grande parte da Magistratura, de que pessoas estranhas à estrutura do

Poder Judiciário poderiam interferir na garantia da imparcialidade dos juízes e da

independência da Magistratura não se concretizou, considerando que, através de sua

composição majoritária, o próprio Poder Judiciário, na sua unidade orgânica, exerce esse

controle interno, sem prejuízo das Corregedorias dos próprios órgãos judiciários.

131 SEMER, Marcelo. Sociedade deve participar do planejamento da justiça. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 12 jun. 2005, [Entrevista]. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/ 35411,1>. Acesso em: 22 jul. 2008. 132 Constituição Federal (1988): “Art. 130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo: [...] IV- dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça” [...]

Page 202: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

200

Embora a participação da sociedade nesse processo seja minoritária, o advento do

Conselho é um avanço no mecanismo de controle da atividade administrativa, financeira e

disciplinar dos órgãos do Poder Judiciário, com suas decisões repercutindo e se projetando na

prestação jurisdicional, a qual, pela complexidade humana, não consegue se desvencilhar

totalmente de suas imperfeições.

A padronização imposta pelo Conselho afasta discrepâncias personalistas e tende à

aplicação da equidade administrativa, contribuindo para o alcance da otimização gerencial do

Poder. Cezar Peluso, Ministro do Supremo Tribunal Federal, nesse sentido afirmou:

[…]

De modo que, num juízo objetivo e sereno, como convém à matéria e ao interesse público, a composição do Conselho – cujo modelo não pode deixar de ser ‘pluralístico e democrático’ (ZAFFARONI, 2001, p. 130) – estende uma ponte entre o Judiciário e a sociedade, de um lado permitindo oxigenação da estrutura burocrática do Poder e, de outro, respondendo às críticas severas, posto nem sempre de todo justas para com a instituição, que lhe vinham de fora e de dentro, como ecos da opinião pública. De fora, DALMO DE ABREU DALLARI pregava:

[…] é necessário estabelecer um sistema de controle. É oportuno lembrar aqui a atitude de Thomas Jefferson, que defendeu com firmeza a independência dos juízes e tribunais, mas admitiu que tinha medo do corporativismo dos magistrados, o que pode significar não só uma comunhão de interesses, mas também um relacionamento afetivo. Daí a conveniência de um órgão controlador, integrado, em sua maioria, por magistrados, mas também por profissionais de outras áreas jurídicas, como se tem feito para compor bancas examinadoras de concursos de ingresso na magistratura. Não se pode esquecer que o Poder Judiciário exerce poder público, age em nome do povo, embora seus membros não sejam escolhidos por meio de eleição popular. Por isso é necessário um controle democrático de seu desempenho, que assegure a obediência às regras legais e a prevalência do interesse público, mantendo o requisito fundamental, que é a garantia da independência dos juízes. (DALLARI, 2003, p. 33).

De dentro, o Ilustre Min. CELSO DE MELLO era só mais sutil:

Estou cada vez mais convencido da necessidade de controle externo sobre o Poder Judiciário. Fiscalização e responsabilidade são princípios do modelo republicano. A fiscalização externa não compromete o princípio da separação dos Poderes. Ela não quer dizer que se vá exercer censura sobre o pensamento dos magistrados. A independência dos juízes deve ser preservada. Mas ela não é uma finalidade em si própria. É preciso ter juízes independentes para se poder ter cidadãos livres. (FOLHA DE SÃO PAULO, 11.04.99).

O Judiciário só pode enfraquecer se seus membros falharem gravemente no desempenho das suas funções. Os magistrados devem se expor democraticamente à crítica social. Nenhum Poder da República está acima da Constituição, nem pode pretender que sua fisionomia institucional não possa ser redesenhada. (FOLHA DE SÃO PAULO, 19.03.99).

[…] entendo que a discussão em torno da fiscalização externa torna-se essencial até mesmo para conferir legitimidade político-social à atividade do magistrado e evitar que abusos funcionais, que situações de ilicitude que ocorrem lamentavelmente na intimidade dos corpos judiciários continuem a ocorrer. É preciso fiscalizar. (MELLO apud SADEK, 2001, p. 132).

Page 203: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

201

O real temor gerado pela presença de não-magistrados no Conselho Nacional de Justiça está em que sua fiscalização ético-disciplinar, num plano de superposição, transponha os horizontes constitucionais e legais, transformando-se em instrumento de dominação política da magistratura. Não se deve baratear tão válida preocupação de que um controle arbitrário corrompa as condições e garantias de imparcialidade dos juízes e, como tal, desnature a Jurisdição. Mas não se deve tampouco sobreestimá-la, nem ceder a puras fantasias, como se não dispusesse o sistema de mecanismos aptos de defesa, com força bastante para neutralizar riscos teóricos.

Neste passo, vale a pena chamar a atenção para o fato de que a própria Emenda Constitucional nº 45/2004 contém provisões adequadas a garantir que o exercício do poder disciplinar se paute por critérios de rigorosa legalidade. Relembre-se, ainda uma vez, que a maioria qualificada de membros do Conselho é formada de juízes e, pois, de pessoas insuspeitas à magistratura, aprovadas e experimentadas no ofício de aplicar a lei. Donde é lícito crer que tal maioria constitua o primeiro elemento regulador da retidão e legitimidade do uso do poder de controle atribuído ao órgão. Acresça-se-lhe a circunstância, não menos significativa, de que a função de Ministro-Corregedor é destinada ao Ministro representante do Superior Tribunal de Justiça (art. 103-B, § 5º).

Mas até a minoria, composta por não-magistrados, é tida, sob vigorosa presunção hominis, por afeita às atividades jurisdicionais, não só no caso manifesto dos representantes do Ministério Público e da advocacia, senão também no dos dois cidadãos que, indicados pelo Legislativo, devam, à moda dos candidatos a esta Corte (art. 101 da Constituição da República), possuir ‘notável saber jurídico e reputação ilibada […]133

Propõe-se, portanto, para a ampliação democrática da concepção desenhada pela

Constituição Federal para o Conselho Nacional de Justiça, o seguinte:

- A democratização do processo de escolha dos membros do Conselho Nacional de

Justiça, permitindo que cada instância judiciária representada no Conselho seja eleita por seus

próprios membros, mediada a seleção pelas associações classistas específicas;

- A necessária descoincidência entre a posição de Presidente do Supremo Tribunal

Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho e a de membro

do Conselho, a fim de se evitar o risco de decisões sempre convergentes, desnaturando o

controle específico sobre aquelas Cortes e a concentração de poder;

- A escolha dos cargos diretivos do Conselho (Presidente e Corregedor), por seus

próprios membros, sendo o de Presidente escolhido dentre os membros do Poder Judiciário e

o de Corregedor, dentre o restante da composição;

- A eleição dos representantes do Ministério Público por seus próprios pares, vedada a

acumulação com o cargo de Procurador Geral da República;

133 PELUSO, Cezar. Voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.367-1/DF. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/VotoPelusoADI3367.pdf>. Acesso em: 31 maio 2008.

Page 204: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

202

- A inclusão de representantes da Justiça Militar, na mesma proporção das demais

competências judiciárias;

- A criação das ouvidorias134 previstas no § 7º, do Art. 103-B, da Constituição Federal,

como forma de descentralização do recebimento de reclamações e denúncias de qualquer

interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares,

com composição democrática, sem prejuízo da competência originária do Conselho Nacional

de Justiça para algumas matérias específicas.

4.2.10 Distribuição equitativa de servidores e cargos comissionados nas unidades judiciárias

Para se obter a prestação jurisdicional, muitos agentes colaboram: o servidor público, o

advogado, o defensor público, o representante do Ministério Público, o juiz.

Por isso, de nada adiantará um juiz-produtor se os outros elos da cadeia produtiva não se

integrarem. Haverá atos judiciais sem serem cumpridos, audiências não realizadas, tudo por

falta de servidores, defensores ou membros do Ministério Público.

No plano estrito do Poder Judiciário, é preciso que haja democratização na distribuição

de servidores efetivos, terceirizados, estagiários e comissionados. Essa equidade se dá

mediante o levantamento de dados estatísticos por padrão de Unidade Judiciária (varas,

juizados, turmas, câmaras, seções), mensurando e valorando o acervo processual, a

complexidade e a emergência das pretensões e interesses e as peculiaridades do local da

prestação jurisdicional.

Identificados os diversos perfis e necessidades, convém que, implementando a

independência administrativa e o autogoverno da Magistratura, possa o Judiciário

134 A atual Constituição Estadual do Ceará prevê nos Arts. 94, II, e 106 das Disposições Permanentes e no Art. 15 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (A.D.C.T.), a criação do Conselho de Justiça Estadual, como órgão do Poder Judiciário Estadual, para supervisão administrativa, orçamentária e de acompanhamento da regularidade do funcionamento dos órgãos da Justiça e do exercício funcional dos magistrados, com a composição e as atribuições estabelecidas em lei complementar. A inconstitucionalidade desses dispositivos foi arguída pelas ADIns n.º 136-1 e 251-1, com liminar suspensiva do efeito do Art. 106. A súmula 649 do S.T.F. dispõe que “ é inconstitucional a criação, por Constituição Estadual, de órgão de controle do Poder Judiciário do qual participem representantes de outros Poderes ou entidades”.

Page 205: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

203

disponibilizar a cada juiz mecanismos para “gerenciar com autonomia os elementos pessoais e

os meios materiais e financeiros imprescindíveis ao exercício da função jurisdicional”.135

Essa infraestrutura funcional-administrativo-financeira mínima deve ser inerente ao

juízo e não ao juiz, evitando discriminações e personalismos que possam comprometer a

independência do magistrado. O fato é relevante na medida em que, sendo essa competência

administrativa exercida privativamente, ou por delegação legal, pelos magistrados diretores de

Fóruns, cria-se uma relação de poder que compromete a prestação jurisdicional propriamente

dita, se acaso houver desvirtuamento, em face de querelas pessoais.

Imagine-se, por exemplo, uma unidade jurisdicional de onde são remanejados

servidores, sem reposição de substitutos, ao talante exclusivo da autoridade detentora da

competência para tanto. Acresça-se, ainda, a ausência de assessorias especializadas,

normalmente confiadas a ocupantes de cargos ou funções comissionados. Como avaliar,

igualmente, para efeito de desempenho funcional nas promoções por merecimento ou pelo

simples direito ao pleno desempenho de suas funções jurisdicionais, juízes submetidos a

situações distintas? A qualidade e a quantidade da prestação jurisdicional serão as mesmas? A

sociedade estará igualmente satisfeita? E o magistrado, desassistido administrativamente,

agirá com sinergia na Instituição?

Portanto, há que se definir, a priori, um quadro funcional fixo e transitório, atendendo-

se a requisitos objetivos mínimos, tecnicamente estabelecidos para cada Unidade

Jurisdicional, sendo isso um direito inerente ao exercício da jurisdição, sem o qual não haverá

efetividade do princípio da isonomia entre os magistrados e os pleitos formulados ao Poder

Judiciário.

4.2.11 Permuta interestadual entre juízes

A permuta entre magistrados estaduais, federais, trabalhistas e militares, vinculados a

tribunais diferentes, é objeto de reflexão no plano da democratização interna do Poder

Judiciário.

O entendimento jurídico atual é o de que apenas juízes federais e trabalhistas podem

efetuar permutas ou remoções entre tribunais diferentes e com a mesma competência

constitucional, enquanto o mesmo não é permitido aos juízes estaduais. 135 ROCHA, José de Albuquerque, op. cit., 1996, p. 112.

Page 206: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

204

Algumas observações a esse respeito são formuladas, com argumentação razoável para

a ampliação do posicionamento jurisprudencial. Nesse sentido, alega-se:

- O Poder Judiciário tem caráter nacional e regime orgânico unitário;

- O ordenamento jurídico é idêntico em todo o território nacional;

- O idioma oficial é único;

- Não há regras diferenciadoras para o exercício do duplo grau de jurisdição em relação

a todas as instâncias recursais;

- A forma federativa adotada pela Constituição Federal de 1988 atribui autonomia a

todos os Estados, igualmente;

- As prerrogativas constitucionais dos magistrados são as mesmas em todo o país;

- Os juízes não são eleitos e, portanto, não há vinculação direta à vontade política do

eleitor;

- A estruturação das carreiras, as regras de ascensão funcional e a fixação de subsídios,

embora se sujeitem ao autogoverno de cada tribunal estadual, obedecem obrigatoriamente a

critérios gerais consagrados na Constituição Federal e tendentes, progressivamente, à

uniformização;

- A mobilidade dos membros do Poder Judiciário é benéfica para a sua organicidade,

assim como para o aperfeiçoamento da função judiciária;

- Não há direitos e deveres absolutos sobre os quais não se comporte a ideia de

relativização, sendo certo que até mesmo a ideia de soberania, una e indivisível, hoje já não é

rigorosamente defensável, ante o conceito de universalização de direitos fundamentais e

blocos supranacionais;

- Circunstâncias personalíssimas inerentes ao exercício funcional, tais como a segurança

pessoal do magistrado e a unidade e defesa do núcleo familiar são princípios insertos no texto

constitucional;

- A mitigação da autonomia dos tribunais e a renúncia a direitos funcionais devem

admitir flexibilidade consensual;

Page 207: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

205

- A isonomia com os demais membros do Poder Judiciário federal é paradigma e

precedente a ser perseguido.

O Conselho Nacional de Justiça, no julgamento do Pedido de Providências n.º

465/2006, em 8 de agosto de 2006, tendo como requerente a Associação dos Magistrados do

Estado de Goiás, relatado pelo Conselheiro Alexandre de Moraes, a pretexto do tema,

respondeu negativamente à consulta formulada por aquela associação, no sentido da

impossibilidade de remoção por permuta, mesmo com aquiescência das partes, de juízes

vinculados a tribunais estaduais diversos.

Aduziu o Conselho, na oportunidade, que a organização da Justiça Estadual deve

absoluto respeito às regras federalistas da auto-organização, do autogoverno e da

autoadministração (CF/88, Arts. 93, 96 e 125).

Para o Conselho, não há um único Poder Judiciário Estadual, mas sim a Justiça Estadual

como um dos importantes ramos da Justiça Brasileira, exercida pelos Tribunais de Justiça

estaduais e por seus juízes vinculados administrativamente, sem qualquer vaso comunicante

administrativo ou jurisdicional, entre eles.

Assim sendo, entendeu o Conselho que a permuta por remoção entre juízes estaduais de

tribunais diferentes corresponderia à transferência, que é forma de ingresso em carreira

diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, hipótese absolutamente

vedada pelo Artigo 37, inciso II, do texto constitucional. Em sua fundamentação, afirmou o

conselheiro-relator:

[...] os Estados que ingressam na federação perdem sua soberania no momento mesmo do ingresso, preservando, contudo, uma autonomia política limitada [...]

A adoção da espécie federal de Estado gravita em torno do princípio da autonomia e da participação política e pressupõe a consagração de certas regras constitucionais, tendentes não somente à sua configuração, mas também à sua manutenção e indissolubilidade.

[…]

A autonomia estadual também se caracteriza pelo autogoverno, uma vez que é o próprio povo do Estado quem escolhe diretamente seus representantes nos Poderes Legislativo e Executivo locais, e regulamenta, por meio de sua constituição estadual, seu Poder Judiciário, sem que haja qualquer vínculo de subordinação ou tutela por parte da União.

[…]

Dessa forma, o caráter nacional do Poder Judiciário […] não se confunde com a existência de um único ramo do Poder Judiciário estadual, o que – flagrantemente – desrespeitaria a forma federativa adotada pelo Poder Constituinte originário.

Page 208: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

206

[…]

A remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância somente podem ocorrer no âmbito administrativo do Tribunal de Justiça ao qual o magistrado ou magistrados estejam vinculados, sob pena de centralizarmos uma Justiça estadual que é Nacional, porém FEDERALISTA.136

O Supremo Tribunal Federal, porém, na oportunidade do julgamento da Ação Direta de

Inconstitucionalidade n.º 3.367-1/DF, relatada pelo Ministro Cezar Peluso, tendo como

requerente a Associação dos Magistrados Brasileiros, e requerido o Congresso Nacional, a

qual questionou, essencialmente, a constitucionalidade da criação do Conselho Nacional de

Justiça, como órgão funcionalmente voltado ao controle da atuação administrativa e

financeira do Judiciário e ao cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, assentou

entre os fundamentos decisórios de improcedência daquela ação,137 que:

[…]

O pacto federativo não se desenha nem expressa, em relação ao Poder Judiciário, de forma normativa idêntica à que atua sobre os demais Poderes da República. Porque a jurisdição, enquanto manifestação da unidade do poder soberano do Estado, tampouco pode deixar de ser una e indivisível, é doutrina assente que o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo, senão por metáforas e metonímias, ‘Judiciários estaduais’ ao lado de um ‘Judiciário federal’.

A divisão da estrutura judiciária brasileira, sob tradicional, mas equívoca denominação, em justiças, é só o resultado da repartição racional do trabalho da mesma natureza entre distintos órgãos jurisdicionais. O fenômeno é corriqueiro, de distribuição de competências pela malha de órgãos especializados, que, não obstante portadores de esferas próprias de atribuições jurisdicionais e administrativas, integram um único e mesmo Poder. Nesse sentido fala-se em Justiça Federal e Estadual, tal como se fala em Justiça Comum, Militar, Trabalhista, Eleitoral, etc., sem que com essa nomenclatura ambígua se enganem hoje os operadores jurídicos.138 (grifo original).

