d96dce_5c9eb36534b3488cacf7868724eb11d4

5
V.3 N.1 FEV. 2015 - RESENHAS 118 NOVOS SUJEITOS, NOVAS POLÍTICAS E ANTIGAS QUESTÕES: AS ALIANÇAS FEMINISTAS TRANSNACIONAIS Thays Almeida Monticelli 1 O livro “Le Sexe de la Mondialisation: Genre, Classe, Race et Nouvelle Division du Travail” 2 , publicado em 2010 e organizado pelas autoras Jules Falquet, Helena Hirata, Danièle Kergoat, Brahim Labari, Nicky le Freuve e Fatou Sow é uma coletânea que reúne dezesseis artigos acerca da realidade que envolve economias mundializadas, mobilidades e fluxos migratórios internacionais, violências e resistências em relação às novas formas de trabalho e de divisão sexual do trabalho que vem se estabelecendo ao redor do mundo. Essa obra se torna muito importante ao apresentar novas e antigas formas de desigualdades que se colocam aos trabalhos que contém majoritariamente mão-de-obra feminina, e que se entrecruzam com categorias como raça, classe, nacionalidade e cidadania, o que nos permite olhar para uma crítica e uma desconstrução sobre o que significa trabalho e emprego, além de uma intensa reflexão sobre as novas formas de articulações políticas dos movimentos sociais. Sobre essa última, dedico esta resenha em expor o capítulo elaborado por Paola Bacchetta, denominado “Réflexions sur les Alliances Féministes Transnationales” 3 , em que a autora faz uma análise das conexões políticas dos movimentos sociais, como feministas, LGBTs e queer, localizados em determinados contextos desiguais e de opressão. A autora tem por objetivo compreender as complexidades, questões, obstáculos, mas também as possibilidades e aberturas que implicam a formação das alianças transnacionais “potenciais” (potentiatrices). Ela utiliza três bases analíticas para cumprir com seus objetivos: os diferentes resultados de observação participante e etnografia que realizou em diversos grupos feministas, lésbicos e queer na Índia, na França, nos Estados Unidos e na Itália; as publicações dos grupos em questão; e as historiografias militantes e acadêmicas 1 É doutoranda do Programa de Pós Graduação em Sociologia da UFPR com bolsa financiada pela CAPES, Mestra em Sociologia pela UFPR e graduada em Ciências Sociais pela UFJF. É integrante do Núcleo de Estudos de Gênero (www.generos.ufpr.br) e do GETS (Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade). E-mail: [email protected] 2 O Sexo da Mundialização: Gênero, Classe, Raça e Nova Divisão do Trabalho. (tradução livre). 3 Reflexões Sobre as Alianças Feministas Transnacionais. (tradução livre)

description

Artigo

Transcript of d96dce_5c9eb36534b3488cacf7868724eb11d4

  • V.3 N.1 FEV. 2015 - RESENHAS

    118

    NOVOS SUJEITOS, NOVAS POLTICAS E ANTIGAS QUESTES:

    AS ALIANAS FEMINISTAS TRANSNACIONAIS

    Thays Almeida Monticelli1

    O livro Le Sexe de la Mondialisation: Genre, Classe, Race et Nouvelle Division du Travail2, publicado em 2010 e organizado pelas autoras Jules Falquet, Helena Hirata, Danile Kergoat, Brahim Labari, Nicky le Freuve e Fatou Sow uma coletnea que rene dezesseis artigos acerca da realidade que envolve economias mundializadas, mobilidades e fluxos migratrios internacionais, violncias e resistncias em relao s novas formas de trabalho e de diviso sexual do trabalho que vem se estabelecendo ao redor do mundo. Essa obra se torna muito importante ao apresentar novas e antigas formas de desigualdades que se colocam aos trabalhos que contm majoritariamente mo-de-obra feminina, e que se entrecruzam com categorias como raa, classe, nacionalidade e cidadania, o que nos permite olhar para uma crtica e uma desconstruo sobre o que significa trabalho e emprego, alm de uma intensa reflexo sobre as novas formas de articulaes polticas dos movimentos sociais.

