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DANIELA VASCONCELLOS GOMES A IMPORTÂNCIA DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO Caxias do Sul 2007

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DANIELA VASCONCELLOS GOMES

A IMPORTÂNCIA DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Caxias do Sul

2007

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DANIELA VASCONCELLOS GOMES

A IMPORTÂNCIA DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Agostinho Oli Koppe Pereira

Caxias do Sul

2007

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Para

Cristina, in memoriam, minha melhor amiga nesta e em outras vidas – o verdadeiro amor transcende qualquer distância;

Glacir, meu pai amado, que acredito nem saber a importância que possui em minha vida; e

Mathias, o amor que nunca imaginei encontrar, e que diariamente faz a minha existência mais feliz.

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Agradeço ao meu orientador, professor Dr. Agostinho Oli Koppe Pereira, não apenas um profissional admirável, mas um amigo para ser levado para toda a vida;

A CAPES, por ter custeado parte deste curso, viabilizando a sua realização;

E a todos que, de uma forma uma outra, auxiliaram na elaboração desta pesquisa.

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"O Direito não serve, senão para se realizar. Então, não lhe basta uma pretensão normativa, é preciso que se lhe dê efetividade social." (Rudolf von Ihering, A finalidade do Direito)

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RESUMO

O ordenamento jurídico brasileiro protege o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações de forma ampla, inclusive alçando-o ao status de direito fundamental tutelado constitucionalmente desde o advento da Constituição Federal de 1988. Apesar disso, as atividades humanas ainda são orientadas por interesses predominantemente econômicos, vez que o crescimento da economia ainda é apresentado como a solução de todos os problemas, e buscado incessantemente pela sociedade contemporânea. Ao considerar o meio ambiente apenas como um estoque interminável de matérias-primas à disposição dos seres humanos, as atividades desenvolvidas ocasionam diversas formas de degradação ambiental, contribuindo para o ocasionamento da crise ambiental existente. Atualmente essa cosmovisão antropocêntrica e reducionista deve dar lugar a outra visão, mais ampla e preocupada com a sustentabilidade do planeta. Para tanto, é preciso a formação de uma nova consciência e o resgate de valores fundamentais para a sociedade, tais como a participação, a responsabilidade e a solidariedade social. Nesse sentido, a presente dissertação tem por objetivo identificar a contribuição do exercício da cidadania enquanto instrumento para o alcance da sustentabilidade, e conseqüentemente, para a efetivação do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Para isso, foram analisados aspectos relacionados às características dos direitos fundamentais, à busca da sustentabilidade e ao exercício da cidadania. Os resultados permitem concluir que o consumo pode passar de uma atividade propulsora da degradação ambiental a elemento-chave da sustentabilidade, e contribuir para a superação da crise ambiental. Para tanto, é preciso que o consumo seja visto sob uma perspectiva mais ampla e complexa, não só como atividade social com inúmeros reflexos na sociedade, mas como forma de exercício da cidadania.

Palavras-chave: Direito fundamental. Meio ambiente. Sustentabilidade. Exercício da cidadania. Consumo.

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ABSTRACT

The Brazilian legal system protects the right to the healthy environment and ecologically balanced for the presents and future generations of ample form, also elevated it the status of basic right tutored person constitutionally since the advent of the Federal Constitution of 1988. Although this, the activities human beings still are guided by predominantly economic interests, time that the growth of the economy still is presented as the solution of all the problems, and incessantly searched for the society contemporary. When considering the environment only as an interminable raw material supply to the disposal of the human beings, the developed activities cause diverse forms of ambient degradation, contributing for the causation of the existing ambient crisis. Currently this anthropocentric and reductionist vision must give place to another vision, ampler and worried about the sustainability of the planet. For in such a way, it’s necessary the formation of a new conscience and the rescue of basic values for the society, such as the participation, the responsibility and social solidarity. In this direction, the present dissertation has for objective to identify the contribution of the exercise of the citizenship while instrument for the reach of the sustainability, and consequently, for the effectuation of the basic right to the healthy environment and ecologically balanced. For this, aspects related to the characteristics of the basic rights, to the search of the sustainability and the exercise of the citizenship had been analyzed. The results allow to conclude that the consumption can pass of a propeller activity of the ambient degradation the element-key of the sustainability, and to contribute for the overcoming of the ambient crisis. For in such a way, it’s necessary that the consumption is seen under an ampler and complex perspective, not only as social activity with innumerable consequences in the society, but as form of exercise of the citizenship.

Keywords: Basic right. Environment. Sustainability. Exercise of the citizenship. Consumption.

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ABREVIATURAS

art. artigo

CDC Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90)

CF Constituição Federal

ed. edição

IDEC Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

LICC Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657/42)

n. número

ONU Organização das Nações Unidas

p. página

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

rel. relator

RTJ Revista Trimestral de Jurisprudência

STF Supremo Tribunal Federal

v. volume

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 10

1 CARACTERIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO E ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO.......................................................15

1.1 Considerações acerca das características dos direitos fundamentais................ 15

1.2 Aplicação dos direitos fundamentais................................................................... 26

1.3 Conteúdo e significado do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente

equilibrado................................................................................................................. 38

2 A CRISE AMBIENTAL E O NECESSÁRIO DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA....48

2.1 Delineamentos acerca da crise ambiental na sociedade contemporânea...........48

2.2 Em busca do desenvolvimento sustentável......................................................... 56

2.3 A importância da educação ambiental na formação de uma nova consciência.. 63

3 O EXERCÍCIO DA CIDADANIA EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL.................................................................................................. 75

3.1 A participação e a solidariedade social como base da cidadania........................76

3.2 Sociedade de consumo: de propulsora da degradação ambiental a elemento-

chave da sustentabilidade......................................................................................... 84

3.3 O papel do indivíduo/consumidor na efetivação do direito fundamental ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado....................................................................... 97

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 109

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 113

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INTRODUÇÃO

A legislação ambiental é composta por diversos dispositivos normativos, que

foram desenvolvidos no decorrer do tempo, de acordo com o surgimento de novas

situações fáticas a serem tuteladas pela ordem jurídica. Em razão de ter sido

elaborada em diferentes momentos históricos, essa legislação nem sempre é

norteada pelas mesmas diretrizes, o que lhe confere um caráter fragmentário,

carecedor de unidade e coerência. Essa característica gera preocupação à medida

que pode dificultar a concretização da imposição constitucional de garantir um meio

ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Diante da complexidade na aplicação do direito em um sistema fragmentado

como o direito ambiental, este deve ser sempre interpretado e concretizado à luz da

Constituição Federal, caracterizada por ser um sistema aberto, composto por regras

e princípios. A Constituição, não obstante seu caráter de norma fundamental,

também necessita de interpretação como qualquer outro dispositivo legal, para que

sejam atribuídos significados aos seus enunciados. A norma constitucional realiza-

se por sua aplicação e concretização na realidade fática. A efetiva defesa e

preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e

futuras gerações, vinculam-se, portanto, à concretização das normas constitucionais.

Dentre a diversidade de normas que regem o direito ambiental, muitas estão

previstas na própria Constituição Federal de 1988 – dentre elas, a norma definidora

do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. A

Constituição é o eixo central de todo o ordenamento, e os preceitos constitucionais

devem orientar – e se sobrepor a – todas as demais normas. Resta saber se na

aplicação dessas normas é respeitada pelos julgadores a supremacia normativa da

Constituição, e, se além da correta aplicação das normas ambientais, a sociedade

está efetivamente comprometida com a busca da sustentabilidade.

Mesmo que a legislação ambiental brasileira seja considerada bastante

avançada em relação a outros países, isso pode não ser o suficiente para a efetiva

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proteção do meio ambiente, pois muitas vezes percebe-se uma grande distância

entre a previsão normativa e a realidade fática – não somente em relação à questão

ambiental, mas em diversos pontos da realidade social. Assim, o problema não

reside na falta de previsão normativa sobre a matéria, mas na não-aplicação das

normas jurídicas estabelecidas.

Eis a proposta dessa pesquisa: buscar mecanismos que possibilitem a efetiva

aplicação das normas ambientais, e em especial, do dispositivo constitucional que

estabelece o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para

as presentes e futuras gerações, que, não obstante estar inserido no ordenamento

brasileiro desde a Constituição Federal de 1988, na realidade fática se revela

aplicado aquém do alcance e objetivo estabelecidos pela legislação.

Para o desenvolvimento desse raciocínio, o estudo divide-se em três partes. A

primeira parte trata da caracterização do direito fundamental ao meio ambiente sadio

e ecologicamente equilibrado. Com esse objetivo, em um primeiro momento faz-se

uma aproximação acerca das características dos direitos fundamentais, com uma

breve diferenciação destes com os denominados direitos humanos, e a abordagem

de algumas das classificações jurídicas existentes na doutrina, especialmente

aquela que divide os direitos fundamentais de acordo com o reconhecimento de seu

conteúdo no decorrer da história, caracterizando-os como direitos fundamentais de

primeira, segunda e terceira gerações. Após, trata-se da aplicação dos direitos

fundamentais, perpassando os critérios norteadores não só do direito constitucional,

mas de todo o direito, vez que, embora existam algumas características específicas

para a aplicação do direito constitucional, em regra segue-se a forma de aplicação

das normas jurídicas em geral. Para tanto, faz-se uma breve reflexão a respeito da

relação existente entre interpretação e aplicação das normas jurídicas, uma vez que

a aplicação do direito está intrinsecamente ligada à sua interpretação. Além disso,

aborda-se a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias

fundamentais, expressa pelo próprio texto constitucional com o objetivo de conferir a

maior eficácia possível aos direitos fundamentais. Após uma abordagem mais ampla

acerca de alguns aspectos respeitantes às normas definidoras de direitos

fundamentais, trata-se de forma mais específica o direito fundamental ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, trazendo ao debate o conteúdo e o significado

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deste direito fundamental. Nesse ponto, além da compreensão jurídica do meio

ambiente, são abordados temas como o reconhecimento do direito ao meio

ambiente nos ordenamentos jurídicos e em documentos internacionais, a razão da

tutela do direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, e a

titularidade da responsabilidade na defesa e preservação do meio ambiente.

A segunda parte traz uma breve reflexão acerca da crise ambiental existente

atualmente e do necessário despertar de uma nova consciência, que possibilite o

restabelecimento da relação entre o homem e a natureza e busque a

sustentabilidade. Para isso, inicia-se com alguns delineamentos acerca da crise

ambiental na sociedade contemporânea, buscando-se apontar as suas principais

causas e os fatores que favorecem o seu agravamento, além de tratar da influência

da visão antropocêntrica no processo de degradação do meio ambiente, e a

conseqüente necessidade de se repensar a forma de pensar e de agir em relação à

natureza. Após analisar alguns aspectos da crise a ser enfrentada, aborda-se o

grande desafio da sociedade contemporânea: o desenvolvimento sustentável. Para

tratar dessa busca de equilíbrio entre o desenvolvimento socioeconômico e a

preservação do meio ambiente, é preciso diferenciar crescimento de

desenvolvimento, além de reavaliar a relação existente entre economia e meio

ambiente, sistemas totalmente interligados ou dissociados, de acordo com o ponto

de vista utilizado. Nesse ponto, além de considerar a relação entre os recursos

existentes e as necessidades humanas, confronta-se o direito das presentes e das

futuras gerações em relação a esses recursos. Avançando na questão da

necessidade de formação de uma nova consciência, passa-se a tratar da

importância da educação ambiental na consecução desta transformação. Nesse

sentido, além de avaliar a necessidade de construção de uma nova mentalidade,

busca-se fundamentos para uma nova forma de pensamento, que reaproxime não

somente o ser humano da natureza, como também os seres humanos entre si. Após

essa breve reflexão, analisa-se a educação ambiental nas diversas perspectivas que

a envolvem, incluindo seus objetivos, seus processos, seus princípios, seus

desafios, e sua estreita ligação com a cidadania.

A terceira e última parte do trabalho examina a relação existente entre o meio

ambiente e a cidadania, e estabelece o debate sobre o papel do exercício da

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cidadania em busca da sustentabilidade – e da conseqüente efetivação do direito

fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado para as

presentes e futuras gerações. Para dar início a essa reflexão, busca-se ampliar a

noção de cidadania, muitas vezes restrita ao seu aspecto formal, de mero

estabelecimento de determinados direitos a membros de um Estado-nação. Assim,

se entabula a proposta de encarar a cidadania de uma forma mais abrangente, e

principalmente, mais ativa, em que a participação e a solidariedade social são

consideradas verdadeiras bases da cidadania. Após, acrescenta-se outro elemento

ao caminho a ser traçado na busca da sustentabilidade: a transformação dos atuais

parâmetros estabelecidos pela sociedade de consumo. Tal fato se justifica a medida

que, se o alto padrão de consumo é um dos principais elementos causadores do

atual estágio de degradação ambiental, a partir dele também podem – e devem –

surgir alternativas para a reversão deste quadro. Nesse ponto, são abordados

diversos aspectos atinentes ao consumo, como a sua crescente valorização desde o

advento do processo de industrialização, a sua estreita ligação com a incessante

busca de satisfação pessoal e reconhecimento social, a constante criação de novas

necessidades, até se chegar à idéia de sustentabilidade no consumo. Além disso,

busca-se demonstrar que a atuação do consumidor pode ter reflexos positivos ou

negativos sobre o meio ambiente, de modo que deve haver um trabalho de

conscientização para que o comportamento do consumidor não tenha apenas um

caráter individual, mas esteja comprometido socialmente e ambientalmente com a

coletividade. Nesse sentido emerge o papel do indivíduo/consumidor na efetivação

do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, vez

que meio ambiente, consumo e cidadania mostram-se intimamente interligados, e a

proteção do meio ambiente não depende apenas da existência de normas

protetivas, mas do comprometimento e da participação de toda a sociedade.

É exatamente essa relação, entre a previsão e a concretização das normas

ambientais, especialmente a que estabelece o direito fundamental ao meio ambiente

sadio e ecologicamente equilibrado, e a importância da participação e da

cooperação de toda a sociedade na consecução desse direito, que é abordada

nesse trabalho.

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A importância desse estudo, ressalte-se, é a busca de alternativas para a

efetiva aplicação do direito fundamental ao meio ambiente, para que a proteção

jurídica do ambiente não acabe da mesma maneira que tantos outros dispositivos

normativos no ordenamento brasileiro: vigentes, válidos, mas sem qualquer

efetividade.

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1 CARACTERIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE SADIO E ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

Para que seja possível a busca de alternativas para a real efetividade do

direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, é

necessário que se faça primeiramente uma aproximação acerca das características

dos direitos fundamentais e a sua forma de aplicação, para depois adentrar nas

características específicas do direito fundamental sob análise.

Diante da amplitude dos temas a serem abordados, ressalte-se que não há

qualquer pretensão de esgotamento do assunto – até para que não se perca o foco

em questão, que requer a abordagem de diversos aspectos, a serem tratados

oportunamente nos capítulos seguintes. De forma que serão analisados aqui os

aspectos considerados mais relevantes para a elaboração desse estudo, sem

desviar do objetivo principal de buscar soluções para o problema proposto.

1.1Considerações acerca das características dos direitos fundamentais

A proteção de determinados direitos subjetivos do homem é designada sob

diversas formas, tais como “direitos fundamentais”, “direitos do homem”, “direitos

humanos”, “direitos humanos fundamentais”, entre tantos outros termos utilizados

pela legislação e pela doutrina. Apesar da diversidade de termos, não cabe aqui um

estudo pormenorizado sobre a questão, de modo que neste momento deter-se-á

apenas na distinção entre as expressões “direitos humanos” e “direitos

fundamentais”, que, embora estreitamente relacionadas, não se confundem.

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Os direitos fundamentais são aqueles direitos do ser humano reconhecidos e

protegidos como tais pela ordem constitucional de um Estado. Assim, tratam-se de

normas jurídicas vinculativas, protegidas através do controle jurisdicional da

constitucionalidade dos dispositivos reguladores destes direitos.1

Tais direitos, ao serem colocados no vértice do sistema, sob a proteção da

carta fundamental de um Estado, diferenciam-se dos chamados direitos humanos,

reconhecidos internacionalmente ao ser humano considerado em si,2 mas sem

qualquer vinculação estatal – e muitas vezes não efetivados, onde certas

declarações de direitos tomam a feição de meras cartas de intenções.3

Segundo Canotilho,

A positivação de direitos fundamentais significa a incorporação na ordem jurídica positiva dos direitos considerados ‘naturais’ e ‘inalienáveis’ do indivíduo. Não basta uma qualquer positivação. É necessário assinalar-lhes a dimensão de fundamental rights colocados no lugar cimeiro das fontes de direito: as normas constitucionais. Sem esta positivação jurídica, os ‘direitos do homem são esperanças, aspirações, ideias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política’, mas não direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princípios) de direito constitucional (Grundreschtsnormen).4

No mesmo sentido, Robles diferencia os direitos humanos dos direitos

fundamentais da seguinte forma:

Os direitos fundamentais são determinados positivamente. São direitos humanos positivados, isto é, concretados e protegidos especialmente por normas do nível mais elevado. A positivação tem tal transcendência que modifica o caráter dos direitos humanos pré-positivados, posto que permite

1 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 372.2 Segundo Lorenzetti, “A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948 dispunha que ‘todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos’. O sujeito dos direitos é o ‘ser humano’ e os direitos são ‘direitos humanos’, porque todos os indivíduos deles são titulares, independentemente das questões de raça, nacionalidade, idade ou crença” (LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Trad. Vera Maria Jacob de Fradera. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 152).3 ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 217, p. 55-66, jul./set. 1999, p. 57; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 33-34.4 CANOTILHO, op. cit., p. 371.

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a transformação de critérios morais em autênticos direitos subjetivos dotados de maior proteção que os direitos subjetivos não fundamentais.5

Embora muitos dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente sejam

contemplados pelos textos constitucionais de diversos Estados, não existe

necessariamente uma identidade entre eles, podendo cada Constituição ir aquém ou

além da proteção internacional. Entretanto, os direitos definidos constitucionalmente

como direitos fundamentais têm maior possibilidade de efetivação, diante dos

mecanismos jurídicos existentes nos ordenamentos que os contemplam.6

Nesse ponto, é importante ressaltar que a efetiva realização dos direitos

fundamentais é uma das grandes questões que se apresentam na sociedade

contemporânea. Como afirma Bobbio, “o problema fundamental em relação aos

direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los [...] o

problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais

amplo, político”.7 Ou seja, em relação à efetivação dos direitos fundamentais, as

principais dificuldades encontradas atualmente não estão em sua previsão

normativa, mas na implementação das normas existentes.

Tanto isso ocorre que há uma diversidade de direitos protegidos

constitucionalmente na qualidade de direitos e garantias fundamentais no

ordenamento jurídico brasileiro. Quanto às espécies de direitos e garantias

fundamentais existentes, encontram-se diversas classificações na doutrina.

Para Canotilho, por exemplo, direitos fundamentais referem-se àqueles

direitos inerentes ao homem como indivíduo ou como participante na vida política; a

liberdades, à defesa da esfera jurídica dos cidadãos perante os poderes políticos; e

a garantias, às garantias ou meios processuais adequados para a defesa dos

direitos.8

5 ROBLES, Gregorio. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. Trad. Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005, p. 7.6 SARLET, op. cit., p. 36-37.7 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 43-45.8 CANOTILHO, op. cit., passim.

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De acordo com a Constituição Federal de 1988, os direitos e garantias

fundamentais se subdividem em: direitos individuais e coletivos, direitos sociais,

direitos de nacionalidade, direitos políticos e direitos relacionados à existência,

organização e participação em partidos políticos.9

Atualmente classificam-se ainda os direitos fundamentais de acordo com o

reconhecimento de seu conteúdo no decorrer da história, denominando-os direitos

fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensões (ou gerações).

Segundo Bobbio,

Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.10

Embora já consagrado e amplamente utilizado, o termo “gerações” tem

sofrido diversas críticas pela doutrina, por poder representar que o reconhecimento

progressivo de novos direitos fundamentais tenha caráter de alternância, e não de

complementariedade, como efetivamente acontece.11 O reconhecimento de uma

geração de direitos não ocorre para substituir a(s) anterior(es), e sim para

complementá-la(s).

Nesse sentido, Sarlet ressalta:

[...] é de se ressaltarem as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo ‘gerações’ por parte da doutrina alienígena e nacional. Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o

9 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 43-44.10 BOBBIO, op. cit., p. 25.11 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 525; SARLET, op. cit., p. 50.

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termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina.12

A primeira dimensão de direitos surgiu por volta do século XVIII para

assegurar a liberdade do indivíduo frente à ação estatal, em um procedimento

característico do Estado liberal. São direitos de defesa, para proteger a autonomia

individual e garantir a não-intervenção do Estado. Assim, as liberdades públicas

constituem-se em direitos subjetivos – poderes de agir reconhecidos e protegidos

pelo ordenamento jurídico – oponíveis a todos os indivíduos, inclusive e

especialmente ao próprio Estado.13

Segundo Alexy,

De acuerdo con la interpretación liberal clásica, los derechos fundamentales están destinados, ante todo, a asegurar la esfera de la libertad del individuo frente a intervenciones del poder público; son derechos de defensa del ciudadano frente al Estado. Los derechos de defensa del ciudadano frente al Estado son derechos a acciones negativas (omisiones) del Estado.14

Os direitos fundamentais de primeira dimensão são direitos de liberdade –

também denominados liberdades públicas –, e se referem a direitos individuais e

políticos, tais como o direito à vida, à liberdade, à intimidade, à segurança pessoal, à

integridade física, à igualdade perante a lei, à propriedade, entre outros.15

Com o desenvolvimento industrial do século XIX, houve uma profunda

modificação nas relações intersubjetivas, fazendo emergir, assim, a necessidade de

proteção de categorias que se encontravam prejudicadas, com o intuito de

compensar juridicamente suas debilidades sociais ou econômicas.

12 SARLET, op. cit., p. 50.13 BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 4. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 101; FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 27. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 29-30.14 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 419.15 SARLET, op. cit., p. 51; LORENZETTI, op. cit., p. 153; LOPES, Ana Maria D'Ávila. Hierarquização dos direitos fundamentais? Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 9, n. 34, p. 168-183, jan./mar. 2001, p. 174-175.

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Desse modo, ao contrário dos direitos fundamentais de primeira dimensão,

que impõem uma abstenção do Estado, os direitos de segunda dimensão são

conferidos e concretizados através da ação estatal, pois requerem ações do Estado

voltadas à minoração dos problemas sociais e econômicos gerados pelo grande

processo de industrialização.16

Nesse sentido, afirma Bobbio:

Todas as declarações recentes de direitos do homem compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os chamados direitos sociais, que consistem em poderes. Os primeiros exigem da parte dos outros (incluídos aqui os órgãos públicos) obrigações puramente negativas, que implicam a abstenção de determinados comportamentos; os segundos só podem ser realizados se for imposto a outros (incluídos aqui os órgãos públicos) um certo número de obrigações positivas.17

Na luta pela conquista por uma primeira dimensão de direitos, o indivíduo

posicionava-se contra o Estado; já em um segundo momento, o Estado é que vai

garantir que o poder econômico não revogue as conquistas alcançadas.18

Assim, a segunda dimensão de direitos fundamentais, que foi introduzida com

o constitucionalismo social no século XX para enfrentar o problema dos grandes

desníveis sociais, trata de direitos de igualdade – não mais se assegura apenas

liberdades formais abstratas, mas liberdades materiais concretas. São direitos

econômicos, sociais e culturais, relacionados ao trabalho, à assistência social, à

habitação, à saúde, à educação, ao lazer, etc.19

16 SARLET, op. cit., p. 51; MORAIS, José Luis Bolzan de. Do direito social aos interesses transindividuais: o Estado e o Direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 163-164.17 BOBBIO, op. cit., p. 41.18 BARROSO, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, op. cit., p. 101.19 SARLET, op. cit., p. 52; BARROSO, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, op. cit., p. 101; FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais. 4. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 103.

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Entretanto, a ampliação do rol de direitos fundamentais tutelados pela ordem

jurídica não se encerrou com o reconhecimento dos chamados direitos sociais. Ao

se admitir o surgimento de novos problemas, relacionados especialmente à qualida-

de de vida e à solidariedade entre os indivíduos, emerge a necessidade de reconhe-

cimento e proteção de novos direitos fundamentais.20

Então, a partir do segundo pós-guerra começa a se desenvolver a terceira

dimensão de direitos, que contempla direitos difusos, muitas vezes denominados de

“novos direitos”.21 Mas foi a partir de 1979, com a publicação do artigo de Karel

Vasak, “Vrais et faux droits de l’Homme”, na Revue du Droit Public, que se começa a

reconhecer efetivamente esses novos direitos.22

São os chamados direitos de fraternidade, e dizem respeito ao direito à paz, à

proteção ao meio ambiente e à qualidade de vida, ao desenvolvimento, à

manutenção do patrimônio comum da humanidade, à autodeterminação dos povos,

à proteção dos consumidores, à proteção da infância e juventude, etc.23 Os direitos

de solidariedade são ao mesmo tempo individuais e coletivos, e demonstram que

continuamente aparecem novos direitos fundamentais para satisfazer as exigências

do desenvolvimento social.24

Deve-se ressaltar novamente que o reconhecimento dos direitos econômicos

e sociais e dos direitos de solidariedade não substituem os direitos individuais, mas

pelo contrário, lhe servem de complementação.25 Como bem ressalta Ferreira Filho:

“a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de

igualdade, a terceira, assim, completaria o lema da Revolução Francesa: liberdade,

igualdade, fraternidade”.26

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal Federal:

20 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 57.21 LORENZETTI, op. cit., p. 154.22 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 57-58.23 MORAES, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 44-46; SARLET, op. cit., p. 54; FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 58.24 LOPES, op. cit., p. 175-176.25 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 28.26 Ibidem, p. 57.