136 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - C.N.J. Pedido de Providências n.º465/2006. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 13 nov. 2008. 137 Acórdão da ADI nº 3.367/DF: “Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade, em afastar o vício formal de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º 45/2004, como também não conhecer da ação quanto ao § 8º, do Art. 125. E, no mérito, por maioria, em julgar totalmente improcedente a ação, vencidos o Senhor Ministro MARCO AURÉLIO, que a julgava integralmente procedente; a Senhora Ministra ELLEN GRACIE e o Senhor Ministro CARLOS VELLOSO, que julgavam parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade dos incisos X, XI, XII e XIII do Artigo 103-B., acrescentado pela emenda constitucional e o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, que a julgava procedente, em menor extensão dando pela inconstitucionalidade somente do inciso XIII do caput do art. 103-B. Votou o Presidente, Ministro NELSON JOBIM. Falaram, pela requerente, o Dr. ALBERTO PAVIE RIBEIRO, pela Advocacia-Geral da União, o Dr. ÁLVARO AUGUSTO RIBEIRO COSTA e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. CLÁUDIO LEMOS FONTELES, Procurador-Geral da República. Brasília, 13 de abril de 2005. Nelson Jobim – Presidente. Cezar Peluso – Relator.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão da ADI nº 3.367/DF. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/VotoPelusoADI3367.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2008. 138 BRASIL. STF. ADI n.º 3.367/DF. Voto do Ministro Relator Cezar Peluso. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/VotoPelusoADI3367.pdf.>. Acesso em: 12 nov. 2008.

Page 209: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

207

Fundando-se em doutrina de João Mendes Júnior, Castro Nunes, Antônio Carlos de

Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Cezar Peluso

acrescenta:

[…]

Negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhecer o unitário tratamento orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República. Uma única lei nacional, um único estatuto, rege todos os membros da magistratura, independentemente da qualidade e denominação da Justiça em que exerçam a função (Lei Complementar n.º 35, de 14.03.1979; Art. 93, caput da CF). A todos aplicam-se as mesmas garantias e restrições, concebidas em defesa da independência e da imparcialidade. Códigos nacionais disciplinam o método de exercício da atividade jurisdicional, em substituição aos códigos de processo estaduais.

Por força do sistema recursal, u’a mesma causa pode tramitar da mais longínqua comarca do interior do país, até os tribunais de superposição, passando por órgãos judiciários das várias unidades federadas. E, para não alargar a enumeração de coisas tão conhecidas, relembre-se que a União retém a competência privativa para legislar sobre direito processual (Art. 22, inc.I).

Nesse diagrama constitucional, nunca se ouviu sustentar que as particularidades concretas da estrutura judiciária violassem o pacto federativo. E não se ouviu, porque perceptível sua natureza nacional e unitária, embora decomposta e ramificada, por exigências de racionalização, em múltiplos órgãos dotados de sedes e de âmbitos distintos de competência. Não se descobre, pois, sob esse ângulo, por que a instituição do Conselho Nacional de Justiça não se ajustaria à organização constitucional do Poder.139

E continua Cezar Peluso em seu voto:

Não se quer com isso afirmar que o princípio federativo não tenha repercussão na fisionomia constitucional do Judiciário. Sua consideração mais evidente parece estar à raiz da norma que delega aos Estados-membros competência exclusiva para organizar sua Justiça, responsável pelo julgamento das causas respeitantes a cada unidade federada (Art. 125) […]

[…]

Não é, como tentei demonstrar, imutável o conteúdo concreto da forma federativa. As relações de subordinação vigentes na estrutura do Judiciário, dado seu caráter nacional, como o reconhece a autora (item 51 da inicial), podem ser ampliadas e desdobradas pelo constituinte reformador, desde que tal reconfiguração não rompa o núcleo essencial das atribuições do Poder em favor de outro. E foram redefinidas pela Emenda n.º 45, sem usurpação de atribuições por outro Poder, nem sacrifício da independência. A redução das autonomias internas, atribuídas a cada tribunal, não contradiz, sob nenhum aspecto, o sistema de separação e independência dos Poderes. A Corte cansou-se de proclamar que não são absolutas nem plenas as autonomias estaduais, circunscritas pela Constituição (Art. 25), porque, se o fossem, seriam soberanias. […]

[…]

O Conselho não anula, antes reafirma o princípio federativo.

[…]

O Poder Judiciário é nacional e, nessa condição, rege-se por princípios unitários enunciados pela Constituição, a qual lhe predefine ainda toda a estrutura orgânica,

139 Id. ADI n.º 3.367/DF.

Page 210: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

208

sem prejuízo das competências que delega a cada um dos grandes ramos nela previstos. Seu funcionamento obedece, em todos os níveis, a leis processuais uniformes, editadas exclusivamente da União (art. 22, inc. I), e funcional (art. 93, caput).140

Percebe-se, assim, que para a criação do Conselho Nacional de Justiça, não se

entenderam como maculados as garantias da independência do juiz e da Magistratura; a

autonomia federativa dos Estados-membros; o autogoverno do Poder Judiciário estadual; as

regras do Direito Administrativo, no tocante à discricionariedade dos atos administrativos

locais; e, enfim, o princípio Democrático do Estado de Direito.

O Conselho surge, inclusive, como instância original ou recursal de questões que

continuam a ser apreciadas pelos Conselhos Estaduais da Magistratura, pelas Corregedorias

de Justiça dos diversos tribunais, pelo Conselho da Justiça Federal (Art. 105, parágrafo único,

inciso I – CF/88) e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (Art. 111-A, § 2º, inciso II

– CF/88), algumas delas com superposição de atribuições e competências.

O problema nessa polêmica consiste na acomodação jurídica da possibilidade de

permuta ou remoção, entre Estados diferentes, de juízes pertencentes à Carreira da

Magistratura estadual. Vejam-se, então, algumas conceituações administrativas sobre Cargo

Público, Classe, Carreira, Quadro e Cargo de Carreira.

Cargo público é o lugar instituído na organização do serviço público, com denominação própria, atribuições e responsabilidades específicas e estipêndio correspondente, para ser provido e exercido por um titular, na forma estabelecida em lei.

Classe – É o agrupamento de cargos da mesma profissão, e com idênticas atribuições, responsabilidades e vencimentos. As classes constituem os degraus de acesso na carreira.

Carreira – É o agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram, mediante provimento originário. O conjunto de carreiras e de cargos isolados constitui o quadro permanente do serviço dos diversos Poderes e órgãos da Administração Pública. As carreiras iniciam-se e terminam nos respectivos quadros.

Quadro – É o conjunto de carreiras, cargos isolados e funções gratificadas de um mesmo serviço, órgão ou Poder. O quadro pode ser permanente ou provisório, mas sempre estanque, não admitindo promoção ou acesso de um para outro.

Cargo de Carreira – É o que se escalona em classes, para acesso privativo de seus titulares, até o da mais alta hierarquia profissional.141

O preenchimento do cargo público, com a designação de seu titular, dá-se por

Provimento, o qual pode ser originário ou inicial e derivado. O provimento inicial dá-se por 140 Id. ADI n.º 3.367/DF. 141 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balesteiro Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 387-389.

Page 211: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

209

nomeação e o derivado, por transferência, promoção, remoção, acesso, reintegração,

readmissão, enquadramento, aproveitamento ou reversão.142 Segundo Meirelles:

Em razão do art. 37, II, da CF, qualquer investidura em carreira diversa daquela em que o servidor ingressou por concurso é, hoje, vedada […] a única reinvestidura permitida sem concurso é a reintegração, decorrente da ilegalidade do ato de demissão.143

Com base nesses conceitos, poder-se-ia afirmar que o cargo público (Juiz de Direito), de

carreira (Magistratura Estadual), provido por concurso público (provimento inicial), é único

em todo o país, “pelo princípio da unidade do Judiciário como Poder nacional” 144 e que a

carreira de magistrado estadual é única, embora organizada por leis estaduais distintas.

Se o Supremo Tribunal Federal decidiu que a criação do Conselho Nacional de Justiça é

compatível com a regra constitucional que faculta a cada Estado organizar, fiscalizar e

disciplinar o seu Poder Judiciário, inclusive interferindo nesse processo, não é razoável que

esse entendimento dificulte o direito de esses Estados relativizar a sua autonomia e fazer

constar em suas leis e constituições a possibilidade de permutas e remoções entre juízes

interessados. Eventuais distorções de subsídios e de enquadramentos funcionais seriam

resolvidas com as renúncias pessoais e mútuas, sobre as quais já se comentou no item que

abordou a mitigação das garantias constitucionais dos juízes.

A se pensar diferente, também deveria ser proibida a incorporação do tempo de serviço

público, de qualquer espécie, para fins de aposentadoria e demais vantagens, na carreira do

magistrad o, independente da vinculação a órgão ou poder público anterior. Hoje é pacífico

que o tempo de serviço público prestado à administração direta, indireta, autárquica ou

fundacional, de qualquer ente Federal, Estadual ou Municipal, será aproveitado no somatório

do período total de serviço público do beneficiário.

Outros precedentes permissionários para a remoção e permuta entre juízes de tribunais

distintos já ocorreram na Justiça Federal e na Justiça do Trabalho.

Nesse sentido, o Conselho da Justiça Federal regulamentou, mediante Resolução,145 a

permuta e remoção de Juízes Federais e de Juízes Federais Substitutos da Justiça Federal de

142 Ibid., 2001, p. 392. 143 Ibid., 2001, p. 393. 144 BRASIL. STF. ADI n.º 3.367/DF, op. cit., p. 50. 145 BRASIL. Resolução n.º 8, de 28 novembro de 1989, do Conselho de Justiça Federal. Diário da Justiça, Brasília, DF, 30 nov. 1989, p. 17.738, Seção I. Disponível em: <http://daleth2.cjf.jus.br/download/res008.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2008.

Page 212: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

210

Primeiro Grau, de uma para outra Região, uniformizando os procedimentos atinentes à

matéria, condicionando-as à anuência dos Tribunais Regionais interessados, à identidade de

cargo com mesma natureza e denominação, ao princípio da publicidade e do amplo acesso aos

juízes interessados e à garantia da antiguidade, resolvendo-se as relocalizações por via de ato

administrativo.

Igualmente, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho expediu Resolução regulando o

exercício do direito de remoção, a pedido, de Juiz do Trabalho Substituto, entre Tribunais

Regionais do Trabalho,146 atendendo ao disposto no Art. 93, inciso VIII-A, da Constituição

Federal de 1988, e ao valor, também constitucional, de proteção à família, com regras e

condições, em suma, assemelhadas às adotadas pelo Conselho da Justiça Federal.

Nesses exemplos anteriores, os Tribunais Regionais Federais e do Trabalho também têm

autonomia para o exercício de seu autogoverno, porém, consensualmente, podem decidir

sobre esses deslocamentos funcionais.

O que talvez esteja faltando na organização judiciária estadual seja a criação de um

Conselho das Justiças Estaduais, que funcionaria junto ao Superior Tribunal de Justiça, a

exemplo do Conselho de Justiça Federal, considerando o fato de que o STJ é formado não só

por membros egressos da Magistratura Federal, mas também da Estadual, da Advocacia e do

Ministério Público.

De qualquer forma, se diversas são as leis estaduais criadoras de cargos na Magistratura

estadual, o mesmo ocorre na federal e na trabalhista, servindo esses Conselhos como órgãos

de aglutinação entre carreiras semelhantes.

O argumento de que o subsídio dos magistrados estaduais não é semelhante em todos os

Estados, mesmo entre os ocupantes de comarcas da mesma entrância ou complexidade,

também não subsiste, considerando que essa compatibilidade pode ser convencionada pelos

tribunais e beneficiários interessados, dentro de suas autonomias e renúncias pessoais.

Ademais, não tardará para que os Poderes Judiciários estaduais unifiquem em uma mesma

estruturação de carreira a nomenclatura, a classe e os subsídios de seus cargos, inclusive os

critérios de promoção por merecimento. Isso facilitará a operacionalização do princípio da

146 BRASIL. Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Resolução n.º 21, de 23 de maio de 2006. Disponível em: <http://informatica.jt.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/ASGP/LEGISLACAO/21REMOCAODEJUIZESVERSAOATUALIZADADOC>. Acesso em: 13 nov. 2008.

Page 213: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

211

unidade do Poder Judiciário, sem perda de autonomias e de distribuição de competências, mas

com a mobilidade necessária para a integração desse ramo do Poder Judiciário nacional.

O Art. 93, inciso VIII-A, da Constituição Federal de 1988, ao dispor que “a remoção a

pedido ou a permuta de Magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber,

ao disposto nas alíneas ‘a’, ‘b’, ‘c’ e ‘e’ do inciso II”, mencionou os termos comarca e

entrância, terminologia típica da Justiça Estadual, no entanto, são a Justiça Federal e a do

Trabalho que têm fundamentado suas Resoluções regulamentadoras de permutas e remoções

entre juízes, com base nesse dispositivo.

Quem sabe, quando esse consenso jurídico-político for aceito, possam os Estados-

membros da Federação otimizar a produção jurisdicional e o preenchimento de cargos de Juiz

de Direito vagos em diversos tribunais estaduais, de modo a integrar culturalmente este

grande País, trocar experiências efetivas, suprir uns aos outros em suas deficiências, eliminar

as barreiras coloniais que ainda separam Estados pobres e ricos, sulistas e nortistas,

interioranos e litorâneos, aproximar núcleos familiares, contribuir para o exercício com

segurança da função jurisdicional, “falar a mesma língua e aplicar o mesmo ordenamento

jurídico”.

Tudo é uma questão de interpretação da norma jurídica e de esforço democratizante no

Poder.

4.2.12 Publicização de decisões, acórdãos e despachos: a comunicação eletrônica

Se para a sociedade, em geral, e as partes envolvidas no processo, em particular, a

publicização de decisões, acórdãos e despachos, inclusive por meio eletrônico, atende ao

princípio do devido processo legal, especificamente, e ao princípio do Estado Democrático de

Direito, para todos o que têm interesse no controle difuso do Poder Judiciário, no plano da

democratização interna desse Poder essa prática favorece a difusão de ideias e informações,

possibilitando a otimização dos serviços judiciários prestados pelos magistrados e servidores

auxiliares.

Embora os atos judiciais tenham características evidenciadas por limites objetivos e

subjetivos, em uma sociedade de massas e pluralista é comum que muitos pedidos sejam

Page 214: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

212

semelhantes, assim como as necessidades subjetivas, as pretensões, as resistências e as

declarações dos interessados.

Com base nessa constatação, algumas instituições que atuam junto ao Poder Judiciário –

Ministério Público, Procuradorias Judiciais, Defensorias e Advocacias Públicas – elaboram

peças processuais sob a forma de minutas padronizadas, facilitando e socializando o trabalho

intelectual produzido, o que contribui para a formação de um banco de ideias, opiniões,

pareceres, defesas etc., disponibilizado em tempo real na rede eletrônica de computadores,

gerando uma memória institucional atualizada e interativa, reduzindo o tempo e concentrando

esforços para a redação das manifestações processuais.

A introdução do processo judicial eletrônico, criado pela Lei n.º 11.419, de 19 de

dezembro de 2006, possibilitou o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais,

comunicação de atos e transmissão de peças processuais, nos seguintes termos:

Art. 1º [...]

§ 2º Para o disposto nessa Lei, considera-se:

I – Meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais;

II – Transmissão eletrônica toda forma de comunicação à distância com a utilização de redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores;

III – Assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:

a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma da lei específica;

b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos.147

Ainda nos termos dessa Lei,

Art. 4º - Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.

[...]

§ 2º - A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal.

147 BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006. Dispõe sobre a informatização do processo judiciário; altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 e dá outras providências, Brasilia/DF, 2006.

Page 215: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

213

Esse avanço tecnológico adotado pelo Poder Judiciário contribuirá para a

desmaterialização do processo, com a sua consequente virtualização, levando a sociedade a

níveis de inclusão digital elevados e complexos, com controles estatísticos os mais diversos,

criando um aparato cibernético com custo social, segurança material e operacionalização,

ainda difícil de se mensurar em toda a sua extensão.

De qualquer forma, tudo caminha para esse vértice. Não há retrocesso nesses sistemas

de monitoramento. Convém que se aproveite o que nele há de melhor, como a celeridade, a

uniformidade possível, a eficiência na gestão de informações, a mobilidade das pessoas

envolvidas, a interligação com outras redes eletrônicas que têm conexão direta com os

problemas do judiciário (cadastros de veículos, sistema bancário, órgãos fazendários,

cartórios, juntas comerciais, presídios, delegacias, polícias, órgãos públicos em geral,

instituições sociais públicas e privadas, comunidades etc.)

O que é importante nesse novo horizonte processual é que os sistemas de

armazenamento de informações possuam uma gestão tal, que todos os seus usuários

autorizados tenham a mesma disponibilização, inclusive com direito aos dados mais

atualizados e pormenorizados, considerando que os meios físicos de pesquisa ficarão cada vez

mais escassos.

Necessário, portanto, que os tribunais e órgãos que atuam junto ao Poder Judiciário

mantenham atualizados os seus endereços eletrônicos, tornando-os didaticamente acessíveis,

com o maior número possível de informações, disponibilizando ao internauta-operador toda a

variedade de conexões e links que o possibilite realizar consultas e pesquisas sobre os mais

diversos temas do direito.

Nesse sentido, novos profissionais migrados de funções tradicionais ou contratados com

habilidades específicas deverão ser, majoritariamente, os futuros servidores públicos, com

formação multidisciplinar ou estritamente especializada. Serão eles responsáveis não tanto por

gerir pessoas e problemas humanos, mas sistemas complexos de informática, redes de

conexão, máquinas e equipamentos, prestadores de serviços de manutenção dessa parafernália

eletrônica, controles estatísticos e metas produtivas, cada vez mais arrojadas.

