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1 Poesias de Paulo César de Oliveira - PC CANÇÃO EM LÁ SÓL E DÓ Paulo Cesar de Oliveira O homem que nasceu só, Que come pó, Que toca em dó Uma canção de dor, Empunha enxada Com a mão inchada, E em lá se esvai de amor! E come o brilho ardente Que lhe ofusca a mente N´outra entoada! E do sol, em sól, Até a madrugada, Canta o poema Orindo do nada! O homem que come pó E sente só os pés descalços, Na rua canta em dó, O fugir apressado dos passos! O homem que vive só, Que come pó, Que canta em lá, sól e dó, e Descreve o mundo seu: - SOU EU!

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Poesias de Paulo César de Oliveira - PC

CANÇÃO EM LÁ SÓL E DÓPaulo Cesar de Oliveira

O homem que nasceu só,Que come pó,Que toca em dóUma canção de dor,Empunha enxadaCom a mão inchada,E em lá se esvaide amor!

E come o brilho ardenteQue lhe ofusca a menteN´outra entoada!E do sol, em sól,Até a madrugada,Canta o poemaOrindo do nada!

O homem que come póE sente só os pés descalços,Na rua canta em dó,O fugir apressadodos passos!

O homem que vive só,Que come pó,Que canta em lá, sól e dó,e Descreve o mundo seu:- SOU EU!

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DESQUERERPaulo Cesar de Oliveira

ENTERRARAM O CABOCLO NO CHÃOE O CABOCLO QUERIA VIVERENTERRARAM NO CHÃO O CABOCLOQUE NÃO QUERIA MORRER.

TAPARAM SEU ROSTO DE TERRACABOCLO QUERIA SORRIRTAPARAM DE TERRA SUA COVACABOCLO QUERIA PARTIR.

REZARAM PRA ELE O PAI NOSSOQUERIA ELE AVE-MARIAENTERRARAM O CABOCLO SOZINHOCABOCLO QUERIA MARIA.

ENTERRARAM O CABOCLO PELADOCABOCLO QUERIA IR DE TERNOCABOCLO QUERIA IR PRO CÉUMANDARAM CABOCLO PRO INFERNO.

ENTERRAM O CABOCLO NO CHÃOE VOLTARAM PRA CASA A DIZERCABOCLO GOSTAVA DA GUERRA,CABOCLO NÃO QUERIA MORRER.

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RECANTOPaulo Cesar de Oliveira

Eu passei muito tempo esperandopara encontrar um recanto de pazhoje estou junto dele e perceboele é lindo demais...

É ali que eu sou filho do Reicontemplando a corrente a partiruma nau que navega em silêncioe que sabe onde ir

Tem as cores onde a vida se explicaa paixão em canção se desfaze as horas já passam tão lentasneste mundo de paz

É o tempo cessando em passaré o rio estancando no caisé o barco na tarde ancoradosem partir nunca mais

É poesia que brota constantesão mil asas que param no artudo enfim é uma linda aquarelaesse canto é demais...

É ali que o relógio do tempofaz as pazes com minha afliçãopra mirar e fugir lentamenteao sabor da canção

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NOVO DIAPaulo Cesar de Oliveira

MEUS OLHOS PROCURAMVER LÁ FORASE AINDA É NOITEOU JÁ VEIO A AURORA

SE A NOITE INTEIRAEU PENSEI MORRERDE DOR E SAUDADEPOR NÃO TER VOCÊ

O QUE É A VIDA O QUE É O AMORUMA FICÇÃO O TORMENTO A DORQUERO QUE AMANHEÇA PRECISO VIVERQUERO VER AS FLORES DO ALVORECER

OLHA JÁ É DIAO SOL VEM ME CONTARPASSARINHO APRONTACOMEÇA A CANTAR

TENHO UM RECADOPRONTO PRA TE DARMEU AMOR TE ESQUEÇOQUERO DESCANÇAR

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SIM OU NÃOPaulo Cesar de Oliveira

Eu cismo em subir um andaime qualquer.Se caio arrebento o bronze que o asfaltocontém.Se subo mais esmago o ferro que o arimpera.Eu cismo em cantar qualquer canção.Se me afogo no meu canto sinto o açoDas cordas de metais sufocando minha voz.Sinto o metálico pungir da aurora sem encanto.Eu cismo em viver a vida toda.Se ao menos alimento essa esperançaSinto o asco da avenida putrefantesQue atropela minha vida em outro corpo.Se morro,Minha sepultura é cimento armado no meu únicoSonho esperançoso.Se cismo a esquecer que a morte tem este nome,a vida com um nome lindo se faz amigaComo amargo é o fel que o ferro espalha.Se cismo derradeiramente a chorar,Meu choro cai como o chumbo a alivia minhaDor,Mas se não cai o choro meuMính´alma dispara um tiro certo nas entranhasDo meu pensamento,E eu cismo em arriscar o sim ou não...

... Sozinho!

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PIRACEMAPaulo Cesar de Oliveira

No trevo de PiracemaTome cuidado, senhorNo chão tem sangue marcado,No asfalto o cheiro da dor.

Contam que ali já faz tempoViveu um povo sofridoDescendentes de XavantesPovo bravo e destemidoPois um dia, matadoresChamados de bandeirantes,Invadiram esse chãoPor ouro e diamantesAlém de grande chacinaMil índios escravizaramLevados para São PauloNos cafezais trabalharamPor isso um grande PajéNa reza espetacularLançou um grande feitiçoQue faz o branco pagarVocê que voa ligeiroNo trevo de PiracemaTome cuidado seu moçoA sua sorte é pequenaOs erros de antepassadosVoltam numa grande dívidaE o preço desse mal feitoSe paga em forma de vida.

