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  • Bruno Neves

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    Uma ambientao e hack de regras para o 3:16 Carnificina Entre As Estrelas

    Bruno Neves

    115:1 Carnificina na Terra Santa utiliza o sistema Carnage, criado por Gregor Hutton e utilizado originalmente no jogo 3:16 Carnificina entre

    as Estrelas. Todas as partes deste material podem ser reproduzidas sem permisso especial, com exceo dos elementos grficos, logo e

    diagramao.

    AGRADECIMENTOS:

    A Amanda Paracampo, minha namorada, que sempre me ajuda com suas opinies sobre o jogo.

    Aos meus filhos, Evelyn, Magnus e a pequena Helena.

    Ao Rodrigo Ragabash e todos os colaboradores do RPG Par.

    A todos aqueles que perdem o seu tempo lendo o que eu escrevo no Blog do Professor Chuva e no Blog do Nephelin.

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    DEUS QUER Em Clermont-Ferrand, no corao da Frana, no dia 27 de novembro

    de 1095, diante de um Conclio de 13 arcebispos e 225 bispos, o

    Bem-aventurado Papa Urbano II pregou a primeira cruzada.

    Eis suas palavras que ficaram registradas para a Histria:

    Francos, de quantas maneiras Nosso Senhor vos abenoou? Vede

    quo frteis so vossas terras. Quo verdadeira vossa f. Quo

    indisputvel vossa coragem.

    A vs, abenoados homens de Deus, dirijo estas palavras. E que no

    sejam levadas levianamente, pois so expressas pela Santa Igreja,

    que, pelo sagrado pacto com Nosso Senhor, sua santssima voz na

    terra.

    Vs que sois justos e bons, vs que brilhais na santa f escutai. Sabei

    da justa e grave causa que nos rene hoje aqui, sob o mesmo teto, na

    piedade de Nosso Senhor.

    Relataremos fatos horrveis que ouvimos sobre uma raa de homens

    completamente afastados de Deus e desprovidos de f. Turcos,

    Persas, rabes, amaldioados, estranhos ao nosso Deus, que

    devastam por fogo ou espada as muralhas de Constantinopla, o

    Brao de So Jorge.

    At hoje, por misericrdia do Supremo, Constantinopla foi nossa

    pedra, nosso bastio da f em territrio infiel. Agora essa sagrada

    cidade encontra-se desfigurada, ameaada.

    Quantas igrejas esses inimigos de Deus conspurcaram e destruram?

    Ouvimos de altares e relquias sendo profanados por sujeira

    produzida por corpos Turcos. Ouvimos sobre verdadeiros crentes

    sendo circuncidados e o sangue desse ato sendo vertido em pias

    batismais.

    O que podemos vos dizer? Turcos transformam solo sagrado em

    estbulo e chiqueiro, expelem o contedo de seus ftidos e putrefatos

    corpos em vestimentas dos emissrios do Evangelho de Nosso

    Senhor.

    Os descrentes foram Cristos a ajoelhar sobre essas roupas

    imundas, curvar as cabeas e esperar o golpe da espada.

    Essas vestes, que atravs da imundcie e sangue so testemunhas das

    aberraes fruto da falta da verdadeira f, so exibidas junto com

    corpos dos mrtires.

    O que mais devemos lhes dizer, fieis? Turcos abusam de mulheres

    crists. Turcos abusam de crianas crists.

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    Pensai nos peregrinos da f que cruzam o mar, obrigados a pagar

    passagem em todos os portes e igrejas de todas as cidades. Quo

    frequentemente esses irmos no sangue de Cristo passam por

    humilhaes e falsas acusaes?

    Aqueles que viajam na pobreza, como so recebidos nesses lugares

    de nenhuma f? So vasculhados em busca de moedas escondidas.

    As calosidades em seus joelhos, causadas pelo ato de f ao Nosso

    Senhor, so abertas por lminas. Aos fiis so dadas bebidas

    vomitrias para que sejam vasculhadas suas emisses estomacais.

    Aps isso so ainda obrigados a sorver excremento liquefeito de

    bodes e cabras de forma a esvaziar suas entranhas. Se nada for

    encontrado que satisfaa esses filhos do inferno, fieis, escutai.

    Turcos abrem com lmina da espada as barrigas dos verdadeiros

    seguidores, de Jesus Cristo em busca de peas de ouro ingeridas e

    assim escondidas.

    Espalham e retalham entranhas mostrando assim o que a natureza

    manteria secreto. Tudo a procura de riquezas ou por prazer insano.

    Turcos perfuram os umbigos dos fiis, amarram suas tripas a estacas

    e afastam os cristos, prendendo-os com cordas a outro poste, de

    forma a que vejam suas prprias entranhas endurecendo ao sol,

    apodrecendo e sendo consumidas por corvos e vermes.

    Os Turcos perfuram irmos na f com setas, fazem dos mais velhos

    alvos mveis para seus malditos arcos.

    Queimam os braos e pernas dos mrtires at carboniz-los e soltam

    ces famintos para devor-los ainda vivos.

    Francos, o que dizer? O que mais deve ser dito?

    A quem, pois, deve ser dirigida a tarefa de vingana to santa quanto

    a espada de So Miguel?

    A quem Nosso Senhor poderia confiar tal tarefa seno aos seus mais

    abenoados e fiis filhos?

    Francos, vs no sedes habilidosos cavaleiros? Poderosos

    guerreiros ao servio da palavra de Deus?

    Prximos a So Miguel na habilidade de expurgar o mal pela

    espada?

    Deem um passo a frente!

    No mais levantaro as espadas entre si, ceifando vidas e pecando

    contra o Evangelho. Aproximem-se guerreiros abenoados.

    Os que dentre vocs roubaram tornem-se agora soldados, pois a

    causa suprema. Aqueles que cultivam mgoas juntem-se aos seus

    causadores, pois a irmandade essencial ao objetivo.

    Aproximem-se os que desejam vida eterna, aproximem-se os que

    desejam absolvio no sagrado.

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    Sabei que Nosso Senhor espera seus filhos em lugar abenoado. Na

    palavra do Santssimo seguiro e combatero, no deixem que

    obstculos os parem, creiam na palavra de Deus e nada os deter.

    Deixai todas as controvrsias para trs! Uni-vos e acreditai! No

    permitais que posses ou famlia vos detenham.

    Lembrai-vos das palavras de Nosso Salvador, Aquele que

    abandonar sua morada, famlia, riqueza, ttulos, pai ou me pelo meu

    nome, receber mil vezes mais e herdar a vida eterna.

    Se os Macabeus dos tempos de outrora conquistaram glria pela sua

    luta de f, da mesma forma a chance ofertada a vs.

    Resgatai a Cruz, o Sangue e a Tumba de Nosso Senhor. Resgatai o

    Glgota e santificai o local.

    No passado vs no lutastes vos pondo em risco de perdio? No

    levantastes ao contra iguais? Orgulho, avareza e ganncia no

    foram vossas diretivas? Por isso vs merecestes a danao, o fogo e

    a morte perptua.

    Nosso Senhor em sua infinita sabedoria e bondade oferece aos seus

    bravos, porm desvirtuados filhos, a chance de redeno. A

    recompensa do sagrado martrio.

    Francos, ouvi! Deixai a chama sagrada arder nos vossos coraes!

    Sede instrumentos da justia em nome do Supremo!

    Francos! A Palestina lugar de leite e mel fluindo, territrio

    precioso aos olhos de Deus. Um lugar a ser conquistado e mantido

    apenas pela f.

    Ns apelamos s vossas espadas!

    Lutai contra a amaldioada raa que avilta a terra sagrada,

    Jerusalm, frtil acima de todas outras.

    Glorificai as peregrinaes para o centro do mundo, consagrai-vos

    Paixo de Jesus Cristo!

    Tornai-vos dignos da Redeno pela Sua morte! Glorificai seu

    tmulo!

    O caminho ser longo, a f no Onipotente torn-lo- possvel e

    frutfero.

    No temais Francos! No temais a tortura, pois nela reside a glria

    do martrio!

    No temais a morte, pois nela reside a vida eterna!

    No temais dor, pois a recebereis com resignao!

    Os anjos apresentaro vossas almas a Deus.

    O Santssimo ser glorificado pelos atos de seus filhos!

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    Vede vossa frente aquele que a voz de Nosso Senhor! Segui Seu

    exemplo e palavras eternas!

    Marchem certos da expiao de vossos pecados, na certeza da glria

    imortal.

    Deixai as legies de Cristo Rei se atracar com o inimigo!

    Os anjos cantaro vossas vitrias!

    Que os servidores do Evangelho entrem em Jerusalm portando o

    estandarte de Nosso Senhor e Salvador!

    Que o smbolo da f seja mostrado em vermelho sobre o imaculado

    branco, pureza e sofrimento expressados!

    E que sua palavra seja ouvida como retumbante trovo, trazendo

    medo e luz para os infiis!

    Que agora o exrcito do Deus nico brade em glria sobre os Seus

    inimigos!

    URBANO II

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    Poucos fenmenos histricos despertaram tantas paixes quanto as

    cruzadas. As peregrinaes militares, que tiveram incio no sculo

    XI, nos fazem lembrar o quanto so antigos os conflitos entre o

    Oriente e o Ocidente.

    O que era primeiramente uma luta entre cristos e muulmanos pelo

    controle da Terra Santa transformou-se em uma luta sangrenta pelo

    domnio de territrios e rotas de comercio, gerando intolerncia,

    dio e desavenas que permanecem at os dias de hoje.

    Sejam bem vindos ao 115:1 Carnificina na Terra Santa, um jogo de

    interpretao de papis que tem como tema as cruzadas, os combates

    entre cristos e turcos muulmanos que duraram mais de 200 anos e

    que modificaram toda a Idade Mdia.

    O QUE UM JOGO DE INTERPRETAO?

    O termo Jogo de Interpretao de Papis vem do ingls Role

    Playing Game ou simplesmente RPG.

    Quando jogamos RPG, cada participante (jogador) interpreta um

    personagem dentro de uma histria, uma aventura imaginaria criada

    pelo narrador, um tipo especial de jogador. o narrador que

    define como a aventura ser narrada e interpreta o papel de todas as

    outras pessoas, os coadjuvantes e os antagonistas, que os

    personagens, os protagonistas, iro interagir e enfrentar.

    Uma partida de RPG assemelha-se bastante a uma pea de teatro. O

    narrador cria uma histria e a narra para os jogadores, que atuam

    dentro da narrativa, realizando aes plausveis com a personalidade

    de cada personagem. Isso tudo acontece no interior de um cenrio

    pr-estabelecido e fictcio, que pode variar desde uma tentativa de

    demonstrar uma possvel Grcia Clssica ou uma galxia distante,

    com drages e cavaleiros cibernticos. necessrio afirmar que as

    aes das personagens tambm so fictcias, assim sendo, se uma

    delas tiver de saltar, por exemplo, o jogador apenas verbalizar a

    ao, apontando como sua personagem age.