O novo sistema de gestão eletrônica do processo judicial depara-se com esse paradoxo:

democratizar pela tecnologia o aparelho jurisdicional, mas não sucumbir diante dessa nova

burocracia eletrônica, que sob a aparência da eficiência e da tecnicidade pode transformar a

Page 216: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

214

aplicação da norma jurídica e a efetivação do direito e da Justiça em um novo mito, com o

símbolo da pós-modernidade.

4.2.13 Ampliação e descentralização do acervo bibliográfico dos tribunais: uma proposta cooperativa

É comum a existência de bibliotecas nos tribunais. O que dizer, então, das comarcas, no

Primeiro Grau de Jurisdição?

É preciso que o acervo bibliográfico do Poder Judiciário seja descentralizado por todos

os seus órgãos, abrangendo não só os tribunais e as entrâncias ou juízos das capitais, mas

também as mais longínquas comarcas, normalmente carentes de fontes de consulta,

bibliotecas municipais ou eventos jurídicos, onde se intercambiam livros.

O fato de que a centralização desse acervo não impossibilita o uso por todos os

membros do Judiciário e de seu quadro funcional não é sustentável, na medida em que é

inviável vencer as grandes distâncias somente para realizar pesquisas, considerando a

frequência dessa necessidade e a quantidade de outras atribuições rotineiras de uma unidade

jurisdicional.

Resta então a aquisição individual de livros, com recursos próprios, quando na realidade

os livros adquiridos são utilizados para o desempenho do exercício funcional, que é público.

Para essas unidades judiciárias desassistidas, quando muito, são destinadas apenas

Códigos e compilações de leis, e nada mais. Uma sugestão razoável seria a criação de

bibliotecas regionais, que pudessem servir de suporte às unidades jurisdicionais, porém,

dotando cada uma dessas comarcas ou juízos locais de um acervo mínimo doutrinário, o que

seria socializado, inclusive, com toda a comunidade.

O saber precisa também ser democratizado. A disponibilização de bibliotecas virtuais na

rede de comunicação eletrônica, como já se faz nos Tribunais Superiores e no Supremo

Tribunal Federal, é uma solução viável, sob todos os aspectos.

Negociações poderiam ser realizadas entre editoras e autores para a aquisição de livros,

repertórios jurisprudenciais e informativos que pudessem ser disponibilizados, mediante

contratos comerciais corporativos, o que reduziria custos. Outras obras, já do domínio

Page 217: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

215

público, poderiam ser acessadas através de uma rede centralizada, mas extensiva aos usuários

periféricos.

Convênios com bibliotecas públicas viabilizariam o acesso de suas obras. Enfim, sem

prejuízo de que a formação de uma biblioteca particular é um dos estímulos para o

desenvolvimento da intelectualidade, a democratização interna no Poder Judiciário também

deve evoluir para que magistrados e servidores possam crescer intelectualmente, tendo acesso

igualmente, independente do grau de jurisdição a que estejam vinculados, a cursos,

congressos, pós-graduações e discussões coletivas diversas, assim como às fontes legislativa e

doutrinária disponíveis nos grandes centros, em regra reservadas apenas aos que já galgaram

os últimos degraus da carreira, o que é mais uma deficiência do sistema hierárquico e

verticalizado da estrutura de Poder.

4.2.14 Distribuição equitativa de juízes, desembargadores e ministros nos órgãos judiciários: critérios e tabelas

Uma das distorções que existem no Sistema Judiciário brasileiro, e que repercute

diretamente na vivência democrática do povo, é a proporção existente entre a população

residente em um Estado ou Região do país, a quantidade de magistrados e a despesa do Poder

Judiciário em relação ao Produto Interno Bruto.148

Supõe-se, por razoabilidade e lógica estatísticas, que quanto maior é a população de um

Estado ou Região e o seu PIB, maior deverá ser o número de magistrados e a despesa pública

com o Poder Judiciário. O equacionamento dessas variáveis contribui com a distribuição

equitativa da prestação jurisdicional para a população, considerando o volume de processos

sob a responsabilidade de cada magistrado e o custo público para a efetivação da Justiça.

A análise desses números mostra o que Estados ou Regiões investem para o

aperfeiçoamento do seu aparelho judiciário e qual o nível de comprometimento do Poder com

a democratização da Justiça. Algumas conclusões parecem inevitáveis, tais como:

a) Há um consenso político tácito que sugere a contenção da expansão do Poder,

omitindo-se o Judiciário, o Executivo e o Legislativo, a partir da inércia nas

148 O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma de todos os serviços e bens produzidos num período, numa determinada região. Ele é um importante indicador da atividade econômica. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/o_que_e/pib.htm>. Acesso em: 2 dez. 2008.

Page 218: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

216

propostas reformadoras da Organização Judiciária, na votação de matérias afins e

na liberação de verbas, respectivamente;

b) Esse consenso visa à opção por outras metas de desenvolvimento da sociedade ou,

simplesmente, à atomização e concentração do poder;

c) O Poder Judiciário quer expandir a prestação jurisdicional, mas o sistema

democrático no Executivo e no Legislativo não é consensual, por distorções

políticas;

d) Não há recursos financeiros públicos para essa expansão.

Essas conclusões conduzem à percepção sobre as distorções no sistema federativo

através do qual se estrutura o Poder Judiciário, com resultados na qualidade do padrão

democrático de cada nicho populacional, representado neste estudo pela abertura que se

propõe ao Poder Judiciário para legitimá-lo.

O que não é compreensível é que Estados que têm o Produto Interno Bruto mais elevado

do que outros e contribuam com percentual maior no somatório da riqueza do país, sejam

menos assistidos e providos na organização e funcionamento de seu Poder Judiciário.

Para a coleta de dados estatísticos, esta dissertação valeu-se de informações disponíveis

até maio de 2009, em sites oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dos

Tribunais de Justiça estaduais, do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho da Justiça

Federal e do Tribunal Superior do Trabalho, cotejando os números apresentados e formulando

algumas observações.

Destaca-se o fato de que não há uma compilação atualizada e precisa para todas as

variáveis estudadas, considerando que a organização dos dados é feita com base em

informações dos diversos órgãos e que alguns resultados ou são estimativos ou atrasados em

relação ao tempo real. No entanto, são dados que em algum momento representaram a

verdade captada pelos processos estatísticos. Como mencionado em tópicos anteriores, há

uma certa despadronização na apresentação dos sites oficiais, dificultando o acesso do

pesquisador. A checagem, por outros meios, mediante consulta direta aos órgãos envolvidos,

também não é tarefa fácil, a despeito de solicitações e incursões nesse sentido.

Page 219: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

217

Necessário, portanto, que haja uma padronização na disponibilização dessas

informações, com links que direcionem a dados objetivos, variados e sintéticos, atualizados

com a mesma frequência com que são criadas e condensadas as situações reais, o que hoje é

facilmente possível na dinâmica da informatização dos tribunais.

Atente-se, por exemplo, para a organização da Justiça Estadual. A Tabela 1 lista a

quantidade de cargos de desembargador nos Tribunais de Justiça, relacionados por Estado,

atualizada até 20.11.2008, pelos sites oficiais de cada tribunal estadual; a população residente

nas capitais e nos Estados, contada pelo IBGE, em alguns casos, por estimativa, com posição

em 01.04.2007; a participação de cada Estado na formação do Produto Interno Bruto nacional

e a relação entre a quantidade de desembargadores estaduais e a população residente nas

unidades federativas estaduais. Analisando essas tabelas, formulam-se algumas conclusões,

tomando-se como referência um ou outro Estado, apenas para exemplificação:

- A Bahia é o quarto Estado mais populoso. Tem a sexta colocação na participação do

PIB nacional e representa a pior proporção no resultado da divisão entre o total da população

e o de desembargadores desse Estado, ocupando a 27ª posição no Brasil;

O Ceará tem a oitava maior população do país; a 12ª colocação na participação do PIB

nacional e a 26ª no resultado da divisão entre o total da população e o de desembargadores

desse Estado, perdendo apenas para a Bahia.

Ainda em relação ao Ceará, há 15 Estados que têm o PIB menor do que o seu e, ainda

assim, a proporção entre a população e a quantidade de desembargadores nesses Estados é

mais vantajosa do que naquela unidade federativa.

Se forem analisadas as regiões geográficas, observa-se que apenas a Região Sudeste tem

percentual do PIB superior ao da participação na quantidade total de desembargadores do

país. Nas demais regiões, o percentual do PIB é sempre inferior ao percentual do número de

desembargadores, implicando dizer que não há relação direta entre a elevação do número de

desembargadores e o crescimento do PIB, pelo menos em termos fáticos. Outra constatação é

a de que apenas nas Regiões Norte e Nordeste o percentual de desembargadores sobre a

quantidade nacional é inferior ao percentual da população residente no país, aferida

regionalmente.

Page 220: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

218

Em se tratando de média nacional da proporção (população X desembargador), há 13

Estados cujo quantitativo é inferior àquele referencial, excluídos daí todos os Estados

nordestinos, concluindo-se que nas 14 Unidades Federativas restantes há menos magistrados

de Segundo Grau na Justiça Estadual para o conjunto da população do que nos demais. Se

forem considerados os dados tabulados pelo Conselho Nacional de Justiça,149 referente ao ano

2007, cujas variáveis são a quantidade de magistrados estaduais, tanto no Primeiro quanto no

Segundo Grau de jurisdição, além da população total desses Estados e da proporção entre

magistrados e população, formulam-se algumas conclusões:

- A Região Sudeste tem a maior população residente, a maior quantidade de juízes

estaduais e a antepenúltima posição na proporção desses juízes, por 100.000 habitantes,

igualando-se, neste caso, à média nacional;

- A Região Nordeste tem a segunda maior população residente no país, a segunda maior

quantidade de juízes estaduais por região geográfica e a pior média na proporção desses

juízes, por cada 100.000 habitantes, estando abaixo da média nacional;

A Região Centro-Oeste é a que apresenta os melhores números distributivos, se

comparadas a quantidade de juízes de direito, a população residente e a média de juízes por

cada 100.000 habitantes, superando em 33,3% a média nacional, que é de seis juízes estaduais

por cada 100.000 habitantes.

149 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - C.N.J. Indicadores estatísticos da Justiça Estadual, 2007. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justiça_ em_numeros_2007.pdf.> Acesso em: 7 mar. 2009.

Page 221: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

219

Tabela 1 Dados estatísticos do PIB, população e quantidade de desembargadores estaduais, por região

REGIÃO UF

POSIÇÃO NO PIB

NACIONAL/2006

% PARTICIPAÇÃO

NO PIB NACIONAL/

2006 (1)

DESEMBARGADORES ESTADUAIS

20.11.2008 (2)

POPULAÇÃO/ESTADO

01.04.2007 (3)

POPULAÇÃO/ CAPITAL

01.04.2007 (4)

POPULAÇÃO POR

DESEMBAR-GADOR

CO DF 8 3,78 35 2.455.903 2.455.903 ** 70.169 CO GO 9 2,41 32 5.647.035 1.244.645 ** 176.470 CO MT 15 1,49 30 2.854.642 526.831..... 95.155 CO MS 17 1,03 29 2.265.274 724.524..... 78.113

NE BA 6 4,07 35 14.080.654 2.892.625 ** 402.304 NE PE 10 2,34 39 8.485.386 1.533.580 ** 217.574 NE CE 12 1,95 27 8.185.286 2.431.415 ** 303.159 NE MA 16 1,21 24 6.118.995 957.515..... 254.958 NE RN 18 0,87 15 3.013.740 774.230..... 200.916 NE PB 19 0,84 19 3.641.395 674.762..... 191.652 NE AL 20 0,66 11 3.037.103 896.965..... 276.100 NE SE 21 0,64 13 1.939.426 520.303..... 149.187 NE PI 23 0,55 15 3.032.421 779.939..... 202.161

NO PA 13 1,87 30 7.065.573 1.408.847 ** 235.519 NO AM 14 1,65 18 3.221.939 1.646.602..... 178.997 NO RO 22 0,55 17 1.453.756 369.345..... 85.515 NO TO 24 0,41 12 1.243.627 178.386..... 103.636 NO AP 25 0,22 9 587.311 344.153..... 65.257 NO AC 26 0,20 9 655.385 290.639..... 72.821 NO RR 27 0,16 7 395.725 249.853..... 56.532

SE SP* 1 33,87 360 39.827.570 10.886.518 ** 110.632 SE RJ 2 11,62 180 15.420.375 6.093.472 ** 85.669 SE MG 3 9,06 140 19.273.506 2.412.937 ** 137.668 SE ES 11 2,23 26 3.351.669 314.042 ** 128.910

SU RS 4 6,62 140 10.582.840 1.420.667 ** 75.592 SU PR* 5 5,77 120 10.284.503 1.797.408 ** 85.704 SU SC* 7 3,93 50 5.866.252 396.723 ** 117.325

TOTAL 100,00 1.442 183.987.291 44.222.829 127.592

Fonte: Elaborada pelo autor. IBGE. Contagem e estimativas da população 2007. População residente em 01.04.2007. (*) Tribunais que têm Juízes de Direito Substitutos de Segundo Grau, embora sejam Juízes de Primeiro Grau: SP (78); PR (52); SC (18). (**) População Estimada. 1. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencial/noticia_visualiza-php?id_noticia=1264&id_pagina=1>. Acesso em 24 nov. 2008. 2. Disponível em sites oficiais dos Tribunais de Justiça: <http://www.tj.(estado).jus.br>. Acesso em: 24 nov. 2008. 3. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/estadosat>. Acesso em: 24 nov. 2008. 4. Disponível em:<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/popmunic2007layoutTCU14112007.xls>. Acesso em: 24 nov. 2008.

Page 222: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

220

Tabela 2 Participação regional no PIB nacional – ano base 2006

REGIÃO PARTICIPAÇÃO NO PIB / 2006 %

CO NE NO SE SU

8,71 13,13

5,06 56,78 16,32

TOTAL 100,00 Fonte: Tabela 1

Gráfico 1 Participação regional no PIB nacional – ano base 2006. Fonte: Tabela 1.

Page 223: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

221

Tabela 3 Quantidade de desembargadores estaduais por região, com percentuais – Posição em: 20.11.2008

REGIÃO DESEMBARGADORES

ESTADUAIS PERCENTUAL

%

CO

NE

NO

SE

SU

126

198

102

706

310

8,74

13,73

7,07

48,96

21,50 TOTAL 1.442 100,00

Fonte: Tabela 1

Gráfico 2 Quantidade de desembargadores estaduais por região, com percentuais – 20.11.2008. Fonte: Tabela 1

Page 224: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

222

Tabela 4 População por região, com percentuais

REGIÃO HABITANTES PERCENTUAL

%

CO

NE

NO

SE

SU

13.222.854

51.534.406

14.623.316

77.873.120

26.733.595

7,19

28,01

7,95

42,32

14,53

TOTAL 183.987.291 100,00 Fonte: Tabela 1

Gráfico 3 População por região, com percentuais Fonte: Tabela 1

Page 225: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

223

Tabela 5 População por desembargador estadual

REGIÃO

HABITANTES POR CADA

DESEMBARGADOR

ESTADUAL

CO

NE

NO

SE

SU

104.943

260.275

143.366

110.302

86.237

BRASIL 127.592 Fonte: Tabela 1

Gráfico 4 População por desembargador estadual Fonte: Tabela 1

Page 226: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

224

Tabela 6 Magistrados da Justiça Estadual, por 100.000 habitantes

UF Magistrados h2 G8

Acre 49 7 7,5 Alagoas 124 30 4,1 Amapá 68 6 11,6 Amazônia 208 32 6,5 Bahia 601 141 4,3 Ceará 371 82 4,5 Distrito Federal 284 25 11,6 Espírito Santo 430 34 12,8 Goiás 316 56 5,6 Maranhão 261 61 4,3 Mato Grosso 269 29 9,4 Mato Grosso do Sul 193 23 8,5 Minas Gerais 979 193 5,1 Pará 286 71 4,0 Paraíba 267 36 7,3 Paraná 687 103 6,7 Pernambuco 473 85 5,6 Piauí 146 30 4,8 Rio de Janeiro 900 154 5,8 Rio Grande do Norte 226 30 7,5 Rio Grande do Sul 809 106 7,6 Rondônia 125 15 8,6 Roraima 35 4 8,8 Santa Catarina 410 59 7,0 São Paulo 2.363 398 5,9 Sergipe 138 19 7,1 Tocantins 100 12 8,0 GERAL 11.118 1.840 6,0 Fonte: BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Indicadores estatísticos da Justiça Estadual, 2007. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica_em_numeros_2007.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2009.

Mag

h2

Onde:

Mag → Número de magistrados do Estado.

h2 → Número total de habitantes do Estado dividido por 100.000.

G8 =

Page 227: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

225

Gráfico 5 Magistrados da Justiça Estadual, por 100.000 habitantes. Fonte: BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Indicadores estatísticos da Justiça Estadual. 2007. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios/justica _em_ numeros _2007.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2009.

Page 228: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

226

Tabela 7 Magistrados estaduais por cada 100.000 habitantes, por região

REGIÃO MAGISTRADOS HABITANTES

(POR 100.000)

MAGISTRADOS

POR 100.000 HAB.

CO 1.062 133 8,0

NE 2.607 514 5,1

NO 871 147 5,9

SE 4.672 779 6,0

SU 1.906 268 7,1

TOTAL 11.118 1.840 6,0 Fonte: Tabela 6

Gráfico 6 Magistrados estaduais por região, com percentuais

Fonte: Tabela 7

Na Justiça do Trabalho as distorções na distribuição do quantitativo de Juízes do

Trabalho também não são diferentes da Justiça Comum. Analisando os números oficiais,

percebe-se que enquanto a média nacional de magistrados trabalhistas é de 1,7 por cada

100.000 habitantes, há Estados que têm índice mais de duas vezes abaixo dessa média, como

são os casos do Ceará (0,7) e do Maranhão (0,8), consoante levantamento estatístico

organizado pelo Conselho Nacional de Justiça. Confira-se, nesse sentido, a Tabela 8 a seguir.