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PEDRO E JOANAPaulo Cesar de Oliveira

Pedro cismou travessiaEm noite de temporalNuma bateia fraquinhaFeita de casca de pauAs águas do “Paraná”Com maré de metro e meioDançavam na corredeiraO tempo estava muito feio

Cuidado Pedro cuidadoEsse rio tem segredoCuidado Pedro cuidadoEsse rio mete medo

O “piranga” não tem medoSabe ter o seu valorMora num lado da ilhaN´outro mora o seu amorJoana pediu com carinhoQue era pra Pedro ficarTinha cama no barracoDe sobre pra quem chegar

Pedro continuou cismandoEm aceitar o desafioDepois de cinco minutosEstava no meio do rioA canoa emborcavaSumia e depois surgiaLá do barranco JoanaPra todo santo pedia

Joana nunca mais viu PedroQue partiu no temporalSua bateia encontradaNum só pedaço de pauLá no Porto São JoséEm tempo de temporalTodos se lembram de PedroQue do rio não teve medo

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CASA DA ILHAPaulo Cesar de Oliveira

Olha vou te contarA minha fantasiaFugir cá da cidade pra láOnde minha tristezaParceira da alegriaBailando num remanso de láÉ uma casa branca e fica naBarranca do meu Rio ParanáOnde eu me reconheçoE sinto que me encontroNa beleza do lugar

Vou te contar o que é que temTem um rio que não pára de partirPra levar a minha mágoa pra um lugarQue só mesmo ele sabe onde vai darTem arvoredo e tem tambémUma varanda e o rio é o quintalE quando desaba feio temporalTudo é lindo é um mistério sem igualE tem janela pra se verLua gigante que um pintor deixou no arMal o dia ameaça despertarA canção já tem lugar

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GARÇA GRANCAPaulo Cesar de Oliveira

Eu tenho uma amiga uma garça brancaLinda e solitáriaQue habita as barrancasEntre o Mato Grosso e o ParanáQuando o sol desponta tingindo de rubroAs águas do rioSurge a garça branca contrastandoAs cores vivas do lugar

Uma sinfonia invade meus olhosQuando a passaradaJunto à garça branca vão formandoA pauta da minha cançãoE quando a chalana singrando entre as ondasSome na distânciaUm ledo lampejoTinge de esperança minha solidão

Num vôo rasante quando entardeceVai a garça brancaEm busca do ninhoEu aqui sozinhoLembro a amargura de quem nuncaTeve ninho pra buscarE a solidão de quem nunca teveAlguém para amar

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O PATO BIGUÁPaulo Cesar de Oliveira

Aqui nesse lugar o amanhecer é uma belezaos pássaros voejam celebrando a naturezaO encanto vem das águas, a magia vem do ar,É o pato biguá e o gavião carcará

na tela colorida pela luz em movimentoa vida faz seu ato, simetria em seus momentosa cadeia vai girando em rasantes sem iguaiscom o pato biguá e o gavião carcará

meu sonho é uma vontade em ser assim tambémporque não temos asas pra voar além?fazer delas os remos em mergulhos divinaissaber todo mistério entre a terra, água, e ar.

aqui o sonho é tanto a miragem é irreala tela representa minha aurora borealo encanto vem das águas, liberdade vem no ar,com o pato biguá e o gavião carcará.

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OS IPÊSPaulo Cesar de Oliveira

Os ipês de junho e julhoDe um colorido sem fimVão despejando suas coresDe lindas doem em mim

Coração endurecidoAnseio por essa alforriaQue a cada ano não falhaVem me fazer companhia

Enfeitam, tingem, deleitam,Habitam suaves assimDepois caem e os tapetesDesaparecem por fim

Deixam a doce mensagemRetornarão outro diaA cidade alegre, eu sinto,Inunda-se em doce poesia

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VITÓRIA-RÉGIAPaulo Cesar de Oliveira

Vitória-RégiaDo AmazonasQue nasce belaDe se olharFloresce alegreEm fevereiroDoce perfumeA exalar

Durante o diaTímidas pétalasPara de noiteDesabrocharOh! Virgem noivaDa mata virgemSua belezaQuero exaltar

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ORIGAMIPaulo Cesar de Oliveira

Fico a pensar no barquinhoDe papel que construíSoltei-o na enxurradaNo bueiro vi cair

Mas não foi maldade minhaMeu amor ia no barcoMeu verso seguia o barcoA vida ansiava um barco

Naufraguei na correntezaMergulhado está meu sonhoOrigami de tristeza.

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SAUDADE DA GRALHA AZULPaulo Cesar de Oliveira

A gralha azul na porteira vaziaOs grandes olhos dela pelos pinheiraisSaudade é um dragãoQue a distância não mataMeu pai é bem morenoE sempre teve saudade

No tempo da rua da lua cheiaBrincadeira de roda noite de São JoãoMas o dragão tem cara de mauA gralha azul se escondeu no cafezalDo Paraná, do Paraná

Do pó da terra vi crescer minha cidadeA gralha azul ficando rara e sem maldadeJuriti voando longe sabiá cantando tristeMeus tempos de saudade já chegaram

A gralha azul presa num viveiroNo meu quintal um temporal vermelhoA gralha azul presa na saudadeNo meu quintal um temporal maldade

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ACONTECEPaulo Cesar de Oliveira

Acontece da genteNum repente chorarE motivos não temPois de amor a gente vai bemAcontece que a poesiaJá não é muito bastanteE a gente fica assimOlhando a multidão que vaiQuerendo ir tambémSem saber onde irNem quando vai voltar