    Para jogar o 115:1 Carnificina na Terra Santa, voc vai precisar de

    uma cpia do livro 3:16 Carnificina Entre As Estrelas, lpis,

    borracha e dados de 6 e 10 lados.

    3:16 Carnificina Entre As Estrelas um premiado jogo de fico

    que narra as aventuras de uma fora militar expedicionria que

    singra o cosmo eliminando ameaas aliengenas. O jogo foi escrito

    pelo escocs Gregor Hutton e foi agraciado com o prmio High

    Ronny de melhor design de RPG. O jogo publicado no Brasil pela

    RetroPunk (saiba mais em http://portal.retropunk.net/?q=node/345).

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    Introduo

    Chama-se de Cruzada a qualquer um dos movimentos militares de

    inspirao crist que partiram da Europa Ocidental em direo

    Terra Santa (nome pelo qual os cristos denominavam a Palestina) e

    cidade de Jerusalm com o intuito de conquist-las, ocup-las e

    mant-las sob o domnio cristo. Estes movimentos estenderam-se

    entre os sculos XI e XIII, poca em que a Palestina estava sob o

    controle dos turcos seljcidas.

    O termo cruzada raro e recente: no aparece no latim medieval

    antes da metade do sculo XII e seu correspondente rabe, hurub

    assalibyya (A Guerra pela Cruz) data somente de 1850. De fato, aos

    olhos dos orientais, as cruzadas permaneceram durante muito tempo

    como simples guerras iguais a tantas outras iniciadas pelos francos.

    J estes, que eram antes de tudo peregrinos, se consideravam como

    Soldados de Cristo e marcados pelo sinal da cruz (crucesignati,

    em italiano), sendo a partir desta ltima expresso que se formou, a

    partir do sculo XIII, o termo cruzada (tambm do italiano,

    cruciata).

    Os textos medievais em geral designam essas expedies como a

    viagem de Jerusalm ou o caminho do Santo Sepulcro (iter

    hierosolymitanum, via Sancti Sepulcri) e, j no comeo do sculo

    XIII, quando o movimento se tornou mais regular, sob o nome de

    passagem. Subjacente a todas essas expresses se encontra a ideia

    de peregrinao: Jean de Joinville, cronista e historiador francs fala

    sobre a peregrinao da cruz. Ainda no sculo XIV, quando o

    Ocidente renuncia de fato, seno de direito, reconquista de

    Jerusalm, as cruzadas so referidas pelo nome de viagem a

    ultramar.

    Entendemos aqui por Cruzada, uma peregrinao de cunho militar

    decidida por um Papa que concede a seus participantes privilgios

    temporais e espirituais e lhes determina o objetivo de libertar o

    Sepulcro de Cristo em Jerusalm.

    As poderosas Ordens dos Cavaleiros de So Joo de Jerusalm

    (Hospitalrios), dos Cavaleiros Teutnicos e dos Cavaleiros

    Templrios foram criadas durante as Cruzadas. O termo tambm

    usado, por extenso, para descrever, de forma acrtica, qualquer

    guerra religiosa ou mesmo um movimento poltico ou moral.

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    As Origens das Cruzadas

    O entusiasmo coletivo provocado pela pregao da Primeira

    Cruzada, feita pelo Papa Urbano II no concilio de Clermont em

    1095, surpreendeu at mesmo seu idealizador, e ainda hoje continua

    a causar espanto. Numerosas pesquisas foram dedicadas questo da

    origem das cruzadas, buscando desvendar seus elementos essenciais.

    Podemos salientar as condies sociais e econmicas do final do

    sculo XI: alto crescimento demogrfico, falta de terras cultivveis,

    crescimento da economia monetria e das trocas comerciais e o

    inicio da expanso italiana pelo Mediterrneo. Em parte, eles

    explicam e, por outro lado, tornam possvel o movimento que

    impulsiona para o Oriente alguns ocidentais (nobres relativamente

    desprovidos de terras e multides de pobres em busca de melhores

    condies materiais e espirituais).

    Embora no neguemos a existncia dessas condies, no pretendo

    tratar delas aqui, Prefiro salientar o valor dos fatores que explicam

    tal entusiasmo que assumiu a forma de Cruzada: As constantes

    peregrinaes individuais a Jerusalm e, igualmente, a doutrina e a

    pratica da justia das guerras contras os sarracenos. A ideia de

    Cruzada nasce do encontro destas duas tradies. Mas para de fato

    provoc-la, era preciso um tipo de catalisador: um pretexto, e esta foi

    a ideia, amparada em uma profunda ignorncia do Oriente, de levar

    socorro aos cristos orientais que estavam sendo oprimidos pelos

    turcos, segundo se acreditava.

    Papa Urbano II pregando a Cruzada

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    Antecedentes

    Depois da morte de Maom em 632, os exrcitos rabes lanaram-se

    com novo fervor conquista dos seus antigos dominadores: os

    bizantinos e os persas sassnidas, que vinham de dcadas de guerra.

    Estes ltimos, depois de serem derrotados em algumas batalhas,

    levaram 30 anos para serem destrudos, devido mais extenso do

    seu imprio do que sua resistncia militar: o ltimo X morreu em

    Cabul em 655. Os bizantinos resistiram bem menos: cederam uma

    parte da Sria, a Palestina, o Egito e o norte de frica, mas ao fim

    sobreviveram e mantiveram sua capital Constantinopla.

    Em novo impulso, os exrcitos conquistadores muulmanos

    lanaram-se ento sobre a ndia, a Pennsula Ibrica, o sul de Itlia, a

    Frana, e as ilhas mediterrneas. Tendo se tornado uma civilizao

    tolerante e brilhante sob o ponto de vista intelectual e artstico, o

    imprio muulmano sofreu de gigantismo e viu enfraquecer-se

    militar e politicamente. Aos poucos, as zonas mais longnquas

    tornaram-se independentes ou ento foram recuperadas pelos seus

    inimigos, bizantinos, francos, reinos neo-godos, os quais guardavam

    na memria a poca de conquista.

    No sculo X, essa desagregao acentuou-se, em parte devido

    influncia de grupos de mercenrios convertidos ao isl que

    tentavam criar reinos separados. Os turcos seljcidas (no confundir

    com os turcos otomanos antepassados dos criadores do atual pas, a

    Turquia), procuraram impedir esse processo e conseguiram unificar

    uma parte do territrio. Acentuaram a guerra contra os cristos,

    esmagando as foras bizantinas em Manziquerta em 1071 e

    conquistando, assim, o leste e o centro da Anatlia e Jerusalm em

    1078.

    Depois de um perodo de expanso nos sculos X e XI o Imprio

    Bizantino viu-se em srias dificuldades com as revoltas de nmades

    ao norte da fronteira, e a perda dos territrios da pennsula Itlica,

    conquistados pelos normandos. Internamente, a expanso dos

    grandes domnios em detrimento do pequeno campesinato resultou

    numa diminuio dos recursos financeiros e humanos disponveis ao

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    estado. Como soluo, o imperador Alexius I Comneno decidiu

    pedir auxlio militar ao Ocidente para fazer frente ameaa

    seljcida.

    O domnio dos turcos seljcidas sobre a Palestina foi percebido

    pelos cristos do Ocidente como uma ameaa e uma forma de

    represso sobre os peregrinos e os cristos do Oriente. Em 27 de

    janeiro de 1095, no conclio de Clermont, o papa Urbano II exortou

    os nobres franceses a libertar a Terra Santa e a colocar Jerusalm de

    novo sob a soberania crist, apresentando essa expedio militar

    como uma forma de penitncia. A multido presente aceitou

    entusiasticamente o desafio e logo partiu em direo ao Oriente,

    sobrepondo uma cruz vermelha sobre suas roupas (da terem

    recebido o nome de "cruzados").

    Assim comeavam as cruzadas:

    A Primeira Cruzada

    A Primeira Cruzada foi proclamada em 1095 pelo papa Urbano II

    com o objetivo duplo de auxiliar os cristos ortodoxos do leste e

    libertar Jerusalm e a Terra Santa do jugo muulmano. Na verdade,

    no foi um nico movimento, mas um conjunto de aes blicas de

    inspirao religiosa, que incluiu a Cruzada Popular, a Cruzada dos

    Nobres e a Cruzada de 1101.

    Comeou com um apelo do Imperador Bizantino Alexius I Comneno

    ao papa para o envio de mercenrios para combater os turcos

    seljcidas na Anatlia. Mas a resposta do cristianismo ocidental

    rapidamente se tornou em uma verdadeira migrao de conquista

    territorial no Levante. Nobreza e povo de vrias naes da Europa

    Ocidental fizeram a peregrinao armada at Terra Santa, por terra

    e por mar, e tomaram a cidade de Jerusalm em Julho de 1099,

    criando o Reino Latino de Jerusalm e outros estados cruzados.

    A Primeira Cruzada representou um marco na mentalidade e nas

    relaes de cristos ocidentais, cristos orientais e muulmanos.

    Apesar das suas conquistas terem eventualmente sido

    completamente perdidas, tambm foi o incio da expanso do

    ocidente que, juntamente com a Reconquista da Pennsula Ibrica,

    resultaria na aventura dos descobrimentos e no imperialismo

    ocidental.

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    Contexto histrico

    No ocidente

    As cruzadas em geral, e a Primeira Cruzada em particular, tiveram as

    suas origens em eventos anteriores na Idade Mdia. A diviso do

    Imprio Carolngio nos sculos anteriores, e a relativa estabilidade

    das fronteiras europeias depois da cristianizao dos povos brbaros,

    criaram toda uma classe de guerreiros que tinham de lutar entre si

    para obter terras e riquezas.

    No incio do sculo VIII, o califado omada tinha conquistado o

    Norte de frica, o Egito, a Palestina, a Sria, e invadido a Pennsula

    Ibrica. A Reconquista ganhou uma carga ideolgica que pode ser

    considerado o primeiro exemplo de um esforo concentrado dos

    cristos na conquista de territrios aos muulmanos, como parte dos

    esforos de expanso dos reinos cristos da Pennsula Ibrica,

    apoiados pelas ordens militares e por mercenrios mobilizados por

    toda a Europa.

    Em 1009 o califa fatmida al-Hakim bi-Amr Allah provocou grande

    indignao por todo o mundo cristo quando ordenou a destruio da

    igreja do Santo Sepulcro em Jerusalm. Ao mesmo tempo, com o

    colapso dos omadas, vrias dinastias muulmanas menos poderosas,

    como os aglbidas e os clbidas, instalaram-se na Siclia e no sul da

    Pennsula Itlica.