Page 229: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

227

Se considerados os números fornecidos pelo Tribunal Superior do Trabalho em relação

ao período 2004-2007, as distorções continuam as mesmas, variando apenas em valores

absolutos, posicionando-se os Estados do Ceará e do Maranhão na última e penúltima

colocações, respectivamente, em relação à quantidade de magistrados a cada 100.000

habitantes, abaixo mais do que o dobro da média nacional.

Considerando os PIBs desses Estados e as suas populações, esses são exemplos

indiscutíveis de uma desigual distribuição da justiça no âmbito laboral, repercutindo

profundamente nas relações democráticas do Poder. As Tabelas 9 a 11 demonstram as

diferenças entre os Estados, inclusive quanto ao número de varas, sem qualquer razão objetiva

aparente.

A disparidade que existe na distribuição de juízes por habitante é confirmada pelo total

da despesa efetuada pela União para custeio da Justiça Trabalhista. Emprega-se, portanto,

menos recursos orçamentários nos Estados mais desassistidos de juízes do que nos demais. É

como se a despesa pública não acompanhasse a lógica arrecadadora da receita, nem por

equilíbrio federativo, nem por proporção distributivo-tributária (Tabela 12).

Page 230: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

228

Tabela 8 Magistrados da Justiça do Trabalho por cada 100.000 habitantes

Região UF Mag. h2 G8 1ª Rio de Janeiro 329 154 2,1 2ª São Paulo 340 206 1,7 3ª Minas Gerais 273 193 1,4 4ª Rio Grande do Sul 264 106 2,5 5ª Bahia 213 141 1,5 6ª Pernambuco 144 85 1,7 7ª Ceará 56 82 0,7 8ª Pará / Amapá 101 77 1,3 9ª Paraná 165 103 1,6

10ª DF / Tocantins 97 37 2,6 11ª Amazonas / Roraima 56 36 1,5 12ª Santa Catarina 125 59 2,1 13ª Paraíba 64 36 1,8 14ª Rondônia / Acre 55 21 2,6 15ª Campinas 311 193 1,6 16ª Maranhão 49 61 0,8 17ª Espírito Santo 61 34 1,8 18ª Goiás 76 56 1,3 19ª Alagoas 47 30 1,5 20ª Sergipe 30 19 1,5 21ª Rio Grande do Norte 45 30 1,5 22ª Piauí 34 30 1,1 23ª Mato Grosso 64 29 2,2 24ª Mato Grosso do Sul 59 23 2,6

GERAL 3.058 1.840 1,7 Fonte: BRASIL. C.N.J. (2007, on line).

Mag

h2

Onde:

Mag → Número de magistrados da Região.

h2 → Número total de habitantes da Região dividido por 100.000.

G8 =

Page 231: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

229

Gráfico 7 Magistrados da Justiça do Trabalho, por cada 100.000 habitantes Fonte: BRASIL. C.N.J. (2007, on line)

Page 232: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

230

Tabela 9 Magistrados da Justiça do Trabalho a cada 100.000 habitantes 2004/2007 (cargos providos) Ordem decrescente por magistrados a cada 100.000 habitantes em 2007

REGIÃO MAGISTRADOS A CADA 100.000 HABITANTES

2004 2005 2006 2007

10ª – DF / Tocantins

14ª - Rondônia / Acre

24ª – Mato Grosso do Sul

4ª – Rio Grande do Sul

23ª Mato Grosso

12ª – Santa Catarina

17ª – Espírito Santo

1ª – Rio de Janeiro

13ª – Paraíba

6ª – Pernambuco

2ª – São Paulo

15ª – Campinas

9ª – Paraná

11ª – Amazonas / Roraima

19ª – Alagoas

20ª – Sergipe

5ª – Bahia

21ª – Rio Grande do Norte

3ª – Minas Gerais

18ª – Goiás

8ª – Pará / Amapá

22ª – Piauí

16ª – Maranhão

7ª – Ceará

2,17

2,37

1,97

2,06

1,56

1,77

1,61

1,81

1,43

1,51

1,45

1,47

1,48

1,51

1,31

1,60

1,23

1,38

1,24

1,31

1,24

0,81

0,58

0,55

2,45

2,27

2,21

2,31

1,68

1,96

1,67

1,83

1,36

1,57

1,48

1,43

1,46

1,46

1,39

1,58

1,17

1,33

1,26

1,35

1,20

0,80

0,62

0,53

2,64

2,62

2,22

2,28

2,03

2,08

1,73

1,82

1,52

1,55

1,54

1,51

1,44

1,53

1,51

1,50

1,30

1,41

1,35

1,34

1,23

1,02

0,65

0,67

2,62

2,61

2,60

2,49

2,24

2,13

1,82

1,80

1,76

1,70

1,64

1,63

1,59

1,55

1,55

1,55

1,51

1,43

1,42

1,33

1,29

1,12

0,80

0,68

Média 1,48 1,52 1,60 1,70

Tribunal Superior do Trabalho 0,01 0,01 0,01 0,01

Justiça do Trabalho 1,45 1,48 1,55 1,63 Fonte: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. JT – Relatório Geral da Justiça do Trabalho. Indicadores de desempenho- Coordenadoria de Estatística do TST. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 8 mar. 2009. Nota: 1. Metodologia: Magistrados Fórmula: Magistrados / Habitantes = Habitantes ÷ 100.000 Variáveis: Magistrados – Cargos providos

Habitantes – Fonte: IBGE

2. Em destaque, valores acima da média em 2007.

Page 233: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

231

Gráfico 8 Magistrados da Justiça do Trabalho a cada 100.000 habitantes 2004/2007 (cargos providos)

Fonte: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. JT – Relatório Geral da Justiça do Trabalho. Indicadores de desempenho- Coordenadoria de Estatística do TST. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 8 mar. 2009.

Page 234: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

232

Tabela 10 Magistrados da Justiça do Trabalho a cada 100.000 habitantes 2004/2007 (cargos existentes) Ordem decrescente por magistrados a cada 100.000 habitantes em 2007

REGIÃO MAGISTRADOS A CADA 100.000 HABITANTES

2004 2005 2006 2007

14ª - Rondônia / Acre

24ª – Mato Grosso do Sul

10ª – DF / Tocantins

4ª – Rio Grande do Sul

23ª Mato Grosso

12ª – Santa Catarina

1ª – Rio de Janeiro

11ª – Amazonas / Roraima

9ª – Paraná

17ª – Espírito Santo

2ª – São Paulo

13ª – Paraíba

15ª – Campinas

6ª – Pernambuco

3ª – Minas Gerais

20ª – Sergipe

19ª – Alagoas

21ª – Rio Grande do Norte

5ª – Bahia

8ª – Pará / Amapá

18ª – Goiás

22ª – Piauí

16ª – Maranhão

7ª – Ceará

2,87

2,06

2,60

2,17

1,60

1,87

1,91

1,65

1,50

1,61

1,68

1,63

1,52

1,60

1,40

1,60

1,31

1,42

1,29

1,28

1,31

0,81

0,66

0,63

3,22

2,83

2,80

2,44

2,43

2,15

2,14

1,99

1,95

1,88

1,86

1,89

1,75

1,75

1,61

1,58

1,56

1,53

1,55

1,49

1,42

1,13

0,88

0,74

3,16

2,79

2,74

2,43

2,38

2,11

2,11

1,94

1,93

1,85

1,83

1,88

1,72

1,73

1,59

1,55

1,54

1,51

1,53

1,46

1,40

1,12

0,87

0,73

3,37

2,82

2,76

2,51

2,38

2,15

2,13

1,99

1,94

1,91

1,87

1,87

1,79

1,73

1,61

1,60

1,55

1,53

1,52

1,48

1,42

1,12

0,88

0,73

Média 1,58 1,86 1,83 1,86

Tribunal Superior do Trabalho 0,01 0,01 0,01 0,01

Justiça do Trabalho 1,55 1,80 1,78 1,81 Fonte: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. JT – Relatório Geral da Justiça do Trabalho. Indicadores de desempenho- Coordenadoria de Estatística do TST. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 8 mar. 2009. Nota: 1. Metodologia: Magistrados Fórmula: Magistrados / Habitantes = habitantes÷ 100.000 2. Em destaque, valores acima da média em 2007.

Page 235: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

233

Gráfico 9 Magistrados da Justiça do Trabalho a cada 100.000 habitantes (cargos existentes). Fonte: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. JT – Relatório Geral da Justiça do Trabalho. Indicadores de desempenho- Coordenadoria de Estatística do TST. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 8 mar. 2009.

Page 236: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

234

Tabela 11 Varas do Trabalho – situação em agosto de 2008

Região Judiciária Existentes (18.08.2008) A Serem Criados

(Lei n.º 10.770) Total de Cargos

Titulares Substitutos Subtotal Titulares Substitutos Subtotal Titulares Substitutos Total

1ª – RJ 132 139 271 2 2 4 134 141 275

2ª – SP 163 161 324 -- -- -- 163 161 324

3ª – MG 137 137 274 -- -- -- 137 137 274

4ª – RS 115 115 230 -- -- -- 115 115 230

5ª – BA 88 97 185 -- -- -- 88 97 185

6ª – PE 61 68 129 -- -- -- 61 68 129

7ª – CE 26 26 52 -- -- -- 26 26 52

8ª – PA e AP 45 45 90 -- -- -- 45 45 90

9ª – PR 81 81 162 5 5 10 86 86 172

10ª – DF e TO 32 53 85 -- -- -- 32 53 85

11ª – AM e RR 32 32 64 -- -- -- 32 32 64

12ª – SC 54 54 108 -- -- -- 54 54 108

13ª – PB 27 33 60 -- -- -- 27 33 60

14ª – RO e AC 32 31 63 -- -- -- 32 31 63

15ª – Campinas/SP 153 153 306 -- -- -- 153 153 306

16ª – MA 21 25 46 -- -- -- 21 25 46

17ª – ES 24 32 56 -- -- -- 24 32 56

18ª – GO 36 36 72 -- -- -- 36 36 72

19ª – AL 19 20 39 -- -- -- 19 20 39

20ª – SE 12 11 23 -- -- -- 12 11 23

21ª – RN 18 20 38 -- -- -- 18 20 38

22ª – PI 11 15 26 -- -- -- 11 15 26

23ª – MT 26 34 60 -- -- -- 26 34 60

24ª – MS 26 30 56 -- -- -- 26 30 56

TOTAL NO PAÍS 1.371 1.448 2.819 7 7 14 1.378 1.455 2.833

Fonte: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (2009, on line)

Page 237: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

235

Tabela 12 Despesas total da Justiça do Trabalho por habitante 2004/2007 Ordem decrescente (pela despesa por habitante) em 2007.

REGIÃO MAGISTRADOS A CADA 100.000 HABITANTES

2004 2005 2006 2007

14ª - Rondônia / Acre

10ª – DF / Tocantins

4ª – Rio Grande do Sul

11ª – Amazonas / Roraima

12ª – Santa Catarina

1ª – Rio de Janeiro

1 3ª – Paraíba

24ª – Mato Grosso do Sul

2ª – São Paulo

6ª – Pernambuco

3ª – Minas Gerais

23ª Mato Grosso

20ª – Sergipe

21ª – Rio Grande do Norte

9ª – Paraná

5ª – Bahia

15ª – Campinas

17ª – Espírito Santo

8ª – Pará / Amapá

19ª – Alagoas

18ª – Goiás

7ª – Ceará

22ª – Piauí

16ª – Maranhão

R$ 51,73

R$ 58,33

R$ 43,83

R$ 48,94

R$ 40,85

R$ 46,33

R$ 44,47

R$ 32,42

R$ 32,22

R$ 34,40

R$ 34,10

R$ 29,18

R$ 35,63

R$ 27,85

R$ 25,98

R$ 26,49

R$ 24,03

R$ 24,88

R$ 26,55

R$ 22,97

R$ 19,65

R$ 15,38

R$ 13,98

R$ 9,52

R$ 57,48

R$ 62,92

R$ 49,25

R$ 52,10

R$ 44,15

R$ 48,26

R$ 47,39

R$ 37,96

R$ 34,21

R$ 36,03

R$ 34,64

R$ 40,56

R$ 39,28

R$ 30,68

R$ 29,77

R$ 29,53

R$ 27,09

R$ 28,40

R$ 28,83

R$ 24,02

R$ 21,83

R$ 17,45

R$ 17,55

R$ 11,37

R$ 68,45

R$ 72,47

R$ 57,76

R$ 56,42

R$ 53,73

R$ 52,57

R$ 53,15

R$ 42,89

R$ 42,40

R$ 42,19

R$ 40,18

R$ 42,13

R$ 46,62

R$ 34,89

R$ 35,58

R$ 33,62

R$ 31,80

R$ 33,66

R$ 32,39

R$ 30,63

R$ 25,97

R$ 20,20

R$ 21,12

R$ 13,97

R$ 76,17

R$ 73,70

R$ 65,46

R$ 60,26

R$ 58,33

R$ 57,00

R$ 55,93

R$ 46,49

R$ 46,41

R$ 45,02

R$ 42,13

R$ 41,26

R$ 40,02

R$ 37,84

R$ 37,74

R$ 35,84

R$ 35,70

R$ 35,27

R$ 33,81

R$ 31,40

R$ 27,48

R$ 20,92

R$ 20,69

R$ 14,67

Média R$ 32,07 R$ 35,45 R$ 41,01 R$ 43,31

Tribunal Superior do Trabalho R$ 2,38 R$ 2,74 R$ 2,66 R$ 2,33

Justiça do Trabalho R$ 33,93 R$ 37,06 R$ 42,55 R$ 45,08 Fonte: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. JT – Relatório Geral da Justiça do Trabalho. Indicadores de desempenho- Coordenadoria de Estatística do TST. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 8 mar. 2009. Nota: 1. Metodologia: Despesa Fórmula: Despesa / Habitantes = Habitantes Variáveis: Despesa – refere-se à despesa executada. Habitantes – Fonte: IBGE.

2. Em destaque, valores acima da média em 2007.

Page 238: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

236

Gráfico 10 Despesa total da Justiça do Trabalho por habitante 2004/2007 Fonte: BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. JT – Relatório Geral da Justiça do Trabalho. Indicadores de desempenho- Coordenadoria de Estatística do TST. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 8 mar. 2009

Page 239: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

237

Gráfico 11 Despesa total da Justiça do Trabalho por habitante Fonte: BRASIL. CNJ (2007, on line)

Page 240: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

238

Na Justiça Federal a distorção também é evidente. A 5ª Região, com sede na cidade de

Recife e jurisdição sobre os Estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do

Norte e Sergipe, tem o menor número de juízes por cada 100.000 habitantes, segundo dados

coletados pelo Conselho Nacional de Justiça (Tabela 13).

Ao se comparar os dados do Conselho Nacional de Justiça com os do Conselho da

Justiça Federal, continuam as diferenças no que pertine à quantidade de juízes federais de

Primeiro e Segundo Graus, por Região, acompanhando também a desproporção com o

percentual populacional regional (Tabelas 14 a 18).

Essa discrepância entre as Regiões tem consequências no total das despesas efetivadas,

concluindo-se que o custo per capta da Justiça Federal é diferente, por Região, chegando a

União a despender recursos com a 2ª Região em montante equivalente a mais do que o dobro

do gasto com a 5ª Região (Tabela 19).

Nos Tribunais Superiores e no Superior Tribunal Federal, mesmo que se criem

mecanismos legais para conter o conhecimento e o processamento de recursos e ações

originárias1, ainda é grande o volume de processos distribuídos a cada um de seus membros.

A criação de novos cargos nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal ou

a consolidação desta Corte como Tribunal Constitucional são medidas que merecem ser

avaliadas, considerando o incremento do acervo jurisdicional nas instâncias inferiores que, em

grande parte, culmina por alcançar os últimos graus de Jurisdição.

Ao se considerar que 93 magistrados compõem os Tribunais Superiores, sendo que

cinco deles acumulam funções no Tribunal Superior Eleitoral, no Superior Tribunal de Justiça

e no Supremo Tribunal Federal, e que este Tribunal é composto por apenas 11 membros, o

Poder Judiciário, em sua última instância, é representado por apenas 88 diferentes ministros,

excluídos os membros do Conselho Nacional de Justiça, enquanto o Poder Legislativo

Federal, formado pela Câmara e pelo Senado Federal, é composto por 513 e 81 membros,

respectivamente, totalizando 594 parlamentares.

1 No Supremo Tribunal Federal, o instituto da Repercussão Geral e o da Súmula Vinculante, Arts. 102, § 3º e 103-A, da C.F./88, respectivamente, e as Súmulas Impeditivas de Recursos, no STJ e no STF (Lei nº 11.276/2006), assim como a Lei de Recursos Repetitivos, no STJ (Lei nº 11.672/2008), são algumas das providências que as reformas na Constituição e nas Leis Ordinárias têm efetivado para diminuir o volume de processos no STJ e no STF.

Page 241: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

239

De imediato, já se percebe a desproporção em relação ao Poder Judiciário. Acrescenta-

se, ainda, o fato de que a jurisdição é indelegável, tendo os membros do Judiciário que exercê-

la pessoalmente, salvo a possibilidade de algumas delegações instrutórias.