Acontece da genteEsquecer o cantarE ficar tão tristonhoComo a vela no marAcontece que a poesiaTem sua hora e seu lugarE o amor que for amorVai saber suportarO peso de uma dorE a dor que for a dorVai saber expulsarO amor que fracassou

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CIRANDA PARANAENSEPaulo Cesar de Oliveira

A doçura da canaO favo do melJuriti na mangueiraNos lábios da noiteEstrelas no céuCafezal dando florCantando a passaradaEu sozinho na estradaLevando comida pro meu paiNo roçado

Cantei o meu bem cantouA ciranda do norteQue meu pai ensinou

A maldade do tempoO amargo do felA geada nas folhasA seca na terraIncerteza no céuNão há flores no campoNem canta a passaradaEu sozinho na estrada vou vendoMeu povo sem rume sem nada

Eu vou a cantar eu vouA ciranda do norteQue pra cá se mudou

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TROPEIRO APAIXONADOPaulo Cesar de Oliveira

A noite desceu no mundoEm torno de uma fogueiraDançam sombras pela noiteE reúnem-se os tropeiros

Buçais, bruacas, cangalhasO surrão de ferramentasCobertas de couro cruE pencas de ferraduras

A cantilena saudosaCorrendo do escampadoFugindo para o varjãoEntre sombras encantadas

No lombo dos animaisAs pisaduras marcadasJunto às estrelas do céuUm tropeiro apaixonado

Nos lábios do cantadorNa quente noite estreladaSaudade de um lar longínquoSaudade da namorada

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JARDIM OÁSISPaulo Cesar de Oliveira

QUE PÁSSARO É AQUELEDE ASAS ESCURASPEITO VERMELHO?

ARRISCA RASANTESEM CASAL VOEJAE VOEJANDO CONTEMPLAA CIDADE QUE AVANÇA

NO “OÁSIS” ONDE CRIANÇAVI NATUREZA DADIVOSAHOJE ELA SE CALAE MUDA VAI PASSIVAAO RUÍDO DAS MÁQUINAS

É O HOMEM QUE CHEGAALARGA HORIZONTESSEM A PARCERIA DO CANTO

O CASAL RESISTE E CANTACANTA O TRISTE RÉQUIEMMELODIA DOLENTE, ESPERANÇA DOENTEQUE VAI MOLDANDO SEU FIM.

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MOEMA (A LENDA DOS TRÊS MORRINHOS)Paulo Cesar e Paulo Marcelo

Ela era a mais bonitaQue o coração de MontóyaChorava na Santo InácioLamento das Sete QuedasOnde tudo se incendeiaÉ o coração da florestaEntre cem mil belos índiosDa raça dos Guaranis

Mistérios assombraçõesCantigas de adormecerFolclores, lendas, folguedosHistórias de estremecer

Moema sempre brincavaPelo “Paranapanema”Cantando o “Pirapó”Entre dourados MoemaCantava a liberdadeDos índios contra as bandeirasQue vinham ao ParanáTrazendo a opressão

Nas pequeninas canoasMontóya, Dias, SimãoMoema, Jesus, MariaE as treze reduçõesTataurana na frenteEra o amor de MoemaViram surgir os três morrosNa caminhada pro Sul

Moema, TatauranaLutaram pra escaparGanharam muitas batalhasVai seu povo conquistarA liberdade nas serrasLindas nas terras do sulDeixando atrás Três MorrinhosE uma lenda no lugar

E os três morros que cresceram do sangueDaquela gente hoje é o retrato mais forte deDias, Simão, Montóya, Tataurana na sementeMoema flor Cayuá, que coloriu nosso chão,Fez nosso povo valente.

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PÉ VERMELHOPaulo Cesar e Nilson Monteiro

Planto cidades e suas ruasDa juriti canto as suas luasToco boiada do arame pro rioPássaro livre, peixe no cioMiro a florada e o café no terreiroPorqueSou “pé vermelho”

Canto saudades numa violaCanto o doutor a criança na escolaVou pro rodeio de botas e esporasPra liberdade não espero a horaE vou com ela ao baile no terreiroPorqueSou “pé vermelho”

A alma vermelhaA saudade vermelhaA paixão é uma abelhaNo coração parelhoA fruta no quintalO luar no terreiroSou “pé vermelho”

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ESTRADA DE SOLPaulo Cesar de Oliveira

Eu vou sair por essa estrada tão sóMas vou nas asas da cançãoVocê não quis seguir comigoEsse é meu maior castigoMas não vivo de ilusãoNum dia claro como nunca viBrilha no ar minha emoçãoLá na beira da estradaPassarinho faz moradaIsso é mais que uma paixão

Eu vou voarPor sobre a mataMesmo que elaNão esteja lá

Eu vou cantarEm serenataMesmo sem terQuem venha me escutar

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MISTÉRIOS DO RIO IGUAÇUPaulo Cesar de Oliveira

Letra inspirada na obra de Rafael Greca “Poemas do Iguaçu”

O rumo dos peixes na piracemaQuem poderá nos dizer?Aonde bebe a onça pintadaQuem poderá nos dizer?Quem poderá nos contarDos que viveram aliDos que falavam tupiCaingangue ou guaraniDo vôo das garçasDestino das águasQuem poderá nos dizer?Da cor do poenteArco-íris constanteQuem poderá nos dizer?Quem saberá retratarAs borboletas daliAsas de eterno matizDo beija flor, colibriVai de roldão eterna correntezaNo abismo vira marFere remansos, explode as pedreirasQuem poderá navegar?Mistura das águas divina magiaContrastes do verde no azulQuem nos dirá desse eterno lamento?Mistérios do rio IguaçuMistérios do rio Iguaçu

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NAS ASAS DA JURITIPaulo Cesar de Oliveira