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Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e o os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (STF – Pleno – MS 22.164/SP – Rel. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 17 nov. 1995, p. 39.206)

Apesar disso, a fraternidade sempre foi considerada um “primo pobre” dos

ideais de igualdade e liberdade, e por muito tempo se manteve apenas como uma

idéia vaga e abstrata.27 Ao tratar da tríade iluminista, a filosofia política sempre

privilegiou a liberdade e a igualdade em detrimento da fraternidade, que permaneceu

em um plano secundário, à sombra dos outros temas.28

Para Rawls,

Em comparação com a liberdade e a igualdade, a fraternidade tem ocupado um lugar menos importante na teoria democrática. Considera-se que ela é um conceito menos especificamente político, que não define em si mesmo nenhum dos direitos democráticos, mas que em vez disso expressa certas atitudes mentais e formas de conduta sem as quais perderíamos de vista os valores expressos por esses direitos. [...] Algumas vezes se considera que o ideal de fraternidade envolve laços sentimentais que, entre membros da sociedade mais ampla, não seria realista esperar. E essa é certamente mais uma razão para que ele seja relativamente negligenciado na doutrina democrática.29

No entanto, a fraternidade deve reassumir sua importância na sociedade

contemporânea, já que “recoloca em questão a comunhão de pactos entre sujeitos

concretos com as suas histórias e as suas diferenças”.30 Assim, a fraternidade e a

solidariedade passam a ter papel fundamental na atual configuração do direito,

podendo até se falar na busca de um “direito fraterno”. 27 RESTA, Eligio. O Direito fraterno. Trad. Sandra Regina Martini Vial. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004, passim.28 CANTO-SPERBER, Monique (org.). Dicionário de ética e filosofia moral. São Leopoldo: Unisinos, 2003, v. 2, p. 668.29 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímoli Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes: 2002, p. 112-113.30 RESTA, op. cit., p. 16.

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Para Resta, o direito fraterno

[...] trata-se de um modelo de direito que abandona a fronteira fechada da cidadania e olha em direção à nova forma de cosmopolitismo que não é representada pelos mercados, mas pela necessidade universalista de respeito aos direitos humanos que vai se impondo ao egoísmo dos “lobos artificiais” ou dos poderes informais que à sua sombra governam e decidem.31

De modo que a noção de fraternidade demonstra a sua importância à medida

que os direitos fundamentais e a própria democracia encontram ampla proteção

jurídica no ordenamento pátrio, mas dependem de uma atitude concreta de

cooperação e solidariedade de todos os cidadãos para a sua efetivação.32 33 34

Encontra-se na doutrina autores que defendem a existência de uma quarta

dimensão de direitos fundamentais, mas não se trata de ponto pacífico, não

existindo, assim, consenso quanto ao seu conteúdo.

Nesse sentido, Sarlet questiona se, já que os direitos fundamentais têm por

base o princípio maior da dignidade da pessoa humana, e a proteção de valores

tradicionais – tais como a vida, a liberdade, a igualdade –, se esses novos direitos

não passariam de uma nova forma de reivindicar os direitos já reconhecidos, mas

nem sempre respeitados em sua plenitude.35

Com entendimento diverso sobre o assunto, Bonavides36 e Sarlet37 entendem

que entre os direitos fundamentais da quarta geração estariam direitos como à de-

31 RESTA, op. cit., p. 15-16.32 MARTÍN, Nuria Belloso. Os novos desafios da cidadania. Trad. Clovis Gorczevski. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005, p. 111.33 Em sentido contrário, apesar de concordar que é preciso reconstruir a cidadania, Campilongo vê com reserva a atuação da sociedade diante da crise do Estado: “O sistema político é capaz de produzir uma legalidade abrangente das diversas gerações de direitos – civis, políticos e sociais. Entretanto, nem se submete a essa legalidade e nem tem força para fazer o Estado presente na implementação eficaz desses direitos. A sociedade, de outro lado, com capacidade para ver suas demandas por direitos transformadas em leis – quando não em normas constitucionais – não tem suficiente poderio de organização e de conflito para exigir a submissão do governo à legalidade e muito menos para usufruir diretamente desses direitos.” (CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 57-58).34 A importância do exercício da cidadania e da participação social na reconstrução da sociedade será abordada oportunamente nos capítulos seguintes.35 SARLET, op. cit., p. 55-56.36 BONAVIDES, op. cit., p. 525.37 SARLET, op. cit., p. 56-57.

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mocracia, ao pluralismo e à informação. Para Bobbio38, são direitos relacionados às

manipulações genéticas. Enquanto Lorenzetti39 afirma que os direitos de quarta di-

mensão se tratam de “direitos a ser diferente”, tais como o direito à homossexualida-

de, à troca de sexo, ao aborto, à recusa a tratamentos médicos mortais, etc.

Os direitos fundamentais podem ser diferenciados ainda a partir da natureza

de sua prestação. Nesse caso, conforme Sarlet, os direitos fundamentais exercem

diferentes funções, podendo ser divididos em dois grandes grupos: direitos de defe-

sa e direitos a prestações. Segundo o referido autor, os direitos de cunho prestacio-

nal englobam os direitos a prestações em sentido amplo (direitos à proteção e direi-

tos à participação na organização de direitos) e direitos a prestações em sentido es-

trito (direitos a prestações materiais sociais).40

Para Ferreira Filho41, tais direitos abrangem as liberdades, os direitos de crédi-

to, os direitos de situação e os direitos-garantia. As liberdades têm por objeto ações

ou omissões, vez que são poderes de agir (liberdade de ir e vir, direito de greve). Os

direitos de crédito em geral objetivam prestações de serviços pelo Estado (direito ao

trabalho, à saúde, à educação). Os direitos de situação dizem respeito à preserva-

ção ou restabelecimento de uma situação (direito ao meio ambiente sadio, à paz, à

autodeterminação dos povos). Os direitos a garantias instrumentais têm por objeto a

prestação jurisdicional em defesa de outros direitos (mandado de segurança, habe-

as corpus). Os direitos a garantias-limite protegem o indivíduo de determinadas situ-

ações (direito a não sofrer censura, a não ser expropriado sem justa indenização).

38 BOBBIO, op. cit., p. 25-26.39 LORENZETTI, op. cit., p. 154-155.40 SARLET, op. cit., p. 174-175.41 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 101.

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Outra possibilidade de classificação jurídica dos direitos fundamentais

assenta suas bases a partir da titularidade do direito. Sob essa perspectiva, os

direitos dividem-se em individuais, individuais homogêneos, coletivos e difusos. O

direito individual é aquele cujo titular é um indivíduo ou um ente personalizado. O

direito individual homogêneo configura-se em um grupo de direitos individuais, mas

que decorrem de uma origem comum. O direito coletivo tem como titular uma

coletividade cujos integrantes estão vinculados entre si através de uma relação

jurídica. O direito difuso é reconhecido, sem individualização, a pessoas que

partilham de determinadas condições.42

O sujeito passivo dos direitos fundamentais pode ser o Estado e/ou

particulares. O Estado sempre estará presente, seja respeitando as liberdades

individuais, prestando serviços considerados direitos sociais, ou tutelando direitos de

solidariedade. No que se refere aos primeiros e aos últimos, também os particulares

devem sempre respeitá-los. E no caso dos direitos sociais, por vezes a Constituição

Federal compartilha sua responsabilidade, como acontece com a educação, que

também é de responsabilidade da família (art. 205/CF), e a seguridade, da

sociedade (art. 195/CF), ao lado do Estado.43

Além dessas características básicas, é de se ressaltar que os direitos

fundamentais constituem a base lógica e axiológica de um ordenamento jurídico. A

partir da análise dos direitos fundamentais de um Estado é possível depreender

quais os seus valores básicos, ao verificar quais direitos foram considerados

essenciais àquela sociedade. Afinal, segundo Bobbio, “o que parece fundamental

numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras

épocas e em outras culturas”.44

42 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 101-102.43 Ibidem, p. 103.44 BOBBIO, op. cit., p. 38.

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1.2 Aplicação dos direitos fundamentais

Para que se possa analisar a forma de aplicação das normas definidoras de

direitos fundamentais, é preciso perpassar os critérios norteadores da aplicação de

todo o direito. Assim ocorre, pois, na aplicação do direito constitucional, apesar da

existência de algumas características específicas, em regra segue-se a aplicação

das normas jurídicas em geral.

A aplicação do direito está intrinsecamente ligada à sua interpretação.

Interpretar é descobrir o sentido e o alcance da norma, conferindo significado ao seu

conteúdo.45 Para Hesse, “interpretação constitucional é concretização”.46 Para

Canotilho, a concretização não tem necessariamente o mesmo significado da

interpretação, pois a interpretação é uma fase intermediária na solução das

situações fáticas, em que a concretização é “a construção de uma norma jurídica”.47

Assim, a interpretação busca revelar o significado de um dispositivo

normativo, mas seu objetivo é muito mais amplo – seu fim último é a concretização

do direito. Concretizar o direito é aplicar a lei no caso concreto. Sendo assim, o

papel da interpretação na concretização do direito é mediar o caráter geral do texto

normativo com a especificidade do caso particular.48

Na elaboração da solução jurídica de cada caso, para extrair o significado

normativo expresso pelo dispositivo legal, o intérprete não interpreta apenas o texto

normativo – mundo do dever-ser –, mas também o caso concreto a que ele será

aplicado – mundo do ser. De forma que o trabalho de construção da norma aplicável

se renova constantemente, a cada questão analisada. Pois, segundo Grau49, se a

45 ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Batista Machado. 6. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 126.46 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1998, p. 61.47 CANOTILHO, op. cit., p. 1165.48 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 19.49 Ibidem, p. 25-26.

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simples leitura do texto legal fosse suficiente para a interpretação do direito, bastaria

que o intérprete fosse alfabetizado.

A interpretação de um texto é sempre necessária, pois é através dela que é

possível compreender o seu significado. O brocardo in claris cessat interpretatio, que

sustenta a tese que o texto só necessita ser interpretado quando apresentar

obscuridade ou contradição, não encontra mais adeptos, pois toda a norma jurídica

tem de ser interpretada. Até para se chegar à conclusão que um dispositivo

normativo é evidente é necessária a utilização da interpretação, ainda que realizada

quase que em um instante. O que acontece por vezes é a idéia errônea que a

interpretação só ocorre quando ela for complexa.50

Não existe uma interpretação que seja absolutamente correta e definitiva. Isso

ocorre porque, diante da constante evolução social, a norma é aplicada de acordo

com o ordenamento jurídico e os valores vigentes e, invariavelmente, frente a novas

questões. De forma que o texto da norma pode permanecer igual, mas seu sentido

acompanha as transformações ocorridas na sociedade. Assim, as soluções

encontradas através da interpretação são variáveis, de acordo com o contexto em

que se encontrem.51

Nesse sentido afirma Eros Grau: “assim, o significado válido dos textos é

variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito

não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos

normativos à realidade e seus conflitos”.52

A interpretação é um processo cognitivo que dispõe de diversos critérios para

a sua realização. Entretanto, como bem salienta Ferrara53, embora a interpretação

possua vários estágios, não há várias espécies de interpretação, que é única – e de

caráter essencialmente teleológico.

50 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Trad. Joaquim Campos de Miranda. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 25; LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 5. ed. rev. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, p. 239-240; ASCENSÃO, José de Oliveira. O direito – introdução e teoria geral: uma perspectiva luso-brasileira. 10. ed. rev. Lisboa: Almedina, 1999, p. 385; MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 33.38.51 LARENZ, op. cit., p. 378.52 GRAU, op. cit., p. 49.53 FERRARA, op. cit., p. 25-26.

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Para que a interpretação não dependa exclusivamente do arbítrio do

aplicador, foram criados pela metodologia jurídica alguns métodos para orientar o

processo interpretativo.54 Seus principais métodos são o gramatical, histórico,

teleológico e sistemático.55

O ponto de partida no processo de interpretação é a busca do significado

básico do texto legal. Com a interpretação gramatical ou literal56, busca-se conhecer

o conteúdo dos enunciados normativos.57 Ao mesmo tempo em que a interpretação

gramatical ou literal é o ponto de partida, servindo como uma primeira orientação, e

abrindo possibilidades ao intérprete, ela também funciona como um limite ao

processo interpretativo, pois os termos do enunciado têm um sentido mínimo que

deve ser respeitado.58

Além de identificar o significado básico do enunciado da lei, é necessário

determinar o seu significado no contexto em que está inserido. O contexto

significativo da lei orienta que, no caso de várias interpretações possíveis segundo o

sentido literal, deve prevalecer a que se possibilite a manutenção da unidade do

ordenamento jurídico. Assim, nenhuma disposição pode ser interpretada

isoladamente, tendo em vista a unidade do sistema.59

Da mesma forma acontece com a norma constitucional, que, se observada de

modo isolado, pode ter sua significação reduzida ou entrar em conflito com outros

dispositivos. Assim, ela sempre deve ser interpretada levando-se em consideração

todo o sistema constitucional, para que seja respeitada a unidade normativa do

sistema.60

54 LARENZ, op. cit., p. 384.55 Alguns autores tratam, além desses, de outros métodos de interpretação. Tércio Sampaio Ferraz Júnior (FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 286-293), por exemplo, menciona também os métodos sociológico, evolutivo, axiológico e lógico. Cada autor tem sua percepção acerca dos métodos de interpretação. Francesco Ferrara (FERRARA, op. cit., p. 33-38), por exemplo, divide os métodos em literal/gramatical e lógico/racional, sendo que incluído dentro do último estão os critérios racional/teleológico, sistemático e histórico. 56 Também chamada textual, literal, filológica, verbal ou semântica, BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 127.57 LARENZ, op. cit., p. 385; FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 7. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 8.58 FERRARA, op. cit., p. 33; LARENZ, op. cit., p. 390; ASCENSÃO, op. cit., p. 390; BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 130.59 LARENZ, op. cit., p. 390-391; ASCENSÃO, op. cit., p. 403.60 BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 136.

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Segundo Barroso,

A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do ordenamento jurídico. Através dela, o intérprete situa o dispositivo a ser interpretado dentro do contexto normativo geral e particular, estabelecendo as conexões internas que enlaçam as instituições e as normas jurídicas. [...] No centro do sistema, irradiando-se por todo o ordenamento, encontra-se a Constituição, principal elemento de sua unidade, porque a ela se reconduzem todas as normas no âmbito do Estado. A Constituição, em si, em sua dimensão interna, constitui um sistema. Essa idéia de unidade interna da Lei Fundamental cunha um princípio específico, derivado da interpretação sistemática, que é o princípio da unidade da Constituição [...]. A Constituição interpreta-se como um todo harmônico, onde nenhum dispositivo deve ser considerado isoladamente. Mesmo as regras que regem as situações específicas, particulares, devem ser interpretadas de forma que não se choquem com o plano geral da Carta. Além dessa unidade interna, a Constituição é responsável pela unidade externa do sistema.61

No mesmo sentido, Eros Grau defende a idéia de que o texto legal somente

encontra significação enquanto parte integrante de um sistema da seguinte forma:

A interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição.62

O método teleológico busca orientar a aplicação dos preceitos normativos de

acordo com a finalidade e o espírito com que foram criados.63 Buscar o fim

estabelecido pelo legislador é ir além da “vontade do legislador”, é considerar a lei

em sua própria racionalidade.64 A ratio legis constitui o fundamento racional da

norma, e redefine a finalidade nela compreendida ao longo do tempo.65

61 Ibidem, p. 136-137.62 GRAU, op. cit., p. 34.63 BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 138.64 LARENZ, op. cit., p. 401.65 FERRARA, op. cit., p. 36-37; LARENZ, op. cit., p. 407; BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 139-140.

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O artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil66 consagra – ao estabelecer

que a lei deve ser interpretada respeitando os fins sociais e os valores que pretende

garantir – o método teleológico de interpretação e a diretriz do bem comum67 como

referência a ser seguida na interpretação e na aplicação da lei.68

A interpretação histórica busca o sentido da lei através dos precedentes

legislativos, dos trabalhos preparatórios, e da occasio legis – o contexto histórico

que ocasionou a elaboração e edição da lei.69 Atualmente a tendência é que a

vontade do legislador deva ser interpretada no momento da aplicação da lei, vez que

prevalece a tese da “vontade objetiva da lei”, pois “torna-se mais importante verificar

qual o sentido que a fonte toma na ordem social que visa compor, do que o sentido

pretendido pelo criador histórico”.70

A compreensão do conteúdo dos enunciados normativos é simples quando a

aplicação dos métodos interpretativos leva a um único resultado. A situação é mais

complexa no caso dos vários procedimentos resultarem diferentes interpretações.

Cada método ou critério não exclui os outros, do contrário, somam-se em busca do

resultado final, a concretização do direito. O problema está em que não há relação

de hierarquia entre os critérios de interpretação, o que dificulta a aplicação quando

eles não chegam a uma única solução. A tendência é de considerar a interpretação

gramatical como limite, e dar prevalência aos métodos sistemático e teleológico –

objetivos – sobre o histórico – considerado subjetivo.71

Larenz72 entende que a interpretação gramatical e a sistemática (do contexto

significativo, em seus termos) têm uma função mais limitadora, conferindo primazia

ao método teleológico. A questão histórica tem papel complementar, a ser levantada

66 Art. 5º/LICC. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.67 Segundo Diniz, a noção de bem comum pode dar origem a várias definições, já que é composto por diversos elementos ou fatores. Em geral, considera-se esses elementos a paz, a liberdade, a justiça, a segurança, a utilidade social, a solidariedade ou cooperação. Ao aplicar a lei, o julgador deve harmonizar tais elementos, diante das circunstâncias fáticas presentes (DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 167).68 ASCENSÃO, op. cit., p. 411; BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 140.69 ASCENSÃO, op. cit., p. 325-327.70 Ibidem, p. 395. No mesmo sentido, FERRARA, op. cit., p. 29-32; BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 132.71 ENGISCH, op. cit., p. 144-145; BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 125-126.72 LARENZ, op. cit., p. 417.

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apenas se o legislador se afastou de sua concepção em alguma questão ou haja

equívoco na formulação da lei.

Além dos métodos de interpretação tradicionalmente estabelecidos pela

doutrina, Larenz73 entende que a conformidade com a Constituição também é um

critério de interpretação. Se houver várias formas de interpretação possíveis, deverá

sempre prevalecer aquela que esteja de acordo com os preceitos constitucionais –

desde que respeite os limites impostos pelo sentido literal e pelo contexto

significativo da lei. A interpretação deve nortear-se pelos princípios do ordenamento,

especialmente se estes são previstos pela ordem constitucional – do contrário, não

terá validade.

Ressalte-se que a necessidade de interpretação é característica concernente

a todas as normas, inclusive as contidas na Constituição Federal. Também os

dispositivos constitucionais devem ser interpretados, para que possam, diante da

realidade social, exprimir o melhor sentido da norma jurídica.74

Segundo Barroso,

A interpretação constitucional serve-se de alguns princípios próprios e apresenta especificidades e complexidades que lhe são inerentes. Mas isso não a retira do âmbito da interpretação geral do direito, de cuja natureza e características partilha. Nem poderia ser diferente, à vista do princípio da unidade da ordem jurídica e do conseqüente caráter único de sua interpretação.75

Em relação aos princípios respeitantes especificamente à interpretação

constitucional, Hesse76 destaca: a unidade, a concordância prática, a exatidão

funcional, o efeito integrador e a força normativa da Constituição. Canotilho77 aponta,

além dos princípios elencados por Hesse, o princípio da eficiência ou da máxima

efetividade.

73 Ibidem, p. 410-411.74 MORAES, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 23.75 BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 104.76 HESSE, op. cit., p. 65-68.77 CANOTILHO, op. cit., p. p. 1186-1189.

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O princípio da unidade da Constituição deriva da interpretação sistemática do

ordenamento jurídico, e determina que as normas constitucionais devam ser

interpretadas de maneira que sejam evitadas as contradições entre elas.78

O princípio da concordância prática (ou da harmonização) da Constituição

estabelece que, em caso de colisões normativas, deve haver uma otimização na

eficácia dos bens jurídicos envolvidos no conflito. Ou seja, não deve ocorrer a

exclusão de um em detrimento de outro, mas devem ser estabelecidos limites de

modo que ambos possam ser realizados da melhor forma possível.79

O princípio da exatidão (ou da conformidade) funcional refere-se ao respeito

que os intérpretes devem ter em relação à forma de distribuição das funções

estatais. Se a Constituição estabelece determinada forma para o cumprimento de

uma tarefa, a interpretação não pode remover a distribuição dessas funções.80

O princípio do efeito integrador da Constituição diz respeito à preferência que

deve ser dada, na resolução de problemas jurídicos, às soluções que gerem um

efeito criador e conservador da unidade política.81

O princípio da força normativa da Constituição também está relacionado à

solução de problemas jurídicos, e determina que “deve, na resolução dos problemas

jurídico-constitucionais, ser dada a preferência àqueles pontos de vista que, sob os

respectivos pressupostos, proporcionem às normas da Constituição força de efeito

ótima”.82

O princípio da eficiência ou da máxima efetividade, segundo Canotilho, “pode

ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o

sentido que maior eficácia lhe dê”.83

Para Barroso84, os princípios de interpretação especificamente constitucional

são os seguintes: os princípios constitucionais como condicionantes da interpretação

constitucional; o princípio da supremacia da Constituição; o princípio da presunção

78 HESSE, op. cit., p. 65; CANOTILHO, op. cit., p. 1186-1187.79 HESSE, op. cit., p. 66-67; CANOTILHO, op. cit., p. 1188.80 HESSE, op. cit., p. 67; CANOTILHO, op. cit., p. 1187-1188.81 HESSE, op. cit., p. 68; CANOTILHO, op. cit., p. 1187.82 HESSE, op. cit., p. 68. No mesmo sentido, CANOTILHO, op. cit., p. 1189.83 CANOTILHO, op. cit., p. 1187.84 BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., passim.

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da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público; o princípio da

interpretação conforme a Constituição; o princípio da unidade da Constituição; os

princípios da razoabilidade e da proporcionabilidade; e o princípio da efetividade.

Segundo Barroso,

O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie.85

Assim, por sintetizarem os valores mais relevantes de uma ordem jurídica, os

princípios constitucionais orientam toda a interpretação, especialmente a

constitucional.86

A interpretação constitucional também nunca pode se afastar do pressuposto

fundamental de superioridade jurídica da Constituição em relação aos demais atos

normativos. O princípio da supremacia da Constituição vincula todos os atos

jurídicos, as normas internas, e até os atos internacionais que produzem efeitos no

âmbito do Estado.87

O princípio da presunção da constitucionalidade das leis e dos atos do Poder

Público decorre do princípio da separação dos Poderes do Estado, e “funciona como

fator de autolimitação da atividade do Judiciário, que, em relevância à atuação dos

demais Poderes, somente deve invalidar-lhes os atos diante de casos de

inconstitucionalidade flagrante e incontestável”.88

85 Ibidem, p. 151.86 Ibidem, p. 153.87 Ibidem, p. 161.88 BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 188.

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O princípio da interpretação conforme a Constituição impõe ao intérprete a

missão de excluir qualquer forma de interpretação que seja incompatível com a

Constituição, atentando, assim, contra a sua superioridade hierárquica.89

Segundo Moraes,

A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e conseqüente retirada do ordenamento jurídico.90

Conforme já mencionado anteriormente, o princípio da unidade da

Constituição advém da interpretação sistemática, e sua função é a harmonização

das normas constitucionais, delimitando a força e o alcance de cada uma.91

O princípio da efetividade está relacionado ao reconhecimento da força

normativa da Constituição e ao fenômeno de sua juridicização. Conforme Barroso,

“as normas constitucionais são dotadas de imperatividade e sua inobservância deve

deflagrar os mecanismos próprios de cumprimento forçado. A efetividade é a

realização concreta, no mundo dos fatos, dos comandos abstratos contidos na

norma”.92

Além da imposição dos aludidos critérios de interpretação na aplicação das

normas constitucionais, é importante ressaltar uma característica essencial das

normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais, expressa pelo §1º do

artigo 5º da Constituição Federal de 1988: a sua aplicabilidade imediata, objetivando

a maior eficácia possível dos direitos fundamentais.

Todas as normas constitucionais possuem eficácia, gerando determinados

efeitos jurídicos correspondentes. No entanto, os efeitos jurídicos podem irradiar-se

89 Ibidem, p. 188-189.90 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 45.91 BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 196.92 Ibidem, p. 299.

