CULTURA DO CARVÃO EM CRICIÚMA-SC: a história que não se...
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Universidade do Extremo Sul Catarinense Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais
CULTURA DO CARVÃO EM CRICIÚMA-SC: a história que não se conta
Criciúma 2005
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GERSON LUIS DE BOER PHILOMENA
CULTURA DO CARVÃO EM CRICIÚMA-SC: a história que não se conta
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade do Extremo Sul Catarinense para obtenção do Título de Mestre em Ciências Ambientais. Área de Concentração: Ecologia e Gestão de Ambientes Alterados Orientador: Profa. Dra. Teresinha Maria Gonçalves
Criciúma 2005
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P567c Philomena, Gerson Luis de Boer. Cultura do carvão em Criciúma – SC: a história que não se
conta / Gerson Luis de Boer Philomena. -- Criciúma : [s.n.],
2005.
184 p. : il. ; 28 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Extremo Sul Catarinense.
Orientador: Teresinha Maria Gonçalves
1. Carvão – Aspectos sociais – Criciúma (SC). 2. Carvão – Aspectos ambientais – Criciúma (SC). 3. Carvão – História – Criciúma (SC). 4. Criciúma (SC) – História.
I.Gonçalves, Teresinha Maria. II. Título. CDD. 21ª ed. 981.642
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Bibliotecária Carmosélia Luciano Domingos – CRB 678/14ª
Biblioteca Central - ESUCRI
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Comissão Julgadora:
Prof. Dr. Geraldo Milioli
Prof. Dr. José Ivo Follmann
Professora Dra. Teresinha Maria Gonçalves
Orientadora
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RESUMO
Para compreender a realidade sócio-cultural de Criciúma, fez-se necessário um esforço no sentido de recompor a memória social e cultural que o passado vislumbrou e o presente esqueceu. A reconstituição do passado é importante porque ele é marcado por um tempo social que não voltará. Muito se fala sobre o carvão em Criciúma. Entre os prós e os contras, entre história oficial e a fala dos atores, há nexos e desconexos. Este trabalho pretende contribuir com o resgate desse passado, procurando trazer para o presente os fragmentos da “cultura do carvão” não contada oficialmente, mas ainda presente no imaginário de determinados atores sociais. A construção da pesquisa foi a partir dos registros das memórias e forma como estas atuam na determinação da compreensão do passado, presente e futuro. Dessa forma, é analisada a composição de memórias compartilhadas, mas ao mesmo tempo isoladas, considerando-as como representativas da história da região, objeto deste estudo. O objeto da pesquisa é a memória do carvão em Criciúma. A pesquisa é de natureza qualitativa e se constitui em estudo de caso, compondo a amostra de dez atores sociais que viveram intensamente a história do carvão e foi realizada em Criciúma-SC, nos anos de 2003 e 2004. A pesquisa tem como constatação importante, a ambivalência de sentimentos em relação ao carvão: polui, destrói, porém traz o emprego. No entanto, esse emprego se constitui um fetiche, já que os dados concretos apontam para outra direção. Palavras chave: “cultura do carvão”, fetiche, memória social, cultura.
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ABSTRACT
In order to understand Criciúma socio-cultural reality it is necessary an effort to recompose the social memory that the past had a notion and the present forgot. The past reconstitution is important because it is marked by a social time that will not return. They talk a lot about coal in Criciúma and between the pros and cons and the oficial history and the authors’ talks, there are nexus and disconexus. This work intends to contribute to recover that past in order to bring to the present fragments of the “coal culture” that it was not officialy told, but it is still present in the imaginary of some social authors. The search was built from registers of the memories and how those act on to understand the past, present and future. It is anylized the memories composition shared (but at the same time isolated) considering them as representatives of the region history, object of this study. The search is qualitative and it is a case study. Its object is the memory about the coal in Criciúma. It shows ten social authors whose lived the history of coal.It was realized in Criciúma-SC, in 2003 and 2004. The seach has as important evidence the ambibalent feelings in relation to the coal: it pollutes, destroys but it brings employment. On the other hand, that employment contitutes a fetish once the concrete data points to another direction. Key words: “coal culture”, fetish, social memory, culture.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Desenho: O carro de carvão é o caixão................................................
Figura 2: A transfiguração do corpo do mineiro de carvão devido ao trabalho
pesado...................................................................................................................
Figura 3: Acesso à mina de carvão de subsolo localizada em Siderópolis-SC
(Carbonífera Belluno)............................................................................................
Figura 4: Máquina de extração de carvão Marion em plena atividade no
município de Siderópolis – SC no ano de 1968.....................................................
Figura 5: Camiseta do time de futebol de campo Criciúma Esporte Clube...........
Figura 6: Ala infantil do cemitério do distrito de Guatá, município de Lauro
Müller-SC...............................................................................................................
Figura 7: Áreas improdutivas no bairro Sangão no município de Criciúma-SC...
Figura 8: Rio poluído (Rio Maina) em Criciúma – SC...........................................
Figura 9: Santa Bárbara (Santa protetora dos mineiros).......................................
Figura 10: Foto do monumento em homenagem aos mineiros de Criciúma –
SC.........................................................................................................................
Figura 11: Foto de uma das muitas lagoas de mineração localizada no bairro
Sangão no município de Criciúma–SC..................................................................
Figura 12: Desenho do local da infância - feito por Tarciso – 2004......................
Figura 13: Foto de uma família pobre que também pode representar
parcialmente a atual situação dos ex-mineiros da Região Carbonífera
Catarinense.............................................................................................................
Figura 14: Foto dos trilhos de trem ainda remanescentes da Ferrovia Dona
Tereza Cristina no bairro Rio Maina, no município de Criciúma – SC...................
Figura 15: Monumento em homenagem aos mineiros do carvão na Casa da
Cultura localizada no centro do município de Criciúma-SC...................................
Figura 16: Casa típica de operário mineiro localizada na rua do Peixe Frito,
bairro Santo Antônio, no município de Criciúma-SC.............................................
Figura 17: Carbonífera Belluno, localizada no município de Siderópolis-SC........
Figura 18: Cartão do INPS pertencente ao Sr. Lorisval Nunes de Mello..............
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1: População na colônia catarinense de Criciúma entre 1880 e 1925....
Tabela 2: Número de trabalhadores na indústria carbonífera catarinense
1940-2000............................................................................................................
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AMESC – Associação dos Municípios do Extremo Sul Catarinense
AMREC – Associação dos Municípios da Região Carbonífera
BACEN – Banco Central do Brasil
CBCA – Companhia Brasileira Carbonífera Araranguá
CECRISA – Cecrisa Revestimentos Cerâmicos S/A
CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem
CENEPI – Centro Nacional de Epidemiologia
CESACA – Cerâmica Santa Catarina
CETEM – Centro de Tecnologia Mineral
CIS – Centro Integrado de 2º Grau Abílio Diniz
COOPERMINAS – Cooperativa da Extração Mineral dos Trabalhadores de
Criciúma Ltda
CSN – Companhia Siderúrgica Nacional
EPI – Equipamento de Proteção Individual
ETE – Estação de Tratamento de Efluentes
EUA – Estados Unidos da América
FATMA – Fundação do Meio Ambiente (de Santa Catarina)
FGV – Fundação Getúlio Vargas
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos
FNS – Fundação Nacional de Saúde
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEN – Instituto de Energia Nuclear
IPAT – Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnológicas (Criciúma-SC)
IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas
SATC – Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão
SIECESC – Sindicato da Indústria da Extração do Carvão do Estado de Santa
Catarina
SIPAT – Semana Interna de Prevenção de Acidentes
SOTELCA – Sociedade Termelétrica de Capivari S/A
UFPR – Universidade Federal do Paraná
UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense
USITESC – Usina Termelétrica do Sul Catarinense
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SUMÁRIO
RESUMO..............................................................................................................
ABSTRACT..........................................................................................................
LISTA DE FIGURAS............................................................................................
LISTA DE TABELAS............................................................................................
CAPÍTULO I
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................
1.1 Construção do problema..............................................................................
1.2 Estrutura do trabalho....................................................................................
CAPÍTULO II
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.........................................................................
2.1 Dados sobre a colonização do município de Criciúma.............................
2.2 O topônimo da palavra Criciúma.................................................................
2.3 Modelo histórico-econômico da mineração do carvão..............................
2.4 Utilização da mão-de-obra feminina............................................................
2.5 Efeitos sócio-ambientais do carvão............................................................
2.6 A memória como instrumento de revelação dos silêncios do passado..
2.7 A cultura e a identidade cultural revelando totalidades singulares.........
2.8 Defrontando-se com o espaço e o lugar....................................................
CAPÍTULO III
3 METODOLOGIA................................................................................................
3.1 Natureza da pesquisa....................................................................................
3.2 Localização da pesquisa.............................................................................
3.3 Objetivos........................................................................................................
3.3.1 Objetivo geral.............................................................................................
3.3.2 Objetivos específicos.................................................................................
3.4 Detalhamento metodológico........................................................................
3.4.1 Composição da amostra............................................................................
3.4.2 Justificativa para a escolha dos atores sociais que compõem a
amostra................................................................................................................
3.5 Técnicas de pesquisa...................................................................................
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3.5.1 Técnicas de coleta de dados....................................................................
3.5.2 Entrevista na modalidade informal..........................................................
3.5.3 Entrevista focalizada.................................................................................
3.5.4 Registros etnográficos..............................................................................
3.6 Técnicas de análise de dados......................................................................
CAPÍTULO IV
4 MEMÓRIAS DO CARVÃO................................................................................
4.1 O carro é o caixão, a picareta é a cruz e a lamparina é a vela..................
4.2 Dos subterrâneos o homem sai extenuado e, à luz do sol, abre-se
uma paisagem não menos sofrida...................................................................
4.3 A morte é apenas uma transmigração.........................................................
4.4 “Clark Kent” na superfície e “super homem” no subsolo.........................
4.5 Tomando banho nas crateras abertas para a exploração das minas.......
4.6 Melhor com o carvão. O carvão é que dá dinheiro. Há várias pessoas
sem emprego em Criciúma...............................................................................
4.7 Produzir para que? Para quem? Prosperar por quê? Crescer como?....
4.8 O carvão deu vida para Criciúma.................................................................
4.9 Em Criciúma a poluição é lógico que acabou............................................
4.10 O mistério da limitação do ser na sua manifestação humana................
CONCLUSÃO.......................................................................................................
REFERÊNCIAS.....................................................................................................
APÊNDICE – ENTREVISTAS...............................................................................
Entrevista 1: Memórias do Carvão – Ademar Silva..........................................
Entrevista 2: Memórias do Carvão – Dirlei Borges..........................................
Entrevista 3: Memórias do Carvão – Geni Bitencourt Daniel.........................
Entrevista 4: Memórias do Carvão – Jairo Viana Júnior.................................
Entrevista 5: Memórias do Carvão – José Carlos Bitencourt.........................
Entrevista 6: Memórias do Carvão – José Severiano......................................
Entrevista 7: Memórias do Carvão – Lorisval Nunes de Mello.......................
Entrevista 8: Memórias do Carvão – Neusa Geremias....................................
Entrevista 9: Memórias do Carvão – Otávio Tomás.........................................
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Entrevista 10: Memórias do Carvão – Tarciso Pereira.....................................
ANEXO 1 – AUTORIZAÇÃO PARA PUBLICAÇÃO DE FOTO...........................
ANEXO 2 – AUTORIZAÇÕES PARA PUBLICAÇÕES DE
INFORMAÇÕES...................................................................................................
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1 INTRODUÇÃO
1.1 Construção do problema
O município de Criciúma, inserido na Região Carbonífera no sul do
estado de Santa Catarina, obteve o seu desenvolvimento econômico, social e
cultural, em parte, mediante a exploração do carvão mineral1.
Desde então, houve diversas fases com modelos distintos, que
impulsionaram a criação de um mercado do carvão nacional.
Naquela época, as companhias carboníferas tinham a concessão da
maioria das terras por parte do Governo Federal, eram donas do abastecimento da
água e luz, dos serviços da saúde, dos cinemas, dos armazéns, dos campos de
futebol, dentre outros. Mesmo os que não trabalhavam na atividade carbonífera
dependiam da benevolência e dos favores dos proprietários e gerentes das minas.
Em 1991 ocorreu um processo de desativação desse parque industrial e
das estruturas conexas, devido à retirada dos subsídios ao carvão nacional pelo
Governo Federal.
Na produção teórica sobre o carvão na região sul do Brasil tem-se dado
ênfase aos agravos que essa atividade fez à natureza, ao meio ambiente e ao
questionável progresso trazido por esta atividade. O carvão visto meramente como
um fator econômico, nega a sua própria história, no sentido de um mundo social,
cultural e simbólico produzido pelo mesmo. O carvão, como um fetiche2, traz para o
sul de Santa Catarina um modelo de sociedade que nos lembra os tempos dos
feudos, pois se estabelece uma relação do servo e senhor entre os atores sociais
envolvidos no processo.
Essa paisagem ficava clara, quando dos passeios de motocicleta que
fazia nos finais de semana por trilhas da região carbonífera. A partir daí é que tomei
conhecimento da devastação provocada pela mineração no sul do Estado de Santa
Catarina.
1 Na região carbonífera, o carvão foi descoberto em Lauro Müller, no ano de 1841, por tropeiros que percorriam o trajeto entre Curitiba e os campos de Lages (CRPM, 2003). 2 Fetiche é um objeto natural ou artificial, ao qual são atribuídas propriedades mágicas ou o qual se venera como sobrenatural (DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA, 1992, p. 195).
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Tomado por um impulso de registrar essas cenas degradantes, que se
apresentava aos meus olhos com crateras lunares, fui realizando séries de
fotografias e essas imagens fotográficas vieram a se constituir categorias de análise
dos dados da pesquisa.
A escolha da região se deu após várias saídas a campo. A
sensibilização ocorreu através de alguns fatos, como por exemplo: o que poderia
ser mais marcante do que nascerem 248 crianças e morrerem 240 no ano de 1948
no Distrito de Guatá, município de Lauro Muller - SC? E ainda hoje podermos
observar vários túmulos e cujos enterros ocorriam em série?
A grande inspiração durante a dissertação foi a professora Teresinha M.
Gonçalves, informante qualificada e autora da dissertação “Estereotipia da relação
profissional/paciente e inibição do processo terapêutico”, principalmente onde
descreve sua trajetória enquanto ator dessa história, onde “deus e o diabo”
habitavam diuturnamente o cotidiano de sua infância e juventude, no cenário
terrífico da indústria do carvão.
As seqüelas daquele período ainda marcam a vida econômica social e
política de Criciúma e de cidades vizinhas, bem como de diversos atores sociais
que viveram o auge da atividade carbonífera, o que irremediavelmente remete à
questão da memória. Acompanhar essa trilha é visitar, com esses figurantes, uma
história que não consta no registro oficial.
A trilha foi constituída com o intento de resgatar os registros das
memórias e a forma como estas atuam na determinação da compreensão do
passado, do presente e do futuro. Sendo assim, o acesso à cultura nos remete ao
direito de memória histórica, ou seja, o acesso aos bens materiais e imateriais que
representam o seu passado, a sua tradição, a sua história.
Desse modo, esta dissertação possui dados para reflexão de como o
processo da indústria extrativa do carvão deixou marcas na cidade, na natureza e
no imaginário das pessoas, resgatando e registrando a memória da mineração a fim
de que a sociedade conheça e interprete o passado para constituir no presente e no
futuro a identidade comunitária com suas igualdades e heterogeneidades,
proporcionando um horizonte mais rico culturalmente, um exercício de cidadania
para a atual e futuras gerações, fortalecendo a consciência da dignidade de um
grupo social, cuja cultura foi fortemente influenciada pelo uso e consumo da
natureza.
O objeto da pesquisa se insere nessa problemática. Quais são os
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principais atores sociais da história não narrada oficialmente? Qual o impacto do
processo da exploração do carvão no imaginário desses atores? Quais os principais
problemas sócio-ambientais detectados por esses atores? Como as constatações
podem auxiliar no entendimento da questão do “fetiche do carvão” e no desejo da
continuidade da exploração do carvão nessa região, já profundamente impactada?
O local da pesquisa é o sul do estado de Santa Catarina, Brasil, região
da AMREC (Associação dos Municípios da Região Carbonífera), porém com maior
centralização em Criciúma, por ser conhecida como a capital do carvão e uma das
cidades mais poluídas do Brasil. A pesquisa se estendeu até o Distrito de Guatá,
Município de Lauro Müller, tendo em vista o grande número de mortes ocorridas no
ano de 1948, quando nasceram 248 crianças e morreram 240. Estes dados se
encontram disponíveis no Plano Plurianual de Saúde do município de Lauro Müller-
1993/1996. Também houve uma entrevista com um ex-morador da localidade de
Santana, município de Urussanga, região altamente degradada e conhecida por
possuir “paisagens lunares”, ocasionadas pela máquina de extração Marion.
Os sujeitos que compõem a amostra são 10 atores sociais envolvidos
na história de exploração do carvão e que são representativos no quadro da cultura
local.
Os componentes são representativos e característicos, como ex-
mineiros, ambientalista, sindicalistas, geólogo, mulheres escolhedeiras de carvão,
ex-mineiro que militou na época do golpe de 1964, ex-morador de uma região
profundamente degradada e um técnico em segurança do trabalho de minas de
carvão.
Sendo assim, o objetivo geral da pesquisa é ajudar a construir a
memória através da narrativa de determinados atores sociais frente a uma história
de degradação sócio-ambiental em uma região carbonífera.
1.2 Estrutura do trabalho
O trabalho é estruturado a partir da construção do problema de
pesquisa, da determinação do seu objeto e da escolha da metodologia. No capítulo
I é colocada a Introdução, sendo que no capítulo II apresenta-se a fundamentação
teórica onde se analisa a colonização do município de Criciúma, o modelo histórico-
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econômico da mineração do carvão, a utilização da mão-de-obra feminina, os
efeitos sócio-ambientais do carvão, memória, cultura e identidade cultural, além do
espaço/lugar. Este referencial terá utilidade na interpretação e análise dos
depoimentos efetuados pelos 10 entrevistados. No capítulo III é colocada a
metodologia de pesquisa. A metodologia foi organizada na perspectiva da pesquisa
qualitativa. No capítulo IV é apresentada a análise dos dados. Em seguida são
colocados a conclusão e as referências bibliográficas. O trabalho ainda contém um
apêndice com as entrevistas dos sujeitos da pesquisa e dois anexos.
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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Dados sobre a colonização do município de Criciúma
Antes da colonização da região por europeus, já havia a ocupação por
tribos dos Jês e Tupis-Guaranis (BELOLLI et al, 2002, p. 19). Posteriormente, as
terras da região do município foram visitadas por desbravadores de origem
portuguesa e açoriana, quando pertencia ao município de Araranguá.
A fundação e a ocupação efetiva do município deram-se em 6 de janeiro
de 1880, com a chegada de imigrantes italianos, quando 22 famílias, compostas por
129 pessoas, entre homens, mulheres e crianças constituíram a leva inicial
daqueles colonizadores, vindos de Beluno e Treviso, Itália. Hoje Treviso é o nome
de um município próximo a Criciúma.
Aglomerados em barracões, os imigrantes aguardavam a designação
dos lotes para construir suas moradias. Os primeiros italianos, isolados da
civilização, agora rodeados de mata virgem, de animais ferozes e de índios que os
ameaçavam constantemente, é que deram início à colonização.
Com o progresso da colônia, em 02 de setembro de 1892, foi elevada à
categoria de Distrito de Paz, como 6º Distrito de Araranguá. Era presidente da
província de Santa Catarina o tenente Manoel Joaquim Machado, que também
inaugurou a primeira escola mista de instrução primária na colônia de São José de
Criciúma.
Mais tarde vieram os poloneses, alemães, luso-brasileiros e negros,
formando, assim, o leque de cinco etnias, que constitui a população criciumense.
Os poloneses com maior concentração se estabeleceram na zona nordeste da
cidade (Linha Batista); os alemães se encontraram na região sudoeste
(Forquilhinha); os lusos com maior concentração em Rio Maina e os afros, na
região sudeste do município.
No início, a atividade econômica predominante era a agricultura de
subsistência, pois era difícil a comercialização para outras localidades. Como a
região era isolada de centros maiores, a agropecuária praticada não obteve muito
progresso, pois parte da produção era para consumo próprio e os poucos
excedentes econômicos eram comercializados na própria vizinhança.
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Com a utilização econômica do carvão em Criciúma, em 1913, e a partir
de 1919, com a chegada do ramal de estrada de ferro Dona Tereza Cristina, a
atividade carbonífera deu grande impulso à economia do sul do Estado e mais
especificamente a Criciúma (BELOLLI et al, 2002). A cidade cresceu e projetou-se
no cenário nacional. Faziam parte do município de Criciúma as localidades de Nova
Veneza, Içara e Forquilhinha. Em 4 de novembro de 1925, finalmente, foi
sancionada a lei da criação do município de Criciúma (Lei Estadual de nº 1516).
A exemplo de outras regiões do Estado e do País, ocorre em Criciúma o
fenômeno da urbanização galopante, esvaziamento da população rural e
concentração da população na cidade. Observa-se que a população do campo e
das pequenas cidades está migrando para Criciúma, à procura de emprego,
equipamentos sociais, comércio, serviços, habitação e melhores condições de vida.
Criciúma é a cidade sede e pólo da microrregião AMREC (Associação
dos Municípios da Região Carbonífera), composta por 10 municípios. Criciúma
integra o principal centro comercial e industrial de todo o sul de Santa Catarina e,
também, o maior centro urbano, com uma população de 182.785 habitantes (IBGE,
2004), ocupando o 4º lugar no Estado. Com as constantes crises geradas pela
instabilidade da economia carbonífera, Criciúma deu início a um processo de
diversificação, nas décadas de 1970, 1980 e 1990 do século passado. Alguns
ramos tiveram muita prosperidade, como a indústria cerâmica, confecção, plásticos
e metal-mecânico, sendo essas atividades ainda de grande expressividade no
cenário econômico atual.
2.2 O topônimo da palavra Criciúma
O topônimo do município é originário de uma espécie de taquara,
existente em grande quantidade às margens do Rio Criciúma. Em termos
indígenas, o nome Criciúma corresponde à vara lisa e dobrada (uma taquara
pequena). Em consulta realizada em 1955, a Moacyr Campos, jornalista, tupinólogo
e professor, residente em São Paulo, o Jornal A Tribuna Criciumense recebeu a
seguinte resposta sobre as origens da grafia e origens da palavra Criciúma:
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[...] preliminarmente, somos de opinião que temos que nos curvar pelo menos até ordem em contrário à grafia que for estabelecida por quem pode, máxime em se tratando de termos tupis, onde tudo é convencional. Cresciúma, Cressiúma ou Criciúma vêm dar a mesma coisa, pois qualquer deles apenas se aproxima do conjunto de vocabulários enunciados pelo indígena. Para que haja uniformidade, demos como definitiva a grafia Criciúma, a fim de que o assunto, nesta fase de menor importância, não padeça de discussão. Vejamos, agora, quão diferente na forma é a palavra original. É Kyruy-syiuâ, segundo se infere Guasch, ou Quirey-Cy-uá , conforme se deduz das raízes apresentadas pelo mestre indiscutível, que é o padre Ruiz de Montoya. Analisados os termos, assim os traduzimos: Kyruy: Delicado, tenro; Syi: liso; Uâ: a haste, a vara. Portanto, vara lisa e delicada. Nas mesmas condições, serão interpretados os componentes Quirey-cy-uâ. Ora, parece-nos que Criciúma é uma taquara pequena, o que se adapta perfeitamente à explicação dada acima. A propósito, lembramos que o padre Teschauer, em seu “Novo Dicionário Nacional”, diz o seguinte: CRIXIUMA s.f. (bot. Chusquea romossima Lindm.). Taquara que ainda que o nome cresciuma ‘[...]reina uma sombra eterna, especialmente se na mata houver crixiuma, um bambu anão, extraordinariamente ramoso’ [...] (LINDMANN LOFFGREN). Como se vê, mais uma grafia diferente para crixiuma. Finalizando, damos ainda, uma nova versão, baseada no ‘extraordinariamente ramoso’, de Loffren: Quirey-cy-uâ, ou facilitando, quirei-ci-ua, frondes ou grande volume de varas finas. Salvo melhor juízo, isto é que se pode dizer sobre o assunto. Correspondo ao seu cordial aperto de mão, aqui fico às ordens, subscrevendo-me, patrício e admirador (CAMPOS apud COMISSÃO MUNICIPAL DE CULTURA, 1974, p. 11).
2.3 Modelo histórico-econômico da mineração do carvão
A investigação da importância econômica remete a não-dissociação
entre história e economia. Há intercalação e junção de três categorias para analisar
a história econômica de uma determinada região: o modo de produção3, formação
social4 e espaço5.
Conforme Santos (1997, p. 86), “todos os processos que, juntos,
formam o modo de produção são históricos e especialmente determinados num
movimento de conjunto através de uma formação social”, pois toda história não se
escreve fora do espaço.
3 O conceito de modo de produção se refere a uma totalidade social abstrata (capitalista, servil etc, com estrutura econômica, política, ideológica – idéias, costumes). O modo de produção produz bens materiais e relações de produção capitalista, onde o consumo cria a necessidade de nova produção (HARNECKER, 1983). 4 A formação social é a realidade social historicamente determinada, composta de estruturas regionais complexas (econômica, ideológica, jurídico-política) (HARNECKER, 1983). 5 Para Santos (1997), o espaço é construído e resultado de múltiplas determinações naturais, sociais e culturais.
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A ocupação de território compreendido na região carbonífera se
concretizou nas últimas três décadas do século XIX com a fundação de Urussanga
em 1878, a fundação e ocupação de Criciúma em 1880 e a fundação Vila Lauro
Müller (hoje município de Lauro Müller), com o início da extração do carvão em
1885. Entretanto, “durante os 30 primeiros anos, a atividade econômica principal foi
a agricultura” (VOLPATO, 1984, p. 31).
O carvão mineral, abundantemente em solo criciumense, foi descoberto
numa casualidade no ano de 1893, conforme narra Naspolini Filho (2000, p. 71):
Corria a notícia de que os envolvidos na guerra dos Maragatos e Pica-Paus, ali no Rio Grande do Sul, adentrariam o solo catarinense e, ao passar por vilas, como a Cresciúma, confiscaram burros e cavalos para atenderem aos seus soldados. Essa notícia foi ouvida pelo senhor Giácomo Sonego que, com duas boas mulas, fazia serviço de frete (com carroça), transportando produtos hortigranjeiros e tecido [...] perder as mulas: Perguntou-se o Sr. Giácomo Sonego, nem pensar. Abriu uma picada mato a dentro e, a uns duzentos metros, se tanto, de sua casa, preparou o novo habitat para os animais de carga... passada a encrenca toda, o Sr. Giácomo derrubou o mato, inclusive aquela porção na qual escondia suas mulas e, depois de recolhidas as toras e varas mais grossas, ateou fogo na coivara. E daí, senhores, descobria-se o carvão mineral. No dia seguinte à queimada, seu Giácomo foi ver o local e, para sua surpresa havia umas pedras queimando em brasa.
Todos os atuais municípios (Içara, Lauro Müller, Criciúma, Cocal do Sul,
Morro da Fumaça, Urussanga, Forquilhinha, Nova Veneza, Siderópolis e Treviso)
foram fundados e colonizados por agricultores descendentes de europeus,
sobretudo italianos. Por diversos anos, a atividade predominante foi a agricultura e
a pequena pecuária de subsistência. A partir de 1913, com a utilização comercial do
carvão em Criciúma a região passa a dedicar-se à extração do minério, seguindo-
se a instalação da ferrovia (Tubarão), do porto (Imbituba) e do complexo
termelétrico Jorge Lacerda em Capivari de Baixo (GOULARTI FILHO, 2001, p. 3).
Esta extração do carvão mineral acabou sendo a base econômica de
toda a região, possibilitando a diversificação industrial e o crescimento rápido de um
pólo regional carbonífero.
Cabe ressaltar quatro fases bem distintas do modelo histórico da
produção de carvão mineral. Criciúma se insere no primeiro período, o qual teve
aceleração devido à imigração de colonizadores de origem européia, conforme
verifica-se na tabela 1.
20
Tabela 1: População na colônia catarinense de Criciúma entre 1880 e 1925.
ANO POPULAÇÃO
1880 141
1890 274
1900 1200
1910 3600
1925 8500
Fonte: IBGE (apud GOULARTI FILHO, 2001- adaptado)
Já o Centro de Assistência Gerencial de Santa Catarina – UFSC –
CEAG/SC (1980, p. 165) relata que “a exploração do carvão começou em 1916, e
em 1918 houve ampliação, com a descoberta das minas de Criciúma e Urussanga”.
Existem, portanto, muitas divergências dentre os autores citados.
De acordo com Goularti Filho (2001), a primeira fase vai do
descobrimento do carvão até a implantação total da ferrovia em 1919; a segunda
fase até a segunda guerra mundial, incluindo usinas de beneficiamento,
termelétricas e produção de gás e coque; a terceira fase entre a segunda guerra e
os anos setenta do século XX, marcada pela mecanização das minas, até os dias
atuais, com o seu auge por volta de 1980, impulsionado pela crise mundial do
petróleo. Desse modo, o carvão surge na pauta de exportação durante a primeira
guerra mundial e mantém-se num ritmo de crescimento até 1927, e o declínio
acontece devido ao carvão importado. A lavra e o beneficiamento do carvão mineral
no sul de Santa Catarina apresentaram-se, desde os seus primórdios, como
atividades econômicas fundamentais ao desenvolvimento de toda a região e, desde
o início de sua exploração econômica, o carvão teve a sua comercialização atrelada
a decisões governamentais. As duas grandes guerras mundiais são consideradas
marcos determinantes para o desenvolvimento da indústria carbonífera brasileira.
No sul de Santa Catarina significaram um tempo de progresso e investimentos no
setor. Durante a I Guerra Mundial, diante do impedimento da importação do carvão
europeu para atender às recém-criadas empresas nacionais de iluminação, gás e
ferrovias, a exploração do carvão brasileiro foi muito incentivada.
Na primeira fase, as minas eram abertas nas encostas onde aflorava a
camada de carvão, sendo o mesmo retirado por processos rudimentares e
transportados até as proximidades do porto de Laguna, em carros de boi e no
lombo de mulas. Com a ferrovia, surgiram equipamentos mais modernos, tipo
21
perfuratrizes e locomotivas, com o mineiro retirando o produto escolhido e
classificando manualmente, para utilização nos vapores e na produção de gás na
capital da República. Com a Segunda Guerra Mundial, o carvão tornou-se
estratégico e o Governo Federal, com a criação da Companhia Siderúrgica
Nacional – CSN (que investiu na região sul), consolidando o porto de Imbituba, a
ferrovia Dona Tereza Cristina, o lavador de Capivari e a primeira termelétrica
estatal, a Sotelca. Esta fase, ainda da produção manual pelo mineiro, também é
marcada pelo primeiro grande depósito de rejeitos de carvão de alto teor de
enxofre, depositado na Estiva dos Pregos no então município de Tubarão. Após os
anos setenta e com fortes subsídios estatais, houve uma aceleração da
mecanização das minas, com aumento da produção e instalação pré-lavadores,
proporcionando o aparecimento dos grandes depósitos de refugos junto às minas.
Também o surgimento e a bancarrota da Indústria Carboquímica Catarinense para
o aproveitamento do enxofre, contido nos rejeitos, podem ser citados (GOULARTI
FILHO, 2001).
A partir de 1986, o esquema que protegia o setor começou a ser
desmantelado, aumentou a importação de carvão metalúrgico, foram retirados os
subsídios dos transportes e as cotas foram extintas, reduzindo, então, o número de
trabalhadores (tabela 2) e ocasionando a crise do carvão (GOULARTI FILHO,
2001).
Tabela 2: Número de trabalhadores na indústria carbonífera catarinense 1940-2000
ANO TRABALHADORES ANO TRABALHADORES
1940 3200 1950 5.500
1960 6700 1980 9.322
1985 10.536 1988 9.129
1990 4.350 1995 3.210
1999 2.500 2000 2.600
Fonte: IBGE (apud GOULARTI FILHO, 2001).
Em 1991, é encerrada a fase de produção do carvão metalúrgico
nacional (catarinense) e iniciado o uso industrial diversificado como o carvão
energético, em regime de livre mercado, e o uso como principal utilização do carvão
mineral. Após 1991, inicia-se um processo de desativação das minas (GOULARTI
FILHO, 2001).
22
2.4 Utilização da mão-de-obra feminina
Um fato que nos dias atuais aparece em profundo esquecimento é
utilização das mulheres para os serviços de catação de carvão, além dos serviços
tradicionais do lar. Estas mulheres passaram a ser conhecidas como escolhedeiras
ou catadoras de carvão. Carola (2002, p. 56) destaca alguns elementos sobre este
tema: “Do ponto de vista das famílias mineiras, o trabalho das mulheres nas minas
tinha um papel importante no orçamento doméstico e, em alguns casos, era
fundamental e único, embora fosse sempre considerado complementar”, ou ainda
que “muito longe da propagada docilidade e submissão feminina, as trabalhadoras
das minas de Criciúma e região jogavam por terra todos os esteótipos de sua
suposta fragilidade” (CAROLA, 2002, p. 73). O trabalho de escolha também era
pesado, pois as mulheres tinham que erguer e virar as caixas de carvão para
efetuar a escolha. Conforme alguns entrevistados, essas caixas pesavam entre 60
e 100 quilos.
Mais tarde, as mulheres foram excluídas das minas. Isso as remeteu às
atividades domésticas. Cuidavam dos maridos e criavam os filhos. Lavar o dorso do
marido para tirar a poeira de carvão lembra cenas de Zola (1994). Chorar pelo filho
morto era coisa que as mulheres dos mineiros faziam freqüentemente
(GONÇALVES, 1989). Desse modo, “as mulheres foram excluídas das minas e da
história e ‘confinadas’ à privacidade do lar” (CAROLA, 2002, p. 80).
Carola (2002, p. 9) ressalta que “a idéia de que as mulheres começaram
a trabalhar fora do espaço doméstico apenas recentemente não encontra respaldo
na história vivida, e sim na história escrita, pois esta é escrita no masculino”. De
uma forma ou de outra, as mulheres foram ativas fora do lar, mas muitas vezes
reprimidas.
Até os anos 60 do século passado, na atividade da mineração as
mulheres eram utilizadas, conforme Volpato (1984, p. 24), “principalmente nas
décadas de 1940 e 1950, as mulheres constituíam uma força de trabalho
significativa nas minas de carvão da região carbonífera de Santa Catarina”. Isso era
interessante para os proprietários da minas já que pagavam um salário mais baixo
para este tipo de mão-de-obra.
Ainda assim, as famílias numerosas obrigavam que as mulheres
procurassem um emprego e o que havia disponível era na mineração. Neste
23
sentido, Volpato (1984, p. 53) conta que “[...] de um lado, havia os donos das
minas, ávidos por obterem lucros fáceis com mão-de-obra barata. De outro, as
famílias pobres que necessitam de emprego, salários, moradias”. Na maioria das
vezes os funcionários não sabiam quem eram os proprietários das companhias
carboníferas. Sabiam que existia um capataz.
2.5 Efeitos sócio-ambientais do carvão
Se por um lado houve o desenvolvimento econômico, por outro, os
danos ambientais assumiram formas variadas e com escalas diferenciadas, tais
como a contaminação dos lençóis freáticos, extinção de nascentes, erosão do solo,
retirada de grande volume das camadas do solo conduzindo ao desaparecimento
de seções inteiras de uma unidade paisagística, desmatamento, formação de pilhas
de estéril, contaminação química dos cursos de água, chuva ácida, dentre outros,
conforme constatações do autor.
Carola (2002, p.147 e 231), também cita que,
[...] a história mundial comprova que, onde existiram minas, existiram morte e destruição. Na região carbonífera de Santa Catarina, esse dilema também ocorreu. Em certos aspectos, a união entre a lógica capitalista, a ganância inconseqüente de proprietários e a submissão das autoridades resultou em fulminante destruição, comparável a uma guerra nuclear. Em nome do progresso, rios, solo, ar e seres humanos foram violentamente dilacerados [...] a mina de carvão é, sem dúvida, um dos ambientes de trabalho mais insalubres e poluídos que se conhece até hoje.
Conforme Kopezinski (2000, p. 21), “todo ato de minerar, tanto a céu
aberto como subterrâneo, modifica o terreno no processo da extração mineral e de
depósitos de rejeitos”, e Loch (1991) aponta uma forte influência da exploração
carbonífera nas atividades agrícolas no município de Criciúma, promovendo
degradação da vegetação nativa, alterações químicas no solo, além de poluição na
rede hidrográfica.
Tentativas de reversão da degradação estão sendo feitas, mas
conforme coloca Santos (2000, p. 105),
24
[...] pacotes ecológicos que não tomam por base o fator produtivo e suas implicações regionais e locais são apenas pacotes, embriões de novos fatos territoriais funcionais, cujos desdobramentos [...] levarão à anulação dos resultados porventura obtidos e ao fortalecimento de mazelas estruturais que dizem combater, onde o território continua a ser usado como palco de ações isoladas e no interesse conflitante de atores isolados.