Subindo a serra vindo de Paranaguá,No Marumbi as nuvens eu pude tocarEm Curitiba entre as flores eu “garrei” a imaginarComo é lindo esse meu ParanáComo é lindo esse meu ParanáEm Ponta Grossa me bateu a emoçãoPor Vila Velha coisa do meu coraçãoEm Maringá por entre o verde eu “garrei” a imaginarComo é lindo esse meu ParanáComo é lindo esse meu ParanáSingrando as águas do meu rio ParanáDo “Ivaí”, do “Tibagi”, do “Panema”No “Iguaçu”, nas cataratas eu “garrei” a imaginarComo é lindo esse meu ParanáComo é lindo esse meu ParanáEm Cascavel voando sobre as plantaçõesTapete verde colorindo as estaçõesLá em Londrina namorando no “Igapó”Um “pé vermelho” jamais se sente tão sóVolto pra casa nas asas da juritiE vou pousar em Paranavaí

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VÔO CANÇÃOPaulo Cesar de Oliveira

Tão singular esse vôo cançãoVoa mais longe que a imaginaçãoNasce do abismo que a alma dispõeE vai muito além do que a gente supõe

Quando um ser triste solfeja a cançãoViaja pra longe a sua emoçãoA dor e a agonia se entregam assimE o coração bate inteiro por fim

Voa nas asas tão linda cançãoEm asas ternas do meu coraçãoFaz-se estrela reluz em paixãoE pousa em meus braços, oh doce canção

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BEBER POESIAPaulo Cesar de Oliveira

Está nevando em Porto AlegreFaz muito frio no litoralA chuva cai em CuritibaAcho que vou pro Pantanal

Mas antes vou beber poesiaNa luz de ParanavaíQue tal passar em Porto RicoSaber das coisas por ali

E quando entrar no Mato GrossoA siriema vou seguirDepois pescar no NabilequeAté a Vila Guarani

Ninguém, ninguém vai me encontrarMeu bem você não vai me acharFugir do frio da saudadePra me embrenhar nesse lugar

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LUA DIURNAPaulo Cesar de Oliveira

Acordei pra ver o sol e vi a luaEra minguante pelo céu do PantanalPeixe brincava debaixo do carandáLua diurna mostre o porto de chegar

Eu vou descendo as águasChalana vai me levarEu sei que se eu demoro muitoAlguém pode reclamar

O rio tem sua históriaMinha vida o que contarAmanhã estarei distanteDeixo a saudade me acompanhar

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RISO CLAROPaulo Cesar de Oliveira

Manhã nascendo eu vou fugindo com minha violaProcurando um canto pra esquecer o prantoNão lembrar da dor e ter pra onde irO dia tem um riso claro eu acho que estou certoQuero com certeza ter ela por pertoQuero aquele amor mesmo sendo ilusãoE ali bem onde o sabiá faz o seu belo ninhoVejo num relance marcas no caminhoComo se o destino me fosse realE vou sentindo doce gosto tocando violaComo se o cavalo pedisse a esporaComo se o poema já fosse cançãoE quando tudo acaba o dia já se vai emboraVejo no horizonte nuvens cor de amoraQue um sol poente tinge com paixãoDaí eu monto esse cavalo e saio campo aforaEmbrulho meu sonho guardo essa violaE vou dormir mais cedo com a solidão

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ESTRADA DE POEIRAPaulo Cesar de Oliveira

No espelho dos seus olhos flor pequenaCafezal que era tão novo debutouDeu as flores mais formosas da lavouraQue o sertão engalanado perfumouJuriti voou baixinho flor pequenaTico-tico do seu ninho “inté” cantouEm louvor ao véu branquinho da floradaBeija-flor no ar parou

Que bonito são seus olhos IracemaNo início da mais bela estaçãoÁgua nova lá no poço IracemaSó não mata minha sede de paixão

A estrada de poeira dá na mataNhambu que fez rasante já pousouVai rangendo o boi no carro pelo campoIracema vem pousar no meu amor

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GEADAPaulo Cesar de Oliveira

O meu café já faz tempo não dá florGeada brava por aqui passou

De madrugada ela chegouNum fogo que eu não vi doerDe manhãzinha mãe me chamouPra ver o manto que ela formou

Então eu vi que elaÉ branca sim senhorA sua língua queima, queima, queima meu amor

Então eu vi que elaÉ branca sim senhorA sua língua queima, queima, queima minha flor

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FLOR DE LUA NOVAPaulo Cesar de Oliveira

Na estrada que vai do Porto pra Nova AndradinaEu conheci uma linda meninaMoça descendente da tribo TupiEnquanto brincava nas águas do Rio ParanáMe contou que era Flor de Lua NovaQue descendia dos Cayuás

Contou-me que era parente de TatauranaCacique guerreiro que foi perseguidoÍndio tão valente que muito sofreuSeu povo tinha a saga do sofrimentoE o Brasil assistiu seu tormentoE nada fez para lhe socorrer

Índia, tão pouco resta dessa nação Tupi-Guarani,Índia, tu és tão bela quando eu te vejo me lembro JaciÍndia, tua missão é não deixar morrer o povo Tupi,Índia, tu és tão forte e ainda resiste viver por aqui

Índia, Flor de Lua Nova,Me dê o seu braço, me dê um abraço,Eu vou cuidar de ti

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UM BOM LUGARPaulo Cesar de Oliveira

Não sei se é cardeal se é galo de campinaSó sei que esse bichinho canta lindo oh! MeninaE ainda tem muito mais no quintal pra onde mudeiAqui o tietê tem as cores de um rei

De noite quando a lua arrebenta a escuridãoSocó dá um gemido lá no meio do brejãoE a cantiga das águas arremete a solidãoAqui o temporal tem as cores da canção