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em diferentes graus, caracterizando três categorias de normas constitucionais:

normas constitucionais de eficácia plena; normas constitucionais de eficácia contida;

normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida.93

As normas constitucionais de eficácia plena têm “aplicabilidade direta,

imediata e integral” sobre a matéria que regulamenta desde a entrada em vigor da

Constituição, de modo a produzir – ou tendo a possibilidade de produzir – todos os

efeitos pretendidos pelo constituinte, por possuir todos os elementos necessários à

sua aplicação.

As normas constitucionais de eficácia contida são de “aplicabilidade direta,

imediata, mas não integral”, produzindo imediatamente todos os efeitos jurídicos

desejados, mas passíveis de ter posteriormente limitadas sua aplicabilidade e

eficácia.

Silva define da seguinte forma as normas de eficácia contida:

são aquelas em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados.94

As normas constitucionais de eficácia limitada têm “aplicabilidade indireta,

mediata e reduzida”, pois possuem incidência reduzida, necessitando de uma

posterior regulamentação para alcançar sua incidência plena.95

Ferreira Filho tece a seguinte crítica à determinação de aplicabilidade

imediata dessas normas:

93 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 81-82. Barroso (BARROSO, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, op. cit., p. 93-94) prefere classificar as normas constitucionais da seguinte forma: normas constitucionais de organização (têm por objeto organizar o exercício do poder político); normas constitucionais definidoras de direito (têm por objeto fixar os direitos fundamentais dos indivíduos); e normas constitucionais programáticas (têm por objeto traçar os fins públicos a serem alcançados pelo Estado).94 SILVA, Aplicabilidade das normas constitucionais, op. cit., p. 116.95 SILVA, Aplicabilidade das normas constitucionais, op. cit., p. 82-83.

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A intenção que a ditou é compreensível e louvável: evitar que essas normas fiquem letra morta por falta de regulamentação. Mas o constituinte não se apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata quando são completas na sua hipótese e no seu dispositivo. Ou seja, quando a condição de seu mandamento não possui lacuna, e quando esse mandamento é claro e determinado. Do contrário ela é não-executável pela natureza das coisas. Ora, das duas uma, ou a norma definidora de direito ou garantia fundamental é completa, e, portanto, auto-executável, ou não o é, caso em que não poderá ser aplicada.96

Nesse sentido, Silva assim determina a função do §1º do artigo 5º da

Constituição Federal:

Em primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes.97

As normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais sempre têm

eficácia jurídica, e, se seus enunciados não são observados voluntariamente, devem

ser resguardados através dos meios processuais previstos pelo próprio texto

constitucional.98

Assim, a Constituição Federal coloca à disposição dos cidadãos as seguintes

garantias constitucionais: o habeas corpus (art. 5º, LXVIII/CF); o habeas data (art.

5º, LXXII/CF); o mandado de segurança individual (art. 5º, LXIX/CF); o mandado de

segurança coletivo (art. 5º, LXX/CF); o direito de petição (art. 5º, XXXIV/CF); o

direito à certidão (art. 5º, XXXIV/CF); o mandado de injunção (art. 5º, LXXI/CF); a

ação popular (art. 5º, LXXIII/CF); e a ação civil pública (art. 129, III/CF).

Tais garantias constitucionais são instrumentos de defesa de direitos

fundamentais frente ao Poder Público99, e constituem-se em direitos processuais

96 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 100.97 SILVA, Aplicabilidade das normas constitucionais, op. cit., p. 165.98 BARROSO, Interpretação e aplicação da Constituição, op. cit., p. 274.99 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 310.

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com características peculiares, por possuírem força específica ou uma maior

celeridade em relação às demais ações.100

Entretanto, apesar da determinação constitucional de aplicabilidade imediata

das normas definidoras de direitos fundamentais e dos instrumentos processuais

existentes visando a sua garantia, a efetivação desses direitos é um processo

contínuo, e que depende, em grande parte, do efetivo exercício da cidadania. Nesse

sentido, Ihering assevera: “o direito é um trabalho sem tréguas, não só do Poder

Público, mas de toda a população”.101

Para Bobbio,

A efetivação de maior proteção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana. É um problema que não pode ser isolado, sob pena, não digo de não resolvê-lo, mas de sequer compreendê-lo em sua real dimensão.102

De modo que a efetividade dos direitos fundamentais – entre eles o direito

fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado – não depende

unicamente da correta interpretação de suas normas definidoras, mas da

participação de toda a sociedade.103 Para tanto, é preciso que toda a sociedade

esteja comprometida em colaborar não só com a concretização dos direitos

fundamentais, mas com a melhoria da qualidade de vida como um todo.

1.3 Conteúdo e significado do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado100 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva: 1998, p. 231.101 IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 27.102 BOBBIO, op. cit., p. 64.103 Nesse sentido, afirma Resta: “A humanidade é como a ecologia, que não é feita apenas de rios límpidos e ar despoluído, mas também das situações a estas opostas: a humanidade, dizia-se, pode ameaçar somente a si mesma. O seu paradoxo está todo nessa dimensão ecológica: assim, os direitos ‘invioláveis’ da humanidade não podem ser ameaçados senão pela humanidade e não podem ser tutelados senão pela própria humanidade.” (RESTA, op. cit., p. 52).

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Diante de sua complexidade, não é tarefa fácil definir o conteúdo e/ou o

conceito de meio ambiente. Fruto do desconhecimento ou até da relativização de

sua importância, por vezes a caracterização da expressão “meio ambiente” é

reduzida a apenas um de seus aspectos, ou seja, o meio ambiente natural ou físico,

por ser um conceito mais facilmente relacionado à idéia de ecologia. Entretanto,

apesar do aspecto natural ser de extrema importância e motivo de preocupação

urgente, o meio ambiente tem significado muito mais abrangente, englobando

diversos elementos.

Conforme ressalta Silva, “o meio ambiente é, assim, a interação do conjunto

de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equili-

brado da vida em todas as suas formas”.104

Assim, o meio ambiente compreende o meio ambiente natural, o meio ambi-

ente artificial e o meio ambiente cultural. O meio ambiente artificial é constituído pelo

espaço urbano construído, compreendendo as edificações e os espaços públicos

abertos (ruas, praças, etc.). O meio ambiente cultural também é artificial, construído

pelo ser humano, mas tem características mais específicas, tais como valor históri-

co, artístico, turístico, arqueológico ou paisagístico. O meio ambiente natural com-

preende a interação de todos os seres vivos com o ambiente físico em que vivem.105

A importância do aspecto natural ou físico teve destaque na legislação pátria,

vez que o meio ambiente é conceituado juridicamente pelo artigo 3º da Lei 6.938/81

(Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) como “o conjunto de condições, leis, in-

fluências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e

rege a vida em todas as suas formas”.

104 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 20.105 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 99; SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 21. Alguns autores, a exemplo de Sirvinskas (SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 29-30), defendem que dentre esses aspectos também se encontra o meio ambiente do trabalho. Entretanto, embora haja diferentes posicionamentos na doutrina, não se trata se questão fundamental, vez que é mera classificação didática.

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O advento da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) foi um

importante marco na proteção jurídica do meio ambiente no Brasil. Antes de sua cri-

ação, havia apenas algumas normas isoladas para a conservação do meio ambiente

– mais especificamente de determinados recursos naturais que despertavam interes-

se econômico.106

No âmbito internacional percebe-se uma situação bastante semelhante, já

que a preocupação com o meio ambiente somente começou a surgir no momento

em que determinados recursos naturais chegaram a índices alarmantes de escassez

e algumas alterações feitas pelo homem na natureza passaram a ser mais agressi-

vas, graças ao avanço da tecnologia. Essa preocupação com o meio ambiente tor-

nou urgente o surgimento de uma legislação protetiva do ambiente, para oferecer

meios de diminuir os danos causados pelo homem à natureza.

Segundo Silva107, a necessidade de tutela jurídica do meio ambiente mostrou-

se um imperativo quando a degradação ambiental passou a ameaçar não somente o

bem-estar e a qualidade de vida do ser humano, mas a sua própria sobrevivência.

Com o reconhecimento de sua importância, o direito ao meio ambiente

começou gradativamente a receber proteção em alguns documentos internacionais,

sendo o seu marco a Declaração de Estocolmo, de 1972, que assim estabelece:

Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna e gozar do bem-estar, e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras [...].

No princípio I da Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, o direito ao meio

ambiente é enunciado da seguinte forma: “Os seres humanos estão no centro das

preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável

e produtiva, em harmonia com a natureza”.

106 SIRVINSKAS, Manual de direito ambiental, op. cit., p. 18.107 SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 28.

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Além da proteção internacional conferida ao meio ambiente, os ordenamentos

jurídicos de diversos Estados começaram a reconhecer a necessidade de sua

proteção a partir da década de setenta, após a realização da Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente, em Estocolmo.

A Constituição da Iugoslávia de 1974 estabelece em seu artigo 192: “O

homem tem direito a um meio ambiente sadio. A comunidade social assegura as

condições necessárias ao exercício deste direito”.108

Na Grécia, o artigo 24 da Constituição de 1975 dispõe que “A proteção do

meio ambiente natural e cultural constitui uma obrigação do Estado. O Estado deve

tomar medidas especiais, preventivas ou repressivas, no propósito de sua

conservação”.109

Na Península Ibérica, o artigo 66 da Constituição portuguesa de 1976 prevê

que “Todos têm direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente

equilibrado e o dever de o defender”.110 Na Espanha, o artigo 45 da Constituição de

1978 estabelece que “Todos tem o direito de desfrutar de um meio ambiente

adequado para o desenvolvimento da pessoa, assim como o dever de conservá-

lo”.111

Além desses, países como a Polônia (1976), a Argélia (1976), a China (1978)

também incluíram em seus textos constitucionais referências à proteção do

ambiente.112 Na América Latina, diversos países inseriram o meio ambiente no

âmbito de sua tutela antes da Constituição Brasileira de 1988: Equador, em 1979;

Peru, em 1979; Chile, em 1980; Guiana, em 1980; Honduras, em 1982; Panamá, em

1983; Guatemala, em 1985; Haiti, em 1987; e Nicarágua, em 1987.113

108 MILARÉ, op. cit., p. 181; FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 62.109 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 62; MILARÉ, op. cit., p. 181.110 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 63.111 MEDEIROS, Fernanda Luiza Fontoura de. Meio Ambiente: direito e dever fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 52. Entretanto, Robles alerta para o fato que, na Constituição espanhola, os chamados direitos de terceira geração não possuem o status de direitos fundamentais. O direito ao meio ambiente equilibrado, disposto no artigo 45 da Constituição Espanhola, está compreendido no Capítulo “Dos princípios que regem a política social e econômica” e, embora chamado de “direito”, se trata em verdade de princípio de política legislativa, e não de direito fundamental (ROBLES, op. cit., p. 8-9).112 MILARÉ, op. cit., p. 181-182.113 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 95.

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No Brasil, o meio ambiente somente obteve proteção constitucional com o

advento da Carta Magna de 1988. Todas as Constituições que a antecederam não

contemplavam qualquer preocupação com a questão ambiental.

Segundo Silva,

A Constituição de 1988 foi, portanto, a primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista. Assumiu o tratamento da matéria em termos amplos e modernos. Traz um capítulo específico sobre o meio ambiente, inserido no título da “Ordem Social” (Capítulo VI do Título VIII). Mas a questão permeia todo o seu texto, correlacionada com os temas fundamentais da ordem constitucional.114

Estabelece o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988: “Todos

têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações”.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem juridicamente tutelado pelo

artigo 225 da Constituição Federal, é um bem de uso comum do povo115, essencial à

sadia qualidade de vida. Assim, a qualidade do meio ambiente está estreitamente

relacionada com a qualidade de vida, e ao próprio direito à vida.

Para Silva,

A qualidade do meio ambiente em que a gente vive, trabalha e se diverte influi consideravelmente na própria qualidade de vida. [...] A qualidade do meio ambiente transforma-se, assim, num bem ou patrimônio, cuja preservação, recuperação ou revitalização se tornaram um imperativo do Poder Público, para assegurar uma boa qualidade de vida, que implica boas

114 SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 46.115 Para Meirelles, “no uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade – uti universi –, razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes. Pode-se dizer que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 498).

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condições de trabalho, lazer, educação, saúde, segurança – enfim, boas condições de bem-estar do Homem e de seu desenvolvimento.116

Nesse mesmo sentido, Derani afirma que “Para o direito ao meio ambiente

protegido fugir à mera formalidade, tem de buscar-se a raiz de seu significado. O

direito fundamental do meio ambiente protegido é um desdobramento do direito

fundamental à vida”.117

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fundamental

diretamente relacionado com o direito à vida das presentes e futuras gerações. A

tutela da qualidade do meio ambiente pode ser considerada em razão de seu objeto,

que é a vida – especialmente a qualidade de vida –, uma forma de direito

fundamental da pessoa humana.118

Assim, o meio ambiente é identificado como um direito fundamental de

terceira geração, pois está relacionado com a qualidade de vida.119 Nesse sentido,

Ferreira Filho afirma: “de todos os direitos da terceira geração, sem dúvida o mais

elaborado é o direito ao meio ambiente”.120

Mesmo Bobbio, que entende que os chamados direitos de terceira geração

“constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente

heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se

trata”, reconhece que “o mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos

ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”.121

Para Alexy, um direito fundamental ambiental é um “derecho fundamental

como un todo”122, já que se constitui em direito de defesa, em direito à proteção, em

direito ao procedimento, e em direito a uma prestação. O direito de defesa diz res-

peito ao direito a que o Estado se omita de determinadas intervenções no meio am-

116 SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 24.117 DERANI, Cristiane. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: direito fundamental e princípio da atividade econômica. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de (org.). Temas de direito ambiental e urbanístico. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 91-101, p. 97.118 SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 58.119 Nesse sentido: “Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração” (RTJ 158/206).120 FERREIRA FILHO, Direitos humanos fundamentais, op. cit., p. 62.121 BOBBIO, op. cit., p. 25.122 ALEXY, Teoria de los derechos fundamentales, op. cit., p. 429.

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biente; o direito à proteção, ao direito a que o Estado proteja o titular do direito fun-

damental frente a intervenções de terceiros que causem dano ao meio ambiente; o

direito ao procedimento, ao direito a que o Estado permita que o titular do direito par-

ticipe de procedimentos relevantes ao meio ambiente; e o direito a uma prestação,

ao direito a que o próprio Estado realize medidas conducentes a melhorar o ambien-

te.

O fato de a Constituição Federal não ter elencado expressamente o direito ao

meio ambiente no capítulo referente aos direitos fundamentais não altera em nada a

sua fundamentalidade, pois tal caracterização não se dá de maneira simplesmente

formal, e sim em razão de seu conteúdo.

Nesse sentido, Derani esclarece que “direitos fundamentais não são simples-

mente aqueles que a Constituição literalmente explicita no seu art. 5º. Um direito é

fundamental quando seu conteúdo invoca a construção da liberdade do ser huma-

no”123. Rothenburg124 lembra ainda que tanto a posição normativa quanto o próprio

conteúdo do direito tutelado caracterizam a fundamentalidade de um direito.

Entretanto, ainda que houvesse apego a tal critério formal, há de se constatar

a menção implícita da Constituição, ao prever a ação popular como expediente jurí-

dico contra ato atentatório ao meio ambiente (art. 5º, LXXIII/CF). Além da menção

expressa ao meio ambiente em vários dispositivos, e especificamente, no título refe-

rente à ordem social, em capítulo próprio.

Ademais, todos os demais direitos fundamentais pressupõem um meio

ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. A inter-relação entre os direitos

humanos fundamentais e o direito ambiental é essencial, pois o meio ambiente se

relaciona com todos os aspectos da vida. Se não houver um ambiente saudável, de

nada adiantará um crescimento econômico acelerado, um grande desenvolvimento

tecnológico, ou mesmo um extenso rol de direitos assegurados.

Segundo Canepa,

123 DERANI, Meio ambiente ecologicamente equilibrado, op. cit., p. 91.124 ROTHENBURG, Walter Claudius. Direitos fundamentais e suas características. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 8, n. 30, p. 146-158, jan.-mar. 2000, p. 146.

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A proteção ambiental, pois, é o instrumento para a proteção da vida, e, em conseqüência, do direito ao meio ambiente sadio, base do bem-estar humano e da possibilidade de fruição de todos os direitos inerentes à condição humana, enquadrado no patamar de um princípio constitucional e de um direito fundamental.125

De maneira que a proteção do meio ambiente é um meio de cumprimento dos

direitos fundamentais, pois está diretamente ligado à vida, à saúde, ao bem-estar. A

qualidade do meio ambiente é essencial para a vida das presentes e das futuras ge-

rações. Ao mesmo tempo em que o direito ao meio ambiente sadio depende do

exercício dos direitos humanos fundamentais – como o direito à informação, à parti-

cipação política, à tutela judicial – para ter eficácia.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – como direito funda-

mental que é, ao preservar uma das condições para que se realize o direito à vida –

deve ser concretizado em sua plenitude. Sua fundamentação está alicerçada em di-

ferentes e sólidos pontos do ordenamento e, especialmente, da Constituição Federal

de 1988. Resta buscar a sua aplicação de maneira plena, de modo a garantir um

meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações,

conforme impõe o texto constitucional.

Para Milaré,

Não basta, entretanto, apenas legislar. É fundamental que todas as pessoas e autoridades responsáveis se lancem ao trabalho de tirar essas regras do limbo da teoria para a existência efetiva da vida real; na verdade, o maior dos problemas ambientais brasileiros é o desrespeito generalizado, impuni-do ou impunível, à legislação vigente. É preciso, numa palavra, ultrapassar a ineficaz retórica ecológica – tão inócua quanto aborrecida – e chegar às ações concretas em favor do ambiente e da vida.126

Ressalte-se que a qualidade do meio ambiente é um direito difuso, pois

pertencente à coletividade. De modo que, sendo direito difuso indispensável à

garantia da vida, o direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado

125 CANEPA, Carla. Educação ambiental: ferramenta para a criação de uma nova consciência planetária. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 12, n. 48, p. 158-166, jul./set. 2004, p. 161.126 MILARÉ, op. cit., p. 185.

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deve ser tutelado pelo Estado, o qual deve traçar um plano de ações voltado a sua

adequada e efetiva proteção.127

Nesse sentido, afirma Dias:

Desse modo, o reconhecimento de que os direitos ambientais se revestem da forma difusa impõe ao Estado a elaboração de políticas públicas adequadas à sua proteção, englobadas por um plano de ação voltado para a obtenção de resultados presentes e futuros. As políticas públicas de natureza ambiental, deste modo, visam a produzir efeitos estratégicos na medida em que são adotadas pelo Estado como diretrizes de sua ação em todos os campos da sua intervenção na sociedade.128

As políticas públicas são sistematizações de ações governamentais voltadas

para a consecução de determinados fins, setoriais ou gerais – sejam eles sociais,

políticos ou econômicos –, baseadas na articulação entre a sociedade, o Estado e o

mercado.129 Nesse sentido, Carvalho ressalta: “Política pública não é ato

discricionário, é obrigação, e o não-respeito é um ato inconstitucional. As políticas

cobram um papel importante na ampliação da democracia e da cidadania”.130 De

maneira que a omissão administrativa na elaboração e execução de políticas

públicas na seara ambiental deve ser firmemente combatida não somente pelo

Ministério Público, mas por toda a sociedade, a fim de evitar que a inércia estatal

viole os cânones constitucionais.

Assim, no caso da não implementação de políticas ambientais, há de se fazer

uso dos instrumentos judiciais de controle ambiental que o ordenamento coloca a

disposição dos cidadãos, tais como as ações civis públicas e as ações populares,

127 Segundo Derani, “A realização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pressupõe a obediência ao princípio da defesa do meio ambiente nas atividades econômicas. Sendo um direito fundamental a ser construído na atividade social, somente a atividade social – por conseguinte a atividade econômica – que contemple o princípio da defesa do meio ambiente poderá concretizá-lo. Assim, será conforme o direito aquela atividade que no seu desenvolvimento orienta-se na defesa do meio ambiente e, deste modo, contribui na concretização do direito fundamental social ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.” (DERANI, Meio ambiente ecologicamente equilibrado, op. cit., p. 100).128 DIAS, Jean Carlos. Políticas públicas e questão ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 8, n. 31, p. 117-135, jul./set. 2003, p. 120.129 DIAS, op. cit., p. 120-121.130 CARVALHO, Cláudio Oliveira de. Políticas públicas e gestão urbana-ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 7, n. 26, p. 277-289, abr./jun. 2002, p. 288.

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que podem viabilizar a implementação das políticas ambientais – seja pela aplicação

de medidas preventivas ou repressivas.131

Entretanto, o fato de a administração do direito fundamental ao meio ambiente

sadio e ecologicamente equilibrado ficar sob a custódia do Poder Público não elide o

dever da sociedade de atuar na conservação e preservação da direito do qual é

titular.132

Segundo Mirra,

[...] esse direito, para ser garantido, exige o esforço conjunto do Estado, dos indivíduos, dos diversos setores da sociedade e das diversas Nações. Pelo mesmo motivo, ou seja, por depender dessa conjugação de esforços para a sua garantia é que o direito ao meio ambiente tem como conseqüência criar também deveres para todos; não só para o Estado como também para os indivíduos e os vários grupos sociais. Ao contrário, portanto, do que se pensa freqüentemente em tema de direitos fundamentais, as pretensões à proteção desse direito ao meio ambiente podem (e devem) ter como sujeito passivo não apenas o Poder Público como ainda os particulares.133

No mesmo sentido, afirma Medeiros:

Intrinsecamente vinculado ao direito de proteção ambiental existe um dever fundamental. Esse dever fundamental caracteriza-se pela obrigação incumbida ao Estado e a cada um dos indivíduos partícipes de nossa sociedade em manter um ambiente saudável, sadio e equilibrado, seja por intermédio de cuidados básicos para com o meio, seja através de grandes participações populares na luta pela não-destruição do habitat natural.134

Assim, o cidadão deve passar de mero titular passivo de um direito

fundamental para ser titular também de um dever, o de defender e preservar o meio

ambiente. Somente desse modo se alcançará a verdadeira democracia, que para

Derani, “não é apenas uma forma de organização da sociedade, mas é um modo de

agir social”, em que “se o Estado não garante e viabiliza os meios e canais de agir

dos cidadãos, a democracia torna-se apenas argumento de retórica, e a alternância

131 ARAÚJO, Lílian Alves de. Ação civil pública ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 84.132 SILVA, Direito ambiental constitucional, op. cit., p. 80-81.133 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2. ed., rev. e ampl. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 57.134 MEDEIROS, op. cit., p. 124.

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do poder pelo voto, um mecanismo automático institucionalizado, incapaz de trazer

real alteração na ordem política”.135

Para Fagundez,

A democracia é o grande sonho dos homens. Só que não se trata de uma democracia política apenas. Deve ser uma democracia que permite o uso da palavra por todos, que possibilite a convivência pacífica entre todos os homens, dos homens com os animais e as plantas, entre todas as nações, entre todos os planetas, enfim, entre todos os seres...136

A forma desse modo de agir social, com o exercício da cidadania em busca

da efetivação do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente

equilibrado, será aprofundada nos capítulos seguintes, como será visto a seguir.

135 DERANI, Meio ambiente ecologicamente equilibrado, op. cit., p. 96.136 FAGUNDEZ, Paulo Roney Ávila. O significado da Modernidade. In: LEITE, José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros (org.). Direito ambiental contemporâneo. Barueri: Manole, 2004. p. 205-246, p. 216.

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2 A CRISE AMBIENTAL E O NECESSÁRIO DESPERTAR DA CONSCIÊNCIA

Se o ordenamento jurídico de diversos países, e entre eles o Brasil, tutela o

direito ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado – inclusive muitas

vezes alçando-o ao status de direito fundamental –, percebe-se que não há somente

o reconhecimento da importância desse direito, mas também a demonstração da

premente necessidade de tal proteção.

Nem sempre o meio ambiente foi objeto de tutela jurídica, vez que até um

passado recente, era considerado apenas como um estoque interminável de

matéria-prima à disposição dos seres humanos. Esse pensamento foi predominante

na maior parte da história da civilização ocidental, e até os dias de hoje é

manifestado em diversas ações humanas.

Nesse sentido, importa analisar alguns aspectos da crise ambiental

vivenciada na sociedade contemporânea, apontando algumas de suas causas, e

buscando alternativas para a sua superação. O desenvolvimento sustentável é

ponto-chave nesse processo, mas sua viabilização depende de diversos fatores, e,

principalmente, de uma mudança no pensamento predominante, com a formação de

uma nova consciência.

2.1 Delineamentos acerca da crise ambiental na sociedade contemporânea

Em um primeiro momento, é preciso reconhecer que quase toda a atividade

humana causa impactos na natureza – seja para suprir necessidades de

alimentação, vestuário, moradia, transporte, produção de energia, ou qualquer outra

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existente. Essa interação entre o ser humano e a biosfera é – ou deveria ser – um

processo natural e faz parte da história do planeta Terra. Assim, os impactos

causados deveriam ser absorvidos naturalmente pela biosfera, sem lhe causar

qualquer desequilíbrio ou prejuízo.

Entretanto, à medida que a tecnologia acelerou todos os processos,

imprimindo às mudanças grau e velocidade muito maiores que os antes conhecidos,

a natureza não conseguiu mais absorvê-las em sua totalidade, ocasionando poluição

e outras formas de degradação do meio natural.