A Tabela 20 mostra a quantidade de processos julgados no Superior Tribunal de Justiça

desde a sua implantação até dezembro de 2008. Dividindo-se por 33 Ministros – o total da sua

composição -, tem-se a dimensão da carga de trabalho para cada um deles. No Supremo

Tribunal Federal a problemática não é diferente (Tabela 21).

Tabela 13 Magistrados da Justiça Federal por 100.000 habitantes

Região Mag. h2 G8

1ª Região 383 681 0,56

2ª Região 240 188 1,28

3ª Região 331 421 0,79

4ª Região 349 267 1,31

5ª Região 144 283 0,51

GERAL 1.447 1.840 0,79 Fonte: BRASIL. CNJ (2007, on line)

Mag

h2

Onde:

Mag → Número de magistrados da Região

h2 → Número total de habitantes da Região dividido por 100.000.

G8 =

Page 242: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

240

Gráfico 12 Magistrados da Justiça Federal por 100.000 habitantes Fonte: Tabela 13

Page 243: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

241

Tabela 14 Número de habitantes por Juiz Federal do Primeiro Grau – posição em 30.03.2008

REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA N.º DE JUÍZES (1) N.º DE

HABITANTES N.º HABITANTES

POR JUIZ Distrito Federal 52 2.383.784 45.842 Acre 4 686.652 171.663 Amazonas 10 3.311.026 551.838 Amapá 6 615.715 102.619 Bahia 62 13.950.146 225.002 Goiás 34 5.730.753 168.552

1ª Maranhão 17 6.184.538 363.796 Minas Gerais 105 19.479.356 185.518

Mato Grosso 15 2.856.999 190.467 Pará 19 7.110.465 374.235 Piauí 14 3.036.290 216.878 Rondônia 8 1.562.417 195.302 Roraima 4 403.344 100.836 Tocantins 5 1.332.441 266.488

TOTAL 355 68.643.926 193.363

REGIÃO SEÇÃO JUDICIÁRIA N.º DE JUÍZES (1) N.º DE

HABITANTES N.º HABITANTES

POR JUIZ 2ª Rio de Janeiro 182 15.561.720 85.504 Espírito Santo 32 3.464.285 108.259

TOTAL 214 19.026.005 88.907

3ª São Paulo 266 41.055.734 154.345 Mato Grosso do Sul 21 2.297.981 109.428

TOTAL 287 43.353.715 151.058 Rio Grande do Sul 142 10.963.219 77.206

4ª Paraná 120 10.387.378 86.561 Santa Catarina 82 5.958.266 72.662

TOTAL 344 27.308.863 79.386 Pernambuco 46 8.502.603 184.839 Alagoas 14 3.050.652 217.904 Ceará 42 8.217.085 195.645

5ª Paraíba 18 3.623.215 201.290 Rio Grande do Norte 18 3.043.760 169.098 Sergipe 12 2.000.738 166.728

TOTAL 150 28.438.053 189.587

TOTAL GERAL 1.350 186.770.562 138.349 Fonte: BRASIL. Estatísticas da Justiça Federal. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/atlas/internet/HabitanteporJuizINTERNET.htm>. Acesso em: 19 mar. 2009. Notas: Total de cargos providos de Juízes Federais e Juízes Federais Substitutos em 30.09.2009. Não inclui os cargos providos de desembargadores. IBGE – Estimativas populacionais em 2004. As informações de população aqui disponibilizadas são fornecidas pelo IBGE ao Tribunal de Contas da União.

Page 244: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

242

Page 245: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

243

Page 246: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

244

Page 247: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

245

Tabela 17 Justiça Federal de Primeiro Grau – Varas Federais e Juizados Especiais Federais. Atualizado em 30.09.2008.

TOTAL DE VARAS E JEFS

TRIBUNAIS

REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES

JUDICIÁ-RIAS

LOCALIDA-DES

VARAS

CRIA-DAS

VARAS INSTALADAS

JEFS

AUTÔNO-MOS

INSTALA-DOS

NÃO-INSTALA-

DOS

VARAS VARAS

COM JEF

ADJUNTO1

TOTAL

DE VARAS

Distrito Brasília* 26 20 2 22 4 0

Acre Rio Branco*

4 3 x 3 1 0

Amapá Macapá 3 2 x 2 1 0

Amazonas

Manaus* Tabatinga* Subtotal

6 1 7

5 0 5

x 1 1

5 1 6

1 x 1

0 0 0

1ª REGIÃO

Bahia

Salvador* Barreiras* Campo Formoso* Eunápolis* Feira de Santana* Guanambi* Ilhéus* Itabuna* Jequié Juazeiro* Paulo Afonso* Vitória da Conquista* Subtotal

23 1

1 1

1 1 1 1 1 1

1

1 34

15 0

0 0

0 0 0 0 0 0

0

0 15

2 1

1 1

1 1 1 1 1 1

1

1 13

17 1

1 1

1 1 1 1 1 1

1

1 28

6

6

0 0

0 0

0 0 0 0 0 0

0

0 0

Page 248: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

246

TOTAL DE VARAS E JEFS

TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES JUDICIÁ-

RIAS

LOCALIDA-DES

VARAS CRIA-

DAS VARAS INSTALADAS

JEFS AUTÔNO-

MOS

INSTALA-DOS

NÃO-INSTALA-

DOS

VARAS VARAS

COM JEF

ADJUNTO1

TOTAL

DE VARAS

Goiás

Goiânia* Aparecida de Goiânia* Anápolis* Luziânia* Rio Verde* Subtotal

14

1 1 1 1

18

10

0 0 0 0

10

2

1 1 1 1 6

12

1 1 1 1

16

2

2

0

0 0 0 0 0

Maranhão

São Luis* Caxias* Imperatriz Subtotal

7 1 1 9

4 0 0 4

2 1 1 4

6 1 1 8

1

1

0 0 0 0

1ª REGIÃO

Minas Gerais

Belo Horizonte* Divinópolis* Governador Valadares* Ipatinga* Juiz de Fora* Lavras* Montes Claros* Passos* Patos de Minas* Pouso Alegre* São João Del Rey* São Sebastião do Paraíso* Sete Lagoas* Varginha* Uberaba* Uberlândia* Subtotal

32 2

2 1

3 1

1 1

1

1

1

1

1 1 2 3

54

25 0

0 0

2 0

0 0

0

0

1

0

0 0 1 2

31

2 2

2 1

1 1

1 1

1

1

x

1

1 1 1 1

18

27 2

2 1

3 1

1 1

1

1

1

1

1 1 2 3

49

5

5

0 0

0 0

0 0

0 0

0

0

0

0

0 0 0 0 0

Page 249: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

247

TOTAL DE VARAS E JEFS

TRIBUNAIS

REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES

JUDICIÁRIAS LOCALIDADES

VARAS

CRIADAS VARAS INSTALADAS

JEFS

AUTÔ-NOMOS

INSTA-LADOS

NÃO-INSTA-LADOS

VARAS VARAS

COM JEF

ADJUNTO1

TOTAL

DE VARAS

Mato Grosso

Cuiabá* Cáceres* Rondonópolis*

Sinop* Subtotal

6 1 1 1 9

5 0 0 0 5

x 1 1 1 3

5 1 1 1 8

1 x x x 1

0 0 0 0 0

1ª REGIÃO

Pará

Belém* Altamira* Castanhal* Marabá Santarém Subtotal

8 1 1 1 1

12

5 0 0 0 1 6

2 1 1 1 x 5

7 1 1 1 1

11

1 x x x x 1

0 0 0 0 0 0

Piauí

Teresina* Picos* Subtotal

6 1 7

5 0 5

x 1 1

5 1 6

1 x 1

0 0 0

Rondônia

Porto Velho* Ji-Paraná* Subtotal

4 1 5

3 0 3

x 1 1

3 1 4

1 x 1

0 0 0

Roraima Boa Vista* 3 2 x 2 1 0 Tocantins Palmas* 3 2 x 2 1 0 TOTAL 194 113 54 167 27 0

Page 250: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

248

TOTAL DE VARAS E JEFS

TRIBUNAIS

REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES

JUDICIÁ-RIAS

LOCALIDADES VARAS

CRIADAS VARAS INSTALADAS

JEFS

AUTÔNOMOS

INSTALADOS

NÃO-INSTA-LADOS

VARAS VARAS

COM JEF ADJUNTO1

TOTAL

DE VARAS

2ª REGIÃO

Rio de Janeiro

Rio de Janeiro Angra dos Reis Barra do Piraí* Campos Duque de Caxias* Itaboraí Itaperuna Macaé Magé Niterói** Nova Friburgo Nova Iguaçu* Petrópolis São Gonçalo* São João do Meriti S. Pedro da Aldeia Resende Teresópolis Três Rios Volta Redonda Subtotal

56

1

1 3

3 1 1 1 1 7

2

3 2

5

7

1 2 1 1

5 104

39

0

0 2

0 0 0 0 0 5

1

0 0

3

5

0 1 0 0

3 59

8

1

1 x

x 1 1 1 1 x

x

x 2

x

x

1 x 1 1

x 19

47

1

1 2

0 1 1 1 1 5

1

0 2

3

5

1 1 1 1

3 78

9

x

x 1

3 x x x x 2

1

3 x

2

2

x 1 x x

2 26

0

0

0 0

0 0 0 0 0 0

0

0 0

0

0

0 0 0 0

0 0

Espírito Santo

Vitória** Cachoeiro Itapemirim Colatina* Linhares* São Mateus Subtotal

15

2 1 1 1

20

10

0 0 0 0

10

2

2 1 1 1 7

12

2 1 1 1

17

3

x x x x 3

0

0 0 0 0 0

TOTAL 124 69 26 95 29 0

Page 251: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

249

TOTAL DE VARAS E JEFS TRIBUNAIS

REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES

JUDICIÁ-RIAS

LOCALIDADES VARAS

CRIA-DAS

VARAS INSTALADAS JEFS

AUTÔNOMOS

INSTALADOS

NÃO-INSTALADOS

VARAS VARAS

COM JEF ADJUNTO1

TOTAL

DE VARAS

REGIÃO

São Paulo

São Paulo Americana* Andradina* Araçatuba Araraquara* Assis Avaré* Bauru Botucatu Bragança Paulista Campinas* Caraguatatuba* Catanduva* Franca* Guaratinguetá Guarulhos Jales Jaú Jundiaí* Marília Mogi das Cruzes* Osasco** Ourinhos Piracicaba Presidente Prudente Registro* Ribeirão Preto São Bernardo do Campo São Carlos São José do Rio Preto São José dos Campos Santo André Santos*

64 1 1 2 2 1 1 3 1

1 10 1 1 3 1 6 1 1 2 3

2 2 1 3

4 1 9

3 3

6

4 3 7

44 0 0 0 0 0 0 0 0

0 7 0 0 0 0 2 0 0 0 0

0 0 0 0

1 0 1

0 0

2

1 0 3

8 x x 2 2 1 x 3 x

1 1 x x 3 1 4 1 1 x 3

x x 1 3

3 x 6

3 2

4

3 3 3

52 0 0 2 2 1 0 3 0

1 8

00 00 3 1 6 1 1 0 3

0 0 1 3

4 0 7

3 2

6

4 3 6

12 1 1 x x x 1 x 1

x 2 1 1 x x x x x 2 x

2 2 x x

x 1 2

x 1

x

x x 1

0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0

0 0 0

0 0

0

0 0 0

Page 252: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

250

TOTAL DE VARAS E JEFS

TRIBUNAIS

REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES

JUDICIÁ-RIAS

LOCALIDADES VARAS

CRIA-DAS

VARAS INSTALADAS

JEFS

AUTÔNO-MOS

INSTALA-DOS

NÃO

INSTALADOS

VARAS VARAS

COM

JEF

ADJUN-TO1

TOTAL

DE VARAS

REGIÃO

São Paulo

São João da Boa Vista Sorocaba* Taubaté Tupã Subtotal

1 4 1 1

161

0 1 0 0

62

1 2 1 1

67

1 3 1 1

129

x 1 x x

32

0 0 0 0 0

Mato Grosso do Sul

Campo Grande** Corumbá Coxim* Dourados* Naviraí* Ponta Porã* Três Lagoas Subtotal

7 1 1 2 1 1 1

14

5 0 0 0 0 0 0 5

1 1 1 2 1 1 1 8

6 1 1 2 1 1 1

13

1

1

0 0 0 0 0 0 0 0

TOTAL 175 67 75 142 33 0

REGIÃO

Paraná

Curitiba Apucarana* Campo Mourão Cascavel Foz do Iguaçú Francisco Beltrão* Guarapuava** Jacarezinho* Londrina** Maringá** Pato Branco* Paranaguá Paranavaí Ponta Grossa** Toledo* Umuarama União da Vitória* Subtotal

21 1

1 3

4

2 2 1 8 6 1 1 1

3 1 3

1 60

16 0

0 1

1

0 0 0 4 3 0 0 0

1 0 2

0 28

1 1

1 1

3

2 1 1 1 1 1 1 1

1 1 x

1 19

17 1

1 2

4

2 1 1 5 4 1 1 1

2 1 2

1 47

4

1

1

3 2

1

1

13

0 0

0 0

0

0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0

0 0

Page 253: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

251

TOTAL DE VARAS E JEFS

TRIBUNAIS

REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES

JUDICIÁ-RIAS

LOCALIDA-DES

VARAS

CRIADAS VARAS INSTALADAS

JEFS

AUTÔNO-MOS

INSTALA-DOS

NÃO-INSTALA-

DOS

VARAS VARAS

COM

JEF

ADJUN-TO1

TOTAL

DE VARAS

REGIÃO

Rio Grande do Sul

Porto Alegre** Bagé Bento Gonçalves Cachoeira do Sul* Canoas Carazinho* Caxias do Sul Cruz Alta* Erechim* Lajeado** Novo Hamburgo Passo Fundo Pelotas Rio Grande Santana do Livramento** Santa Cruz do Sul** Santa Maria Santa Rosa* Santiago* Santo Ângelo Uruguaiana Subtotal

24 1

2

1 2 1

5 1 1 2

6

4 3 3

2

2

4

1

1 3 2

71

18 0

0

0 1 0

2 0 0 0

3

2 1 1

0

0

1

0

0 0 0

29

1 1

1

1 1 1

1 1 1 1

1

1 1 1

1

1

3

1

1 3 2

26

19 1

1

1 2 1

3 1 1 1

4

3 2 2

1

1

4

1

1 3 2

55

5

1

2

1

2

1 1 1

1

1

16

0 0

0

0 0 0

0 0 0 0

0

0 0 0

0

0

0

0

0 0 0 0

Page 254: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

252

TOTAL DE VARAS E JEFS

TRIBUNAIS

REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES

JUDICIÁ-RIAS

LOCALIDADES VARAS

CRIADAS VARAS INSTALADAS

JEFS

AUTÔ-NOMOS

INSTALA-DOS

NÃO-INSTALA-

DOS

VARAS VARAS

COM JEF

ADJUNTO1

TOTAL

DE VARAS

REGIÃO

Santa Catarina

Florianópolis Blumenau Brusque* Caçador* Chapecó** Concórdia* Criciúma Itajaí Jaraguá do Sul Joaçaba Joinvile Laguna** Lages Mafra* Rio do Sul São Miguel do Oeste Tubarão Subtotal

9 5 1 1 3 1 3 2

2 1 5 1 2 1 1

1 2

41

6 2 0 0 1 0 1 0

0 0 1 0 0 0 0

0 0

11

1 1 1 1 1 1 1 2

1 1 4 1 1 1 1

1 2

22

7 3 1 1 2 1 2 2

1 1 5 1 1 1 1

1 2

33

2 2

1

1

1

1

8

0 0 0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0 0

0 0 0

TOTAL 172 68 67 135 37 0

Page 255: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

253

TOTAL DE VARAS E JEFS

TRIBUNAIS

REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES

JUDICIÁRIAS LOCALIDA-

DES VARAS

CRIADAS VARAS INSTALADAS

JEFS

AUTÔNO-MOS

INSTALA-DOS

NÃO-INSTALA-

DOS

VARAS VARAS

COM JEF

ADJUNTO1

TOTAL

DE VARAS

Pernambuco

Recife* Caruaru* Garanhuns*

Petrolina* Salgueiro*

Serra Talhada* Subtotal

17 2 1 2 1

1 24

14 1 1 0 0

0 16

1

2 1

1 5

14 2 1 2 1

1 21

3

3

0 0 0 0 0

0 0

5ª REGIÃO

Alagoas

Maceió* Arapiraca*

União dos Palmares Subtotal

6 1

1 8

5 1

1 7

0

5 1

1 7

1

1

0 0

0 0

Ceará

Fortaleza* Juazeiro do Norte* Limoeiro do Norte* Sobral* Subtotal

16

2

1 2

21

13

1

0 1

15

1

1

13

1

1 1

16

3

1

1 5

0

0

0 0 0

Paraíba

João Pessoa* Campina Grande* Souza* Subtotal

5

4 1

10

4

3 0 7

1

1

4

3 1 8

1

1

2

0

0 0 0

Page 256: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

254

TRIBUNAIS

REGIONAIS FEDERAIS

SEÇÕES

JUDICIÁ-RIAS

LOCALIDA-DES

VARAS

CRIADAS VARAS INSTALADAS

JEFS

AUTÔNO-MOS

INSTALA-DOS

NÃO-INSTALA-

DOS

VARAS VARAS

COM JEF

ADJUNTO1

TOTAL

DE VARAS

5ª REGIÃO

Rio Grande do Norte

Natal* Caicó* Mossoró* Subtotal

7 1 1 9

6 0 0 6

1 1 2

6 1 1 8

1

1

0

0 0

Sergipe

Aracaju* Estância* Itabaiana* Subtotal

5 1 1 7

4 0 0 4

1 1 2

4 1 1 6

1

1

0 0 0 0

TOTAL 79 55 11 66 13 0 TOTAL GERAL 744 372 233 605 139 0

Fonte: BRASIL. Estatísticas da Justiça Federal. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/atlas/Internet/ QUADRODEVARASFEDERAIS.htm>. Acesso em: 19 mar. 2009. Notas: 1. Os Juizados Especiais Federais adjuntos fazem parte da estrutura das varas federais, sendo assim não podem

ser computados como Juizados Especiais Federais autônomos. A- Na 1ª Região existem, além dos computados acima, três JEFs autônomos como serviço destacado (Uberaba

e Uberlândia), que funcionam com juízes e servidores cedidos das varas locais para executar serviços relativos aos juizados.