    Sobre essa ltima, dedico esta resenha em expor o captulo elaborado por Paola Bacchetta, denominado Rflexions sur les Alliances Fministes Transnationales3, em que a autora faz uma anlise das conexes polticas dos movimentos sociais, como feministas, LGBTs e queer, localizados em determinados contextos desiguais e de opresso. A autora tem por objetivo compreender as complexidades, questes, obstculos, mas tambm as possibilidades e aberturas que implicam a formao das alianas transnacionais potenciais (potentiatrices). Ela utiliza trs bases analticas para cumprir com seus objetivos: os diferentes resultados de observao participante e etnografia que realizou em diversos grupos feministas, lsbicos e queer na ndia, na Frana, nos Estados Unidos e na Itlia; as publicaes dos grupos em questo; e as historiografias militantes e acadmicas

    1 doutoranda do Programa de Ps Graduao em Sociologia da UFPR com bolsa financiada pela CAPES, Mestra em Sociologia pela UFPR e graduada em Cincias Sociais pela UFJF. integrante do Ncleo de Estudos de Gnero (www.generos.ufpr.br) e do GETS (Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade). E-mail: [email protected]

    2 O Sexo da Mundializao: Gnero, Classe, Raa e Nova Diviso do Trabalho. (traduo livre). 3 Reflexes Sobre as Alianas Feministas Transnacionais. (traduo livre)

  • V.3 N.1 FEV. 2015 - RESENHAS

    119

    desses mesmos grupos. importante ressaltar a diferenciao que a autora faz logo no incio de seu

    captulo sobre as alianas feministas transnacionais das alianas internacionais e globais, pois muitas vezes relaes de poder desiguais se estabelecem nos diversos laos polticos firmados, como, por exemplo, o termo internacional que pode criar um exibicionismo nacional-normativo, em que alguns sujeitos dominantes acabam representado todas as feministas de seu pas. Nesse mesmo contexto, o termo global implica em pressupostos polticos hierarquizados que atribuem o nus da diferena para as mulheres de Terceiro Mundo e esquecem dos processos e relatos de exploraes capitalistas e de racializao.

    Diferentemente, as alianas feministas transnacionais falam de conexes concretas no e atravs de balanas locais, regionais, nacionais ou entre naes em uma gama de arranjos polticos possveis. Essas alianas resgatam a histria e reportam-se aos poderem de uma forma contextualizada, evidenciado sujeitos em processos que no se afirmam como os nicos representantes do feminismo, mas como verdadeiros fragmentos e produtos das histrias, contextos e lugares mais variados. justamente essa dinamicidade poltica dos sujeitos que possibilita a construo de alianas feministas transnacionais, pois a intersubjetividade poltica compartilhada faz o elo para a construo de um movimento fortalecido, que impulsiona o desejo de aproximao e define a capacidade de agir de tais alianas.

    Bacchetta procura conceitualizar esses poderes por meio da noo de intersseccionalidade, como configuraes multidimensionais nos quais o gnero, a raa, a sexualidade, a classe social, o ps-colonial, operam inseparavelmente, tanto nos registros de discursos como na sua materialidade. Assim, a autora utiliza da teoria foucaultiana para compreender esse sujeito-efeito de mltiplas relaes de poder inseparveis, que no so imediatamente visveis, e que esto em permanentes processos de subjetivaes.

    Esses aspectos so percebidos em quatro tipos de alianas formadas que a autora expe, analisando suas composies, aes e limites4. A primeira delas chamada Alianas Transnacionais Intra-Locais Subalternas5, que rene sujeitos

    4 Bacchetta tambm apresenta as Alianas Dominantes, que se formam em uma dimenso totalizante, produzindo ou reforando, geralmente involuntariamente, a excluso da subalternidade e do sujeito subalterno. Como exemplo, a autora visibiliza: Alianas Intradominantes baseadas na Normatividade Nacional, Alianas de Resgate e Alianas Feministas Internacionais.