Não bastasse esse fato, com o aumento da produção e da oferta de bens

materiais através do processo de industrialização, a sociedade começou a cultuar o

consumo, aumentando sobremaneira a utilização de energia e de matérias-primas

naturais. Tanto isso ocorre que, em geral, a quantidade de recursos consumidos em

determinado período serve de parâmetro para medir o grau de desenvolvimento de

uma nação.137

Nesse sentido, Bachelet ressalta:

A situação do ambiente continuou globalmente a degradar-se de maneira grave, devido aos mecanismos de crescimento e ao caráter cumulativo de muitos ataques aos recursos naturais, devido ao consumo frequentemente abusivo de que são objeto e devido às deteriorações que sofrem em resultado de poluições criadas a maior parte das vezes por esse consumo exagerado.138

Ou seja, a sociedade atual mostra-se mais insustentável a cada dia, e

diversos fatores colaboram para esse quadro: o aumento da população nas cidades,

o modelo econômico predominante, a indiferença quanto à limitada capacidade de

regeneração da natureza, o individualismo exacerbado, e o culto ao consumo, onde

aparentemente a felicidade pode ser alcançada através da aquisição de bens

materiais.139

137 PENNA, Carlos Gabaglia. O estado do planeta: sociedade de consumo e degradação ambiental. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 29-30.138 BACHELET, Michel. A ingerência ecológica: direito ambiental em questão. Trad. Fernanda Oliveira. Lisboa: Piaget, 1995, p. 183.139 DUARTE, Marise Costa de Souza. As novas exigências do Direito Ambiental. In: LEITE, José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros (org.). Direito ambiental contemporâneo. São Paulo:

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Na sociedade contemporânea, a felicidade é vista em uma concepção

utilitária, em que, se o utilitarismo procura justificar os atos humanos no maior

proveito alcançado, a felicidade se fundamenta no narcisismo e se manifesta pelo

sucesso ou admiração social – que dependem da posse de poder e bens

materiais.140

O processo de globalização fortaleceu o individualismo, o mercado e o

avanço técnico-científico. No entanto, ao mesmo tempo em que surgiram novas

possibilidades nos campos da economia e no desenvolvimento tecnológico, outros

aspectos foram extremamente prejudicados.

Nos termos de Bittar,

Em poucas palavras, está-se a falar do esgotamento do globo (recursos minerais, recursos vegetais, diversidade biológica, fontes de água, recursos marinhos, fontes de petróleo), fenômeno decorrente do processo de uso irracional, incalculado, inteiramente servil da lógica da exploração predatória e capitalista do meio ambiente.141

A sociedade contemporânea precisa se desvencilhar da visão antropocêntrica

de mundo. Visão essa que parece autorizar o ser humano a dominar a natureza, e

dela se utilizar como se a sua existência fosse exclusivamente para satisfazer às

necessidades humanas.

Essa noção de suposta supremacia do ser humano sobre os demais seres

vivos foi construída ao longo de toda a história da civilização ocidental.142 Até mesmo

a Bíblia, que fundamenta toda a tradição judaico-cristã, expressa em Gênesis 1:28:

“Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os

peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se arrastam

sobre a terra”.143 Assim, os recursos naturais sempre foram utilizados de modo

Revista dos Tribunais, 2004. p. 503-530, p. 503.140 ROBLES, op. cit., p. 58-60.141 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. O direito na pós-modernidade. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2005, p. 264.142 MILARÉ, op. cit., p. 87; CARVALHO, Carlos Gomes de. O que é direito ambiental: dos descaminhos da casa à harmonia da nave. Florianópolis: Habitus, 2003, p. 17.143 Ainda que muitos (principalmente religiosos e defensores da doutrina cristã) argumentem que essa passagem da Bíblia não pode ser considerada de forma literal para que não seja mal interpretada, não há como negar que essa idéia influenciou fortemente as bases do pensamento ocidental. Nesse

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predatório, sem qualquer preocupação com a preservação dos recursos naturais e

da diversidade biológica como um todo.

A questão ambiental somente despertou interesse quando a disponibilidade

dos recursos naturais demonstrou sinais de escassez, e não por existir efetiva

preocupação com o meio ambiente. Somente nos anos 70 começaram a surgir as

primeiras idéias relacionadas ao tema, mas ainda de forma incipiente.

Nos anos 80, “descobre-se a existência de uma possibilidade de modular as

relações entre desenvolvimento e respeito pelo ambiente; a destruição do planeta já

não é uma fatalidade, mas sim uma inconseqüência”.144 Entretanto, não houve

qualquer avanço, e as idéias surgidas para enfrentar esse problema permaneceram

no plano teórico, e tanto a produção quanto o consumo continuaram se

desenvolvendo nos mesmos índices.

Além de reconhecer que a natureza não é um estoque de matérias-primas à

disposição dos seres humanos, é preciso estar alerta ao fato que é cada vez menor

a disponibilidade dos recursos naturais, sejam eles renováveis ou não renováveis.

Nesse sentido, Penna alerta:

Estão terminando os dias em que recursos abundantes estavam disponíveis como propulsores do crescimento econômico. Por mais extraordinários que sejam os avanços tecnológicos de nossa era, eles poderão resolver os problemas do mundo apenas em parte, pois os últimos limites são de caráter físico. São profundas as raízes de políticas e comportamentos que causam danos ao meio ambiente. Caso não sejam revertidas as tendências predominantes, a capacidade-suporte do planeta estará comprometida de tal forma que, em futuro não muito distante, o declínio econômico e social será inevitável. Estamos entrando em uma era na qual a prosperidade global depende do uso mais eficiente dos recursos naturais, da sua distribuição mais eqüitativa e da redução global dos níveis de consumo.145

sentido, afirma Peter Singer: “Hoje, os cristãos debatem o significado dessa concessão de ‘domínio’, e os que defendem a preservação do meio ambiente afirmam que ela não deve ser vista como uma licença para fazermos tudo o que quisermos com as outras coisas vivas, mas, sim, como uma orientação para cuidarmos delas em nome de Deus e sermos responsáveis, perante o Criador, pelo modo como as tratamos. Esta interpretação, porém, quase não encontra respaldo no texto; e tendo em vista o exemplo dado por Deus, quando afogou quase todos os animais da terra para castigar os seres humanos por sua maldade, não admira que, na opinião das pessoas, a inundação do simples vale de um rio não deva ser motivo de preocupação alguma.” (SINGER, Peter. Ética prática. Trad. Jefferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 281).144 BACHELET, op. cit., p. 184.145 PENNA, op. cit., p. 20-21.

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Atualmente fala-se muito em crise ambiental, entretanto, deve-se ressaltar

que a crise existente não é causada pelo meio natural, e sim pelos valores que

norteiam a sociedade contemporânea – e geram a ameaça ao meio ambiente.

Nesse sentido, defende Milaré: “a crise ecológica não se restringe às condições

naturais do Planeta: é uma crise de civilização e da própria sociedade, porque está

associada a uma crise de valores e aponta para a necessidade de novos tipos de

relações humanas”.146

A crise ambiental é provocada principalmente por uma crise de valores éticos

e culturais.147 Segundo Leff, "sob a perspectiva ética, as mudanças nos valores e

comportamentos dos indivíduos se convertem em condição fundamental para

alcançar a sustentabilidade."148 Trata-se, assim, de uma questão ética, e que

depende de mudança de postura.

Para Duarte,

Em verdade, a crise que deriva da sociedade atual, que ao longo do tempo se tornou insustentável, não é do ambiente, mas uma crise de valores, o que determina o seu caráter ético. Isso suscita uma grande responsabilidade social na construção de um ambiente sadio que, partindo da cosmovisão contemporânea da natureza, holística e integrada ao ser humano, venha desmistificar conceitos – reconstruindo-os a partir da práxis social.149

Ainda nesse sentido, ressalta Della Giustina:

Na verdade, as crises constituem conseqüências e não causas dos desequilíbrios do processo. Atuar sobre as conseqüências – o controle do mundo, a fome ou a exclusão, sem modificar as estruturas, ou a natureza do processo, pode até se constituir numa forma de aquietamento das conseqüências, enquanto se mantém o modelo que gera os desequilíbrios

146 MILARÉ, op. cit., p. 123.147 CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 16.148 LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Trad. Lucia Mathilde Endlich Orth. 3. ed. rev. e aum. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 247.149 DUARTE, op. cit., p. 507.

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insustentáveis e que nem fará superar as crises e nem fará as transformações necessárias no rumo da mudança civilizatória.150

A crise ecológica não causa os desequilíbrios e as contradições existentes na

sociedade contemporânea. Em verdade, ela é resultado das ações equivocadas do

homem, que durante toda a história – e principalmente com o desenvolvimento

industrial – ignorou os limites da natureza em busca de seu conforto e bem-estar.

Assim, não basta apenas proteger o meio natural, é preciso despertar para uma

nova forma de pensamento, menos individualista e mais comprometida com o todo.

Segundo Robles,

As pessoas ainda vivem embriagadas pelo mito do progresso sem fim e de seu sucedâneo social, o consumismo ilimitado, sem perceber que os dias da humanidade estarão contados se não houver uma correção de rumo. [...] Hoje, a ética é uma necessidade radical, pois, sem ela, o gênero humano sucumbirá. É necessário um novo pacto: o pacto que nos leve a contemplar a humanidade como um todo e que permita a salvação de todos. Não se trata de um pacto em favor do Estado, mas em favor da humanidade.151

Entretanto, ao mesmo tempo em que há o agravamento da crise ambiental,

aos poucos começa a surgir uma nova consciência, que procura restabelecer a

relação ente o homem e a natureza.152 Ainda que esse processo de mudança ocorra

de forma gradativa, é um passo de grande importância para o enfrentamento da

denominada crise ecológica, pois é preciso que se estabeleça um ponto de equilíbrio

entre a conservação e a exploração planejada e consciente dos recursos naturais.

Para Carvalho, “isso implica, imperativamente, não somente numa revisão

global dos pressupostos econômicos, sociais, culturais e científicos que informam a

nossa civilização, mas, sobretudo, no estabelecimento de novos valores éticos”.153

A visão antropocêntrica de mundo, com a busca simplesmente do

desenvolvimento econômico acelerado e do lucro imediato, fundamenta a

150 DELLA GIUSTINA, Osvaldo. Participação e solidariedade: a revolução do terceiro milênio II. Tubarão: Unisul, 2004, p. 160.151 ROBLES, op. cit., p. 122.152 CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 197.153 CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 20.

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exploração ilimitada e desordenada dos recursos naturais, e é cega em relação ao

futuro.154 Segundo Morin e Kern, “o mito do desenvolvimento determinou a crença de

que era preciso sacrificar tudo por ele”.155 Assim, o ser humano não apenas ignora o

limite de suas relações, como também perdeu seu sentido de vínculo com a

natureza.156

Tal concepção deve dar lugar a uma visão mais ampla, comprometida com as

gerações futuras, com base em uma consciência planetária e humanista. É preciso

abandonar o egocentrismo em prol do interesse comum, reconhecendo a

vulnerabilidade da natureza diante da técnica do homem. A natureza não pode mais

ser vista somente sob o aspecto econômico, como um objeto a serviço do homem,

mas como um todo integrado e interdependente, indispensável para a continuidade

da vida na Terra.

Assim, a dominação e a exploração devem dar lugar ao cuidado e à

responsabilidade.157 Para Boff, “a ética do cuidado é seguramente a mais imperativa

nos dias atuais, dado o nível de descuido e desleixo que paira como uma ameaça

sobre a biosfera e o destino humano”.158 Entretanto, para que o cuidado possa ter

lugar, é preciso questionar a visão antropocêntrica de mundo, que fundamenta a

ação predatória do ser humano em relação à natureza.

154 Ibidem, p. 21-22.155 MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Trad. Paulo Neves. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 79.156 OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Trad. Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 10.157 Segundo Boff, “cuidado significa, então, desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato... estamos diante de uma atitude fundamental, de um modo de ser mediante o qual a pessoa sai de si e centra-se no outro com desvelo e solicitude”. (BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 91).158 BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 83.

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Nesse sentido, alerta Junges:

O cuidado não é normatizável em regras de conduta. Ele expressa-se em valores e atitudes para os quais é necessário educar-se. [...] Isso não significa que normas de proteção e preservação do meio ambiente não sejam necessárias. Elas devem configurar o direito ambiental que impõe limites e reprime abusos contra a natureza, mas não consegue motivar a sensibilidade e orientar os comportamentos, que é uma questão ética. A crise ecológica necessita antes de mais nada de ética, porque se trata de um câmbio paradigmático no modo de encarar a natureza. A pura resposta jurídica não resolverá os problemas ambientais.159

Já a responsabilidade caracteriza-se por ser, ao mesmo tempo, de todos e de

cada um. Como ressalta Fagundez, “cada ser humano, hoje mais do que nunca, tem

que contribuir para a construção de uma sociedade melhor para todos”.160 Segundo

Morin, é necessário que a responsabilidade seja “irrigada pelo sentimento de

solidariedade, ou seja, de pertencimento a uma comunidade”.161

A responsabilidade compartilhada por todos nos remete ao conhecido

princípio “a todo direito corresponde um dever”. Ou seja, para tornar viável a

continuidade da vida do planeta, não bastam ser estabelecidos direitos, mas – e

principalmente – é preciso o cumprimento de determinados deveres pelos cidadãos.

Nesse sentido, emerge a importância do direito ambiental, como ressalta

Carvalho,

O Direito Ambiental inaugura um modo de encarar a luta pela preservação da qualidade dos ecossistemas e pela valorização da biodiversidade como uma postura ética radical diante da vida. Esta abordagem ético-jurídica entende o meio ambiente como conseqüência do envolvimento, numa complexa simbiose, entre todos os seres vivos e a natureza, implicando a defesa do ambiente saudável como um direito inalienável da presente e das futuras gerações.162

Para Duarte,

159 JUNGES, José Roque. Ética ambiental. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 90-91.160 FAGUNDEZ, op. cit., p. 239.161 MORIN, Edgar. O método: ética. Porto Alegre: Sulina, 2005, p. 100.162 CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 22-23.

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O início do século XXI realça, em caráter global, grandes dificuldades na implementação dos direitos humanos fundamentais, dentre os quais o direito ao meio ambiente sadio. A crise do direito, derivada do enfraquecimento do Estado, uma das conseqüências da globalização da economia, suscita uma mudança de direção no rumo das ciências, da qual não pode estar alheio o Direito Ambiental, novo ramo da ciência jurídica.163

De modo que o direito ambiental exerce papel fundamental no enfrentamento

da crise existente nos dias de hoje. Ressalte-se que essa crise alcança diversos

setores da sociedade, já que está presente no Direito, na economia, na questão

social, na relação homem-natureza... É premente a necessidade de se repensar os

valores fundantes da sociedade, e de se estabelecer as reais prioridades para a

construção de uma sociedade mais justa e sustentável.

2.2 Em busca do desenvolvimento sustentável

O grande desafio atual é o desenvolvimento sustentável, que harmoniza o

desenvolvimento socioeconômico e a preservação do meio ambiente. Entretanto, o

problema a ser enfrentado demonstra sua dimensão pelo próprio termo, pois “a idéia

de desenvolvimento sustentável põe em dialógica a idéia de desenvolvimento, que

comporta aumento das poluições; e a idéia de meio-ambiente, que requer limitação

das poluições”.164

163 DUARTE, op. cit., p. 504.164 MORIN; KERN, op. cit., p. 69.

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Ainda que o desenvolvimento sustentável represente uma alternativa ao atual

modelo de desenvolvimento, que é totalmente direcionado para o incremento

econômico, não significa que não há qualquer preocupação com o crescimento sob

a perspectiva da sustentabilidade. Deve-se estar alerta ao fato que seu objetivo não

é frear ou pretender interrompê-lo, mas acrescentar qualidade ao seu processo.165

Não se deve confundir crescimento, que diz respeito apenas a uma expansão

quantitativa, com desenvolvimento, que está relacionado à realização de um

potencial, a uma melhoria qualitativa.166 A sustentabilidade é compatível com o

desenvolvimento de uma sociedade, mas totalmente dissociada do simples

crescimento econômico. Nesse sentido, Penna afirma que “a tese do crescimento

está arraigada no sistema de valores da civilização humana, mas o crescimento

conjunto da população e da economia tem um efeito explosivo sobre a biosfera”.167

Para Daly168, “crescimento sustentável é impossível”, e o desenvolvimento

sustentável, “uma adaptação cultural feita pela sociedade quando ela se torna

consciente da necessidade emergente do crescimento nulo”, pois entende que o

termo “desenvolvimento sustentável” somente teria sentido para economia se

houvesse evolução sem crescimento.

Nesse sentido, esclarece:

Uma economia em desenvolvimento sustentável adapta-se e aperfeiçoa-se em conhecimento, organização, eficiência técnica, e sabedoria; ela faz isso sem assimilar ou acrescentar uma percentagem cada vez maior de matéria-energia do ecossistema para si, mas, antes, pára a uma escala na qual o ecossistema remanescente pode continuar a funcionar e renovar-se ano após ano. A economia de crescimento nulo não é estática – ela está sendo continuamente mantida e renovada como um subsistema de estado estacionário do meio ambiente.169

165 BINSWANGER, Hans Christoph. Fazendo a sustentabilidade funcionar. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 41-55, p. 41.166 DALY, Herman E. Políticas para o desenvolvimento sustentável. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 179-192, p. 182.167 PENNA, op. cit., p. 136.168 DALY, Herman E. Crescimento sustentável? Não, obrigado. Ambiente e sociedade. Campinas, v. 7, n. 2, 2004. p.197-201, p. 197-198.169 Ibidem, p. 200.

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O paradigma170 antropocêntrico ainda predominante faz com que o

crescimento econômico muitas vezes seja visto como a solução de todos os

problemas, e seja buscado incessantemente pela sociedade contemporânea.

Entretanto, a questão que se apresenta – e que não pode ser desconsiderada – é

que a economia está interligada aos demais subsistemas, e é totalmente

dependente da biosfera finita que lhe dá suporte.

A economia não é um sistema fechado, e todo o crescimento econômico afeta

o meio ambiente e é por ele afetado, já que economia e meio ambiente são parte de

um sistema único e, consequentemente, interagem constantemente. De modo que a

preocupação com biosfera não pode continuar sendo percebida como um entrave à

economia, vez que o sistema econômico é totalmente dependente do sistema

natural.171

Nesse sentido, o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento da ONU, denominado “Nosso futuro comum” afirma que

Meio ambiente e desenvolvimento não constituem desafios separados; estão inevitavelmente interligados. O desenvolvimento não se mantém se a base de recursos ambientais se deteriora; o meio ambiente não pode ser protegido se o crescimento não leva em conta as conseqüências da destruição ambiental.172

Assim, a economia deve estar perfeitamente integrada com a natureza em

todos os processos de decisão. Todas as ações devem levar em consideração tanto

a proteção do meio ambiente quanto a proteção e a promoção do desenvolvimento.

Economia e ecologia não devem ser vistas de forma dissociada e reducionista, vez

que ambas são importantes para a qualidade de vida.173

170 Paradigma é termo de Thomas Kuhn (As estruturas das revoluções científicas) e redefinido por Morin da seguinte forma: “Um paradigma contém, para todo discurso sob a sua influência, os conceitos fundamentais ou as categorias essenciais de inteligibilidade, ao mesmo tempo que o tipo de relações lógicas de atração/repulsão (conjunção, disjunção, implicação ou outras) entre os seus conceitos ou categorias. Assim, os indivíduos conhecem, pensam e agem segundo os paradigmas neles introjetados.” (MORIN, O método, op. cit., p. 209).171 PENNA, op. cit., p. 127-129.172 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991, p. 40.173 Ibidem, p. 41.

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Como já mencionado anteriormente, toda a atividade humana causa impacto

ao meio natural, e assim ocorre com a atividade econômica, que deve respeitar os

limites da natureza. Seja na utilização de recursos naturais, seja na produção de

resíduos, o processo econômico deve ser desenvolvido de modo a não prejudicar o

ecossistema global.174

Na busca do desenvolvimento sustentável a grande questão é que a

demanda de recursos é cada vez maior, mas estes recursos são finitos. Pois, como

ressalta Locatelli, “ao contrário dos anseios e necessidades do homem, que podem

ser consideradas como ilimitados, os recursos naturais disponíveis não o são”175.

Nesse sentido, ressalta Penna:

Grande parte das questões ambientais e sociais baseia-se no equilíbrio abastecimento versus demanda. Embora não se sabia com precisão os seus limites, o abastecimento (de qualquer coisa) é seguramente limitado, enquanto a demanda pode ser ilimitada. Não há limites intrínsecos à demanda dos seres humanos.176

Segundo Spínola,

O atual modelo de desenvolvimento econômico baseado no crescimento ilimitado da produção de bens materiais não pode ser mantido, uma vez que os recursos de que necessita são finitos. A manutenção do modelo significa a própria destruição daqueles que o defendem. Assim, a busca de novos caminhos para o desenvolvimento econômico e social da humanidade não pode ignorar o meio ambiente.177

Na sociedade atual, muitas vezes ocorre uma deturpação entre os meios e os

fins. De modo que o crescimento econômico e o progresso material muitas vezes

são vistos como objetivos últimos a serem alcançados, quando, em verdade,

174 CAVALCANTI, Clóvis. Uma tentativa de caracterização da economia ecológica. Ambiente e sociedade. Campinas, v. 7, n. 1, 2004. p. 149-156, p. 149.175 LOCATELLI, Paulo Antonio. Consumo sustentável. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 5, n. 19, p. 297-300, jul./set. 2000, p. 297.176 PENNA, op. cit., p. 130.177 SPÍNOLA, Ana Luiza. Consumo sustentável: o alto custo dos produtos que consumimos. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 6, n. 24, p.209-216, out./dez., 2001, p. 215.

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deveriam ser apenas instrumentos para a melhoria da qualidade de vida, tanto no

presente quanto no futuro.178

O termo “desenvolvimento sustentável” é abrangente – engloba aspectos

econômicos, sociais e ambientais –, e foi expresso no Relatório Brundtland como o

“desenvolvimento que atende às necessidades do presente, sem comprometer a

capacidade de as futuras gerações atenderem às suas próprias necessidades”.179

Para a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,

Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas.180

Assim, seu objetivo é harmonizar o direito ao desenvolvimento da geração

atual com o direito das futuras gerações de ter boas condições de vida e poder

usufruir dos mesmos recursos naturais hoje existentes. Em decorrência disso, há o

estabelecimento de um compromisso ético, o reconhecimento de uma

responsabilidade em relação ao futuro, criando uma solidariedade intergeracional.181

Para Rawls, a questão da justiça entre gerações submete qualquer teoria

ética a testes severos, senão impossíveis. No entanto, defende que “as pessoas de

diferentes gerações têm deveres e obrigações umas às outras exatamente como as

têm as pessoas que vivem numa mesma época”.182

178 PENNA, op. cit., p. 130-131.179 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 46; MOUSINHO, Patrícia. Glossário. In: TRIGUEIRO, André (Coord.). Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 348.180 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 49.181 LEITE, JOSÉ Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Transdisciplinariedade e a proteção jurídico-ambiental em sociedades de risco: direito, ciência e participação. In: LEITE, Jose Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros (org.). Direito ambiental contemporâneo. Barueri: Manole, 2004. p. 99-125, p. 114.182 RAWLS, op. cit., p. 323.

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Segundo Leite e Ayala, ao proteger o direito ao desenvolvimento sustentável

das gerações futuras, “o que se quer preservar é a possibilidade de que o poder de

decisão sobre o patrimônio comum não seja usurpado de forma ilegítima pelas

gerações atuais”.183

O desenvolvimento sustentável se trata de um processo de transformação,

em busca de harmonização entre os interesses do presente e a viabilidade do futuro.

De modo que é preciso mudar a trajetória do progresso e fazer uma transição para

uma economia sustentável, para que o futuro do planeta não reste comprometido.184

Para a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,

A humanidade é capaz de tornar o desenvolvimento sustentável – de garantir que ela atenda as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem também às suas. O conceito de desenvolvimento sustentável tem, é claro, limites – não limites absolutos, mas limitações impostas pelo estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos ambientais, e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade humana.185

Para Sachs186, a sustentabilidade depende de vários critérios: social, cultural,

ecológico, ambiental, territorial, econômico, política nacional e internacional. Nesse

sentido, Gadotti defende que o desenvolvimento sustentável deve ser

“economicamente factível, ecologicamente apropriado, socialmente justo e

culturalmente eqüitativo, respeitoso e sem discriminação de gênero”.187

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,

Uma sociedade mundial sustentável erguer-se-á sobre dois princípios: uma distribuição eqüitativa, entre as nações, das matérias-primas, da energia e

183 LEITE, JOSÉ Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. A transdiciplinariedade do direito ambiental e sua eqüidade intergeracional. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 6, n. 22, p. 62-80, abr./jun. 2001, p. 76.184 DALY, Herman E. Sustentabilidade em um mundo lotado. Scientific American. Edição especial – Brasil. São Paulo, n. 41, p. 92-99, out. 2005, p. 92.185 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 9.186 SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 3. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2002, p. 85-88.187 GADOTTI, Moacir. Pedagogia da terra. 3. ed. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2000, p. 61.

