DEBATE ETERNO. PL do licenciamento ambiental deve ficar ... - PL do... · “Nós vimos o que...

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Em Destaque DIÁRIO COMÉRCIO INDÚSTRIA & SERVIÇOS SÁBADO, DOMINGO E SEGUNDA- FEIRA, 14, 15 E 16 DE JULHO DE 2018 A3 DEBATE ETERNO. Considerado por muitos a solução para destravar a concessão de licenças em atividades como mineração e agronegócio, a nova lei esbarra em pontos polêmicos e eleições PL do licenciamento ambiental deve ficar somente para 2019 LEGISLAÇÃO Ricardo Bomfim São Paulo [email protected] Em um ano que os desastres ambientais voltaram à tona, havia a expectativa de que o Projeto de Lei que altera as exi- gências para o licenciamento ambiental no Brasil fosse pau- tado no Congresso, mas elei- ções e pontos polêmicos em- perraram as discussões. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), manifestou em feve- reiro o desejo de colocar em pauta o Projeto de Lei 3.729/2004, conhecido como Lei do Licenciamento Ambien- tal. “Tem um acordo da banca- da do meio ambiente com a do agronegócio, o que certamente é uma boa sinalização para mostrar que há o desejo de se criar um novo mecanismo que garanta segurança jurídica para quem vai investir, mas também assegure limites da preservação do meio ambiente”, disse o par- lamentar à época. No entanto, cinco meses se passaram e o caso ainda não foi solucionado. Conforme a sócia do Bichara Advogados, Luciana Gil, há duas fontes principais de embate entre empresários do agronegócio e das indústrias ex- trativas e os ambientalistas no âmbito do projeto. Trata-se da possibilidade de realizar em- preendimentos em terras indí- genas não homologadas sem consultar a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a de desobri- gar os produtores rurais de pe- direm licenciamento sempre que forem cultivar novas terras. “Hoje, qualquer construção em terra indígena precisa de consulta à Funai. Mas como vincular o licenciamento à con- sulta em uma terra que não está homologada?”, questiona a ad- vogada. Para Luciana, também é importante delimitar com mais clareza a questão da ativi- dade agropecuária. “Os am- bientalistas consideram que tem que haver licenciamento não importa o impacto que aquela atividade vai causar.” A especialista lembra que, ho- je, o licenciamento varia depen- dendo da localização. “Tem es- tado em que [o licenciamento] depende do número de hecta- res. Há outros em que além dis- so ainda existe a demanda de um estudo de impacto ambien- tal”, acrescenta. Luciana Gil acredita que caso o texto do PL atualmente em trâmite no Congresso seja apro- vado na Câmara dos Deputados e no Senado, mantendo essas duas questões, há uma possibi- lidade grande de judicialização da matéria. “Nós vimos o que aconteceu com o Código Flo- restal [Lei 12.651/2012], que chegou até o Supremo Tribunal Federal [STF]. São situações di- ferentes, mas a raiz do debate é a mesma”, entende. A sócia do Siqueira Castro Ad- vogados, Simone Paschoal No- gueira, que participou da elabo- ração do texto do projeto de lei, afirma que sua maior preocupa- ção é com a possibilidade da re- dação do PL ser desfigurada por emendas parlamentares. “Torço para que a lei saia este ano, apesar das eleições, mas desde que não haja uma mudança brusca no texto. Uma regra ruim é pior do que a falta de regra”, avalia. O risco da introdução de emen- das é real por conta da sensibili- dade da questão, que envolve muitos interesses diferentes e an- tagônicos. Além disso, a incerteza a respeito do cenário eleitoral também traz no horizonte a in- definição sobre quais serão as pautas do próximo governo. “Te- mos novamente uma mudança de ministérios no ano que vem, com a possibilidade de vir uma nova avaliação sobre o projeto”, pondera a especialista. Reflexos trágicos Para o sócio do Lima Feigelson Advogados, Bruno Feigelson, a realidade do licenciamento am- biental no Brasil se tornou mais difícil depois da tragédia da Sa- marco, com rompimento de barragem em Bento Rodrigues (MG) em 2015. “O técnico dos órgãos ambientais sabe que po- de sofrer responsabilização até criminal em caso de algum pro- blema. Desde então tem saído pouco licenciamento de grande porte”, relata. Recentemente, o Ministério Público (MP) e outros órgãos as- sinaram um Termo de Ajusta- mento de Conduta (TAC) com a Vale e a BHP Billiton para aque- les que foram atingidos pelos efeitos da tragédia social e am- biental participem das decisões sobre programas de recupera- ção que hoje são implementa- dos pela fundação Renova. Simone Paschoal entende que uma legislação mais deta- lhada sobre o que vale e o que não vale no tocante ao licencia- mento ambiental ajudará a re- duzir esses casos de acidentes com graves consequências só- cio-ambientais porque haverá menos discussão antes da licen- ça e mais fiscalização depois. “Para o ambientalista, há uma visão de que a licença é o último momento em que o órgão regu- lador vai ter contato com o em- preendimento, mas não deveria ser assim”, destaca. A advogada defende que os órgãos técnicos tenham mais recursos para poderem atuar, com conceitos mais claros de operação. “Teremos agora um conteúdo mínimo para licença de instalação. Isso vai ajudar, embora talvez não resolva, pois há necessidade de mais fiscali- zação. Falta aparelhamento téc- nico e mão de obra.” Outro problema lembrado pelos especialistas é o conflito entre os entes governamentais, já que tanto a União quanto os estados e os municípios podem fazer licenciamentos ambien- tais dependendo do projeto. Luciana Gil ressalta que um decreto de 2015 trouxe mais de- talhes sobre o que é competên- cia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além da previsão expressa para o que ocorre em terras indíge- nas e de fronteira, mas que o in- teresse da arrecadação turva es- se tipo de debate. “Isso gera até problemas de segurança.” DIVULGAÇÃO/DREAMSTIME Os licenciamentos de projetos de mineração se tornaram um grande desafio depois dos recentes desastres ambientais envolvendo o setor LONGA ESPERA PROJETO ESTÁ PARADO DESDE 2004 O Projeto de Lei 3.729/2004, de autoria do então deputado Luciano Zica, tramita há mais de dez anos no Congresso Nacional. Em fevereiro, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), citou uma possibilidade de acordo em torno da proposta. Já em março, ele disse que o projeto seria colocado em votação no plenário até abril. O PL define que qualquer empreendimento que use recursos ambientais ou que tenha a possibilidade de causar degradação ao meio ambiente terá que passar por um licenciamento nas fases de construção, instalação, ampliação e operação. Os principais pontos de polêmica entre as empresas e ambientalistas atualmente são a realização de empreendimentos em terras indígenas não homologadas sem a consulta prévia à Funai e a não exigência de licenciamento para alguns tipos de projetos do agronegócio, tais quais a pecuária extensiva, o cultivo de espécies temporárias e pesquisas agropecuárias. A última versão do projeto de lei é do ano passado com parecer do deputado Mauro Pereira (MDB-RS). PL desobriga a licença para algumas atividades do agronegócio