Eu vim por causa dela por ela não vou voltarAqui vivo escondido encontrei um bom lugarNão posso correr risco de olhar nos olhos seusO amor tão magoado vai ferir os olhos meus

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LABAREDASPaulo Cesar de Oliveira

É só olhar nos seus olhos pra ver o seu sofrimentoBeberam a sua sombra minguaram seu alimentoE o sol no árido sulco vai refazendo o tormentoNesse deserto enfeitado das terras do povoado

É só beijar sua face e ver que há algo erradoSe a língua das labaredas já fez destino traçadoE a plantação já não vinga, deixa seu rastro pungenteMisto de fome e pobreza nas terras do povoado

Mas não se quer enxergar a sombra do que viráCego que maltrata o leito onde o filho vai deitar

É só mirar as paisagens das terras onde cresciPara entender o lamento do passaredo daquiCegos, não enxergarão o amanhã como seráPara entender o futuro da geração que virá

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SÓ PRA VERPaulo Cesar de Oliveira

Hoje vou sair e vou sem nada pra levarSó pra ver o dia clarearE vou voando baixo, vou sem asas, pode crerSó pra ver o dia amanhecer

E vou sobre montanhasEntre rios e ipêsE vou sobre a cidadeA dormir no amanhecer

Que a vida vai seguindoQuanta gente nunca vêA cor de um lindo dia amanhecer

Hoje vou sair, não levo mágoa nem pesarSó pra ver o dia clarearMil cores, arvoredos, passarinhos a dizerSó pra ver o dia amanhecer

E vou voando à toa como um sonho acontecerE vou seguindo os passos do amanhã que vai nascer

Que a vida vai seguindoQuanta gente nunca vêA cor de um lindo dia amanhecer

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HORA DA BÓIAPaulo Cesar de Oliveira

E foi poeira na estradaQue o vento ruim balançouE foi tristeza mas “óia”Na hora da bóiaQue o corpo boiouE boiou num achegoNum desassossegoBoiou na misériaDe um tempo qualquerBoiou na cachaçaQue ninguém esqueceE sem carteirinha do INPSE boiou na desgraçaAfogou na fumaçaMarmita vaziaA dor de viverMorreu sem ter tempoDe ser perdoadoPor ter feito o pecado de nascer

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ALENTOPaulo Cesar de Oliveira

Eu vi uma estrelaPerdida no alémSenti a tristezaperdida tambémMas a estrela estava no céuQuando a tristeza em mim se perdeuBusquei na noite um alentoPara o meu triste viver.Enganei a saudadeNo meu soluçarChorei com vontadeFiz gotas em marFiz meu mundo todinho morrerNas estrelas do céuNão mais acontecerE cansado de tudoDe novo chorei.Essa é a cantigaVem vamos cantarVem que essa cantigaNão vai terminar.

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FLOR PRIMEIRAPaulo Cesar de Oliveira e Arthur Roman

Uma faca na mãoPode cortar o pãoPode cortar a mãoPode ferir o coraçãoVeja bem que o amorTem perfume de florPode causar a dorPode ferir por onde forEu queroQuero a flor primeiraDo jardim primeiroNo primeiro solEu queroO amor como facaO amor como vidaVida como cançãoEu queroMatar pela ruaA falsa luz de luaNo concreto a refletirEu queroA dureza do açoOcupando espaçoNo meu coração

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PROCISSÃO DOS NAVEGANTESPaulo Cesar de Oliveira

Procissão do navegantes do rioParanáPorto Rico, São José as águas vão contarQue o povo espera que a miséria partae o rio sempre a lhes doarpeixe bom prá seu sustentoEsperança de alimento que não vai faltar.Pescador da face tristeNão se entristeça nãoPois tem peixe lhe esperandoVá puxar seu arrastão.Porto São JoséÁguas do ParanáFazem meus olhos se encontrarNa terra das siriemasPorto São JoséE lá vai um barco lindoDesenhar curvas nas águas tão clarasDo rio Paraná.Aleluia! Aleluia!Nossa Senhora dos NavegantesHá de trazer esperançasPrá esse povo das barrancasDo rio Paraná.

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MARMITAPaulo Cesar de Oliveira

Quanto tempo você gastaPrá fazer sua marmitaPor o braço na tipóiaPrá comer a sua bóiaQuanto tempo você levaPrá dizer seu sobrenomeRepetir nas entrelinhasQue você ainda é homem.Que na roça ainda capinaSente fome todo diaNão tem filhos na escolaMas joga na loteriaSempre vota na eleiçãoE nunca viu providênciaInda perde um dia inteiroNa fila da previdênciaPrá sarar sua feridaPrá curar sua misériaPrá encher sua marmitaQuantas vidas você gasta...

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A VELHA CASA ASSOMBRADAPaulo Cesar de Oliveira e Paulo Marcelo(inspirada no conto “assombramento” de Afonso Arinos)

Entre a canela de emaE a cruz de pedra lavradaErguia-se o pau de santoE a velha casa assombradaEscadaria de pedraA porteira escancaradaMuitas histórias corriamDa velha casa assombradaNaquele verde esmaiadoNo fundo do meu sertãoA velha casa assombradaEspantava os coraçõesMas um tropeiro atrevidoQue por ali foi pararInvadiu a casa velhaDecidindo lá pousarEntrou na casa assombradaE logo a noite chegouMas quando a noite partiuO tropeiro não voltouHoje na luz fumarentaDas fogueiras do sertãoA história é lembradaSobre tímida canção

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ANDORINHAPaulo Cesar de Oliveira

Sei lá andorinhaSei lá coraçãoEm cada estaçãoEm me lembro de tiSei lá andorinhaSei lá meu amorEm cada verãoEu me lembro de tiSe faz sol ou se faz chuvaMeu coração já duvidaAndorinha vai-se emboraMeu coração não me avisaAmanhã é um outro diaMinha flor há de nascerAndorinha, andorinhaÉ prá lá que eu vou viver.Se faz sol ou se faz chuvaMeu coração não insisteAndorinha vai-se emboraMinha flor vai nascer tristeAmanhã é um outro sonhoJá estou no entardecerAndorinha, andorinhaÉ prá lá que eu vou viver.