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dos bens e serviços que delas derivam; e o respeito à Terra, a seus ecossistemas tanto em escala local quanto global, respeito esse manifestado na adoção de métodos de produção que preservem a oportunidade das gerações futuras usufruírem dos mesmos padrões de vida das atuais.188

Para Bachelet189, para que o desenvolvimento sustentável seja colocado em

prática, é preciso repensar a forma de utilização dos recursos naturais e reduzir a

produção de resíduos. Assim, a quantidade de resíduos produzidos deve ser

limitada ao seu nível de carga ecológica, considerando que a quantidade máxima

assimilada pelo meio durante um período varia de acordo com a nocividade do

resíduo. Quanto à utilização dos recursos, é necessário respeitar a potencialidade

de renovação de cada espécie, para que não haja a sua extinção – a extração de

recursos esgotáveis deve acontecer em um ritmo que permita a sua substituição por

recursos equivalentes e a exploração dos recursos renováveis deve se dar em um

ritmo compatível com a sua renovação. Além disso, deve-se dar preferência à

utilização dos recursos de substituição, nascidos da invenção do homem.

Os imperativos estratégicos para o desenvolvimento sustentável contidos no

Relatório Brundtland são: inserir qualidade no processo de desenvolvimento; manter

o nível populacional em um patamar sustentável; conservar e melhorar a base de

recursos; reorientar a tecnologia; atender às necessidades básicas de alimentação,

emprego, água, energia e saneamento da população; e incluir o meio ambiente e a

economia no processo de tomada de decisões.190

Todos devem estar comprometidos com o desenvolvimento sustentável, e

não apenas as nações em desenvolvimento.191 De modo que os ricos, que têm maior

poder de consumo – o que acarreta maior extração de recursos e maior geração de

resíduos a serem absorvidos pelo ambiente –, terão de se adaptar a uma nova

forma de consumo, comprometida com a sustentabilidade.

188 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Consumo sustentável. Trad. Admond Ben Meir. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente/IDEC/Consumers International, 1998, p. 23.189 BACHELET, op. cit., p. 186.190 COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 53.191 Ibidem, p. 4.

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Assim, o foco da sociedade contemporânea não pode mais estar direcionado

apenas para a produção de riquezas, mas para a sua distribuição e sua melhor

utilização. É necessária uma verdadeira e efetiva mudança de postura na relação

entre o homem e a natureza, onde não há a dominação, mas a harmonia entre eles.

Para tanto, é preciso conscientizar e estimular os indivíduos a agirem com

comprometimento e em prol do interesse comum – o que não se consegue apenas

com a criação de dispositivos legais, que são insuficientes para uma mudança de

postura. Nesse ponto, a educação tem papel fundamental na reformulação do

pensamento, e conseqüentemente, de toda a sociedade.

2.3 A importância da educação ambiental na formação de uma nova consciência

Ainda que a legislação brasileira seja considerada bastante avançada na

questão ambiental, e o meio ambiente esteja protegido constitucionalmente como di-

reito fundamental, não significa que exista uma efetiva proteção ao meio ambiente.

Na prática, muitas vezes percebe-se uma grande distância entre a previsão normati-

va e a realidade fática. Ou seja, sabe-se que as inúmeras leis ambientais existentes

não têm sido suficientes para evitar o desrespeito à natureza, seja em relação aos

grandes poluidores ou àqueles que poluem para simplesmente sobreviver. Muitas

vezes há o desconhecimento da lei, diante do emaranhado legislativo presente no

ordenamento jurídico brasileiro, em que a quantidade de leis parece diminuir a força

coercitiva das mesmas. Em outras, há o total conhecimento e a norma é desrespei-

tada de forma deliberada, vez que o cumprimento da sanção estabelecida compensa

a prática dos atos lesivos ao meio ambiente.192

192 NALINI, José Renato. Ética ambiental. 2. ed. rev., atual. e ampl. Campinas: Millennium, 2003, p. XXXIII.

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Assim, o problema não reside na falta de previsão normativa, na ausência de

dispositivos que regulamentem a matéria, mas na não-aplicação das normas jurídi-

cas estabelecidas. Nesse sentido, Carvalho193 entende que nem a efetiva aplicação

da legislação ambiental é o suficiente, sendo necessário reformar o pensamento,

com o predomínio de uma nova visão de mundo, em uma perspectiva de fraternida-

de, em que o homem não seja percebido como o senhor da natureza, mas como seu

irmão. E defende:

Tenho convicção de que a simples existência de uma legislação ambiental rigorosa, e seguramente a temos, não é suficiente para impedir a agressão aos ecossistemas. Todos diariamente testemunhamos as constantes agres-sões ao meio ambiente. O Direito Ambiental não é, não pode ser, somente o estudo das leis ambientais. É antes o exercício da ciência a serviço de uma ética. E, ao atuar nesta direção, certamente não ficará circunscrito ao âmbi-to dos operadores do Direito, mas cumprirá a sua vocação de se tornar uma ciência de conhecimento comunitário e popular.194

A falta de efetividade das normas de proteção ambiental é resultado da con-

fluência de diversos fatores, tais como interesses econômicos, questões políticas e

institucionais, aspectos culturais, entre outros. Além de realizar mudanças nos fato-

res citados, é preciso construir uma nova mentalidade, formar uma nova consciên-

cia. É necessário que se estabeleça uma nova cultura para que haja maior respeito

à natureza.195

Para Medina e Santos,

Necessita-se de uma mudança fundamental na maneira de pensarmos acerca de nós mesmos, nosso meio, nossa sociedade e nosso futuro; uma mudança básica nos valores e crenças que orientam nosso pensamento e nossas ações; uma mudança que nos permita adquirir uma percepção holística e integral do mundo com uma postura ética, responsável e solidária.196

193 CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 7.194 Ibidem, p. 200-201.195 CANEPA, op. cit., p. 159.196 MEDINA, Naná Mininni; SANTOS, Elizabeth da Conceição. Educação ambiental: uma metodologia participativa de formação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 18.

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Diante disso, percebe-se a necessidade de se buscar uma nova ética, regida

por um sentimento de pertença mútua entre todos os seres. A ética sempre esteve

preocupada com as questões de existência do homem, mas agora deve voltar-se

principalmente para a sua inter-relação com o planeta – uma ética voltada a um

relacionamento equilibrado entre a natureza e o ser humano. A nova ética está

fundamentada na responsabilidade e na solidariedade com o futuro.

Segundo Lipovetsky,

A idéia de que “a Terra está em perigo de morte” impôs uma nova dimensão de responsabilidade, uma concepção inédita das obrigações humanas que ultrapassa a ética tradicional, circunscrita às relações inter-humanas imediatas. A responsabilidade humana deve, agora, estender-se às coisas extra-humanas, englobar a dimensão da biosfera inteira, uma vez que o homem possui os meios para pôr em perigo a vida futura no planeta.197

Para Robles, a ética deve ser entendida como uma verdadeira necessidade

do mundo contemporâneo, em que o individualista e utilitarista princípio da felicidade

deve ser substituído pelo princípio da responsabilidade, universalista e solidário.198

Nesse sentido, Singer alerta para o fato que “os princípios éticos mudam

lentamente, e o tempo que temos para desenvolver uma nova ética ambiental é

curto”.199

Segundo Sirvinskas, deve-se buscar a ética ambiental através de uma

consciência ecológica fundamentada na educação ambiental: “é o exercício efetivo

da cidadania que poderá resolver parte desses grandes problemas mundiais através

da ética ambiental transmitida pela educação ambiental”.200 De modo que a

educação ambiental deve ter por base a ética ambiental, que aproxima os seres

humanos das demais espécies de vida existentes no planeta Terra.

197 LIPOVETSKY, Gilles. O crepúsculo do dever: a ética indolor dos novos tempos democráticos. Trad. Fátima Gaspar e Carlos Gaspar. 3. ed. Lisboa: Dom Quixote, 2004, p. 244.198 ROBLES, op. cit., passim.199 SINGER, op. cit., p. 301.200 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Meio ambiente e cidadania. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos. Bauru, n. 35, p. 305-307, ago. 2002, p. 306.

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Para Singer,

Os contornos gerais de uma ética verdadeiramente ambiental são fáceis de estabelecer. Em seu nível mais fundamental, essa ética incentiva a consideração dos interesses de todas as criaturas sencientes, inclusive das gerações que habitarão o planeta num futuro remoto.201

A educação ambiental encontra sua base inicial no princípio 19 da Declaração

de Estocolmo, e no entendimento de Machado,

É essencial seja ministrada educação sobre questões ambientais às gerações jovens como aos adultos, levando-se em conta os menos favorecidos, com a finalidade de desenvolver as bases necessárias para esclarecer a opinião pública e dar aos indivíduos, empresas e coletividade o sentido de suas responsabilidades no que concerne à proteção e melhoria do meio ambiente em toda a sua dimensão humana.202

A educação ambiental é bastante abrangente, e as diversas concepções que

a compõem estão relacionadas com as suas diferentes formas de realização,

determinadas principalmente pelos objetivos a serem alcançados. Assim, o estudo

da questão ambiental pode ser realizado sob uma perspectiva mais biológica, se

tiver como preocupação central a proteção, conservação e preservação de espécies,

ecossistemas e o planeta como um todo; política, se buscar o desenvolvimento do

diálogo, da participação popular, da democracia e da cidadania; econômica, se

tentar conciliar o desenvolvimento econômico e social com atividades

ambientalmente corretas; ou espiritual/cultural, se promove um maior conhecimento

do universo e também o autoconhecimento, dentro de uma nova ética.203

Para Leonardi, diante dos diversos aspectos que envolvem a educação

ambiental, seu objetivo poderia ser definido da seguinte maneira: “contribuir para a

201 SINGER, op. cit., p. 301.202 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Princípios gerais de direito ambiental internacional e a política ambiental brasileira. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 30. n. 118, p. 207-218. abr./jun. 1993, p. 212.203 LEONARDI, Maria Lucia Azevedo. A educação ambiental como um dos instrumentos de superação da insustentabilidade da sociedade atual. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 391-408, p. 396.

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conservação da biodiversidade, para a auto-realização individual e para a

autogestão política e econômica, mediante processos educativos que promovam a

melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida”.204

A educação ambiental é definida pelo art. 1º da Lei 9.795/99, como o conjunto

de processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores

sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a

conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia

qualidade de vida e sua sustentabilidade.

A própria Constituição Federal estabelece que cabe ao Poder Público

“promover a educação ambiental em todos os níveis do ensino e a conscientização

pública para a preservação do meio ambiente” (art. 225, §1º, VI/CF). Assim, a

educação ambiental deve estar presente em todos os níveis e modalidades do

ensino, e cabe ao Poder Público acompanhar e fiscalizar a sua aplicação.205

O artigo 2º da Lei 9.795/99 assim estabelece a obrigatoriedade da educação

ambiental: “A educação ambiental é um componente essencial e permanente da

educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis

e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”.

A educação ambiental não se trata de mera transmissão de determinados

conhecimentos, mas consiste na formação de uma consciência e uma ética

ambiental – seu objetivo é muito mais formativo que informativo. Nesse sentido,

afirma Rodrigues: “a função da educação ambiental não é a reprodução/divulgação

de conhecimentos, mas sim a formação de uma consciência e de uma ética

ambiental, como fica claro após o exame de seus princípios e objetivos, a exigir a

sua presença nos projetos pedagógicos como eixo transversal”.206

A educação ambiental ocorre através de processos contínuos e interativos, e

inclina-se para a formação da consciência, de atitudes, aptidões, capacidade de ava-

liação e de ação crítica no mundo. Ressalte-se que não se trata apenas de ensinar

204 LEONARDI, op. cit., p. 396-397.205 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. A educação ambiental no âmbito do ensino superior brasileiro. In: LEITE, José Rubens Morato; BELLO FILHO, Ney de Barros (org.). Direito ambiental contemporâneo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 395-409, p. 404.206 RODRIGUES, op. cit., p. 407.

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sobre a natureza, mas de possibilitar a compreensão da relação entre ser humano e

natureza, e a construção de novas formas de pensamento, atitudes e ações.207

Para Leff,

A educação ambiental tenta articular subjetivamente o educando à produção de conhecimentos e vinculá-lo aos sentidos do saber. Isto implica fomentar o pensamento crítico, reflexivo e propositivo face às condutas automatizadas, próprias do pragmatismo e do utilitarismo da sociedade atual.208

A educação ambiental pode ser realizada através de diferentes processos:

formal, não-formal e informal. As características que distinguem essas modalidades

são: o conteúdo abrangido, a forma de atuação, a metodologia escolhida, a periodi-

cidade das atividades, a forma de avaliação, o estabelecimento de objetivos a serem

alcançados, entre outros.

A educação ambiental definida como formal é a realizada conjuntamente

com as atividades escolares, independentemente do nível de ensino, desde a edu-

cação infantil até a pós-graduação. É a modalidade de educação ambiental que pos-

sui maior planejamento, e que os conteúdos, a metodologia e as formas de avalia-

ção estão mais claramente definidos.209

De acordo com o artigo 10 da Lei 9.795/99, a educação ambiental deve ser

desenvolvida de forma permanente, contínua, e integrada ao processo educacional

como um todo, em todos os níveis e modalidades do ensino formal.

A modalidade não-formal de educação ambiental não está restrita ao univer-

so escolar, pois é realizada em diferentes espaços da sociedade, muitas vezes em

parceria com entidades como organizações não-governamentais, sindicatos, associ-

ações, empresas, órgãos governamentais, etc. Embora seja menos estruturada que

207 MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 24-25.208 LEFF, op. cit., p. 250.209 LEONARDI, op. cit., p. 397.

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a educação formal, também possui metodologia, periodicidade e objetivos bem deli-

neados.210

A educação ambiental informal também é desenvolvida em diversos espaços

da vida social, mas não possui necessariamente uma forma de atuação específica, a

fixação de objetivos a serem alcançados ou compromisso com a continuidade. Mui-

tas vezes ocorre de maneira esporádica, através de meios de comunicação que

abordam temas relacionados à questão ambiental.211

Assim, as atividades que compõem a educação ambiental podem ocorrer

através de diferentes processos, por vezes com objetivos determinados, mas seu fim

último é sempre o mesmo, o de reformar o pensamento e possibilitar uma nova

forma de pensar a relação entre o homem e a natureza. Essa nova relação

homem/natureza somente poderá ser formulada a partir de uma nova visão de

mundo e uma nova ética, fundada em valores diversos dos que sustentam a

sociedade contemporânea, baseada no individualismo exacerbado e na busca

incessante do crescimento econômico.

Além do fundamento ético, a educação ambiental envolve outros importantes

aspectos para a sua realização. Nesse sentido, Leonardi ressalta:

Ao lado dos pressupostos éticos, existem outros componentes importantes que referenciam o trabalho da educação ambiental. São eles: o diálogo, o respeito à diferença, a interdisciplinaridade, a discussão disciplinar, o desenvolvimento sustentável, dentre outros. [...] É na articulação desses três pilares básicos – diálogo, respeito à diferença e interdisciplinaridade – que se fundamenta o trabalho da educação ambiental.212

A educação ambiental – e a educação como um todo –, deve contribuir para a

formação de uma ética ambiental, e fornecer subsídios para que os indivíduos pos-

sam compreender as questões ambientais em sua plenitude, considerando todos os

desafios que estão envolvidos, sejam eles econômicos, sociais, políticos ou ecológi-

cos.213

210 LEONARDI, op. cit., p. 397.211 Ibidem, p. 398.212 Ibidem, p. 400.213 CANEPA, op. cit., p. 159.

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O próprio art. 4º da Lei 9.795/99 determina, em seu inciso II, que princípio bá-

sico da educação ambiental é “a concepção do meio ambiente em sua totalidade,

considerando a interdependência entre o meio ambiente natural, o sócio-econômico

e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade”.

Os outros princípios básicos da educação ambiental elencados pelo art. 4º

da Lei 9.795/99 são: o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; o

pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e

transdisciplinariedade; a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as

práticas sociais; a garantia da continuidade e permanência do processo educativo; a

permanente avaliação crítica do processo educativo; a abordagem articulada das

questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; o reconhecimento e o

respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural.

A preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica, e

a formação desta consciência depende da educação e, em particular, da educação

ambiental, pois, conforme enfatiza Freitas, esta “é o mais eficaz meio preventivo de

proteção do meio ambiente”.214

Com a denominada pós-modernidade215, a educação “deve preparar o

homem a conviver harmonicamente com seus semelhantes, com a natureza e todo o

cosmo”.216 Assim, a educação é um processo que envolve toda a sociedade, e que

deve buscar uma mudança de comportamento e a libertação de dogmas

predominantes por muitos séculos.217

Para Medina e Santos, diante da necessidade de repensar conceitos, em

busca de um mundo mais humano e sustentável, “a educação passa a adquirir 214 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 66.215 Nesta pesquisa, a expressão “pós-modernidade” ou o adjetivo “pós-moderno” a ela referente somente são utilizados quando em referência a autores que assim designam esse período de transição associado a concepções diversas. Conforme Bittar, “o surgimento da expressão está eivado de contestações, o seu uso e emprego são passíveis de severas críticas, bem como a sua significação ganha coloridos e matrizes diversos conforme a tendência ou a corrente de pensamento”. (BITTAR, op. cit., p. 96). Assim, a adoção dessa expressão ou de outras, tais como “supermodernidade” (Georges Balandier), “modernidade reflexiva” (Ulrich Beck), “modernidade tardia” (Anthony Giddens), “hipermodernidade” (Gilles Lipovetsky) dependeria de uma reflexão aprofundada que não cabe ser realizada neste momento, para que não se desvie do objetivo aqui proposto.216 LAMPERT, Ernâni. Pós-modernidade e educação. In: LAMPERT, Ernâni. Pós-modernidade e conhecimento: educação, sociedade, ambiente e comportamento humano. Porto Alegre: Sulina, 2005. p. 11-48, p. 45.217 FAGUNDEZ, op. cit., p. 213.

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novos significados no processo de construção de uma sociedade sustentável,

democrática, participativa e socialmente justa, capaz de exercer efetivamente a

solidariedade com as gerações presentes e futuras”.218

Hoje, na chamada aldeia global, a difusão do conhecimento é facilitada pela

informática, pelos meios de comunicação de massa e a possibilidade de educação à

distância. A escola não é mais a única responsável pela transmissão de

conhecimento. Entretanto, ao mesmo tempo em que aumenta a possibilidade de

acesso à informação – pois esta circula de modo cada vez mais rápido –, o nível de

conhecimento se torna cada vez mais baixo. Como ressalta Lampert, “nunca se deu

tanta importância à educação, ao ensino, ao conhecimento, porém, com exceções,

percebe-se a instalação do caos em todas as esferas e níveis de escolaridade”.219

A escola também sofre as conseqüências da sociedade pós-moderna em

que está inserida.220 Assim como outras instituições sociais, está em crise. A

instituição encontra-se desvalorizada e muitas vezes desacreditada, por não

conseguir mais atender às necessidades sociais. Para se manter viva, a escola

precisa transmitir conhecimento – e não apenas informação – e proporcionar uma

formação integral, de valores éticos.221

Nesse sentido, Lampert ressalta:

A educação, dever do Estado, numa sociedade globalizada, deve ensinar o cidadão a viver em uma aldeia planetária; a se transformar em cidadão do mundo; a aceitar a mundialização da cultura, sem, entretanto, perder e renunciar às suas raízes culturais. Portanto, na pós-modernidade, a educação deve ser um ato de ousadia e um eterno desafio. Devemos assumir com humildade os erros históricos e ter a predisposição de superá-los para que possamos contribuir na construção de um mundo melhor.222

A crise percebida – também – no sistema educativo impõe a necessidade de

se buscar modelos alternativos que possam substituir as antigas estruturas ainda

218 MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 17.219 LAMPERT, op. cit., p. 32.220 CALLONI, Humberto. A educação e seus impasses: um olhar a partir da noção de pós-modernidade. In: LAMPERT, Ernâni. Pós-modernidade e conhecimento: educação, sociedade, ambiente e comportamento humano. Porto Alegre: Sulina, 2005. p. 49-75, p. 69.221 LAMPERT, op. cit., p. 42-44.222 LAMPERT, op. cit., p. 45-46.

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vigentes. Ao analisar as necessidades de mudança na educação, não é possível

desconsiderar certas características da sociedade contemporânea, tais como o

consumismo desenfreado, a substituição das referências de valor, em que o

fundamental é o “ter” e não o “ser”, a perda da essência do próprio ser humano

como ser histórico, e a falta de análise crítica diante das situações, resultado da

fragmentação do pensamento e da prevalência da sociedade da informação sobre a

sociedade do conhecimento.223

Segundo Morin,

Essa reforma de mentes pode ser conduzida pela educação, mas infelizmente o nosso sistema educacional terá de ser previamente reformado, pois está baseado na separação: dos saberes, das disciplinas, das ciências; produz mentes incapazes de conectar os conhecimentos, de reconhecer os problemas globais e fundamentais e de apropriar-se dos desafios da complexidade. Um novo sistema de educação, baseado no espírito de religação, radicalmente diferente, portanto, do existente na atualidade, deve ser instaurado.224

As novas dimensões educativas colocam ênfase no componente ético e são

orientadas à transformação do indivíduo: educação para a paz, para a saúde, a

educação para o consumo, e a educação ambiental, que de certa forma abrange

todas.225 A educação ambiental é necessária na formação de indivíduos com uma

nova racionalidade ambiental, capaz de superar a crise global presenciada

atualmente.

Diante dessa necessidade de formulação de uma nova mentalidade,

Torna-se necessária a formação de indivíduos que possam responder aos desafios colocados pelo estilo de desenvolvimento dominante, a partir da construção de um novo estilo harmônico entre a sociedade e a natureza e que, ao mesmo tempo, sejam capazes de superar a racionalidade meramente instrumental e economicista, que deu origem às crises ambiental e social que hoje nos preocupam.226

223 MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 19-20.224 MORIN, O método, op. cit., p. 170.225 MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 21-22.226 MEDINA; SANTOS, op. cit., p. 24.

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De modo que, sem uma mudança nos valores que orientam a sociedade

através da educação ambiental, não há como alcançar os objetivos do

desenvolvimento sustentável.227 Assim, a educação ambiental é considerada

instrumento indispensável na formatação de uma sociedade sustentável.228

Segundo Leff,

As estratégias educacionais para o desenvolvimento sustentável implicam a necessidade de reavaliar e atualizar os programas de educação ambiental, ao tempo que se renovam seus conteúdos com base nos avanços do saber e da democracia ambiental. A educação para o desenvolvimento sustentável exige assim novas orientações e conteúdos; novas práticas pedagógicas onde se plasmem as relações de produção de conhecimentos e os processos de circulação, transmissão e disseminação do saber ambiental. Isto coloca a necessidade de incorporar os valores ambientais e novos paradigmas do conhecimento da formação dos novos atores da educação ambiental e do desenvolvimento sustentável. Neste sentido, a educação ambiental adquire um sentido estratégico na condução do processo de transição para uma sociedade sustentável.229

No entanto, a educação ambiental ainda não é tratada com a seriedade

necessária, sendo, muitas vezes, deixada em um plano secundário. Nesse sentido,

Leonardi alerta que:

Os fatores que comprometem a continuidade das práticas de educação ambiental mais freqüentes são antigos conhecidos nas políticas públicas: descontinuidade administrativa; falta de recursos financeiros; número insuficiente de recursos humanos para atuar na atividade; despreparo dos professores; alta rotatividade dos professores das escolas públicas; interferências políticas.230

A educação ambiental está estreitamente ligada à formação da cidadania e à

reformulação de valores éticos e morais, tanto individuais quanto coletivos,

indispensáveis para que seja assegurada a continuidade da vida na Terra.

227 LEFF, op. cit., p. 222.228 CANEPA, op. cit., p. 158.229 LEFF, op. cit., p. 251.230 LEONARDI, op. cit., p. 403.

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Nesse processo de formação de uma nova consciência voltada para a

preservação do planeta é essencial a educação do consumidor, com a

conscientização da importância de novos hábitos de consumo, vez que grande parte

dos problemas ambientais presentes são fruto dos padrões impostos pela economia

de mercado, difundida pelos meios de comunicação de massa, impondo um estilo de

vida insustentável para o planeta.

De modo que a educação deve passar a adquirir novos significados na

construção de uma sociedade sustentável, democrática, participativa e socialmente

justa, capaz de exercer efetivamente a solidariedade com as gerações presentes e

futuras. E se não chega a ser um sinônimo de solução, a educação é, sem dúvida,

um importante instrumento para o melhoramento da sociedade.

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3 O EXERCÍCIO DA CIDADANIA EM BUSCA DA SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

A existência de uma crise ecológica na sociedade contemporânea pode ser

percebida claramente através de diversos fatores que ameaçam o equilíbrio do

ecossistema global: mudanças climáticas, destruição da camada de ozônio,

esgotamento de recursos naturais, desaparecimento acelerado de diversas

espécies, problemas ambientais em diversas regiões e em aglomerados urbano-

industriais, entre tantos outros.

Diante desses acontecimentos, percebe-se que a tutela jurídica conferida ao

meio ambiente não é suficiente para a sua efetiva proteção. Ocorre que a questão

ambiental é complexa, e não poderá ser resolvida somente através de

procedimentos técnicos; requer, antes, uma nova atitude ética.