B- Os JEFs autônomos da 3ª Região são constituídos por varas-gabinetes. Ex.: JEF de São Paulo capital possui 12 varas-gabinetes, uma secretaria, uma contadoria, um departamento de perícias e um atendimento. Cada vara-gabinete possui dois juízes, titular e substituto. Ainda na 3ª Região, além dos computados, há o JEF cível de São Carlos (SP), que se enquadra na modalidade básica, isto é, o juiz federal e o juiz federal substituto são designados para atuação temporária. Provimento 259/2005-CJF 3ª Região.

C- Na 4ª Região, além das varas computadas, existem também os JEFs avançados, que são extensões de varas de JEFs, no total de sete, sendo um em Rio Grande (RS), um em Santiago (RS), um em Florianópolis (SC), um em Curitiba (PR), dois em Londrina (PR) e um em Pitanga (PR). Ainda na 4ª Região, além dos computados, há um JEF itinerante em Rio Grande (RS).

* Seções e subseções judiciárias onde, pela Lei n.º 10.772/03, foram criadas varas. ** Seções e subseções judiciárias onde foram criadas novas varas.

Page 257: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

255

Tabela 18 Justiça Federal de Segundo Grau – Quadro de desembargadores Atualizado em 30.09.2008

TRIBUNAIS

REGIONAIS

FEDERAIS

TOTAL

CRIADOS PROVIDOS VAGOS

DESEMBARGADORES DESEMBARGADORAS TOTAL

1ª Região 27 22 5 27 0

2ª Região 27 19 4 23 4

3ª Região 43 23 18 41 2

4ª Região 27 22 5 27 0

5ª Região 15 14 1 15 0

TOTAL 139 100 33 133 6 Fonte: BRASIL. Estatísticas da Justiça Federal. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/atlas/ Internet/QUADRODEJUIZESTRF.htm>. Acesso em: 19 mar.2009.

Tabela 19 Despesa total da Justiça Federal por habitante

Região Dpj h1 G7

1ª Região 1.144.667.040 68.086.530 R$ 16,81

2ª Região 789.539.244 18.772.119 R$ 42,06

3ª Região 1.059.311.528 42.093.503 R$ 25,17

4ª Região 1.029.242.470 26.733.877 R$38,50

5ª Região 562.697.634 28.303.682 R$ 19,88

GERAL 4.585.457.914 183.989.711 R$ 24,92 Fonte: BRASIL. C.N.J. (2007, on line)

Dpj

h1

Onde:

Dpj → Despesas total da Justiça Federal

h1 → Número de habitantes da Região

G7 =

Page 258: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

256

Gráfico 13 Despesa total da Justiça Federal por habitante Fonte: BRASIL. CNJ (2007, on line)

Page 259: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

257

Page 260: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

258

Page 261: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

259

Gráfico 14 Processos distribuídos, julgados e acórdãos publicados no Superior Tribunal de Justiça Período: janeiro a dezembro/2008. Fonte: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Secretaria Judiciária; Coordenadorias; Corte Especial, Seções e Turmas; Gabinetes de Ministros; Sistema Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/ Boletim/verpagina.asp?vPag=0&vSeq=125>. Acesso em: 22 mar. 2009

Nota: Nos processos julgados estão incluídos 51.195 Agravos Regimentais e 28.600 Embargos de Declaração, totalizando 79.795 feitos.

Tabela 21 Movimento processual no Supremo Tribunal Federal, nos anos de 1940 a 2008

Movimentação

STF 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Proc. Protocolados 105.307 110.771 160.453 87.186 83.667 95.212 127.535 119.324 100.781

Proc. Distribuídos 90.839 89.574 87.313 109.965 69.171 79.577 116.216 112.938 66.873

Julgamentos 86.138 109.692 83.097 107.867 101.690 103.700 110.284 159.522 130.747

Acórdãos publicados 10.770 11.407 11.685 10.840 10.674 14.173 11.421 22.257 19.377

Movimentação

STF 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Proc. Protocolados 18564 18438 27447 24377 24295 27743 28134 36490 52636 68369

Proc. Distribuídos 16226 17567 26325 23525 25868 25385 23883 34289 50273 54437

Julgamentos 16449 14366 18236 21737 28221 34125 30829 39944 51307 56307

Acórdãos

publicados

1067 1514 2482 4538 7800 19507 9811 14661 13954 16117

Page 262: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

260

Movimentação

STF 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

Proc. Protocolados 9555 12494 13648 14668 16386 18206 22514 20430 21328 14721

Proc. Distribuídos 9308 12853 13846 14528 15964 17935 21015 18788 18674 6622

Julgamentos 9007 13371 15117 15260 17780 17798 22158 20122 16313 17432

Acórdãos

publicados

3366 3553 4080 4238 5178 4782 5141 4876 4760 1886

Movimentação

STF 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979

Proc. Protocolados 6367 5921 6253 7093 7352 8775 6877 7072 8146 8277

Proc. Distribuídos 6716 6006 6692 7298 7854 9324 6935 7485 7815 8433

Julgamentos 6486 6407 6523 8049 7986 9083 7565 7947 8848 10051

Acórdãos

publicados

3328 3491 3926 4340 4459 3913 3377 3741 3755 3554

Movimentação

STF 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969

Proc. Protocolados 6504 6751 7705 8216 8960 8456 7378 7614 8612 8023

Proc. Distribuídos 5946 6682 7628 8737 8526 13929 7489 7634 8778 10309

Julgamentos 5747 6886 7436 6881 7849 6241 9175 7879 9899 9954

Acórdãos

publicados

4422 7000 7317 7316 7511 5204 6611 6479 6731 5848

Movimentação

STF 1950 1951 1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958 1959

Proc. Protocolados 3091 3305 3956 4903 4710 5015 6556 6597 7114 6470

Proc. Distribuídos 2938 3041 3572 4623 4317 4686 6379 6126 7816 7440

Julgamentos 3371 2917 4197 4464 3933 4146 4940 6174 7302 8360

Acórdãos

publicados

3395 2217 2476 3388 4474 3730 3794 5251 6400 7980

Movimentação

STF 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949

Proc. Protocolados 2419 2629 2496 2480 2584 3422 2415 2773 2729 3335

Proc. Distribuídos 2211 2503 2310 2281 2324 2566 2246 2430 2569 3705

Julgamentos 1807 2265 2447 2355 2321 1860 1819 2565 2988 3269

Acórdãos

publicados

1469 2105 2238 2111 2001 1801 1251 1992 2079 2758

Fonte: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Movimento Processual. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual>. Acesso em: 22 mar. 2009.

Obs.: Julgamentos – engloba decisões monocráticas e decisões colegiadas

Page 263: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

261

4.2.15 Formação de câmaras de interlocução pré-judicial com os diversos setores sociais e a participação do cidadão – magistrado nas instituições sociais, filantrópicas e agrupamentos coletivos

A conscientização dos direitos e conquistas sociais no plano da democracia participativa

tem levado a sociedade civil a formar grupos auto-organizados de intermediação de conflitos

e proposição de soluções adequadas para as diversas demandas políticas, econômicas, sociais,

culturais, dentre outras. Avelar afirma:

[…] é grande o ceticismo em relação à força do associativismo para avanço no campo dos direitos sociais. Mas há dados e depoimentos que mostram um quadro animador. Estima-se que hoje são 40 mil conselhos de políticas públicas em todo o país. Conforme mostra Alexandre Ciconello (ver em: www.oxfam.org.uk) na administração pública federal há 35 Conselhos Nacionais com 400 órgãos representativos, sendo que 31% são ONGs do campo da defesa dos direitos humanos, 23% entidades representativas dos interesses patronais e empresariais, 14% vinculados aos movimentos sociais do campo e do meio ambiente, 8% de movimentos populares urbanos e 10% são entidades religiosas, culturais. As conferências nacionais promovidas pelo Ministério das Cidades entre 2003 e 2006 envolveram mais de dois milhões de pessoas que produziram em torno de cinco mil deliberações públicas […]1

Nesse sentido, aos membros do Poder Judiciário deve ser estimulada, permitida e até

institucionalizada, a participação nesses diversos estratos do tecido social, cujas

consequências positivas seriam:

a) A percepção individual e coletiva de que os membros do Judiciário são seres

humanos, mortais, falíveis, limitados, iguais aos jurisdicionados, sujeitos de direitos e

obrigações, imersos na conflituosidade a que são chamados para solucionar, sendo assim uma

parte do outro e não um ser fracionado, divino ou detentor de uma pureza imaculada;

b) A intervenção na fase pré-judicial do conflito, em função proativa,

intermediando a formação do consenso e contribuindo para o não surgimento do litígio;

c) O exercício regular de seus próprios direitos constitucionais, dentre os quais: a

livre manifestação do pensamento, sem o anonimato, a liberdade de consciência e de crença,

assegurado o livre exercício de cultos religiosos, liberdade de expressão intelectual, artística,

científica e de comunicação, independente de censura ou licença, o direito de reunião pacífica,

independente de autorização, a liberdade de associação para fins lícitos e de criação de

1 AVELAR, Lúcia. Políticas sociais. O Povo, Fortaleza, 9 dez. 2008, p. 7.

Page 264: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

262

cooperativas, vedada a interferência estatal em seu funcionamento, todos previstos no Art. 5º

da Carta Federal;

d) A consolidação da democracia participativa através da maturação decorrente

das interseções grupais.

No plano institucional, as Organizações Judiciárias dos diversos ramos do Poder

Judiciário poderiam dispor sobre a criação de Câmaras Pré-Judiciais para a intermediação de

conflitos homogêneos, coletivos, difusos ou de ampla repercussão comunitária, prevendo que

os magistrados lá atuantes seriam árbitros judiciais com ampla liberdade para a imersão nas

matérias de sua responsabilidade, sem a competência executória do processo, restringindo-se

apenas aos atos homologatórios.

Essa cisão de competências seria um mecanismo de preservação da imparcialidade do

magistrado que, em razão da ampla liberdade de atuação para a composição desses

macroconflitos, sujeitar-se-ia ao risco do partidarismo político, econômico ou ideológico,

comprometendo a continuidade de suas funções judicantes.

Considerando que o elemento político do debate conflituoso nesses grandes temas

assume uma volatilidade que lhe é inerente, o magistrado com essa competência legal também

deveria estar apto ao trato com a dinâmica das acomodações políticas, desde que alcance a

consensualidade possível, reservando-se a competência para conhecer e processar os atos

executórios necessários à efetivação dessas decisões a outros juízes que não tenham

participado do processo homologatório de formação do título judicial, agora com a

formalidade processual necessária ao cumprimento da coisa julgada.

Quanto à participação do cidadão-magistrado em instituições sociais, filantrópicas e

agrupamentos coletivos, também é de vital importância, não só por ser direito fundamental

assegurado constitucionalmente, mas por dever, ora cívico, ora estatutário, decorrente do

próprio exercício da cidadania.

Esse, porém, não é o entendimento do Conselho Nacional de Justiça, que já decidiu no

sentido da proibição aos magistrados do exercício de funções diretivas junto a diversas dessas

entidades. Assim, decidiu o Conselho Nacional de Justiça:

EMENTA: Pedido de Providências. Vedações impostas aos magistrados. Consulta formulada por servidor público. Conhecimento. Vigência da LOMAN. Premissa fundamental. Conforme reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, estão em

Page 265: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

263

plena vigência os dispositivos da Lei Complementar n.º 35/79, particularmente sobre os deveres e vedações aos magistrados. Matéria, aliás, também já apreciada no CNJ quando da edição da Resolução n.º 10/05. Regras complementadas pelo Art. 95 e parágrafo único da Constituição Federal. Prevalência do princípio da dedicação exclusiva, indispensável à função judicante. Não pode o magistrado exercer o comércio ou participar, como diretor ou ocupante do cargo de direção, de sociedade comercial de qualquer espécie/natureza ou de economia mista (Art. 36, I da LOMAN). Também está impedido de exercer cargo de direção ou de técnico de pessoas jurídicas de direito privado (Art. 44, do Código Civil c/c Art. 36, II da LOMAN). Ressalva-se apenas a direção de associação de classe ou escola de magistrados e o exercício de um cargo de magistério. Não pode, conseqüentemente, um juiz ser presidente ou diretor de Rotary, de Lions, de APAEs, de ONGs, de Sociedade Espírita, Rosa-Cruz, etc, vedado também ser Grão Mestre da Maçonaria; síndico de edifício em condomínio; diretor de escola ou faculdade pública ou particular, entre outras vedações. Consulta que se conhece respondendo-se afirmativamente no sentido dos impedimentos.

ACORDAM os Conselheiros que compõem o Conselho Nacional de Justiça, por maioria de votos, em conhecer da consulta, vencido o Conselheiro Eduardo Lorenzoni e, no mérito, também por maioria, respondendo-a afirmativamente no sentido dos impedimentos, vencidos, na totalidade, o Conselheiro Oscar Argollo e, parcialmente, os Conselheiros Germana de Moraes, Eduardo Lorenzoni, Alexandre de Moraes e Joaquim Falcão.2

O enclausuramento do juiz, nos termos desse raciocínio, dá-se, inclusive, sem critério

uniformizante, considerando que a decisão permite a direção de Escolas de Magistraturas, que

em alguns casos mantêm cursos de pós-graduação semelhantes aos ministrados por

universidades públicas ou privadas, assim como admite a possibilidade de direção de

associação de classe, excluindo as demais, como se os poderes de gestão nessas corporações

classistas não expusessem o Magistrado a situações distintas da atividade jurisdicional.

O juiz, nos demais exemplos mencionados na referida decisão, poderá até ser membro

de Rotary, Lions, ONGs, Sociedades Espíritas, Maçonaria, APAEs, Rosa-Cruz, Condomínio

residencial ou comercial e, supõe-se, Academias de Letras, científicas, artísticas, culturais,

enfim, desses agrupamentos coletivos que se estabelecem com o objetivo de participar

ativamente do corpo comunitário, visando à integração, ao suprimento e à complementaridade

da atividade social, porém, jamais exercendo a liderança desses grupos, como se estivessem

destinados apenas a funções contemplativas e acessórias no contexto político da organização

social.

Na hipótese da proibição de assumir a função de síndico do próprio condomínio, mesmo

que para gerir assuntos relacionados ao seu patrimônio, ainda assim, o magistrado está

2 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providências n.º 775/06. Requerente: Leopoldo Pereira dos Santos – Servidor Federal/MT. Requerido: Conselho Nacional de Justiça. Relator: Conselheiro Marcus Faver. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 13 dez. 2008. No mesmo sentido, os Pedidos de Providências n.º 1.453 e 20081000000148-4.

Page 266: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

264

alijado, como se fosse um ser inanimado, susceptível a máculas decorrentes da convivência

com o outro.

Esses exemplos mostram, a despeito da lesão a direitos fundamentais essenciais aos

quais já se mencionou, como está distante a implementação de uma democracia participativa

no âmbito do Poder Judiciário.

4.2.16 Orçamento participativo

No item 2.2 foi abordado tema relacionado ao orçamento do Poder Judiciário quanto à

sua dependência em relação aos demais Poderes – o Executivo e o Legislativo. Agora, cuida-

se da participação interna no orçamento daqueles que formam o Poder Judiciário, quer no

exercício da função jurisdicional – os juízes, quer no seu auxílio – os servidores públicos.

Os tribunais, no exercício do autogoverno, têm autonomia para elaborar, encaminhar à

aprovação, executar e controlar o seu orçamento. É o que está previsto no Art. 99 da

Constituição Federal. Essa é uma das expressões políticas da função Judiciária.

A competência para o encaminhamento da proposta orçamentária do Poder Judiciário é

do Presidente de cada tribunal, consoante o § 2º, incisos I e II, do Art. 99 da Carta Federal. A

gestão desse orçamento e a sua elaboração, no entanto, poderiam ser compartilhadas entre os

magistrados de Primeiro e Segundo graus e entre os servidores do Poder, se autorizadas pelas

leis de organização judiciária e por delegações de competências emanadas dos Presidentes

dessas Cortes.

A descentralização e a coparticipação na gestão do orçamento no Poder Judiciário têm

sido adotadas em vários tribunais da Federação, a exemplo das ações empreendidas em Santa

Catarina, no Espírito Santo e no Rio de Janeiro.

Em Santa Catarina foi empossado, em 02.06.2008, pelo presidente do Tribunal de

Justiça, desembargador Francisco Oliveira Filho, os integrantes do primeiro Conselho de

Gestão, Modernização Judiciária e Políticas Públicas Institucionais daquele tribunal,

composto por oito desembargadores e dois juízes, sendo estes o presidente da Associação dos

Page 267: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

265

Magistrados Catarinenses e o ex-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros,

Rodrigo Colaço.3

No Estado do Espírito Santo, o presidente do Tribunal de Justiça promoveu, pela

primeira vez, em 7 de agosto de 2008, reunião com os Juízes diretores dos Fóruns para

discutir o orçamento participativo do Judiciário para 2009. O objetivo do Tribunal era

promover a gestão continuada, com ações planejadas estrategicamente para que possam ter

efetividade. Segundo o presidente do Tribunal, “a administração de uma Comarca não pode

durar apenas um biênio, é preciso planejar para que possa se refletir no serviço ao público”.4

Quando ainda desembargador e presidente da Escola Nacional da Magistratura, o atual

Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Luis Felipe Salomão, egresso do Tribunal de Justiça

fluminense, afirmava:

No caso do Rio de Janeiro, nos anos de 2002 e 2003 houve a solicitação da Associação dos Magistrados (AMAERJ) para que magistrados pudessem participar da proposta orçamentária e da elaboração do plano bienal.