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Em DestaqueDIÁRIO COMÉRCIO INDÚSTRIA & SERVIÇOS � SÁBADO, DOMINGO E SEGUNDA- FEIRA, 14, 15 E 16 DE JULHO DE 2018 A3

DEBATE ETERNO. Considerado por muitos a solução para destravar a concessão de licenças ematividades como mineração e agronegócio, a nova lei esbarra em pontos polêmicos e eleições

PL do licenciamento ambientaldeve ficar somente para 2019L E G I S L AÇ ÃO

Ricardo BomfimSão [email protected]

�Em um ano que os desastresambientais voltaram à tona,havia a expectativa de que oProjeto de Lei que altera as exi-gências para o licenciamentoambiental no Brasil fosse pau-tado no Congresso, mas elei-ções e pontos polêmicos em-perraram as discussões.O presidente da Câmara dosDeputados, Rodrigo Maia(DEM-RJ), manifestou em feve-reiro o desejo de colocar empauta o Projeto de Lei3.729/2004, conhecido comoLei do Licenciamento Ambien-tal. “Tem um acordo da banca-da do meio ambiente com a doagronegócio, o que certamenteé uma boa sinalização paramostrar que há o desejo de secriar um novo mecanismo quegaranta segurança jurídica paraquem vai investir, mas tambémassegure limites da preservaçãodo meio ambiente”, disse o par-lamentar à época.

No entanto, cinco meses sepassaram e o caso ainda não foisolucionado. Conforme a sóciado Bichara Advogados, LucianaGil, há duas fontes principais deembate entre empresários doagronegócio e das indústrias ex-trativas e os ambientalistas noâmbito do projeto. Trata-se dapossibilidade de realizar em-preendimentos em terras indí-genas não homologadas semconsultar a Fundação Nacionaldo Índio (Funai) e a de desobri-gar os produtores rurais de pe-direm licenciamento sempreque forem cultivar novas terras.

“Hoje, qualquer construçãoem terra indígena precisa deconsulta à Funai. Mas comovincular o licenciamento à con-sulta em uma terra que não estáhomologada?”, questiona a ad-vogada. Para Luciana, tambémé importante delimitar commais clareza a questão da ativi-dade agropecuária. “Os am-bientalistas consideram quetem que haver licenciamentonão importa o impacto queaquela atividade vai causar.”

A especialista lembra que, ho-je, o licenciamento varia depen-dendo da localização. “Tem es-tado em que [o licenciamento]depende do número de hecta-res. Há outros em que além dis-so ainda existe a demanda deum estudo de impacto ambien-t a l”, acrescenta.