A efetiva proteção do meio ambiente – e a conseqüente efetivação do direito

fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado – depende,

sobretudo, de uma mudança de paradigma na relação do ser humano com a

natureza, na convivência social, na concepção de desenvolvimento, e no processo

de produção e consumo de bens.231

Para redefinir os rumos da problemática ambiental é preciso que não apenas

o Estado, mas toda a sociedade esteja comprometida com o processo de construção

de uma sociedade mais justa e sustentável. Nesse sentido, o exercício da cidadania

tem papel fundamental para que o meio ambiente seja efetivamente protegido,

conforme impõe a Constituição Federal de 1988.

231 JUNGES, op. cit., p. 7.

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3.1 A participação e a solidariedade social como base da cidadania

A realidade contemporânea é extremamente complexa, e fortemente

influenciada pelo paradigma da separação do conhecimento. A

fragmentação/compartimentação do pensamento não é problema apenas para o

conhecimento, mas para toda a sociedade. Da mesma forma como acontece com

outros sistemas, a sociedade é um todo organizado que possui características que

não são percebidas nas partes que a compõem.

Nesse sentido, percebe-se que o individualismo exacerbado predominante

desde o advento do capitalismo – e cada vez mais presente na sociedade – quebra

a unidade que deveria estar presente, e faz com que os indivíduos não se sintam

parte da sociedade. Ou seja, falta coesão à sociedade.

Segundo Johnson, “coesão é o grau em que indivíduos que participam de um

sistema social se identificam com ele e se sentem obrigados a apoiá-lo,

especialmente no que diz respeito a normas, valores, crenças e estrutura”.232 233

A coesão da sociedade pode ser mantida temporariamente através do poder

da autoridade, mas para que a liberdade seja mantida, é necessário que haja um

sentimento de comunidade e de solidariedade em cada indivíduo. O pensamento

complexo, que une o conhecimento, deve se estender “para o plano da ética, da soli-

dariedade e da política”.234

Segundo Morin,

232 JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 41.233 De acordo com Durkheim, a coesão pode ter por base a solidariedade mecânica ou a solidariedade orgânica. A solidariedade mecânica está relacionada a um consenso acerca de valores, normas e crenças, com base em cultura e estilo de vida comuns. Enquanto que a solidariedade orgânica fundamenta-se em uma divisão de trabalho complexa, em que os indivíduos são interdependentes em razão da especialização das atividades. (JOHNSON, op. cit., p. 41).234 MORIN, Edgar. Complexidade e ética da solidariedade. In: CASTRO, Gustavo de (Coord.). Ensaios de complexidade. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 2002, p. 18.

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A fragmentação, a compartimentação e a atomização do saber fazem que seja impossível imaginar um todo com elementos solidários; por isso, tende a atrofiar o conhecimento das solidariedades e a consciência de solidarieda-de. O indivíduo acaba encurralado num setor e inclina-se a reduzir a sua responsabilidade a um espaço circunscrito, atrofiando a sua consciência de responsabilidade. Assim, o pensar mal rói a ética nas suas fontes: solidarie-dade/responsabilidade. A incapacidade de ver o todo, de religar-se ao todo, gera irresponsabilidade e falta de solidariedade.235

Atualmente não há outro caminho senão o da solidariedade entre os povos. O

individualismo predominante, que fazia desconhecer os problemas enfrentados por

outros países, não pode mais ter lugar. Os problemas ambientais não conhecem

fronteiras, de modo que são de interesse global. Questões como o aquecimento glo-

bal, a escassez da água e de outros recursos naturais, e outros perigos que se apre-

sentam atualmente não podem mais causar indiferença, pois atingem todos os po-

vos. Dito de outra forma, “a degradação do meio ambiente não afeta apenas a saúde

humana, mas os fundamentos ecológicos e dos recursos naturais da civilização”.236

A visão antropocêntrica, de forma restrita e compartimentada, coloca a

conservação do planeta sob a responsabilidade da administração pública, mas a

evolução aponta para uma nova consciência, onde o seu estado é de

responsabilidade coletiva. Todos os indivíduos são tripulantes de uma mesma nave

– o planeta Terra –, e, portanto, responsáveis pelo seu vôo.237

O futuro da espécie humana e de todas as espécies depende do equilíbrio do

meio ambiente. Sem uma relação harmônica e equilibrada entre o ser humano e a

natureza, não há como assegurar a sadia qualidade de vida no presente, além de

restar comprometida a existência das futuras gerações.

De modo que as pessoas devem agir com cuidado e preocupação, já que são

responsáveis pelos outros seres humanos e por toda a natureza – não só para ga-

rantir a vida no presente, mas para possibilitar a existência das futuras gerações.238

Conforme Ost, “o que significa, muito simplesmente, que o que é bom para as gera-

235 MORIN, O método, op. cit., p. 61-62.236 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 22.237 CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 7.238 SANTOS, Boaventura de Sousa. Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 4. ed. Rio de Janeiro: Cortez, 2002, p. 112.

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ções futuras da humanidade é igualmente bom para a sobrevivência da biosfera e

para a integridade do planeta”.239

Assim, a sociedade pode ser reconstruída a partir do resgate da fraternidade,

do respeito ao próximo e da solidariedade. Não é mais possível trabalhar a questão

ambiental sob a visão individualista predominante durante toda a modernidade, nem

apenas sob o seu aspecto normativo. É preciso rever os acordos feitos por meio do

Direito e questionar os limites da sociedade.

A fraternidade é marcada pela busca da dignidade humana. Para Morin e

Kern, “o evangelho de fraternidade é para a ética o que a complexidade é para o

pensamento: ele apela a não mais fracionar, separar, mas ligar [...]”.240 Nessa

perspectiva, o indivíduo somente encontra a sua plenitude se os demais seres

tiverem boas condições de viver e se desenvolver dignamente.

O respeito ao próximo também está relacionado ao abandono do

individualismo exacerbado, em que cada indivíduo preocupa-se exclusivamente com

o seu bem-estar, sem qualquer preocupação com as outras pessoas e os demais

seres que habitam o planeta. Respeitar o próximo significa tê-lo em consideração

em todas as atitudes a serem tomadas, afastando aquelas escolhas que sejam

prejudiciais aos demais.

Já a solidariedade está ligada a uma noção de inter-relação ou

interdependência, uma relação de assistência mútua entre indivíduos pertencentes a

um mesmo grupo.241 Para Ávila, “o conceito de solidariedade remete a uma condição

concreta na qual uma pessoa tanto mais cresce em teor humano quando mais ela

investe seus esforços na promoção do outro”.242

Nesse sentido, entende Comte-Sponville que

239 OST, op. cit., p. 314.240 MORIN; KERN, op. cit., p. 171.241 Segundo Abbagnano, “Solidariedade (in. Solidarity; fr. Solidarité; al. Solidarität; it. Solidarietà). Termo de origem jurídica que, na linguagem comum e na filosófica, significa: 1º inter-relação ou interdependência; 2º assistência recíproca entre os membros de um mesmo grupo (p. ex.: S. familiar, S. humana, etc.). neste sentido, fala-se de solidarismo para indicar a doutrina moral e jurídica fundamentada na S. (Cf. L BOURGEOIS, La solidarité, 1897).” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 918).242 AVILA, Fernando Bastos de. Ética da Solidariedade. Bem comum. São Paulo, n. 74, p. 5-10, set. 2001, p. 8.

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Em suma, a solidariedade é antes de mais nada o fato de uma coesão, de uma interdependência, de uma comunidade de interesses ou de destino. [...] Como estado de alma, a solidariedade nada mais é que o sentimento ou a afirmação dessa interdependência.243

Com a solidariedade social a pessoa tem o dever social de cooperar para a

consecução do bem comum, pois significa vinculação entre as pessoas. A

cooperação, elemento indispensável à sociedade humana, se fundamenta na

solidariedade, e atua no sentido de se obter um fim comum.

A cooperação não está presente apenas no direito ambiental, pois é um

princípio integrante da estrutura do Estado Social, e “orienta a realização de outras

políticas relativas ao objetivo de bem-comum, inerente à razão constituidora deste

Estado”.244 Entretanto, o Direito Ambiental é um dos ramos do Direito que melhor

representa a idéia de solidariedade, e que possibilita a maior integração entre direito

e cidadania.245

Para a concretização da solidariedade social são necessárias a

conscientização e a mobilização do indivíduo, que deve participar efetivamente na

proteção do meio ambiente.246 247 A solidariedade implica em participação consciente

numa situação alheia, e significa vinculação entre as pessoas.

A conscientização passa por todos os indivíduos, considerando suas

diferentes realidades – e a realidade é cada vez mais complexa.248 Nesse sentido,

243 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Trad. Eduardo Brandão. 1. ed. 11. tir. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 98.244 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 161.245 CARVALHO, O que é direito ambiental, op. cit., p. 160.246 Ibidem, p. 101.247 Nesse sentido, ressalta Farias: “A solidariedade social não pode ser adquirida por uma simples coação, ou pela única necessidade da divisão do trabalho; é preciso que a construção do espaço social passe pela ‘crença’ na necessidade do respeito de certos valores sociais objetivos de solidariedade.” (FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 62).248 Nesse sentido, importante ressaltar o alerta de Morin: “Quanto mais uma sociedade é complexa, menos são rígidos ou coercitivos os limites que pesam sobre os indivíduos e os grupos, de maneira que o conjunto social pode beneficiar-se de estratégias, iniciativas, invenções ou criações individuais. Mas o excesso de complexidade destrói os limites, flexibiliza o laço social e, no extremo, a própria complexidade dilui-se na desordem. Nessas condições, a única proteção de alta complexidade está na solidariedade vivida, interiorizada em cada um dos membros da sociedade. Uma sociedade de alta complexidade deveria garantir a sua coesão não somente por meio de ‘leis justas’, mas também pela responsabilidade/solidariedade, inteligência, iniciativa, consciência dos seus cidadãos.” (MORIN, Edgar. O método, op. cit., p. 148-149).

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mesmo que a idéia de solidariedade possa aparecer ainda como uma utopia

distante, esse fato não pode ser um impeditivo para que ela constitua um objetivo a

ser alcançado por toda a sociedade.249

Para que seja possível mudar a mentalidade ainda predominante na

sociedade contemporânea é preciso tolerância entre os indivíduos, eqüidade social,

e aceitação da fundamentalidade da biodiversidade. Ressalte-se que essa eqüidade

social deve ser considerada em sentido amplo, compreendendo as presentes e

futuras gerações, ensejando a solidariedade intergeracional já referida

anteriormente.

Para tanto, é indispensável o reconhecimento de que a sociedade –

mundialmente considerada – deve entrar em uma nova etapa de seu

desenvolvimento histórico, em que todos os indivíduos são co-responsáveis pelas

questões ambientais, ou, em um sentido mais amplo, pelo estado do planeta.

Segundo Duarte,

Para a construção dessa nova ética ambiental pautada na co-responsabilidade, tem-se como pressuposto que as pessoas assumam o papel social que lhes cabe, com base na cooperação e na solidariedade, ainda que se tenha consciência das diferenças existentes entre os atores envolvidos nas questões ambientais.250

Se a construção de uma nova ética ambiental pressupõe a reavaliação do

papel social dos indivíduos na sociedade, é preciso refletir sobre o papel da

cidadania nesse processo de transformação. O conceito de cidadania é bastante

amplo, e adquire diferentes significados de acordo com a perspectiva adotada e a

ideologia que a formula.

Nesse sentido, afirma Teixeira:

No atual debate jurídico-político muito se tem falado de cidadania. Na maior parte das vezes parece não se formar um consenso sobre o próprio

249 AVILA, op. cit., p. 8.250 DUARTE, op. cit., p. 509.

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conceito de cidadania. A expressão “cidadania” torna-se então uma palavra mágica, plástica por natureza, servindo a uma infinidade de ideologias, adquirindo diferentes formulações tal como o líquido que adquire a forma do recipiente em que é posto. “Cidadania” torna-se com isso um eficiente instrumento retórico, sendo utilizado tanto por defensores do status quo, como por aqueles que desejam promover a revisão das estruturas de poder vigentes.251

De modo que a noção de cidadania é formulada e reformulada nos diferentes

momentos do desenvolvimento histórico das sociedades, desde a Antigüidade

Clássica, na Grécia e na Roma antigas, até os dias de hoje. A cidadania

contemporânea, embora influenciada pelas concepções antecedentes, possui

características próprias, podendo se falar até em um ressurgimento da cidadania.252

Na atualidade, a cidadania pode ser considerada sob diferentes aspectos,

especialmente, um formal e outro material. O aspecto formal é aquele amplamente

aceito, que se caracteriza na atribuição de determinados direitos aos membros de

um Estado-nação. Já o aspecto substantivo torna-se gradativamente mais

importante, pois além de compreender a posse de direitos civis, políticos e sociais

juridicamente tutelados, abrange “uma compreensão mais comunitária, que implica

na responsabilidade de promover o bem comum por meio de uma participação ativa

na vida da comunidade”.253

No presente estudo, a cidadania deve ser compreendida como a participação

ativa do indivíduo na sociedade em que se insere, ou “participação, no sentido

amplo da expressão, contemplando as dimensões individual, política e social de todo

indivíduo”.254 De modo que o exercício da cidadania permite que cada indivíduo seja

partícipe do processo que possibilita seu próprio desenvolvimento e sua inclusão

social.

Assim, a cidadania deve ser vista não apenas em seu aspecto formal, como a

cidadania outorgada pela Constituição Federal de 1988 ou pela legislação

infraconstitucional que estabelece determinados direitos aos indivíduos, mas como

251 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Efetividade constitucional e direitos fundamentais: a realizabilidade da cidadania em uma perspectiva sistêmico-funcional. Revista da Faculdade de Direito de Olinda. Olinda, v. 3, n. 5, p. 87-104, jun./dez. 1999, p. 87-88.252 OUTHWAITE, William. Dicionário do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 73; MARTÍN, Nuria Belloso. Op. cit., p. 15-16.253 MARTÍN, op. cit., p. 16.254 TEIXEIRA, op. cit., p. 99.

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uma cidadania ativa, que permite à população atuar nas diversas esferas da

sociedade – e em especial, nas questões que envolvem o meio ambiente.

Para Martín,

A cidadania deve se redefinida para que não se converta em uma categoria egoísta e não solidária, que acabe levando à ruína os direitos fundamentais e, inclusive, a própria democracia. Os novos desafios da cidadania são complexos, numerosos, difíceis de lidar, mas devem ser enfrentados a partir de uma atitude de cooperação e solidariedade “com o outro” e não “à custa de outro” ou “contra o outro”. O cidadão deve sentir-se participante e protagonista dos projetos políticos e jurídicos que acompanham o paradigma da globalização. A cidadania exige uma atitude de todos. 255

Nesse sentido, há de se ressaltar que “o Direito Ambiental faz os cidadãos

saírem de um estatuto passivo de beneficiários, fazendo-os partilhar da

responsabilidade na gestão dos interesses da coletividade inteira”.256 Assim, o

exercício efetivo da cidadania é de grande importância para que as normas

ambientais atinjam os seus objetivos. É preciso que a população se conscientize, e

participe da necessária e constante preservação do meio ambiente natural.

Para Leonardi,

Cidadania implica a posse de direitos civis, políticos e sociais. Cidadania tem a ver com a consciência do sujeito de pertencer a uma coletividade e também a consciência de possuir uma identidade, que não é só individual como também coletiva. O direito ao meio ambiente é novo, na relação dos direitos conquistados pelos cidadãos ao longo da história da humanidade. É muito recente a idéia generalizada da natureza como um bem a ser preservado, finito, cabendo ao homem o direito (e o dever) de preservá-la. A educação ambiental como formação de cidadania ou como exercício de cidadania tem a ver, portanto, com uma nova maneira de encarar a relação homem/natureza.257

255 MARTÍN, op. cit., p. 111.256 MACHADO, Direito ambiental brasileiro, op. cit., p. 80.257 LEONARDI, op. cit., p. 398.

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A formulação de uma nova consciência, em que todos se sintam responsáveis

pela efetivação do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente

equilibrado – e pela preservação do planeta como um todo –, é estreitamente ligada

à idéia de cidadania planetária.

A cidadania planetária ou global é uma cidadania integral e efetiva, que deve

estar presente também nas esferas local e nacional. Trata-se de conceito mais

abrangente que a idéia de desenvolvimento sustentável, pois a cidadania global visa

também a superação das grandes diferenças econômicas existentes entre as

diferentes partes do planeta – especialmente os hemisférios Norte e Sul – e a

integração da diversidade cultural presente na humanidade.258

Segundo Gutiérrez e Prado,

Cidadania planetária é uma expressão que abarca um conjunto de princípios, valores, atitudes e comportamentos e demonstra uma nova percepção da Terra como uma única comunidade. Freqüentemente associada ao ‘desenvolvimento sustentável’, ela é muito mais ampla do que essa relação com a economia. Trata-se de um ponto de referência ético indissociável da civilização planetária e da ecologia. A Terra é “Gaia”, um superorganismo vivo e em evolução, o que for feito a ela repercutirá em todos os seus filhos.259

Para Morin e Kern,

Precisamos doravante aprender a ser, viver, partilhar, comunicar e comun-gar enquanto seres humanos do planeta Terra. Não mais apenas a ser de uma cultura, mas a ser terrestres. [...] A tomada de consciência da comuni-dade de destino terrestre deve ser o acontecimento chave do novo milênio: somos solidários desse planeta, nossa vida está ligada à sua vida. Devemos arrumá-lo ou morrer. Assumir a cidadania terrestre é assumir nossa comuni-dade de destino.260

258 GUTIÉRREZ, Francisco; PRADO, Cruz. Ecopedagogia e cidadania planetária. Trad. Sandra Trabucco Valenzuela. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 23.259 Ibidem, p. 22.260 MORIN; KERN, op. cit., p. 177-178.

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Assim, a dimensão planetária pressupõe uma relação harmoniosa entre o ser

humano e os outros seres que vivem sobre a Terra. Para tanto, é necessária uma

solidariedade para a proteção de toda a vida no planeta, com uma cidadania ambi-

ental mundial fundamentada em uma profunda consciência ecológica e em novas

responsabilidades éticas.261 Se a globalização da economia já é uma realidade, ago-

ra é preciso que a globalização se estenda também para o campo da cidadania.

3.2 Sociedade de consumo: de propulsora da degradação ambiental a elemento-chave da sustentabilidade

Conforme já mencionado anteriormente, o ser humano, ao realizar suas

atividades diárias, sempre causou impactos à natureza. Entretanto, até o advento da

Revolução Industrial, esses impactos eram absorvidos naturalmente pela biosfera,

sem lhe causar qualquer prejuízo ou desequilíbrio. Assim, foi com a chegada do

processo de industrialização que a natureza não mais conseguiu absorver as

crescentes transformações sofridas, gerando problemas ao perfeito equilíbrio do

meio ambiente.

Com o processo de industrialização, houve um aumento significativo na

produção e na oferta de bens. Tal fato, por si só, já agravou sobremaneira a

utilização de energia e de matérias-primas naturais, sobrecarregando a natureza em

sua capacidade de renovação de seus recursos. Aliado a esse fato, o capitalismo fez

com que o consumo fosse cada vez mais valorizado, e o acúmulo e a ostentação de

bens materiais pretenderam se tornar o fim último da sociedade ocidental, em

detrimento de quaisquer outros valores ou objetivos.

261 GUTIÉRREZ; PRADO, op. cit., p. 37-38.

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Segundo Baudrillard,

Os progressos da abundância, isto é, da disposição de bens e de equipamentos individuais e colectivos cada vez mais numerosos, oferecem em contrapartida prejuízos cada vez mais graves – conseqüências, por um lado, do desenvolvimento industrial e do progresso técnico e, por outro, das próprias estruturas do consumo. Degradação do quadro colectivo pelas actividades econômicas: ruído, poluição do ar e da água, destruição das paisagens e lugares, perturbação das zonas residenciais pela implantação de novos equipamentos (aeroportos, auto-estradas, etc.). [...] Claro está, os prejuízos culturais, devido aos efeitos técnicos e culturais da racionalização e da produção em massa, são rigorosamente incalculáveis.262

Nesse ponto, é importante ressaltar que a industrialização não teve somente

conseqüências negativas para a sociedade. A industrialização facilitou a vida dos

seres humanos em diversos aspectos, mas seus efeitos agora podem ser

percebidos em todas as partes, e ameaçam a todos, independentemente do

benefício usufruído.263

O progresso e o crescimento econômico não são um problema em si

mesmos, mas a sua busca a qualquer custo ignora as conseqüências sociais e

ambientais que acarreta. A ideologia do progresso, além de buscar cegamente o

aumento da produção e do consumo, tem como base a suposta inesgotabilidade da

natureza e a total confiança na capacidade da técnica em resolver todos os

problemas, inclusive os ambientais.264

De modo que o sistema capitalista, que tem por objetivo último o lucro – e

base do atual modelo de desenvolvimento econômico –, tem estreita ligação com o

problema da degradação ambiental. Nele, o estímulo ao consumo é constante, sem

qualquer preocupação com a exauribilidade dos recursos naturais e com a grande

quantidade de rejeitos lançados constantemente no meio ambiente.265

262 BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Trad. Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1995, p. 34.263 BITTAR, op. cit., p. 263; JUNGES, op. cit., p. 52.264 JUNGES, op. cit., p. 12.265 SPÍNOLA, op. cit., p. 210-211.

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Nesse sentido, ressalta Penna:

Os efeitos da degradação ambiental não podem ser tratados sem que se combatam as suas causas. O capitalismo moderno deu à luz o consumismo, o qual criou raízes profundas entre as pessoas. O consumismo tornou-se a principal válvula de escape, o último reduto de auto-estima em uma sociedade que está perdendo rapidamente a noção de família, de convivência social, e em cujo seio a violência, o isolamento e o desespero dão sinais alarmantes de crescimento.266

O termo consumismo, segundo Portilho, “usado geralmente em sentido

depreciativo, refere-se à expansão de um conjunto de valores hedonistas que

estimula o indivíduo, ou a sociedade, a buscar satisfação e felicidade através da

aquisição e exibição pública de uma grande quantidade de bens e serviços”.267

Na sociedade contemporânea, o consumismo é um comportamento não só

tolerado, como fortemente estimulado, principalmente pelos meios de comunicação

em massa. Isso ocorre porque o consumo em grande escala estimula a produção e

o crescimento econômico – o que teoricamente melhoraria o bem-estar social.

Entretanto, “o consumismo promete o que não pode cumprir: a felicidade

universal”.268 Assim, deve-se atentar ao fato que o aumento do padrão de vida não

implica necessariamente em melhoria da qualidade de vida.269

Para Baudrillard270, o consumo transformou-se na moral do mundo

contemporâneo. Nele, percebe-se um esvaziamento das relações humanas, em que

esse vazio é preenchido pela aparente busca da satisfação de necessidades – na

maioria das vezes criadas pelo mercado –, que na realidade é a busca do bem-

estar, do conforto, do prestígio, e da identificação com determinadas imagens e

símbolos.

266 PENNA, op. cit., p. 216.267 PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2005, p. 25.268 LYON, David. Pós-modernidade. Trad. Euclides Luiz Calloni. São Paulo: Paulus, 1998, p. 102.269 PENNA, op. cit., p. 18.270 BAUDRILLARD, op. cit., passim.

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Além da busca incessante de conforto e de bem-estar, o consumo

desenfreado é motivado pelo desejo de reconhecimento social. Em uma sociedade

em que o grau de sucesso pessoal é medido pela demonstração de riqueza, o

consumo de bens materiais é a forma de se buscar o tão desejado status, em uma

competitividade interpessoal que não encontra limites.271 Segundo Bauman, “nenhum

vizinho em particular oferece um ponto de referência para uma vida de sucesso;

uma sociedade de consumidores se baseia na comparação universal – e o céu é o

único limite.”272 Assim, não basta simplesmente possuir, é preciso possuir mais do

que os outros – mas quem são os outros?

Segundo Penna,

A profunda necessidade humana de valorizar-se, de ser respeitado pelos seus semelhantes manifesta-se, de forma crescente, pelo consumo. A simples compra de bens seria uma prova de auto-estima e um meio de aceitação social. Este aspecto psicossocial promove, em um círculo vicioso, uma competição publicitária cada vez mais acirrada, que estimula as pessoas a comprarem cada vez mais. Como alguém já observou, comentando sobre a cultura do consumo, as pessoas gastam um dinheiro que não possuem, para comprar coisas de que não necessitam, para impressionar pessoas que não conhecem.273

Entretanto, a necessidade pessoal de sentir-se valorizado e/ou inserido em

determinado(s) grupo(s) nunca consegue ser plenamente satisfeita através do

consumo. Tal fato ocorre por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque pode

ocorrer uma confusão entre a real necessidade do indivíduo e o bem consumido.

Muitas vezes o consumidor não procura exatamente determinado bem ou serviço,

mas uma solução para problemas pessoais, seja de auto-estima, autoconfiança,

auto-afirmação, etc. Assim, ainda que adquiridos bens de diversas espécies,

nenhum conseguirá satisfazer o seu adquirente, já que o que ele efetivamente

precisa (e inconscientemente busca) não pode ser comprado, pois transcende o

caráter material dos bens de consumo.