    Os normandos conquistaram a Siclia em 1091. O Reino de Arago

    no ocidente, as cidades-estados de Pisa e Genova na Itlia, e o

    Imprio Bizantino no oriente travaram longas lutas contra os reinos

    muulmanos pelo controle do mar Mediterrneo.

    A ideia de uma guerra santa contra o Isl parecia aceitvel aos

    poderes seculares e religiosos da Europa ocidental, bem como do

    povo em geral - para alm do incentivo de conquistar territrios e

    riquezas, que ganhou popularidade com os sucessos militares dos

    reinos europeus, comeou a emergir uma nova concepo poltica do

    cristianismo.

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    A cada vez mais influente Ordem de Cluny estabeleceu uma nova

    organizao da religio crist, cada vez mais centralizada no papa

    em detrimento da independncia dos seus bispos. Esta ideia foi se

    expandindo at ao ponto de o papado pretender ser o suserano de

    todos os reinos europeus, sancionando guerras santas contra as

    naes herticas que no aceitassem o domnio da Igreja.

    Abadia de Cluny - Frana

    Deste modo no surpreendente a unio dos reinos cristos sob a

    orientao papal, e a criao de exrcitos para combater o Isl. As

    terras que anteriormente conquista muulmana tinham pertencido

    aos cristos, e particularmente as que tinham sido parte do Imprio

    Romano ou do seu sucessor Imprio Bizantino - Sria, Egito, Norte

    de frica, Hispnia, Chipre - eram vistas como terras invadidas que

    deveriam ser libertadas. Acima de tudo, Jerusalm e a Palestina,

    onde Jesus Cristo e os seus apstolos tinham vivido, eram lugares

    santos que sofriam a heresia do domnio dos infiis.

    Em 1074, o papa Gregrio VII apelou aos milites Christi (soldados

    de Cristo) para partirem em ajuda do Imprio Bizantino no oriente,

    que sofrera graves derrotas contra os turcos seljcidas na batalha de

    Manziquerta em 1071. Apesar de este chamado ter sido em geral

    ignorado e at ter recebido oposio, juntamente com a popularidade

    das peregrinaes Terra Santa no sculo XI, concentrou a ateno

    do ocidente no oriente.

    Pregadores como Pedro o Eremita e Walter Sem-Terras

    popularizaram rumores de agresses de muulmanos aos peregrinos

    cristos a Jerusalm e a outros lugares santos do Mdio Oriente. Mas

    foi o papa Urbano II quem disseminou a ideia de uma cruzada para

    libertar a Terra Santa. Ao ouvir o seu discurso dramtico e

    inspirador no Conclio de Clermont, a assistncia aderiu com

    entusiasmo ideia da salvao da alma pela penitncia da

    peregrinao e da luta contra os infiis.

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    No oriente

    O Imprio Bizantino tambm professava a f crist, mas devido ao

    Grande Cisma do Oriente, seguiam o rito ortodoxo. O imperador

    Alexius I Comneno governava um territrio que fazia fronteira com

    a Europa Ocidental a norte e a oeste, onde se encontrava em conflito

    com os normandos, e com a Anatlia a oriente, recentemente

    conquistada pelos turcos seljcidas.

    Mais para o oriente, Sria, Palestina e Egito estavam sob o controle

    de vrias faces de muulmanos, herdeiros da fragmentao do

    imprio do califado omada. A Anatlia e a Sria eram controladas

    pelos seljcidas sunitas, antes parte do grande imprio seljcida que

    derrotara o Imprio Bizantino em Manziquerta em 1071, mas

    tambm fragmentado e em guerra civil desde 1072.

    Diferentes governantes, todos de origem seljcida, governavam de

    forma independente o Sultanato de Rum na Anatlia e as cidades-

    estados de Alepo, Damasco e Mossul. Mas estes estados estavam de

    modo geral mais concentrados na consolidao dos seus prprios

    territrios e na conquista dos seus vizinhos do que em cooperar para

    lutar contra os cruzados.

    O nordeste da Sria e o norte da Mesopotmia eram territrios dos

    ortoquidas, que mantiveram a posse de Jerusalm at 1098. No leste

    da Anatlia e no norte da Sria foi fundado um estado pelos

    danismendidas, descendentes de um mercenrio seljcida. E tambm

    na Sria, a Ordem dos Assassinos comeava a ganhar poder.

    At recentemente, os cristos da Palestina tinham plena liberdade de

    culto, desde que realizassem os seus ritos com alguma discrio.

    Mas desde o incio do sculo XI, comeou a ocorrer alguma

    perseguio religiosa, no s a cristos como a judeus e a diferentes

    ramos do Isl. Depois da destruio do Santo Sepulcro em 1109, a

    perseguio deu lugar a um imposto pago pelos peregrinos cristos

    que pretendessem entrar em Jerusalm.

    Em pouco tempo surgira o poder seljcida, brbaros turcos

    convertidos ao Isl, agressivos e com uma interpretao estrita da

    sua f. As histrias de maus tratos aos peregrinos que chegaram

    Europa Ocidental no desencorajavam muitos dos cristos latinos,

    que viam assim a sua peregrinao transformarem-se num ato ainda

    mais devoto. Mas o Egito e a maioria da Palestina ainda eram

    territrios dos fatmidas, rabes do ramo xiita em conflito com os

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    seljcidas. Jerusalm tinha-lhes sido conquistada pelos seljcidas em

    1076, mas depois os ortoquidas conquistaram a cidade, e em 1098, j

    durante a marcha da Cruzada dos Nobres, Jerusalm voltou para as

    mos dos fatmidas.

    Inicialmente, os fatmidas no consideravam os cruzados como uma

    ameaa, assumindo que estes tinham sido enviados pelos bizantinos

    e que como tal o seu objetivo seria apenas a reconquista da Anatlia

    e da Sria aos seljcidas. E de fato Alexius I Comneno tinha

    aconselhado os cruzados a aliarem-se aos fatmidas contra o inimigo

    comum, os seljcidas. A poltica prpria e o zelo religioso dos

    cristos ocidentais iria impedir esta coexistncia, o seu objetivo

    principal era libertar a Terra Santa de quaisquer que fossem os

    muulmanos que estivessem cometendo o sacrilgio de estar na

    posse dos lugares santos.

    Conclio de Clermont

    Em Maro de 1095, o imperador bizantino Alexius I Comneno

    enviou uma embaixada ao Conclio de Piacenza para pedir ajuda ao

    papa Urbano II contra os turcos. Urbano concordou, com a

    esperana de, ao ajudar as igrejas orientais neste momento de grande

    necessidade, acabar com o Grande Cisma do Oriente de 40 anos

    antes e reunir a Igreja crist sob o domnio papal, como bispo e

    prelado mximo de todo o mundo.

    Com a autoridade papal reafirmada em Piacenza, Urbano II

    convocou o Conclio de Clermont em 27 de novembro, anunciando

    que no fim da reunio iria fazer uma proclamao de mxima

    importncia para o pblico em geral. A afluncia da nobreza, do

    clero e do povo a Clermont foi to grande que, ao contrrio das

    representaes artsticas do evento, este no se realizou dentro da

    catedral, mas sim ao ar livre.

    O sermo apaixonado exortou a sua audincia a tirar o controle de

    Jerusalm das mos dos muulmanos. Referiu-se violncia dos

    nobres europeus que saqueavam terras europeias e lutavam entre si,

    e que a soluo para este problema era colocar as suas espadas ao

    servio de Deus: Que os salteadores se tornem cavaleiros. Ainda

    anunciou as recompensas que esperavam quem tomasse a cruz, tanto

    na terra como no cu, uma vez que a cruzada seria uma expedio de

    penitncia, e quem morresse na Terra Santa ou a caminho dela,

    ganharia o seu lugar no Paraso - isto , a indulgncia plena. Tudo

    isto o papa prometia atravs do poder de Deus que lhe fra

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    concedido. A multido reunida foi tomada de um entusiasmo

    frentico que interrompeu o seu discurso gritando Deus quer!,

    frase que seria repetida por toda a Europa.

    Considerado um dos mais importantes da histria da Europa, o

    sermo de Urbano II deu origem a diversos relatos, mas estas

    verses dos acontecimentos foram escritas depois da conquista de

    Jerusalm, pelo que difcil saber o que realmente foi afirmado pelo

    papa e o que foi acrescentado ou modificado depois do sucesso da

    cruzada. No entanto, a resposta do ocidente ao apelo feito a todos

    sem distino, pobres ou ricos, foi claramente superior ao esperado.

    Ao pregar e prometer a salvao a todos os que morressem em

    combate contra os pagos (na verdade muulmanos, na sua maioria),

    o papa estava criando um novo ciclo. Com a campanha de salvao

    da alma a todos os mortos em combate contra os infiis, Urbano no

    estava s garantindo um grande exrcito, mas tambm um novo foco

    blico para as foras que se batiam em lutas internas, perturbando a

    paz na Europa.

    certo que a ideia no era totalmente nova: h algumas dcadas

    atrs j havia sido declarado que os guerreiros mortos em combate

    contra os muulmanos na Itlia mereciam a salvao. Mas desta vez

    a salvao no era prometida numa situao excepcional, seria

    concedida a todos os que participassem do empreendimento.

    Europeus de todas as camadas sociais costuraram uma cruz vermelha

    nas suas roupas. O entusiasmo era tal que muitos venderam ou

    hipotecaram todos os seus bens para obter armas e dinheiro

    necessrios para a expedio. Nobreza e o povo comum procedente

    da Frana, do sul da Itlia e das regies da Lorena, Borgonha e

    Flandres, rapidamente formaram expedies separadas.

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    Cruzada Popular ou dos Mendigos (1096)

    A Cruzada Popular ou Cruzada dos Mendigos foi um movimento

    extra-oficial da Primeira Cruzada. Uma peregrinao que refletiu o

    misticismo da poca e que teve o seu incio em 1095. Depois do

    Conclio de Clermont, o papa Urbano II planejou a partida da

    Cruzada dos Nobres, composta de homens de armas, para 15 de

    agosto de 1096, no dia santo da Assuno de Maria.

    Mas, meses antes desta cruzada "oficial", um vasto nmero de

    plebeus e cavaleiros de baixa estirpe organizou-se para partir para a

    Terra Santa de forma independente. Liderados pelo monge Pedro o

    Eremita e pelo cavaleiro Walter Sem Terras, cerca de 40.000

    peregrinos da Europa ocidental tentaram libertar a cidade de

    Jerusalm do domnio muulmano, mas seriam mortos ainda na

    Anatlia em outubro de 1096.