Ainda sobre a questão ambiental e social, Gonçalves (1989, p. 140),
acrescenta que “os mineiros do sul de Santa Catarina e seus filhos morriam por
doenças provocadas pelas más condições de vida e de trabalho, falta de
saneamento básico, água potável, por subnutrição e insalubridade das minas de
carvão”, e Milioli (1995, p. 53) identifica que a população do bairro Sangão de
Criciúma, está ciente de que as doenças de saúde “estão relacionadas em grande
parte à poluição que reveste o ambiente” com “incidência de doenças das vias
respiratórias, pulmonares, cardiovasculares, digestivas, entre outras”. O bairro
Sangão ainda hoje é uma região impactada pela mineração e por um lixão que a
Prefeitura Municipal de Criciúma insiste em denominar de “aterro controlado”.
Apesar de começar a existir um apelo ecológico nas ações do homem,
Santos (2000, p. 47) coloca:
Fala-se em ecologia, mas freqüentemente o discurso que conduz à maior parte das reivindicações se refere a uma ecologia localizada, enraivecida e empobrecida, em lugar de ser o combate por uma ecologia abrangente que retorne os problemas a partir de suas próprias raízes. Estas se confundem com o modelo produtivo adotado e que, por definição, é desrespeitador dos valores desde os sons da natureza até a vida dos homens.
Isso leva as atuais gerações a uma confusão ideológica, pois já nascem
com a poluição que já está incorporada à definição dos espaços urbanos e rurais, o
que era fortemente sentido nas vilas formadas pelos trabalhadores da indústria do
carvão, onde havia sujeira e falta de saneamento básico, dentre outros.
2.6 A memória como instrumento de revelação dos silêncios do
passado
Para Ferreira (1996), a etimologia da memória expressa tanto o fato da
recordação, lembranças, reminiscências, como o ato de narrar, referir, relatar. A
25
memória é a memória e seu avesso. Ela não é apenas a lembrança, uma faculdade
psíquica, ela é, a um só tempo, a lembrança e seu relato, a narrativa do que é
memorado.
Os depoimentos, baseados na memória, nos oferecem a percepção de
fatos que parecem operar em superposição com os marcos gerais registrados na
história oficial, embora não levados em consideração por essa história.
De acordo com o Bosi (2003), recompor a memória social e cultural é
devolver o que o passado vislumbrou e o presente esqueceu. A memória vinga os
vencidos, pois memória é a primeira e mais fundamental experiência do tempo.
Representa a capacidade humana de reter e guardar o tempo que se foi, salvando-
o da perda total.
Chauí (1994b, p. 125), propõe a importância do resgate no sentido de
que “mediante o resgate, no tempo presente, de referências situadas no tempo
passado se pode relembrar, memorar [...]”.
Connerton (1997), refletindo sobre memória social, afirma que as
imagens do passado geralmente legitimam uma ordem social presente, o que leva
o autor a considerar e pressupor a existência de uma memória partilhada entre os
participantes de qualquer ordem social. Esse raciocínio qualifica a memória como
elemento poderoso na conformação das práticas sociais.
Floriani (2000, p. 1) tem sua concepção sobre o resgate do passado
através da memória:
Resgatar o passado, no atual contexto de profundas operantes mudanças podem significar muitas coisas: por um lado, lamentar um mundo perdido, por meio de uma visão nostálgica e idealizada sobre o elo perdido. Por outro, pode significar ter que fazer concessões a outros saberes, permeados de outras racionalidades, diferente da científica. Seria, então, o caso de se considerar a necessidade de um diálogo entre essas diferentes expressões de saberes.
Pode-se citar o caso do entrevistado Lorisval Nunes de Mello, que
relembrou a existência do grupo dos onze, que existiu também nessa região.
A reconstituição do passado é importante, pois dessa forma é “marcado
por uma causa de um tempo especial, que não existe e que não voltará“
(MONTENEGRO, 2001, p. 137). Assim, “a memória, como propriedade de
conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de
funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou
informações passadas, ou que representa como passadas” (LE GOFF, 2003, p.
26
419). A apreensão da memória depende do ambiente social e político, sendo de
certo modo uma apropriação do tempo. A memória é um fenômeno individual e
psicológico.
Le Goff (2003, p. 471) afirma que “a memória, na qual cresce a história,
que por sua vez o alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e o
futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e
não para a servidão dos homens”. Isso nos remete as recordações da família, dos
colegas de trabalho, as recordações pessoais, num vasto complexo de
conhecimentos não oficiais.
A memória pode ser individual ou coletiva. Para Le Goff (2003, p. 469),
“a memória é um elemento essencial que se costuma chamar ‘identidade’,
individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos
e das sociedades de hoje, na febre e na angústia!”. A memória não oficial pode ser,
então, fonte de um instrumento para compreender fatos passados.
Para Benjamin (1992), as historiografias oficiais tendem a evocar o
passado, fazendo despertar recordações dominadas por uma temporalidade
ordenada e linear alinhando, desse modo, os acontecimentos de uma forma
particular, uma forma que apenas permite que as pessoas se lembrem de uma
sucessão distorcida e pré-determinada de eventos passados. A história oficial,
segundo Benjamin, não é mais que ficção, uma montagem seletiva de
acontecimentos passados num encadeamento linear significante.
Os silêncios da história são, neste sentido, reveladores dos
mecanismos e dispositivos de construção social do passado e, portanto, de
manipulação da memória coletiva; o esquecimento constitui uma vala comum onde
repousam atores e personagens anônimos e episódios e ações marginais,
suprimidos e eliminados pelas narrativas históricas convencionais. E se a memória
histórica do passado influencia o presente, o controle sobre essa memória histórica
torna-se um sólido instrumento de dominação.
Estas reflexões sobre memória fazem valorizar o depoimento, a
narrativa, a entrevista, enfim, a fala de um determinado grupo pesquisado, como
um material imprescindível, principalmente em pesquisas que se propõem a
resgatar lembranças a partir do imaginário coletivo, isso porque, conforme Darnton
(1987), ao se cruzar informações e acontecimentos, através das falas de
entrevistados, compreende-se que a notícia não é o que aconteceu no passado
imediato, e sim, o relato de alguém sobre o que aconteceu, levando-se em conta
27
que esse alguém que relata, o faz a partir de um ponto de vista que, não é apenas
seu porque é individual, mas porque é formulado a partir de experiências
particulares que formaram uma trajetória única e irrepetível.
Assim, é possível inferir que, juntamente com a história, narrativas e
memórias oficiais, coabitam outras histórias, contra-narrativas e contra-memórias
que não devem ser esquecidas sob o risco de desperdiçar a compreensão histórica
de determinadas figuras, grupos, sociedades, eventos ou períodos.
De acordo com Bosi (2003), mesmo os silêncios que freqüentemente
formam hiatos no decorrer das narrativas, podem expressar a memória de fatos e
acontecimentos marcantes e muitas vezes dolorosos, que mobilizam
emocionalmente o informante, ou que de tão carregados de sentimento estão
guardados nos espaços mais escondidos da memória, como forma de proteção
frente ao sofrimento causado pelas lembranças.
É essencial conservar as experiências que narram, os episódios que
descrevem, as historietas que relatam, encontrando uma possibilidade de
salvaguardar do esquecimento, a história e a cultura desses atores que
representam o grupo de dominados, perante a história carbonífera local.
2.7 A cultura e a identidade cultural revelando totalidades singulares
Sobre a origem da palavra cultura, Chauí (1994a, p. 11) coloca que a
mesma é “[...] vinda do verbo latino ‘colere’. Cultura era o cultivo de plantas e
animais. [...] Era também o cuidado com os Deuses, os ancestrais e seus
monumentos, ligando-se à memória e, por ser o cuidado com a educação, referia-
se ao cultivo do espírito”.
Para Telles (1977, p. 9) cultura “é toda a criação do homem que alcança
autonomia em relação ao seu criador”.
Claval (2001, p. 63) coloca que cultura é mediação entre os homens e a
natureza; é herança e resulta no jogo da comunicação; é construção e permite aos
indivíduos e aos grupos se projetarem no futuro; é, em grande medida, feita de
palavras e articula-se no discurso e realiza-se na representação; é um fator
essencial de diferenciação social; e a paisagem carrega a marca da cultura e serve-
lhe de matriz: objeto privilegiado dos trabalhos de geografia cultural. E continua: “a
28
cultura é a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos
conhecimentos e dos valores acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e,
em outra escala, pelo conjunto dos grupos de que fazem parte”.
Em outra direção, marcada pelas relações com a história, “a cultura se
torna o conjunto articulado dos modos de vida de uma sociedade determinada”
(CHAUÍ, 1994a, p. 13).
A “cultura popular”, criada pelo povo, pode ser denominada de cultura
global. Os demais sistemas específicos são a “cultura erudita” e “cultura de massa”
que teria como um objetivo a substituição de valores “populares autênticos”
(AYALA, 2002, p. 40-41).
Para Floriani (2000, p. 2), “A cultura deve ser considerada como um
princípio ativo, afirmador de identidades, não apenas como reflexo de uma história
que passou” , devendo ser preservada pelos meios disponíveis.
Cuche (1999, p. 175), diz que “há desejo de se ver cultura em tudo, de
encontrar identidade para todos” e acrescenta que “a cultura depende em grande
parte de processos inconscientes. Já a identidade remete a uma norma de
vinculação, necessariamente consciente, baseada em oposições simbólicas”.
Para Tylor (apud CUCHE, 1999, p. 35), “a cultura é a expressão da
totalidade de vida social do homem” e “é adquirida e não dependente de
hereditariedade biológica”.
Frans Boas, antropólogo citado por Cuche (1999, p. 45), assinala que
“cada cultura representa uma totalidade singular“.
O conceito de identidade cultural “aponta para um sistema de
representação (elementos de simbolização) [...] das relações entre os indivíduos e
os grupos e entre estes e seu território de reprodução e produção, seu meio, seu
espaço, seu tempo” (COELHO, 1997, p. 201). Sendo assim, é a soma de
conhecimentos adquiridos pelo homem ao longo de sua existência.
2.8 Defrontando-se com o espaço e o lugar
A noção de espaço é complexa. A geografia, a arquitetura, a filosofia o
vêem de forma diferente. Quando falamos de espaço, não estamos falando tão
somente do espaço geográfico e arquitetônico. Para Claval (2001), espaço é onde a
29
pessoa significa. Para Gonçalves (2002, p. 51), “a noção de espaço abarca o
cósmico, o físico natural, o histórico-cultural e o psicológico”.
De acordo com Santos (1997), o espaço é o resultado das ações dos
homens sobre o próprio espaço. Para Gonçalves (2002), o valor simbólico do
espaço traz as significações produzidas pelas ações humanas. O espaço não é
paisagem. Conforme Santos (1997, p. 72), “a paisagem é a materialização de um
instante da sociedade”.
A noção de espaço que prioritariamente interessa a este trabalho refere-
se ao espaço cultural. Isso também implica em compreender o mundo simbólico no
imaginário das pessoas que viveram a história do carvão. Segundo Gonçalves
(2002) e Santos (1997), o espaço é diferente de lugar. Para esses autores, o
espaço é cheio de lugares. “O lugar é específico, concreto, conhecido, familiar,
delimitado: o ponto de práticas sociais específicas que nos moldaram e nos
formaram, com as quais nossas identidades estão estreitamente ligadas”
(GONÇALVES, 2002, p. 52).
A paisagem não é espaço, pois não existe paisagem parada. “A
paisagem é materialidade, formada por objetos materiais e não materiais”
(SANTOS, 1997, p. 71).
Segundo Figueiró (1998), a paisagem não é a simples adição de
elementos geográficos dispersos. É, numa certa porção do espaço, o resultado da
combinação dinâmica e, portanto, instável de elementos físicos, biológicos e
antrópicos, que, reagindo dialeticamente uns em relação aos outros, fazem da
paisagem um conjunto único e indissociável em perpétua evolução. O sistema
depende das inter-relações do homem-ambiente e evolui em função delas.
Portanto, não é viável estudar o ambiente em separado.
Enquanto espaço ainda está sendo encarado de forma abstrata, o lugar
passa também a ter um papel preponderante na análise. Para Del Rio e Oliveira
(1999, p. 174),
[...] espaço e lugar são elementos do meio ambiente, profundamente relacionados, indicando experiências comuns. Os seres humanos necessitam de ambos, porque suas vidas se processam num movimento dialético de refúgio e aventura, dependência e liberdade. Assim, podemos pensar no espaço como algo que permite deslocamentos, e cada pausa no movimento faz com que a localização se transforme em lugar.
Para Santos (2000, p. 61), “quando o homem se defronta com um
30
espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é
estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação”. Constatação esta
contestável em nossa região, tendo em vista que os principais sobrenomes
“famosos” que “construíram” a cidade não têm a mínima consideração, já que não
poderiam ser alienados à pobreza, à poluição, à falta de humanização dos espaços
públicos etc. Não ocorrendo, então, o que bem coloca Santos (2000, p. 61), que “o
entorno vivido é lugar de uma troca, matriz de um processo intelectual”. O processo
intelectual existiu, entretanto, pelo que parece não ocorreu o processo racional. Ou
foi somente racionalmente econômico para o lado dos detentores do poder.
31
3 METOLOGIA
3.1 Natureza da pesquisa
Esta pesquisa se define como qualitativa do tipo exploratória, sendo seu
método principal o estudo de caso.
Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: a) levantamento bibliográfico; b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado e c) análise de exemplos que estimulem a compreensão (SELLTIZ apud GIL, 1989, p. 45).
Contar uma história pelos seus fragmentos não é tarefa fácil, porém
importante, pois de uma certa forma esses fragmentos irão recompô-la, e
esclarecer pontos não elucidados, trazendo à tona fatos inusitados, atípicos e que
caminharam de forma marginal pelas bordas da história. Esses fatos estão na
memória coletiva dos atores que a viveram.
Esses atores são os informantes qualificados. Essa qualificação é
aferida pela vivência do problema e pelos conteúdos que o mesmo deixou em suas
memórias. Aqui não trabalhamos com categoria de indivíduos, mas de atores
sociais.
Na abordagem qualitativa, não se pretende numerar e nem medir, mas
analisar fatos e conteúdos escolhidos.
Assim, consideramos que a pesquisa exploratória é adequada ao tema
estudado e ao objeto de estudo escolhido.
Para Montenegro (2001, p. 74), “muitos períodos da história oficial
parecem passar despercebidos de uma grande parcela da população”. Assim, o
registro das lembranças da população pode-se tornar um foco de memória.
32
3.2 Localização da pesquisa
A pesquisa de campo se deu no município de Criciúma-SC, embora
tenha se estendido ao município de Lauro Müller-SC, devido a um fato relevante,
que foi a elevada mortalidade de crianças ocorridas no ano de 1948, ocasionada
pela poluição ambiental, gerada pela extração do carvão. A escolha da localização
da pesquisa se deu após várias saídas de campo, realizadas pelo pesquisador, em
toda a região carbonífera, as quais foram devidamente registradas em seu diário de
campo.
3.3 Objetivos
3.3.1 Objetivo geral
Resgatar parte da “cultura do carvão” através da memória de
determinados atores sociais que viveram a história do carvão em Criciúma – SC.
3.3.2 Objetivos específicos
Os objetivos específicos ficam sendo os seguintes:
• registrar a história da “cultura do carvão” por meio de seus
fragmentos;
• avaliar o impacto desse processo no imaginário de determinados
atores sociais;
• contribuir para a preservação da memória cultural da região
carbonífera de Santa Catarina.
33
3.4 Detalhamento metodológico
3.4.1 Composição da amostra
A amostra é composta por 10 atores sociais envolvidos na atividade de
exploração do carvão e cujas histórias vividas ficaram excluídas da história oficial.
Julgou-se que esses entrevistados compõem um segmento sobre o qual
evidenciam-se semelhanças quanto à classe social de origem e ao tipo de
participação na história dessa atividade econômica. Assim, fundamenta-se o
entendimento que esses entrevistados integram um grupo e, nesse sentido, estão
relacionados por laços emocionais que se interligam como uma rede e que dão
suporte à memória coletiva. De acordo com Chauí (1994), as lembranças grupais
se apóiam uma às outras, formando um sistema que subsiste enquanto puder
sobreviver a memória grupal.
Esse tipo de seleção levou em conta os critérios da chamada “amostra
intencional”, que, de acordo com Rauen (2002, p. 123), “são escolhidos casos que
representem o bom julgamento e relato sobre determinado aspecto”. Além disso, de
acordo com Quivy et al (1992, p. 164), para compor a população a ser estudada,
pode-se optar por “componentes não estritamente representativos, mas
características da população”.
A representatividade da amostra difere daquela estatística. Como se
está trabalhando com memória e história oral, a qualificação dos informantes, a
profundidade de análise e o rigor metodológico é que dão o grau de cientificidade à
pesquisa (GONÇALVES, 2004a).
Dessa forma, a amostra é composta por:
1) 01 mineiro aposentado da década de 1970;
2) 01 geólogo que residiu na Europa e é conhecedor da atividade carbonífera do
sul de Santa Catarina;
3) 01 ambientalista, militante do Partido Verde e fiscal da FATMA;
4) 01 escolhedeira de carvão da década de 1930;
5) 01 escolhedeira de carvão da década de 1960;
6) 01 morador ex-mineiro, aposentado, residente em Lauro Müller-SC, Distrito de
Guatá;
34
7) 01 ex-sindicalista do sindicato dos mineiros e mineiro aposentado;
8) 01 ex-morador da localidade de Santana, município de Urussanga-SC;
9) 01 ex-mineiro, sindicalista e técnico de segurança do trabalho;
10) 01 mineiro aposentado e ativista político.
3.4.2 Justificativa para a escolha dos atores sociais que compõem a
amostra
As escolhedeiras de carvão: Faziam a seleção do carvão separando o
carvão dos rejeitos, tais como xisto e outras formações rochosas, que não
possuíam valor comercial. Elas efetuam um trabalho árduo e foram personagens
ativos e ao mesmo tempo discriminados. Uma escolhedeira atuou na década de
1930 e outra na década de 1960. Estas diferenças de período se justificam para
relatar as possíveis diferenças no trabalho de escolha do carvão.
O sindicalista: Para que o mesmo relatasse a história da luta dos
mineiros, segundo suas memórias.
O mineiro residente no distrito de Guatá, município de Lauro Müller -
SC: Este ex-mineiro, atualmente aposentado, morador do distrito do Guatá, está
relacionado à presença da morte no processo da exploração do carvão. Sofreu um
grave acidente na mina e hoje cuida do cemitério de Guatá.
O ambientalista: Que sempre conviveu com os problemas da poluição
em Santa Catarina e em especial na região carbonífera sul catarinense. Hoje é
funcionário (fiscal) da FATMA e militante do Partido Verde de Criciúma.
O geólogo: Como os demais são de origem humilde, entretanto pelo seu
esforço conseguiu efetuar faculdade de Geologia, indo para a Europa trabalhar em
atividades ligadas à extração do carvão e reside há vários anos em Criciúma. É
uma pessoa que forneceu um comparativo entre os problemas ambientais da região
carbonífera de Santa Catarina, com os problemas encontrados na Europa, EUA e
Canadá, países e regiões que agrediram ou ainda agridem o meio ambiente com
impactos negativos.
O mineiro aposentado da década de 1970: Apesar da idade avançada,
começou a trabalhar na mina em subsolo na década de 1940, permanecendo nesta
atividade por 30 anos, quando a aposentadoria do mineiro (no seu caso) era com
35
15 anos. Além disso, ele continuou a trabalhar em várias atividades por mais de 20
anos depois de estar aposentado como mineiro de frente de serviço. Segundo
pesquisa feita pelo autor no Sindicato dos Mineiros de Criciúma a aposentadoria
nas frentes de extração do carvão atualmente é de 15 anos. Do acesso externo das
minas até às frentes de trabalho é aos 20 anos e no trabalho externo das minas a
aposentadoria é aos 25 anos.
O ex-morador de Santana, município de Urussanga-SC: Por ser uma
das regiões mais destruídas pela mineração, com a existência ainda de “paisagens
lunares” devido à exploração do carvão a céu aberto (mineração de superfície),
com a presença da máquina Marion que arrasou a natureza da região.
O ex-mineiro e atualmente técnico em segurança do trabalho: Que
reflete sobre a segurança nas minas e cuidados que se deve ter com os
trabalhadores e a qualidade de vida.
O mineiro aposentado e ativista político: Para relatar problemas
familiares, sociais, econômicos, ambientais e políticos ocorridos na região
carbonífera, no auge da exploração do carvão.
Todos os entrevistados fizeram questão que seus nomes aparecessem
no trabalho, portanto, autorizaram sua divulgação. Não autorizaram o uso de
pseudônimo porque não quiseram ficar no anonimato. Quiseram assumir suas
declinações sobre o assunto.
3.5 Técnicas de pesquisa
3.5.1 Técnicas de coleta de dados
A coleta de dados foi em forma de pesquisa de campo com entrevistas
na modalidade informal e focalizada.
36
3.5.2 Entrevista na modalidade informal
Essa modalidade, conforme Gil (1989, p. 115), caracteriza-se “o menos
estruturada possível e só se distingue da simples conversação, porque tem como
objetivo básico a coleta de dados”, onde se obtém uma visão geral do problema e
procura captar aspectos subjetivos, como por exemplo, os sentimentos.
3.5.3 Entrevista focalizada
Essa modalidade de entrevista não é tão livre como a anterior, no
entanto, ela enfoca um tema específico. O que se pretende com esse tipo de
entrevista é explorar a fundo algumas experiências vividas em condições
singulares.
As entrevistas se traduzem em narrativas que foram gravadas e
transcritas. Nesta perspectiva, Cunha (1991, p. 12) elucida que “os sujeitos do
conhecimento devem se juntar a sujeitos de história”. Estas narrativas procuram
trazer à tona a memória dos entrevistados.
Conforme Lopes (1998, p. 111), “os depoimentos orais traduzem não
somente indicativos de diferentes elementos componentes da paisagem, mas como
estes são vistos e vivenciados pela população local, o que nos remete à
intangibilidade do patrimônio cultural”.
Louzada et al (1992, p. 14), reconhece a “tradição oral como fonte
válida”.
Voldmann (apud FERREIRA e AMADO, 1996, p. 248 e 249) utiliza a
expressão “história oral” como sendo o método que consiste em utilizar palavras
gravadas, e, “testemunho” no sentido de indício.
3.5.4 Registros etnográficos
Para a realização desses registros, o principal método utilizado foram as
fotografias e o desenho.
37
Através da fotografia se pode efetuar o registro da dor, da alegria, da fé,
da esperança buscados no passado, vividos no presente e projetados para o futuro
por grupos sociais. Para Hall (2001, p. 70), “todo meio de representação – escrita,
pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ou dos sistemas de
telecomunicação deve traduzir seu objeto em dimensões espaciais e temporais”.
Podemos assim, ver novas relações de espaço-tempo sendo definidas e
reimaginadas, ligando o passado ao presente, conectando pessoas à história.
A escolha dos registros foi direcionada pela capacidade dos mesmos de
sensibilizar o pesquisador, transportando-o a uma história vivida, ou seja, a história
do carvão. A inserção desses registros ocorre na análise das entrevistas.
3.6 Técnicas de análise de dados
Na análise dos entrevistados foi utilizada a técnica de análise de
conteúdo que, segundo Bardin (1979), insere-se na análise qualitativa e organiza-se
em formas de categorias.
A categoria é uma forma de conceito, uma forma de pensamento. As categorias são reflexos da realidade, sendo sínteses em determinado momento. Por isso, se modificam constantemente assim como a realidade. Na análise de conteúdo, as categorias são rubricas ou classes que reúnem um grupo de elementos (unidades de registro) em razão de características comuns (FERREIRA, 2000, p. 15).
Assim sendo, as categorias podem se apresentar em forma de palavras,
frases, símbolos.
Categorias utilizadas para a análise, segundo a técnica de análise de
conteúdo:
“O carro é o caixão, a picareta é a cruz e a lamparina é a vela”. O
entrevistado é o Sr. Otávio Tomás que trabalhou 30 anos na mineração, passou por
várias experiências traumáticas, onde a morte esteve sempre presente. Aos 12
anos de idade já estava na labuta.
“Dos subterrâneos o homem sai extenuado e, à luz do sol abre-se uma
paisagem não menos sofrida”. O entrevistado é o Sr. José Carlos Bitencourt. Um
mineiro, sindicalista e técnico de segurança do trabalho, que presenciou a
destruição da natureza pela máquina Marion no município de Siderópolis-SC, onde
38
nasceu. Hoje, ele tem em sua luta diária o dever de preservar a vida dos mineiros.
“A morte é apenas uma transmigração”, onde o entrevistado é o Sr.
Ademar da Silva. Ele é uma testemunha das mortes ocorridas no distrito de Guatá,
município de Lauro Müller, onde no ano de 1948 nasceram 248 crianças e
morreram 240. Os enterros eram tantos que ocorriam em série.
“‘Clark Kent’ na superfície e ‘super homem’ no subsolo”. Este capítulo
resgata os motivos que levavam as pessoas a buscarem trabalho mesmo sendo um
local dos mais insalubres e perigosos que existem, numa época em que o sonho da
maioria dos trabalhadores da região era trabalhar na mina.
“Tomando banho nas crateras abertas para a exploração das minas”. É
um relato do entrevistado Sr. Tarciso que viveu a sua infância em uma área
extremamente degradada pela mineração, a localidade de Santana, município de
Urussanga-SC, onde a máquina Marion arrasou completamente o solo com toda a
vegetação existente deixando um rastro de “deserto lunar”.
“Melhor com o carvão. O carvão é que dá dinheiro. Há várias pessoas
sem emprego em Criciúma”. Dona Neusa Geremias conta que com 8 ou 9 anos de
idade já estava na escolha do carvão. Ela defende a indústria do carvão, pois o que
importa é ter dinheiro para alimentar os filhos. Hoje o bairro no qual ela reside
existem muitas pessoas desempregadas. Para ela paisagem é tudo que é bonito.
Hoje praticamente os problemas ambientais não são sentidos, na sua concepção.
Ela defende trabalho e emprego.
“Produzir para que? Para quem? Prosperar por quê? Crescer como?”.
Aí é discorrido toda a problemática capital x trabalho, a degradação ambiental e o
aspecto da “normose” conforme coloca o entrevistado Jairo Viana Júnior. Para ele o
conceito de “normose” é quando a sujeira, a contaminação, a degradação são
aspectos normais aos morados da região carbonífera.
“O carvão deu vida para Criciúma”. Dona Geni Bitencourt Daniel, que
nasceu em 1918, vivenciou as várias fases de auge e queda da indústria
carbonífera. Ela foi uma escolhedeira de carvão que começou a trabalhar aos 15
anos de idade. Ela tem boas lembranças da época de seu trabalho na minas. Era
um trabalho de superfície, já que a escolha do carvão se dava sobre o solo. Nesta
entrevista se põe em cheque a suposta fragilidade feminina. A miséria está
presente em suas memórias. Ter emprego era considerado um ato de bondade
pelos “coronéis do carvão”.
“Em Criciúma, a poluição, é lógico que acabou!”, traz os relatos de um
39
geólogo que já morou na Europa e é a favor da continuidade da exploração do
carvão mineral. Aí suas idéias são contestadas pelo autor desta dissertação, devido
aos problemas sócio-ambientais que essa indústria proporciona, onde o
crescimento econômico não beneficia a todos, já que temos graves problemas com
a distribuição de renda, tornando esse crescimento inadequado entre homem e
natureza. A prioridade ao carvão pode significar uma ameaça à qualidade de vida e
à vida.
“O mistério da limitação do ser na sua manifestação humana”. O Sr.
Lorisval Nunes de Mello, expõe aí toda a sua luta pela sobrevivência e quando
chega na velhice conclui que não viveu. Só trabalhou. Ele é bem enfático em dizer
que o trabalho na mineração, enriquece o minerador e não o mineiro. É consciente
dos problemas ambientais ocasionados pela mineração. Coloca de uma maneira
muito triste todas as condições de trabalho. Hoje ele está muito doente, devido ao
trabalho insalubre que a mineração ocasionou e não tem mais vontade de viver.
40
4 MEMÓRIAS DO CARVÃO (RESULTADOS E DISCUSSÃO)
41
O CARRO É O CAIXÃO, A PICARETA É A CRUZ E A
LAMPARINA É A VELA
Fonte: Desenho: Movimento Pela Vida (MPV) – Organizações Não Governamentais Ambientais e Sociais da Região Sul de Santa Catarina (2004). Figura 1: Desenho: o carro de carvão é o caixão
O carro é o caixão, a picareta é a cruz e a lamparina é a
vela (MPV, 2004).
42
4.1 O carro é o caixão, a picareta é a cruz e a lamparina é a vela
Seu Otávio, nascido no município de Orleans, desde muito cedo
começou a trabalhar. Aos 12 anos de idade já estava na mineração. Carola (2002,
p. 45), apontou esse fato da seguinte forma: “pelos registros das Companhias
Mineradoras, pelas entrevistas realizadas e pelas fotografias, percebe-se que,
muitas mulheres, assim como os homens, iniciavam uma vida de ‘pequeno/a
trabalhador/a’ bem antes dos 10 anos de idade”.
O primeiro trabalho que ele prestou foi o serviço de “pocha”6, ou
“carregar água e enchê e descarregá o carro” como seu Otávio7 explica. Este tipo
de trabalho não encontra registro no livro de Volpato (1984, p. 41-52), onde ela
descreve o “trabalho nas minas de carvão”. Esta autora escreve que na época
existiam 11 companhias carboníferas (denominação usual para a Indústria Extrativa
do Carvão), sendo 9 de capital privado e 2 estatais (subsidiárias da Companhia
Siderúrgica Nacional), e o trabalho de mecanização das minas começou somente
em 1975. Antes a lavra era manual. Essa mecanização possuiu a função técnica de
aumentar a produtividade do trabalho e ao mesmo tempo a função de destituir a
massa de trabalhadores de seu controle sobre o próprio trabalho. Descreve ainda
que existiam várias operações nas minas manuais, como o escoramento do teto,
furação de frente, detonação, limpeza das frentes, e para as já mecanizadas havia
o corte, furação, desmonte, carregamento e transporte, operador do alimentador
quebrador e escoramento. Não será abordado o detalhamento técnico de cada
atividade, pois não é a finalidade deste trabalho e há farto material sobre este
assunto.
Seu Otávio inicia sua narrativa já afirmando que a “mina não é muito
boa não”, referindo-se ao trabalho dos mineiros, que realmente é duro, exaustivo e
perigoso, além de psicologicamente agressivo, já que o medo é uma constante.
Volpato (1984, p. 63), comenta sobre a situação de trabalho do mineiro:
Este clima de tensão o acompanha desde que embarca na gaiola e com ela despenca poço abaixo, daí para as frentes de serviço com as possibilidades de desabamento, perigos de detonação, perigo com as máquinas e equipamentos, com o sistema de instalação elétrica, até nos
6 A maneira de retirar água das minas na época era manual, sem bombeamento. Este serviço era efetuado enchendo os carros de água e transportando a água para fora das minas de subsolo. 7 Sr. Otávio Tomás foi entrevistado em 21/06/2004.
43
inconvenientes da fumaça, pó, lama, ventilação, muitas vezes precária. Na concepção de Hacking (2000, p. 201), as “ocorrências e
experiências traumáticas são choques psicológicos, ferimentos do espírito”. O
trabalho na mineração proporcionou essas experiências negativas aos
trabalhadores.
A despeito das péssimas condições de saúde, o Sr. Otávio cita que
ficava “até um meis pingando as gotera na cabeça”, e como conseqüência da
elevada umidade, a qual era uma constante, mostra a perna e diz: “estou com uma
dor aqui agora né”, e tem “uma tremura braba”. Concluiu dizendo que “hoje a gente
tá tudo arrebentado. A coluna, o pulmão, perna, joelho, os osso, os nervo e aqui
tem um ossinho que sai fora”.
Sobre essas doenças dos mineiros existem vários registros, em um
deles, Volpato (1984, p. 96-102) cita que:
Esta condição coloca o trabalhador num clima de ansiedade e apreensão, marcando-o psicologicamente. As conseqüências, não raramente, se manifestam gerando problemas de saúde [...] o operário enfrenta também minas úmidas, diferenças de temperatura e ventilação na passagem de uma a outra galeria; os problemas de saúde que por esta razão ocorrem são os resfriados, bronquites, asma e reumatismos. [...] problemas de coluna [...] dermatites [...] pneumoconiose [...] trabalhadores precocemente envelhecidos e cansados, que constituem o preço humano do desenvolvimento econômico gerado pela mineração do carvão.
A pneumoconiose é uma doença muito conhecida da região
carbonífera, devido ao alto grau de incidência entre os trabalhadores das minas de
carvão. É uma doença em que ocorrem lesões nos alvéolos pulmonares devido ao
ar poluído de partículas muito finas do carvão (poeira). Segundo Volpato (1984, p.
97), “Nas partículas mais finas, o organismo, na tentativa de expeli-las forma lesões
nos alvéolos pulmonares, os quais aumentam e limitam a capacidade respiratória”.
O Sr. Otávio, além das doenças, ainda ficou traumatizado8 pelo barulho
das explosões e desabamentos ocorridos nas minas nas quais ele trabalhou.
“Levava muito susto né”. Zola (1987, p. 466) também registra que Etienne “a partir
do seu acidente, tinha um pavor de fundo nervoso, pela mina“.
O medo da morte era uma constante. Seu Otávio conta que “nem
8 Trauma em psicanálise é qualquer experiência dominada pelo emprego de defesas. O trauma produz ansiedade, à qual se segue uma recuperação espontânea ou o desenvolvimento de uma psiconeurose (RYCROF, 1975, p. 243). Também pode ser grande abalo físico, mental ou moral (DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1985).
44
chorava mais. Já tinha costumado a vê gente morrê [...] vi um monte de amigo
morrê”.
O próprio Sr. Otávio escapou diversas vezes da morte por conhecer os
“sinais” que a mina emitia antes do desabamento: “ela pingava pedra”. Semelhante
a Zola (2002, p. 15), onde havia o Boa Morte, apelido de Montsou que como diziam
seus colegas “se recusava a morrer“. Os mineiros exploravam os sinais das minas
para poderem sobreviver. A interpretação destes sinais era uma forma dos mineiros
interagirem com a mina.
O Sr. Otávio continua refletindo se morrer é destino e se conforma com
a morte dos colegas. A fala de Otávio nos remete a Wittel ao comentar um
desabafo de Freud:
[...] em tudo que é vivo, existe, além do princípio do prazer, o qual, desde os dias de cultura helênica, tem sido chamado de eros, um outro princípio: o que vive quer morrer de novo. Originando-se do pó, quer ser pó novamente. Há nos seres não só a pulsão de vida, mas também a “pulsão de morte” (WITTEL apud GAY, 1989, p. 362-363).
Hoje, seu Otávio apresenta reação fóbica9 ao barulho devido à sua vida
ter sido em grande parte do tempo no subsolo, na presença constante de
detonações de dinamite.
Quando o Sr. Otávio descrevia que tinha que trabalhar na mina e
naquelas situações insalubres e para patrões que nem conhecia, detentores do
poder e do capital, é comparável ao Germinal de Zola (2002, p. 140) onde se refere
“quem era o idiota que punha a felicidade do mundo na distribuição da riqueza?”.
A rudeza do trabalho era comparado a Zola (2002, p. 182):
“trabalhamos como burros de carga, sempre aumentando a fortuna dos ricos [...],
mas quando a gente não tem esperança, perde o prazer de viver”.
Este “desabafo” reflete a indignação do Sr. Otávio com o sistema, onde
por mais que os mineiros trabalhassem com afinco, já sabiam de antemão que não
conseguiriam ter uma condição de qualidade e vida no mesmo nível dos
proprietários das minas.
A transfiguração dos corpos (figura 2) é uma referência indireta ao nível
de esforço físico, enfrentado na mineração do carvão. Apesar da foto sugerir um
trabalhador com corpo musculoso, na realidade eles tinham os músculos bem
9 A reação fóbica refere-se ao medo excessivo e infundado, específico e anormal em relação a algum objeto, condição, situação ou ato [...] (RYCROF, 1975, p. 204).
45
definidos, mas não volumosos, face ao tipo de trabalho atribuído aos grupos
musculares. Pode ser traduzido como um corpo robusto e sacrificado pelo esforço
da labuta diária.
Autor: Leonardo Hansel, 1995 (Carvão sobre papel machê) Fonte: A obra acima foi inspirada na crônica de Gonçalves (1995), sobre os mineiros de carvão do distrito de Guatá, município de Lauro Müller - SC. Foto: Gerson Philomena (2003). Figura 2: A transfiguração do corpo do mineiro de carvão devido ao trabalho pesado
O homem passa a ser uma máquina a serviço do capital. Para Vasquez
(1985, p. 105), o homem “é uma simples peça de um mecanismo ou de um sistema
econômico”.
Apesar de inexperiente, analfabeto sem qualificação profissional, o
trabalho na mineração era a única saída para Otávio, “tem que se contentá com
tudo né”, relata.