Como a experiência é pioneira, a verdade é que nós, juízes, ainda estamos ‘aprendendo’ a trabalhar nesse sentido.

[…]

Pioneiro em atos que possibilitaram maior transparência administrativa, o TJ/RJ, através do Ato Normativo n.º 01/99, instituiu o Centro de Acompanhamento e Controle de Custos do Poder Judiciário, o qual produz um relatório periódico dos gastos jurisdicionais e administrativos de todas as Comarcas.

[…]

Fazendo parte também do plano estratégico foram indicados pela Administração do Tribunal 11 juízes de direito (das diversas regiões do Estado) para colaborarem na elaboração da Proposta Orçamentária do Tribunal de Justiça/RJ para o exercício de 2003.17

A AMAERJ intermediou a integração da Secretaria de Planejamento com o (sic) magistrados, objetivando um orçamento participativo […]5

Ainda nesse sentido, a Associação dos Magistrados Brasileiros realizou enquete no seu

Portal eletrônico, indagando se o magistrado deveria ser ouvido quando da elaboração da

proposta orçamentária dos tribunais.

O resultado apurado, até 16.12.2008, foi o seguinte:6

3 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB. TJ/SC empossa seu 1º Conselho de Gestão. Disponível em: <http://www.amb.com.br/?secao=mostranoticia&mat_id=137048>. Acesso em: 16 dez. 2008. 4 GONÇALVES, Silva. Orçamento participativo. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. 7 ago. 2008. Disponível em: <http://www.direito2.com.br/tjes/2008/ago/7/orcamento-participativo>. Acesso em: 13 dez. 2008. 5 SALOMÃO, Luis Felipe. Participação da magistratura na elaboração da proposta orçamentária do Poder Judiciário e a transparência administrativa. Disponível em: <http://www.amb.br/ portal/docs/noticias/salomao_orçamento_271205.doc>. Acesso em: 13 dez. 2008.

Page 268: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

266

SIM, por conhecer de perto a realidade do juízo, deveria poder opinar sobre a aplicação de recursos – 93,07%.

NÃO, essa deve ser uma decisão da Cúpula das Cortes – 3,96%.

NÃO tenho uma opinião formada sobre o tema – 2,97%.

No Direito Comparado, Salomão alude ao exemplo dos Estados Unidos, em que tanto

na elaboração como na destinação do orçamento do Judiciário há ampla participação popular,

inclusive, em alguns Estados, com a combinação de recursos públicos e privados para o

custeio dos tribunais.7 Na Europa, a Associação Europeia de Magistrados para a Democracia e

as Liberdades (MEDEL), instituição que congrega onze países europeus (Alemanha, Bélgica,

Chipre, Espanha, França, Grécia, Itália, Polônia, Portugal, República Checa e Romênia),

propôs a introdução no Estatuto Europeu da Magistratura, de participação dos magistrados na

elaboração do orçamento do Poder Judiciário. Estabelece a proposta:

[...]

3.1. Compete ao Conselho Superior da Magistratura a administração e disciplina da magistratura, bem como assegurar o seu pluralismo e garantir a independência dos magistrados.

[…]

3.2. Na sua composição, metade, pelo menos, do Conselho deve ser constituída por magistrados eleitos pelos seus pares segundo a regra da representação proporcional.

O Conselho incluirá, ainda, personalidades designadas pelo parlamento. Todos os seus membros devem ser nomeados por tempo determinado.

3.3. O parlamento vota o orçamento da Justiça sob proposta do Conselho Superior da Magistratura e do Governo.

O Conselho deve dispor de orçamento próprio para executar as suas atribuições.

[...] 8

Portanto, sob o aspecto estrito da participação na elaboração, execução e controle do

orçamento do Poder Judiciário, propugna-se por um processo coletivo para essa gestão, com

interferência de membros da Magistratura de Primeiro e Segundo Graus, em cada ramo do

Judiciário, assim como da representação dos servidores e da Ordem dos Advogados do Brasil,

para que os diversos segmentos que operam na função judiciária possam, representando a

sociedade, influir no direcionamento desse Poder, democraticamente.

6 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB. Enquete: O magistrado deveria ser ouvido quando da elaboração da proposta orçamentária dos tribunais? Disponível em: <http://www.amb.com.br/?secao=enquete &ID=33>. Acesso em: 16 dez. 2008. 7 SALOMÃO, Luis Felipe, op. cit., 2008, on line. 8 ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES. Estatuto de Medel – Magistrados para a Democracia e Liberdades. Disponivel em: <http://www.asjp.eu/index.php?option= com_content&task=view&id=70&Itemid=48>. Acesso em: 13 dez. 2008.

Page 269: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho não é conclusivo, aliás, como nada o é na seara do conhecimento, das

relações sociais, da ciência, da Justiça e do Poder, pelo menos, no que pertine à exaustividade

e à definitividade de seus argumentos.

Muitos dos temas aqui tratados já foram objeto de estudos ou reflexões precedentes, por

outros investigadores. Algumas ideias são, apenas, aparentemente novas, porque há sempre

uma dúvida sobre o que, ousadamente, se atribui por novidade.

Em algum lugar, em um dado momento, alguém, por certo, já refletiu sobre o que se

reputa inovação. Essas reflexões constam dos relatos e de obras atribuídas a precursores

diversos, muitos dos quais tidos como delirantes, hereges, subversivos ou, apenas,

iconoclastas, visionários, talvez, simplesmente realistas.

Às vezes, tudo parecia estar onde sempre esteve, aguardando ser desvelado,

simploriamente. Isso vem desmitificar mais uma das complexidades irredutíveis às quais os

criacionistas tanto se apegam.

Em outras ocasiões, percebe-se que o movimento em torno das mudanças ocorridas

surgiu do acaso; do desencantamento com os “designes inteligentes”1; da formação de novos

paradigmas; da insatisfação cumulativa com as verdades inabaláveis e esclarecidas; da dúvida

com a qual a filosofia e a ciência inseminam os modelos apresentados em sua finitude e

definitividade; do preenchimento das lacunas insondáveis do processo evolutivo.

A experimentação e o aparecimento de novas realidades parecem mostrar a força de

ideias cujo tempo chegou.2

1 DAWKINS, Richard. Deus, um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 114. 2 “Há uma coisa mais forte do que todos os exércitos do mundo, e isso é uma ideia cujo tempo chegou” ( Frase atribuída a Victor Hugo, escritor francês, 26 de fevereiro de 1802 – 22 de maio de 1885). DUALIBI, Roberto, op. cit., 2000, p. 339.

Page 270: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

268

A pluralidade das organizações sociais, de seus membros e do Poder que se estruturou

em torno dessa complexidade, máxime, no plano da função judiciária, não comporta mais a

feição de um Estado onipotente na tarefa de composição dos conflitos, com agentes detentores

de poderes perpétuos, divinos, exclusivos, imunes à dinâmica da permeabilidade política que

transcende a tecnicidade dos textos legais, sendo urgente a necessidade de inserção dos

grupos da sociedade civil nesse processo, abrindo-se, no plano externo daquela função, à

multidiversidade de segmentos sociais que possam promover, com eficácia e celeridade, a

pacificação social, e, no plano interno, à alternância e à mobilidade necessárias para

possibilitar a renovação da jurisprudência e de sua aplicação e estimular a participação, gestão

e controle no e do aparelho jurisdicional, por todos os membros dessa estrutura.

Ao Estado, com seus limites materiais, devem ser assegurados, com exclusividade, o

poder coercitivo, o uso da força institucional, a decisão final sobre direitos indisponíveis e o

controle da constitucionalidade, sem prejuízo das composições conflituais que possam ser

alcançadas pelos que optarem pelos serviços estatais jurisdicionais.

A inserção de grupos da sociedade na função jurisdicional, mesmo que apenas no

processo de formação dos títulos executivos, contribui para a legitimação das soluções

jurisdicionais, a celeridade, a redução da ineficácia das decisões, a diminuição de custos, o

melhor aproveitamento e direcionamento das receitas públicas, a aceitabilidade das

composições, a ampliação da participação coletiva no exercício do Poder, a humanização da

Justiça. Evita-se, assim, “o perigo da democracia unidimensional que, na essência, é

antidemocracia”.3

Até o surgimento das ideias de Locke, Montesquieu e Rousseau, a manifestação do

Poder Político se dava de forma absoluta, convergindo para a pessoa do soberano toda a força

dos grupos de dominação.

A partir daí, irreversivelmente, o poder do Príncipe cede espaço à soberania do Estado,

a qual será exercida, mediante funções, acomodando o poder de administrar, de legislar e de

julgar, porém, não menos representativa de interesses limitados.

As funções do Executivo e do Legislativo, ao longo desse percurso, que remonta às

grandes revoluções iniciadas no século XVIII, tem se legitimado, gradativamente, pela

outorga popular, com ciclos de alternância no exercício do poder. 3 LEITÃO, Valton de Miranda. As entranhas da mídia. O Povo, Fortaleza, 9 ago. 2009, p. 7.

Page 271: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

269

A função judiciária e os seus agentes, para que não se sujeitem à simples verbalização

da norma jurídica, definida em outras instâncias, deve implementar a sua própria revolução,

renunciando às Cortes e aos Palácios nos quais foram encastelados pelos primeiros

revolucionários, ampliando o seu poder através da legitimação política que, formal e

materialmente, emana das cartas constitucionais, mas que tem se tornado autoimune ao

controle e à participação do detentor originário do poder – o povo.

Para tanto, essa dissertação analisou a origem desse poder; seu percurso histórico; os

diversos modos de recrutamento dos membros do Judiciário no Direito Comparado e no

Brasil; a estrutura de sua organização, apresentando suas nuances e contradições, apontando

críticas e, ao final de cada tópico, apresentando sugestões.

Muitas das alterações propostas podem ser instrumentalizadas, aproveitando o próprio

conteúdo constitucional. Outras necessitam de modificações nos textos legais e interpretações

adequadas.

Apraz constatar, por fim, que desde a definição da temática deste trabalho até a sua

finalização, muitas das ideias aqui examinadas já se transformaram em objeto de estudo,

projetos legislativos e alterações efetivas em alguns setores do Poder Judiciário, como a

demonstrar que a velocidade das mudanças, neste século, torna novas ideias, conceitos e

paradigmas algo tão concreto na sua previsibilidade, quanto etéreo e abstrato no seu

questionamento modificador imediato.

É assim que se mudam as coisas: sonhando, desmitificando, desconstruindo e

reconstruindo, duvidando, comparando, experimentando.

Page 272: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

REFERÊNCIAS

LIVROS

ALBUQUERQUE, Mário Pimentel de. O órgão jurisdicional e sua função: estudos sobre a ideologia, aspectos críticos, e o controle do Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1997.

ALBUQUERQUE, Newton de Menezes. Democracia Participativa: o exercício da soberania popular. In: SOUZA FILHO, Oscar d’Alva (Coord.). BONAVIDES, Paulo (Consultor Especial). Reforma política: novos caminhos para a governabilidade. Universidade Aberta do Nordeste, [s./d.]. p.113-128.

APPIO, Eduardo. Discricionariedade Política do Poder Judiciário. Curitiba: Juruá, 2006.

ARRUDA JÚNIOR, Edmundo Lima; GONÇALVES, Marcus Fabiano. Direito, ordem e desordem: eficácia dos direitos humanos e globalização. Florianópolis: Ida, 2004. (Coleção Direitos Humanos).

BERCOVICI, Gilberto. Dilemas do Estado Federal brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

BOIGEOL, Anne. La Formation des Magistrats. Actae de La Recherche em Science Social, Rapport/1954, par le Conseiller Ancel, v. 64/50.

BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

______. Ciência Política. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

______. Teoria do Poder. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Arbitragem: Lei nº 9.307/96. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n.º 9.307/96. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

DAWKINS, Richard. Deus, um delírio. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

DUALIBI, Roberto. Dualibi das citações. São Paulo: Mandarim, 2000.

Page 273: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

271

FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica: Crise do direito e práxis política. São Paulo: Forense, 1984.

FLORY, Thomas. El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial. México: Fondo de Cultura Económica, 1986.

GRIFFITH, J.A.G. Giudice e Política in Inghilterra. Milano, 1980.

JUSEFOVICZ, Eliseu. Democracia e legitimidade do direito à luz da teoria habermasiana. In: LOIS, Cecília Caballero (Org.). In: Justiça e Democracia: entre o universalismo e o comunismo: (a contribuição de Rawls, Dworkin, Ackerman, Raz, Waltzer e Habermas para a moderna teoria da justiça). São Paulo: Landy, 2005. p. 153-195.

LESSA, Renato de Andrade. A teoria da democracia: balanços e perspectivas. In: PERISSINOTO, Renato Monseff; FUKS, Mário (Org.). Democracia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. p. 33-54.

LIEBMANN, Enrico Tullio. Manuale di Diritto Processuale Civile. Reimpressão da 2.ed. Milão, 1968. v. I.

MALTA, Christovão Piragibe Tostes. Prática do processo trabalhista. 23. ed. São Paulo: LTr, 1992.

MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, v. I, n. 62, 1997.

MARTINS, Sérgio Pinto. Comissões de conciliação prévia e procedimento sumaríssimo. São Paulo: Atlas, 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balesteiro Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2001.

MORAES, Filomeno. Separação de Poderes no Brasil Pós-88: Princípio Constitucional e Práxis Política. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; BERCOVICI, Gilberto; MORAES FILHO, José Filomeno de; LIMA, Martônio Mont’Alverne Barreto (Org.). Teoria da Constituição: Estudos sobre o Lugar da Política no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 151-197.

______. Direito à oposição. O Povo, Fortaleza, 28 nov. 2006, p. 4.

______. Quinto Constitucional. O Povo, Fortaleza, 29 maio 2007, p. 4.

NALINI, José Renato. Recrutamento e preparo de juízes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.

NESS, Van et al. Restoring Justice. Cicinatti, Ohio, Anderson Publishing Co., 2002.

PICARDI, Nicola. L’indipendenza del giudice, Sto. Domingo, 1989. In: Justicia y desarrollo democrático en Itália y América Latina, UNICRI, Publ. n. 45, Roma, 1992. p. 279.

Page 274: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

272

POLETTI, Ronaldo. Constituições brasileiras: 1934, Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. v. 3.

PRIETO-CASTRO Y FERNANDIZ, Leonardo. Derecho Concursal, Procedimentos Sucessores, Jurisdicción Volontaria, Medidas Cautelares, Madri Editorial Tecnos, 1974, n. 135, p. 180.

ROCHA, José Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995.

______. Teoria Geral do Processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

______. ________. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

RUIVO, Fernando. Aparelho judicial, Estado e legitimação. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p. 66-94.

SALDANHA, Nelson. Estado de Direito, Liberdades e Garantias: estudos de direito público e teoria política. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980.

SALES, Lilia Maia de Morais. Mediação de Conflitos: família, escola e comunidade. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007.

________. Poder Judiciário: o modelo tecnoburocrático e a Constituição Federal de 1988. Dissertação. (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito. Universidade Federal do Ceará (UFC), Fortaleza, 2000.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.

_________. Justiça popular, dualidade de poderes e estratégia socialista. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1998. p. 185-205.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O paradoxo de Rousseau: uma interpretação democrática da vontade geral. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

SOUZA, Artur César de. A parcialidade positiva do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: procedimentos especiais. 38. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. I-III.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 4.

UCHÔA, Marcelo Ribeiro. Controle do Judiciário: da expectativa à concretização. O primeiro biênio do Conselho Nacional de Justiça. Florianópolis: Conceito, 2008.

VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria Geral do Direito: teoria da norma jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. v.I.

Page 275: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

273

VERDE, Giovanni. Arbitrato e giurisdizione. L’Arbitrato secondo la Legge, 28/83. Nápoles, Jovene Editore, 1985, p. 161-182, esp. p. 168, trad. livre.

VIDAL, José. O Poder Judiciário: A Magistratura e o Sistema de Escolha dos Juízes. Anais Forenses do Estado de Mato Grosso, n. 50, Milesi, 1981.

WEBER, Max. Staatssoziologie. Berlim, J. Winckelmann, 1956, p. 106.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário: Crise, Acertos e Desacertos. Tradução de Juarez Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

LIVROS TRADUZIDOS

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição – contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Fabris, 1997.

LA BOÉTIE, Etienne de. Discurso da servidão voluntária. Tradução de Laymert Garcia dos Santos. 4. ed. Comentários: Claude Lefort, Pierre Clastres e Marilena Chauí. São Paulo: Brasiliense, 1999.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do Espírito das Leis. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005.

MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução de Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2003.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2007.

ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008. No original: Changing lenses: a new focus for crime and justice. Scottdale, PA: Herald Press, 1990.

PERIÓDICOS

ALMEIDA FILHO, José Baptista de. O fim da carreira ou do falso mérito e o controle do incontrolável. Revista do Tribunal Federal da 1ª Região, Brasília, v. 8, n. 1, p.27-30, jan./mar. 1996.

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB. Informativo da Associação dos Magistrados Brasileiros. Edição Especial, jul. 2006.