    Pregao da cruzada

    Durante o Conclio de Piacenza em 1095, ao receber um pedido de

    ajuda do imperador bizantino Alexius I Comneno para a luta contra

    os turcos, o papa Urbano II viu uma oportunidade para acabar com o

    Grande Cisma do Oriente e reunir a Igreja crist sob o domnio de

    Roma. Em 27 de novembro foi reunido o Conclio de Clermont, no

    qual o papa exortou a sua audincia a tirar o controle de Jerusalm

    das mos dos muulmanos, prometendo que quem morresse na Terra

    Santa ou a caminho dela, ganharia o seu lugar no Paraso - isto , a

    indulgncia plena. A multido reunida foi tomada de tal entusiasmo

    frentico que interrompeu o seu discurso gritando Deus o quer!,

    frase que seria repetida por toda a Europa. Durante 1095 e 1096,

    Urbano II continuou a pregar a cruzada pela Frana e incentivou os

    seus bispos e legados a fazerem o mesmo nas suas dioceses na

    Frana, Germnia, e Itlia.

    Europeus de todas as camadas sociais costuraram uma cruz vermelha

    nas suas roupas, o que lhes deu o seu nome de crucesignati, em

    italiano, sendo que a partir desta expresso que se forma, por volta

    de metade do sculo XIII, o termo Cruzado. O entusiasmo era tal

    que muitos venderam ou hipotecaram todos os seus bens para obter

    armas e dinheiro necessrios para a expedio. Nobreza e o povo

    comum procedente da Frana, do sul da Itlia e das regies da

    Lorena, Borgonha e Flandres, rapidamente formaram expedies

    separadas.

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    Depois de vrios anos em que foram vtimas de secas, fome e pestes,

    parte dos cruzados teria visto a expedio como uma fuga a este

    sofrimento. Por coincidncia, desde o incio de 1095 ocorriam

    fenmenos naturais que pareciam s pessoas da poca sinais de uma

    bno divina: uma chuva de meteoros, auroras boreais, um eclipse

    lunar e a passagem de um cometa, entre outros eventos.

    Um surto de ergotismo, que geralmente propiciava peregrinaes em

    massa, ocorrera pouco antes do Conclio de Clermont. O

    milenarismo, a ideia da iminncia do fim do mundo popularizada no

    final do sculo X e incio do sculo XI, ganhou popularidade. Deste

    modo, a resposta ao apelo do papado ultrapassou as expectativas:

    Urbano tencionava reunir alguns milhares de cavaleiros, mas a

    empresa tornou-se numa migrao de mais de 40.000 pessoas.

    O papa ainda tentou proibir algumas pessoas (como mulheres,

    monges e os doentes) de participar da expedio, mas isto se revelou

    impossvel. O apelo papal foi to forte que a maioria dos que

    tomaram a cruz no foram os nobres, mas sim o povo pobre e mal

    preparado para a guerra, numa expedio que inclua mulheres e

    crianas, apoiados numa forte f em Deus e na salvao das suas

    almas.

    O monge Pedro, chamado O Eremita, de Amiens, foi um dos mais

    carismticos entusiastas da expedio, pregando a cruzada pelo norte

    da Frana e por Flandres. Afirmava ter sido convocado a pregar por

    Cristo (teria supostamente uma carta divina para provar) e

    provvel que alguns dos seus seguidores pensassem que ele, e no

    Urbano, era o verdadeiro criador do ideal da cruzada. Alberto de

    Aquisgro tambm relata os casos de populares acreditarem que uma

    cabra e um ganso teriam recebido o Esprito Santo, e assim seguiram

    sob a liderana destes animais.

    Travessia da Europa

    Geralmente, o exrcito de Pedro O Eremita tem sido visto como um

    grupo de camponeses analfabetos e incompetentes sem ideia de para

    onde estava indo, e que acreditavam que cada cidade de um

    determinado tamanho que fossem encontradas pelo caminho era

    Jerusalm; apesar disto ser verdade para uma parte destes

    peregrinos, a j longa tradio de peregrinaes Terra Santa nesta

    poca assegurava que muitos deveriam conhecer bem a localizao e

    a distncia at Jerusalm.

    E enquanto a maioria do grupo no seria composta de guerreiros,

    alguns dos lderes da expedio eram cavaleiros de baixa estirpe,

    treinados nas artes blicas, tais como o futuro cronista Fulcher de

    Chartres. Walter Sem-Terras, tal como indica o seu nome, era um

    cavaleiro pobres, sem posses (bens) ou vassalos, mas com

    experincia de combate.

    Sem disciplina militar, e nas terras estranhas da Europa de Leste, em

    pouco tempo estes primeiros cruzados entrariam em conflito com os

    nativos das terras, ainda crists, por onde passaram. Juntamente com

    as diferenas culturais, o problema principal da Cruzada Popular foi

    a falta de planejamento, pois tinham sado da Europa Ocidental antes

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    das colheitas da primavera, depois de anos de seca e de ms safras.

    Agora era necessrio alimentar uma expedio de milhares de

    pessoas. E, uma vez que estas se viam como peregrinos realizando a

    vontade de Deus, esperavam que as cidades por onde passavam lhes

    fornecessem alimentos e outros suprimentos de que necessitassem,

    ou pelo menos que os vendessem a um preo que os cruzados

    considerassem justo.

    Walter Sem-Terras

    Pedro o Eremita juntou o seu exrcito em Colnia no dia 12 de abril

    de 1096, planejando parar nessa cidade para pregar aos germnicos e

    obter mais cruzados. Mas o contingente franco no estava disposto a

    aguardar pela chegada destes. Sob a liderana de Walter Sem-Terras,

    alguns milhares partiram antes do Eremita. Chegaram Hungria a 8

    de maio, atravessaram este territrio sem incidentes e alcanaram o

    rio Sava na fronteira do Imprio Bizantino em Belgrado.

    Surpreendido pela chegada desta grande massa humana e sem ordens

    de como proceder, o comandante da cidade recusou a entrada aos

    cruzados, forando-os a pilhar os terrenos ao redor para obterem

    alimentos, o que resultou em escaramuas com os soldados

    bizantinos. Em um incidente particularmente marcante, dezesseis

    homens de Walter tentaram pilhar um mercado em Semlin, na outra

    margem do rio Danbio - os dezesseis cruzados foram despojados

    das suas armaduras e roupas, que foram penduradas como aviso nas

    muralhas do castelo.

    Eventualmente foi-lhes permitida passagem at Ni, onde as foras

    imperiais lhes forneceram alimentos, aguardando ordens de

    Constantinopla. Seria apenas no final do ms de Julho que

    alcanariam esta cidade, e sob a escolta bizantina.

    Pedro, o Eremita

    Pedro o Eremita manteve-se como o principal lder espiritual do

    movimento, caracteristicamente montado em um burro e vestido em

    roupas simples. Seguido por 40.000 cruzados, partiu de Colnia a 20

    de Abril - o grupo de germnicos do conde Emico de Flonheim

    partiu pouco depois. Ao chegarem s margens do rio Danbio, parte

    do exrcito decidiu descer o rio por barco, enquanto a maioria

    continuou por terra, entrando na Hungria em denburg.

    Atravessaram este pas sem incidentes at se reunirem ao

    contingente da viagem fluvial em Semlin.

    Os cruzados foram recebidos nesta cidade fronteiria do Imprio

    Bizantino, pela viso das dezesseis armaduras do grupo de Walter

    Sem-Terras penduradas nas muralhas. Eventualmente uma disputa

    sobre o preo de um par de sapatos no mercado levou a um motim,

    que rapidamente se tornou num ataque cidade pelos cruzados

    (provavelmente contra a vontade de Pedro), no qual 4.000 hngaros

    perderam a vida. Ao fugirem, atravessando o rio Sava, os ocidentais

    chegaram a Belgrado, lutando contra as tropas da cidade. Os

    residentes fugiram e os cruzados pilharam e incendiaram a cidade, e

    depois marcharam durante sete dias at chegar a Ni, a 3 de Julho. O

    comandante desta cidade prometeu fornecer alimentos e uma escolta

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    para os peregrinos at Constantinopla, se estes partissem

    imediatamente.

    Pedro o Eremita partiu na manh seguinte, mas alguns germnicos

    entraram em uma nova disputa com os locais na estrada e

    incendiaram um moinho. O conflito aumentou ao ponto de Ni

    enviar toda a sua guarnio contra os cruzados. O resultado foi a

    completa derrota do exrcito peregrino, que perdeu cerca de 10.000

    cruzados, um quarto do seu total. Depois de se reagruparem em Bela

    Palanka (na Srvia), chegaram a Sfia em 12 de julho. L

    encontraram a escolta bizantina que os conduziria em segurana at

    Constantinopla, aonde chegaram no dia 1 de agosto.

    Perseguio aos judeus

    A Primeira Cruzada desencadeou uma longa tradio de violncia

    organizada contra os judeus, apesar de h sculos j existir o

    antissemitismo na Europa. Primeiro na Frana e depois no Sacro

    Imprio Romano-Germnico, alguns lderes interpretaram que a

    guerra contra os infiis podia ser aplicvel no s aos muulmanos

    no Levante, mas tambm aos judeus, vistos como os assassinos de

    Jesus Cristo, e que estavam presentes na maioria das comunidades

    europias. Muitos cristos no viam motivo para viajar milhares de

    quilmetros para lutar contra os inimigos do cristianismo, quando

    estes estavam porta de suas casas.

    Tambm possvel que estas perseguies tenham sido motivadas

    pela necessidade de dinheiro. As comunidades judaicas da Rennia

    eram relativamente abastadas, devido ao seu isolamento e por no

    estarem sujeitas lei papal que proibia a agiotagem. Muitos

    cruzados tinham sido forados a vender as suas posses e a colocar-se

    a eles mesmos e at aos seus familiares em dvida, de modo a

    poderem comprar armas e outro equipamento necessrio para a

    expedio. Ao terem de entrar em dvida (muitas vezes com os

    judeus) para comprar armas e equipamentos para lutar contra os

    inimigos da cristandade, muitos cruzados, convenientemente,

    pensaram e executaram a matana de judeus como uma extenso da

    sua misso de f.

    No passado, mesmo durante o ponto alto do milenarismo, vrios

    movimentos antissemticos populares, ou comandados por nobres e

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    reis (como as converses foradas por Roberto II de Frana, Ricardo

    II da Normandia e Henrique II da Germnia no incio do sculo XI),

    tinham sido travados pelo papado ou pelos bispos locais. Mas agora

    o fervor da Cruzada tornava a situao mais difcil de controlar. Em

    1095, comunidades judaicas foram atacadas na Frana e na Rennia,

    e alguns judeus fugiram para leste para escapar perseguio.

    Apesar de o papado acabar por pregar contra a morte de habitantes

    muulmanos e judeus, este cenrio repetir-se-ia inmeras vezes

    durante o perodo das cruzadas.