Minarelli (1995) relata que os mineiros tinham emprego, mas não tinham
empregabilidade. A empregabilidade é a condição de ser empregável, isto é, de dar
ou conseguir emprego para os seus conhecimentos, habilidades e atitudes,
agregando-se a isso as novas necessidades do mercado de trabalho.
A maioria dos mineiros executavam somente o trabalho pesado das
46
minas. Este tipo de trabalho consumia as energias do corpo e a jornada de trabalho
era extensa, muitas vezes, antes do sol nascer até altas ora da noite, o que
dificultava a realização de estudos.
Seu Otávio reclama hoje do salário e das comissões que eram pagas:
“eles cortaram muita coisa. Tinha avançamentos, tinha 35, tinha 40 cruzero o carro
de carvão, depois foram cortando, cortando“, como em Zola (1987, p. 135): “Se o
salário cai muito, os operários morrem e a procura de novos homens faz com que
ele suba. Se sobe muito alto, o excesso de oferta faz com que baixe. É o equilíbrio
das barrigas vazias, a condenação perpétua à escravidão da fome”.
Assim, Sr. Otávio, com idade avançada, várias doenças, vai “levando a
vida”, depois de trabalhar 30 anos na mineração, e 22 em outras atividades.
47
DOS SUBTERRÂNEOS O HOMEM SAI EXTENUADO E, À LUZ
DO SOL ABRE-SE UMA PAISAGEM NÃO MENOS SOFRIDA
Foto: Giuliano Colossi (2003) Figura 3: Acesso à mina de carvão do subsolo localizada em Siderópolis-SC (Carbonífera Belluno)
“Daí passei a trabalhar de baixo da mina, uma área crítica
né. Tem que lutar no sentido de preservar a vida do
pessoal. O bem maior é a vida né” (José Carlos Bitencourt).
48
4.2 Dos subterrâneos o homem sai extenuado e, à luz do sol abre-se
uma paisagem não menos sofrida
Sr. José Carlos, ex-mineiro, atual sindicalista e técnico de segurança do
trabalho, nasceu no Município de Siderópolis em Santa Catarina, uma região que
sofreu profundas alterações no ambiente natural, através de uma máquina
denominada Marion, que extraía, além do carvão, terra, solo, pedras e vegetação.
Este ex-mineiro regata a história da máquina Marion (Figura 4), um
verdadeiro demônio, com seus tridentes arrasando a natureza na região carbonífera
do sul de Santa Catarina. O ex-mineiro lembra, com muita propriedade, as
paisagens aonde esta máquina da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) vinha
sem dó nem piedade mais parecendo uma onda gigante.
Fonte: Foto cedida por Maura Regina Mendonça (2004) Figura 4: Máquina de extração de carvão Marion em plena atividade no município de Siderópolis – SC no ano de 1968
A máquina Marion arrasou uma mata atlântica riquíssima, de uma
biodiversidade rica e intensa. Alguns até poderiam considerar bonito na época a
retirada de árvores frondosas inteiras. Retirava a natureza, para retirar o carvão.
49
Foi um desastre ecológico imenso, por que além da perda das terras e o
desalojamento das pessoas que se dedicavam à agricultura houve uma série de
outras implicações ambientais.
Sobre os problemas ambientais ocasionados pela máquina, o Sr. José
Carlos10 relata que:
A verdade é que prejudicava aquela região ali, eles acabaram com os rios, na época todo mundo ganhou dinheiro, não se tinha a preocupação que tem hoje, de preservação ambiental [...] não havia ou houve negligência, ou houve não sei o que, enfim.
Foram áreas paradisíacas e de muita mata atlântica, um dos
ecossistemas mundiais que correm maior perigo e onde se encontra grande
número de espécies endêmicas (que só ali são encontradas), e que após a
presença desta máquina de extrair carvão a céu aberto, deixou uma “paisagem
lunar” em Siderópolis-SC, com várias crateras e amontoados de rejeito de carvão,
sendo que esses rejeitos em contato com o ar e umidade provocam uma reação
química que exala um forte cheiro de enxofre.
A paisagem é agressiva e nos repassa uma sensação de destruição da
vida que antes existia e se multiplicava exuberante.
O crescimento econômico desordenado e a necessidade de gerar
energia pelo carvão mineral, o qual por sua vez traria prosperidade e melhor
qualidade de vida, acabou por configurar um quadro de degradação contínua do
meio ambiente, com a contaminação do ar, solo, água, desmatamentos, dentre
outros e essa degradação dos recursos assumiu dimensões trágicas, devido à
exploração da natureza para garantir a renda dos ricos, sacrificando o futuro para
assegurar uma vida precária no presente.
Apesar do descaso das companhias mineradoras, José Carlos é um
defensor da exploração de carvão, porém de forma racional e com os devidos
“cuidados ambientais”. Para ele, o emprego é algo muito importante e como
coloca, era orgulho ser mineiro: “a mineração me proporcionou um meio para eu
voltar a estudar, uma vida melhor, tinha um salário razoável, [...] e eu me
identifiquei muito com os mineiros, vem do meu pai, do meu tio, todo mundo era
mineiro”.
10 José Carlos Bitencourt, entrevistado em 18/06/2004.
50
Nesse sentido, há uma certa semelhança com Keynes (1982, p. 25),
onde “o salário real de uma pessoa empregada é exatamente suficiente (na opinião
das próprias pessoas empregadas) para ocasionar o volume de mão-de-obra
efetivamente ocupado”.
Ocorrem, portanto dois fatores: a acomodação perante um salário
considerado suficiente e a auto realização, a auto purificação, a redenção por poder
estar trabalhando e sendo útil e reconhecido de acordo com os padrões vigentes
desta época e no modelo concebido pela atual sociedade capitalista.
Gonçalves (2002, p. 191), acrescenta que “o sentimento de identidade é
absolutamente fundamental para o ser humano. Ser reconhecido como pessoa faz
parte de seus anseios básicos”. O reconhecimento de José Carlos ocorre através
do trabalho executado que hoje é técnico de segurança do trabalho, onde os
colegas depositam confiança em uma pessoa que possui conhecimentos que
podem salvar vidas, ao contrário de muitos mineiros que até se mutilavam para
ganhar os benefícios de acidentado do trabalho, como por exemplo colocar o dedo
nos trilhos e mandar os colegas empurrarem o trole para que o dedo fosse
arrancado ou mesmo dando uma marretada. É algo meio suicida, em que o instinto
de morte estava sempre presente na vida dos mineiros.
Ao contrário dessas histórias, de desejos de automutilação, o que José
Carlos desejava era preservar a vida, entrando em conflito com um dualismo
instintivo, as duas pulsões primárias – de vida e morte.
Sobre o dualismo das pulsões, Garcia-Rosa, (1988) e Garcia-Rosa
(1995), coloca que pulsão de morte é a tendência a todo o ser vivo de retornar ao
estado inorgânico e que o objetivo dessas pulsões é a satisfação, e é entendida
como uma pulsão de autodestruição. Em contraponto existe a pulsão de vida que
tem o objetivo de evitar que a morte ocorra de uma forma não-natural.
“Essas pulsões são também apresentadas por Freud como modalidades
de defesa” (FREUD apud GARCIA-ROSA, 1988, p. 126).
Sobre o instinto de vida Rycroft (1975), escreve que este instinto inclui
tanto o instinto sexual como o autopreservativo (da biologia). Quem quer viver com
plenitude, não irá se mutilar.
José Carlos trabalhou em diversos setores em empresas de mineração
e em 1992 efetuou um curso de Técnico de Segurança do trabalho, onde coloca
que é “uma experiência interessante a área de segurança debaixo da mina, uma
área crítica né. Tem que atuar no sentido de preservar a vida do pessoal”.
51
Segundo Minas (1988), nas companhias mineradoras ocorreu um
avanço tecnológico, entretanto esse avanço não foi na mesma proporção do
ocorrido na área da segurança do trabalho, além do que esse avanço melhorou o
lucro das empresas, o qual não atingiu os salários. Acrescenta ainda, que as
situações problemáticas na mineração sempre foram a falta de tubos de oxigênio,
máscaras, vestimenta especial, treinamento de pessoal que não atingiram índices
que se possa classificar de satisfatórios. Perto de 70% das ações ajuizadas na
junta de Conciliação e Julgamento de Criciúma foram “acidentárias”, devido a
pneumoconiose e outros acidentes de trabalho, como caimento de pedras do teto e
choques elétricos, bastante comuns no subsolo. As perfuratrizes com esguicho de
água para reduzir a poeira do carvão também provocaram o aumento de casos de
bronquite e resfriado. A segurança do trabalho nas minas é extremamente
importante e só atinge cerca de 2% da receita. Os próprios engenheiros de mina
reconhecem que os padrões de segurança na região carbonífera deixam muito a
desejar e no entanto as minas funcionam normalmente.
Apesar de todos esses problemas, os mineiros estavam mais
preocupados com a garantia de emprego e a melhoria salarial e não com um
problema que faz parte já de uma etapa mais avançada da luta sindical. Outro fator
é que os operários não gostavam de usar os EPI (Equipamentos de Proteção
Individual), tais como óculos protetores, luvas, protetor auricular e máscaras contra
suspensões particuladas. Ocorria também a falta de metanômetros (que indicam
que as concentrações de metano11 não podem ser superiores que 1% na corrente
de ar), anemômetros (que servem para registrar a velocidade do ar que deve ficar
entre 0,5 a 5 metros por segundo), ventiladores e exaustores (Minas, 1988).
Como se pode notar, a atividade, além de degradante para corpo e
alma, também é extremamente perigosa por natureza e ainda mais agravada pelos
fatores acima descritos.
Apesar desses problemas, muitos mineiros estavam mais preocupados
com a garantia de emprego e a melhoria salarial.
Mudanças ocorreram na estrutura funcional das empresas mineradoras,
onde o supervisor de segurança que depois passou a ser chamado de técnico de
segurança e hoje “é mais respeitado pelo empregador, que exige dele total
exclusividade para a tarefa de evitar acidentes” (LODETTI apud MINAS, 1988, p.
11 Metano: Protocarboneto de hidrogênio (DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1985). Gás existente no interior das minas. “Forma com ar uma mistura de alto teor explosivo” (BARSA, 2001, p. 143).
52
67). Esta exclusividade não existia, pois os técnicos executavam várias tarefas
solicitadas pelos cargos superiores. Outra alteração foi que “eles elaboram para as
empresas um relatório diário, inclusive com a medição de metano, e enviam uma
cópia para o Ministério do Trabalho”, complementa Minas.
Hoje como técnico em segurança do trabalho, José Carlos trabalha
“debaixo da mina, a 120 metros de profundidade, de escuridão, fumaça”. Ele
trabalha nesta atividade por que “o bem maior é a vida”. Além de ser Técnico em
Segurança, exerce funções no sindicato dos Mineiros de Criciúma. Diferente de há
alguns anos, quando o “peleguismo” reinava, hoje o sindicato constitui “condição
para conseguirmos um regime autenticamente democrático” (FREIRE, 1977, p. 93).
As funções de José Carlos, como técnico, são de relatar condições de
risco nos ambientes de trabalho e solicitar medidas para reduzir e até eliminar
riscos existentes e/ou neutralizar os mesmos, além de orientar os trabalhadores
quanto à prevenção de acidentes, investigar e participar da investigação de causas,
circunstâncias e conseqüências de acidentes e das doenças ocupacionais,
acompanhando a execução de medidas corretivas. Outras atribuições dos técnicos
são de realizar a semana SIPAT (Semana Interna de Prevenção de Acidentes),
realizar campanhas para melhorar o desempenho dos empregados quanto à
segurança, efetuar mapa de risco, estimular empregados a adotar comportamento
preventivo durante o trabalho, enfim, zelar pelas normas de segurança e promover
a divulgação dos regulamentos e instrumentos de serviço, emitidos pelo
empregador.
Lógico que está melhor do que antes do início da mineração. Mas o
surgimento da USITESC no município de Treviso - SC é mais uma ameaça ao meio
ambiente.
Diz-se que a termelétrica não é poluidora, porém, ela necessitará de
muita água para resfriamento do vapor quente resultante da queima do carvão, do
carvão novo para ser misturado ao rejeito, de novos ramais da estrada de ferro para
o transporte do carvão até a usina e dos subprodutos como o sulfeto de amônia até
o porto de Imbituba - SC. São produtos tóxicos. Tudo isso impactará o meio
ambiente já altamente degradado por essa atividade (GONÇALVES, 2004b).
Por outro lado há na região carbonífera, toda uma estratégia montada
por empresários e por “mineiros” em potencial para a volta da mineração. A
ideologia do carvão é fomentada pela SATC, hoje popularmente conhecida como a
“Universidade do Carvão” e pelo SIECESC. Esse grupo tem, como tinham os
53
antigos mineradores, apoio de órgãos federais como o Departamento Nacional de
Produção Mineral, hoje ligado ao ministério de Minas e Energia. Sebastião Neto
Campos, um dos principais técnicos e administrador de uma indústria carbonífera
de Criciúma, em entrevista a Gonçalves (2002, p. 117 e 119), assim se refere a
esse grupo:
Eu vivi isso e inclusive nessa condição aqui tinha um grupo que se reunia, uma espécie de estado maior que era o presidente do sindicato dos mineradores, os empresários [...] e outras autoridades [...]. Estive com todos os Presidentes da República, desde Getúlio Vargas, lutando, defendendo o carvão. Debatia no Congresso como minerador.
Dessa forma, percebe-se no presente e no passado que os empresários
do carvão sempre tiveram apoio do Governo Federal.
Com isso conseguem recursos para levar adiante a propaganda do
carvão. O marketing foi até o time Criciúma Esporte Clube, um dos principais times
de futebol do estado de Santa Catarina. Como patrocinadores, o SIECESC
estampou no peito dos jogadores a propaganda do carvão.
Fonte: Gerson Philomena (2005) Figura 5: Camiseta do time de futebol de campo Criciúma Esporte Clube
Fica, então, sempre aquela contradição, o carvão trouxe Progresso ou
pseudoprogresso? Trouxe salário. Trouxe diversos direitos sociais, mas provoca
54
enormes impactos ambientais negativos.
A MORTE É APENAS UMA TRANSMIGRAÇÃO
Foto: Gerson Philomena (2003) Figura 6: Ala infantil do cemitério do distrito de Guatá, município de Lauro Müller-SC
Cemitério
Este pó foram damas, cavalheiros,
Rapazes e meninas;
Foi riso, foi espírito e suspiro,
Vestidos, tranças finas.
Este lugar foram jardins que abelhas
E flores alegraram.
Findo o verão, findava o seu destino...
E como eles, passaram.
(DIKSON apud CHIAVENATO, 1998, p. 50).
55
4.3 A morte é apenas uma transmigração
O Sr. Ademar é uma testemunha ainda viva da catástrofe ambiental da
região carbonífera. A memória dele contém também informações de seus
antepassados, que já se foram, de pessoas com idade bem mais avançada ou “as
pessoa mais idosa”12, conta ele.
Morador do distrito de Guatá, Município de Lauro Müller - SC, o Sr.
Ademar possui incrustado em sua memória e em sua pele as marcas da destruição,
da transformação das paisagens e da presença constante da morte.
Seu Ademar, como mineiro de subsolo, presenciou a morte de muitas
pessoas, seus amigos e colegas.
Sua narrativa faz parte do patrimônio cultural de sua comunidade, ou
seja, o distrito de Guatá. Como coloca Abreu (2003, p. 81), é um “tesouro humano
vivo”, pois valoriza a esta fonte essencial de identidade cultural. Coelho (1997, p.
201), conceitua identidade cultural como “um sistema de representação [...] das
relações entre os indivíduos e os grupos e entre estes e seu território de
reprodução e produção, seu meio, seu espaço, seu tempo“.
Seu Ademar refere-se ao tempo das “minas perigosas” de instalações
elétricas precárias. Muitos mineiros morreram eletrocutados ao se encontrarem com
fios elétricos desencapados.
Ele mesmo foi uma das vítimas. Como perfurador, abria buracos nas
pedras para colocar a dinamite. Em um acidente perdeu um olho e a explosão foi
tão forte que pequenas pedras granuladas se alojaram sob sua pele e estão lá há
mais de 20 anos. No imaginário de seu Ademar e outras pessoas do Guatá, as
minas eram, antes de tudo, um lugar perigoso, lugar onde a morte “gostava” de
ficar.
Na produção e reprodução da “cultura do carvão”, na região carbonífera
de Santa Catarina, a morte é um personagem muito presente.
Na entrevista concedida, conta que “tinham nascido 248 e morrido 240
criança, no ano de 1948”. Esta informação encontra respaldo no Plano Plurianual
de Saúde da Prefeitura Municipal de Lauro Müller, 1993-1996.
Este fato foi atribuído às péssimas condições de higiene e falta de água
12 Ademar da Silva foi entrevistado em 25/11/2003.
56
potável. O motivo da baixa qualidade das águas foi a drenagem ácida13 das minas
(a céu aberto e subsolo) e os efluentes14 das usinas de beneficiamento do carvão.
Segundo Gonçalves (2002, p. 109), essas águas e efluentes se tornam ácidos em
função da oxidação da pirita. O ácido resultante (H2SO4) solubiliza os metais
presentes no minério e nos rejeitos associados, possibilitando a contaminação dos
recursos hídricos.
Hoje, ainda são encontradas áreas totalmente estéreis para fins
produtivos.
Foto: Giuliano Colossi (2003) Figura 7: Áreas improdutivas no bairro Sangão no município de Criciúma-SC
Os danos ambientais assumiram formas variadas e com escalas
diferenciadas, tais como a contaminação dos lençóis freáticos, extinção de
nascentes, erosão do solo, retirada de grande volume de camadas do solo,
conduzindo ao desaparecimento de seções inteiras de unidade paisagísticas,
13 Drenagem é a retirada da água superficial ou subterrânea de uma determinada área por bombeamento ou gravidade (VEROCAI, 2002). Esta drenagem é ácida devido ao pH (potencial de Hidrogênio) que é igual ou abaixo de 7.0. A escala do pH é formada por 14 unidades, assim classificadas: 1 a 7 acidez; 7- neutralidade; 7 a 14 alcalinidade (MINTER, 1990, p. 79). 14 Efluente é a descarga de poluentes no meio ambiente, ou água residuária lançada na rede de esgotos ou nas águas receptoras ou corpo de água (VEROCAI, 2002).
57
desmatamento, redução da flora e fauna, lesões nos vegetais, formação de pilhas
de estéril, contaminação química dos cursos de água, chuva ácida, efeitos irritantes
no trato respiratório, conjuntivas oculares e mucosas, dentre outros, conforme
constatações do autor.
Milioli (1995, p. 53), se refere que no bairro Sangão em Criciúma - SC, a
população está ciente de que as doenças de saúde, tais como “incidência de
doenças das vias respiratórias, pulmonares, cardiovasculares, digestivas, dentre
outras” são causadas pelo carvão. A comparação entre o Distrito de Guatá e o
Bairro Sangão é pertinente, devido às semelhanças da degradação sócio-ambiental
ocorrida.
Ainda abordando a questão, Milioli (apud GONÇALVES, 2002, p. 107)
considera que os problemas sócio-ambientais decorrem “do modelo extrativista que
privilegiou apenas o lucro fácil e imediato, não considerando a perspectiva dos
custos sociais e ambientais [...]”. Este modelo de exploração afeta em larga escala
as nascentes e demais corpos d’água da região.
O Sr. Ademar narra que a mortalidade das pessoas era “devido à água,
água poluída, que deu essas doenças nessas crianças, do tipo diarréia e vômito”.
Abaixo foto de um rio na região carbonífera.
Autor: Gerson Philomena (2003) Figura 8: Rio poluído (Rio Maina) em Criciúma-SC
58
Gonçalves (1989, p. 140), ainda acrescenta que “os mineiros do sul de
Santa Catarina e seus filhos, morriam por doenças provocadas pelas más
condições de vida e de trabalho, falta de saneamento básico, água potável, por
subnutrição (grifo nosso) e insalubridade das minas de carvão”.
Zola (1987, p. 88) coloca que havia “crianças esquálidas, suas
carnações linfáticas, seus cabelos descoloridos, a degenerescência que até as
fazia mirrar, roídas de anemia [...]“.
As crianças do Guatá morreram de meningite15, desidratação, diarréias
infecciosas, causas atribuídas pelas autoridades da saúde à falta de saúde, à falta
absoluta de saneamento básico. As minas da região poluíam as águas potáveis e
as famílias utilizavam estas águas para consumo humano.
Em suas atividades diárias, no cemitério que administra, Ademar diz
que “agente ajunta os ossos né, quando tem, já que muitos nem tem mais osso,
então coloca num depósito que o cemitério tem aqui né”.
Narra ainda, que não gostaria que “o cemitério fosse destruído, pois é
uma lembrança que tá ficando pro povo daquela época, dos acontecimentos que
aconteceu em nossa comunidade”.
Semelhança também em Zola (1987, p. 470), onde Etiene “começou a
falar com toda a tranqüilidade dos seus mortos [...] houve um momento em que era
capaz de acabar contigo, depois de todas aquelas mortes. Mas refleti e acabei
dando-me conta de que, afinal ninguém tem culpa [...] não tens culpa, a culpa é de
todos”.
Prosseguindo em sua narrativa, Ademar mostra os túmulos de adultos
no cemitério de Guatá e aponta e diz que homens jovens morreram nas minas:
“matou na hora esse rapaiz”, e “aqui em cima também tem um rapaiz que morreu”,
ainda “foram só juntando os pedaços dele”, ou “uma espuleta detonou e jogou o
rapaiz mais ou menos uns 40 metros longe, num monte”, ou “esse rapaiz aqui
morreu ele e outro”, e assim por diante...
Como diz Benjamin (1992), é fundamental preservar a memória
daqueles que não têm lugar nos manuais de história; salvaguardar seus
testemunhos e depoimentos.
Gonçalves (2003a, p. 8) sobre tal assunto escreve que a morte era
“normal” na região, ou seja, banalizada. As criancinhas (menor de um ano) eram
15 Inflamação das membranas delgadas que revestem o cérebro e a medula espinhal, causadas por bactérias e bacilos (O LIVRO DA SAÚDE, 1976, p. 684).
59
consideradas como o “anjinho que Deus chamou ao céu”. Gonçalves (1989, p.
141), conta ainda que a instituição Igreja justificava e explicava essas ocorrências
da seguinte maneira: “Deus leva as criancinhas porque gosta delas”. As mortes
eram tantas que havia enterros em série.
O processo de “banalização da morte” embrutece os sentimentos. O
sofrimento é tanto que embota qualquer expressão de dor. A conseqüência é que
leva a uma acomodação, à falta de motivação de lutar por melhores condições.
Como coloca Minas (1988, p. 22), “se a mina cobra o seu preço, destruindo a saúde
e às vezes matando, em troca oferece alguma segurança e um salário razoável”.
A constatação é que o mineiro acredita no perigo, e reza para Santa
Bárbara (santa dos mineiros) protegê-lo, antes de “baixar a mina” (ir trabalhar na
mineração de subsolo).
Apesar de “banalizada”, a morte também era temida; os mineiros faziam
o sinal da cruz antes de “baixar a mina” e são devotos de Santa Bárbara. Há duas
grandes festas na região carbonífera em homenagem a Santa Bárbara, sendo uma
no bairro Santa Bárbara em Criciúma e outra no distrito de Barro Branco em Lauro
Müller. O dia quatro de dezembro é feriado nestes dois municípios por que é o dia
da Santa. Ainda hoje é comum ver nas casas de mineiros ou ex-mineiros um
quadro de Santa Bárbara na parede.
Fonte: Foto cedida por Déborah Vargas Bauer (2005) Figura 9: Santa Bárbara (Santa protetora dos mineiros)
60
Ser mineiro é estar sujeito a condições rudes de trabalho, tendo no
cotidiano das minas o convívio com a morte.
Assim, o homem parece ser descartável como uma laranja, em que o
bagaço é jogado fora.
Hoje seu Ademar vive no distrito de Guatá, está aposentado, mas cuida
do cemitério e gostaria que houvesse uma lei para o tombamento do mesmo, já que
grande parte da história do carvão está ali, enterrada.
61
“CLARK KENT” NA SUPERFÍCIE E “SUPER HOMEM” NO
SUBSOLO
Fonte: Guia Médico Saúde São José (2004). A estátua do mineiro de carvão que se encontra no centro da foto está localizada na praça Nereu Ramos, centro de Criciúma-SC, já a composição paisagística vegetal localiza-se no bairro Próspera, Criciúma-SC. Esta foto foi montada para o encarte do Guia Médico do Plano de Saúde São José (Hospital São José). Figura 10: Foto do monumento em homenagem aos mineiros de Criciúma-SC
“Eu sempre dizia que eu queria trabalhá na mina, o meu
sonho era trabalhá na mina” (Dirlei Borges).
62
4.4 “Clark Kent” na superfície e “super homem” no subsolo
Vermelho (Dirlei Borges), nasceu na Linha Batista, interior do município
de Criciúma, uma região que sofreu graves agressões ambientais, devido à
extração do carvão, e hoje ainda existe uma luta por parte da comunidade no
sentido de que não haja a instalação de uma indústria de lixo industrial, luta esta
justificada, tendo em vista que o sofrimento pela poluição remonta de vários anos.
Apesar de que sua mãe ter sido contra o trabalho nas minas de carvão,
por motivos óbvios, Ademar foi mineiro de carvão.
Ademar Borges prefere ser chamado de Vermelho.
Vermelho foi um apelido que lhe deram na mina. Lá todos são
apelidados e só se conhecem pelo apelido. Os apelidos variam de nomes de
animais até obscenidades, como as descritas por Jorge Feliciano em seu livro
Memórias de um Comunista Casual.
Os apelidos são considerados pelos mineiros como um rito necessário,
para identificá-los no interior da esfera de trabalho e como uma forma de
perceberem o outro e a si mesmo, de uma maneira diferente do cotidiano.
O apelido serve para confirmar ainda mais as diferenças entre o mundo
do subsolo e a dura realidade da superfície. Na mina os mineiros esquecem por um
período, a “vida limitada” aqui de cima. Lá ele é respeitado e tem a sua auto-estima
alimentada. Possuem uma vida dupla, ou seja, a da superfície e a do subsolo.
O trabalho nas minas pode ser considerado pela maioria como duro e
insalubre, mas a vida “lá em cima”, também é difícil, devido a todas as influências
positivas e negativas do ambiente.
Entretanto, na entrevista concedida, o Sr. Vermelho, em nenhum
momento relata as dificuldades de uma forma negativa. Todas as dificuldades
foram um processo natural de seu trabalho e de sua opção de vida. Sempre foi em
forma de aprendizado, crescimento e auxílio e defesa aos colegas da mesma
categoria e classe social de origem. Como ele mesmo coloca: “eu fui preso
também, por que eu defendia o trabalhador, sempre vou defender, não mudei
nada”.
Vermelho sempre teve esta forte motivação em defesa dos
trabalhadores. Vindo de uma família pobre, esta defesa tem sua fundamentação no
princípio de não concordar com que ele e os seus semelhantes tenham suas
63
necessidade básicas não resolvidas ou não atendidas, como alimentação, moradia
e salário justo.
O trabalho tem sua raiz latina associada a atividades nobres. “Labor”
em latim16, que deu “lavoro” em italiano, “labour” em inglês, e que, em português
aparece apenas na forma mais aristocrática de labor, laborioso. Neste sentido, o
trabalho é percebido como uma atividade que transfigura (e degrada) a natureza,
colocando-a a seu serviço (e ao homem como o centro do universo).
Para o cristianismo, o dever de trabalhar tem uma dupla vocação que o
homem recebe de Deus. A primeira que é a de completar e prolongar, pelo
trabalho, a obra criadora e segundo, a vocação de realizar a sua própria plenitude,
pelo desenvolvimento de suas energias físicas e espirituais.
Além disso, toda a tradição bíblica cristã, não esquece que todo
trabalho é penoso, e ela assume esta pena, dando-lhe um valor de purificação, de
reparação e de redenção, como na célebre frase: “comerás o pão com o suor de
teu rosto”, ou “quem não trabalha não merece comer”.
Além dessa conotação simbólica, para o Sr. Vermelho, o trabalho o
transporta para um mundo recriado no subsolo onde o cenário e o personagem se
modificam. Embaixo é um ator social reposicionado e é nesse papel que vermelho
se sente valorizado, com um certo poder e liderança. Não chega a ser um líder
como Mateu em Germinal (ZOLA, 1987, p. 156), que busca a conscientização
política dos colegas.
Ao mesmo tempo em que o trabalho é um dever, para ele passa a ser
um direito.
O Sr. Vermelho não é como a maioria das pessoas, pois apesar de
aposentado, decidiu continuar a trabalhar. Um trabalho na Prefeitura Municipal de
Criciúma, na área financeira e outro em uma farmácia de sua propriedade que aos
poucos está estruturando. Muitas pessoas param e não sabem o que fazer com a
vida de aposentado, o que as leva à depressão. São como descritos por Minarelli
(1995, p. 22), “são como aves nascidas livres e criadas em cativeiro que, diante da
gaiola aberta e da imensidão do espaço à frente, não sabem alçar vôo”.
Vermelho relembra que “na mina é assim mesmo oh: é um trabalho de
companheiro, todo mundo brinca, todo mundo é batizado, tem seu apelido, igual eu
tenho o meu, mas olha, não existe lugar melhor prá trabalhar, de companheirismo,
16 Os povos imperiais, italianos, ou não dominados conservaram a raiz latina associada a atividades nobres (PEQUENA ENCICLOPÉDIA DE MORAL E CIVISMO, 1972).
64
de tudo”.
Essa integração social teve utilidade 16 anos depois, quando Vermelho
assumiu funções no Sindicato dos Mineiros de Criciúma.
Mas um dos fatores que o levou a assumir essas funções foi quando se
deparou com o peleguismo17. Coloca que: “naquele tempo o sindicato era muito
atrelado ao patrão. Quem era o ex-presidente daqui era um tal de Janga, [...] que
vendia a data base”.
O Sr. Vermelho sempre foi contra essas “habilidades especiais” em
transformar situações em oportunidades favoráveis aos próprios interesses, sem
levar em conta as exigências de coerência consigo mesmo e com os próprios
princípios morais.
O oportunista muda, ou pode mudar de convicções ao sabor dos
acontecimentos, procurando sempre tirar vantagem pessoal por uma adesão
imediata àqueles que estão na posição de comando.
Sua posição foi de defesa ao trabalhador, o que lhe rendeu uma prisão:
“eu fui preso também, porque eu defendia o trabalhador”.
Através dessa agitada vida no subsolo e depois na superfície, Vermelho
foi um defensor da liberdade substantiva. Na perspectiva de SEN (2000), as
liberdades substantivas estão ligadas aos direitos básicos (saneamento, moradia,
saúde, educação). O Sr. Vermelho sempre lutou e ainda luta pelos direitos,
principalmente os direitos políticos.
Durante a entrevista a posição do Sr. Vermelho sempre foi defendendo o
trabalho e a mineração, sem citar ou comentar sobre os problemas sócio-
ambientais. Indagado sobre este assunto, o mesmo falou que “hoje não existe
poluição [...] a consciência dos empresários e a turma do meio ambiente de 1996
prá cá estão cuidando muito”.
Podemos observar dois aspectos: um é que para ele, enquanto estava
na ativa, nas atividades do sindicato ou mineração, os problemas sócio-ambientais
da atividade simplesmente não existiam. Existia sim o medo de perder o emprego,
dele e dos companheiros. Em segundo lugar, ele se refere aos empresários que
estão mais conscientes, entretanto o que ocorre é que a população também está
mais consciente e fazendo se valer de seus direitos, os quais inclusive fazem parte
17 PELEGO: na gíria política, denomina-se pelego o chefe sindical oportunista, que entra em conclavos políticos para obter vantagens pessoais. Os pelegos azuis faziam o jogo dos líderes patronais (PEQUENA ENCICLOPEDIA DE MORAL E CIVISMO, 1972).
65
do Capítulo VI, artigo 225 da Constituição Federal18. Quando se refere à turma do
meio ambiente seria principalmente a FATMA (Fundação do Meio Ambiente),
presente em Criciúma.
Entretanto, “mesmo com a turma do meio ambiente cuidando muito”,
conforme cita o entrevistado, os problemas sócio-ambientais ainda estão presentes
na região carbonífera. Os problemas administrativos são enormes na FATMA, como
falta de funcionários, veículos e verba para viagens. Na percepção do Sr. Dirlei
Borges, somente a conscientização ambiental poderá reduzir a degradação
ambiental na região carbonífera de Santa Catarina.
18 ART. 225, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1999, p. 122), “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
66
TOMANDO BANHO NAS CRATERAS ABERTAS PARA A
EXPLORAÇÃO DAS MINAS
Foto: Giuliano Colossi (2003) Figura 11: Foto de uma das muitas lagoas de mineração localizada no bairro Sangão no município de Criciúma–SC
“Íamos tomá banho nos poço de mineração, aquela água
bonita, verde, às vezes azul, e se tomava banho naquela
água” (Tarciso Pereira).
67
4.5 Tomando banho nas crateras abertas para a exploração das minas
O Sr. Tarciso,19 nasceu na localidade de Santana, município de
Urussanga-SC. Hoje, aos 49 anos de idade, relembra fatos que marcaram sua
infância, principalmente entre os 7 e 12 anos. Conta que ainda hoje 80% dos seus
sonhos são povoados pelos fatos deste período, que ao mesmo tempo era de um
contato em condições das mais adversas em termos de poluição e contaminação.
As suas caminhadas pelas matas com os amigos ainda estão fortemente presentes
em sua memória. Apresenta-se um forte contraste entre degradação e preservação.
Descreve ainda que seu pai, após vários anos, conseguiu ser
promovido a mineiro. Conta que havia “os ajudante de minero, tinha os minero e
tinha os capatazes”. Volpato (1984, p. 78), descreve que “os trabalhadores em sua
maioria, 70%, aspiram a uma promoção profissional na empresa”, ao relatar sobre a
mobilidade de emprego como ascensão ou descida na hierarquia profissional no
trabalho dos mineiros.
A respeito dos cargos e trabalhos desenvolvidos nas minas de carvão
de Criciúma e região, Volpato (1984, p. 50-61), estabelece que haviam os
“madereiros” que tinham a função de garantir a segurança do teto, os “furadores de
frente” que perfuravam furos de até 2,5 metros de profundidade, os “queimadores”
que carregavam os furos com dinamite e estopim, os “puxadores” que enchiam as
vagonetes e limpavam as frentes de trabalho, além dos encarregados, capatazes,
chefes de divisão, engenheiros, bombeiros, técnicos de minas, ajudantes,
construtores de trilhos, eletricistas, fiscais, supervisores de produção e mais tarde
operadores de máquinas e técnicos de segurança do trabalho.
Nesse sentido, o pai do Sr. Tarciso se enquadrava como mineiro
profissional da extração do carvão, que eram aquelas pessoas que detinham o
conhecimento, além de exercer o controle sobre ele mesmo.
Uma das atividades não citadas por Volpato (1984), nos capítulos sobre
os cargos e trabalhos das minas é o de escolhedeiras, entretanto, o Sr. Tarciso
coloca que “tinha muitas mulheres que trabalhavam como escolhedeiras”, no local
de sua infância.
Carola (2002), aponta que em todas as minas no período por ele
pesquisado (1937-1964), a força de trabalho feminina estava presente. O trabalho
19 Tarciso Pereira foi entrevistado em 23/06/2004.
68
era peneirar o carvão graúdo para separar o fino (moinha). Antes de efetuar esta
separação, o carvão era colocado sobre uma mesa de escolha com uma pá. As
escolhedeiras utilizavam uma pequena picareta para separar ou arrancar as pedras
que vinham com o carvão. Havia um caixote para colocar o carvão escolhido. A
tarefa básica era retirar o folhelho20 e a pirita do carvão bruto.
O Sr. Tarciso também relembra que “o cheiro da pirita a gente sentia na
Santana intera, por que a mina era dentro da comunidade. Aquele cherinho gostoso
de pirita”. Ao utilizar essa linguagem simbólica, essas recordações lhe trazem as
boas lembranças de sua infância. Entretanto, estes anidridos de enxofre (SOx),
ocasionados pela queima de enxofre, refletem em problemas respiratórios, irritação
dos olhos, corrosão de metais, afetando também o desenvolvimento de vegetais
além de provocar a chuva ácida, presente na região. Conforme Gralla (2004), a
chuva ácida ocorre com pH entre 5 e 2,2 e tem efeito corrosivo, causa problemas
de saúde, reduz a fertilidade dos solos, morte de florestas e desfaz a base da
cadeia alimentar, dentre outros.
O Sr. Tarciso, conta ainda que “íamos tomá banho nos poço de
mineração [...], aquela água bonita, verde, às vezes azul [...] e se tomava banho
naquelas águas”. A água a que ele se refere é proveniente de drenagem ácida de
mina, é a água contaminada que escoa das minas e atingindo muitas vezes os
corpos d’água, e se mantém retida em forma de açudes na superfície.
Os açudes formados pela drenagem ácida21 têm caráter nocivo e quase
que totalmente desprovidos de vida, podendo alcançar os lençóis freáticos,
comprometendo os mananciais. Essa poluição resultante de uma ação antrópica
ainda não possui uma solução eficaz para a neutralização desse passivo ambiental.