AVELAR, Lúcia. Políticas sociais. O Povo, Fortaleza, 9 dez. 2008, p. 7.

BARBI, Celso Agrícola. Formação, Seleção e Nomeação de Juízes no Brasil, sob o ponto de vista da humanização da Justiça. Revista de Processo, São Paulo, n. 11/12, jul./dez. 1978.

Page 276: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

274

BARRAL, Welber. A arbitragem e seus mitos (resposta ao juiz Silva Salvador). Revista da Escola Paulista da Magistratura, São Paulo, ano 2, n. 5, p. 143-155, jul./dez. 1998.

BHAGWATI, P.N. Democratização de soluções e acesso à justiça. Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, Brasília, ano 5, n. 12, p. 44-47, 2º sem. 2002.

BLANCA, Luiz Gago. La formación de los Jueces. Revista Independente de Justicia, B. C. Publicaciones, Madri, fev./mar. 1991.

BONAVIDES, Paulo. O futuro da Constituição está na democracia participativa. Diário do Nordeste, Fortaleza, 31 ago. 2008, p.4.

CAMPOS, Fábio. Eleição vai firmar grupo de partidos no Brasil. O Povo, Fortaleza, 18 set. 2008, p.18.

CARVALHO, Erivaldo. A família como extensão do poder no Ceará. O Povo, Fortaleza, 4 ago. 2008, p.21.

GONÇALVES, William do Couto. O Juiz na História, critérios de sua escolha e a escola da magistratura. Revista de Processo, n. 60, p.180-186, out./dez. 1990.

LEITÃO, Valton de Miranda. As entranhas da mídia. O Povo , Fortaleza, 9 ago. 2009, p. 7.

MACHADO, Agapito. Concurso para todos os Poderes. Diário do Nordeste, Fortaleza, 9 jun. 1995.

MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A antiga e sempre atual questão da submissão do poder público à jurisdição. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo: Dialética, n. 1, 2003, p. 146-159.

MENEZES NETO, Paulo Elpídio de. Quem faz a opinião pública. O Povo, Fortaleza, 28 set. 2008, p. 7.

MORAES, Filomeno. Direito à oposição. O Povo, Fortaleza, 28 nov. 2006, p. 4.

_________. Quinto Constitucional. O Povo, Fortaleza, 29 maio 2007, p .4.

MÜLLER, Friedrich. A democracia, a globalização e a exclusão social. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS: CIDADANIA, ÉTICA E ESTADO, XVIII, 2002. Brasília, v. 1, p. 262-274, 2003.

NORÕES, Edilmar. Transparência. Diário do Nordeste, Fortaleza, 04 set. 2008, p. 3.

PARENTE, Josênio. Democracia de massa. O Povo, Fortaleza, 12 abr. 2008, p. 5.

REIS, Carlos David S. Aarão. A Escolha dos Juízes pelo voto popular. Revista de Processo, n. 78, p. 217-231, abr./jun. 1995.

RIBEIRO, Regina. A teoria das cebolas. O Povo, Fortaleza, 16 out. 2008, p. 6.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. O Poder Judiciário no Brasil. In: Cadernos Adenauer III, (2002), n. 6, O terceiro poder em crise: impasses e saídas. Rio de Janeiro: Fundação

Page 277: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

275

Konrad Adenauer, fev. 2003, p. 13, nota 1.

SCHWARTZ, Carl E. Judicial Selection Supervision and Removal in the United States. RePro, 10/121.

WOLF, Manfred. Ausbildung, Auswahl und Ernennung der Richter. RePro, 10/125-126.

XAVIER, Uriban. Democracia: modo de vida. O Povo, Fortaleza, 23 set. 2008, p. 7.

ARTIGOS DA INTERNET

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Disponível em: <http://www.arqnet.pt/portal/teoria/aron_montesquieu.html>. Acesso em: 17 set. 2007.

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS - AMB. Enquete: O magistrado deveria ser ouvido quando da elaboração da proposta orçamentária dos tribunais? Disponível em: <http://www.amb.com.br/?secao=enquete &ID=33>. Acesso em: 16 dez. 2008.

______. Ibrajus divulga estudo sobre o Judiciário. 24 mar. 2008. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/?secao=mostranoticia&mat_id=12723>. Acesso em: 30 maio 2008.

______. Magistrados acreditam que justiça restaurativa é aplicável ao Brasil. 08 abr. 2008. Disponível em: <http://www.amb.com.br/?secao=mostranoticia&mat_id=12942&>. Acesso em: 27 out. 2008.

_______. Mantida devolução de lista da OAB para o quinto constitucional do TJ-SP. Disponível em: <http://www.amb. com.br/portal/index.asp?/secao=mostranoticia&mat_id=12972>. Acesso em: 5 jun. 2008.

_______. O adicional por tempo de serviço na magistratura nacional. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/noticias/2008/ats_estudo.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2008.

_______. O judiciário brasileiro e o direito comparado: limite de idade para a aposentadoria. Renovação necessária. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/noticias/2008/cartilha_compulsoria.pdf.>. Acesso em: 14 jun. 2008.

______. Pesquisa AMB 2006: a palavra está com você. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MAGISTRADOS, XIX. Desenvolvimento: uma questão de justiça. 15-18 nov. 2006, Curitiba/PR, p. 9. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/pesquisa2006.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2008.

______. TJ/SC empossa seu 1º Conselho de Gestão. Disponível em: <http://www.amb.com.br/?secao=mostranoticia&mat_id=137048>. Acesso em: 16 dez. 2008.

ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS JUÍZES PORTUGUESES. Estatuto de Medel – Magistrados para a Democracia e Liberdades. Disponível em: <http://www.asjp. eu/index.php?option=com_content&task=view&id=70&Itemid=48>. Acesso em: 13 dez. 2008.

Page 278: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

276

BANDEIRA, Regina Maria Groba. Seleção dos Magistrados no Direito Pátrio e Comparado: viabilidade legislativa de eleição dos membros do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/publicações/ estnottec/tema6/pdf/200366.pdf>. Acesso em: 10 out. 2007.

BONFIM, Benedito Calheiros. Extinção ou manutenção do quinto constitucional? Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=61>. Acesso em: 6 maio 2008.

BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça restaurativa: a cultura de paz na prática da justiça. Disponível em: <http://www.jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/vis%C30+GERAL+JR_0.HTM>. Acesso em: 28 out. 2008.

BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Estatísticas da Justiça Federal. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/atlas/internet/HabitanteporJuizINTERNET.htm>. Acesso em: 19 mar. 2009.

______. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/>. Acesso em: 31 maio 2009.

______. Conselho Nacional de Justiça. Indicadores estatísticos da Justiça Estadual, 2007. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/stories/docs_cnj/relatorios /justiça_em_numeros_2007.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2009.

______. Conselho Nacional de Justiça. Judiciário de São Paulo propõe 40 boas práticas e objetivos para modernizar a Justiça. Disponível em: <http://www. cnj.jus.br/index.php?option=com_content&task+view&id=5330&Itemid=42>. Acesso em: 24 out. 2008.

______. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providências n.º 465/2006. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 13 nov.2008.

______. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providências n.º 775/2006. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 13 dez. 2008.

______. Conselho Nacional de Justiça. Procedimento de Controle Administrativo nº 68/2005. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 13 nov. 2008.

______. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 6/2005. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 13 dez. 2008.

______. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n.º 16/2006. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 13 dez. 2008.

______. Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Resolução n.º 21, de 23 de maio de 2006. Disponível em: <http://www.informatica.jt.gov.br/pls/portal/docs/PAGE/ASEP/ LEGISLACAO/021REMOCAODEJUIZESVERSAOATUALIZADADOC>. Acesso em: 13 nov. 2008.

______. Estatísticas da Justiça Federal. Disponível em: <http://daleth.cfj.jus.br/ atlas/Internet/QUADRODEJUIZESSJ.htm>. Acesso em: 19 mar. 2009

Page 279: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

277

______. Estatísticas da Justiça Federal. Disponível em: <http://daleth.cjf.jus.br/ atlas/Internet/QUADRODEVARASFEDERAIS.htm>. Acesso em: 19 mar. 2009.

______. Lei Orgânica da Magistratura Nacional (L.C.) nº 35, de 14 de março de 1979. Dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Disponível em: < http://www2.camara.gov.br >. Acesso em: 31 maio 2009.

______. Resolução n.º 8, de 28 nov. 1989. Diário de Justiça, Brasília, DF, 30. nov. 1989, p. 17.738, Seção I. Disponível em: <http://daleth2.cjf.jus.br/download/res008.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2008.

______. Tribunais de Justiça. Disponível em: <http://www.tj.(estado).jus.br>. Acesso em: 24 nov. 2008.

______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/ portal_stj/publicacao/engine.wsp#>. Acesso em: 31 maio 2009.

______. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança n.º 27.310. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=86433> e <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe. asp?idConteudo=88890>. Acesso em: 5 jun. 2008.

______. Superior Tribunal de Justiça. Ministro César Rocha defende quinto constitucional em seminário da OAB. Disponível em: <http://www.stj.gov.br /portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area+398&tmp.texto=87040>. Acesso em: 6 maio 2008.

______. Superior Tribunal de Justiça. Ministros aposentados e ex-ministros. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/web/verMinistrosSTJ?parametro=3>. Acesso em: 9 maio 2008.

______.Superior Tribunal de Justiça. Ministros ativos. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/web/verMinistrosSTJ?parametro=1>. Acesso em: 9 maio 2008.

______. Superior Tribunal de Justiça. Passado e futuro do direito brasileiro se encontram em seminário no STJ. Disponível em: <http://www.stj.gov.br /portal_stj/pubicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89072>. Acesso em: 18 out. 2008.

______. Superior Tribunal de Justiça. Secretaria Judiciária; Coordenadorias; Corte Especial; Seções e Turmas; Gabinetes de Ministros; Sistema Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/verpagina.asp?vPag=0&vseq=125>. Acesso em: 22 mar. 2009.

______.Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp>. Acesso em: 31 maio 2009.

______. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 1.807-5/DF, Relator da medida liminar Ministro Sepúlveda Pertence. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=1807&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=m>. Acesso em: 18 ago 2009.

Page 280: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

278

______. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3.367-1/DF, Relator Ministro Cezar Peluso. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/VotoPelusoADI3367.pdf>. Acesso em: 31 maio 2009.

______. Supremo Tribunal Federal. Movimento Processual. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=movimentoProcessual>. Acesso em: 22 mar. 2009.

______. Tribunal Superior do Trabalho. JT – Relatório Geral da Justiça do Trabalho. Indicadores de desempenho - Coordenadoria de Estatística do TST. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 8 mar. 2009.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Mandado de Segurança n.º 2.833/ 2001-MG. Relatora: Ministra Ellen Grace, decisão unânime. Diário de Justiça, Brasília, DF, 1 mar. 2002. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/servicos_online/catalogo/publicacoes/revista_eletronica/internas/rj13_2/paginas/acordaos/ac2833.htm>. Acesso em: 31 maio 2009.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 24.334-5-PB. Relator: Ministro Gilmar Mendes, decisão unânime. Diário de Justiça, Brasília, DF, 26 ago. 2005. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/servicos_online/catalogo/publicacoes/revista_eletronica/internas/rj17_1/STF24334_5.htm>. Acesso em: 31 maio 2009.

BRITTO, Cezar. OAB: quinto constitucional é melhor antídoto ao Estado policial. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=87055>. Acesso em: 6 maio 2008.

BURGOS, Marcelo Baumann. Justiça de proximidade: notas sobre a experiência francesa. Revista da Escola Nacional de Magistratura, Brasília: Escola Nacional da Magistratura, n. 4, p. 74, 2007. Disponível em: <http://www.enm.org.br/docs/revista4.pdf>. Acesso em: 27 out. 2008.

CARDOSO, Antônio Pessoa. Desjudicialização das relações sociais. Disponível em: <http://www.amb.com.br/?secao=artigo_detalhe&art_id=708&>. Acesso em: 27 out. 2008.

______. Elegíveis para os Tribunais. Disponível em: <http://www.amb. com.br/portal/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=814>. Acesso em: 24 maio 2008.

CEARÁ. Constituição (1989). Constituição do Estado do Ceará. Disponível em: <http:/www.ceara.gov.br/ceara/simbolos-oficiais/constituicaoestadual-56.pdf>. Acesso em: 31 maio 2009.

FREITAS, Vladimir Passos de. Soluções alternativas: judiciário busca alternativas para combater morosidade. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/58759,1>. Acesso em: 31 out. 2008.

GONÇALVES, Silva. Orçamento participativo. Tribunal de Justiça do Espírito Santo. 7 ago. 2008. Disponível em: <http://www.direito2.com.br/tjes/2008/ago/7/orcamento-participativo>. Acesso em: 13 dez. 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/estadosat>. Acesso em: 24 nov. 2008.

Page 281: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

279

______. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/ popmunic2007layoutTCU14112007.xls>. Acesso em: 24 nov. 2008.

______. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencial/noticia_visualiza-php?id_noticia=1264&id_ pagina=1>. Acesso em: 24 nov. 2008.

MATO GROSSO. Processo MC n.º 14.816. Registro n.º 2008/0220893-4, requerente: UNICOM ENGENHARIA E COMÉRCIO LTDA. Requerido: Município de Rondonópolis. Relatora: Min. Eliana Calmon – Segunda Turma. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=89662>. Acesso em: 23 out. 2008.

O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma de todos os serviços e bens produzidos num período, numa determinada região. Ele é um importante indicador da atividade econômica. Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/o_que_e/pib.htm>. Acesso em: 2 dez. 2008.

OLIVEIRA, Antônio Cláudio Mariz de. Magistratura não é emprego. O Estado de São Paulo. São Paulo, 2 abr. 2008. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=mostranoticia&mat_id=12903>. Acesso em: 6 maio 2008.

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - OAB. Negada liminar em ação da OAB sobre preenchimento de vaga de ministro do STJ destinada a advogado. Comissão Nacional de Apoio aos Advogados em Início de Carreira (CNAAI). Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticaDetalhada.asp?idConteudo=88890>. Acesso em: 5 jun. 2008.

PINTO, Renato Sócrates Gomes. A construção da justiça restaurativa no Brasil: o impacto no sistema de justiça criminal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1432, 3 jun. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9878>. Acesso em: 28 out. 2008.

RODRIGUES, Francisco César P. A polêmica do “quinto constitucional”. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/?secao=artigo+detalhe&art_id=848>. Acesso em: 6 maio 2008.

RODYCZ, Wilson Carlos. O juiz de paz imperial: uma experiência de magistratura leiga e eletiva no Brasil. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/ institu/memorial/RevistaJH/vol3n5/sumario_vol3n5.php>. Acesso em: 28 abr. 2008.

SALOMÃO, Luis Felipe. Participação da magistratura na elaboração da proposta orçamentária do Poder Judiciário e a transparência administrativa. Disponível em: <http://www.amb.br/portal/docs/noticias/salomao_orçamento_271205.doc>. Acesso em: 13 dez. 2008.

SEMER, Marcelo. Sociedade deve participar do planejamento da justiça. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 12 jun. 2005, [Entrevista]. Disponível em: <http://www. conjur.com.br/static/text/35411,1>. Acesso em: 22 jul. 2008.

SOUZA, Amaury de; LAMOUNIER, Bolívar. O futuro da democracia: cenários político-institucionais até 2022. Estudos Avançados. Dossiê Brasil: o país do futuro, v. 20, n. 56, Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, jan./abr. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-4014200600010005&<script=sci_arttext>. Acesso em: 31 out. 2008.

Page 282: DEMOCRACIA NO PODER JUDICIÁRIO: FICÇÃO OU …dominiopublico.mec.gov.br/download/teste/arqs/cp111197.pdf · da segurança, servidores públicos, acadêmicos e ao povo, na sua mais

280

STRASSMANN, Karin; LUCHI, Cínthia. O instituto da arbitragem no Brasil. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/19677/1>. Acesso em: 17 abr. 2008.

SUA PESQUISA.COM. Produto Interno Bruto (PIB). Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/o_que_e/pib.htm>. Acesso em: 2 dez. 2008.

WIKIPÉDIA. Enciclopédia on line. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ PAS%C3A1rgada>. Acesso em: 31 out. 2008.

MENSAGEM PESSOAL INTERNET:

APAMAGIS. Associação Paulista de Magistrados. A magistratura estadual comum de São Paulo é composta por 2.034 cargos de juiz de Primeiro Grau e 360 de Segundo Grau [mensagem pessoal]. E-mail recebido de: <[email protected].> Acesso em: 8 jul. 2008.

LEIS

BRASIL. Câmara Federal. Proposta de Emenda à Constituição Federal nº 128/2007. Disponível em: <http://www.camara.com.br/sileg/integras/536971.pdf>. Acesso em: 31 dez. 2008.

______. CLT (1943). Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943, alterado pelo Decreto-lei nº 9.797, de 9 de setembro de 1946. Dispõe sobre a Consolidação das Leis do Trabalho, Brasília, DF, 2009.

______. Código Eleitoral (1965). Leis e legislação eleitoral: código eleitoral e legislação correlata. 3. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2002.

______. Congresso Nacional. Lei n.º 11.419, de 19 de dezembro de 12.2006. Dispõe sobre a informatização do processo judicial: altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro 1973 e dá outras providências, Brasília, DF, 2006.

______. Congresso Nacional. Lei Complementar n.º 101, de 04.05.2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, Brasília, DF, 2000.

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

CEARÁ. Atribuições do Ministério Público do Estado do Ceará. Art. 16. Regimento Interno do Conselho da Magistratura do Estado do Ceará. Diário de Justiça, Fortaleza, CE, 14 jul. 2004, p. 10-17.