    O cronista franco Sigeberto de Gembloux escreveu que:

    para se fazer uma guerra em nome de Deus, era essencial que os

    judeus se convertessem; os que resistissem seriam privados dos seus

    bens, massacrados e expulsos das cidades.

    O nobre cruzado Godofredo de Bouillon chegou a jurar partir na

    expedio s aps vingar o sangue de Cristo crucificado,

    derramando sangue judeu e erradicando a presena deste povo.

    Depois de informado disto pelo lder da comunidade judaica de

    Mainz, o imperador Henrique IV da Germnia proibiu esta ao.

    Godofredo acabou por negar ter a inteno de matar os judeus, mas

    as comunidades de Mainz e Colnia tinham-lhe enviado um tributo

    de 500 marcos de prata.

    Quando os milhares de francos da Cruzada Popular chegaram ao

    vale do Reno, estavam sem provises. Nenhum cronista acusa Pedro

    o Eremita de pregar contra os judeus, apesar de os seus seguidores,

    para se reabastecerem, pilharem propriedades dos judeus,

    simultaneamente tentando forar estes a converterem-se ao

    cristianismo ou massacrando as populaes locais. Em outros casos

    as comunidades sobreviveram atravs do batismo involuntrio, como

    em Ratisbona, onde uma multido de cruzados os forou a entrar no

    Danbio para batiz-los em massa - depois de os cruzados sarem da

    regio, a comunidade voltou ao judasmo. Muitos judeus que se

    recusavam a converter-se e ouviam as notcias de massacres perto

    das suas casas cometeram suicdios em massa.

    Pessoalmente, Pedro o Eremita trazia consigo uma carta dos judeus

    da Frana para a comunidade de Trier, solicitando que fornecessem

    provises aos seus seguidores. O cronista judeu Solomon bar

    Simeon escreveu que estavam to apavorados ao ver Pedro aparecer

    aos portes da cidade que rapidamente concordaram a fornecer-lhe o

    que precisasse.

    Emico de Flonheim

    O maior e mais violento grupo no ataque aos judeus da Germnia foi

    o liderado pelo conde Emico de Flonheim. No incio do Vero de

    1096, cerca de 10 000 cruzados percorreram o vale do Reno na

    direo norte (oposta a Jerusalm), e iniciaram uma srie de

    pogroms chamados por alguns historiadores de "o primeiro

    holocausto". Depois acabariam por seguir em direo aos rios Meno

    e Danbio para a Hungria. O contingente inclua oriundos da

    Rennia, Frana oriental, Lorena, Flandres e at da Inglaterra.

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    No sul da Itlia, quando percebeu as intenes desta cruzada, o

    Sacro Imperador Henrique IV da Germnia deu ordens para que os

    seus homens protegessem as comunidades judaicas. Depois do

    assassinato dos judeus de Metz, o bispo Joo de Speyer ofereceu

    asilo aos judeus da cidade, mas mesmo assim 12 foram mortos no

    dia 3 de maio. O bispo de Worms tambm tentou proteger os judeus

    da sua cidade, mas os cruzados invadiram o seu palcio episcopal e

    mataram os refugiados em 18 de maio, e pelo menos 800 judeus

    foram massacrados em Worms porque recusaram o batismo.

    Tendo sabido das aes de Emico, o bispo Ruthard de Mainz

    recusou a entrada do grupo na cidade em 25 de maio, ao mesmo

    tempo em que a comunidade judaica local lhes ofereceu um tributo

    de ouro para comprar a sua segurana. Mesmo assim, os seguidores

    de Emico entraram na cidade e massacraram judeus em 27 de maio.

    Muitos dos habitantes do burgo, principalmente os comerciantes e o

    bispo, ofereceram abrigo aos seus vizinhos judeus (tal como

    aconteceu tambm em Praga), e juntaram-se milcia do bispo para

    repelir as incurses dos cruzados, mas deixaram de oferecer

    resistncia medida que os nmeros destes aumentavam cada vez

    mais.

    No entanto, muitos outros habitantes de Mainz e de outras cidades

    participaram das perseguies e pilhagens. Foi na cidade de Mainz

    que a violncia atingiu o mximo, com pelo menos 1100 judeus

    mortos por um s grupo. Um judeu de nome Isaac foi forado a se

    converter, mas depois se sentiu culpado por ter cedido, matou a sua

    famlia e imolou-se dentro de casa. Outra judia de nome Raquel

    matou os seus quatro filhos para que no fossem mortos pelos

    cruzados.

    No dia 29 de maio Emico chegou a Colnia, onde a maioria da

    populao judaica tinha fugido ou se refugiado em casas de cristos.

    Aqui, outros pequenos grupos de cruzados juntaram-se ao

    contingente levando consigo bastante dinheiro pilhado aos judeus.

    Emico continuou na direo da Hungria, recebendo grupos da

    Subia. Quando Colomano da Hungria lhes recusou a entrada no seu

    pas, os cruzados cercaram Meseberg, junto ao rio Leitha. Desta vez

    o rei preparou-se para fugir para a Rssia, mas os cruzados foram

    perdendo moral e mais uma vez foram massacrados pelos hngaros

    ou afogaram-se no rio. Alguns dos lderes, entre os quais o conde

    Emico, fugiram para a Itlia ou para as suas terras nativas. Outros

    eventualmente juntaram-se aos contingentes de Pedro o Eremita,

    Hugo I de Vermandois e outros lderes cruzados.

    Em Constantinopla

    A capital bizantina era provavelmente a maior e mais rica cidade da

    Europa na sua poca. O contraste entre a civilizao requintada do

    oriente e o bando de peregrinos pobres do ocidente poderia ter sido a

    receita para um terrvel conflito, principalmente com a relutncia dos

    primeiros em fornecer provises aos segundos.

    Desejando obter do ocidente um exrcito organizado para auxiliar na

    luta contra os turcos seljcidas, o imperador bizantino Alexius I

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    Comneno viu a chegada de uma expedio de peregrinos

    desordeiros, cujos prprios lderes no conseguiam controlar.

    Temendo mais tumultos e com mais cruzados a chegar ou a caminho

    de Constantinopla, Alexius apressou-se a transportar os 30.000

    cristos latinos pelo Bsforo.

    Alexius avisou Pedro o Eremita para no entrar em combate com os

    turcos, que o bizantino acreditava serem guerreiros superiores a este

    exrcito desorganizado, e para aguardarem as tropas mais bem

    equipadas que estavam para chegar na Cruzada dos Nobres. Tem

    sido debatido se foi de propsito que o imperador no lhes forneceu

    guias bizantinos, que conheciam a Anatlia, sabendo que, sem guias,

    os cruzados seriam chacinados pelos turcos; ou se pelo contrrio

    teriam sido os cruzados que insistiram em prosseguir a viagem pela

    sia Menor apesar dos seus avisos.

    Na Anatlia

    Pedro reuniu-se aos francos de Walter Sem-Terras e a alguns

    italianos que chegaram ao mesmo tempo. Assim que atravessaram o

    Bsforo para a sia, os cruzados comearam a saquear cidades. Ao

    chegarem a Nicomdia, as tenses entre francos de um lado, e

    germnicos e italianos do outro, resultaram em uma diferena de

    opinies sobre como continuar. O exrcito separou-se ento em dois

    contingentes, o franco liderado por Godofredo Burel e o

    germnico/italiano por um italiano chamado Reinaldo.

    Pedro o Eremita tinha perdido completamente o controle da cruzada.

    Os peregrinos desprezaram os conselhos de Alexius para aguardar

    pelo exrcito dos nobres; incentivados uns pelos outros e pela

    facilidade com que conseguiam dominar as populaes locais,

    avanavam com cada vez mais ousadia contra cidades vizinhas, at

    os francos chegarem junto a Niceia, a capital dos seljcidas,

    pilhando os subrbios. Os turcos eram guerreiros experientes e

    conheciam o terreno, por isso durante cerca de um ms aguardaram e

    observaram at ao melhor momento para atacar. Em Agosto de

    1096, uma primeira patrulha de soldados do sulto Kilij Arslan I foi

    enviada, sem sucesso, para barr-los.

    Para provarem o seu valor igual ou superior aos francos, os

    germnicos marcharam com 6.000 cruzados sobre a fortaleza de

    Xerigordon, que conquistaram a 18 de Setembro, com o objetivo de

    a poderem usar como base para atacar o territrio. Em resposta, Kilij

    Arslan I enviou um exrcito de 15.000 turcos liderado pelo general

    Elcanes, que cercou Xerigordon a 21 de Setembro. Uma vez que a

    fortaleza no dispunha de fontes de gua, os turcos aguardaram que

    a sede se encarregasse de derrotar os inimigos, o que demorou cerca

    de uma semana. Forados a beber o sangue dos seus burros e a sua

    prpria urina, os cruzados renderam-se no dia 29 de setembro.

    Alguns foram aprisionados, forados a converterem-se ao Isl e

    enviados para Corao, onde foram escravizados, enquanto outros se

    recusaram a renegar a sua f e foram mortos.

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    H vrias verses sobre o destino do lder Reinaldo: algumas

    mencionam que foi morto no incio do cerco, enquanto tentava

    emboscar o poo de gua usado pelos turcos, frente da fortaleza;

    outras relatam a sua morte durante o cerco; e outra afirma que se

    converteu ao Isl.

    No acampamento franco de Civitot, dois espies turcos espalharam o

    rumor de que os germnicos tinham conseguido tomar no s

    Xerigordon como tambm Niceia, o que incentivou este contingente

    a apressar-se para chegar cidade o mais depressa possvel para

    poder participar do saque. S mais tarde os cruzados souberam a

    verdade de o que acontecera em Xerigordon. Com os cruzados

    tomados de pnico, Pedro o Eremita voltou a Constantinopla para

    obter mantimentos.

    Os lderes discutiram se aguardavam por Pedro, que deveria demorar

    pouco tempo. Na verdade, este no chegou a voltar: Godofredo

    Burel, que tinha o apoio popular das massas do exrcito, argumentou

    que seria covardia aguardar, e que deveriam avanar imediatamente

    contra os muulmanos. Na manh de 21 de outubro, todo o exrcito

    de cerca de 20.000 cruzados marchou em direo a Niceia, deixando

    mulheres, crianas, velhos e doentes no acampamento.