Conforme CARVALHO e FERREIRA (2004), o fenômeno da drenagem
ácida ocorre pela colocação ao ar livre de rejeitos sólidos, provenientes de
atividades de mineração (ganga). Os minerais ricos em enxofre (na forma de
sulfetos), sofrem um processo de oxidação natural e em contato com água ou
umidade produz ácido sulfúrico no local. As águas contaminadas são acumuladas
nas bacias de efluentes (crateras abertas durante a exploração da mina).
Sobre este assunto, Gebhart (apud GUTBERLET, 1996, p. 129),
acrescenta que “dependendo da toxicidade do metal ou de seus compostos, as
20 Folhelho: “rocha sedimentar constituída com predominância de argila compacta e que tem a tendência a dividir-se em folhas. Apresenta cores variadas, de acordo com os componentes acessórios presentes em sua composição” (BARSA, 2001, p. 449). 21 A drenagem ácida de mina é a retirada de água das minas (VEROCAI, 2002).
69
conseqüências alcançam desde leves disfunções até efeitos mutagênicos,
cancerígenos e teratogênicos22”.
O mesmo autor ainda elucida que a absorção se dá pelo intestino,
pulmão e pele e os íons ou compostos metálicos distribuem-se através do sangue,
acumulando-se nos órgãos e tecidos.
Sobre a preocupação dos pais no futuro dos filhos (da região de
Santana), o pensamento era: “vão prá cidade que lá eles vão aprende a sê
mecânico [...], ajudante de eletricista”. Segundo Volpato (1984, p. 79), a ocupação
profissional que os mineiros aspiravam para os seus filhos apresentava a seguinte
distribuição: nível superior 48%; operário com profissão 19%; trabalhador de
escritório 14%; ocupação independente 8%; mineiro 4%, operário de indústria
1,55% e sem resposta 5,5%.
Por mais que se diga que o carvão é bom, na realidade é apenas uma
fatalidade. Prova disso é que apenas 4% dos mineiros entrevistados gostariam que
essa profissão fosse para seus filhos e que também somente 4% estariam
satisfeitos com o trabalho nas minas. As maiores razões para que os mineiros
continuassem na atividade era a aposentadoria aos 15 anos de trabalho e o nível
salarial que não conseguiriam em outras atividades, já que não possuíam um nível
educacional.
Outro aspecto relatado pelo Sr. Tarciso é a falta de cuidados com a
higiene, quando diz que “agente brincava naquela água de boero. Não tinha nem
noção de leptospirose23, e tinha rato prá diabo lá, era tudo normal“. Sobre este
assunto, o IPT/CEMPRE (2000, p. 245) (Instituto de Pesquisas
Tecnológicas/Compromisso Empresarial para Reciclagem), esclarece que:
[...] o lançamento de esgoto sanitário de efluentes líquidos ou pastosos é considerado especialmente perigoso e representam riscos à saúde pública e à qualidade ambiental [...] e proporciona poluição e contaminação de corpos de água, possibilita a proliferação de doenças veiculadas por diversos vetores. Ocorre proliferação de mosca doméstica, mosquitos, baratas, roedores. Estes servem de hospedeiros para os agentes transmissores de doenças. A mosca doméstica é responsável pela transmissão de doenças veiculadas por bactérias, vírus, protozoários e helmintos, ultrapassando 100 sp. patogênicas. A amebíase é transmitida aos humanos pela barata, os roedores
22 Produção de monstruosidades (DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1985). 23 Leptospirose é uma doença infecciosa que ataca roedores, cães, o gado lanígeno, vacum, suíno e outros animais e pode ser transmitida ao homem através das excreções dos animais infectados. A leptospirose é provocada por várias espécies de espiroquetas que podem penetrar no organismo com os alimentos ingeridos ou através dos pulmões e dos olhos, ou ainda de um ferimento ou de uma abrasão. É contra indicado tomar banho em charcos e locais freqüentados por animais (O LIVRO DA SAÚDE, 1976, p. 667-668).
70
leptospirose e salmonelose e o mosquito a febre amarela e a dengue. Embora fosse possível dispor os esgotos sem grandes gastos e de
maneira que o perigo de transmissão de moléstias por poluição não só dos cursos
de água superficiais, como também do solo, de animais domésticos, de insetos
vetores, seja eliminado ou reduzido ao mínimo, essas práticas não eram usuais e
se tornavam foco de permanente disseminação de doenças.
A falta de saneamento básico era uma premissa nas vilas operárias da
região carbonífera. Não havia, como diz Campos (apud GONÇALVES, 2002),
nenhuma preocupação com o meio ambiente tanto natural como ao meio ambiente
urbano. Por isso a grande mortalidade infantil nas décadas de 1940-1950
(CAROLA, 2002; GONÇALVES, 2002).
O desenho efetuado pelo Sr. Tarciso o remete às memórias de sua
infância.
Fonte: Desenho a mão livre do Sr. Tarciso Pereira Figura 12: Desenho do local da infância - feito por Tarciso (2004)
A contradição se expressa concretamente no desenho, ou seja,
71
natureza e degradação. A vegetação nativa da mata atlântica que foi substituída por
reflorestamento de eucalipto representa para ele a natureza. Também trouxe para
sua paisagem o Jerivá (Syagrus romanzoffiana), coqueiro típico da mata nativa da
região. Hoje essa árvore enfeita a principal avenida de Criciúma (av. Centenário). A
igreja católica, hegemônica na região carbonífera também é representativo. O lazer
é o “campinho” de futebol e o banco onde ele e seus amigos sentavam para
conversar. Relembra ainda a presença das samambaias.
Essa vegetação é típica de solos desgastados pelo sobre uso. São
solos pobres em nutrientes químicos e vida. São solos ácidos (GUIA RURAL
ABRIL, 1986).
Hoje o Sr. Tarciso reside em Criciúma, mas suas memórias em relação
à infância são fortes e presentes. Apesar de todos os problemas ambientais e
poucos recursos financeiros, ele guarda boas lembranças de sua infância.
72
MELHOR COM O CARVÃO. O CARVÃO É QUE DÁ DINHEIRO.
HÁ VÁRIAS PESSOAS SEM EMPREGO EM CRICIÚMA
Fonte: Foto: GARÇONI e PRIMO, (22/12/2004), p. 41. Figura 13: Foto de uma família pobre que também pode representar parcialmente a atual situação dos ex-mineiros da região carbonífera catarinense
“O desemprego, prá quem tem filho é fatal né, qualquer tipo
de emprego é bom [...], tem muita gente desempregada,
tem muita gente passando fome [...]. Então, continua assim”
(Neusa Geremias).
73
4.6 Melhor com o carvão. O carvão é que dá dinheiro. Há várias
pessoas sem emprego em criciúma
Dona Neusa, hoje aos 60 anos, é natural de Lauro Müller - SC e não
possui lembranças das brincadeiras normais de crianças durante sua infância.
Iniciou sua narrativa já descrevendo os trabalhos duros da escolha do
carvão e de quando era fiscal das escolhedeiras, o que denota uma lacuna, entre a
infância, adolescência e o casamento. Na infância escolhendo e separando o
carvão, na adolescência como fiscal de 54 moças e aos 16 ou 17 anos casou, indo
ao “confinamento” do lar, período este no qual nada registrou de lembranças
durante a entrevista.
“Comecei a trabalhar bem nova, bem nova mesmo. Acho que com uns 8
ou 9 anos24”.
Ela iniciou a trabalhar por volta do ano de 1951, em um período que as
companhias mineradoras, teoricamente só admitiam funcionários (as) com idade
superior a 14 anos.
Sobre os estudos comenta que “eu quase nem estudei nada”. Neste
período, na região carbonífera, quando o papel útil era o trabalho sem qualificação,
as pessoas não encontravam finalidades úteis para o ensino.
O importante era auxiliar na renda familiar para sustentar a ela e mais 6
irmãos.
Dona Neusa lembra que trabalhava em uma empresa de extração de
carvão, mas não sabia o nome da empresa.
Ela complementa que “não era em uma mina, era na escolha [...] eu não
era mineira, eu era coletora naquela época”.
A criança-mulher se submeteu ao trabalho para garantir a subsistência,
sem se importar para quem trabalhava e, portanto, sem perspectivas de lutar por
melhores salários ou condições de trabalho e também alheia aos acontecimentos
do “mundo exterior”.
Segundo Saffioti (1979, p. 306), a mulher é vista como “defensora da
organização familial e da ordem moral, nas quais a criança deve aprender ser um
adulto”.
24 Dona Neusa Geremias foi entrevistada em 16/06/2004.
74
Dessa forma, com o passar dos anos, não muitos, aos 14-15 anos,
Dona Neusa já era fiscal, em um nível de ascensão máximo para as mulheres da
época, nessas companhias de mineração. A dificuldade do trabalho, a necessidade
de trabalhar desde tenra idade, o trabalho árduo, a responsabilidade que passou
quando era fiscal de 54 mulheres, ocasionou um enrijecimento25 dos sentimentos, o
que se transformou num componente nuclear de sua personalidade. Este
enrijecimento também pode ser sentido ao se conversar com a entrevistada.
Relembra que quando casou aos 16 ou 17 anos, o esposo não a deixou
continuar trabalhando. Nesta época, o trabalho para ela já poderia ser considerado
como uma afirmação individual, pois possibilitava renda e convívio social.
Na concepção de Neusa, o trabalho de escolhedeira era indicado para o
sexo feminino, tendo em vista que elas “tinha mais facilidade, porque os homem
ficava nas mina e arrancava carvão, e as mulhé eram mais sensível”.
Para Souza-Lobo (1991, p. 19), “habilidade, destreza, comportamento
minucioso, são qualidades próprias da mão-de-obra feminina”, possuindo assim,
neste caso, mais perspicácia e sensibilidade para a separação do carvão.
Dona Neusa havia sido escolhedeira, fazendo a separação do carvão e
depois fiscal das escolhedeiras. Sobre as particularidades desse trabalho, ela
esclarece que:
[...] era uma caixa grande que tinha, aí era separado o
carvão do metal, da pedra, do xistro26, daí saia o carvão
limpinho; aí agente separava o metal para um lado, a pedra
para um lado, o xistro para outro lado [...] se o carvão
tivesse sujo, voltava para tráis, agente tinha que escolher
de novo aquele carvão, ver o que tinha de pedra, de xistro e
separar tudo de novo.
A descrição do serviço de fiscal, na narrativa acima, começa quando
cita que se o carvão estivesse sujo, teria que retornar para trás, isto é, teria que ser
25 Esse enrijecimento de sentimentos constitui um mecanismo de defesa do ego. As defesas surgem “para descrever a luta do ego contra idéias ou afetos dolorosos ou insuportáveis” (FREUD, 1983, p. 36). Sobre este assunto, Friedman (2004, p. 80), diz que os mecanismos de defesa são processos que distorcem a realidade para “proteger o ego contra as pulsões dolorosas ou ameaçadoras que vem do id”. 26 Xisto: “Designação genérica de rochas metamórficas de estrutura de granulação média a grossa, de estrutura folheada que tende a separar-se em placas finas e irregulares” (BARSA, 2001, p. 573).
75
novamente escolhido, até que não tivesse mais as impurezas que pudessem
comprometer a comercialização do mesmo.
Na semelhança com outra entrevistada, Dona Geni, a carreira de Neusa
como fiscal das escolhedeiras se encerrou ao casar, “e ainda não fiquei trabalhando
por que meu esposo não deixou”. A funcionária que ficou no lugar de Neusa não
sabia realizar o trabalho corretamente e então a companhia solicitou o seu retorno,
“mas o meu esposo não deixô, pagavam mais prá mim ficar, mas ele não deixô,
então continua assim né”.
Segundo Saffioti (1979, p. 181), “no meio urbano, a mulher chega
mesmo a perder com o casamento algumas de suas liberdades”, ao se referir das
diferenças entre o trabalho nas cidades, em empresas e no meio rural.
Na época, o comportamento e até atitudes inocentes poderiam ser
prejudiciais à mulher casada.
Além do casamento, a ausência de qualificação e de estudo eram
fatores para restringir as mulheres, quando em busca das aspirações de ascensão
profissional.
No aspecto ambiental, Neusa fez uma observação sobre paisagem,
sendo que o que é bonito é a paisagem e o feio para ela, ou degradado, não tem
denominação. Quando relembra da localidade de Barro Branco, Município de Lauro
Müller - SC, observa que “as minas ficavam para outro lado e as paisagem ficavam
para cá”. O que é “feio“ não é paisagem e ela reforça seu pensamento dizendo que
atualmente, “tá mais feio do que há 40 anos atrais, desmatamento, água com
ferrugem vermelha”.
Há 30 anos, reside na rua Jaguaruna no Bairro Maria Céu, em uma das
periferias pobres de Criciúma - SC.
Ela defende a mineração e a abertura de novas minas, pois a falta de
emprego e a fome estão presentes no cotidiano de seu bairro que também é
habitado por vários ex-mineiros.
Diz que “tem muita gente desempregada, tem muita gente passando
fome”, em seu bairro.
Na época do auge do carvão, o trabalho na mineração era o sonho
almejado por diversas pessoas, frente a uma vida limitada em recursos financeiros.
O sonho de autonomia27 era o sonho de trabalhar na mina. Ali é que
27 Para SEN (2000), a pessoa autônoma é aquela que tem liberdade substantiva. E liberdade substantiva significa ter acesso aos direitos sociais.
76
seria a libertação pelo trabalho e pelo dinheiro que esse trabalho proporcionaria,
melhorando o padrão de vida de famílias que eram quase sempre numerosas.
Além do mais, na mina havia o companheirismo, que na vida da
superfície muitas vezes não era encontrado.
No caso da entrevista concedida por Dona Geni Bitencourt Daniel, o
companheirismo era durante o processo da escolha, quando elas tinham liberdade
para conversar e cantar.
Portanto, o “sagrado” era o emprego. E tudo era minimizado em função
do emprego, que era idolatrado, pois trazia o dinheiro que a encantava e
solucionava vários problemas.
O desemprego é a fonte de graves prejuízos econômico-sociais,
espirituais e morais, conforme discorreu em sua entrevista Dona Neusa.
A narrativa de Dona Neusa nos remete a Damergian (2001), ao falar do
migrante nordestino que habita a periferia de São Paulo. Segundo Damergian, o
trabalho penoso, as regiões áridas do sertão nordestino, a incompetência ou a
carência do estado na administração dos problemas sociais leva à insensibilidade
dos políticos e administradores, que com essa atitude contribui para a promoção da
miséria, das desigualdades, do sofrimento e da morte dos seus semelhantes.
Essa atitude de conformismo frente a situações adversas tem um efeito
devastador no plano simbólico. As pessoas perdem a esperança e têm consciência
da inviabilidade de realizar seus projetos de vida desejados. Assim, segundo Gans
(apud DAMERGIAN, 2001, p. 99), deixa claro essas questões:
A derrota política dos pobres é tão acachapante nas sociedades pós-industriais que eles próprios acabam se convencendo de que são um peso para a comunidade e não merecem mesmo que os mais favorecidos se sacrifiquem por eles [...] Evidências como essas me levam a acreditar que uma guerra contra os pobres está conseguindo, pela primeira vez neste século, matar o espírito e rebaixar o moral dos perdedores da guerra econômica [...] Tem de haver comprometimento a longo prazo para quebrar o ciclo que perpetua a pobreza e seus problemas. Pobre tem professor pobre, advogado pobre, médico pobre. Eu insisto em que é preciso quebrar o ciclo da pobreza, não apenas remediá-lo eternamente.
Podemos corroborar essa citação de Damergian (apud GANS, 2001),
lembrando que vários estudos na região carbonífera, como os de Carola (2002),
Volpato (1984), Gonçalves (2002), que colocam que há no imaginário coletivo da
população dessa região, a necessidade de ter alguém que decida, que proteja.
A população parece reproduzir àquela relação servo-senhor da idade
77
média.
No passado os mineradores eram os donos das terras, das minas, da
água, dos armazéns, do trem, das escolas e influenciavam arbitrariamente a igreja
católica. Até para fazer uma casa era necessário solicitar autorização à Companhia
Carbonífera. A conta da luz era paga nos escritórios das Companhias.
Essa relação de dependência fez com que grande parte da população
da classe trabalhadora se sentisse um nada.
Assim, segundo Damergian (apud GANS, 2001), cria-se a ideologia dos
vencedores, visão social do Darwinismo, como resultante da vitória dos mais aptos
e a introdução de um modelo de fracasso por parte dos perdedores (os pobres).
Hoje a Dona Neusa somente relembra o passado, em sua casa,
morando sozinha e critica a situação econômica de Criciúma e do Brasil já que ela
presencia no dia a dia os problemas ocasionados pela falta de emprego.
78
PRODUZIR PARA QUE? PARA QUEM? PROSPERAR POR
QUÊ? CRESCER COMO?
Foto: Gerson Philomena (2003) Figura 14: Foto dos trilhos de trem ainda remanescentes da Ferrovia Dona Tereza Cristina no bairro Rio Maina, no município de Criciúma - SC
“Morava ali perto do campo do Criciúma, ainda tinha cerca
de madera, e daí desse trajeto a gente passava pela
estrada de ferro [...] eu me lembro da pirita exposta, os
trens passando e toda aquela situação de degradação, e
ninguém se importava com isso né, ninguém se importava
com isso” (Jairo Viana Júnior).
79
4.7 Produzir para que? Para quem? Prosperar por quê? Crescer como?
O Sr. Jairo28 nasceu em Laguna - SC, que teoricamente não faz parte
da região carbonífera, entretanto como a poluição não tem fronteiras, deveria estar
incluída, já que a lagoa Santo Antônio dos Anjos que banha Laguna, recebe os
efluentes dos municípios de Tubarão, Braço do Norte, Orleans, Lauro Müller que
são poluídas devido à exploração do carvão e aos dejetos suínos.
O marco da infância de Jairo em Criciúma foi de uma cidade suja e com
mau cheiro, devido ao carvão mineral e à pirita29. Como ele conta que tinha “rejeito
exposto em tudo quanto era lugar, e a pirita queimando direto assim [...], eu me
lembro assim, tenho uma imagem muito negativa”.
Relembra Jairo, que em 1990, vários locais, onde era lixão e depósito
de pirita, foram ocupados por humanos: “toda ela ocupada onde era as mina de
depósito [...] todas elas foram ocupadas pelos mineros e famílias dos mineros, de
forma desordenada”.
Sobre esse assunto, Gonçalves (2002, p. 48) coloca que:
[...] a cidade, assentada sobre os rejeitos de carvão, exala odores de enxofre, fumegando nos dias úmidos como se fossem pequenos vulcões. A cidade cortada pela linha férrea que transporta o carvão. A cidade dos excluídos, não intitulados, dos homens sem liberdade dirigidos por outros; a cidade do lixão que hoje é bairro; a cidade de barracos que hoje são casas, a cidade encontro de diferenças e de contradições. A cidade onde o sujeito vive e produz sua subjetividade, interage com outras subjetividades. Lugar onde expõe seu corpo põe sua marca, produz a cultura. A cidade produzida e consumida. A cidade de fruição e frenesi onde o ser humano pode viver ou sobreviver, lugar ao mesmo tempo desejado e temido. A cidade é um lugar do espaço.
A cidade de Criciúma foi construída de forma desordenada em todos os
sentidos, tanto no planejamento como nos cuidados com o meio ambiente. Toda a
região carbonífera, ainda sofre os impactos negativos, principalmente sócio-
ambientais da exploração do carvão.
Jairo, em sua narrativa faz uma retrospectiva dos acontecimentos sócio-
ambientais do final do século passado. Nessa análise ocorre uma dissociação entre
homem e natureza, não por parte dele, mas pelos acontecimentos proporcionados
28 O Sr. Jairo Viana Júnior foi entrevistado em 23/06/2004. 29 Pirita é o sulfeto de ferro, que tem a propriedade de inflamar-se em dadas circunstâncias. (DICIONÁRIO BRASILEIRO GLOBO, 1985). “Mineral opaco, de brilho semelhante a ouro, porém frágil” (BARSA, 2001, p. 288).
80
pelo capital, pelos detentores do poder ou os “coronéis do carvão”, como ele
coloca.
As colocações de Jairo acerca do lucro desenfreado, sem as
preocupações ambientais, onde ele se pergunta: ”produzir prá que? Prá quem?
Prosperar por quê? Crescer como?”, encontram embasamento nas considerações
de Montibeller, onde a natureza é vista como recurso ilimitado. É uma visão do
capitalismo, que “tem como finalidade última da produção, a autovalorização do
capital“ (MONTIBELLER FILHO, 2001, p. 35).
Nas visões teológicas do mundo Montibeller Filho (2001, p. 35), escreve
que na Idade média, a natureza sendo “considerada obra divina, seria inconcebível
que a ação do homem pudesse prejudicar a natureza; este não poderia produzir
danos irreparáveis na obra de Deus”. Parece que esse conceito ainda é percebido
até aos dias atuais.
Parece existir uma separação entre uma natureza humana e outra não
humana. Sobre esse assunto, Müller (apud MONTIBELLER FILHO, 2001, p. 32)
ressalta que:
[...] o idealismo transcendental de Kant e Fichte marcará o ponto final desse desenvolvimento, que priva a natureza de toda dignidade em si e a transforma no domínio exclusivo da causalidade mecânica. Com isso, está preparado o terreno para o desenvolvimento de suas idéias construtivas, para uma teoria do experimento científico, e, finalmente, para a radical oposição entre sujeito e objeto, que terá no dualismo cartesiano a sua expressão metafísica mais clara e será um dos pressuposto mais amplos da ciência moderna.
Enquanto a natureza for vista somente como recurso econômico, como
pregam as teorias neoliberais a degradação irá continuar e o ser humano
continuará na busca da felicidade.
Por outro lado, o entrevistado defende as premissas: poderá esta
cultura30 da sustentabilidade ou cultura do materialismo ser capaz de capaz de
garantir a sobrevivência na Terra?
Magalhães (apud LAYRARGUES, 1998, p. 43), é cético, e coloca que ”o
homem conquistará cada metro quadrado útil do planeta e depois irá para o
espaço. Em nossa escala, para minimizar os efeitos depressivos do capitalismo, é
preciso ser antiecológico”. Para esse autor (Magalhães), só existe a racionalidade
30 Para Krischle (2000, p. 29), na Conferência Mundial sobre política cultural, México 1985 “a [cultura] é o conjunto de traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e emocionais, que caracterizam uma sociedade ou grupo social. Inclui, além das artes e da literatura, modos de vida, direitos humanos, sistemas de valores, crenças e tradições”.
81
econômica. Entretanto, essa atitude por certo leva à degradação desenfreada.
Nesta citação, continua ainda dizendo que “inclusive é preciso exaurir todas as
reservas de energia conhecidas o mais rápido possível, pois só assim serão
gerados recursos para [...] nossa expansão”. Esta frase cabe muito bem para
nossa região.
A exploração desordenada do carvão foi realizada em parte pelo próprio
Governo Federal, onde Jairo reflete: “prá que se explora carvão? Por que se
explora carvão nessa região ainda?”.
Sobre esta visão materialista e individualista, indiferente aos problemas
coletivos, Krischle (2000, p. 13), reflete que:
[...] em nosso contexto cultural parece hoje ‘natural’ que cada indivíduo e cada país atue, de forma competitiva ante os demais, buscando satisfazer a qualquer custo os seus próprios interesses materiais imediatos, independente dos efeitos de longo prazo, de suas ações e do ônus social para a humanidade, que certamente essas ações vem sempre acarretar.
O Sr. Jairo sempre teve consciência ambiental, e desde 1985, quando
ingressou na FATMA (Fundação do Meio Ambiente), esteve em “contato com as
questões ambientais, com questão de defesa do meio ambiente”, como ele coloca.
Ao mesmo tempo em que o homem aparece dissociado da natureza,
também aparece dissociado do meio ambiente, na visão da maioria das pessoas.
“O pessoal tá acostumado a viver na imundície, na sujeira”.
A lei nº 5.793, de 15 de outubro de 1980, em seu artigo 2º, inciso I,
(Santa Catarina, Estado, 2002, p. 51), conceitua meio ambiente como sendo a
“interação de fatores físicos, químicos e biológicos que condicionam a existência de
seres vivos e de recursos naturais e culturais”.
Para o Ministério do Meio Ambiente, meio ambiente significa: o ar, o
solo, a água; as plantas e os animais, inclusive o homem; as influências
econômicas e sociais que influenciam a vida do homem e da comunidade; qualquer
construção, estrutura ou objeto e coisas feitas pelo homem; qualquer sólido, líquido,
gás, odor, calor ou radiação resultante direta ou indiretamente das atividades do
homem; qualquer parte ou correlações anteriores e as inter-relações de quaisquer
dois ou mais deles (DICIONÁRIO DE MEIO AMBIENTE, 2002).
Independente de legislação, meio ambiente é a vida como nós a
conhecemos, inclusive sob o ponto de vista ético e a própria espiritualidade.
Estes conceitos foram inseridos para nortear a colocação do Sr. Jairo
82
que “teve contato com questões ambientais, com questões de defesa do meio
ambiente”.
O Sr. Jairo continua na luta diária pela preservação do meio ambiente,
frente ao seu cargo de fiscal da FATMA em Criciúma.
83
O CARVÃO DEU VIDA PARA CRICIÚMA
Foto: Gerson Philomena (2003) Figura 15: Monumento em homenagem aos mineiros do carvão na Casa da Cultura localizada no centro do município de Criciúma-SC
“Dentro da mina era só homem, [...] trazia o carvão prá
fora, [...] os vagonete de madeira, [...] era sacrificoso, por
que até os trilho era de madeira; um vagonete grande;
enchia de carvão lá dentro e trazia prá fora prá escolha, daí
as moça, mulher, escolhia o carvão, tirava as pedras do
xistro” (Geni Bitencourt Daniel).
84
4.8 O carvão deu vida para Criciúma
Dona Geni31 nasceu no município de Tubarão, estado de Santa
Catarina, no ano de 1918. De todos os entrevistados é o que possui idade mais
avançada.
Infelizmente ela não possui nenhuma fotografia para auxiliar no resgate
do passado e hoje não consegue mais segurar um lápis ou caneta devido aos
problemas de saúde.
Ela relembra da Mina Progresso - hoje rua João Pessoa em Criciúma -
SC, onde trabalhou a partir dos 15 anos de idade e conta que “dentro da mina era
só homem”, diferente de Zola (1987), onde as mulheres trabalhavam embaixo das
minas.
O serviço de Geni era no exterior da mina, reservado para as mulheres,
escolhedeiras32 de carvão. Ela relembra que:
[...] as moça, mulher, escolhia o carvão, tirava as pedras, o
xistro, e depois tinha que amontoar em 50 metros de altura
o carvão que era transportado por uma padiola. O morro
era tão alto que tinha uma escadinha de madeira e sarrafo
para não escorregar.
Geni gosta de morar em Criciúma. Sempre gostou e todos os parentes
vieram para cá também, quando ela veio de Tubarão.
De sua adolescência a imagem que guarda é do árduo trabalho nas
companhias mineradoras, onde começou a trabalhar por volta do ano de 1935,
entre os seus 15 e 16 anos de idade.
Possuía 14 irmãos. Hoje nenhum está vivo.
Em sua mocidade, ela conta que gostava de namorar: “Ah! Namorava,
nóis era muito marvada. Tinha uns italianinho muito bonito”. E continua, “ah!”
relembra ela olhando para o chão, nós “brincava, paquerava, inticava com eles,
mas eram muito encabulado, eles não davam bola né!“.
Sobre este assunto, Saffioti (1979, p. 179), escreve que “com a
31 Dona Geni Bitencourt Daniel foi entrevistada em 15/12/2003. 32 Escolhedeiras ou catadoras: faziam a seleção ou escolha manual do carvão (CAROLA, 2002, p. 26).
85
urbanização e a industrialização, a vida feminina ganha novas dimensões, [...] em
virtude de se terem alterado profundamente os seus papéis no mundo econômico”.
E devido aos novos papéis da mulher no mundo fora do lar, “o namoro ganha
assim, feições totalmente novas” (IBDEM).
Nesta entrevista, bem como nas outras, não foram registrados casos de
promiscuidade, entretanto Carola (2002), relata que houve o medo da infidelidade
nas famílias mineiras e até havia um meio de transporte dos mineiros que era o
caminhão ou ônibus que recebia o nome de “cata-corno”.
Ao contrário de Zola (1987), que cita várias passagens em seu livro
Germinal sobre este assunto, como Philomène que era solteira e só pensava nas
farras com o amante e Etienne que quando foi morar na casa com Maheu
desabafou: “desde que começara a instruir-se, a promiscuidade da aldeia mineira
chocava-o”, ainda Zola (1987, p. 154), descreve que o amontoamento nas casas
“sempre terminava com homens bêbados e mulheres grávidas”. O excesso de
pessoas nas casas era motivado pela falta de moradia para as populações
mineiras.
Em Criciúma, o aspecto da moradia era diferente. Geni conta que
“morava já numa casa que a companhia mandava fazer”. No princípio as casas
eram cobertas com palha e barro. As repartições eram de barro.
O sistema de cobertura das casas com palha é, relativamente, eficaz e
tem uma durabilidade de 3 anos em média. A partir deste período o melhor é
efetuar a substituição. O material mais utilizado é o capim Santa Fé, abundante nos
banhados da região. Se a moradia for construída em um ambiente úmido e com
pouca luminosidade, a cobertura pode durar mais tempo, devido ao depósito de
folhas e liquens sobre o capim que serve de telhado. Nas paredes, além do teto,
também havia o problema da presença de insetos, principalmente aranhas, devido
à dificuldade de preencher todos os espaços com barro e às pequenas rachaduras.
Entretanto, segundo as memórias de Geni, devido ao irmão dela ter sido
amigo do chefe, ele “mandou fazer uma casa de madeira prá nóis”, semelhante a
casa da foto (figura 16).
86
Foto: Gerson Philomena (2003) Figura 16: Casa típica de operário mineiro localizada na rua do Peixe Frito, bairro Santo Antônio, no município de Criciúma-SC
Esta é uma das últimas casas em Criciúma neste estilo.
As companhias mineradoras efetuavam a construção de casas simples
para atrair trabalhadores para a mineração, junto ao novo eldorado do ouro negro.
Além das casas, todos os principais serviços pertenciam aos coronéis do carvão,
como os clubes de futebol, clubes de dança, as vendas ou armazém (local para
comércio de secos e molhados), as escolas, o que permitiu que esses coronéis
acumulassem riquezas suntuosas, ao contrário dos operários/as das minas
(CAROLA, 2002).
O discurso do novo eldorado do ouro negro encontrou eco,
principalmente devido à dificuldade de produção no setor agropecuário que
amargava perdas (como sempre se registrou em Santa Catarina), por intempéries e
dificuldades de comercialização das safras dos produtores rurais, os quais vieram a
se transformar, então, em mineiros (os homens) e escolhedeiras (as mulheres).
Acrescente-se a isso, que no período em que Geni trabalhou como escolhedeira,
ocorreu a Segunda Guerra Mundial.
Para Souza-Lobo (1991, p. 59), no contexto do trabalho da mulher na
mineração, o “discurso da fragilidade é impossível. O discurso desaparece como no
87
caso das ‘guerras mundiais’, quando a mão-de-obra se torna necessária”.
Na discussão sobre a necessidade de aproveitamento do trabalho
feminino, nos momentos de crises, Saffioti (1979, p. 313), complementa que “a
mulher desempenha papéis que, naquele momento, o sistema lhe impunha”,
efetuando assim os trabalhos segundo as conveniências do sistema produtivo.
Neste período, era até quanto o corpo suportasse, já que os
pagamentos eram pelo sistema de comissão: “tinha que virar vinte, vinte e poucas
padiolas para ganhar um pouquinho mais”, relembra ela.
Conta que quando o “Getúlio33 entrou, botou o horário de serviço”, que
passou a ser das 08:00 h às 16:00 h.
O trabalho feminino era necessário, ainda mais que na família de Geni
havia 14 irmãos.
Em suas memórias, tudo era uma pobreza. “Era uma bacia, lavava
louça na bacia, tomava banho na bacia. Não tinha pia, não tinha nada, era uma
pobreza. Naquela época tinha muito mais pobreza do que agora. O que ganhava
não dava prá nada”, como em Zola (1987, p. 404), “o que havia era mais miséria,
isso sim! Miséria à vontade [...]”, quando Etienne escutava essa lamentação de sua
mulher.
Conforme Zylberstajn (1985, p. 96), “ser menor numa família pobre é
correr um grande risco de assumir, precocemente, importantes responsabilidades
econômicas”. O nível de renda das famílias é tão baixo que suas contribuições são
indispensáveis.
Para Zylberstajn (1985, p. 113), “a participação de mulheres na força de
trabalho significa que a família simplesmente se utiliza de todos os fatores
disponíveis para enfrentar a pobreza”. Geni, além de pobre, era mulher e menor de
idade em uma família numerosa. Nesse sentido, a mulher da época da mineração
foi considerada como um bem econômico (SAFFIOTI, 1979).
De acordo com Carola (2002, p. 32), “na mina havia também o cargo de
fiscal do carvão e fiscal de escolha. O primeiro fiscalizava o grau de pureza do
carvão que vinha do subsolo e o segundo o trabalho e o grau de pureza do carvão
escolhido pelas escolhedeiras”.
Mesmo com pouca idade, (em torno de 20 anos), Geni foi ser fiscal.
Pela sua narrativa, ela não era considerada brava, “tinha umas negrona grande,
33 Getúlio Dorneles Vargas: Presidente do Brasil de 1930 a 1945 e 1951-1954 (NOVO ATLAS UNIVERSAL, s/d, p. 6).
88
aquelas eram bravas”.
Quanto aos cuidados pessoais, era utilizado o mamão aos finais de
semana, para “afinar e amaciá a mão”. As mãos ficavam sujas e calejadas do
serviço. Carola (2002, p. 150) relata que “utilizavam leite de figueira, leite de folhas
de mamão, cacos de telhas, coque, areia etc”.
Aos 22 anos de idade (em 1940), Geni casou, ficou em casa, foi lavar
roupa para terceiros, a fim de complementar a renda familiar. “Naquela época era
tudo bom”, relembra.
À semelhança de dona Neusa, a Sra. Geni também relembra as
dificuldades e situações de pobreza e conformismo frente à situação de miséria na
época.
Faltava praticamente tudo para que o ser humano desfrutasse a vida
com qualidade, como alimento, moradia adequada, saneamento, luz, água,
educação etc.
O que restava era o sonho frustrado pela dura realidade da pobreza.
Ter um emprego era considerado um ato de bondade proporcionado
pelos “coronéis do carvão”, que também eram os “donos” de seus corpos e suas
almas.
Não lhes restava um sonho para o futuro, a falta de perspectiva reinava,
já que o salário era baixo e a riqueza se concentrava nas mãos dos poucos
proprietários das minas e na maioria das vezes, eram desconhecidos pelos
funcionários.
Apesar de todos esses problemas, ela tem guardado em suas memórias
que naquela época tudo era bom.
89
EM CRICIÚMA, A POLUIÇÃO, É LÓGICO QUE ACABOU!
Foto: Giuliano Colossi (2003) Figura 17: Carbonífera Belluno, localizada no município de Siderópolis-SC
“[...] a poluição, não tem nenhuma indústria que não polua,
agora o que nóis precisamos saber é que nóis precisamos
dessa indústria e nóis temos os meios de coibir essa
poluição [...]” (José Severiano).
90
4.9 Em Criciúma, a poluição, é lógico que acabou!
Esclarecimentos iniciais: Fizemos questão de inserir o depoimento do
Sr. José34 é paraibano, geólogo e foge um tanto quanto do padrão dos demais
entrevistados (que nasceram na região carbonífera), por se tratar de uma pessoa
que exerceu atividades na área da geologia em diferentes países, mas é uma
testemunha comparativa sobre os problemas sócio-ambientais, enfrentados de
forma globalizada por diferentes tipos de mineração. Uma questão que não mudou
dos demais é a origem humilde e de uma classe social35 com poucos recursos
financeiros.
O Sr. José Severiano, apesar de ter nascido no interior da Paraíba,
distante até então dos problemas sócio-ambientais de Criciúma, é uma pessoa que
desde pequeno trabalhou em um serviço rude, que era a colheita de cana-de-
açúcar, atividade esta considerada por ele semelhante aos mineiros do carvão em
nível de esforço. Como relembra: “Trabalhá em canavial não é fácil. No nível de
esforço físico, quase que se assemelha ao trabalho de mineiro”. Não só em esforço,
mas em contaminação por venenos (defensivos agrícolas), além da queima das
lavouras, causando, muitas vezes, intoxicação por fumaça e poeira do canavial,
além de ser considerado muitas vezes um trabalho escravo, com baixa
remuneração e desprovido de benefícios sociais.
Com muita dedicação conseguiu estudar, concluindo o curso superior,
indo então para Recife, São Paulo e depois para a Rússia, onde se formou em
geologia, tendo conhecimento, portanto, também dos sistemas de lavras na Europa.
Reside em Criciúma desde 1970, período do auge do carvão e da poluição, por
conseqüência.