Luciana Gil acredita que casoo texto do PL atualmente emtrâmite no Congresso seja apro-vado na Câmara dos Deputadose no Senado, mantendo essasduas questões, há uma possibi-lidade grande de judicializaçãoda matéria. “Nós vimos o queaconteceu com o Código Flo-restal [Lei 12.651/2012], quechegou até o Supremo TribunalFederal [STF]. São situações di-ferentes, mas a raiz do debate é am e s m a”, entende.

A sócia do Siqueira Castro Ad-vogados, Simone Paschoal No-gueira, que participou da elabo-ração do texto do projeto de lei,afirma que sua maior preocupa-ção é com a possibilidade da re-dação do PL ser desfigurada poremendas parlamentares. “To r ç opara que a lei saia este ano, apesardas eleições, mas desde que nãohaja uma mudança brusca notexto. Uma regra ruim é pior doque a falta de regra”, avalia.

O risco da introdução de emen-das é real por conta da sensibili-dade da questão, que envolvemuitos interesses diferentes e an-tagônicos. Além disso, a incertezaa respeito do cenário eleitoraltambém traz no horizonte a in-definição sobre quais serão aspautas do próximo governo. “Te -mos novamente uma mudançade ministérios no ano que vem,com a possibilidade de vir umanova avaliação sobre o projeto”,pondera a especialista.

Reflexos trágicosPara o sócio do Lima FeigelsonAdvogados, Bruno Feigelson, arealidade do licenciamento am-biental no Brasil se tornou maisdifícil depois da tragédia da Sa-marco, com rompimento debarragem em Bento Rodrigues(MG) em 2015. “O técnico dosórgãos ambientais sabe que po-de sofrer responsabilização atécriminal em caso de algum pro-blema. Desde então tem saídopouco licenciamento de grandepor te”, relata.

Recentemente, o MinistérioPúblico (MP) e outros órgãos as-sinaram um Termo de Ajusta-mento de Conduta (TAC) com aVale e a BHP Billiton para aque-les que foram atingidos pelosefeitos da tragédia social e am-

biental participem das decisõessobre programas de recupera-ção que hoje são implementa-dos pela fundação Renova.

Simone Paschoal entendeque uma legislação mais deta-lhada sobre o que vale e o quenão vale no tocante ao licencia-mento ambiental ajudará a re-duzir esses casos de acidentescom graves consequências só-cio-ambientais porque haverámenos discussão antes da licen-ça e mais fiscalização depois.“Para o ambientalista, há umavisão de que a licença é o últimomomento em que o órgão regu-lador vai ter contato com o em-preendimento, mas não deveriaser assim”, destaca.

A advogada defende que osórgãos técnicos tenham maisrecursos para poderem atuar,com conceitos mais claros deoperação. “Teremos agora umconteúdo mínimo para licençade instalação. Isso vai ajudar,embora talvez não resolva, poishá necessidade de mais fiscali-zação. Falta aparelhamento téc-nico e mão de obra.”

Outro problema lembradopelos especialistas é o conflitoentre os entes governamentais,já que tanto a União quanto osestados e os municípios podemfazer licenciamentos ambien-tais dependendo do projeto.

Luciana Gil ressalta que umdecreto de 2015 trouxe mais de-talhes sobre o que é competên-cia do Instituto Brasileiro doMeio Ambiente e dos RecursosNaturais Renováveis (Ibama),além da previsão expressa parao que ocorre em terras indíge-nas e de fronteira, mas que o in-teresse da arrecadação turva es-se tipo de debate. “Isso gera atéproblemas de segurança.”

D I V U L G AÇ ÃO/ D R E A M ST I M E

Os licenciamentos de projetos de mineração se tornaram um grande desafio depois dos recentes desastres ambientais envolvendo o setor

LONGA ESPERA

PROJETO ESTÁ PARADO DESDE 2004� O Projeto de Lei 3.729/2004,de autoria do então deputadoLuciano Zica, tramita há maisde dez anos no CongressoNacional. Em fevereiro, opresidente da Câmara dosDeputados, Rodrigo Maia(DEM-RJ), citou umapossibilidade de acordo emtorno da proposta. Já emmarço, ele disse que o projetoseria colocado em votação noplenário até abril.

O PL define que qualquerempreendimento que userecursos ambientais ou quetenha a possibilidade de causardegradação ao meio ambienteterá que passar por umlicenciamento nas fases de

construção, instalação,ampliação e operação.

Os principais pontos depolêmica entre as empresas eambientalistas atualmente sãoa realização deempreendimentos em terrasindígenas não homologadassem a consulta prévia à Funai ea não exigência delicenciamento para alguns tiposde projetos do agronegócio,tais quais a pecuária extensiva,o cultivo de espéciestemporárias e pesquisasa g r o p e c u á r i as .

A última versão do projeto delei é do ano passado comparecer do deputado MauroPereira (MDB-RS).

PL desobriga a licença para algumas atividades do agronegócio

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