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TROPEIRO APAIXONADO

Paulo Cesar de Oliveira e Paulo Marcelo

A noite desceu no mundoEm torno de uma fogueiraDançam as sombras pela noiteE reúnem-se os tropeirosBuçais, bruacas, cangalhasO surrão de ferramentasCobertas de couro cru

E pencas de ferradurasA cantilena saudosaCorrendo do escampadoFugindo para o varjãoEntre sombras encantadasNos lombos dos animaisAs pisaduras marcadasJunto às estrelas do céuUm tropeiro apaixonadoNos lábios do cantadorNa quente noite estreladaSaudades de um lar longínquoSaudades da namorada

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CLAREIRA MAIORPaulo Cesar de Oliveira

Diamante guardado no leito de mimNa rua onde moro, na casa e jardimEu sou como a luz da clareira maiorNos sonhos das noites, nas tardesE sonho perdido entre a multidãoBuscando a certeza do meu coraçãoSentindo um lírio a desabrocharAssim como o sol, rasgando a manhãUm gosto de mel, um sabor hortelãMontanha de aço do asfalto a subirEu vou escalando meu rumo de irSentindo que o sonho já desabrochouEssa noite eu sonhei que o meu país mudouMinha rosa nasceu, o meu amor me amouVou por aí, entre a multidãoBuscando a certeza do meu coraçãoVou como o sol rasgando a manhãUm gosto de mel um sabor hortelã

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VERDE- CORAÇÃOPaulo Cesar de Oliveira

Meu coração é um rioÁgua vermelha a jorrarNas sete quedas dos sonhosQuer sua dor afogarMeu coração é um rioChorando nas corredeirasPedra polida no leitoMurmurar de cachoeiraVierde que te quiero vierde*Vierde que te quiero amorVierde que te quiero tantoVierde que te quiero amorMeu coração é um risoEscarnecendo as manhãsRindo da grande desgraçaQue cai sobre nossa irmãMataram meu coraçãoNas quedas daquele rioHoje só resta o estrondoDe um coração vazioVai coração cansadoVai não pode entenderVerde quem não quer o verdeNos sonhos há de morrer.

* Garcia Lorca

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BOI X CAFÉPaulo Cesar de Oliveira

Prá cada pé de caféAgora tem um boiMinha terra tá assimBoi, boi, boi, boiO verde nos olhos delaAtiçou meu coraçãoO riscado da violaAcordou brotos no chãoE o verde fez–se lindoE sinal da plantaçãoTriste terra ameaçadaJá nem canta o azulãoO boi fica com a terraO homem fica sem o chãoE sem o verde dos olhosSó me resta a solidãoFoi, foi, foiNão dá prá acreditarOnde tinha o caféEstá o boi a pastar

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SEGREDO DOS VENTOSPaulo Cesar de Oliveira

Aprendi galopar nas campinasTalismã

A correr tomar banho nas minas,Talismã

Aprendi o segredo dos ventosA magia da noite mais belaO luar prateado, saudade no peito,Viola do ladoSeguir o rumo, da estrela guiaNo coração doce alegriaNão há no mundo coisa mais belaQue ver o sol, no entardecer em aquarelaAprendi ver a planta no cioTalismãA catar a poesia no rioTalismã

Que a geada só queima, só queimaE a queimada é o princípio do fim,Não há nada mais tristeQue ver lá na mata, um incêndio sem fim

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GARÇA BRANCAPaulo Cesar de Oliveira

Eu tenho um amigaUma garça branca linda e solitária

Que habita as barrancas entre o MatoGrosso e o Paraná

Quando o sol despontaTingindo de rubro as águas do rioSurge a garça brancaContrastando as cores vivas do lugar

Uma sinfonia invade os meus olhosQuando a passarada junto a garça brancaVão formando a pauta da minha cançãoE quando a chalana singrando entre as ondasSome na distânciaUm ledo lampejoTinge de esperança a minha solidãoNum vôo razanteQuando entardece vai a garça brancaEm busca do ninho e eu aqui sozinhoLembro a amargura de quem nunca teveNinho prá buscarE a solidão de quem nunca teve alguémPara amar

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SONHO EM CURITIBAPaulo Cesar de Oliveira

Amor, vou te contar por onde andei,Perambulei por CuritibaMe apaixonei por seus mistério,Bebi seu vinho e sua luzAli, ouvi seu riso e seu lamento,Amei o povo e seu tormentoNa sua paz adormeciSonhei, que o mar subiu sobre as montanhas,E ao penetrar suas entranhasDeixou sereias pelas ruasDeixou seu gosto pelo ar,Cantei, dançando solto em seu espaço,Tirando verso do seu açoNa rua XV desperteiAmor, todo perfume que há nas flores,Toda ilusão todos amoresPerambulando em CuritibaMinha poesia descobriuAli, embriagado livre e soltoSegui a luz da sua estrelaRedescobri minha canção,Senti, o amor vagando pelas ruasEm cada esquina a imagem tuaFez renascer minha paixãoAmor, todo perfume que há nas flores,Toda ilusão todos amores,Perambulando em CuritibaMinha poesia descobriuSenti, no vento a flor da sua história,Minha ilusão a sua glóriaToda beleza que busquei,Ali o amor vagueia pelas ruasEm cada esquina a imagem tua,Me acompanhou por onde andeiMe acompanhou por onde andei...