Conforme Minas (1988), na Europa a mineração é muito mais antiga do
que no Brasil, e lá existe uma tecnologia mais sofisticada e com mais recursos.
No Brasil, a extração em larga escala comercial possui em torno de 90
anos.
Quanto aos problemas ambientais, enfrentados mais especificamente
34 O Sr. José Severiano foi entrevistado em 25/06/2004. 35 “Classe social é um fenômeno que diz respeito às relações de produção de bens e serviços em um contexto histórico-social em que variáveis principais que interferem em sua constituição e dinâmica, assumem feições bastante específicas” (SAFFIOTI, 1979, p. 3). “Grupos em que se divide a maior parte das sociedades civilizadas conhecidas, diferenciadas pelas relações que mantém no processo produtivo e sua respectiva divisão do trabalho” (BARSA, 2001, p. 269).
91
em nossa região, na narrativa do Sr. José, ele coloca que “eu acho que na cidade a
poluição, lógico que se acabô”, quando se refere a poluição gerada pelo carvão.
Entretanto, não se deve esquecer que poluição não tem fronteiras e os gases
liberados pelas reações químicas da pirita em Siderópolis, Urussanga, Treviso e
Lauro Müller principalmente, também se fazem presentes no município de Criciúma.
O Sr. José também coloca que “Criciúma tá uma cidade limpa”,
entretanto uma simples caminhada pelo centro e/ou bairros, denuncia uma grande
quantidade de lixo e a falta de infra-estrutura básica, quando o lixo já faz parte da
vida das pessoas, onde tudo parece normal, até a poluição. Várias pessoas
também relatam, que os problemas respiratórios se evidenciam, quando “dobram o
trevo” de acesso a Criciúma (deixando a BR-101).
Para o Sr. José, o carvão foi e é um suporte econômico para Criciúma e
região “porque o carvão traz muitos empregos, diretos e indiretos”. Conforme Beloli
(27/08/04, p. 14), no caderno empreendedorismo ambiental do Jornal da Manhã, a
atividade carbonífera de Santa Catarina, em 2003, gerou 3.000 empregos diretos,
com salário médio de R$1.100,00 e segundo a Fundação Getúlio Vargas, para cada
emprego na mineração são gerados 8,39 empregos na economia da região
carbonífera de Santa Catarina (FGV/SIECESC, 1996). O valor de R$1.100,00 para
o salário dos mineiros também foi comentado pelos entrevistados Vermelho,
Lorisval e Otávio.
Outro ponto importante a ser destacado, segundo o referido jornal, é um
aporte financeiro de cerca de R$ 2 milhões por ano para a manutenção da SATC -
Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão. Este aporte é oriundo das
indústrias do carvão.
O Sr. José foi professor de mineralogia na SATC e este local de ensino
possui cursos técnico e superior, com aproximadamente 5.200 alunos e forma 600
profissionais por ano (IBDEM).
Na concepção do Sr. José, os danos do carvão tiveram relevância no
passado, tendo em vista toda a degradação ocorrida e para ele “a mineração não é
o vilão da história, tudo é carvão, mas o carvão não é toda essa coisa [...] no
passado não se sabia o quanto era danoso, mas hoje a consciência está muito
grande”. O gerenciamento ambiental evoluiu, não podemos negar, como por
exemplo, a implantação da ETE (Estação de Tratamento de Efluentes), da
mineração de carvão pela carbonífera Próspera (com implantação de um SGA -
Sistema de Gestão Ambiental, que mantém programa de treinamento e
92
aperfeiçoamento, além de reduzir poluentes), convênios com CETEM (Centro de
Tecnologia Mineral), UFSC (Universidade Federal do Estado de Santa Catarina),
FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), capacitação tecnológica, recuperação
de áreas degradadas etc. A pneumoconiose não tem mais ocorrência há anos nos
trabalhadores em minas de carvão da região carbonífera catarinense (BELOLI,
2004). Hoje a poeira foi quase que totalmente eliminada, devido ao método de
perfuração com água que é expelida pela perfuratriz no momento da operação.
As ETEs permitem o tratamento de efluentes para que depois possam
ser dirigidos aos corpos de água de acordo com a “legislação vigente”. (Santa
Catarina (estado), Leis, decretos, 2002, p. 57).
Conforme nossa observação, nas saídas a campo durante o período do
mestrado em Siderópolis, Treviso, Forquilhinha, Lauro Müller, Criciúma, Nova
Veneza, Içara, Cocal do Sul, Moro da Fumaça Urussanga, as áreas expostas estão
bem menores e sendo recuperadas e cobertas com vegetação, o que reduz o nível
de poluentes no ar. Entretanto, a redução dos passivos ambientais é um trabalho
lento e de custo elevado.
Em sua estada na Sibéria, região dos Montes Urais, no ano de 1986,
para nossa surpresa o Sr. José constatou que “não tinha naquela época os
cuidados que tem aqui. Aqui nóis somos mais cuidadosos até com o meio
ambiente. Naquela época nóis tratava o meio ambiente com muito mais atenção do
que era na própria União Soviética”.
O problema, no nosso modo de ver, não se resume apenas a
implementação de Sistemas de Gestão Ambiental nas mineradoras. O passivo
ambiental, de longa data, deixado por elas se constitui um grande problema. Os
seus rios poluídos por produtos químicos, um deles, o Mãe Luzia que abastecia
Criciúma permanecem poluídos e não se vê nenhum movimento voltado para a
solução desta questão. Criciúma, uma cidade de 182.785 habitantes (IBGE, 2004),
continua sem rede de esgoto. O rio Criciúma canalizado por baixo da cidade
continua como o grande receptor de esgoto, e também não se percebe nenhum
esforço por parte dos mineradores e autoridades para a solução do problema.
Efetuando uma comparação entre os tipos de poluição, o Sr. José
reflete que “você quer ver mais impactante do que o lixão? Esse monte de ônibus
passando na Centenário? Tudo queimando óleo e expelindo o monóxido de
carbono?” Referiu-se ainda que em países de legislação rígida como França,
Inglaterra, EUA, Alemanha e Canadá, continuam a minerar o solo e se: “todos os
93
países [...] estão aproveitando seus recursos, por que não podemos aproveitar?”.
No entanto, contradizendo a argumentação do entrevistado, Gonçalves
(2003b, p. 261) comenta que Jacques Maletzieux da Universidade de Paris XII, em
palestra na UFPR (Universidade Federal do Paraná) em 2001, afirma que na
Europa e, principalmente a França, estão reduzindo drasticamente a mineração do
carvão. Segundo Maletzieux, a França usa em grande escala a energia nuclear e
está investindo em energias alternativas. A Alemanha é o país da Europa com
maior militância ecológica e é o país onde o Partido Verde é mais forte e atuante no
controle ambiental. Os EUA é, segundo informações da mídia, um dos maiores
poluidores do ar e onde a mineração do carvão é extensiva e se recusa assinar o
protocolo de Quioto36. No entanto, o entrevistado tem razão no que se refere aos
EUA, aonde grande parte da energia vem dos combustíveis fósseis e entre eles o
carvão.
Ainda hoje, em Criciúma, existem problemas de saúde provocados por
impactos ambientais negativos, “como a poluição do ar, da água e do solo pelo
carvão e agrotóxicos” (GONÇALVES, 2003a, p. 5).
A conclusão do Sr. José é que deve haver bons projetos e fiscalização
eficiente, ações essas desenvolvidas pelas mineradoras e órgãos ambientais, pois
se deixar por conta da influência dos mineradores o processo será menos eficiente,
pois tudo continua como antigamente, ou seja, no Brasil o emprego é mais sagrado
do que a segurança. Na Europa a população procura emprego com segurança no
setor de mineração (MINAS, 1988, p. 124, em entrevista concedida pela socióloga
Terezinha G. Volpato).
Para o Sr. José, em termos de exploração de novas minas, “nóis temos
bons projetos” ambientais. O que falta é “uma fiscalização serrada, por que o
minerador, ninguém quer gastar, se puder não fazer, não fazem“. A população local
é, assim, alvo de praticamente todos os efeitos poluentes e nocivos, causados pela
degradação do meio ambiente.
Num estudo efetuado no bairro Sangão, município de Criciúma, no
início dos anos 90, Milioli (1995), demonstra um quadro de efeitos ambientais
provocados pelas atividades mineradoras do carvão, dentre eles efeitos no ar, no
36 Conforme a Grande Enciclopédia Barsa (2004, p. 283), “em dezembro de 1997, realizou-se em Quioto no Japão, a Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas para negociar a redução dos gases causadores do efeito estufa. Os países mais industrializados se comprometeram a fazer pequenas reduções (de 6 a 8%) de seus poluentes, mas os EUA, responsáveis por ¼ desses gases, acabaram não assinando o acordo”.
94
solo, nas águas subterrâneas, efeitos sonoros, sobre a fauna e flora terrestre e
aquática, no subsolo, sobre o ambiente sócio-econômico (saúde), sobre as águas
da superfície, além dos visuais e paisagísticos. Este bairro possuía uma população
calculada em dois mil habitantes e tinha uma indústria mineradora. Neste bairro,
sentindo os efeitos de uma riqueza “ingrata”, ante a devastadora poluição que a
mineração vinha acarretando, a população local criou em 1990 uma associação de
moradores, efetuando manifestações públicas, em face a gravidade dos problemas
ambientais vividos pela comunidade.
Além dos problemas já citados, os movimentos reivindicatórios ainda
denunciavam problemas subsidiência37, transporte inadequado gerando poluição
atmosférica pelos finos38 de carvão, autocombustão de componentes tóxicos como
enxofre, ozônio, óxido de nitrogênio e ferro total, dentre outros.
Este tipo de poluição ainda impedia o desenvolvimento econômico do
bairro, através da criação de novos pontos de comércio.
Conforme sua pesquisa, Milioli (1995, p. 57) relata que poucas pessoas
optariam por viver num local tão afetado pela poluição e uns dos moradores em tom
de desabafo e indignação, refere que “não tem quem compre a casa e se não ficar
onde estou não tenho para onde ir, já que a casa vale pouco“, e ainda “não consigo
vender a casa, caso contrário já teria mudado definitivamente, pois a poluição está
chegando na porta”.
Ainda sobre o assunto, Volpato (1984, p. 63), ressalta que “o alto índice
de poluição ambiental - do ar, solo e água - marca profundamente a relação da
população com o meio ambiente, em toda a região”.
Efetuando uma análise regional, constata-se que a mineração a céu
aberto tornou estéreis grandes áreas de terra na região. A poluição, causada pela
mineração, atingiu quase todo o sistema hídrico da região carbonífera,
comprometendo seriamente o abastecimento humano, das indústrias e o uso na
agropecuária, tanto que uma das soluções foi a construção da barragem no Rio
São Bento, no município de Siderópolis, a fim de abastecer a região de Criciúma, e
Içara, em princípio.
O impacto ambiental em todas as áreas de mineração, principalmente
na região dos municípios de Araranguá-SC e Laguna-SC afetou a vida aquática.
Isso compromete a pesca e a manutenção de famílias pobres que dependem da 37 Desabamento das galerias das minas devido à retirada dos pilares que sustentam as mesmas. 38 Pequenas partículas de poeira quando ocorre a perfuração nas minas de subsolo e que causam doenças.
95
pesca artesanal. Já no caso do arroz irrigado, cultura implantada em larga escala
na região do rio Araranguá e que depende de grande quantidade de água de boa
qualidade para a produção, o excesso de enxofre ou a forma que o mesmo se
encontra disponível no solo (gás sulfídrico) pode interferir na respiração e
capacidade de oxidação das raízes, retardando a absorção de vários nutrientes e,
se absorvido nesta forma, causa distúrbios metabólicos na planta (RAMOS, 1981).
Outros problemas nestas lavouras são a fitotoxidez, o aumento de acidez, o que
impede a absorção de nutrientes do solo, devido ao aumento do pH e desequilíbrio
de nutrientes.
A partir de 1984, houve o desenvolvimento de um projeto da Empresa
Luzomar, localizada em Hercílio Luz, município de Maracajá, na margem esquerda
próximo à foz do rio Araranguá, que previa a implantação de 60 hectares de
tanques para a criação de camarão, com água proveniente do rio Araranguá. Esse
foi o primeiro projeto financiado na região, no ano de 1985. Após a conclusão da
obra, houve aumento de poluição, o que gerou a inviabilidade econômica do
projeto, pois a água era proveniente de um rio que se tornou poluído devido à
mineração da região (a bacia do rio Araranguá recebe a poluição de toda a região),
e o camarão é altamente sensível a agentes poluentes para o seu desenvolvimento.
Inclusive este projeto foi financiado com dinheiro público, com taxas subsidiadas
(Recursos Obrigatórios ou Controlados do Banco Central do Brasil - BACEN). Após
as tentativas frustradas com o camarão, o projeto foi revisto por volta de 1996,
partindo então para a piscicultura, a fim de aproveitar a infra-estrutura já implantada
como galpões, maquinaria e tanques, mas foi detectada a cegueira de alguns
peixes, como a tainha, tainhota e bagre. Então este segundo projeto também foi
abandonado.
Estas pequenas constatações, descritas acima, servem para ilustrar os
problemas ambientais gerados pela mineração do carvão.
A legislação brasileira é uma das mais bem elaboradas do mundo e a
melhor da América Latina (BATALHA, 1999, p. 14), entretanto, ela é muito mais
para privilegiar a conscientização da comunidade do que a realizar ações efetivas
de defesa da fauna e flora.
Ainda conforme o mesmo autor (1999, p. 12), ele acrescenta que “para
que os objetivos de proteção da qualidade ambiental e da biodiversidade tenham
êxito, é imperativo promover a sustentação da atividade ambiental através de
normas, de pesquisa, de tecnologia e da educação ambiental da comunidade”.
96
O cumprimento da legislação carece de estrutura operacional, já que a
simples existência não é garantia de preservação ambiental.
Na perspectiva do Sr. Severiano, é a partir do conhecimento da situação
crítica atual do meio ambiente carbonífero e da preocupação com os futuros
impactos ambientais, aliado às perspectivas de desenvolvimento econômico, é que
se devem traçar metas para continuar com a atividade da mineração do carvão.
Mas não se deve esquecer que não foram tomados cuidados com os
aspectos ambientais, sendo que hoje se está pagando um alto preço por falta de
providências.
A prioridade ao carvão não poderia significar a destruição de outros
setores e ameaça à vida.
Quanto ao futuro, fica a colocação de que o crescimento econômico não
beneficia a todos, pois temos graves problemas com a distribuição de renda,
tornando, portanto, esse crescimento inadequado para homem e natureza.
97
O MISTÉRIO DA LIMITAÇÃO DO SER NA SUA
MANIFESTAÇÃO HUMANA
Foto: Lorisval N. De Mello – 2004 (O cartão acima se refere ao documento do INPS que era indispensável para que o mineiro das frentes de serviço se aposentasse aos 15 anos de trabalho). Obs: A publicação da foto está autorizada pelo entrevistado. Figura 18: Cartão do INPS pertencente ao Sr. Lorisval Nunes de Mello
“Eu lutava para fazer a aposentadoria especial e não dava”
(Lorisval Nunes de Mello).
98
4.10 O mistério da limitação do ser na sua manifestação humana
O senhor Lorisval39, ou Loro como ele prefere ser chamado, coloca de
uma maneira triste todas as condições de trabalho, o que nos remete ao período de
desenvolvimento do capitalismo industrial, quando as pessoas tinham muitas horas
de atividade em seus empregos.
Na visão de Gonçalves & Wysc (1997, p. 23), “o capitalismo é o sistema
socioeconômico centrado na propriedade dos meios de produção [...] e a produção
está organizada entre aqueles que detém o capital [...] e os que em troca de salário,
empregam sua força de trabalho para impulsionar a produção”.
Sobre este tema, Dejours (1992) esclarece que nesta fase do
desenvolvimento do capitalismo industrial, alguns elementos marcantes foram o
emprego de crianças de até 3 anos para trabalhar, duração do trabalho com até 16
horas, salários muito baixos, moradias de baixo padrão, períodos de emprego
alternados com períodos de desemprego ameaçando o bem estar da família,
esgotamento físico, acidentes de trabalho, a luta pela saúde, onde o viver para o
operário era não morrer, acidentes dramáticos por gravidade e número. Algumas
conquistas sociais foram conseguidas então na França, como em 1898 a lei sobre
os acidentes de trabalho e sua indenização e em 1905, a aposentadoria dos
mineiros.
Sobre o excesso da jornada de trabalho, Loro enfatiza que “aí o
sindicato virou a lutar para nós fazê seis horas, por que nós baixava de manhã, no
clarear do dia, chegava em casa tarde da noite”, às vezes trabalhando até à meia
noite.
Neste sentido, Marx (1996, p. 307), diz “que o estabelecimento de uma
jornada de trabalho normal é o resultado de uma luta multissecular entre o
capitalista e o trabalhador”.
Quando refletimos sobre a degradação física, mental e morte
prematura, ocasionada pelo trabalho em excesso, Marx (1996, p. 306), coloca que
os capitalistas possuem o pensamento de “por que nos atormentarmos com esses
sofrimentos, se aumentam os lucros?”.
Essa falta de tempo para a família levou o Sr. Loro a ter um filho
pequeno, que não reconhecia o pai, “não queria eu né”.
39 Lorisval Nunes de Mello foi entrevistado em 29/06/2004.
99
E nos lembra também e muito bem o Germinal de Zola (1987, p. 155),
onde em um dos trechos do livro relata que os mineiros “aos domingos sucumbiam,
exaustos. Os únicos prazeres eram embriagar-se e fazer filhos na mulher. E ainda
por cima, a cerveja fazia crescer a barriga, e os filhos, mais tarde, renegavam os
pais não, não a vida não tinha graça nenhuma” e o autor (1987, p. 51) continua
ainda a fazer referência ao trabalho dos mineiros, o qual era “um trabalho escravo,
no fundo dessas trevas horrendas”. Essas passagens se referem à mineração de
subsolo.
De Masi (2000, p. 240-241), vai mais além e argumenta que a empresa
proporciona salário, status, convívio social, mas se paga um preço por isso, como
renúncias e neuroses e após ter sido sugado e iludido, considerado indispensável e
insubstituível, é aposentado e condenado à inutilidade.
Ainda o mesmo autor (2000, p. 238), considera a empresa como uma
prisão-hospício, pois “suga as inteligências, manipula as emoções e os afetos. É o
coletivo que prevalece sobre o individual”. Na mineração da época a dedicação era
exclusiva ao trabalho. Praticamente não havia tempo para lazer.
Sr. Loro sempre foi pobre e se conforma com isso, e em seu discurso
coloca que “eu era como eu te digo, era pobre demais, ninguém dava nada por mim
né. Toda a vida fui pobre desse jeito que tu tá vendo aí oh”, apesar de ter adquirido
24 hectares de terras agricultáveis, no município de Içara-SC.
É uma derrota política dos pobres. O pobre se conforma, ele aceita que
é pobre, e a maior derrota é perder a esperança. É perder a consciência que ele
pode reverter a situação.
Uma pessoa que sempre teve uma vida triste e aos 11 anos perdeu a
mãe e foi criado com mais oito irmãos, que não teve lazer, que só trabalhou e como
ele disse diversas vezes: “eu não vivi” e, “agora Deus é que me guenta em pé“. No
final de sua vida reflete sobre esse tempo que parece não ter passado, e que nem
só de trabalho vive o homem, o que nos lembra o grupo musical Titãs:
Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
100
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.
Bebida é água...
A gente não quer só comer,
A gente quer comer e quer fazer amor.
A gente não quer só comer,
A gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer dinheiro e felicidade.
A gente não quer só dinheiro,
A gente quer inteiro e não pela metade.
(Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto. In Titãs. Jesus não tem dentes no país dos banguelas. 1988).
Em sua narrativa, Loro denuncia um advogado do sindicato dos
trabalhadores, mas que na realidade estava mais para o lado do patrão do que dos
mineiros. “E nós tinha uma orientação do sindicato, que nós não podia dá prejuízo
para o patrão de maneira nenhuma”. Eles eram obrigados a permanecer
trabalhando até que terminassem a tarefa. Uma frase ele sempre repete é “os
mineiros morrem trabalhando e o minerador fica rico!“. Mesmo assim ele conta que
se esforçavam ao máximo para não proporcionar prejuízo à empresa.
Em outra passagem de sua narrativa, descreve a evolução da
tecnologia na mineração, só que quando as condições de trabalho ficaram
melhores, ele já estava com os pulmões em péssimas condições, tanto que hoje
aos 78 anos ele somente espera a morte chegar. E comenta: “eu saí da mina muito
mal né“.
Nesta fase da produção, havia uma independência relativa dos
trabalhadores, pois eles detinham o conhecimento do processo e das ferramentas.
“Quando eu cheguei, nós recebemos 64 picareta e um carrinho”. Neste período o
trabalhador dominava os elementos da produção, tinha o controle dos instrumentos
manipulados num tempo social por ele determinado, entretanto ainda havia uma
limitação para o aumento da produtividade (ARRUDA, 1984).
101
O que se constata é um indivíduo que controla os meios de produção,
mesmo sem ter sua propriedade, determinando o curso do ciclo produtivo, onde os
limites naturais da força humana impõem limites à produção.
A readequação entre as relações sociais de produção e o nível de
desenvolvimento dos fatores produtivos se dará com a introdução de maquinaria
sem ação humana ou animal, definindo-se a subordinação real do produtor ao
domínio do capital (ARRUDA, 1984). Entretanto, este processo de modernização
das minas somente ocorre no seu local de trabalho, quando o Sr. Loro já estava
quase se aposentando.
Na discussão sobre nível salarial, Arruda (1984), coloca que se o
trabalhador tinha a custódia da mão-de-obra, a única forma disponível para o
empregador contratá-lo, seria pagar-lhe o mínimo indispensável à sua subsistência.
Se remunerasse acima deste limite, haveria redução do desempenho, caindo o
nível de produtividade. Muito semelhante ao nível de remuneração em o Germinal
de Zola (1987, p. 135), onde “se o salário cai muito baixo, os operários morrem e a
procura de novos homens faz com que ele suba. Se sobe muito alto, o excesso de
oferta faz com que ele baixe”. Os operários sempre queriam aumento do salário. Os
operários de o Germinal se revoltavam dizendo: “o salário está fixado em lei na
menor soma possível, para comer pão seco e fabricar filhos” (ZOLA, 1987, p. 135).
Já na região carbonífera a situação era diferente. O Sr. Loro registra em
sua narrativa que havia uma boa remuneração. “Naquele tempo era bom. No tempo
que eu trabalhei, o salário da mina era o maior que tinha”. Algo contraditório para
quem diz que sempre foi pobre. Em certos momentos o problema maior era a falta
de emprego. Lógico que greves por segurança do trabalho e aumento da
remuneração também ocorreram.
Na época muitas greves eram fomentadas pelos próprios mineradores
para impressionar o Governo Federal, porque o governo é que ditava o preço para
a tonelada do carvão, e era o governo que fornecia o subsídio; então buscavam
mais subsídios e aumento do preço da tonelada do carvão.
Apesar de que ele próprio fazia parte da manipulação, que é um tipo de
corrupção, ele tinha consciência de que não estavam corretas estas ocorrências,
mas ou entra no sistema ou sai da atividade e, era cada vez mais evidente para ele
que a perspectiva da perda do emprego era um drama, onde a sensação de ser
facilmente descartável o afetava profundamente.
Na visão de Carmo (1992, p. 12), “para muitos, o trabalho é a chave
102
para superar os infortúnios e o parâmetro para medir a acumulação de capital,
evidenciando a habilidade de vencer na vida”, o que divide a sociedade entre
ganhadores ou perdedores.
Então, a “cultura do carvão” era isso, no início eles viviam embaixo das
minas, que provocavam conseqüências nas famílias, pois muitas mulheres traíam
seus maridos e eles tinham muito medo dessa traição. Comenta Loro que “me casei
com medo de vivê com a mulher né [...] graças a Deus me casei com uma mulher
de acordo”, isto é, não houve problemas com a traição que rondava.
O Sr. Loro diz que nunca morou em casa da companhia carbonífera,
mas fica indignado ao lembrar que os engenheiros das minas moravam em ótimas
casas e recebiam aumento três vezes maior. “Cada engenheiro tinha uma mansão
rapaiz”, ressalta.
O sindicato era pelego e era cooptado pelos mineradores. Então, quem
é que estava a favor do trabalhador? Como eles poderiam sobreviver se havia tanta
gente contra eles? Por que na época quem era para estar a favor do sindicato,
estava contra. O mineiro sempre esteve envolvido nos movimentos de luta que eles
eram cooptados, então eram chamados de pelegos. Muitas vezes os movimentos
eram conduzidos pelos próprios mineradores que usavam os trabalhadores para
obter maiores subsídios do governo para ao carvão. Na época da ditadura, devido
ao temor das intervenções por parte do governo, as greves diminuíram.
Tem-se o registro de que até 1970 os governos militares fizeram 536
intervenções em sindicatos, destituindo presidentes e diretores e substituindo-os
por interventores (CHIAVENATO, 1994, p. 96).
Na visão de Druker (1993, p. 73), “os sindicatos somente têm sucesso
quando usam sua força para defender a causa do trabalhador, isto é,
desempenham a função correta”. O que se constatava dos sindicatos, era
parcialmente a defesa do trabalhador e em grande parte das empresas
mineradoras.
Percebe-se que Loro é uma pessoa que tem uma certa consciência
política ao relembrar o Golpe de 1964, o Grupo dos Onze, os partidos políticos, o
governo de Getúlio Vargas, as perseguições políticas, as torturas do período da
ditadura militar no Brasil.
Conta que em seu referencial teórico sobre a militância política havia a
Encíclica do Papa João XXIII: “Eu tinha a encíclica que foi soltada pelo Papa [...] a
encíclica Mater etri Magistra. Então a encíclica dizia para nós direitinho como é que
103
nós deveria se comportar no sindicato”. Conforme Mater et Magistra (2004), a Carta
Encíclica de João XXIII , a “mater et magistra”, trazia a evolução da questão social
à luz da doutrina cristã, e “trata-se da doutrina da Igreja Católica, Apostólica, mãe e
mestra de todas as gentes, cuja luz ilumina e abrasa; cuja voz, ao ensinar cheia de
sabedoria celestial, pertence a todos os tempos [...]”, sendo que os ensinamentos
ali contidos possuem remédios que são “[...] suscetíveis de trazerem solução para
as crescentes necessidades dos homens, para as angústias e aflições desta vida”.
Há nesta Encíclica, capítulos referentes à socialização, presença dos
trabalhadores em todos os níveis, ajustamento entre o progresso econômico e o
progresso social, as exigências da justiça quanto às estruturas produtivas, a
propriedade privada, incrementos demográficos e desenvolvimento econômico,
Deus, verdadeiro fundamento da ordem moral, santificação das festas, educação,
instrução, perene atualidade da doutrina social da igreja, respeito pelas leis da vida,
desequilíbrio entre a população e os meio de subsistência, os agricultores, a
remuneração do trabalho, dentre vários outros.
A encíclica sobre o trabalho registra que:
Com relação ao regime de salários, nega a tese que o declara injusto por natureza; mas reprova ao mesmo tempo as formas inumanas e injustas que, não poucas vezes, se praticou; inculca e desenvolve os critérios em que se deve inspirar e as condições a que é preciso satisfazer para não se lesar a justiça nem a equidade (MATER ET MAGISTRA, 2004).
Percebemos uma atitude dúbia em relação ao tema trabalho, por parte
da igreja, expressada neste documento. Se o salário não é injusto, por natureza,
como se expressa de forma inumana? A igreja católica, em sua história e na sua
doutrina, na nossa percepção, sempre quis evitar conflitos. Percebe-se isso,
claramente, quando a Encíclica recomenda “suavizar” o contrato de trabalho.
Nesta matéria, o nosso predecessor indica claramente ser vantajoso, nas condições atuais, suavizar o contrato de trabalho com elementos tomados do contrato de sociedade, de modo que ‘os operários se tornem participantes ou na propriedade ou na gestão, ou, em certa medida, nos lucros obtidos’ (MATER ET MAGISTRA, 2004).
O Sr. Loro demonstra em toda sua narrativa, ter sido uma pessoa
engajada nos movimentos operários. Porém, a orientação política que recebia,
vinha de duas fontes aparentemente opostas: uma da igreja católica e outra de
políticos que faziam parcerias com integrantes do partido comunista, neste caso o
Sr. Leonel Brizola.
104
Possuía contado com Leonel de Moura Brizola que estava organizando
o Grupo dos Onze na região de Criciúma: “era um grupo nacionalista. Era nós se
preparando para ver se o militar [...] não dava o golpe. Nós mesmo organizamos o
grupo a pedido do Brizola”, relata o Sr. Loro.
A este respeito, acrescente-se que “em 27/08/1961, Brizola já anuncia
resistência e mobiliza o povo gaúcho” (CHIAVENATO, 1994, p. 48).
Em 1961, Brizola teve a iniciativa de mobilizar o povo gaúcho, com
repercussão em todo o Brasil, para resistir aos ministros militares de então. O
Grupo dos Onze tinha uma feição paramilitar e foi constituído como uma forma de
resistência a um possível golpe militar (PASSARINHO, 2004; AZAMBUJA, 2004).
No entanto, o próprio Brizola, em entrevista ao jornalista Dênis de
Moraes em fevereiro de 1981, assim se refere ao Grupo dos Onze:
[...] o ‘grupo dos onze’ foi uma tentava desesperada de desenvolver a organização popular para a resistência ao golpe. Embora tenha sido uma iniciativa só posta em prática poucos meses antes do golpe, atingiu o nível bem razoável de organização: tínhamos, em todo o país, 24.000 ‘grupo dos onze’. Não tinham caráter paramilitar. Convocávamos as pessoas através do rádio. Eram o que se poderia chamar de clubes de resistência democrática, ou de comunidades de defesa da democracia. Mais tarde, o próprio regime militar verificou que não eram organismos paramilitares (MORAES, 1989, p. 253).
Para Carvalho (1988, p. 96), “a ameaça golpista surge sempre que o
povo manifesta em atos o descontentamento e a insatisfação que traz na
consciência”. Foi o que ocorria nesta época, com a ameaça golpista.
Mas, somente após 1984, o país voltou à democracia.
O grande valor de seu Loro é que ele foi um líder político, quando
estruturou o Grupo dos Onze que era forte em Criciúma (segundo relato de
pessoas que viveram naquela época).
No entanto, não existem em Criciúma documentos e pesquisas que
contem ou analisem o assunto. Essa é uma das histórias não faladas de Criciúma e
da região carbonífera que, modestamente, procuramos, se não resgatar, pelo
menos mencionar neste trabalho.
O Sr. Loro é uma pessoa com consciência política e que descreve todo
o esquema para que se defender da repressão. As relações pessoais de então
eram importantes, mesmo o delegado “estando do outro lado” ainda o avisava
quando deveria se proteger da polícia.
Sempre fica, no imaginário coletivo e no inconsciente coletivo da
105
população a lembrança das lutas política e social. Houve muitas greves ao longo do
século passado, principalmente dos mineiros. Então a região se politizou, tanto que
o manifesto comunista foi enviado de trem por um do Grupo dos Onze a um grupo
de jovens de Lauro Müller em 1962 (GONÇALVES, 2004b).
Conta ainda a mesma informante, que em 1967, no município de Lauro
Müller, havia um capataz que era da Alemanha. Ele tratava os mineiros de forma
rígida. Como os mineiros não conseguiam produzir a meta, ou seja, determinada
quantidade de carvão por dia, respondiam com rebeldia às imposições do capataz.
Um certo dia ele prendeu por mais de 6 horas em um depósito de pólvora mais de
50 mineiros. O então Correio do Povo, um jornal de Porto alegre (RS), descobriu e
realizou uma reportagem. Então o capataz chamou a polícia. Os jornalistas, para
salvar os filmes, colocaram os mesmos nas solas dos sapatos, outros danificaram
os filmes porque tiveram que atravessar um rio. Esta é somente uma, mas foram
feitos diversas atrocidades com mineiros da região. Eram atitudes medievais,
porém ocorreram entre as décadas de 1950 e 1970.
O Sr. Loro tem muita consciência sobre os atuais acontecimentos, e já
está criticando a saída das pessoas da região para Boston, nos EUA, pois aqui não
há mais emprego suficiente: “eles são obrigado a corrê tudo para os Estados
Unidos”. Estamos vivendo socialmente a situação dos retirantes, semelhante às
regiões do norte e nordeste brasileiro, quando os homens saem à procura de
emprego no sudeste, principalmente em São Paulo, permanecendo no local as
mulheres com seus filhos.
O Sr. Loro fala do trabalho nas minas e em certos momentos ele se
torna contraditório, em afirmar que é perigoso e não é, quando eu lhe pergunto: – O
senhor viu muitas mortes nas minas? Ele responde:
Vi, vi. Mas para o serviço perigoso que era e é hoje ainda,
não morre ninguém, morre muito mais hoje carregando
carga para esses bandido. Morre muito mais gente nessa
federal, do que morria na mina [...] por que na mina só se
desse um incêndio né [...] é mais perigoso a construção civil
[...], então, uma mina é um serviço que por sinal até que
não é muito perigoso não.
Entretanto, em outras lembranças, ele afirma que há perigo, como: “é
106
perigoso é que a gente cheira fumaça [...] os mineiros morrem trabalhando [...]
Deus é que me guenta em pé [...] a vida de mineiro é uma vida desastrada [...] eu
tenho uma tosse que é uma barbaridade”.Importante ressaltar que a tosse é
proveniente dos finos do carvão (partículas de pó muito fino), que provocam a
morte dos tecidos pulmonares.
É um trabalho que acaba com a saúde, com os pulmões. O que vem a
ratificar esta afirmação, é que a aposentadoria é aos 15 anos de trabalho e ao final
deste período saem praticamente mortos. Coimbra (1996, p. 22), descreve que “o
ar era tão viciado que não tinha oxigênio suficiente para que se riscasse um
fósforo”. As galerias por onde trabalhavam eram muito estreitas e baixas, “o que
lhes traria sérios problemas de coluna para o futuro” (IBDEM).
Segundo Coimbra (1996, p. 37), “desde o início dos anos 40 os mineiros
tentavam organizar um sindicato [...], mas as reuniões eram proibidas”. A finalidade
dessa tentativa de organização era para que através de um sindicato, houvesse
uma maior representatividade perante aos proprietários das minas, afim de que
houvesse melhores condições de trabalho.
A baixa auto-estima faz com que ele se ache pior do que Jorge
Feliciano40 porque não era tão ilustrado quanto os outros. Achava que a ditadura só
matava quem pudesse reproduzir a informação, tais como jornalistas e
universitários, segundo ele. Mas depois começa a minimizar, quanto começa a
atualizar a sua visão. Na época não havia uma BR-101 que fosse tão perigosa
como hoje, não havia o tráfico de drogas nos atuais níveis. Ele está atualizando e
comparando a situação de hoje (em 2004) com a situação que ele vivia, com os
perigos das minas, já que hoje existem outros perigos, como o trânsito, as drogas, a
emigração de brasileiros (pela falta de emprego).
Mas por outro lado, esse trabalho lhe deu o mínimo de qualidade de
vida, porque ele fala que com o dinheiro pode comprar a terra onde mora. A mina 40 Jorge Feliciano foi um mineiro de carvão, nasceu em 27/07/1929, foi preso em 07/11/1975 pela Polícia Rodoviária Federal na BR-101 e era acusado de ser comunista devido a suas idéias revolucionárias entre os mineiros da região carbonífera. Foi encaminhado ao quartel de Tubarão. Ficou vários meses preso em Criciúma-SC e Curitiba-PR, onde foi torturado pelos representantes do regime militar em Curitiba. Dentre as formas de massacrar os presos políticos, havia o espancamento, deixar uma lâmpada acesa na cela ligando-a e desligando-a, comida era salgadíssima, lhes davam pouca água, arrancavam as unhas, choque nos testículos, colocavam a cabeça em um tonel com fezes, dentre outros. Jorge também foi presidente do Sindicato dos Mineiros, criado em 30 de maio de 1945 (COIMBRA, 1996). Nesta época a diretoria do sindicato era indicada pelas empresas. Coimbra (1996, p. 40), comenta que somente “em 15/12/1957 houve o fim do peleguimo no sindicato”. O que irritou alguns de seus seguidores, é que ele chegou a adquirir uma mina de carvão em sociedade com Salvaro, a carbonífera Pérola e foi integrante da Prefeitura Municipal de Criciúma (COIMBRA, 1996, p.112-113). O Sr. Loro comenta que não acreditava muito em Jorge Feliciano por que ele estava sempre em cima do muro, ao lado dos mineiros e dos mineradores.
107
era um salário que eles tinham. Antes não se tinha salário trabalhando,
principalmente quanto era no setor agropecuário, já que não havia um modo de
comercialização eficiente. Então, tudo é meio contraditório. É bom, é ruim, mas é
contraditório!
Ele termina a narrativa saindo da análise política, quando ele critica o
PDT e relata sobre a poluição que foi um dos aspectos que mais marcou a sua
vida: “a terra ficou poluída e não deu mais nada. Tá toda cheia de buraco, cheia de
água, e agora só prá lixo”. Próximo de onde ele reside hoje houve uma severa
agressão ao ambiente natural provocado pela mineração.