    5 Alliaces Transnationales Intra-Locales Subalternes. (p.267)

  • V.3 N.1 FEV. 2015 - RESENHAS

    120

    pertencentes a situaes de subalternidade, que mesmo em posicionamentos polticos distintos se unem e se reforam. Para Bacchetta o Groupe du 6 Novembre um exemplo claro desse tipo de aliana - constitudo em 1999 em Paris, reuniu as questes levantadas por lsbicas sobre o colonialismo, escravido e imigrao ps-colonial. O Groupe du 6 Novembre era formado por lsbicas da frica-subsariana, as Afro-caribenhas, as Magrebinas e as mulheres de origem racial mestias. Nos discursos, nas prticas e na produo6 do grupo havia uma forte desidentificao com a normatividade-nacional e uma resistncia aos exerccios polticos do colonialismo francs que eram mantidos pelos acordos bilaterais da Frana com as ex-colnias. A complexidade do grupo no estava apenas nos textos elaborados por elas contra a excluso (ns estamos aqui) e contra uma idia de identificao estereotipada (ns no somos o que vocs imaginam), mas tambm era o espao para a descolonizao cognitiva e afetiva, que desconstrua progressivamente os efeitos pessoais e coletivos da violncia cognitiva e material por meio de discusses analticas, tornando-se o lugar para a produo de subjetividades em processos e de novas aes polticas.

    Esse fenmeno igualmente visto nas Alianas Transposicionais Intra-Locais7, que caracteriza um tipo de formao poltica desenvolvida por sujeitos que pertencem ao mesmo lugar, mas com posicionamentos muito diferentes e que se unem para construir um coletivo que refora particularmente os mais vulnerveis. Um exemplo desse mecanismo se localiza em Paris por meio do Grupe Lesbien Contre la Discrimination et Le Racisme (LDR). O principal objetivo do LDR era combater prticas racistas em casas lsbicas da Frana, cristalizando-se mesmo frente a um incidente racializado do Festival de Filmes Lsbicos de Paris, quando seus membros iniciaram discusses mais amplas sobre o racismo lsbico franco-francs. Essa aliana transposicional concretizada pelos aspectos da raa, classe, identidades e desindentidades de gnero, crenas, sexualidade e nao s se tornou possvel atravs de uma abertura poltica subjetiva as lsbicas franco-francesas comearam a se questionar profundamente sobre elas mesmas e sobre os setores sociais dos quais elas fazem parte. O LDR possibilitou o espao de uma resubjetivao dos sujeitos, ao colocar em dilogo essas questes mltiplas, ao

    6 O Grupo du 6 de Novembre publicou um livro e um nmero especial do jornal Bint El Nas, criaram um site, fizeram exposies de arte, falavam em rdios alternativas de imigrantes, participaram da Conferncia da ONU sobre racismo.

    7 Alliances Transpositionnelles Intra-Locales.

  • V.3 N.1 FEV. 2015 - RESENHAS

    121

    desenvolver uma potica afetiva de reconhecimento mtuo e concretizar prticas e atividades que permitem a formao de uma intersubjetividade poltica.

    J o terceiro exemplo exposto por Paola Bacchetta diz respeito as Alianas Translocais Transnacionais8, que se caracteriza pela juno de diferentes sujeitos ao redor do mundo, mas que se conectam ideologicamente e politicamente em relao a uma causa comum. A autora explora mais uma vez o Groupe du 6 Novembre, pois as produes artsticas criadas pelo grupo, assim como o discurso feito por elas na Conferncia da ONU em 2001 sobre racismo conseguiu estimular potenciais subjetividades polticas em outros sujeitos.