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ESTRELA DA MANHÃPaulo Cesar de Oliveira

O temporal que desabou,Fez navegar meu coraçãoPassarinho me salvouNatureza me guiouA esquecer essa paixãoE toda dor que me restou,Num mar de estrelas desenheiHoje o meu cantar é tristeMas carrego no meu peitoA esperança que ganheiÉ tão difícil ser felizFelicidade mora longe daquiVou entregar àquela estrelaUm pedido de amorPrá você voltar prá mimÉ tão difícil ser felizFelicidade mora longe daquiMas quem sabe amanhã cedoA estrela da manhãPossa me fazer felizPossa me fazer felizPossa me fazer feliz

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VARANDAPaulo Cesar de Oliveira

Lua nova na varandaE o cantar de um bem–ti–viUm cavalo sem arreioE a vontade de partirPrá buscar aquela moçaRepartir o meu carinhoSolidão é como um laçoNão posso ficar sozinhoNa fronteira do infinitoA estrela da manhãVai dormindo lentamenteSinto um cheiro de hortelãLá no pé da laranjeiraBeija-flor paira no arSó me resta a velha estradaMeu amor vou procurar

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DESEJOPaulo Cesar de Oliveira

A ventania fazA relva se curvarUma boidada tristeSegue bem devagarVai se apagando a luzDa estrela da manhãUm sol vermelho tinge as coresLindas do jaçanãSinto no PantanalDesejo a renascerQue é de tocar boiadaVendo o sol se esconderDeixei de onde vimNa linda MaringáUm amor me esperandoE prometi voltarEspere meu amor me espereLinda flor do ParanáAssim que eu entregar o gadoQuem sabe vamos nos casar

Meu sonho é te ver brincando nas águasClaras desse PantanalClaras desse Pantanal

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IPÊ ROSAPaulo Cesar de Oliveira

Do alecrim eu quero o cheiroDa rosa mãe quero o perfumeDessa menina eu quero um beijoUm grande amor todo ciúmeQuero beber na minha ruaToda poesia que caiuAo perceber toda belezaDo Ipê Rosa que floriuAi amor não me deixe sozinhoEu sinto gosto de felicidadeVamos voar por sobre a onda verdeQue embala o sonho da minha cidade

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GIRASSOLPaulo Cesar e Valmir Graciano

Eu plantei na minha porta um girassolPra girar junto com meu coraçãoE acompanhar cada segredo meuUm girassol que pare ao meio diaE cante a cada dia uma cançãoE gira, gira

Gira gira girassolGira o sol ao meio diaGira a vida na avenidaGira o amor sem fantasiaGira a estrela cadenteGira a saudade ao contrárioGira a lapela sem cravoGira minha nau sem velaGira vai girando tudoGira a pedra no caminhoGira a chuva já janelaGira esperando ela

Sem nau sem velaGiro esperando elaSem cravo na lapelaGiro esperando elaSem saudade sem contrárioGiro esperando elaSem chuva na janelaGiro esperando ela

Eu plantei na minha porta um girassol

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Poemas que Paulo César gostava de Declamar

QUERO-QUEROJanske Niemann Schlencker

Gosto desse pássaro que grita,quando passa voando. Passa, sem saberque meus olhos o seguem, enquanto ele grita

como eu gostaria de fazer.Não creio que ele grite de tristeza;deve gritar apenas por prazer,ao desfrutar de sua imensa liberdade!Aquela que eu jamais vou ter...

Às vezes, ele passa, quando o dia nasce,e, às vezes, eu ouço o seu grito, após o anoitecer;ele sai quando quer e vai onde deseja,

como eu gostaria de poder...Voa e grita, sozinho ou com seu bando- mas não precisa dos outros para ser:basta-lhe o vento, bastam-lhe as asas,as que eu gostaria de ter...

Voar! Cabeça fria, entre o céu e as nuvens,ele, que não tem nada para esconder;nem sabe das coisas que as pessoas fazem,

como eu queria não saber...

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MOTIVOCecília Meireles

Eu canto porque o instante existee a minha vida está completa.Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e diasno vento.

Se desmorono ou se edifico,se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se ficoou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:— mais nada.

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BALADA DO REI DAS SEREIASManuel Bandeira

O rei atirouSeu anel ao marE disse às sereias:— Ide-o lá buscar,Que se não o trouxerdes,Virareis espumaDas ondas do mar!–Foram as sereias,Não tardou, voltaramCom o perdido anel.Maldito o caprichoDe rei tão cruel!–O rei atirouGrãos de arroz ao marE disse às sereias:— Ide-os buscar,Que se não os trouxerdes,Virareis espumaDas ondas do mar!–Foram as sereias,Não tardou voltaram,Não faltava um grão.Maldito o caprichoDo mau coração!–O rei atirouSua filha ao marE disse às sereias:— Ide-a lá buscarQue se a não trouxerdes,Virareis espumaDas ondas do mar!–Foram as sereias…Quem as viu voltar?…Não voltaram nunca!Viraram espumaDas ondas do mar.

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CANÇÃO DO EXÍLIOGonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá;As aves, que aqui gorjeiam,Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,Nossas várzeas têm mais flores,Nossos bosques têm mais vida,Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,Mais prazer eu encontro lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,Que tais não encontro eu cá;Em cismar sozinho, à noiteMais prazer eu encontro lá;Minha terra tem palmeiras,Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,Sem que eu volte para lá;Sem que disfrute os primoresQue não encontro por cá;Sem qu'inda aviste as palmeiras,Onde canta o Sabiá.