Enfim, o Sr. Loro é uma pessoa lúcida aos 78 anos de idade e tem
bastante consciência de que a mina enriquece os proprietários das minas e não o
mineiro. Para se ter um salário (já que a agricultura não proporcionava), tinham que
trabalhar numa atividade com muita insalubridade. O trabalho penoso trouxe muitas
seqüelas físicas, morais e psicológicas, não só ao Sr. Lorisval, mas a vários
trabalhadores da indústria carbonífera.
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CONCLUSÃO
As principais identificações e constatações foram os efeitos sócio-
ambientais com impacto negativo, existentes ao longo da história da extração do
carvão mineral na região carbonífera sul catarinense, a relação do “fetiche” que o
carvão exerce sobre as pessoas, devido ao emprego e ao salário que o mesmo
proporciona, o coleguismo e ambiente alegre no trabalho em subsolo, a presença
constante da morte devido ao elevado risco da atividade, os problemas de saúde
devido a este trabalho altamente insalubre, a pobreza que é presente na região,
apesar de toda a riqueza que já foi gerada por todos (os trabalhadores da minas de
carvão) e apropriada por uma minoria, ficando a interrogação, se ainda é viável
utilizar esse tipo de energia para suprir as demandas impostas pelo crescimento
econômico.
O principal explorador do carvão mineral, de forma desordenada, foi o
Governo Federal, buscando satisfazer a qualquer custo os interesses materiais
imediatos. Com as concessões de solo e subsolo por parte do Governo Federal
foram abertas várias minas, onde os proprietários continuaram repetindo as
mesmas práticas de exploração desordenada.
Esta região é uma área crítica em termos de poluição e não se
vislumbra nada que possa reverter o atual quadro. O potencial poluidor da região
ainda é enorme, onde drenagens ácidas continuam contaminando os corpos
d’água. Tudo é destruído em prol do desenvolvimento econômico.
A mineração é uma atividade extremamente insalubre. É degradante
para o corpo e a alma. Várias doenças ocorriam, como a pneumoconiose.
Acidentes por caimento de pedras e choques elétricos, são bastante comuns no
subsolo.
A bronquite, os resfriados, rinite, artrite, reumatismos também eram e
são uma constante, devido às precárias condições de trabalho com a presença
fumaça, pó, lama, umidade elevada, pouca ventilação, numa vida “confinada” nos
subterrâneos escuros. No trabalho nas minas até a década de 1960, a luz do sol
era pouco vista, já que a jornada de trabalho iniciava antes do dia nascer e ia
muitas vezes até altas horas da noite.
Outro agravante era a falta de tubos de oxigênio, máscaras,
109
vestimentas especiais e treinamento para as possíveis emergências.
O trabalho era duro, exaustivo e perigoso, conforme relembra seu
Otávio, hoje aos 71 anos de idade “a gente tá tudo arrebentado”, ao se referir à sua
coluna vertebral, pulmões, articulações das pernas, inflamação dos tendões e os
traumas que ficaram pelas mortes dos seus colegas e amigos, além do barulho das
constantes detonações de dinamite. A mina é um local onde a morte está sempre
presente.
A necessidade de preservação do emprego, devido ao salário que o
mesmo proporciona, está acima do pavor pela morte. Apesar deste temor, os
mineiros rezavam para Santa Bárbara, a santa protetora dos mineiros, antes de
“baixar” a mina.
A convivência diária com a morte parece deixá-los entre “embrutecidos”
e são freqüentes os comentários de automutilação. Os mineiros se automutilavam
para conseguir aposentadoria por invalidez e se verem livres daquele ambiente
inóspito. Essa mutilação ocorria, cortando partes dos dedos. Muitas vezes eram
auxiliados pelos colegas para a realização de tal ato. Algo meio suicida sempre
estava presente.
Os mineiros tinham uma maneira especial de perceber o trabalho.
A percepção de mundo ocorre de duas formas. O mundo da superfície e
a vida no subsolo. Na superfície havia os problemas do cotidiano ou uma “vida
limitada” que muitas pessoas possuem. No subsolo, aparentemente, os problemas
são esquecidos. No subsolo o mineiro tem sua auto-estima alimentada. Ele é
respeitado. Utilizam-se até de apelidos para marcar essa separação de mundos.
Hoje, apesar de toda a degradação ambiental ocorrida, gerando
problemas sócio-ambientais, a maioria dos entrevistados, ainda é a favor da
indústria do carvão. O importante é ter emprego, independente da destruição que
esse emprego possa trazer. Essa herança vem dos tempos do auge do carvão,
quando o trabalho na mineração era um sonho almejado pelos trabalhadores frente
a uma “vida limitada”.
Para um dos entrevistados, o Sr. Vermelho (Dirlei Borges), na
mineração “não existe lugar melhor prá trabalhar, de companheirismo, de tudo”,
entretanto, a mineração é uma atividade que agride a natureza, colocando-a a seu
serviço e em conseqüência ao homem como o centro do universo.
Para “baixar a mina” existe um “batismo”, recebem um outro nome.O
caso de Vermelho, por exemplo, deixa bem clara esta questão. Além do salário, o
110
que também os atraia para as minas, era o companheirismo existente no trabalho
de subsolo, o que inexistia muitas vezes na vida de superfície. Eram colocados
apelidos, o que também era uma diferença. No trabalho só eram conhecidos por
apelidos. Havia os “batismos” para que os apelidos fossem colocados. O apelido de
Vermelho surgiu quando ele começou a bater muito com o martelo em um prego,
deixando a “cabeça” do prego, vermelha de tanto bater. Entretanto, com o passar
do tempo, a Polícia Federal veio a Criciúma atrás de um “tal Vermelho”, comunista
ou pertencente ao Comando Vermelho do Rio de Janeiro. Queriam prender o Sr.
Dirlei Borges, mas o mal entendido foi desfeito depois de alguns dias de
averiguação.
A mina era uma forma de libertação pelo trabalho, o que proporcionava
uma vida melhor, um padrão de vida um pouco melhor, em famílias que quase
sempre eram numerosas.
Então, tudo era minimizado em função do emprego, do trabalho. Havia
a idolatria do trabalho nas minas, porque trazia dinheiro, prestígio, reconhecimento
naquele grupo social. É o caso de Tarciso, a fila de meninos para tomar suco feito
no liquidificador, a geladeira e o chuveiro elétrico. Essas novidades, na época, são
coisas que hoje nos parecem tão óbvias, mas que naquele tempo eram objetos
muito desejados.
Se por um lado a mineração destrói os recursos naturais e ocasiona
vários problemas de saúde nos humanos, o desemprego é fonte de graves
prejuízos econômico-sociais, espirituais e morais.
Por um lado havia os mineradores necessitando da mão-de-obra e de
outro os mineiros necessitando de trabalho. No fundo do aparente altruísmo da
camada dominante escondia-se uma necessidade vital dos trabalhadores.
A revolta pelo atual sistema é expresso numa frase do entrevistado Loro
ou Sr. Lorisval Nunes de Mello: “os mineiros morrem trabalhando e o minerador fica
rico [...] eu tenho raiva dessa corja”. Para ele, o homem é uma máquina a serviço
do capital. Uma simples peça de um mecanismo ou sistema econômico.
Caso a humanidade não transforme os padrões de crescimento da
população e do consumo, a vida no planeta poderá estar ameaçada. Isso nos
remete ao desenvolvimento sustentável que deveria preservar para garantir um
padrão de vida para as futuras gerações. Entretanto, o que vemos estar sustentado
até o momento, é o lucro para poucos, em detrimento do esforço de muitos.
111
A história do carvão em Criciúma é marcada por um conflito sócio-
ambiental presente principalmente, no imaginário das pessoas com idade
avançada, ou seja, que viveram o auge do carvão. Hoje ele se faz presente
fortalecido pela ideologia do emprego e da tecnologia (mecanização das minas e
tratamento dos efluentes ácidos).
Caracterizada por um trabalho extremamente penoso e de alto risco, a
atividade carbonífera divide opiniões e põe em pauta princípios e valores
relacionados à vida, à dignidade e à natureza humana.
O trabalho das minas subterrâneas tem toda uma simbologia, desde os
descritos por Émile Zola em seu romance Germinal, até às reflexões de vários
autores. Em Criciúma, Gonçalves (1989; 2002) e Carola (2002) falam desse mundo
simbólico, pouco explorado pelos historiadores e “críticos do carvão”. O descer às
entranhas, a mina como um ventre rasgado que nos reporta a Moscovici (apud SÁ,
1993), quando fala da representação social.
O subsolo se constitui, para os entrevistados desta pesquisa, um mundo
singular de desafios e sofrimentos, onde se brinca com a vida e com a morte o
tempo todo. Por outro lado, é do subsolo que o mineiro retira o melhor salário para
o sustento familiar. Da umidade das minas, da sujeira da poeira do carvão, do corpo
dolorido, da pele agredida pelas alergias, ele desponta na superfície com a certeza
que terá alimento na sua mesa. Está posto aí a grande contradição. O que é viver?
O que é morrer? Talvez esteja aí o ”fetiche do carvão”. Vive-se e morre-se com o
carvão.
Enfim, as memórias do carvão das 10 pessoas entrevistadas
contribuíram para a compreensão que o “fetiche do carvão” exerce na população da
região carbonífera sul catarinense.
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120
APÊNDICE - ENTREVISTAS
121
1ª ENTREVISTA
Data: 25 de novembro de 2003
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais.
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Ademar da Silva
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60.
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local da Gravação: Cemitério Municipal do Distrito de Guatá, Município de Lauro
Müller/SC
1ª ENTREVISTA - ADEMAR DA SILVA
Nome: Ademar da Silva
Idade: 56 anos
Estado civil: casado
Profissão: mineiro
Profissão atual: aposentado
Local de nascimento: distrito de Guatá, Lauro Müller/SC
Locais em que trabalhou: minas de carvão.
Cemitério Municipal do distrito de Guatá no município de
Lauro Müller (obs: ainda trabalha neste local)
122
1ª Entrevista
Legenda
Gerson: G
Ademar: A
Gerson: Sr. Ademar gostaria que o senhor contasse para nós, todos os
acontecimentos que o senhor recorda sobre os problemas que ocorreram com o
carvão aqui em Guatá.
Ademar: O que aconteceu em nossa comunidade, essa mortalidade de criança, que
tinha aqui, tinha nascido 248 e morrido 240 criança, devido à água, água poluída,
que deu essas doenças nessas criança, do tipo diarréia e vômito, essa água ela
vinha bombeada por bomba, canos de ferro, continha muita ferrugem, então tudo
aquilo ajudou essa mortalidade que teve aqui na nossa comunidade do Guatá. Hoje
a nossa água é diferente daquela, hoje ela vem em cano de plástico, vem da nossa
serra, mantida pela Prefeitura. E naquela época, quem cedia essa água para nóis,
prá nossa comunidade, era a Barro Branco. Era uma empresa que ela cedia
energia e as bomba quando estragava era tudo com ela, prá fornecê essa água prá
nóis. Então, a maior parte dessas crianças que estão aqui hoje - foi tirada um pouco
-, que não estão todas aqui, foi levada daí prá outras comunidade, e a outra parte
está em terra, que não dava conta de fazer tumba, então eles enterrava na terra.
Em vala, pelo que se viu falá, porque naquela época, agente fala hoje aqui, o que
aconteceu daquela época pelas pessoas mais velha, porque eu também naquela
época eu era pequeno, tenho pouca coisa prá contá. O que a gente conta é o que
as pessoa mais idosa, né, daquela época que falou prá nóis. E temos mais
acontecimento em nosso cemitério, com acidente de mineração tem 7 ou 8 pessoas
aqui que conheceu esses acidente, então já fáis 11 anos que nóis cuidemo aqui do
cemitério e nesse 11 anos foi enterrado umas duas, treis criança só, mas foi por
problema, não foi por problema d’água, foi por problema de meningite e outras
doença. É isso que eu tenho a declarar prá voceis”.
G: Por que os túmulos não são mais bem cuidados?
A: Tem uma parte de túmulo que tá bem velho assim, é porque as pessoas foram
embora e aí tem pai que até faleceram já, né. Então os irmãos também não sabe
aonde é que é e não vem procurar. Então, o que agente tá fazendo: se eles estão
se destruindo, agente ajunta os ossos, né, quando tem, já que muitos nem tem
123
mais osso, então agente coloca num depósito que o cemitério tem aqui né, um
depósito próprio prá colocá esses ossos, e aí agente vai deixando como tá, indo
assim, porque isso aí tá indo em jornal e tudo né, uma lembrança que tá ficando pro
povo daquela época dos acontecimentos que aconteceu em nossa comunidade.
G: Estavam com idéia de tirar os túmulos?
A: É, eles estavam com idéia de tirar mais já voltaram atrás.
G: E a poluição da água?
A: Depois que entrou a FATMA e o IBAMA, entrou aqui, áh! Melhorou muito prá
nóis, por causa que... ou seja, numa época abafada igual hoje como tá aqui, áh!
aquela época se é hoje não dava prá respirá por causa do mau cheiro da pirita. Por
que queimava muita pirita né, hoje não, hoje a pirita onde eles fazem o depósito, ela
é tapada com terra né. É prá não dar mais problema de poluição.
Esse aqui, ele estava trabalhando, quase na hora de ir embora, caiu uma pedra, na
mesma mina que eu trabalhava e matou na hora esse rapais. Esse aqui também.
Esse rapais aqui, caiu mais ou menos 30 tonelada de pedra em cima dele. Foram
obrigado a arrebentar as pedra a marreta. Aqui em cima também tem um rapais,
que morreu. O primeiro poço de mineração que deu aqui, ele deu com 71 metros de
fundura. Eles estavam trocando a madeira do assoalho da gaiola e não avisaram
ele que a gaiola tava subindo sem a proteção. O rapais caiu de 71 metros de altura.
Foram só juntando os pedaços dele. Então você vê, foi um descuidado dele, tanto
quanto da empresa. Esse aqui, o encarregado dele foi meu pai. Foi um caso de
detonação.
Ele tava carregando os fogos para ir detonar a mina né, e atrás dele ele colocou o
lampião a carbureto e pegou fogo numa espuleta41.
Detonou, jogou o rapais mais ou menos uns 40 metros longe, num monte.
Esse rapais aqui morreu ele e outro. O outro acho que é lá de Lauro Müller.
Eles tavam assim oh... levando a calha do carvão. O carvão era calha com
correia né. Tavam mudando e ele encostou as costa dele na outra região com
energia elétrica”.
41 NOTA DO AUTOR: Provavelmente se tratava de um acessório de explosivo com espoleta simples, que é um acessório de detonação para iniciar isoladamente cargas explosivas, por meio de chispa ou agulha emitida por um estopim. Este tipo de espoleta é instantânea. A composição é à base de Nitropenta e Aziola. Medeiros apud (SILVA, 1985, 50p.).
124
2ª ENTREVISTA
Data: 17 de junho de 2004
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Dirlei Borges
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local de gravação: Rua Pascoal Meller, nº 73, Centro, Criciúma/SC
2ª ENTREVISTA – DIRLEI BORGES
Nome: Dirlei Borges
Apelido: Vermelho
Idade: 48 anos
Naturalidade: Criciúma/SC
Estado civil: casado
Profissão: aposentado
Trabalhos já efetuados: mineiro, sindicalista.
Ainda está na ativa como proprietário de farmácia e na Prefeitura Municipal de
Criciúma-SC.
Tempo em que reside em Criciúma: 48 anos.
125
2ª ENTREVISTA
Legenda
Gerson: G
Dirlei: D
Gerson: Bom Vermelho, tu ficas à vontade para relatar o teu envolvimento com as
questões ambientais, do sindicato, tua luta pelo trabalho etc...
Dirlei: Quando eu era pequeno, eu estudava num coleginho na escola que ia para a
Linha Batista e eu sempre via o caminhão da mina passá e sempre dizia que eu
queria trabalhá na mina. O meu sonho era trabalhá na mina e a minha mãe era
contra. Depois com 17 anos eu fui morá em Joinville, arrumá um serviço por lá.
Trabalhei 3 anos e quando fiz 21 anos eu voltei e peguei na mina. Meu sonho era
só a mina, não tinha outra coisa. Eu era obcecado pela mina. Aí me fichei na mina
em 1980, e aí dali sai aposentado. Trabalhei 16 anos e 6 meses, me aposentei,
mas pra mim foi o melhor trabalho que eu já tive. Na mina é assim oh: é um
trabalho de companheiro, todo mundo é amigo, todo mundo brinca, todo mundo é
batizado, tem seu apelido, igual eu tenho o meu, mas olha, não existe lugar melhor
pra trabalhá de companheirismo, de tudo. Mas também vi muitas mortes, pessoas
que foram degoladas na mina, acidentes de trabalho, ajudei a tirar vários
companheiro que morreram, mas graças a Deus nunca tive problema, eu me
aposentei, nunca tive problema de pó no pulmão, tive sempre saúde, nunca tive um
acidente. Eu fui um cara que como se diz, acertei na loteria. Fui pra mina me
aposentei. Tô trabalhando fora hoje. Trabalho na prefeitura, no orçamento da
prefeitura, mas eu sou um home feliz, contente, mas se um dia dissesse assim –
pode voltar a trabalhá na mina eu voltaria de novo. Agora que tô aposentado não
posso mais né.
Eu faço parte da diretoria do sindicato desde 1986. Em 86 eu entrei no sindicato
quando teve as maiores greves, nos estávamos junto, trabalhando junto, por que
naquele tempo o sindicato era muito atrelado ao patrão. Quem era o ex-presidente
daqui era um tal de Janga. Eu não sei o nome dele certinho. Que vendia a data
base. Quando era tempo de negociar, a nossa data base era Janeiro e aí na
primeira data base que nós tivemos com eles, em 85, ele pegou, no dia da primeira
assembléia ele não veio, estava na praia e aí nós entremo de greve de noite, ai nóis
126
se rebelemo. Fizemos uma greve sozinho, já que o presidente não vai nós vamo.
Sem o sindicato. Ai fomo vendo que o sindicato estava mal coordenado, mal
dirigido. Daí em 86 nós fizemo uma chapa que o nosso candidato a presidente era
o José Serafim, que ganhou. Nossa chapa era oposição e nós ganhamos a eleição
deles. Daí prá cá nóis ficamo no sindicato toda a vida. Aí foi aonde que em 88 nós
fizemo uma assembléia que foi lá no ginásio municipal. Foi a assembléia que mais
deu gente, deu 12 mil mineiro. Ficamo tudo naquele ginásio lá. Não coube todo
mundo ali, aí nós já tava na diretoria e conseguimos abranger todos os sindicato.
Todos os mineiros. Lotemo ônibus, era a coisa mais linda do mundo. Mas já
tivemos prisões de companheiros, eu fui preso também, por que eu defendia o
trabalhador, sempre vou defender, não mudei nada. Eu fui preso injustamente, por
que eu tava anunciando no carro de som na cidade, chamando os minero pra uma
assembléia, lá no trilho, já era 5 anos depois que nóis tava defendendo a CBCA,
que hoje é a Cooperminas, por que o Bastião largou a empresa, ali tinha 600
mineiros passando fome, o sindicato teve que tomar uma posição, e fomo trabalhá
prá levantá aquela empresa. Passamo muito trabalho, tivemo em Brasília, lotemo 5
– 6 ônibus prá ir pra lá, olha, deu um rolo dos diabo. Foi a empresa que mais deu
trabalho. Hoje ela tá bem na foto, é uma empresa nota 10, ela saiu do zero.
Imagina que nóis tinha um companhero, o Tetinha, que nós tinha ganhado do
governo do estado naquele tempo, uma cesta básica, e na cesta básica veio aquele
tal de “Bôzo”, nem nóis não sabia o que era aquilo. Ele levou um pacote daquilo e
botou numa panela, deixou cozinhando, achou que era um arroiz. Quando ele viu a
tampa tava um palmo prá cima, começou a inchar e subiu prá cima. O Bôzo era um
arroiz que o governo do estado dava naquele tempo. Ele inchava assim oh!
Colocava um pouquinho de água e ficava uma pilha. Subiu prá cima. Nóis ria que
se matava, e nóis apelidamo aquele arroiz do governo de Bôzo. Mas matou muita
da fome de muita gente.
Tu imagina a pessoa trabalhar 10-12 anos numa empresa e o patrão chega assim e
diz: a partir de hoje não tem mais férias, não tem mais nada, aí nóis decidimos:
vamos tocá essa empresa. A partir de hoje ninguém vai tirar mais nada e nóis
vamos toca essa empresa. Que era a mina aqui de cima, a mina do cachorro, a
mina do porco, mina do mato por ali. Naquele tempo tinha uns 700 mineiro. Tu
imagina trabalhando já é difícil. Imagina sem receber. Nóis fomo conversá com o
dono, o Sebastião Neto Campos e ele disse: eu não quero nem saber. E ele estava
tirando o dinheiro de lá prá leva lá prá China prá investi numa mina de cobre. E aí
127
foi a hora que nóis tivemo que agir, de imediato. Proibimo ele de tirar as coisa dali,
ninguém mais tirava, tinha que passá no comando, o comando é que ia decidi se
podia tirar ou não, pois que senão tchau e benção. Se aquela mina, a CBCA, hoje
tá trabalhando que é a Coperminas hoje, graças ao sindicato, por que o Paulo foi
um presidente que foi arrojado prá isso, não tinha medo, e nóis pegava tudo junto,
por que nóis defendemo é o emprego.
Tudo que nóis fizemo eu não me arrependo, se pudesse voltá tudo de novo eu
voltaria novamente a fazê.
Eu entrei no sindicato em 1986, e naquele tempo só fazia parte da eleição do
sindicato quem trabalhasse na ativa, e aí nóis mudemo o estatuto e fizemo assim
oh: nóis vamo fazer uma secretaria pros aposentado. Aí nóis temo direito como
aposentado de fazer parte do sindicato. A minha parte que eu tinha que fazer no
sindicato eu acho que eu já fiz. Tem que deixar o resto da turma. Meu dever já
cumpri. Que venham outras liderança.
G: Comente mais sobre sua atuação nas greves do sindicato.
D: Na época que eu fui preso eu estava num carro de som do sindicato, chamando
a minerada pruma assembléia naquela briga do trilho, que nóis achava uma
injustiça. Nóis lá, com 200 minero tentando a reverte o emprego da turma da CBCA
e aí a polícia foi lá e botou 1000 home lá, prá tirar o pessoal na mão grande. Foi
aonde deu aquele rolo todo.
Tu imagina, por causa do meu apelido de Vermelho a Polícia Federal veio de
Brasília, prá prender eu, por causa do apelido, apelido da mina, por que quando eu
baixei a mina, vi um cara cortando um parafuso e o parafuso ficou vermelho. Daí eu
disse – olha que vermelho que tá oh! Daí pegou o apelido. Daí, por causa do
movimento de greve eu fui intimado pra ir na delegacia ali. Aí eu peguei e fui lá, e
cheguei lá e tinha uma delegada da Polícia Federal. Ela veio prá interrogá eu.
Trouxeram um comando da Polícia Federal, carro da Polícia Federal, tudo, e aí
quando eu entrei eu disse, mas que diabo! Que tanto carro diferente! Daí ela disse
que tinha me chamado aqui por que eu fazia parte do Comando Vermelho do Rio
de Janeiro. E nóis queremo sabe se você ta fazendo uma sede aqui, disse ela. Daí
eu disse: a senhora podia me dizer o que é isso? Eu não sabia mesmo o que era
comando vermelho. Daí ela assim – quantas vezes tu já foi no Rio? Mas eu nunca
fui no Rio de Janeiro. Eu nasci nesta cidade eu me criei aqui, os único trêis ano que
eu tive fora eu morei em Joinville. Tá aqui a minha carteira que foi quando eu me
128
filiei na Consul, e depois só trabalhei aqui. Mas eu pedi reforço, pedi tudo prá te
entrevistá, tu é um home perigoso, disse ela. Daí eu falei: mas eu sou um
trabalhador, eu estou sendo injustiçado. Vamo lá na mina ou em qualquer outro
lugar, todo mundo vai que saber quem é eu. Daí eu perguntei prá ela se vermelho
era um bicho e ela me disse: não te faz de bobo! Daí um dos policiais que estavam
com ela disse: não te faz de lingüiça não! Porque que tu é vermelho? Daí ela falou
assim: acho que estamos entrevistando o cara errado. Isso foi em 1987.
G: Você acha que o salário pago era recompensador?
D: Acho que sim. Tu não sabe de nada, mal assinar teu nome, daí tu pega numa
mina ganhando 1.300 reais, e não trabalha nem sábado. Daí tu pensa assim, se eu
fosse trabalhá noutro lugar eu ia ganha no máximo 400 pila. E trabalho só 6 hora.
Hoje na mina tá no céu. Em 1986, esses FDP do Realdo, que já faleceu, na mina
dele trabalhavam assim: iam prá frente e depois tiravam os pilares, isso aqui ficava
limpinho assim, caia tudo e virava num diabo. De 90 prá cá com o movimento das
greve, porque as mina matava muita gente, os empresários até que tão mais
educado. Eles vão lá hoje, fazem a frente de serviço, não pode tirar pilar. A
Cooperminas que está trabalhando no Verdinho, tem um lago de peixe encima, que
deve dar uns 50 por 100 de quadrado encima, cheio de peixe. Faz 10 anos que já
passou a mina ali e tá ali os peixe. Tão trabalhando com cuidado, agora se
deixasse como antes...
Quando eu peguei na mina eu passei muito medo. Quando era pra tirar pilar
ninguém queria. Todo mundo tinha medo. E era a hora que a empresa mais
ganhava dinheiro. Que aí não gastava nada. Depois caia tudo.
G: O que mais te marcou no período que estavas na ativa no sindicato?
D: Foi quando nóis tinha 21 companhero preso no presídio numa greve que nóis
fizemo, naquela vêis do fórum, que nóis quebremo o fórum tudo. O juiz errou. A
câmara de vereadores veio ali votar uma coisa que era prá fecha uma mina, e tirar
600 emprego, e aí a minerada se queimaram, os vereadores vagabundo todos
tinham sido comprado, e aí chegou na hora foram lá e votaram, prá fechar a mina.
Tiraram 600 emprego. Aí a turma, eu estava lá dentro do fórum acompanhando a
sessão, a pedra pegou, o vidro começou a descer, vereador apanhô, por que tava
junto com minero e depois chegou na hora e foi lá votá contra. Ganhou dinheiro, se
vendeu-se. Inclusive aquele Albertinho Pacheco que perdeu uma perna. Devia ter
129
perdido as duas perna, foi safado, ele se elegeu vereador no meio dos minero e
depois foi lá votar contra. Naquele tempo o Eduardo Moreira era o prefeito, e o
Realdo era o cunhado dele, o Realdo pegou a empresa, não pagou nada, fechou a
mina. Daí ele pegou uns 2-3 vereadores, fizeram um projeto de lei, prá fazer área
de recuperação ambiental na mina. Claro que ele tinha interesse, tinha comprado
uma mina do governo federal. Faz aquela lei e diz: agora não pago! Aí naquela veis
marcou muito. Imagina assim, eu ia todos os dia levá comida prá eles ali no
presídio. Vê aqueles companhero que não tinha robado, não tinham matado, tavam
defendendo o trabalhador, o emprego. Aí depois um dia prá tirá eles de lá eles
tiveram que vir algemado e o juiz olhar pra eles e mandar tirar as algemas.
Humilhação. Aquilo foi a pior coisa na minha vida. Nunca vou esquecê. Outras
prisões que teve não marcou tanto, mas aquela sim. Foi no ano de 1990. Inclusive
o Zé Paulo era o presidente do sindicato, eles bateram tanto nele que quebraram
ele tudo. Levaram o Serafim prô hospital, tirou clavícula fora. Lá no hospital
deixaram ele algemado preso na cama, depois levaram ele tudo quebrado prô
presido, junto com a turma de novo.
G: Na parte ambiental o que você acha da cidade?
D: Hoje não existe poluição. Hoje as mina estão cuidando muito. É tudo tapado com
árvores. Agora eles estão cuidando. A consciência dos empresário e a turma do
meio ambiente de 96 prá cá estão cuidando muito. Estão investindo nisso. Tão
recuperando muitas áreas perdidas.
G: Muito obrigado pela entrevista. Está excelente.
130
3ª ENTREVISTA
Data: 15 de dezembro de 2003
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais
FICHA TÉCNICA
Entrevistada: Geni Bitencourt Daniel
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local da Gravação: Rua Santarém, nº 965. Bairro Princesa Isabel, Criciúma/SC.
3ª ENTREVISTA – GENI BITENCOURT DANIEL
Nome: Geni Bitencourt Daniel
Idade: 83 anos
Estado civil: viúva
Profissões: escolhedeira de carvão mineral e doméstica
Profissão atual: aposentada
Lugares que morou: nasceu em Tubarão/SC e após os 16 anos de idade somente
Criciúma/SC
Número de irmãos: 14 nascidos e nenhum vivo
Filhos: cinco
Local de nascimento: Tubarão/SC
131
3ª Entrevista
Legenda
Gerson: G
Geni: Ge
Gerson: Dona Geni. A senhora pode ficar bem à vontade e falar sobre a sua vida
nas minas.
Geni: Eu comecei a trabalhá, eu tinha uns 15 a 16 anos né. Então, era mais ou
menos em 1935. Eu nasci em 1918. Eu trabalhei na Mina Progresso, que era ali em
cima, que era do Portela, ali na rua João Pessoa, a mina era ali. Eu trabalhava fora
da mina. Dentro da mina era só homem né. Trabalhava na escolha. Trazia o carvão
prá fora naquela época, os vagonete de madeira, era sacrificoso, por que até os
trilho era de madeira, um vagonete grande, enchia de carvão lá dentro e trazia prá
fora prá escolha né. Daí as moça, mulhé, escolhia o carvão, tirava as pedra, o xisto.
G: Era muito pesado o serviço?
Ge: Era pesado demais, por que naquela época o carvão ainda era puxado a carro
de boi, até ali onde hoje é o terminal do ônibus. Tinha monte de uns 50 metro de
altura de carvão. O carvão quando sujo ele queimava, era tipo um xisto que
queima. O carvão naquela época tinha tipo de um enxofre. Cheirava forte, dava
uma piança, uma fumaça né.
G: E fazia mal para a saúde?
Ge: Dizem que fazia, mas eu trabalhei e graças a Deus nunca me fez mal, né, mas
trabalhando assim era o xisto que queimava, pegava fogo, uma fumaça. E era
pesado e as mulhé carregava a padiola, carregava em duas.
G: O que era padiola?
Ge: Padiola era um caixote de madeira com duas vara, por que era em duas que
carregava, e o morro do carvão era tão alto que tinha escadinha de madeira e
sarrafo para não escorregar. Depois já trabalhei na Mina Naspolini, ali era carro de
boi.
132
G: Eram em quantas que trabalhavam?
Ge: Na escolha? áh! Era uma dez.
G: Todas esposas de mineiros?
Ge: Não, não. Tudo particular. Moças, casadas. Quando eu comecei tinha uns 14
anos.
G: Crianças podiam trabalhar?
Ge: Não, não, não, não, assim, 14 para 15 anos podia. Por que a padiola tinha para
mais de 50 quilos. Daí tinha uma picaretinha prá quebrá o carvão, daí era tudo
quebrado; o carvão, e tirado tudo o metal e a pedra.
G: As mulheres eram amigas?
Ge: Cantava, conversava, fazia de tudo, era escolhido no chão, colocava a padiola
para escolher ali, e depois eu era fiscal.
G: Para ser fiscal tinha que ser brava?
Ge: Tinha umas negrona grande, aquelas eram brabas.
G: A roupa que trabalhavam como era?
Ge: Vestido, normal.
G: E por baixo?
Ge: Mas nunca (risos)! Imagina!
G: E depois onde fostes trabalhar?
Ge: Depois fui trabalhar na CBCA.
G: Gostava de trabalhar na escolha?
Ge: Naquela época tudo era bom, né, era uns 200 réis a padiola, tinha que virar
umas 20, vinte e poucas para ganhar um pouquinho mais.
G: A água já era contaminada?
Ge: Onde pegava carvão era. Tinha uma cachoeira grande que vinha lá do mato e
já era bem vermelha. A água que vem do carvão corta tudo.
133
G: O carvão foi bom para Criciúma?
Ge: Imagina! Foi o que fez a Criciúma. Não vê que hoje está parado, por que não
tem quase carvão? Carvão foi o que deu vida a Criciúma!
G: Estão falando em voltar a explorar o carvão.
Ge: Tem pouco carvão. Não tem mais carvão. Por aqui não era poço, mas no
Sangão já era mina de poço. Aqui era inclinado. Agora tem muito pouco carvão e
naquela época não tinha usina, não tinha fábrica.
G: A senhora trabalhou até que idade?
Ge: Até os 22 anos. Depois fiquei em casa, lavando roupa para fora, para criar os
filhos. Tive 5 filhos. Um deles trabalhava na mina. A vida era outra né.
G: A senhora gosta de morar em Criciúma?
Ge: Gosto! Viemos tudo.
G: E as mãos?
Ge: Cheia de calo, e no final de semana passava mamão para afinar e amaciá a
mão.
G: As casas que vocês moravam como eram?
Ge: Nóis morava já numa casa de madeira que a companhia mandava fazer. Era
tudo com coberta de palha. Chamava rua da Palha. As casa da companhia era tudo
coberta com palha e barro. Eu parava com meu irmão e o chefe dele gostava muito
dele, gostava demais, então mandô fazer uma casa de madeira para nóis, né.
G: As casas tinham repartição?
Ge: Tinham, tinham, era repartição mesma coisa, era tudo de barro.
G: E o banheiro?
Ge: Não tinha banhero. Era uma bacia, lavava loça na bacia, tomava banho na
bacia. Não tinha pia, não tinha nada, era uma pobreza. Naquela época tinha muito
mais pobreza do que agora. O que ganhava não dava prá nada, só que era tudo
barato também.
134
G: E a alimentação de vocês?
Ge: Arroz, feijão, sopa, muita sopa. Na panela, com fogão de barro, nem de lenha
era! E a comida era boa né! Não tinha verdura, só algum repolho.
G: Quando comiam?
Ge: Tomava café antis de saí de casa e depois o almoço era meio dia. Pegava às 8
e saía às 4. Depois que o Getúlio entrou, botou o horário de serviço. Sábado
trabalhava o dia todo, mais domingo não.
G: E namoravam na mina?
Ge: Ah! Namorava. Nóis era muito marvada. Tinha uns italianinho muito bonito. Ah!
Brincava, paquerava, inticava com eles, mas eram muito encabulado, eles não
davam bola né!
135
4ª ENTREVISTA
Data: 23 de junho de 2004
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Jairo Viana Júnior
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local de gravação: escritório regional da FATMA, rua Melvin Jones, nº 123, bairro
Comerciário, Criciúma/SC
4ª ENTREVISTA - JAIRO V. JÚNIOR
Nome: Jairo Viana Junior
Idade: 43 anos
Estado civil: casado
Profissão: Bacharel em Direito
Profissão atual: fiscal da FATMA
Local de nascimento: Laguna/SC
136
4ª ENTREVISTA
Legenda
Gerson: G
Jairo: J
Gerson: Jairo gostaria que nessa entrevista você relatasse a sua história de vida na
região carbonífera, a qual sabemos que sempre houve um grande envolvimento
com as questões ambientais, até mesmo por trabalhar numa fundação que é
voltada para isso.
Jairo: Bom, Eu nasci em Laguna. Eu morei até os 4 anos de idade em Laguna. Eu
nasci em 1966. Meu pai era funcionário público federal, fui transferido para São
Francisco do Sul e moramos lá até final de 1969. Em 1970 então viemos aqui para
Criciúma e a primeira visão que eu tive de Criciúma assim, quando eu cheguei aqui
que eu me lembro, naquela época tinha 9 anos, foi uma cidade suja, fumaça com
mau cheiro, eu cheguei bem na época do “boom” do carvão né. Em muitas áreas do
centro da cidade ainda eram expostas com pirita, rejeito exposto em tudo quando
era lugar, e a pirita queimando direto assim, e eu fui uma criança que tive asma, vivi
sempre em cidade do litoral com paz, ar puro, e vim pra cá pra Criciúma e sofri
demais aqui. Eu me lembro assim, tenho uma imagem muito negativa. Então eu
estudei no colégio Lapagesse, morava ali perto do campo do Criciúma, ainda
quando tinha cerca de madera, e daí desse trajeto a gente passava pela estrada de
ferro, ali, onde é o terminal urbano hoje, e me lembro ainda da pirita exposta, os
trens passando e toda aquela situação de degradação, e ninguém se importava
com isso né, ninguém se importava com isso. A partir daí então, estudei no colégio
São Bento, no centro da cidade, e em 1977 fui morar em laguna, em 1979 fui pra
Florianópolis estudá. Sempre levando esta imagem negativa de Criciúma. Daí morei
em Florianópolis e o contato com Criciúma se dava em fim de semana quando
vinha visitá a mãe, irmã e tal. Em 1990 então eu saí de Florianópolis e fui estudá
direito em Tubarão. E por conseqüência disso entrei na FATMA em 1985 como
estagiário, quando tive o primero contato com questões ambientais, com questões
de defesa do meio ambiente. Nessa época também em 1985 eu fazia o curso de
arquitetura, na Universidade Federal de Florianópolis, e lembro que lá tinha uma
matéria, conservação dos recursos naturais, e lembro que foi pedido, como eu era
137
do sul, foi pedido que eu fizesse um estudo então, um “paper”, alguma coisa sobre
o carvão, e foi quando eu fiz uma pesquisa e me deparei com a situação caótica da
exploração do carvão daqui da região sul. Em 1990 quando eu vim morar aqui em
Criciúma novamente né, definitivamente, é que eu vi que poca coisa tinha mudado.