    E por ltimo, a autora nos mostra a complexidade das Alianas Transnacionais Transposicionais9 ao unir diferentes sujeitos de diferentes lugares e com posicionamentos distintos, o caso de quando grupos que se estabelecem em espaos dominantes conseguem apoiar causas polticas de grupos formados e estabelecidos nas margens, sem intervir com um discurso colonizador ou prticas etnocntricas. Para expor essa aliana, Bacchetta traz o caso da violncia religiosa na ndia em 2002, quando programas anti-mulumanos obtiveram um lugar poltico considervel nos Estados do Gujarat, que eram regidos por grupos nacionalistas Hindus. Na Capital Ahmedabad, a violncia durou trs dias, causando 762 mortos e mais de 98 mil refugiados mulumanos, alm de prticas de violncias sexuais pblicas. Frente a isso, os movimentos feministas indianos e as organizaes de esquerda se mobilizaram para realizar um trabalho humanitrio; as feministas indianas pediram a solidariedade de feministas de fora da ndia, incluindo as ocidentais, para serem observadoras e testemunhas das condies e violncias que aconteciam nos campos de refugiados. E as feministas ocidentais cumpriram e forneceram a solidariedade pedida e definida pelas indianas, sem uma interveno poltica colonizadora.

    O captulo escrito por Bacchetta nos possibilita pensar e refletir sobre as diversas formas de concretizaes polticas por meio das mais variadas conexes subjetivas dos sujeitos, alm de nos apresentar uma anlise que no pensa atravs do esquema binrio dominao versus subordinao, no essencializando e homogeinizando cada um desses termos. A autora nos mostra as complexidades do poder e das alianas polticas, da formao dos sujeitos e de suas capacidades de

    8 Alliances Translocaes Transnationales 9 Alliances Transnationales Transposicionales

  • V.3 N.1 FEV. 2015 - RESENHAS

    122

    agir, no reconhecimento das identidades e desidentidades de gnero no quadro de uma mundializao desigual.

    Assim, podemos trazer suas reflexes analticas para as alianas polticas concretizadas na Amrica Latina, como por exemplo, a Conlactraho (Confederacin Latioamericana y del Caribe de Trabajadoras del Hojar) criado em 1988 por representantes dos grupos polticos de trabalhadoras domsticas remuneradas de 13 pases: Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Colmbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Mxico, Paraguai, Peru, Repblica Dominicana e Uruguai. (GOLDSMITH,2010). A fora poltica desse movimento representa e une as reivindicaes dos movimentos feministas e do movimento negro, constituindo alianas polticas que fortalecem as pautas de mudanas em seus pases.

    Paola Baccheta coloca como um grande ponto para a formao poltica transnacional a reflexo do prprio sujeito em relao a sua grande de inteligibilidade, para desconstruir o lugar onde estamos situados e reconhecer os particularismos. As pessoas que se encontram em posies dominantes seriam preparadas para abandonar essas noes de poder, e para as pessoas que se encontram em posies subalternas preciso livrar-se da colonizao cognitiva e de uma identificao com os discursos dominantes, sem nunca perdermos as similitudes e diferenas histricas, contextuais e as relaes materiais de poder que so parte integrante da formao dos sujeitos. Assim, seria possvel comear o reconhecimento de algum como sujeito e tentar construir modalidades de intersubjetividades polticas, formando ento alianas feministas transnacionais verdadeiramente satisfatrias.

    RESENHA DE:

    BACCHETTA, Paola. Rflexions sur les Alliances Fministes Transnationales. In. : FALQUES, Jules; HIRATA, Helena; KERGOAT, Danile, et al. (Dir.).Le sexe de la mondialisation :genre, classe, race et nouvelle division du travail. Paris : Presses de Sciense Po, 2010. p. 259-273.

    REFERNCIAS:

    GOLDSMITH, Mary. La experience de Conlactraho como organizacin internacional de trabajadores y trabajadoras domsticas. In: GOLSMITH, Mary et al. Hacia um Fortalecimeinto de Derechos Laborales em el Trabajo del Hogar: alunas experincias de Amrica Latina. Montevideo: Friederich Ebert Stiftung, 2010. p. 5-24.