    O exrcito turco aguardava em emboscada a cerca de trs milhas do

    acampamento cruzado, em um local onde a estrada entrava em um

    vale arborizado e estreito junto aldeia de Dracon. Ao

    aproximarem-se do vale, os ocidentais marchavam lenta e

    ruidosamente, levantando uma nuvem de poeira. Recebidos por um

    ataque de flechas que vitimou um grande nmero de peregrinos, e

    sem dispor de qualquer proteo, foram imediatamente tomados de

    pnico e em poucos minutos se retiraram para o acampamento. O

    exrcito cruzado seria massacrado quase na totalidade, mas as

    crianas e os que se renderam foram poupados. Os milhares de

    soldados que tentaram resistir foram facilmente derrotados. Para

    alm de alguns sobreviventes dispersos, apenas cerca de 3.000

    peregrinos, incluindo Godofredo Burel, se conseguiram refugiar num

    castelo abandonado. Eventualmente uma fora bizantina chegou de

    barco e levantou o cerco turco para levar os ocidentais de volta a

    Constantinopla, onde muitos se juntariam Cruzada dos Nobres.

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    Cruzada dos Nobres

    Em agosto de 1096 partiu a Primeira Cruzada "oficial", chamada de

    Cruzada dos Nobres, Cruzada dos Cavaleiros ou Cruzada dos Bares

    (1096-1099). No total, esta expedio militar organizada,

    radicalmente diferente do movimento de peregrinos pobres da

    Cruzada Popular, consistiria em cerca de 30.000-35.000 guerreiros,

    incluindo 5.000 cavaleiros.

    Liderada espiritualmente por Ademar de Monteil, legado papal e

    bispo de Le Puy, a liderana militar era repartida e disputada

    principalmente por:

    Raimundo IV de Toulouse, talvez o mais carismtico lder no incio

    da expedio, j tinha participado da Reconquista e era

    acompanhado pelos cavaleiros da Provena e pelo legado Ademar;

    Boemundo de Taranto, lder dos normandos do sul da Itlia, velhos

    inimigos do Imprio Bizantino, acompanhado pelo seu sobrinho

    Tancredo de Hauteville;

    Godofredo de Bouillon trazia um exrcito da Lorena, juntamente

    com os seus irmos Eustquio III de Bolonha e Balduno de

    Bolonha, e foi acompanhado por Roberto II de Flandres e os seus

    flamengos;

    Hugo I de Vermandois, irmo de Filipe I da Frana, portador do

    estandarte papal;

    Roberto II da Normandia (irmo do rei Guilherme II da Inglaterra) e

    Estvo de Blois (neto de Guilherme I de Inglaterra) trazia o

    contingente do norte da Frana.

    Travessia da Europa

    Hugo I de Vermandois comandou o primeiro contingente a chegar a

    Constantinopla. Saiu da Frana em meados de agosto e passou pela

    Itlia, recebendo o estandarte de So Pedro em Roma. No caminho,

    muitos dos seguidores do conde Emico juntaram-se ao seu comando

    aps a derrota que tinham sofrido contra os hngaros. Ao contrrio

  • Pgina | 26

    dos outros exrcitos cruzados que viajaram por terra, este atravessou

    o mar Adritico, partindo de Bari. Mas uma tempestade ao largo do

    porto bizantino de Dyrrhachium destruiu muitos dos seus navios. Os

    sobreviventes foram resgatados pelos bizantinos e escoltados para

    Constantinopla, aonde chegaram em novembro.

    Godofredo de Bouillon e os seus irmos seguiram pela "Estrada de

    Carlos Magno" como, segundo o cronista Roberto o Monge, Urbano

    II ter chamado a este trajeto (que passava por Ratisbona, Viena,

    Belgrado e Sfia). Ao passarem pela Hungria tiveram alguns

    conflitos com os locais, que j tinham sido atacados pelas diferentes

    vagas da Cruzada Popular. O rei Colomano exigiu um refm para

    garantir a conduta correta dos cruzados, e por isso Balduno de

    Bolonha ficou em poder dos hngaros at os seus companheiros

    sarem do territrio.

    Depois de mais algumas escaramuas nos domnios do Imprio

    Bizantino, os bolonheses foram o segundo exrcito a chegar a

    Constantinopla, em novembro, e mais uma vez no conseguiram

    evitar que as suas foras pilhassem os territrios vizinhos. O

    imperador Alexius I Comneno foi forado a ceder um refm aos

    cruzados para repor a paz, e o escolhido foi o seu filho e futuro

    imperador Joo II Comneno, que foi confiado a Balduno.

    Boemundo de Taranto tinha motivaes geopolticas especficas aos

    seus domnios para se envolver em uma expedio at territrios

    bizantinos. Partiu do sul da Itlia assim que as primeiras foras

    francesas passaram pelos seus domnios e chegou a Constantinopla

    em abril de 1097.

    O mais numeroso dos exrcitos, encabeado por Raimundo IV de

    Toulouse, era acompanhado pelo legado Ademar de Monteil. Com

    alguma dificuldade atravessaram a Dalmcia (atual costa croata)

    durante o inverno. Ao chegar a Dyrrhachium, entraram na estrada

    romana Via Egnatia, que os levou a Tessalnica e depois a

    Constantinopla no dia 21 de abril. O ltimo grande contingente, sob

    as ordens de Roberto II da Normandia, saiu de Brindisi e cruzou o

    mar Adritico, chegando capital bizantina em Maio de 1097, dois

    meses depois da aniquilao da Cruzada Popular.

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    Em Constantinopla

    Com escassez de alimentos, os cruzados acampados s portas de

    Constantinopla esperavam que Alexius I Comneno, que tinha

    solicitado a sua ajuda, alimentasse a vasta multido, reforada pelos

    miserveis sobreviventes da Cruzada Popular. Outros populares

    pobres, sem equipamento, armas e armaduras adequadas para a

    campanha militar, tinham acompanhado os vrios nobres. Pedro o

    Eremita, que se juntara Cruzada dos Nobres em Constantinopla, foi

    responsabilizado pelo bem-estar destes pauperes, que assim se

    organizaram em pequenos grupos, geralmente liderados por um

    nobre tambm empobrecido.

    O imperador bizantino estava apreensivo quanto a esta multido,

    frequentemente hostil, que provocara incidentes com os povos dos

    locais por onde passava, para alm da sua experincia anterior com

    os peregrinos da Cruzada Popular. Alm disso, o seu velho inimigo

    Boemundo de Taranto liderava parte da expedio.

    Pretendendo exercer algum controlo sobre os cruzados, em troca de

    provises e transporte para a sia Menor, Alexius exigiu que os

    lderes da cruzada lhe prestassem um juramento de vassalagem e

    prometessem entregar ao controlo bizantino todas as terras que

    conquistassem aos turcos. O brao de ferro entre orientais e

    ocidentais quase levou a um conflito armado em grande escala na

    capital do imprio.

    Sem alternativa, a maioria dos lderes sujeitou-se ao juramento, que

    acabariam por no cumprir. Outros, como Tancredo de Hauteville,

    recusaram-se terminantemente, e Alexius acabou por ceder em

    fornecer provises e transporte a todos. Raimundo IV de Toulouse

    ter sido o mais hbil poltico, evitou fazer o juramento ao prometer

    vassalagem ao imperador apenas se este liderasse pessoalmente a

    cruzada. O bizantino recusou, mas ambos se tornaram aliados,

    partilhando uma apreenso em comum sobre a pessoa de Boemundo.

    Na Anatlia

    Para acompanhar os cruzados atravs da sia Menor, Alexius

    enviou um exrcito bizantino liderado por um general chamado

    Tatizius. Conforme o acordado em Constantinopla, o seu primeiro

    objetivo era a tomada de Niceia, recentemente conquistada pelos

    seljcidas, e agora a capital do Sultanato de Rum. Boemundo de

    Taranto torna-se o principal lder da Primeira Cruzada no percurso

    de Constantinopla a Antioquia. Comandou um cerco algo ineficaz a

    Niceia, uma vez que no foi possvel controlar os movimentos no

    lago que cercava a cidade, e por onde esta continuava a poder

    receber abastecimentos e fazer comunicaes.

    O sulto Kilij Arslan I, fora da cidade, aconselhou os seus soldados a

    render-se se a sua situao se tornasse insustentvel. Temendo que

    os cruzados saqueassem Niceia e a destrussem, ou que no

    cumprissem o seu juramento de lhe entregar as suas conquistas no

    Levante, durante a noite Alexius I Comneno negociou em segredo a

    rendio da cidade ao Imprio Bizantino. Na manh de 19 de junho

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    de 1097 os cristos latinos surpreenderam-se ao ver o estandarte

    bizantino nas muralhas da cidade. Proibidos de saquear, s lhes foi

    permitida a entrada na cidade de pequenos grupos e sob a escolta

    bizantina.

    Sentindo-se trados pelos seus aliados, e depois de coagidos a prestar

    o juramento de vassalagem, a partir deste momento os cruzados

    comearam a se verem sozinhos na sua expedio, sem obrigaes

    para com os bizantinos. Para simplificar o problema dos

    abastecimentos, o exrcito cristo dividiu-se em dois grupos: na

    vanguarda, Boemundo, Tancredo de Hauteville, Roberto II da

    Normandia e Roberto II de Flandres, ainda acompanhados de foras

    imperiais; na retaguarda, Godofredo de Bulho, Balduno de

    Bolonha, Raimundo IV de Toulouse, Estvo de Blois e Hugo I de

    Vermandois. Estvo de Blois escreveu para a sua esposa neste

    perodo, dizendo acreditar que a marcha at Jerusalm demoraria

    cinco semanas. Na verdade, demoraria dois anos, e Estvo

    abandonaria a cruzada antes disso.

    No dia 1 de julho, o grupo de Boemundo foi cercado nas

    proximidades de Dorilia. Godofredo e mais alguns do segundo

    grupo vieram em auxlio de Boemundo, mas seriam as foras do

    legado Ademar de Monteil, provavelmente comandadas por

    Raimundo de Toulouse, que tornariam a batalha numa vitria

    decisiva dos cruzados. Kilij Arslan retirou e os cruzados

    continuaram quase sem oposio atravs da sia Menor, na direo

    de Antioquia. Pelo caminho conquistaram algumas cidades -

    Sozopolis, Iconium e Cesareia Mazaca - apesar de a maioria destas

    voltar para o domnio turco em 1101.

    Em pleno vero a marcha era difcil, e os cruzados tinham pouca

    comida e gua, por conta disso os homens e seus cavalos morriam

    em grande nmero. Apesar de ofertas de alimentos e dinheiro que

    por vezes recebiam de outros cristos na sia e na Europa, os

    peregrinos viam a sua sobrevivncia dependente de pilhagens aos

    poucos locais com recursos por onde passavam. Ao mesmo tempo,

    os diferentes lderes continuavam a disputar a primazia militar da

    expedio. Apesar de nenhum se conseguir afirmar decisivamente, a

    liderana espiritual era universalmente reconhecida no bispo Ademar

    de Monteil.