Poca coisa tinha mudado porquê? Aquelas áreas onde era lixão, depósito de pirita,
todas elas foram ocupada por assentamento urbano. E a maioria delas de forma
desordenada e inadequada. Como é que você vai botá um sistema de tratamento
de esgoto na pirita né. Eu vi terrenos todo aterrado ali, naquela região da Próspera,
a região do Mina Quatro, a Boa Vista, toda essa região que de área minerada, a
Cidade Minera, toda ela ocupada onde era as áreas de depósito, área de lavadô de
carvão das minas, todas elas foram ocupadas pelos mineiros e famílias dos
mineiros depois né, de forma desordenada, ocupando sempre o espaço territorial
da forma mais desorganizada possível. Tanto que em Criciúma hoje, se tu fores
olhá, a população hoje só tem dois espaços públicos onde se aproveita pra algum
tipo de lazer, que é a Praça do Congresso e a Praça Nereu. Não existe em
Criciúma otro lugar público que tu veja tamanha concentração de pessoas prá lazer
e diversão. Só estes dois pontos. Se agente for olhar ainda a oferta de equipamento
urbano pra esses dois pontos é ridícula. Então dentro dessa situação caótica que
eu encontrei aqui em 1990, ainda mais que eu trabalhava num órgão de proteção
ambiental, agente tem acesso a todos os dados, todas as técnicas utilizadas pra
explorar carvão, tudo que foi feito, tudo que deixou de ser feito, o que tem por fazer
na cidade, na região. Criciúma hoje não explora mais carvão. O que se tem hoje
aqui é garimpagem. Você pega rejeito prá lavá, mesmo assim com potencial
poluidô muito grande, por que você lava rejeito, tem rejeito do rejeito, e às vezes
até o rejeito do rejeito do rejeito, tudo isso exposto aonde? Colocado aonde?
Agente sabe que é largado por aí de forma inadequada. Os aterros de rejeito de
carvão não segue técnica alguma, impermeabilização do solo. Muito pelo contrário,
as áreas utilizadas aqui prá, prá depósito de rejeito era em banhado né. Todas as
áreas de banhado da cidade foram aterradas com pirita. Com rejeito do carvão.
Então o potencial de contaminação prás áreas superficiais e subterrâneas é
medonho. Tu não tem como mensurá o potencial poluidor. Aliás, o grande problema
da região hoje. Não tá só nas minas em atividade.
O grande problema da região tá nos depósitos inadequados de rejeito. Por esse
grande problema, tanto de usar os aqüíferos superficiais e subterrâneos, quanto
depois da ocupação urbana em cima deles. Um exemplo típico que eu via da janela
138
do prédio em que eu morava na década de 1970, foi a construção da nossa
rodoviária. Aquela área ali era toda um banhado. Eu me lembro do arrozal que tinha
ali, do banhado que tinha do lado do trilho, e toda aquela área ali foi aterrada com
pirita, com rejeito de carvão. E hoje tem uma ocupação urbana em cima, inclusive a
faculdade onde tu leciona. Então, todo o nosso solo foi ocupado assim. Tanto é que
hoje o rio Criciúma que passa naquele entroncamento da Henrique Laje com a
Centenário, ele sumiu. Se tu fores no pátio hoje da oficina Admol tu vê água
brotando do chão. Era um banhado ali. Ali era uma área de dispersão do rio
Criciúma e foi toda aterrada com rejeito de carvão e ocupada desordenadamente.
Então a questão ambiental de Criciúma está basicamente centrada na exploração
do carvão. E quem fazia a exploração do carvão nessa época? CSN, uma empresa
estatal. Era a própria União que minerava aqui, em Siderópolis, Treviso, hoje, todas
aquelas áreas degradadas pela famosa Marion que ainda funciona hoje no Paraná.
Toda essa área foi feita pela CSN. E muita gente hoje dono de mina, eram eis
funcionários da estatal. Que vem repetindo as mesmas práticas de exploração
desordenada dos anos 70 e 80 que foi o “boom” do carvão aqui. E hoje a gente
pergunta: Prá que se explora carvão? Por que se explora carvão na região ainda?
Por que essa é uma área crítica decretada pelo Governo Federal desde a década
de 80? E Isso é um decreto! É uma área crítica em termos de poluição e não se vê
nada pra reverte esse quadro. Em Cubatão, por exemplo, se tu lembrares na
década de 80 o que era Cubatão e o que é hoje, vai vê que muita coisa melhorô.
Também era uma área crítica nacional e que deixô de sê.
G: O que você acha da recuperação que estão fazendo nas áreas de carvão?
J: Não adianta nada. Se tu pegares profissionais sérios, profissionais que realmente
estejam dispostos a dar uma resposta pra sociedade, prá comunidade, como a
gente tem alguns exemplos aqui em Criciúma, que são até deixados de lado, pela
sociedade criciumense, você vai vê que essas técnicas de recuperação não são
mais nada menus nada que uma simples maquiagem. É a mesma coisa que tu
varrê poeira prá baixo do tapete da tua casa. Não resolve nada. A poeira continua
ali em baixo do tapete, só que tá escondida. Mas o potencial de poluição daquele
rejeito que foi escondido continua o mesmo, pur quê na base dele não foi feito
nada. Não teve um preparo do solo pra recebe esse material. Não existe
impermeabilização desse material. A Mina 3 recentimenti aqui, sob protestus meu,
foi autorizada a colocá rejeitu de carvão dentro de uma cava daquelas que a Marion
139
deixô e inundada de água. Por que supostamente, técnicos canadenses ou técnicos
não sei da onde disseram que era melhor a pirita tá submersa. Ora, se a gente
sabe que a pirita é um material reagenti, é considerado pela ABNT um resíduo de
classe 2, ela reage espontaneamente em contato com o ar e a água, ela reage e
entra numa combustão espontânea, como é que tu vai botá isso dentro d’água? Tu
sabe também que potencial isso tem de lixiiviá metais pesados para os recursos
hídricos. Os metais são zinco, chumbo, cadmium, ferro. Se chega a penetrar no
corpo humano, certos metais pesado tem efeito cumulativo. O chumbo entrô no
organismo humano não sai mais. Cromo. O cromo não sai mais. Ele se adere ao
tecido adiposo. Mesma coisa agrotóxico.
O potencial de poluição desses mais de 7.000 ha já poluídos vai prô rio Araranguá,
e acaba no Oceano Atlântico. Ninguém estuda os peixes que se pesca na foz do rio
Araranguá, prá sabe se tão contaminado ou não com metal pesado. O lodo da foz
do rio também não é estudado, então, não se tem uma consciência de preservação
ambiental aqui na região, e também os nossos organismos oficiais também não dão
margem prá que esses estudos sejam feitos. Não se estuda isso que é prá
população não sabê realmente disso. A época que nasceu aqui criança sem
cérebro foi dado continuidade nesse estudo? Alguém sabe do resultado desse
estudo? Alguém sabe se ainda continua nascendo criança sem cérebro aqui na
região? A mesma coisa na parte de câncer também. Sabe-se, até aqui na última
audiência da usina termelétrica de que o maior índice de câncer é Nova Veneza.
Mas Nova Veneza é um município pequeno né. Então vai se perguntá por que Nova
Veneza! Lá não tem carvão, não tem mina de carvão não tem nada. Mas lá tem um
parque industrial voltado pra siderurgia. E tem também o resíduo também industrial,
altamente contaminante que são as areias fenólicas usadas na fundição e as areias
usadas também prá desengraxá e prá limpeza de peças. Essas areias têm um
potencial de poluição medonho. Classe 2 também, e sabe-se que a maioria dos
lotes urbanos ali do Caravágio, muitas áreas em que hoje tem ocupação humana
em cima foram aterradas também com esse rejeito. Tu encontra áreas aterradas na
região de Criciúma com essa areia fenólica. Aqui há uns meses atrás saiu uma
reportagem que uma empresa da região estava colocando esses blocos de areia
fenólica. Em frente do fórum. Prá aterrar aquele banhado que esta o fórum. Outro
exemplo negativo é que o fórum está encima de um curso d’água, encima de um
banhado, que foi aterrado com pirita.
140
G: Tu falastes que Laguna apesar de fazer parte da região carbonífera também é
afetada pela poluição...
J: Não só Laguna, mas como Ilhas, Laguna e a Barra do Torneiro que também é
otra comunidade esquecida, são o destino de todo esses esgoto cloacal de todas
essas cidades aqui e mais o rejeito do carvão. Se vê só: Araranguá, Forquilhinha,
Nova Veneza, Criciúma, Turvo, Ermo, Meleiro, em todas, o esgoto cloacal e o
rejeito vão dá na comunidade de Ilhas. Ilhas é o sumidoro e a fossa de toda região
ali.
Nenhuma cidade tem tratamento de esgoto. Na região aqui nenhuma tem. E no
verão se vê o número de banhistas que vão lá prá aquela região de Ilhas tomá
banho! Isso sem fala no problema da agricultura né. A plantação de arroiz. Que eu
entendo que hoje é a atividade que mais degrada e mais polui a região sul. Por
que? A mais porquê? Primero o uso indiscriminado, discontrolado, sem fiscalização
do uso de agrotóxico. E não se dá também possibilidade de pesquisa prá se saber
qual a quantidade de agrotóxico, principalmente na bacia do rio Araranguá. Tubarão
também. Laguna, aquela região do Camacho, isso tudo vai desaguá na lagoa de
Santo Antônio dos Anjos, que banha a cidade de Laguna. Sai ali pelo rio Tubarão,
nos molhes da barra em Laguna. Laguna também é um grande esgoto de Tubarão,
Braço do Norte, Orleans, Lauro Müller, Ipanema, com todo potencial que tem a
criação de suínos né.
Só se dá conta disso quando chove muito, com a destruição da mata ciliar, das
nascentes. São tudo destruída em prol do desenvolvimento econômico, isso vai
pará tudo na fóiz dos rios, e a gente vê embalagem de agrotóxico, refrigerante,
animal morto, sofá, televisão, porco. É só depois de uma enchente tu ir no mar,
para ver o que tu acha na bera da praia.
Prá encerrá, acho que a solução existi, prá tudo tem solução. Em outubro de 2003
nóis tivemo contato com o ministro do meio ambiente da Alemanha, em Brasília. O
mundo qué abolir o uso de energias não renováveis, por que sabe que o petróleo
acaba lá por volta de 2050. O carvão tem um problema de poluição danado, o
nosso carvão aqui da região é um dos piores do mundo, 70% dele são resíduos e
cinza, nosso carvão é muito pobre em poder calorífico. Você pega as coquerias
daqui que produzem carvão prá indústria siderúrgica, você vê que nenhuma delas
tem controle para a poluição atmosférica. É tudo queimado e vai tudo prá
atmosfera, sem controle, sem medição, sem dados estatísticos, sem nada. Não se
sabe nem a qualidade do ar que se tem em Criciúma. Nem a quantidade de metais
141
que é lançado na atmosfera por essas coquerias. Não se tem dadus e não se qué.
Os detentores do conhecimento, do ensino, não querem que a população tenha
esses conhecimento. Se tu for colocá todas as técnicas para extração,
beneficiamento, controle, como tem na Europa, vai ver que a exploração do carvão
é anti-econômica, por que vai muito equipamento e tecnologia, dá prejuízo retirá
esse carvão. Sabendo disso é claro que a população vai exigir do poder público um
direcionamento prá utilizá outras fontes de energia, que são as energias
renováveis, utilização da energia eólica, utilização da energia solar, a energia
fotovoltaica né. Você pode economizar quanto num prédiu hoje aquecendo a água
com placas solares! Eu não quero que o Brasil produza mais energia, eu quero que
o Brasil utilize racionalmente a energia que tem. É possível ter crescimento? Claro
que sim. Por que não utilizar biogás, biodiesel. Por que as nossas frotas de ônibus
aqui no centro não utilizam gás veicular? Sabe-se que o mundo tá direcionado pra
utilização do hidrogênio. É uma coisa que a região sul do estado não quer
enchergá. Fica aqui vivendo no passado, como se tudo acontecesse na década de
70... Dispondo lixo e resíduo industrial em qualquer lugar que você acha por aí e as
pessoas acham isso normal... É a chamada “Normose”. Tudo é normal. O pessoal
tá tão acostumado a viver na imundície na sujeira, nem se importa para onde vai o
lixo dele, não pergunta que destino é dado prô lixu. É possível botar o resíduo de
forma adequada? É. Por que não se faz? É caro, muito caro, e o empresário do
carvão qué é lucro. Não qué investi em recuperação ambiental, em educação
ambiental. Eles dizem: ah! Mas nós investimos na UNESC, na SATC. Eu acho até
que este investimento é um pouco equivocado. Eu queria saber quem é que dá
educação ambiental na SATC, o que é que falam pros alunos da SATC sob
recuperação ambiental, quem são os disseminadores de conhecimento, que atinge
essa juventude. É quem eles querem. Eu nunca vou dar aula na SATC. Nunca vou
ser convidado prá dar aula na SATC. Nem na UNESC. Acho que é mais fácil eu dar
aula em Florianópolis, Tubarão, Araranguá, do que na minha cidade de Criciúma,
onde eu vivo, trabalho e crio meus filho. É o jogo do poder né. O trabalho da
FATMA hoje é totalmente controlado pelo poder econômico. É poder econômico
que nomeia diretor, que bota coordenadores, cargos de chefia, muitas vezes entra
em choque com o que pensa até alguns técnico da FATMA. O nosso quadro já não
se renova mais desde 1994. Nossos funcionários não evoluíram, não estudaram,
nunca tiveram direito ambiental ou legislação ambiental nas suas escolas, não vê a
necessidade de defender o coletivo primero, do que defender o interesse
142
econômico e individual, não há renovação. O pessoal de engenharia ambiental não
tem espaço na FATMA, Biólogos com outra visão, que estudaram outras coisas. O
IBAMA recentemente feiz uma renovação. O IBAMA tem uma visão pra defender o
interesse coletivo que é o que a constituição manda. O poder público tem o dever
de preservar e defender o meio ambiente prás atuais e futuras gerações. Isto está
na constituição artigo 225.
Muitos colegas foram criados com aquela visão capitalista ao pé da letra: produzir,
crescer, prosperar, ganhar dinheiro. E eu pergunto: produzir prá que? Prá quem?
Prosperar porquê? Crescer como?
É isso que o setor produtivo hoje não qué. É dizê prá nóis o que é que eles querem
com isso. O que é que eles querem com o carvão aqui, o quê que a carbonífera
Criciúma quer comprando aquela usina lá no Rio Grande do Sul. Quer aumentar a
produção do carvão? Quero. Então a sociedade merece atenção também. Nóis
queremos responsabilidade na exploração do carvão. O parque industrial também
precisa ter uma responsabilidade quanto a resíduo industrial, que não tem nenhum.
Uma responsabilidade dos organismo públicos quanto a disposição adequada dos
resíduos sólidos e uma utilização racional desses resíduos.
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5ª ENTREVISTA
Data: 18 de junho de 2004.
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: José Carlos Bitencourt
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local de gravação: Rua Pascoal Meller, nº 73, Centro, Criciúma/SC
5ª ENTREVISTA - JOSÉ CARLOS BITENCOURT
Nome: José Carlos Bitencourt
Idade: 47 anos
Naturalidade: Siderópolis
Estado civil: casado
Profissão: Mineiro e Técnico em Segurança do Trabalho
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5ª ENTREVISTA
Legenda
Gerson: G
José: J
Gerson: Bom Sr. José, não conheço o senhor, mas por trabalhar aqui no sindicato
me disseram que o senhor tem muita vivência nas minas e gostaria que o senhor
me dissesse livremente, sem nada para comprometê-lo, tudo o que senhor quiser
falar sobre a mineração e a questão ambiental.
José: Na verdade eu nasci em Siderópolis, meu pai foi mineiro da CSN, trabalhou
25 anos naquela máquina Marion, uma escavadeira, era uma máquina que ela fazia
extração a céu aberto, ela tirava o rejeito, e deixava só no carvão. Daí vinha outra
máquina, colocava nos caminhão, e levava para lavar na CSN, os lavadô né. Então
era uma extração a céu aberto, que não tinha controle ambiental, não havia
consciência ambiental nenhuma, não sei se não havia ou houve negligência, ou
houve não sei o que, enfim, a verdade é que prejudicava muito aquela região ali.
Eles acabaram com os rios, na época todo mundo ganhou dinheiro, não se tinha
aquela preocupação que tem hoje, de preservação ambiental. Então, a gente se
criou ali, e meu sonho era vir pra Criciúma, a gente veio em 75, veio morar aqui no
Pinheirinho, mas antes estudei na SATC. Daí não consegui me formar na SATC e
fui trabalhar na CECRISA em 76, já morava no Pinheirinho, era solteiro, trabalhei 6
meses na CECRISA e saí. E daí fui trabalhar na CSN, que é uma estatal, né,
Companhia Siderúrgica Nacional, era a mesma de Siderópolis, mas a CSN aqui era
como uma filial. A sede é em Volta Redonda no Rio né, fazia extração a céu aberto
em Siderópolis e aqui era no sub-solo, então eu vim trabalhá nesta empresa, que é
uma sub-sede da CSN do Rio né. Isso foi em 77, trabalhei na carpintaria, então eu
pude estudar à noite. Trabalhava de manhã né. Em 1980 eu casei, daí em 81 eu fui
trabalhá na mina, de apontador. Apontador é o que fazia o ponto do pessoal na
mina né. Daí eu tive vários contatos com os mineiros. Mas antes, em 1980 eu fui
trabalhar embaixo duma mina em Siderópolis. Fui fazê um planilho lá. Então, passei
algum susto por que não conhecia o subsolo da mina. Serviço perigoso lá, serviço
que requer muita atenção embaixo da mina, trabalhei alguns meses lá fazendo
145
plano, depois voltei de novo, voltei pra Criciúma e fui trabalhá na mina “A” do
Sangão. Fiquei lá até 1990. Já tinha um sonho de defender os mineiros, os
explorados, os menos favorecidos. Então, assim, a gente tinha orgulho de ser
mineiro. A mineração me proporcionou um meio para eu voltar a estudar. Uma vida
melhor, tinha um salário razoável, salário de mineiro era um salário razoável, né, e
eu me identifiquei muito com os mineiros. Vem do meu pai, do meus tio, todo
mundo era mineiro. Então a gente deu seqüência no trabalho do meu tio e do meu
pai. Bom. Em 1990 o Color ganhou a eleição e fechou a mina, a CSN, e privatizou,
e daí eu fiquei desempregado. Então eu trabalhei na carpintaria, na Próspera,
trabalhei embaixo da mina, fazendo plano, e também trabalhei no almoxarifado,
trabalhei em vários setores lá na CSN, durante 13 anos, depois fiquei
desempregado e em 1992 pequei na CBCA. Aí eu fiz um curso de segurança no
CIS, e me formei em técnico em segurança. Aí eu peguei na CBCA, aí me deram
uma chance lá como técnico em segurança. Daí passei a trabalhar como técnico de
segurança de subsolo. Uma experiência interessante a área de segurança debaixo
da mina. Uma área crítica né, tem que atuar no sentido de preservar a vida do
pessoal. O bem maior é a vida né. Antes era o nome de supervisor de segurança,
agora é técnico de segurança. Até hoje sou técnico de segurança. Hoje estou ligado
à Coperminas e ligado ao subsolo ainda né. Então assim, debaixo da mina, 120
metros de profundidade, de escuridão, fumaça.
A mineração mudou muito. No passado era degradante, não havia controle
ambiental nenhum. A partir de 92-94 criou-se uma nova regulamentação que antes
as empresas faziam um recuo de pilares, tiravam os pilares da mina né. Ganhavam
mais dinheiro, por que quando tirava os pilares, caía mais carvão. Hoje não pode
mais. Hoje eles não fazem mais, pois prejudica alguns rios, alguma nascente, hoje
pela lei já não pode mais fazer recuo de pilar. Tem que deixar os pilar intacto. Pilar
é o que sustenta toda a rocha. Os lençóis freáticos. Pilar é tipo uma tábua.
A mina hoje ela mudou muito. Antigamente tinha muitos óbitos na mina, porque não
havia aquela consciência do próprio mineiro. Ele trabalhava de forma rústica,
primária. Hoje não, a mina tá segura hoje. Hoje eles tão sabendo que prá minerar,
hoje é preciso respeitar as leis ambientais, os órgãos ambientais, tanto é que hoje
não tem nenhum caso mais de pneumoconiose. Só antes. Hoje acabou. Tem uma
nova consciência. Hoje tem que furar à úmido. Não pode mais furar à seco como
antes né. Mudou muito de ontem para hoje, então é preciso relatar isto. A
mineração hoje é diferente. O que muitos falam é do passado. A mina hoje é bem
146
diferente do passado. Isso é que tem que ser bem destacado. Hoje as empresas
estão investindo muito na questão ambiental. Também tem que pensar no futuro de
nossos filhos. Não é só garantir o emprego ou renda. Isso aí é uma nova visão né.
147
6ª ENTREVISTA
Data: 25 de junho de 2004
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: José Severiano
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local de gravação: Rua Princesa Isabel, ed. Diplomata, ap. 201, Criciúma/SC
6ª ENTREVISTA – JOSÉ SEVERIANO
Nome: José Severiano
Idade: 65 anos
Estado civil: casado
Profissão: geólogo
Escolaridade: superior completo
Tempo em que reside na região carbonífera: 34 anos
Local de nascimento: Paraíba
148
6ª ENTREVISTA
Legenda
Gerson: G
José Severiano: JS
Gerson: Seu José, eu gostaria que o senhor falasse de suas experiências com a
área ambiental, mais precisamente com o carvão aqui na região carbonífera.
José Severiano: Eu nasci no interior da Paraíba, em 1938. A atividade era
principalmente cana-de-açúcar. Cheguei ainda a trabalhá em algum canavial
pequeno, mas cheguei a trabalhá. Depois saí, fui estudá em Recife e
posteriormente em São Paulo em 1956. Levei sorti de conseguir estudá. Eu sempre
tive como meta estudá. Trabalhá em canavial não é fácil. No nível de esforço físico
quase que se assemelha ao trabalho de minero. O esforço é quase mais ou menus
idêntico. Dei aula de mineralogia na SATC. Estudei geologia na Rússia.
Vim para Criciúma em 1970. Não tinha rua asfaltada. A poera era forti, mas eu bóto
um limite do governo do prefeito Manique, que Criciúma recebeu um
desenvolvimento tão grande, que se você fôsse vir em Criciúma antes de 72 e
depois de 72 você talvez não reconhecesse a cidade, por que realmente de 74 a 76
Criciúma cresceu bastante. Criciúma teve um desenvolvimento extraordinário. Não
foi só mérito do prefeito, mas dos empresários também. Eu acho que na cidade, a
poluição lógico que se acabô, mas Criciúma a poluição foi antes dessa época, hoje
você não tem mais carboníferas, com exceção da catarinense que tem uma mina ali
em Rio Maina. Quem tem hoje uma poluição mais forti é Siderópolis, Treviso, Lauro
Müller, uma poluição mais direta. Criciúma tá uma cidade limpa. Carece de muita
coisa nóis sabemos; infraestrutura, mas ela cresceu e também procurô investi
muito. Não é ainda o suficiente, temos que despoluir nossos rios. Hoje a água vem
de 20 km. Nós poderia ter água aqui do rio Mãe Luzia. Mas nossas nascentes estão
contaminadas. Mas a tendência é melhorá cada dia. Não é uma cidade livre de
poluição, não proveniente do carvão, mas temos um parque industrial muito grande,
metalurgia, vão continuá poluindo, mas isso é uma coisa. Muita gente diz que pode
pará com o carvão. Mas se pará, a cidade vai sofrê com a retirada do carvão, por
que o carvão trais muito empregos, diretos, indiretos, o carvão pra mim ainda é um
suporte econômico muito importante pra Criciúma e região. A mineração não é o
149
vilão da história, tudo é o carvão, mas o carvão não é toda essa coisa. Foi no
passado, no passado não se sabia quanto era danoso, mas hoje a consciência já
está muito grande. Mesmo os órgãos ambientais não têm profissionais suficientes,
não dá prá fazê uma fiscalização efetiva por falta de pessoas.
G: Quando o senhor morou na Rússia já havia poluição?
JS: A gente ainda não dizia poluição. Eu vi melhor quando eu voltei para a Rússia
em 1986. Estive visitando uma mina de enxofre, e associados, na Sibéria, na parte
dos Montes Urais, então eu percebi que ainda não tinha naquela época os cuidados
que tem aqui. Aqui nóis somos mais cuidadosos até com o meio ambiente. Naquela
época nóis tratava o meio ambiente com muito mais atenção do que era na própria
União Soviética. A gente fala muito, mas hoje a própria Europa, não é bem tudo
como dizem, a Europa tem muitos problemas. Na Alemanha, no coração da França,
na Inglaterra, hoje ainda. Quem é que fechô uma mina de carvão em alguma parte
da Europa que eu saiba? Todos mineram com responsabilidade. Então eu acho que
nós temos que fazer é bons projetos, colocá eles em prática, e realmente cumprir
com aquele projeto que tem. O nosso maior problema é não cumprir projeto. Temos
projeto muito bons. A França minera carvão até hoje! Na Europa o carvão é muito
importante, pra nóis também é muito importante. Nos Estados Unidos, no Canadá
eles mineram carvão. Não quero tirar o mérito que seja realmente fiscalizado, uma
fiscalização serrada, por que o minerador, ninguém quer gastar. Se puder não
fazer, não fazem. Mas se houver fiscalização nóis temos bons projetos que vai
deixar a mineração uma indústria limpa. Uma coisa que eu quero dexá claro
quando eu falo em mineração. Toda mineração é impactante. Toda mineração traiz
poluição. Agora, a poluição, não tem nenhuma indústria que não polua, agora o que
nóis precisamos saber é que nós precisamos dessa indústria e que nós temos os
meios de coibí que essa poluição seja mais do que ela própria pode ocasioná.
Quando você qué minerá no subsolo, você lógico não enxerga essa poluição, mas
o nosso defeito maior foi jogar muito rejeito no passado, muito rejeito no ar, e a
pirita poluiu até certo ponto, mas longe de chegá ao ponto do carvão. Você quer ver
mais impactante do que o lixão? Esse monte de ônibus passando na Centenário?
Tudo queimando óleo e expelindo monóxido de carbono?
Todos os países estão a pleno vapor aproveitando seus recursos, por que nos não
podemos aproveitar?
150
7ª ENTREVISTA
Data: 29 de junho de 2004.
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Lorisval Nunes de Mello
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local da Gravação: Vila Nova, Içara/SC.
7ª ENTREVISTA - LORISVAL NUNES DE MELLO
Nome: Lorisval Nunes de Mello
Idade: 78 anos
Estado civil: casado
Profissão: mineiro e agricultor
Profissão atual: aposentado
Local de nascimento: Içara/SC
Tempo em que reside na região carbonífera: 78 anos
151
7ª ENTREVISTA
Legenda
Gerson: G
Lorisval: L
Gerson: Sr, Loro, a entrevista é livre e gostaria que o senhor comentasse suas
lembranças da época em que o Sr. era trabalhador na mineração de carvão.
Lorisval: Eu nasci e com 11 anos eu perdi a minha mãe, fiquei só com o meu pai, aí
ele criou nós tudo e ele tinha 8 filho também e ele criou nós tudo sozinho. Não
casou mais e ele era colono. Aí, quando eu cheguei com 23 anos para 24, eu me
casei... aí eu me casei com muito medo de até não pudê...eu era muito frustrado
né! Me casei com medo de vivê com a mulher né. Essas barra com umas zembra42
que tem por aí né, aí nós não podemos vivê, né. Mas aí não. Graças a Deus, casei
com uma mulher de acordo... e fomos para a luta. E eu me casei no dia...seis de
setembro de mil novecentos e cinqüenta. E quando chegou no dia..., agora não
digo o dia certo, mas foi em setembro de novo... de vinte e oito...me casei em
cinqüenta..., em cinqüenta em oito. Daí em cinqüenta e oito eu fui prá mina...deixei
tudo que era meu aqui e fui para a mina, daí eu fui para a mina, trabalhá ali na mina
do Poço Oito. Peguei no Poço Oito. Aí...fui trabalhando, fui indo, fui indo, e fui
ficando por ali, e depois então... tudo era a braço. Quando eu cheguei, nós
recebemos sessenta e quatro picareta, e um carrinho-trolinho... e 64 picaretas
apontada, né. Tinha dia que nós levava aquelas 64 picareta apontada e tinha que
voltar na rua prá apontá de novo para poder cortar rafa43, de tão duro que era. E
assim continuou até por 3 anos que eu trabalhei. Assim!...à braço. Aí depois, veio o
tal de trado44. Aí o sindicato virou a lutar para nós fazê seis horas, por que nós
baixava de manhã, no clarear do dia, chegava em casa tarde da noite. Então meu
filho não conhecia eu, não queria eu né.
G: Não tinha hora para trabalhar?
L: Não. É assim mesmo como eu estou de dizendo! Para poder defender o pirão
dos meninos né. Das crianças. Então o meu segundo filho não aceitava eu como
42 Zembra: coisa que não presta. Termo regional (informação do Sr. Lorisval N. De Mello). 43 Rafar é gastar com o uso. Quando o Sr. Lorisval diz “cortar rafa”, é cortar com o instrumento afiado, já que a picareta vai perdendo o fio com o uso. 44 Trado: grande verruma. Espécie de broca.
152
pai. Não, não aceitava não. Chegava no Domingo eu ia botar ele no colo ele
chorava, não queria eu né. Tá vendo? É por que ele só me via no Domingo. Os
outros dias ele não via. Eu tava sempre trabalhando. Levantava no clarear do dia,
ele tava dormindo, ia para o serviço né. Quando chegava tarde da noite quando
chegava em casa, ele tava dormindo de novo. E assim eu lutei 17 anos. Nesses 17
anos eu adoeci... e eu...criei uma úlcera... que eles tratavam a úlcera péptica. E
nunca teve remédio e nunca teve operação.
Aí eu tinha muita raiva de viver na fila. Para receber o pagamento na fila era um
trabalho né. Aí eu lutava para fazer uma aposentadoria especial e aí veio a
aposentadoria especial né, com 15 anos. E eu lutava para fazer a aposentadoria
especial e não dava rapais! E aí fui desacorçoando. Num derradeiro ano eu até quis
até arriar tudo...mas aí com muito conselho...toquei para frente, até que fiz a minha
aposentadoria especial. Aí desse dia para cá eu fiquei descansado...fiquei
descansado. Daí eu não contei certo né. Já fui pro final.
Mas veio as 6 horas e o trado; nós recebemos o trado, dois quilos de dinamite, e
uma talba45, uma talba de prender o trado né. Então nós furava com aquele trado e
saía sempre nas 6 horas, nunca mais pegou nós o dia todo embaixo da mina. Daí
foi indo, foi indo, passou mais uns 6 anos, aí veio a furatriz46. Então quando aí veio
a furatriz, aí melhorou tudo. Por que aí uma só furatriz daquelas ali furava uma
barbaridade de galeria né. Aí o furador entrava, furava, e depois nós vinha e dava
fogo47, e desmoronava ela toda. Aí nós puxava nove carro de pedra e três de
carvão, duma mestra (risos), compreendesses?
G: De uma o quê?
L: De uma mestra. Por que tem a mestra, tem o cruzeiro e tem a pilastra de volta
né. Você entende? Então nós trabalhava numa mestra e nós tirava... nove carros
de pedra e trêis de carvão. Era só o que dava. E nós tinha uma orientação do
sindicato, que nós não podia dar prejuízo para o patrão de maneira nenhuma.
Então nós era obrigado a permanecer no serviço até que nós pudesse tirar aqueles
três carros. Que era um para mim, outro para o mineiro e outro para a companhia.
Você entendeu? Essa era a nossa orientação sindical. Até diziam que era
comunista aquele homem. Depois quando deu o golpe militar ele foi parar na farra.
Foi parar no mundo, nunca mais vi né. Não sei para onde é que ele foi. (tosse). 45 Talba: tábua de madeira 46 Furatriz: máquina de perfurar. Perfuratriz. 47 Dar fogo: colocar dinamite e detonar.
153
G: Quem era este?
L: É..., era o advogado do sindicato. O advogado do sindicato é que dizia que não
se trabalhava para dar prejuízo para a empresa né. Então quando passasse para o
nosso serviço, que não desse prejuízo para a empresa. Então nós era medonho né,
nós lutava mesmo para não dar prejuízo para a empresa. Por que era uma coisa
certa. A nossa empresa chegou a ter 700 homens. Trabalhando num dia nós fazia
pitéca48 né. Criava carvão que era um causo sério. E depois então quando chegou
bem agora no finzinho veio o tal de langol49. Aí então ficou melhor. Por que aí
cortava o langol né. E dava fogo no langol. E aí o carvão corria por uma calha...
todo mundo colocava por dentro de uma calha, compreende. Todo mundo paliava
dentro de uma calha, e a calha puxava por uma correia e ia embora né. (tosse).
Acabou-se o vagonete, acabou-se tudo.
G: Que idade o senhor tinha quando foi trabalhar na mina?
L: Quando eu fui trabalhar na mina eu tinha 30, e saí com 46.
G: Tinha crianças e mulheres que trabalhavam na mina?
L: Não, não, era só homem né. Aqui não tinha escolhedeira de carvão. Tinha umas
escolhedera aí, mas era na rua, mas era muito pouca né. Aqui a escolha era pouca.
Diziam eles que o nosso carvão era um carvãozinho fininho. Tu entende? E eles
diziam que o nosso carvão era ruim. Mas o nosso carvão que tirava aqui é que eles
misturavam e vendiam com outro carvão pior.
Mas por isso é que eu digo para ti: os mineiros morrem trabalhando, e o minerador
fica rico!
Então hoje eu sou contra a mina e se me perguntar por que eu sou contra a mina
eu digo: é por que onde nós trabalhava, tinha 700 hectares de terra que ficou sem
préstimo. E agora queriam abrir outra lá. No sul. Aí já o meu filho era vereador né, e
aí deu porco... então aí é por isso que eu sou contra a mina. Por que a mina só
derrisca50. Tira a terra do trabalhador trabalhar, para viver, quatro fica rico,... e o
mineiro fica doente. Foi isso que aconteceu com nós.
48 Pitéca: fazer mal para os outros; fazer o que quer; fazer bagunça. informação do Sr. Lorisval Nunes
de Mello – termo regional. 49 Langol: conforme informante Sr. Lorisval N. De Mello, uma galeria normal possuía de 5 a 6 metros
de largura, com uma altura entre 1,40 e 1,60 metros, nessas galerias os veios de carvão eram finos. A galeria tipo langol possuía entre 25 a 27 metros de largura.
50 Derriscar: excluir, apagar.
154
Eu tenho uma tosse que é uma barbaridade. Deus é que me guenta em pé né! Para
eu viver assim pro mundo...velho né. Pois é, a vida do mineiro é uma vida
desastrada! A minha foi né, a minha foi. Tu vê que, nós trabalhava tudo a braço!
Trabalhava até à meia noite. E se não trabalhasse como é que as crianças iam
comer né? Não tinha outros empregos. Na lavoura não dava, por que nós fazia
farinha de mandioca, ficava empilhada aí, não podia vender. E foi isso que me
levou para a mina. Eu produzia e não conseguia vender.
E depois trabalhando na mina eu pensava que nunca ia poder adquirir um
terreninho para morar. Mas trabalhando na mina eu me congratulo com ela por
causa disso né. Por que trabalhando na mina eu comprei 24 hectares de terra. Que
é onde eu moro hoje e criei os meus filhos em cima né (tosse). Naquele tempo a
terra era barata né.
Peguei o Getúlio Vargas no princípio. Ele fez a Usina da Volta Redonda que deu
emprego para muita gente; e fez a Vale do Rio Doce; e iniciou a Petrobrás. Para o
trabalhador ele deu tudo quando foi direito. Por que tu vê, o trabalhador não tinha
aposentadoria, não tinha sindicato, tudo isso foi ele que deu; e ele deu o salário
mínimo. No tempo que ele deu o salário mínimo era 100 dólar. Hoje nós não
ganhamos 50 dólar51 ou 60... Agora votamos para o Lula52, pensando que o Lula
iria endireitar isso aí, agora tá lá oh! Seguiu o rastro do outro53. É a cópia do outro.
G: O senhor chegou a trabalhar no sindicato?
L: Eu, no tempo do Brizola, nós aqui nos organizamos. Por que nós sabia que o
militar vinha em cima de nós. Contra o trabalhador. Então nós nos organizamos e
fizemos o comando de onze. (tosse).