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CANTIGAManuel Bandeira

Nas ondas da praiaNas ondas do mar

Quero ser felizQuero me afogar.

Nas ondas da praiaQuem vem me beijar?Quero a estrela-d'alva

Rainha do mar.

Quero ser felizNas ondas do mar

Quero esquecer tudoQuero descansar.

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FADO TROPICALChico Buarque

Oh, musa do meu fadoOh, minha mãe gentilTe deixo consternadoNo primeiro abrilMas não sê tão ingrataNão esquece quem te amouE em tua densa mataSe perdeu e se encontrouAi, esta terra ainda vai cumprir seu idealAinda vai tornar-se um imenso Portugal"Sabe, no fundo eu sou um sentimentalTodos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dose de lirismo(além da sífilis, é claro)Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidarMeu coração fecha os olhos e sinceramente chora..."Com avencas na caatingaAlecrins no canavialLicores na moringaUm vinho tropicalE a linda mulataCom rendas de AlentejoDe quem numa bravataArrebata um beijoAi, esta terra ainda vai cumprir seu idealAinda vai tornar-se um imenso Portugal"Meu coração tem um sereno jeitoE as minhas mãos o golpe duro e prestoDe tal maneira que, depois de feitoDesencontrado, eu mesmo me confessoSe trago as mãos distantes do meu peitoÉ que há distância entre intenção e gestoE se o meu coração nas mãos estreitoMe assombra a súbita impressão de incestoQuando me encontro no calor da lutaOstento a agida empunhadora à proaMas meu peito se desabotoaE se a sentença se anuncia brutaMais que depressa a mão cega executaPois que senão o coração perdoa"Guitarras e sanfonasJasmins, coqueiros, fontesSardinhas, mandiocaNum suave azulejoE o rio AmazonasQue corre Trás-os-montesE numa pororocaDeságua no TejoAi, esta terra ainda vai cumprir seu idealAinda vai tornar-se um Império ColonialAi, esta terra ainda vai cumprir seu idealAinda vai tornar-se um Império Colonial

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CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDOCarlos Drummond de Andrade

Provisoriamente não cantaremos o amor,que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,não cantaremos o ódio, porque este não existe,existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.Depois morreremos de medoe sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

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POEMA DE SETE FACESCarlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo tortodesses que vivem na sombradisse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homensque correm atrás de mulheres.A tarde talvez fosse azul,não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:pernas brancas pretas amarelas.Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.Porém meus olhosnão perguntam nada.

O homem atrás do bigodeé sério, simples e forte.Quase não conversa.Tem poucos, raros amigoso homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonastese sabias que eu não era Deusse sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,se eu me chamasse Raimundoseria uma rima, não seria uma solução.Mundo mundo vasto mundo,mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizermas essa luamas esse conhaquebotam a gente comovido como o diabo.

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NÃO SE MATECarlos Drummond de Andrade

Carlos, sossegue, o amoré isso que você está vendo:hoje beija, amanhã não beija,depois de amanhã é domingoe segunda-feira ninguém sabeo que será.

Inútil você resistirou mesmo suicidar-se.Não se mate, oh não se mate,Reserve-se todo paraas bodas que ninguém sabequando virão,se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,a noite passou em você,e os recalques se sublimando,lá dentro um barulho inefável,rezas,vitrolas,santos que se persignam,anúncios do melhor sabão,barulho que ninguém sabede quê, praquê.

Entretanto você caminhamelancólico e vertical.Você é a palmeira, você é o gritoque ninguém ouviu no teatroe as luzes todas se apagam.O amor no escuro, não, no claro,é sempre triste, meu filho, Carlos,mas não diga nada a ninguém,ninguém sabe nem saberá.Não se mate

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TAMBÉM JÁ FUI BRASILEIROCarlos Drummond de Andrade

Eu também já fui brasileiromoreno como vocês.Ponteei viola, guiei fordee aprendi na mesa dos baresque o nacionalismo é uma virtude.Mas há uma hora em que os bares se fechame todas as virtudes se negam.

Eu também já fui poeta.Bastava olhar para mulher,pensava logo nas estrelase outros substantivos celestes.Mas eram tantas, o céu tamanho,minha poesia perturbou-se.

Eu também já tive meu ritmo.Fazia isso, dizia aquilo.E meus amigos me queriam,meus inimigos me odiavam.Eu irônico deslizavasatisfeito de ter meu ritmo.Mas acabei confundindo tudo.Hoje não deslizo mais não,não sou irônico mais não,não tenho ritmo mais não.

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VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADAManuel Bandeira

Vou-me embora pra PasárgadaLá sou amigo do reiLá tenho a mulher que eu queroNa cama que escolhereiVou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra PasárgadaAqui eu não sou felizLá a existência é uma aventuraDe tal modo inconseqüenteQue Joana a Louca de EspanhaRainha e falsa dementeVem a ser contraparenteDa nora que nunca tive

E como farei ginásticaAndarei de bicicletaMontarei em burro braboSubirei no pau-de-seboTomarei banhos de mar!E quando estiver cansadoDeito na beira do rioMando chamar a mãe - d’água.Pra me contar as históriasQue no tempo de eu meninoRosa vinha me contarVou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudoÉ outra civilizaçãoTem um processo seguroDe impedir a concepçãoTem telefone automáticoTem alcalóide à vontadeTem prostitutas bonitasPara a gente namorar

E quando eu estiver mais tristeMas triste de não ter jeitoQuando de noite me derVontade de me matar- Lá sou amigo do rei -Terei a mulher que eu queroNa cama que escolhereiVou-me embora pra Pasárgada.