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    Em Heracleia Cibistra, Balduno de Bolonha e Tancredo de

    Hauteville separaram-se das restantes foras, entrando em conflito

    entre si pela posse de Tarso e outras praas que conquistariam aos

    cristos armnios, ambos tentando estabelecer os seus feudos no

    Levante. Mas a situao nunca passou de pequenas escaramuas,

    tendo Tancredo acabado por continuar a sua marcha para Antioquia.

    Depois de se juntar ao exrcito principal em Marach, Balduno

    recebeu o convite de um armnio chamado Bagrat e seguiu para

    leste, em direo ao rio Eufrates, onde tomou a fortaleza de

    Turbessel. Depois recebeu outro convite, desta vez de Teodoro de

    Edessa, um ortodoxo grego em conflito com a ortodoxia armnia dos

    seus sbditos. Balduno foi-se impondo na poltica deste isolado

    domnio, depois ameaou partir para se juntar aos restantes cruzados,

    obrigando o governante a adot-lo como filho e herdeiro. Teodoro

    foi assassinado no dia 9 de maro de 1098 e Balduno sucedeu-o,

    tomando o ttulo de conde e assim criando o primeiro estado

    cruzado: o Condado de Edessa.

    Conquista de Antioquia

    Os cruzados tinham ouvido o rumor que Antioquia tinha sido

    abandonada pelos turcos seljcidas, pelo que se apressaram a tom-

    la. Mas ao chegar aos arredores da cidade em 20 de outubro,

    verificou-se que esta ainda estava ocupada e disposta a oferecer

    grande resistncia, protegida por imponentes muralhas. Alm disso,

    a cidade era to grande que os invasores no tinham homens

    suficientes a cerc-la eficazmente, pelo que foi parcialmente

    abastecida pelo exterior.

    A Batalha de Antioquia

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    Durante os oito meses do cerco, em que tiveram de combater contra

    um exrcito de Damasco e outro de Alepo, os cruzados passaram por

    grandes dificuldades. Foram forados a comer at os prprios

    cavalos ou, conforme as lendas, os corpos dos companheiros cristos

    que no sobreviveram. Estvo de Blois e Hugo I de Vermandois

    abandonaram esta expedio, acabando depois por aderir Cruzada

    de 1101 para cumprir o seu voto. Balduno de Edessa enviou

    dinheiro e mantimentos ao exrcito latino, apesar de no participar

    pessoalmente na ao militar.

    Face s dificuldades do cerco, Boemundo de Taranto viu a ocasio

    de tomar um domnio para si. Imediatamente ameaou, com o

    pretexto da demora, voltar Itlia para trazer reforos, mas as suas

    capacidades estratgicas e a importncia do contingente que o

    acompanhava eram absolutamente necessrias cruzada. Por isso

    foi-lhe prometido tudo o que quisesse para continuar. Entretanto a

    partida de Tatizius, o representante do Imprio Bizantino, deu-lhe

    um pretexto para alegar uma traio, o que podia autorizar os

    cruzados a considerarem-se livres do seu juramento a Alexius I

    Comneno.

    Quando chegaram notcias da aproximao de Kerbogha de Mossul,

    Boemundo pressionou um sentinela armnio, com quem trocava

    comunicaes, para permitir a entrada de um pequeno grupo de

    cruzados para abrir as portas da cidade ao exrcito principal. O plano

    teve lugar no dia 3 de junho de 1098, seguindo-se o massacre dos

    habitantes muulmanos da cidade.

    Somente quatro dias depois, Kerbogha chegou para sitiar o exrcito

    cruzado. Devido ao longo cerco a que tinham sujeitado Antioquia,

    havia pouco alimento e a peste alastrava-se. Alexius I Comneno

    vinha a caminho para auxiliar os cruzados, mas voltou para trs ao

    ouvir as notcias de que a cidade j tinha sido retomada.

    No entanto estes ainda resistiam, moralizados por um monge

    chamado Pedro Bartolomeu que afirmou ter descoberto a lana do

    destino, que ferira o flanco de Cristo na cruz. Com esta relquia

    sagrada frente do exrcito, marcharam ao encontro dos

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    muulmanos, a quem derrotaram miraculosamente - milagre

    segundo os cruzados, que afirmavam ter surgido um exrcito de

    anjos para combater juntamente com eles na batalha.

    Boemundo pretendeu tomar Antioquia para seu domnio, mas nem

    todos os outros lderes concordaram particularmente Raimundo IV

    de Toulouse, e a cruzada atrasou enquanto os nobres criavam

    partidos e discutiam. Historicamente pode-se dizer que os francos do

    norte da Frana, os provenais do sul da Frana e os normandos do

    sul da Itlia se consideravam "naes" separadas no todo do

    exrcito, e que cada contingente se unia para ganhar poder sobre os

    outros. Este pode ter sido um dos motivos para as disputas, mas a

    ambio pessoal dos lderes ter tambm tido um peso muito

    importante.

    As atrocidades dos cruzados

    Entretanto, a fome e a peste (provavelmente tifo) alastravam,

    matando inclusivamente o nico lder incontestado e principal

    unificador da expedio, Ademar de Monteil. Em Dezembro, a

    cidade de Ma'arrat al-Numan foi conquistada depois de um cerco,

    seguindo-se o marcante incidente de um novo massacre e do

    canibalismo dos cruzados aos habitantes locais. Descontentes, os

    nobres menores e os soldados ameaaram seguir para Jerusalm sem

    os seus lderes mais notveis. Sob esta presso, no incio de 1099,

    Raimundo de Toulouse (o mais carismtico devido sua crena no

    poder da santa lana) liderou a marcha para a cidade santa, deixando

    Boemundo livre para se estabelecer no seu Principado de Antioquia -

    o segundo estado cruzado.

    Conquista de Jerusalm

    Entre dezembro de 1098 e janeiro de 1099, Roberto II da Normandia

    e Tancredo de Hauteville tornaram-se vassalos do poderoso e rico

    Raimundo IV de Toulouse. Godofredo de Bouillon, apoiado pelo seu

    irmo Balduno de Edessa, recusou-se.

    Em 13 de janeiro, Raimundo iniciou a marcha em direo ao sul,

    descalo e vestido como um peregrino, percorrendo a costa do mar

    Mediterrneo. Os cruzados enfrentaram pouca resistncia, uma vez

    que os pouco poderosos governantes muulmanos locais preferiram

    comprar uma paz com provises em vez de lutar. Tambm

    provvel que estes, pertencentes ao ramo sunita do Isl, preferissem

    o controle de estrangeiros ao governo xiita dos fatmidas.

    No meio do caminho encontrava-se o emirado de Trpoli. Em 14 de

    Fevereiro o conde de Toulouse iniciou o cerco de Arqa, uma cidade

    deste domnio. Provavelmente, uma das suas intenes seria fundar

    um territrio independente em Trpoli que limitasse a capacidade de

    Boemundo expandir o seu principado para sul. Mas o cerco demorou

    mais do que o previsto e, apesar de algumas conquistas menores no

    local, o atraso da cruzada para Jerusalm fez-lhe perder muito do

    apoio que ganhara em Antioquia.

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    A cruzada prosseguiu no dia 13 de maio, ao longo da regio costeira,

    passando por Beirute no dia 19 e Tiro a 23. Em Jaffa abandonaram a

    costa e em 3 de junho alcanaram Ramla, que tinha sido abandonada

    pelos seus habitantes. No dia 6 Godofredo enviou Gasto IV de

    Barn e Tancredo de Hauteville para a bem sucedida conquista de

    Belm, e em 7 de junho de 1099 os cruzados chegaram a Jerusalm,

    acampando no exterior da cidade. O exrcito cristo ficara reduzido

    a cerca de 1.200/1.500 cavaleiros e 12.000/20.000 soldados de

    infantaria, carentes de armas e provises.

    Godofredo de Bouillon comandando os Cruzados

    Um padre chamado Pedro Desiderius ofereceu uma soluo de f:

    afirmou que uma viso divina lhe tinha dado instrues para que os

    cristos jejuassem e depois marchassem descalos em procisso ao

    redor das muralhas da cidade; estas cairiam em nove dias, da mesma

    forma que a Bblia relata ter acontecido com Josu no cerco de

    Jeric. A procisso realizou-se no dia 8 de julho.

    Entretanto, uma frota da Repblica de Genova liderada por

    Guilherme Embriaco desmantelara os seus navios para construir

    torres de assalto com a sua madeira, com as quais foi possvel

    derrubar seces das muralhas. O ataque principal ocorreu nos dias

    14 e 15 de julho (uma sexta-feira santa, sete dias depois da

    procisso). Vrios nobres reclamaram a honra de terem sido os

    primeiros a penetrar na cidade. Segundo uma das crnicas da poca,

    a exata sequncia teria sido: Letoldo e Gilberto de Tournai, depois

    Godofredo de Bouillon e o seu irmo Eustquio III de Bolonha,

    Tancredo e os seus homens. Outros cruzados entraram pela antiga

    entrada dos peregrinos.

    Durante a tarde e noite do dia 15 e manh do dia seguinte, os

    cruzados massacraram a populao de Jerusalm, muulmanos,

    judeus e cristos do oriente. Godofredo de Bouillon no teria

    participado deste ato violento, Tancredo de Hauteville e Raimundo

    de Toulouse teriam tentado proteger alguns grupos da fria

    assassina, mas na generalidade falharam: a maioria dos relatos s

    diverge na descrio da quantidade de cadveres amontoados ou de

    sangue que escorria pelo cho - segundo um cronista "Nunca

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    ningum tinha visto ou ouvido falar de tal mortandade de infiis. A

    estimativa do nmero de mortos varia entre 6.000 e 40.000. Segundo

    o arcebispo Guilherme de Tiro, os prprios vencedores ficaram

    impressionados de horror e descontentamento.

    Protetor do Santo Sepulcro

    Assim que a tomada da cidade foi concluda, era necessrio

    estabelecer um governo. A 22 de julho, realizou-se um conclio na

    Igreja do Santo Sepulcro. Raimundo IV de Toulouse foi o primeiro a

    recusar o ttulo de rei, talvez tentando provar a sua piedade, mas

    provavelmente esperando que os outros nobres insistissem na sua

    eleio.

    Godofredo de Bouillon, que se tornara o nobre mais popular depois

    das aes do conde de Toulouse no cerco de Antioquia, aceitou o

    cargo de lder secular, mas recusou-se a ser coroado rei na cidade

    onde Cristo usara a coroa de espinhos. O seu ttulo ficou assim mal

    definido - teria sido Advocatus Sancti Sepulchri (Protetor do Santo

    Sepulcro), princeps (prncipe) ou dux (duque). A eleio de

    Godofredo desagradou Raimundo que saiu com o seu exrcito para

    cercar Trpoli.