Então, onde nós nos reunimos para fazer o Comando de Onze aqui no interior, que
foi aqui, deu dois Comando de Onze. E aí eu fui presidente de um né.
G: O que era o Comando de Onze?
L: Hã?... Por que o Brizola mandou nos fazer o Comando de Onze por que eles iam
golpear a nação! Era um grupo nacionalista. Era nós se preparando para ver se o
militar não vinha para cima. Ver se o militar não dava o golpe. Nós mesmo
organizamos o grupo, à pedido do Brizola. A pedido do PTB. Na época era
arriscado fazer isso. Oh! Como era arriscado. Como era arriscado né! E aí eles 51 No dia da entrevista o dólar estava cotado a R$2,89. 52 Luiz Inácio Lula da Silva. Presidente do Brasil eleito em 2002. 53 O outro a que se refere é o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique, antecessor de Lula.
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golpearam...tiraram o presidente que era o João Goulart, e botaram ele num asilo, e
o Brizola fugiu, lá para o interior do Rio Grande do Suli, e depois também foi
embora também né. Mas o Brizola ainda ficou dois meses e vinte e oito dias... mas
escondido né. Se não era pego né (tosse). Daí então, conta ele, que pegou uma
batina do padre, e se vestiu de padre, e aí levaram ele até num certo ponto, até no
Uruguai né, e arriaram ele lá no Uruguai (tosse). Era para ver se o militar não vinha
contra nós né. Assim mesmo deu homem preso, outros sacrificado, e até morto
né... do meu grupo não foi nenhum. Eu disse para eles assim: - este Comando de
Onze ele não vai ficar no sindicato. É com muito prazer que eu vou ser presidente
deste comando, por que eu quero ter relação com o Brizola. Quero ter relação com
este país todo né. É muito possível que nós vamos receber orientação por carta,
por telegrama, por jornal, mas também podemos receber um caixão de armas! E aí
e aí pergunto para vocês, será que nós saberemos usar estas armas? E aí deram
para trás. Aí já ninguém mais quis né. Eu falei isto por que eu sei. Eu não sou um
inocente! Eu sei que a hora que este país tiver um golpe militar todo mundo vai
sofrer. Não é só eu que vou sofrer nem só vocês. E não é que eu acertei? E daí
eles aceitaram e aqueles que aceitaram nós fizemos o Comando de Onze, e
fizemos direto com a nossa mão e mandamos para o Amarante Veiga. E aí o
Brizola recebeu lá do Amarante Veiga. Daí eu recebi muita carta do Brizola,
telegrama, e daí os político de merda daqui é que traziam né. Quase me
prenderam!... mas aí o delegado lá na mina tinha sido meu vizinho e ele tava
morando lá onde mora o meu filho. Daí o delegado dizia assim oh: - amanhã tu te
arretira, por que amanhã eles vão passar tudo aqui. Te denunciaram. Eu ia e
agarrava o mato. Se eu tivesse em casa né. Aí eles passavam ali e não tinha
ninguém e iam embora. E foi indo assim e não me prenderam.
Mas os meus livrinhos de orientação apodreceram tudo. Fui obrigado a colocar num
saco e enterrar! E eu tinha a Encíclica que foi soltada pelo Papa João XXIII.
G: Que livro era este?
L: A Encíclica Matri Etri Magistra. Então a Encíclica dizia para nós direitinho como é
que nós deveria se comportar no sindicato. Foi escrito pelo papa. Daí eu virei um
sindicalista e político, fiquei medonho né! Num dia me candidatei num partido sem
ter ninguém, cheguei a ganhar 204 votos! (risos, vários). Aí depois o meu filho ficou
homem, se candidatou e aí não perdeu mais. Já foi eleito duas vezes e já vai para a
terceira vez. Não sei o que é que vai dar...
156
G: Mas por que esse lado revolucionário?
L: (Risos), Mas aí, eu fiquei revolucionário por causa do trabalho que eu passei... e
eles não olhavam para o trabalhador. Você entende? Você vê que fundavam uma
mina, quatro homem ficava rico, poderoso, botando os pés por cima dos outros... e
tudo que trabalhava com ele ficava pobre! E ainda hoje continua assim. Não tá o
Salvaro54 fazendo pitéca? E por isso tudo aí né; deixa o povo sem trabalhar. Eles
são obrigado a correr tudo pros Estado Unidos! Tu vê que hoje lá nos Estados
Unidos tem gente que é uma barbaridade que aqui no nosso lugar não tem mais
homem. No nosso lugar aqui não tem mais homem, só mulher. Já pensou? Se fizer
o censo na Içara, hoje em dia tem 3 vezes mais mulher do que homem. Os homem
não pode parar aqui. E fora as mulher que vão né.
Então eu fiquei revolucionário de tanto apanhar na cabeça! Por que eu também não
acreditava muito no sindicato não. Por que o presidente do sindicato fazia muita
rebaldaria55 e naquela época era o Jorge Feliciano. O falecido Jorge Feliciano. E
ele não sabia dizer que não. Fazia qualquer rebaldaria, fora da lei, ele não sabia
dizer que não para atender o seu fulano. Ele era assim bom né. Mas eu não
acreditava assim muito nele por causa disso.
G: Mas ele chegou a ser preso alguma vez?
L: Foi. Ele foi preso e torturado. Era do sindicato naquela época. Era presidente do
sindicato. Háaaaaaa! Foi torturado... foi preso, foi maltratado... e nós ficamos
tratando dos filhos dele... passou o maior dos trabalhos. E eu por pouco não fui
também né. Eu era como eu te digo, era pobre demais, ninguém dava nada por
mim né. Toda vida fui pobre desse jeito que tu tá vendo aí oh!
O que interessava a eles, era uma pessoa tipo do Jorge para cima. Para baixo não
né, eles não matavam trabalhador! Eles mataram foi político, foi escritor, foi
jornalista. Jornalista foi o mais sacrificado. Músico, universitário. Universitário esses
foi uma dó né... (longo tempo relembrando).
G: Bom, voltando para mina. O senhor viu muitas mortes na mina?
L: Vi. Vi. Mas para o serviço perigoso que era, até dava muito poco acidente. A
mina pelo serviço perigoso que era e é hoje ainda, não morre ninguém. Morre muito
54 Salvaro: dono de mineradora e candidato a prefeito de Criciúma – SC em 2004. 55 Rebaldaria: sinônimo de pitéca.
157
mais hoje carregando carga para esses bandido. Morre muito mais gente nessa
federal, do que morria na mina. (Tosse). Por que na mina só se desse um incêndio
né. Como uma vez deu um incêndio em Santana, Urussanga, e aí matou os minero
tudo, mas fora disso não dava acidente até. É mais perigoso a construção civil.
G: Quando vocês baixavam a mina vocês rezavam? Tinha este hábito?
L: Tinha. Nós rezava muito né. Rezava e ainda rezamos hoje né. Depois que eu me
aposentei fiquei rezando pelos meus amigos... aqueles que estavam lá debaixo da
mina né. Ainda hoje, estou velhinho desse jeito, e eu me deito ali, e se der uma
chuvarada ou um frio forte e eu só me lembro deles né. Naquele tempo o que nós
passava né.
Vinha aqueles caminhão cheinho de homem. Naquela época era em 700. Nós
trabalhava em 700 homem (tosse). Agora... também era engraçado né. Tinha
homem engraçado daquele ali. Que trabalhava com a gente, que era um gozo! E a
gente, e é preciso ter isso aí, que é para a gente não pensar muito né (tosse).
Então... uma mina é um serviço que... por sinal até que não é muito perigoso não.
O que é perigoso é que a gente cheira fumaça, se estraga dos pulmão (tosse), e a
gente entra e tem falta de ar, por que o ar é botado pelo exaustor, aquilo que bota
ar lá embaixo. Quando ele enguiça, a gente não tem ar. Aí é obrigado a correr né.
Virou a suar, já sabe que não tem ar. Aí daqui a pouco o gás se apaga né. (tosse).
G: O senhor tinha casa ou a companhia que deu casa para o senhor morar?
L: Não, eu já tinha casa. Eu nunca morei em casa da Companhia. (tosse). Na Praça
do Congresso em Criciúma tinha umas casas para engenheiro. Cada engenheiro
tinha uma mansão rapais. Nós reivindicava um aumento de 30 e ganhava 10. Quem
ganhava era os engenheiro. Para pagar um aumento para o trabalhador, você sabe
como é né, não pagavam, mas para pagar o engenheiro tinha dinheiro. Daí o que
eu vi era isso, quem é técnico ganha dinheiro, e quem não é técnico vai para a
terceirização. Daí é que não ganha nada, ganha só o salário mínimo. Deu para tu
compreender?
G: E o castelo dos engenheiros lá em Lauro Müller, o senhor conhece?
L: Não. Lá eu não conheço não. É como eu te digo, eu não vivi né. A minha vida
toda foi só trabalhando e vindo para casa. Só trabalhando e vindo para casa. Só
trabalhando e vindo para casa... não conheço a minha capital. Não conheço
158
Florianópolis. Trabalhei até os 70 anos. Daí eu saí da mina muito mal né. Dois anos
eu não fiz nada. No fim de dois anos eu fui trabalhá mais os filhos (tosse). Faz oito
anos que parei de trabalhar (tosse). Eu me lembro das coisas que se deu quando
eu era novo, não perco nada e não me lembro das coisas que se passa hoje. Passa
uma coisa hoje e amanhã eu não sei mais. O que mais esculhambou nós foi o
mundo globalizado. Foi o que mais esculhambou nós, ainda mais nós do interior,
por que daí nós vimos nossas escolhinhas se acabar e daí nós vimos nossos filhos
ter que embarcar no ônibus e daí cada vez mais perigo. Tu entendeu? E daí passou
a morrer criança. E daí a criança vai para escola e o pai fica preocupado, numa
distância de 6-8 quilômetros (tosse).
G: O senhor chegou a fazer parte de algum partido?
L: Sempre militei no PTB, que era o partido do Getúlio Vargas. Quando eles fizeram
o golpe militar (tosse), o Brizola estava no estrangeiro. Daí ele veio para pedir uma
ficha do PTB e eles deram para a Ivete Vargas, não deram para ele. Aí nós ficamos
desorientado. Aí ele criou o PDT. E o PDT nunca funciona, nunca funcionava. O
que eu milito mesmo é no PMDB. Na época da mineração era no PTB. (tosse).
Tinha o partido comunista, por que o Luiz Carlos Prestes era comunista. Nunca foi
além. Nunca foi além por que o nosso povo brasileiro não são comunista. O nosso
povo brasileiro não são comunista, são é socialista, isso sim! E socialismo não se
vê aqui no Brasil. Eles cortam assim... Então hoje em dia você tem o homem
socialista, em qualquer partido você tem um. Um dois você tem.
G: O salário da mina era bom?
L: Naquele tempo era bom. No tempo que eu trabalhei o salário da mina era o
maior que tinha. Agora hoje não. Eu me aposentei com 4 salários mínimo e meio! E
hoje eu recebo pouco mais do que um. Eles foram puxando para trás, foram
puxando para trás, por isso que eu tenho raiva dessa corja! Se a minha
aposentadoria não fosse especial eu ia ganhar só 75%. Mas assim eu me aposentei
com 100% do salário.
G: O que mais marcou na sua vida?
L: O que mais me marcou foi a poluição depois que terminou essa mina. A terra
ficou poluída e não deu mais nada. Tá toda cheia de buraco, cheia de água, e
agora só para lixo! (tosse). Mas o que passou, passou né (tosse, tosse, tosse).
159
8ª ENTREVISTA
Data: 16 de junho de 2004
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Neusa Geremias
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local da Gravação: Rua Jaguaruna s/n, fundos, bairro Maria Céu, Criciúma/SC
8ª ENTREVISTA – NEUSA GEREMIAS
Nome: Neusa Geremias
Idade: 60 anos
Estado civil: viúva
Profissão: aposentada. Atualmente é vidente, fazendo consultas em casa.
Filhos: 04
Local de nascimento: Lauro Müller/SC
Número de irmãos: 06
Número de netos: 26
Endereço em que reside: Rua Jaguaruna, s/n, fundos, bairro Maria Céu,
Criciúma/SC
160
8ª ENTREVISTA
Legenda
Gerson: G
Neusa: N
Gerson: A senhora trabalhava em mina?
Neusa: Não, no tempo de minha mocidade eu trabalhei na escolha de carvão, eu
não era mineira, eu era coletora naquela época. Era uma caixa grande que tinha, e
eu cuidava de 54 moças. Aí era separado o carvão do metal, da pedra e do xistro,
daí saía o carvão limpinho, aí a gente separava o metal prá um lado, a pedra prá
um lado, o xistro prá outro lado. Aquele tempo acho que tinha uns 14 anos, comecei
a trabalhar muito jovem.
G: Onde era a mina que a senhora trabalhava?
N: Ficava entre Lauro Müller e Barro Branco, o nome da empresa que funcionava lá
eu não sei.
G: Qual era o seu cargo?
N: Eu era fiscal. Fiscalizava 54 moças.
G: E o que tinha que fiscalizar?
N: Ah! Tinha que o xistro, separá né, o xistro do carvão, do metal tudo, prá máquina
vir e pegá o carvão, se o carvão tivesse sujo voltava prá trais, a gente tinha que
escolhê de novo aquele carvão, vê o que tinha de pedra de xistro e separá tudo de
novo.
G: A senhora tinha algum parente que trabalhava em mina?
N: Não, não, aquela época eu me criei sem pai, né! Naquela época só quem
trabalhô na escolha fui eu e minha mãe.
G: Até que idade a senhora trabalhou em mina?
N: Não era em mina era na escolha. Não lembro né, até uns 16, 17 mais o menos,
daí eu casei e saí e ainda eu não fiquei trabalhando por que o meu esposo não
161
dexô. Mas eles foram me buscar prá mim voltá a trabalhá por que tinha muito
carvão refugado. Por que quem pegou no meu lugar não sabia assim separá
entende? Aí ia muito carvão prá rua, ficava aqueles morro de carvão, mas o meu
esposo não deixô, pagavam mais pra mim ficá, mas ele não deixô, então continua
assim né.
G: Era um trabalho pesado?
N: Ah! Era pesado, tinha que ser forte, aquelas padiola de carregá carvão, aquelas
padiola, tinha mais ou menos uns 60 quilos, tinha que sê em duas, uma na frente e
uma atrais, aí tinha uma mesa assim oh, aí elas chegavam e viravam o carvão em
cima da mesa e eu ficava do outro lado, aí eu pegava a picaretinha assim. Escolhia
tudo, via se tinha xistro, se tinha pedra, se tinha carvão e eu fazia elas escolhê de
novo, se tava limpinho eu só tirava um parafuso que tinha e virava para dentro da
caixa prá máquina pegá.
G: Porque selecionavam mulheres para escolher?
N: Porque as mulhé tinha mais facilidade, por que os homem ficava nas mina e
arrancavam carvão, e as mulhé eram mais sensível.
G: Dava tempo de namorar durante o trabalho?
N: Não, não, não, era tudo separado. Não dava não.
G: E as paisagens ficaram alteradas?
N: Não, não, as mina ficavam para outro lado e as paisagem ficavam para cá. Lauro
Müller agora tá muito mais acabado do que naquela época. Tá em zero Lauro
Müller. Hoje tá mais feio do que há 40 anos atrais. Desmatamento, água com
ferruge vermelha. Naquela época tinha água de nascente boa.
G: O salário era bom?
N: Depende do que a gente fazia, entende? Vamos supor, se eu trabalhasse,
escolhesse 50 – 60 padiola de carvão, eu ganhava mais, se eu escolhesse
pouquinho ganhava menos, era por comissão. Se não escolhesse nada não
ganhava nada, por que não tinha trabalhado. Tinha que trabalhá.
G: Com que idade a senhora começou a trabalhar. Com 13, 14 anos?
162
N: Não, não, comecei a trabalhá bem nova, bem nova mesmo, bem nova. Acho que
com uns 8-9 anos. Eu quase nem estudei nada, por que eu me criei sem pai,
entende. A gente tinha que trabalhá, que a gente era em 7 irmãos, aí eu com a
falecida mãe trabalhava prá sustentá os outros irmãos né. Aí eu comecei a trabalhá
muito jovem né. Não me arrependi. Até hoje eu trabalho e não me arrependo.
G: Trabalhavam escondidos por causa da idade?
N: Não, não, naquela época não tinha disso. Tanto que a escolha de carvão ficava
como àquela casa ali, e a estrada passava assim oh, passava ônibus passava tudo.
G: Mas com 8 anos não dava conta de virar a padiola né?
N: Não, não. Ficava lá no canto da mesa escolhendo o carvão, vendo o que é que
estava sujo prá limpá.
G: Os proprietários das minas poderiam pagar melhor?
N: Com certeza né que podiam pagá, mas os donos naquela época a gente nem
via, era só os empregado que tinha escritório aqui pertinho, prá pegá o ponto das
escolhedera de carvão.
G: O carvão foi bom ou ruim para Criciúma?
N: Melhor com carvão né. O carvão é que dá o dinheiro. Se não é o carvão, não
tinha quase movimento.
G: Estão pensando em reabrir as minas, o que a senhora acha disso?
N: Mas se tão pensando em abrí é bom, porque aparece mais serviço prô povo né.
Tem muita gente desempregada. O desemprego para quem tem filho é fatal né.
Qualquer tipo de emprego é bom.
G: A senhora gostaria de acrescentar mais alguma coisa?
N: Eu gostaria de falar, que eu sei que tu vai usar isso aí. É prá melhorá o serviço
em Criciúma prás pessoas. Tem muita gente desempregada. Tem muita gente
passando fome, que os pais estão desempregado. Uma creche. Que as mães vão
trabalhá, que ficam as outras pessoas cuidando. Ter uma creche, principalmente
aqui no bairro Maria Céu, tem que ter creche e tudo.
163
G: A senhora gosta de morar em Criciúma?
N: Adoro! Aqui neste cantinho moro há 30 anos. Meus filhos vieram prá cá. Era tudo
pequenino. Já casaram tudo, já me deram 26 netos, tudo vê! Casaram tudo
novinho.
G: A senhora não casou mais?
N: Casá prá que? Casá prá passá trabalho? Não precisa. Você tá gravando ainda?
G: Estou desligando.
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9ª ENTREVISTA
Data: 21 de junho de 2004
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Otávio Tomás
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local de gravação: Rua Jaguaruna s/n, bairro Maria Céu, Criciúma/SC
9ª ENTREVISTA – OTÁVIO TOMÁS
Nome: Otávio Tomás
Apelidos: Tié e Bola Sete
Idade: 71 anos
Estado civil: viúvo
Número de filhos: 13
Profissão: mineiro
Profissão atual: aposentado
Local de nascimento: Orleans/SC
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9ª ENTREVISTA
Legenda
Gerson: G
Otávio: O
Gerson: Seu Otávio, o S. pode falar o que quiser sobre a sua vida no trabalho de
mineração. Fica bem livre. Pode falar o que quiser.
Otávio: Nasci em Orleans, depois vim morá em capoeira, perto de Cocal do Sul, daí
chegamo em Santana e tinha 12 anos e viramo a trabalhá. O serviço naquele
tempo não era bom, era meio ruim, agente pegava muita água, pegava chuvero, a
gente passava perigo, deveis em quando caia uma pedra em cima do pé da gente,
e naquele tempo eu trabaiava de pocha, assim, de carregá água, enche carro e
descarregar carro era o serviço e passava aquele trabalhão ali, ajudava os minero,
a mina não é muito boa não! Mas quando eu coisei a trabaiá mesmu, aí nóis
pegava aquele trado de um metro e pouco, você conhece aquele trado?
G: Não conheço não.
O: É caçado num pau, depois pega um pau com uma coisa assim, depois um carca
e o outro faiz o furo né. Botá um metro prá dentro daquele coisa ali né. Quando
pegava que fosse reto, fosse bom prá não pegá metal, não pegava nada, era uma
beleza, mas quando pegava, era obrigado a tirá dali e fazê outro buraco. E a mão
da gente chegava a xiá, por que era forçado né, tinha que forçá, era duro né, tudo
na mão, naquele tempo era tudo na mão né, e a gente era obrigado a fazê força
naquilo ali. Às vêiz a gente fazia 6 furo, às vêiz tinha que fazê embaixo assim no
barro branco assim, era uma vida danada naquele tempo! E nóis era obrigado a
faze aquilo de todo o jeito, com calo na mão, judiado como era naquele tempo né,
era tudo na picareta né, a gente tinha que cortar uma ráfia. Você sabe o que é
ráfia?
G: Não, não sei não!
O: Era tudo ráfia na primeira veia assim, baixinho, botava a ráfia no carvão prá
depois dá fogo prá derrubá a pedra, prá gente pudê limpá aquela pedra; daí nóis
166
era obrigado a limpá aquilo ali, prá depois tirá o carvão. Depois ia tirando uma veia
de cada vez. Se fosse o carvão não era nada, mas é que tinha o xisto também né,
tinha que tirá o xisto depois do carvão. Tinha o quebra canela, depois tinha outra
veia, depois tinha a última veia embaixo, depois ia pro forro. As vêiz o furo duro,
duro que era um danado e a gente era obrigado a tirá. Que judiaria! Tudo na
picareta. Naquele tempo era tudo na picareta e não tinha chupadinha, tudo, tudo.
Inté um tempo nóis tinha que tirá tudo no muqui né. Depois é que veio esse fogo
né. Ali fazia um buraco né, fazia e dava fogo, aí ficava melhorzinho, por que aí era
só coisá. Mas às vêiz caía tudo né, o teto não resistia, caia tudo, era um perigo
danado! O cara chegava lá tinha umas pedra quase caindo. Carçava as pedra,
tinha uma laje já meia frocha né, e com o fogo acabava de frochá e caí né!
G: O que era o fogo? Era...
O: O fogo era dinamite. Nóis fazia o fogo prá frochá tudo. Sortava tudo. Tinha ora
que fazia um serviço bem bonito. Mas tinha ora... hê, hê, hê, hê (risos).
Era muito duro naquela época e nóis tinha que fazê aquilo tudo né. Às vêiz no seco,
às vêiz tinha água por baixo até em cima, conforme né, conforme o lugar. Às veiz
ficava até um mêis pingando as gotera na cabeça. Por isso que eu tô com uma dor
aqui agora né (mostrou a perna). Disso aí tudo né, das friage que a gente pega
debaixo dessas mina aí. Judiaria tchê.
G: Mas pulmão nunca deu problema né?
O: Deu sim. Tenho carvão nos pulmão. Depois que veio o martelo, com aquele
pozinho fininho, aquilo entrava tudo assim prá dentro, que a gente até hoje, a gente
pega uma poeira de um caminhão, quarqué coisa, a gente é sufocado. Tô
ganhando um perculinho, mas é um perculho pequeno, o adevogado diz que eu
teria direito a um salário, mas tô ganhando 100 só de perculho, é só 100 o resto é
no adevogado, tomara que ele conseguisse.
Então é assim, trabaiava lá em Santana, na mina do barbado que eles diziu, o
patrão era bom, mas quem passava trabaiu era nóis né.
Dipois vim prá cá, vim aqui prá CBCA, e em 71 me aposentei. Às vêiz nóis pegava
às trêis hora da madruga. Às veiz trêis hora, quatro ora nóis tinha que ta lá né. E
saia às vêis às 4 hora da tarde. Aquele tempo era danado, e carregá madera, e
trazê madera e coisarada, tinha que guentá.
167
G: E eles pagavam bem naquela época?
O: Pagava nada, a gente é porque é pobre, mal sabe escrevê o nome. Tem que se
contentá com tudo né. Agora quem ganhava mais era os furadô né. Os furadô
aqueles que trabaiava na máquina né. Então aqueles ganhavam mais. Embaixo da
pedrera prá tirá uns 4 carrinho ganha aquela micharia desgranada! Oh droga! Na
época ganhava 350 mirréis. Hoje nóis era pra tá ganhando mil real. Isso aí é muito
pouquinho né. É assim meu nego, a vida da gente foi muito trabaiada e muito
sofrida, muito doída.
Aí o meu povo foi se escapando tudo, viajando, os meus filho estão tudo espaiado
por aí. Tenho 13 filho. 12 com uma mulhé e 1 com otra. Ela morreu, faz 4 anos
agora. Mas não é brinquedo. E criei uns negão maior do que eu. Uns negão forti.
Mais forti do que eu.
Na CBCA trabaiei 14 anos né. Ali era melhó. Furava com martelu. O cara passa
trabalho lá e ainda não vale nada essa droga. Ainda se ganhasse bem. Eles cortaru
muita coisa. Tinha avançamentu, tinha 35, tinha 40 cruzero o carru de carvão,
depois foram cortandu, cortandu, e dexaram tudo isso aí. Naquela época a gente já
fazia greve. Em Barro Branco fômo prêzu. Até uma época foi bom! Nóis ganhava as
causa tudo né. Mas dipois de um tempo prá cá...
Sempre baixei a mina. 30 anos em baixo da mina. Trabaiei também no Dalbó, no
coro, depois de aposentado né. Trabaiei também mais quase 5 anos aqui na
cerâmica, na CESACA, depois trabaiei uns 12 anos di guarda, no Angeloni. O
serviço não mata ninguém. Se matasse já tava morto né.
Agora o que eu tenho é uma tremura braba! A gente passô muito trabaio na mina,
levava muito susto né. Um dia eu tava debaixo da mina assim, não demora começô
a pingá pedra, eu tava sentado, daí ouvi um chiasso, mais um minutinho tinha
morrido, caiu tudo! O gais apagô, não tinha fósforo, ficô carro, ficô tudo lá. Caia
aquelas pedrinha assim, foi só saí e brummm! caiu tudo... (risos). Quando eu
cheguei em cima perguntaram: como que tu escapasse rapais? Di certo é por que
não era ora!
Uma veiz tinha uma pedrinha assim, eu mi sentei prá fumá, daí comecó a cair umas
pedrinha na cabeça e eu corri, quando olhei prá trais tinha caído uma laje bem em
cima daquela pedrinha que eu tava. A mina avisa (risos), se a gente cuidá ela avisa.
G: O senhor viu muita gente morrê?
O: Vi um monte de amigo morrê. Nem chorava mais. Já tinha acostumado a vê
168
gente morrê. Aqui morreu um de bobera. Um tal de Inácio. Ele foi furá e deu um
peso no cano, aí ele pegô uma marreta prá tira o cano dali, prá pudê trabaiá, daí
caiu tudo. Morreu regaçado assim. Aqui arrebentô tudo. Morreu de bobera né. Esse
serviço é marvado home. Quem não pensa bem ele mata mesmo.
Um otro cara chegô o patrão e disse: tu tá na hora de se aposentá. E ele não quis.
O patrão insistiu. Não levo mais um mêis ele foi subí na gaiola e caiu uma pedra na
cabeça dele e ele morreu. Podia tá, é o destino né... Será que tem destino?
G: O senhor acha que as minas estragaram o meio ambiente?
O: Estragô, estragô muito. Essas aguaria estraga tudo. As água que era prôs outro
bebê em cima vai tudo prá baixo né? Racha tudo. Aqui, um dia eu fui lá em Treviso
e tava a Marion lá arrancando tudo. Uma água boa daquela foi estragá tudo né. Ôh
santo Deus, não era brinquedo! Hoje em dia tá bem melhó de vivê. Antes era tudo
na picareta. Hoje a gente tá tudo arrebentado. A coluna, os pulmão, perna, joelho,
os osso, os nervo e aqui tem um ossinho que saí fora. Aquela tramela, as veiz eu
vô subi nu morro, e quer saí fora. Naquele tempo o carro era muito pesado. A gente
tinha que subir assim oh. E carçá né, se não o carro vinha por cima da gente. Não
tinha freio. O freio era nóis (risos). Um carrinho de 600 quilo né, 500-600. Tinha um
carrão ali que pegava 100 quilo. Empurrá 1000 quilo. Só que era linha de ferro, era
reta. Se era reta era só um sozinho, era obrigado. Nóis ia quase da Próspera
caminhando prá chegá no serviço. Na próspera tinha aquelas casa boa dos
engenhero. Prá nóis é quarqué uma. Nóis passemu trabaio!!!
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10ª ENTREVISTA
Data: 23 de junho de 2004
Laboratório: Mestrado em Ciências Ambientais
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Tarciso Pereira
Entrevistador: Gerson Luis de Boer Philomena
Equipamento: 01 microcassete Recorder, Marca Panasonic FP (Fast Playback) / 2
speed e uma fita sony MC-60
Transcrição e digitação: Gerson Luis de Boer Philomena
Local de gravação: Rua Joaquim Nabuco, 669, ap. 24, bairro Michel, Criciúma/SC
10ª ENTREVISTA – TARCISO PEREIRA
Nome: Tarciso Pereira
Idade: 48 anos
Estado civil: solteiro
Profissão: bancário
Escolaridade: superior completo
Tempo em que reside na região carbonífera: 48 anos
Local de nascimento: localidade de Santana, município de Urussanga/SC
170
10ª Entrevista
Legenda
Gerson: G
Tarciso: T
Gerson: Gostaria que tu contaste o que lembra sobre a região carbonífera, a qual
moraste toda a vida, sob o ponto de vista da qualidade ambiental.
Tarciso: Eu nasci em Santana né, e me criei lá até os 12 anos de idade. Lembro
que a gente morava lá perto da rua da farofa, era uma parte mais pobre de Santana
e lá tinha perto assim um gramado assim que era de um proprietário só. Então a
gente brincava ali até uns 6-7 anos de idade. Depois agente veio mais pro centro de
Santana que era onde já tinha o comércio, tal e tal, onde tinha um pessoal que
aparentava que tinha uma renda melhor, um nível social um pouquinho melhor e tal.
E em Santana, tinha os ajudante de mineiro, tinha os mineiros e tinha os capatazes.
Então os cara que eram mineiros eram considerados. Capataz então nem se fala, já
tinham carro, a casa deles já era pintada, né. Normalmente as casas lá eram tudo
padronizada e sem pintura e meu pai depois de muito tempo como ajudante, ele
passou a se mineiro. Então a gente senti já o respeito da família, aquele troço todo,
já era um pouquinho melhor. Mas eu a partir dos meus 8 anos de idade certamente,
eu lembro tinha uma mina que era de galeria, que ficava no meio da comunidade, o
carvão saia dali tudo em carrinho, passava pelas caxa de carvão, ele era
selecionado alguma coisa, tinha muitas mulheres que trabalhavam como
escolhederas. O chêro da pirita a gente sintia na Santana intera, por que a mina era
dentro da comunidade, no meio da comunidade, o chêro da pirita aquilo já fazia
parte da vida da gente. Aquele cherinho gostoso de pirita! Prá ti vê, nos meus 8
anos de idade a gente saia prá caçá, a gente ia caçá de funda né. As mães da
nossa idade faziam um lanche. A gente com 8 anos de idade a gente se metia nos
mato. Era só o prazer de sair com uma funda pra se embrenhar no meio do mato,
não era pra caçar. Daí quando já tinha uns 10 anos, no verão quente pra caramba,
os caminhões passavam no meio da comunidade, com carvão lavado e iam
soltando aquela água de carvão em todas as ruas, então a gente às vezes fugia e
íamos tomá banho nos poço de mineração. Tenho um irmão que morreu num poço
171
desses aí. Morreu afogado. Às vezes eles pegavam uma retroescavadeira e iam
cavando pra ver se tinha carvão aflorando. Às vezes ali não se achava e ficava
aquele poço. Aquela água bonita, verde, às vezes azul, não sei que tipo de
pigmentação e se tomava banho naquelas água. Mas hoje a gente vê na televisão
quando daquelas enchente no Rio, São Paulo, aquela água poluída, issu a gente
fazia ali em Santana, tomava banho naquela poluição. Tinha um rio que passava
bem próximo de casa que era uma água boa, lá na cabecera do rio foram explorá
carvão, poluíram a água, a gente pescava, depois a água foi pro pau. A nossa casa
ficava tipo uma casa de palafita, ela era alta do chão e quando dava enchente, a
gente ficava brincando naquela água do boero. E não tinha. Não tinha nem noção
de leptospirose, e tinha rato prá diabo lá, era tudo normal. E na época não se ouvia
ninguém morrer de leptospirose. Quando a gente saia prá caçá no meio daqueles
morro lá, o meu prazer era descer aqueles morro de carvão! Ao redor de Santana
todo tinha mina de carvão. Isso há uns 40 anos atrás. Tinha muita gente que ia prá
Santana. Chuvero, chuvero, vamos julga assim, se tinha umas 2000 casas, chuvero
elétrico, tinha 50 casas que tinha chuvero. O pai saia da mina, e todo sujo,
trabalhava de calção e ia prá casa, e o banho era em banhera. Banhera de
alumínio. A mãe que ajudava a lavá as costa e coisa e tal.
Tinha os almocero, que levava almoço, prá então de repente prá não i um filho de
cada família, a gente cobrava lá um troquinho por mêis, e saia até de carrinho de
mão, botava lá uns 10 –12 almoço em vianda e levava.
Nós éramos em 12 filhos cara! E o pai já na condição de mineiro, o pai era meio
arrojado assim e tal, então comprô um chuvero elétrico e o banhero acoplado na
casa, aquilo sábado à tarde era de fila prá tomá banho. Era de fila, de fila. Lembro
que quando o pai comprô um liquidificadô, todo sábado à tarde iam lá prá casa fazê
vitamina de abacate, de banana, e um detalhe: di água, não se usava leiti. Leiti era
só prás criança. Mas os sonhos que eu tenho hoje, 80% dos sonhos acontecem em
Santana. 80% dos sonhos! Muitas vezes eu apanhei por que saia da aula e ia pro
meio do mato. Chegava em casa já tava a mãe lá com uma cinta. Mas foi uma
infância fabulosa.
Eu estou hoje com 48 e não tenho resquícios, eu peguei a pirita queimando no meio
da comunidade, o meu pai se aposentou trabalhando 30 anos na mina, 30 anos de
subsolo, certo, o meu pai não tem nem P-1 no pulmão, de pneumoconiose. Nem P-
1. É porque na época, eles tocavam fogo, tinha os foguistas, iam lá, tocavam fogo,
saíam fora e dexavam baxá. Depois é que os ajudante e os mineiros entravam e só
172
iam deixando os ferrinho, intende. E tinha os furadô, que colocavam os parafuso de
teto, prá sigurá, mas lembro assim que tinha uma mina de galeria, que a cada 300-
400 metros eles colocavam um suspiro, que se chamava suspiru, eles faziam
buraco, que saia lá embaixo na mina, dava só uns 7-8 metrus, a gente quando
criança ia prá lá prá gritá, e às vezes se escutava um mineiro, eram coisas
perigosíssimas, aqueles banho que a gente tomava naqueles rius lá fundo prá
diabo! Muita gente morreu lá.
Mas vê bem: de repente, saído de lá, de uma região praticamente inóspita, o que se
pensava na época, os pais era o seguinte: vão pra cidade que lá eles vão aprend a
sê mecânico, era o que se pensava. Ajudante de eletricista, entendeu? Daí eu saía
de lá com 13 anos prá vir em Criciúma no cinema, dá uma volta na praça Sábado à
tarde.
G: Havia alguma preocupação ambiental?
T: Naquela época o lado ambiental nem se observava isso. O trem em Criciúma
passava no centro da cidade largando pirita, aquela fumacera por ali afora. Na
frente da igreja evangélica eu lembro que tinha umas casas ali que era do pessoal
que trabalhava na linha férrea e eu tinha uma amiga que morava ali, e a mãe dela
sempre reclamando da fuligem, a casa era do lado da linha férrea, do lado. Tinha
uma passadera, que é uma ponte, por cima do trem, onde hoje é a João Zanete,
prá passa onde hoje é aquele terminal central. A linha férrea, ela cortava a cidade.
De preocupação com o meio ambiente, na verdade na época não se observava.
Essa preocupação é uma coisa bem mais recente, né. Hoje em Santana ainda tem
muita gente trabalhando nas minas. Um episódio que me marcou bastante foi
quando a Marion se deslocou prá Santana e iam cortando maderas com toras de
300 polegadas, tudo madera grossa e iam fazendo uma estera prá ela e aquilo
ficava igual a cana quando passa no engenho, desde Siderópolis até Santana, que
imagino que deva te uns 20 km, eles abrindo estrada e botando aquela madera pra
ela passa por cima, ela caminhava numa média de um quilômetro por dia. Ela
passô em Santaninha, tinha uns rios bons e aquilo ali ela detonô tudo. Já chegô em
rio América detonando. Prá comunidade aquilo ali era o máximo. Pô! Tava trazendo
mais emprego. O pessoal pensava assim: agora com a Marion aqui vai te posto de
gasolina, o pessoal vinha abastecê, tinha lá eu penso uns 20 carro na comunidade,
o pessoal vinham em Urussanga, não tinha posto de gasolina. O gosadu dissu tudo
aí é que a comunidade se dava bem, os vizinho se dava bem. Então era isso.
173
ANEXO 1 – AUTORIZAÇÃO PARA PUBLICAÇÃO DE FOTO
174
175
ANEXO 2 – AUTORIZAÇÕES PARA PUBLICAÇÕES DE
INFORMAÇÕES
Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )
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