271 PENNA, op. cit., p. 42-44.272 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 90.273 PENNA, op. cit., p. 52.

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A compra de um bem considerado importante pelo grupo social ao qual o

indivíduo pertence produz uma imediata sensação de prazer e realização, e

geralmente confere status e reconhecimento a seu proprietário. Entretanto, essa

satisfação é fugaz, e à medida que o objeto de desejo deixa de ser novidade, retorna

a sensação de vazio interior.274 Isso gera um círculo vicioso, pois o consumidor

continuará buscando a prometida felicidade, e irá em busca da próxima compra, na

esperança de que a satisfação seja mais duradoura e mais significativa.

Além disso, ainda que a necessidade seja suprida em um primeiro momento

com a aquisição de determinado bem, logo surgirão outras necessidades de

consumo, ou outros produtos serão colocados no mercado, fazendo emergir tais

necessidades. Essa necessidade sempre crescente é fortemente estimulada pela

publicidade e pelos meios de comunicação em massa, mas um de seus principais

fundamentos é a “nova instantaneidade do tempo”.275

A instantaneidade diz respeito a uma cultura que é indiferente à eternidade e

que evita a durabilidade – e diante da incerteza do futuro, busca a satisfação de

forma instantânea. Para Singer, “ao contrário de muitas outras sociedades humanas,

mais estáveis e voltadas para as suas tradições, a nossa formação política e cultural

tem uma grande dificuldade de admitir valores a longo prazo”.276

Segundo Bauman,

Num mundo em que o futuro é, na melhor das hipóteses, sombrio e nebuloso, porém mais provavelmente cheio de riscos e perigos, colocar-se objetivos distantes, abandonar o interesse privado para aumentar o poder do grupo e sacrificar o presente em nome de uma felicidade futura não parecem uma proposição atraente, ou mesmo razoável. Qualquer oportunidade que não for aproveitada aqui e agora é uma oportunidade

274 Segundo Canclini, “Certas condutas ansiosas e obsessivas de consumo podem ter origem numa insatisfação profunda, segundo analisam muitos psicólogos. Mas em um sentido mais radical, o consumo se liga, de outro modo, com a insatisfação que o fluxo errático dos significados engendra. Comprar objetos, pendurá-los ou distribuí-los pela casa, assinalar-lhes um lugar em uma ordem, atribuir-lhes funções na comunicação com os outros, são os recursos para se pensar o próprio corpo, a instável ordem social e as interações incertas com os demais. Consumir é tornar mais inteligível um mundo onde o sólido se evapora.” (CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Trad. Maurício Santana Dias. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006, p. 65).275 BAUMAN, op. cit., p. 147.276 SINGER, Op. cit., p. 285.

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perdida; não a aproveitar é assim imperdoável e não há desculpa fácil para isso, e nem justificativa. 277

O caráter de durabilidade, que outrora era valorizado, nos dias de hoje perde

totalmente sua importância – quando não se transforma em uma característica

negativa, por poder representar uma privação diante de tantas possibilidades

colocadas à disposição. Diante de tantas opções de escolha, ficar restrito a apenas

uma delas é considerado perda de tempo – isso não ocorre somente no mercado de

consumo, mas também nas relações humanas.

Na sociedade de consumo, “tudo (ou quase tudo) é descartável”.278 Segundo

Bauman, “as modas vêm e vão com velocidade estonteante, todos os objetos de

desejo se tornam obsoletos, repugnantes e de mau-gosto antes que tenhamos

tempo de aproveitá-los.”279

A era do descartável é uma das principais causas da denominada sociedade

do desperdício. Nesse sentido, afirma Penna: “saudado como um símbolo de

modernidade, indicador de inequívoco progresso, o descartável é umas das

principais causas do consumo crescente de matérias-primas e, conseqüentemente,

do aumento da quantidade de lixo gerado”.280 281

A identificação com determinados modelos e imagens também é um dos

grandes propulsores da sociedade de consumo, já que os indivíduos buscam

preencher o seu vazio interior através de receitas prontas, postas à disposição no

mercado de consumo como se fossem verdadeiras mercadorias.

Nesse sentido, afirma Bauman:

277 BAUMAN, op. cit., p. 186-187.278 FAGUNDEZ, op. cit., p. 221.279 BAUMAN, op. cit., p. 186.280 PENNA, op. cit., p. 34.281 Nesse sentido, cabe ressaltar que “Numa economia de consumo sustentável, qualquer forma de desperdício seria ofensiva: as pessoas seriam tão preocupadas com a justiça e os valores morais dos outros seres humanos como com o seu próprio bem-estar material; e a preocupação natural dos seres humanos com a liberdade para aproveitar o aqui e agora seria acrescida de um sólido sentido de responsabilidade para com o destino do planeta e das gerações futuras.” (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 45).

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Não se compra apenas comida, sapatos, automóveis ou itens de mobiliário. A busca ávida e sem fim por novos exemplos aperfeiçoados e por receitas de vida é também uma variedade do comprar, e uma variedade da máxima importância, seguramente, à luz das lições gêmeas de que nossa felicidade depende apenas de nossa competência pessoal, mas que somos pessoalmente incompetentes, ou não tão competentes como deveríamos, e poderíamos, ser se nos esforçássemos mais.282

Na sociedade contemporânea, a felicidade muitas vezes é confundida com a

idéia de sucesso.283 Nesse contexto, para que o indivíduo seja considerado “bem-

sucedido” é preciso que possua grande capacidade de consumir bens e serviços –

ou, ao menos, aparente essa capacidade. Um alto padrão de consumo é buscado a

qualquer custo, em detrimento de valores como as relações humanas, o caráter, a

integridade, a preservação do meio ambiente. O “ser” foi superado pelo “ter”;

entretanto, não basta apenas “ter”, é preciso “parecer”.284

Nessa busca constante pelo sucesso – que pressupõe a aquisição de mais e

mais produtos e serviços – bens supérfluos acabam se tornando essenciais.285

Conforme Penna, “é bastante expressiva a quantidade de indivíduos que sacrificam

coisas essenciais – como alimentação, moradia, educação e saúde – para comprar

um veículo que lhes confira uma aura de bem-sucedidos.”286

Nesse contexto, a própria noção de essencialidade acaba distorcida, já que

constantemente novas necessidades são criadas ou percebidas. Entretanto, deve-se

atentar ao fato que, se as necessidades humanas são ilimitadas, os recursos

naturais não o são – o que demonstra que o atual modelo de desenvolvimento

socioeconômico é totalmente insustentável.287

282 BAUMAN, op. cit., p. 87.283 Segundo Peter Singer, “Uma ética ambiental rejeita os ideais de uma sociedade materialista na qual o sucesso é medido pelo número de bens de consumo que alguém é capaz de acumular. Em vez disso, ele avalia o sucesso em termos do desenvolvimento das aptidões individuais e da verdadeira conquista da satisfação e realização.” (SINGER, op. cit., p. 302).284 SPÍNOLA, op. cit., p. 212; PENNA, op. cit., p. 45.285 Entretanto, como ressalta o IDEC, “é muito difícil estabelecer o limite entre o consumo e o consumismo, pois a definição de necessidades básicas e supérfluas está intimamente ligada às características culturais da sociedade e do grupo a que pertencemos. O que é básico para uns pode ser supérfluo para outros e vice-versa”. (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Manual de educação para o consumo sustentável. Brasília: Consumers International/MMA/MEC/IDEC, 2005, p. 15).286 PENNA, op. cit., p. 40-41.287 Segundo Milaré, “É oportuno recordar que os recursos limitados e finitos da natureza não podem atender à demanda das necessidades ilimitadas e infinitas, tanto as sentidas naturalmente quanto aquelas geradas artificialmente pela sociedade humana em sua evolução histórica.” (MILARÉ, op. cit., p. 70).

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O atual modelo de desenvolvimento, que tem por base a exploração

indiscriminada do meio natural para possibilitar o crescimento ilimitado da produção

e do consumo, deve ser repensado. É preciso buscar um modelo que não seja tão

impactante, tanto socialmente quanto ecologicamente. Para tanto, é preciso fazer

uma reavaliação dos valores fundamentais da sociedade. Sem uma nova percepção

e sem uma efetiva mudança de comportamento, não haverá modo de tornar o

consumo sustentável.288

Segundo Feldmann,

O problema não é o consumo em si mesmo, mas os seus padrões e efeitos, no que se refere à conciliação de suas pressões sobre o meio ambiente e o atendimento das necessidades básicas da Humanidade. Para tanto é necessário desenvolver melhor compreensão do papel do consumo na vida cotidiana das pessoas.289

Diante do cenário atual, e sem desconsiderar a degradação ambiental

presente, deve-se questionar se hoje o indivíduo é realmente consumidor ou se é

apenas uma vítima da sociedade de consumo. Para Monteiro, “ambos, consumidor e

ambiente, são, assim, vítimas da mesma sociedade de consumo e de risco e ambos

reclamam, para sua defesa [...] a definição de uma política adequada e que atue

eficazmente.”290

Conforme Milaré, “não é só o desenvolvimento não-sustentável que causa a

degradação ambiental. O consumo não-sustentável também está na origem de

muitos dos nossos males ambientais”.291 Assim, não há como negar que o direito do

consumidor e o direito ambiental são temas estreitamente ligados, e que devem ser

tratados de maneira conjunta. Ainda mais que tanto o meio ambiente quanto o

consumo são protegidos pela ordem constitucional de forma a limitar a livre

iniciativa, e, em última instância, sua tutela visa a melhoria da qualidade de vida.292

288 SPÍNOLA, op. cit., p. 213-216.289 FELDMANN, Fábio. A parte que nos cabe: consumo sustentável? In: TRIGUEIRO, André (coord.). Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 143-157, p. 148.290 MONTEIRO, António Pinto. O papel dos consumidores na política ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, v. 3, n. 11, p. 69-74, jul./set. 1998, p. 71.291 MILARÉ, op. cit., p. 69.292 LOCATELLI, op. cit., p. 300; MILARÉ, op. cit., p. 74-75.

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Nas sociedades ocidentais modernas, o consumo “além de socialmente

injusto e moralmente indefensável, é ambientalmente insustentável”.293 De modo que,

se a sociedade de consumo é principal responsável pelo processo de destruição do

planeta Terra, é a partir dela que devem ser procuradas as soluções para esse

grave problema. Assim, a idéia de consumo sustentável torna-se um imperativo na

formulação de uma nova sociedade.294

O consumo sustentável, que nasce da mudança de atitude dos consumidores

e da sociedade em geral, é a forma de consumo que utiliza os recursos naturais

para satisfazer as necessidades atuais, sem comprometer as necessidades e

aspirações das gerações futuras.

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,

O consumo sustentável significa o fornecimento de serviços e de produtos correlatos, que preencham as necessidades básicas e dêem uma melhor qualidade de vida, ao mesmo tempo em que se diminui o uso de recursos naturais e de substâncias tóxicas, assim como as emissões de resíduos e de poluentes durante o ciclo de vida do serviço ou do produto, com a idéia de não se ameaçar as necessidades das gerações futuras.295

A idéia de sustentabilidade no consumo deve ser considerada de maneira

ampla, de forma a abranger todo o processo de produção e consumo. Assim, visa

não somente reduzir a utilização de recursos naturais, mas diminuir a quantidade de

rejeitos lançados na natureza.

Nesse sentido, cabe ressaltar que “a geração de lixo é diretamente

proporcional ao nosso consumo. Quanto mais consumimos e quanto mais recursos

naturais utilizamos, mais lixo produzimos”.296 Segundo Baudrillard, “sabe-se muito

293 PORTILHO, op. cit., p. 15; INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 16.294 A importância da sustentabilidade no consumo é destacada na própria Agenda 21 – importante referencial mundial nos caminhos a serem seguidos na questão ambiental –, que trata em seu capítulo 4 da necessidade de mudanças nos padrões de consumo, estabelecendo o exame dos padrões insustentáveis de produção e consumo e o desenvolvimento de políticas e estratégias nacionais para estimular mudanças nos padrões insustentáveis de consumo.295 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 65.296 INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL. Meio ambiente e consumo. Brasília: INMETRO, 2002, p. 16.

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bem como a abundância das sociedades ricas está associada com o desperdício”.297

De modo que a grande quantidade de lixo produzida pela sociedade contemporânea

é apenas um reflexo da grande quantidade de bens disponíveis no mercado de

consumo.

Sabe-se que os ricos consomem, desperdiçam e descartam muito mais que

os pobres. Todos precisam economizar os recursos naturais, reutilizar e reciclar os

produtos produzidos pela sociedade moderna, mas para que os países menos

desenvolvidos possam aumentar o seu consumo de maneira sustentável, os países

ricos e as elites dos países pobres devem diminuir drasticamente seu nível de

consumo. De modo que “todos os países e grupos sociais devem ter direitos

proporcionais no acesso e utilização dos recursos naturais, fortalecendo a eqüidade

intrageracional, além da intergeracional, ou seja, uma luta para que, além do nosso

futuro, nosso presente também seja comum”.298

Entretanto, o consumo sustentável não significa um nível específico de

consumo, uma busca do equilíbrio entre o baixo consumo causado pela pobreza e o

alto padrão de consumo proporcionado pela riqueza, mas representa um padrão

diferente de consumo para todo o mundo, independentemente do nível de renda.299

É preciso, então, tornar os consumidores mais conscientes de suas escolhas.

Para tanto, é necessário esclarecê-los a respeito dos custos ambientais dos

produtos que consomem. Isso significa levar em consideração diversos aspectos da

cadeia produtiva: os recursos utilizados, a energia despendida, a quantidade de

resíduos gerados, entre outros. Assim, produtos considerados ambientalmente

corretos poderão – e deverão – ter preferência sobre àqueles considerados

prejudiciais ao meio ambiente.300

Ressalte-se que, ao optar por bens ecologicamente corretos, o consumidor

estará contribuindo duplamente para a defesa do meio ambiente: diretamente,

exatamente por preferir a opção menos prejudicial ao ambiente; e indiretamente, sua

escolha poderá direcionar os caminhos a serem tomados pela produção.301

297 BAUDRILLARD, op. cit., p. 38.298 PORTILHO, op. cit., p. 135.299 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 65; SPÍNOLA, op. cit., p. 213-214.300 LOCATELLI, op. cit., p. 299; SPÍNOLA, op. cit., p. 215-216.301 MONTEIRO, op. cit., p. 72.

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No entanto, não basta apenas buscar produtos ambientalmente mais corretos,

ou reduzir o problema da atual insustentabilidade do consumo aos que mais

consomem; é preciso realizar profundas mudanças qualitativas e quantitativas na

forma de consumir.302 Ou seja, "devemos reduzir o consumo para o nível do

necessário".303 304

Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,

Mudar padrões de consumo, este é o desafio em que a humanidade se encontra. Em resumo: é preciso buscar formas de orientar o consumidor para que, de forma coletiva ou individual, perceba seu poder na preservação do meio ambiente, de maneira a ser possível a preservação da vida presente e das gerações futuras. A solidariedade social, sim, deve ser infinita.305

Assim, o consumo sustentável trata-se de uma nova forma de consumo,

comprometida com a sustentabilidade, e consciente das conseqüências das

escolhas diariamente realizadas. É, assim, mais abrangente que a idéia de

“consumo verde”, na qual o consumidor inclui a variável ambiental em seus critérios

de escolha, mas não é verdadeiramente incentivado a reduzir o seu consumo, mas

apenas a fazer escolhas ambientalmente menos prejudiciais.306

Nesse sentido, Singer acredita que o consumo verde seja apenas uma

solução provisória, consistindo em “um mero degrau para se chegar a uma ética em

que se questione a própria idéia de consumir produtos desnecessários”.307 Já Portilho

vê com reservas a proposta do consumo verde, por entender que se trata de uma

estratégia muito dependente de ações individuais, o que poderia enfraquecer a via

social, e reduzir o ideal de cidadania e a participação na esfera coletiva. Entende,

assim, que ações coletivas seriam mais desejáveis e eficazes para a mudança dos

302 MILARÉ, op. cit., p. 70.303 LOCATELLI, op. cit., p. 300.304 Segundo Baudrillard, “Todas as sociedades desperdiçaram, dilapidaram, gastaram e consumiram sempre além do estrito necessário, pela simples razão de que é no consumo do excedente e do supérfluo que, tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não só existir, mas viver.” (BAUDRILLARD, op. cit., p. 38).305 PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 7.306 PORTILHO, op. cit., p. 114-115; INSTITUTO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 18.307 SINGER, op. cit., p. 302

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atuais padrões de consumo, mesmo reconhecendo que as atuações coletivas

apresentam inúmeros desafios.308

De acordo com Spínola,

para adotar a ética da vida sustentável, os consumidores deverão reexaminar seus valores e alterar seu comportamento. A sociedade deverá estimular os valores quer apóiem esta ética e desencorajar aqueles incompatíveis com um modo de vida sustentável.309

Somente com a mudança de postura do consumidor é que este poderá deixar

de ser protagonista da degradação ambiental para se tornar agente ativo na luta

contra a degradação. A mudança de comportamento do consumidor é um processo

que requer sensibilização e mobilização social, e a informação é fundamental nesse

processo. Assim, para que haja maior conscientização, é necessário que o

consumidor tenha acesso à informação referente às atividades corporativas, para

que possa exercer melhor o seu poder de escolha, e preferir as empresas

socialmente responsáveis e comprometidas com a preservação do meio ambiente.

Para Locatelli,

Assim, o consumidor ao adquirir seus bens de consumo deve racionalizar a compra, e, além do boicote às empresas que fornecem produtos ou prestam serviços deficitários, privilegiando aquelas que cumprem com sua oferta, precaver-se no sentido de valorizar produtos que causaram o menor índice de degradação ambiental até chegar ao comércio, como também, aquelas cujo potencial de devastação pelo uso ou destinação final seja tolerável.310

308 PORTILHO, op. cit., p. 110-133.309 SPÍNOLA, op. cit., p. 213.310 LOCATELLI, op. cit., p. 299.

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Dar preferência a produtos de empresas que têm uma clara preocupação com

o meio ambiente, não compactuar com a ilegalidade, não consumir de forma a

prejudicar as gerações futuras, reclamar os seus direitos, colaborar para reduzir a

quantidade de lixo produzido, evitando o desperdício e a compra de produtos com

embalagens inúteis ou que demorem a se decompor, dar preferência a materiais

reciclados, saber identificar as empresas que são éticas em seu relacionamento com

os consumidores, os trabalhadores, os fornecedores, a sociedade e o Poder Público,

são algumas das ações do consumidor consciente.311 312

Assim, a atuação do consumidor pode ter reflexos positivos ou negativos

sobre a economia, o meio ambiente e o comportamento das empresas e dos

governos. De modo que o consumidor tem a responsabilidade de usar esse poder

não apenas em benefício próprio, mas para o de toda a coletividade.313 Para tanto, é

preciso a formação de uma nova consciência, construída através da educação

ambiental e da educação para o consumo.

Entretanto, não basta apenas se tornar mais consciente dos problemas

ambientais. É preciso adotar uma postura mais ativa, crítica e participativa. O

comportamento dos cidadãos em relação ao meio ambiente é indissociável do

exercício da cidadania, como será visto a seguir.

311 INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL. Direitos do consumidor e ética no consumo. Brasília: INMETRO, 2002, p. 59-62.312 Segundo Spínola, "As ações fundamentais para que o consumo sustentável passe a existir na prática são: a) promoção de padrões de produção e consumo que reduzam as pressões ambientais e ao mesmo tempo atendam às necessidades básicas da humanidade; b) conscientização da população para que entenda o custo ambiental do consumo; e c) desenvolvimento de políticas e estratégias nacionais de estímulo e mudança nesses padrões atuais." (SPÍNOLA, op. cit., p. 214-215).313 INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL, Direitos do consumidor e ética no consumo, op. cit., p. 41.

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3.3 O papel do indivíduo/consumidor na efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Diante do exposto, percebe-se que a efetivação do direito ao meio ambiente

sadio e ecologicamente equilibrado não depende de simples previsão normativa. Tal

direito, inclusive, já possui ampla proteção no ordenamento jurídico pátrio, que o ele-

va à condição de direito fundamental tutelado constitucionalmente como tal. De

modo que não basta à proteção do meio ambiente que ele esteja no rol de direitos

fundamentais tutelados pelo texto constitucional. É preciso que toda a sociedade es-

teja envolvida e comprometida com a sua realização.

Segundo Ihering,

A luta pelo direito subjetivo é um dever do titular para consigo mesmo. A de-fesa da própria existência é a lei suprema de toda vida: manifesta-se em to-das as criaturas por meio do instinto de autoconservação. No homem, po-rém, trata-se não apenas da vida física, mas também da existência moral; e uma das condições desta é a defesa do direito. [...] Não basta a concessão abstrata dessas condições de existência por parte do direito objetivo: neces-sário se torna que o sujeito do direito as defenda em cada caso concreto.314

Conforme já afirmado anteriormente, o fato de o meio ambiente ficar sob a

custódia do Estado não suprime o dever da sociedade de atuar na defesa do direito

do qual é titular. A proteção do meio ambiente é de responsabilidade de todos, já

que diz respeito ao futuro comum da humanidade. Assim, é preciso que todos parti-

cipem concretamente na defesa do meio ambiente, incorporando em todas as ações

a noção de responsabilidade social.

314 IHERING, op. cit., p. 41-42.

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A responsabilidade social é uma nova consciência do contexto social e cultu-

ral no qual se inserem as empresas e os cidadãos. Ela pode ser entendida como a

contribuição voluntária e direta destes para o desenvolvimento social e a criação de

uma sociedade mais justa e igualitária, por meio da condução correta de seus negó-

cios ou de suas ações pessoais.

Segundo Wiegerinck,

A responsabilidade tem em comum com a ética o fato de que ambas só existem se houver possibilidade de escolha. Tanto que um comportamento só pode ter um aspecto ético se houver opção, isto é, possibilidade de fazer diferentemente, como só há responsabilidade se tivesse sido possível agir (ou se omitir) de outra forma.315

Sob o enfoque empresarial, a responsabilidade social consiste em uma nova

forma de gestão, baseada em valores e atitudes éticas, e preocupada com o impacto

que suas atividades causam em todas as partes envolvidas – os chamados

stakeholders316 –, de forma a empresa se tornar co-responsável pelo

desenvolvimento social.

A responsabilidade social empresarial pode ser percebida em dois âmbitos

distintos: interno e externo. No âmbito interno, são considerados os parceiros nas

atividades empresariais: acionistas, investidores, administradores e funcionários. Já

no âmbito externo estão incluídas todas as relações com terceiros, tais como

credores, fornecedores, consumidores, concorrentes, comunidade, governo e meio

ambiente.

Assim, a conduta na administração dos negócios deve ser permeada pelo

comprometimento, integração e colaboração com a comunidade. Segundo Drucker,

as responsabilidades sociais são “as obrigações da entidade para com a sociedade

em que opera”.317 Ou, de acordo com a Comissão das Comunidades Européias, “a 315 WIEGERINCK, Jan. Responsabilidade social empresarial. Bem comum. São Paulo, v. 7, n. 78, p. 69-73, jan. 2003, p. 70.316 Segundo Ashley, stakeholders são “agentes sociais e econômicos cujos interesses afetam ou são afetados por uma empresa” (ASHLEY, Patrícia Almeida (coord.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 167).317 DRUCKER, Peter Ferdinand. Introdução à administração. Trad. Carlos Malferrari. 3. ed. 3. reimp. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002, p. 706.

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responsabilidade social das empresas é, essencialmente, um conceito segundo o

qual as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade

mais justa e para um ambiente mais limpo”.318

Entretanto, deve-se ressaltar que não são somente as atividades das

organizações que estão vinculadas a um compromisso social. Todos os indivíduos

têm sua parcela de responsabilidade perante a sociedade em que estão inseridos, e

devem proceder com tal comprometimento em todos os seus atos.

Nesse contexto, “a responsabilidade social empresarial deve ser

correspondida pela responsabilidade social do consumidor”.319 Da mesma forma, em

relação à questão ambiental, não somente os operadores do Direito devem buscar a

implementação das normas ambientais, vez que todos os indivíduos devem prestar

sua colaboração nesse processo de transformação social.

Todos podem e devem realizar ações que contribuam para a preservação do

meio ambiente. O consumidor, enquanto cidadão, deve agir tanto individualmente,

com sua atuação responsável, quanto coletivamente, de forma organizada, através

de associações e organizações não-governamentais.320 Além de colaborar com a

sustentabilidade através de sua própria conduta, o consumidor deve exigir perma-

nentemente uma postura ética das empresas, do governo e dos demais consumido-

res.321 Quanto às empresas, é inegável que também devam agir de forma social e

ambientalmente responsável em todas as suas atividades. Da mesma forma, o go-

318 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS. Livro Verde: promover um quadro europeu para a responsabilidade social das empresas. Bruxelas, 18.07.2001.319 INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Guia de responsabilidade social para o consumidor. São Paulo, IDEC, 2004, p. 5.320 MONTEIRO, op. cit., p. 74.321 Ademais, ao defender o direito ao meio ambiente, o indivíduo/cidadão estará colaborando com a manutenção de toda a ordem jurídica. Segundo Ihering, “Quem defende o direito subjetivo defende, em seu âmbito, o direito em geral. Dessa forma, o interesse pela atuação do titular e as conseqüências dessa atuação transcendem em muito a esfera puramente individual. O interesse geral ligado a essa atuação não é apenas o interesse ideal da manutenção da autoridade e da majestade da lei. Trata-se também de um interesse real e eminentemente prático, sentido por todos, mesmo porque aqueles que não tenham a menor compreensão pelo interesse ideal a que acabamos de aludir: é o interesse pela salvaguarda e manutenção de uma ordem permanente nas relações entre os indivíduos, que toca a cada um de nós em determinado setor. No dia em que o patrão não se atrever mais a fazer cumprir os regulamentos do trabalho, o credor, a fazer penhorar os bens do devedor, a massa dos compradores, a exigir a exatidão nos pesos e preços, nesse dia estará em perigo não apenas a autoridade ideal da lei, mas toda a ordem da vida civil terá sido sacrificada. Será difícil dizer até onde chegarão as conseqüências nefastas de tal estado de coisas. [...] A responsabilidade por tal estado de coisas não recai sobre a parcela da população que infringe a lei, mas sobre aquela que não tem coragem de lutar pela sua observância.” (IHERING, op. cit., p. 60-61).

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verno deve garantir os direitos dos cidadãos e implementar as normas ambientais

estabelecidas, através de políticas públicas, programas de educação ambiental e in-

centivo ao consumo sustentável.322

Assim, a responsabilidade no consumo pode ser considerada um

desdobramento da responsabilidade social, já que significa que o consumidor deve

refletir sobre seus hábitos de consumo e fazer as melhores escolhas, além de exigir

constantemente uma postura ética e ambientalmente responsável das empresas, do

governo e dos demais consumidores.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC,

Para o consumidor mais atento, não é difícil perceber a estreita relação entre seus hábitos de consumo e os graves problemas ambientais e sociais que afetam o mundo todo. Assim, cada vez mais consumidores compreendem que é preciso frear e direcionar suas escolhas, de forma a promover o desenvolvimento sustentável. De outro modo, não será possível universalizar o acesso aos bens essenciais e garantir a preservação dos recursos naturais necessários para a sobrevivência das gerações atuais e futuras. 323

De modo que os consumidores devem exigir, além de produtos e serviços de

qualidade a um preço justo, que os fornecedores que estejam comprometidos com a

melhoria da qualidade de vida de sua comunidade, o que inegavelmente inclui a

preservação do meio ambiente, já que o consumo consciente e responsável é a

principal manifestação de responsabilidade social do cidadão.324

O consumidor deve ser incentivado a fazer com que o seu ato de consumo

seja também um ato de cidadania, ao escolher em que mundo quer viver. Cada

322 INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 24.323 INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Guia de responsabilidade social para o consumidor, op. cit., p. 11.324 Para o IDEC, “A atitude dos consumidores está mudando. Além de preço e qualidade, eles estão cada vez mais atentos a aspectos relacionados ao comportamento das empresas, como o respeito aos direitos humanos, trabalhistas e dos consumidores; a normas de preservação ambiental; à ética na publicidade e nas práticas empresariais; a promoção do bem-estar social; etc. A transparência das empresas em relação a essas informações também passa a ser valorizada, tornando-se a principal ferramenta para o consumo consciente e cidadão.” (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Guia de responsabilidade social para o consumidor, Op. cit., p. 11).

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pessoa deve escolher produtos e serviços que satisfaçam suas necessidades sem

prejudicar o bem-estar da coletividade, seja ela atual ou futura.

Para Rossit e Canepa,

Nessa perspectiva, em que se consta uma responsabilidade social perante o meio ambiente (que deve ser executada não só pelo Estado, mas pela coletividade como um todo), coloca-se o homem como integrante da comunidade biota, claramente perceptível no art. 3º da Lei 6.938/81, e que faz com que a solidariedade e comunhão de interesses entre o homem e a natureza sejam condição imprescindível para assegurar o futuro da humanidade no planeta.325

Embora seja a parte mais vulnerável na relação de consumo, em termos de

preservação do meio ambiente o consumidor tem grande poder, já que possui o

poder de escolha sobre os produtos e serviços à sua disposição no mercado.

Entretanto, esse poder somente poderá ser efetivamente exercido quando os

indivíduos tiverem conhecimento de sua existência e, principalmente, de sua força.

Para tanto, o consumidor deve ter acesso à informação e à educação, para que

possa ter consciência do seu poder de decisão e das conseqüências geradas com o

seu consumo.

Para Derani,

uma ampla informação e esclarecimento dos cidadãos bem como um traba-lho conjunto entre organizações ambientalistas, sindicatos, indústria, comér-cio e agricultura é fundamental para o desenvolvimento de políticas ambien-tais efetivas e para a otimização da concretização de normas voltadas à pro-teção do meio ambiente.326

Nesse contexto, a educação e a informação mostram-se instrumentos

fundamentais na efetivação do direito fundamental ao meio ambiente sadio e

ecologicamente equilibrado. Isso ocorre porque a proteção do meio ambiente está

325 ROSSIT, Liliana Allodi; CANEPA, Carla. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v. 11, n. 42, p. 244-251, jan.-mar. 2003, p. 247.326 DERANI, Direito ambiental econômico, op. cit., p. 161.

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estreitamente relacionada a hábitos saudáveis de consumo, e o consumo

sustentável, à formação de uma nova consciência.

Nesse sentido, a educação ambiental é indispensável na construção de uma

nova consciência, em que haja responsabilidade em todas as atividades

desenvolvidas – e entre elas, o consumo. Para Canepa, “tem-se que ter sempre em

mente que educação e cidadania são indissociáveis: quanto mais o cidadão for

educado, em todos os níveis, mais será capaz de lutar e exigir seus direitos e

cumprir seus deveres”.327

Segundo Duarte,

[...] para a assunção dessa nova responsabilidade social por parte dos diversos setores sociais coobrigados à defesa e proteção do direito do meio ambiente sadio, obtendo-se a participação popular na política ambiental, imprescindível é a construção e amadurecimento de uma cidadania ambiental, na qual possam ser implementados os direitos à educação e conscientização ambiental tratados no art. 225, § 1º, inc. VI da Constituição Federal.328

Da mesma forma que a educação e a cidadania, o consumo e a cidadania

também possuem múltiplas conexões. Ser consumidor e ser cidadão não são formas

de atuação social excludentes entre si – ao contrário, podem e devem ser

complementares.

Diante do processo de enfraquecimento do Estado, da degradação da política

e da crescente descrença nas instituições, a sociedade civil acaba por se distanciar

de suas instituições representativas. Atualmente, instrumentos tradicionais de

participação – tais como partidos políticos, sindicatos, associações de base –

perdem espaço, já que muitos indivíduos demonstram desconfiança ou desilusão

com as burocracias estatais, partidárias e sindicais. Ao mesmo tempo, surgem

outras formas de participação coletiva, e outros canais, tais como os meios de

comunicação em massa, muitas vezes são procurados por quem busca justiça,

prestação de serviços ou simplesmente atenção aos seus problemas.329

327 CANEPA, op. cit., p. 159.328 DUARTE, op. cit., p. 528.329 MARTÍN, op. cit., p. 16-17; CANCLINI, op. cit., p. 39.

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Nesse contexto, o consumo pode representar uma forma de exercício da

cidadania, já que ser cidadão não diz respeito apenas a determinados direitos

conferidos aos membros de um Estado-nação, mas também a práticas sociais e

culturais que dão sentido de pertencimento e identidade.330 Assim, “se nossas

identidades se definem também pelo consumo, poderíamos vincular o exercício da

cidadania e a participação política às atividades de consumo, já que é nestas

atividades que sentimos que pertencemos e que fazemos parte de redes sociais”.331

Para aproximar a cidadania do consumo é preciso despertar novamente o

interesse pelo público,332 e perceber o consumo “como um lugar de valor cognitivo,

útil para pensar e atuar, significativamente, na vida social”.333

Segundo Canclini,

No entanto, quando se reconhece que ao consumir também se pensa, se escolhe e reelabora o sentido social, é preciso se analisar como esta área de apropriação de bens e signos intervém em formas mais ativas de participação do que aquelas que habitualmente recebem o rótulo de consumo. Em outros termos, devemos nos perguntar se ao consumir não estamos fazendo algo que sustenta, nutre e, até certo ponto, constitui uma nova maneira de ser cidadãos.334

Sabe-se que a idéia de aproximar cidadania e consumo não representa um

consenso entre os autores. Milton Santos, por exemplo, entende que as figuras do

consumidor e do cidadão não podem se confundir, já que representam esferas

fundamentalmente opostas. Em seus termos:

330 CANCLINI, op. cit., passim; PORTILHO, op. cit., p. 194-195; INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 21.331 INSTITUTO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 15.332 Para o IDEC, “As atividades de consumo operam na interseção entre vida pública e privada. O debate sobre a relação entre consumo e meio ambiente pode ser uma forma de politização do cotidiano, recuperando as pontes entre estas duas esferas. Através desse debate, a questão ambiental finalmente pode ser colocada num lugar em que as preocupações privadas e as questões públicas se encontram.” (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 22).333 CANCLINI, op. cit., p. 72.334 Ibidem, p. 42.

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Consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão, É certo que no Brasil tal oposição é menos sentida, porque em nosso país jamais houve a figura do cidadão.335

Entretanto, ainda que a estreita relação existente entre meio ambiente–

cidadania–consumo não seja percebida claramente por alguns, não há como afirmar

que o consumo seja uma atividade totalmente neutra e despolitizada. Ao

desenvolverem as atividades de consumo, os indivíduos constantemente realizam

escolhas, o que significa que constantemente também manifestam suas prioridades,

seus valores, sua visão de mundo. De modo que as decisões tomadas não estão

relacionadas apenas ao mercado de consumo, pois envolvem muitas vezes a busca

de uma identidade, uma escolha política, a preponderância de um valor ético, a

preocupação (ou não) com a natureza, entre tantos outros possíveis fatores

determinantes.

Mesmo que não existam respostas prontas aos problemas e aos desafios que

se apresentam, é possível perceber que a aproximação entre o consumo e a

cidadania é um elemento-chave para a melhoria da questão ambiental. Se a

sociedade de consumo é responsável por grande parte da degradação ambiental

existente, ela também pode – e deve – ser um importante instrumento no

enfrentamento deste grave problema.

Para tanto, é preciso repensar valores e reavaliar alguns conceitos

amplamente aceitos na sociedade contemporânea. Nesse sentido, a própria crise

paradigmática existente pode proporcionar um momento privilegiado de reflexão, e –

por que não? – ser uma propulsora de grandes mudanças na sociedade.336

335 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 49.336 BITTAR, op. cit., p. 178.

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Segundo Morin,

As situações de crise são favoráveis, ao mesmo tempo, às tomadas de consciência e às reformas, mas simultaneamente às soluções ilusórias e às regressões de consciência. É exatamente isso que acontece na gigantesca era crísica e crítica que sacode o planeta. Esta pode favorecer a rápida propagação das idéias reformadoras e abrir formidáveis possibilidades transformadoras.337

Essa possibilidade de transformação do atual contexto também é defendida

por Feldmann:

A crise que vivemos, enquanto Humanidade, oferece uma oportunidade única de revisão dos valores por ela praticados em todos os momentos, desde os atos mais simples do cotidiano, nos quais o consumo se insere. Este, cada vez mais, deve ser encarado não apenas como mera estratégia física, mas como parte de uma estratégia maior na busca de reconhecimento social de cada indivíduo perante seus pares e na procura de satisfação existencial.338

Assim, a crise existente na sociedade contemporânea pode representar uma

grande oportunidade de reflexão, e a possibilidade de reformulação do pensamento

antropocêntrico e individualista ainda predominante, com a alteração de

determinados comportamentos que são determinantes para o ocasionamento dos

problemas ambientais presentes atualmente e que atingem todo o planeta.

Cotidianamente a crise ecológica demonstra de forma clara a sua existência e

a sua gravidade. De modo que se mostra urgente a assunção de certas atitudes

para que tal crise possa ser, senão solucionada, ao menos minimizada. Se nada for

feito, a ampla proteção jurídica conferida ao meio ambiente pode restar sem

qualquer resultado prático. A simples inclusão do direito ao meio ambiente no rol dos

direitos fundamentais protegidos constitucionalmente não garante sua efetiva

proteção. Todos os cidadãos devem exigir seu direito a viver em um meio ambiente

337 MORIN, O método, op. cit., p. 177.338 FELDMANN, op. cit., p. 156-157.

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sadio e ecologicamente equilibrado, e, ao mesmo tempo, colaborar para que esse

direito seja efetivado.

Entretanto, nem sempre o cidadão percebe claramente o papel que exerce na

sociedade e a influência que pode exercer em relação ao futuro do planeta. Muitas

vezes tampouco percebe a importância do poder político que detém enquanto

consumidor, ao realizar diariamente suas escolhas no mercado de consumo. De

forma que o problema ambiental pode parecer com dimensões demasiadamente

amplas para que possa ser solucionado através de ações individuais.

Para Feldmann,

É impossível não sentir individualmente uma enorme pequenez perante o problema, se o que temos visto é a incapacidade das instituições de apresentar, em curto prazo, soluções concretas para os problemas mencionados. Se as Nações Unidas enquanto principal instituição mundial não consegue, por exemplo, levar adiante a implementação da Agenda 21, o que cada um de nós poderia fazer na direção de uma sociedade diferente da presente? A primeira grande dificuldade que temos é compreender que as transformações necessárias se dão em campos, esferas e tempos diferentes.339

No entanto, a dimensão dos problemas existentes não pode ocasionar a

acomodação diante da situação presente. Ao contrário, deve servir de estímulo para

o enfrentamento destes problemas, e ainda ser motivadora para uma mudança no

comportamento dos cidadãos. Ademais, “o conformismo generalizado, a perda do

espaço público, o declínio da política e a aversão à limitação e à auto-limitação têm

como resultado a apatia e o sofrimento humano, gerando incerteza, insegurança e

falta de garantias quanto ao futuro”.340

Durante suas atividades, o consumidor pode se submeter integralmente aos

interesses e às imposições do mercado, ou pode desafiar as regras que

constantemente tentam se impor no mercado de consumo. De modo que “se o

consumo pode nos levar a um desinteresse pelos problemas coletivos, pode

339 FELDMANN, op. cit., p. 147.340 PORTILHO, op. cit., p. 183.

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também nos levar a novas formas de associação, de ação política, de lutas sociais e

reivindicação de nossos direitos”.341

Assim, a concepção contemporânea de cidadania, que envolve também a

participação ativa do indivíduo na sociedade – e não o mero reconhecimento formal

de determinados direitos – assume papel de destaque na efetivação dos direitos

constituídos, e entre eles, o direito fundamental ao meio ambiente sadio e

ecologicamente equilibrado.

Segundo Portilho,

Assim, enquanto a visão liberal da cidadania a limita a conquistas legais ou ao acesso a direitos previamente reconhecidos, a nova cidadania redefine a noção de direitos, incorporando “o direito a ter direitos”, ou seja, a invenção/constituição de novos direitos que emergem de lutas específicas e práticas concretas. Enquanto a visão liberal da cidadania se vincula a uma estratégia das classes dominantes e do Estado para a incorporação política progressiva dos setores excluídos, com vistas a uma maior integração social, ou como condição jurídica e política indispensável à instauração do capitalismo, a nova cidadania requer a constituição de sujeitos sociais ativos que definam o que consideram ser os seus direitos e lutem por seu reconhecimento.342

De maneira que, enquanto o consumo for visto de forma fragmentada e

individual, perder-se-á a oportunidade de tornar o consumidor co-responsável pelas

condições sociais e ambientais do mundo em que vive. Somente quando a atividade

de consumo for considerada de forma mais abrangente, e como atividade social que

é, o indivíduo não será somente mais um consumidor preocupado apenas com seus

interesses individuais e indiferente ao coletivo, mas um cidadão responsável343 pela

sociedade planetária em que vive, em pleno exercício de sua cidadania.

341 INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 21.342 PORTILHO, op. cit., p. 192.343 Conforme Boff, “sentir-se responsável é sentir-se sujeito de ações que podem dar-se num sentido de benevolência para com a natureza e os outros seres ou num sentido de agressão e submetimento”. (BOFF, Ethos mundial, op. cit., p. 91).

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No entanto, para que possa haver a efetiva participação dos cidadãos na vida

coletiva, é preciso resgatar o sentido individual de comprometimento e de

solidariedade com a sociedade. Sem o resgate de valores como ética e

responsabilidade, não há como falar em qualquer mudança neste sentido. Para

tanto, a informação e a educação são elementos fundamentais na construção de

uma nova consciência e na reconstrução da cidadania.344

Nesse contexto, a educação ambiental mostra sua basilar importância na

formulação de uma nova sociedade, uma vez que “educação, ética e cidadania

andam em compasso”.345 Da mesma forma, é fundamental continuar desenvolvendo

o debate acerca da relação entre meio ambiente e consumo, para possibilitar que a

atividade de consumo passe de propulsora da degradação ambiental a elemento-

chave da sustentabilidade. Somente dessa forma o consumidor poderá se tornar

cada vez mais cidadão.

344 Para o IDEC, o despertar da cidadania “é quando a noção de direitos e deveres transcende meros interesses individuais para traduzir uma nova visão de mundo, que reflete a responsabilidade de cada pessoa na construção de valores coletivos plenos, plurais e democráticos que assegurem o bem-estar humano e o respeito a todas as formas de vida em suas mais variadas manifestações. Entre esses valores coletivos se consagram o direito que todos temos a um meio ambiente saudável e igualmente o dever ético, moral e político de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Manual de educação para o consumo sustentável, op. cit., p. 6).345 BITTAR, op. cit., p. 296.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da atual situação da sociedade contemporânea, percebe-se que a

ampliação e a efetivação da proteção do meio ambiente é um imperativo nos dias de

hoje. Com o presente cenário de degradação ambiental, não há possibilidade de se

procrastinar qualquer decisão ou de se adiar qualquer tomada de atitude em relação

ao enfrentamento da crise ecológica.

Constantemente a natureza emite sinais evidentes do resultado da

interferência causada no equilíbrio do ecossistema global através da ação do

homem sobre a biosfera: as mudanças climáticas, a destruição da camada de

ozônio, o esgotamento e/ou escassez de determinados recursos naturais, o

desaparecimento acelerado de diversas espécies, os problemas ambientais em

diversas regiões e em aglomerados urbano-industriais, entre tantos outros.

Diante de todos esses problemas ambientais, conclui-se que muitas vezes a

tutela jurídica conferida ao meio ambiente não é suficiente para a sua efetiva

proteção, seja em âmbito local ou global. Isso não significa que não existam normas

jurídicas que disciplinem a matéria referente a proteção do meio ambiente, ou que

as normas ambientais existentes são desrespeitadas no todo.

Ocorre que, diante da amplitude da problemática ambiental, a simples

imposição de determinadas normas jurídicas mostra-se insuficiente para o

enfrentamento da questão. Os problemas que envolvem o meio ambiente não têm

origem em uma única causa – ao contrário, resultam de uma confluência de fatores.

Para redefinir os rumos da questão ambiental é preciso que não apenas o Estado,

mas toda a sociedade esteja comprometida com o processo de construção de uma

sociedade mais justa e sustentável.

Nesse sentido, impõe-se para a sociedade contemporânea o despertar de

uma nova consciência, menos individualista e mais comprometida com a

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coletividade. Somente desse modo será possível a reformulação da sociedade

através de valores como a fraternidade, o respeito ao próximo e a solidariedade.

O alcance global dos problemas ambientais não deixa margem para dúvidas:

para a viabilidade do planeta não há outro caminho senão a solidariedade entre os

indivíduos e a cooperação entre os povos. O individualismo predominante, que fazia

desconhecer os problemas enfrentados por outros países, não pode mais ter lugar.

Os problemas ambientais não conhecem fronteiras, de modo que são de interesse

global.

Além disso, o foco da sociedade contemporânea não pode mais estar

direcionado somente para a produção de riquezas, mas para a sua distribuição e

sua melhor utilização. Nesse contexto, mostra-se fundamental a noção de

desenvolvimento sustentável, já se trata de um modelo de desenvolvimento que

busca harmonizar o desenvolvimento socioeconômico e a preservação do meio

ambiente.

É preciso repensar o atual modelo de desenvolvimento, que tem por base a

exploração indiscriminada do meio natural para possibilitar o crescimento ilimitado

da produção e do consumo, e buscar um modelo que não seja tão impactante, tanto

socialmente quanto ecologicamente. Somente desse modo será possível deixar uma

herança às futuras gerações que não seja composta apenas de degradação e

escassez.

A atual sociedade de consumo proporciona altos níveis de consumo, que se

mostram totalmente insustentáveis pelos danos que acarretam ao meio ambiente,

não só por utilizar uma quantidade de recursos muito maior que a capacidade de

regeneração da natureza, como pela quantidade de resíduos lançados no ambiente.

Diante desse cenário, demonstra-se a premente necessidade de se alterar os

padrões atuais de consumo.

Nesse sentido, o consumo pode passar de uma atividade propulsora da

degradação ambiental a elemento-chave da sustentabilidade, podendo contribuir

para a superação da crise ambiental. Para tanto, é preciso que o consumo seja visto

sob uma perspectiva mais ampla e complexa, não só como atividade social com

inúmeros reflexos na sociedade, mas como forma de exercício da cidadania.

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Ser consumidor e ser cidadão não são formas de atuação social excludentes

entre si – ao contrário, podem e devem ser complementares. Assim, o consumo

pode representar uma forma de exercício da cidadania, já que ser cidadão não diz

respeito apenas a titularidade de determinados direitos conferidos aos membros de

um Estado-nação, mas também a práticas sociais e culturais que dão sentido de

pertencimento e identidade.

A atuação do consumidor pode ter reflexos positivos ou negativos sobre a

economia, o meio ambiente e a sociedade como um todo. Assim, o consumidor tem

a responsabilidade de usar esse poder não apenas em benefício próprio, mas para o

de toda a coletividade. Somente com a mudança de postura do consumidor é que

este poderá deixar de ser protagonista da degradação ambiental para se tornar

agente ativo na luta contra a degradação.

A mudança de comportamento do consumidor é um processo que requer

sensibilização e mobilização social. Para tanto, é preciso conscientizar e estimular

os indivíduos a agirem com comprometimento e em prol do interesse comum – o

que não se consegue apenas com a criação de dispositivos legais, que são

insuficientes para uma mudança de postura. Sem uma mudança nos valores que

orientam a sociedade através da educação ambiental, não há como alcançar os

objetivos do desenvolvimento sustentável.

É preciso modificar a forma de pensar e de agir em relação à natureza. A

visão antropocêntrica, que parecia autorizar o ser humano a dominar a natureza, e

dela se utilizar como se a sua existência fosse exclusivamente para satisfazer as

necessidades humanas, deve ser substituída por uma visão mais ampla e

comprometida com as futuras gerações, com base em uma consciência planetária e

humanista.

Nesse sentido, também são de grande importância as políticas públicas

voltadas para o alcance da sustentabilidade. Diante da atual situação de degradação

socioambiental não é mais possível que se continue atendendo somente aos

interesses econômicos, e à busca do crescimento incessante. O Estado deve

estabelecer e implementar ações governamentais que visem a efetiva proteção do

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meio ambiente – bem de uso comum do povo, e consagrado como direito

fundamental essencial à sadia qualidade de vida.

No entanto, é preciso reconhecer também que o fato de o meio ambiente ficar

sob a custódia do Estado não suprime o dever da sociedade de atuar na defesa do

direito do qual é titular. A proteção do meio ambiente é de responsabilidade de

todos, já que diz respeito a um futuro comum. Assim, é preciso que todos participem

concretamente na defesa do meio ambiente, realizando ações que contribuam para

a preservação do meio ambiente.

De modo que se mostra urgente a assunção de certas atitudes para que a cri-

se ambiental possa ser, senão solucionada, ao menos minimizada. Se nada for feito,

a ampla proteção jurídica conferida ao meio ambiente pode restar sem qualquer re-

sultado prático. A simples inclusão do direito ao meio ambiente no rol dos direitos

fundamentais protegidos constitucionalmente não garante sua efetiva proteção. To-

dos os cidadãos devem exigir seu direito a viver em um meio ambiente sadio e eco-

logicamente equilibrado, e, ao mesmo tempo, colaborar para que esse direito seja

efetivado.

Se a sociedade de consumo é responsável por grande parte da degradação

ambiental existente, ela também pode – e deve – ser um importante instrumento no

enfrentamento deste grave problema. Para tanto, é preciso repensar valores e

reavaliar alguns conceitos amplamente aceitos na sociedade contemporânea. Nesse

sentido, a própria crise paradigmática existente pode proporcionar um momento

privilegiado de reflexão, e até ser uma propulsora de grandes mudanças na

sociedade.

Ainda que não existam respostas prontas aos problemas que se apresentam,

é preciso prosseguir na busca de alternativas para a efetiva proteção do meio ambi-

ente, direito fundamental tutelado pela ordem constitucional. Para tanto, é preciso

que toda a sociedade esteja envolvida e comprometida com a sua realização. De

modo que é possível concluir que o exercício da cidadania tem papel fundamental

para que o meio ambiente seja efetivamente protegido, conforme impõe a Constitui-

ção Federal de 1988.

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