    No dia 12 de agosto ocorreu a ltima batalha da Primeira Cruzada,

    com a relquia da cruz na qual Jesus teria sido crucificado

    (descoberta no dia 5) na vanguarda do exrcito em Ascalon,

    Godofredo de Bouillon e Roberto II de Flandres venceram os

    fatmidas. Depois disto, a maioria dos cruzados, entre os quais o

    prprio Roberto de Flandres e Roberto da Normandia, consideraram

    os seus votos cumpridos e voltou para a Europa. Segundo Fulcher de

    Chartres, apenas algumas centenas de cavaleiros permaneceram no

    reino recm-formado.

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    A Cruzada de 1101

    O sucesso da Cruzada dos Nobres e a necessidade de reforos para a

    defesa dos novos estados cruzados, depois do regresso dos

    peregrinos que consideraram o seu voto cumprido, levaram o papa

    Pascoal II, sucessor de Urbano II a incentivar uma nova expedio.

    A presso para partir para a Terra Santa foi ainda maior para os que

    tinham tomado a cruz, mas no tinham chegado a sair da Europa, ou

    para os que abandonaram a Primeira Cruzada antes da conquista de

    Jerusalm. Alvos de piadas ou desprezo pelas suas famlias e

    ameaados de excomunho pelo clero, nobres como Estvo de

    Blois e Hugo I de Vermandois lideraram uma nova peregrinao: a

    Cruzada de 1101.

    Em Nicomdia, a Estvo de Blois se juntaram os lombardos de

    Anselmo IV, arcebispo de Milo, o conde Estvo I da Borgonha o

    duque Odo I da Borgonha e Conrado, condestvel do imperador

    Henrique IV da Germnia. Os bizantinos do general Tatizius

    reforaram o contingente, e a liderana da expedio passou para

    Raimundo IV de Toulouse.

    Depois de conquistarem Ancara, que ficou em poder de Alexius I

    Comneno, cercaram Gangra e depois tentaram conquistar

    Kastamonu, onde foram acossados pelos seljcidas. Depois se

    dirigiram para Mersivan, territrio dos danismendidas, para tentar

    resgatar o aprisionado Boemundo I de Antioquia. Na batalha que se

    seguiu, foram derrotados pelo sulto Kilij Arslan I, aliado s foras

    de Alepo. Os bizantinos e os lderes Raimundo de Toulouse, Estvo

    de Blois e Estvo da Borgonha fugiram para Constantinopla. Pouco

    depois de o primeiro contingente sair de Nicomdia, chegou o

    exrcito do conde Guilherme II de Nevers. Este fracassou no cerco a

    Iconium e depois foi emboscado por Kilij Arslan I em Heraclea

    Cybistra, onde as suas foras foram aniquiladas, tendo sobrevivido

    apenas o conde e alguns dos seus homens.

    Depois de Guilherme II de Nevers ter sado de Constantinopla,

    chegava um terceiro exrcito, comandado por Guilherme IX da

    Aquitnia, Hugo I de Vermandois e Guelfo I da Baviera. Parte destes

    seguiu para a Palestina por navio; os restantes repetiram a expedio

    de Nevers, dirigindo-se para Heraclea Cybistra, sendo emboscados

    pelo sulto danismendida e os poucos sobreviventes, entre os quais

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    os trs lderes, fugindo para territrio bizantino. Mais uma vez sob a

    liderana de Raimundo de Toulouse, os sobreviventes reorganizados

    e reforados por mais peregrinos conquistaram Tartuos, com a ajuda

    de uma frota genovesa, chegando a Antioquia no final do ano de

    1101, e a Jerusalm na Pscoa de 1102.

    As derrotas da Cruzada de 1101 tiveram como consequncia o

    estabelecimento do poder danismendida e da sua capital em Konya,

    e uma nova atitude dos muulmanos, que agora sabiam que os

    cruzados no eram invencveis, como parecera durante a Cruzada

    dos Nobres. Cruzados e bizantinos culparam-se mutuamente pelo

    fracasso, que deixava como nico trajeto para a Terra Santa o

    martimo, que beneficiava as cidades-estados italianas, os

    navegadores mais bem sucedidos da poca. O Principado de

    Antioquia tambm beneficiou de no haver uma ligao entre os

    estados cruzados e o Imprio Bizantino, podendo assim manter a sua

    independncia.

    Por alguns anos, no houve mais Cruzadas, e os territrios cristos

    no oriente tiveram que se manter por conta prpria. Assumiram

    como padroeiro So Jorge da Capadcia, exemplo de cavaleiro

    cristo, e seu braso de armas, a cruz vermelha em um escudo

    branco.

    Entretanto ordens de monges cavaleiros foram formadas para lutar

    pelas terras sagradas e cuidar dos peregrinos. Os cavaleiros

    templrios e hospitalrios eram, em sua maioria, francos ou seus

    vassalos. Os cavaleiros teutnicos (Teutonicorum) eram germnicos.

    Esses eram os mais organizados, bravios e determinados do que os

    cruzados, mas nunca suficientes para fazer a regio ficar segura. Os

    reinos cruzados sobreviveram por um tempo, em parte porque

    aprenderam a negociar, conciliar e jogar os diferentes grupos rabes

    uns contra os outros.

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    Anlise da Primeira Cruzada:

    Estados Cruzados

    A consequncia geopoltica mais marcante da Primeira Cruzada foi o

    estabelecimento dos estados cruzados no Levante: condado de

    Edessa, Principado de Antioquia, Reino Latino de Jerusalm e

    Condado de Trpoli, bem como o fortalecimento de outras unidades

    polticas crists na Anatlia: Imprio Bizantino e Reino Armnio da

    Cilcia.

    Quando Godofredo de Bouillon morreu em 1100, o seu irmo

    Balduno I de Edessa foi eleito primeiro rei de Jerusalm. Durante a

    sua histria, este estado foi frequentemente o suserano dos restantes,

    que apesar disso mantiveram um elevado grau de independncia. O

    sistema feudal europeu foi adotado no Oriente, com algumas

    alteraes.

    O sucesso da expedio encorajou mais peregrinos a tomarem a

    cruz, agora em nmeros menores, no mais formando vastos

    exrcitos. Os estados cruzados dividiam-se em faces polticas com

    base nas suas origens europeias: francos dos domnios diretos da

    coroa francesa, normandos do sul da Itlia, Normandia e Inglaterra,

    lombardos, provenais, aquitnios, burgndios, flamengos,

    germnicos. Os povos anteriormente presentes nestes territrios,

    muulmanos, judeus, armnios e outros cristos ortodoxos - no

    possuam poder efetivo e foram dominados pelos latinos.

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    Desde o incio das cruzadas houve com conflito com o Imprio

    Bizantino, os governantes ocidentais agravaram as relaes com

    Constantinopla ao renegar os juramentos dos lderes da Cruzada dos

    Nobres, substituir os patriarcas da Igreja Ortodoxa Bizantina pelos

    oriundos da Igreja Crist Ocidental, e frequentemente atacar

    territrios imperiais. Como minoria entre os muulmanos e

    ortodoxos da regio, os estados latinos mantinham-se em constante

    estado de guerra, construindo castelos e contratando mercenrios,

    pilhando ou conquistando mais territrios aos seus vizinhos. Por

    aproximadamente um sculo, os trs poderes acabaram por se

    manter em um conflito de guerrilha, com vrias alianas pontuais,

    por vezes opondo muulmanos ou latinos entre si. Estes ltimos

    possuam a cavalaria pesada, mais eficaz num ataque corpo-a-corpo,

    mas mais lenta que os cavaleiros muulmanos, que podiam cavalgar

    ao redor dos inimigos usando a sua percia de arqueiros.

    Uma vez que trs dos quatro estados cruzados localizavam-se no

    litoral, as frotas das cidades-estados mercantis italianas,

    nomeadamente Genova e Veneza, tornaram-se fundamentais para a

    sobrevivncia destes estados: permitiram a chegada de reforos e a

    intercepo das esquadras muulmanas, tornando novamente o

    Mediterrneo num mar navegvel para os ocidentais.

    Peregrinos

    Apesar de se dar o nome de Cruzada a este conjunto de expedies,

    deve-se salientar que o termo Cruzada foi uma criao do incio do

    sculo XIII, que surge documentado em latim apenas um sculo aps

    a conquista da Cidade Santa. Estes primeiros cruzados viam-se

    assim simplesmente como peregrinos (peregrinatores) em viagem

    (iter), e foram assim referidos pelos cronistas seus contemporneos.

    Ao tomarem a cruz, juravam alcanar o Santo Sepulcro, e se no

    cumprissem este voto arriscavam a excomunho, como aconteceu

    com Estvo de Blois. As peregrinaes eram abertas a todos os

    cristos, mas mulheres, idosos ou doentes eram desencorajadas,

    apesar de no impedidos. E o fato de usarem armas para atacar e se

    defenderem dos infiis era apenas mais um componente que

    valorizava a peregrinao. Assumiam como padroeiro So Jorge da

    Capadcia, exemplo do cavaleiro cristo, e o seu braso de armas, a

    cruz vermelha num escudo branco. Era assim criado o guerreiro

    peregrino, com direito indulgncia e ao estatuto de mrtir, se

    morresse em batalha.

    As motivaes dos cruzados variavam entre a ambio de criar

    novos feudos, dever de acompanhar o seu senhor feudal, redeno

    dos pecados e bno espiritual, ou a busca da glria em batalha. A

    ambio de ganhos materiais ter tido tambm alguma influncia,

    uma vez que na Reconquista, da qual participou, por exemplo,

    Raimundo IV de Toulouse, muitos guerreiros conseguiram obter o

    lucro das pilhagens ou parte das terras reconquistadas, poder-se-ia

    esperar lucros semelhantes ou superiores nos mais vastos territrios

    do ultramar.

    Mas as expedies provaram ser extremamente dispendiosas, mais

    facilmente suportadas por nobres poderosos de famlias abastadas,

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    como Hugo I de Vermandois. E mesmo estes foram frequentemente

    forados a vender parte das suas terras para obter verbas, uma vez

    que era necessrio que partissem da Europa com dinheiro para toda a

    durao da cruzada. Muitas vezes as vendas eram feitas Igreja,

    como fez Godofredo de Bouillon, o que aumentava ainda mais a

    piedade dos peregrinos.

    Este dinheiro acabava sempre por render menos do que o esperado,

    uma vez que um grande nmero de recm-chegados a terras

    estranhas, tentando comprar provises, aumentava a procura em

    relao oferta. Outros endividaram tambm os seus familiares, ou

    acabaram por forar estes a tomar a cruz, de forma a os sustentar e

    outros foram proibidos de aderir cruzada devido s suas

    responsabilidades na Europa.

    O povo e os cavaleiros de menos posses (minores), em oposio aos

    de alto estatuto (principes), s poderiam contar com as esmolas que

    o seu estatuto de peregrinos lhes conferia, para se manterem na

    expedio. Em alternativa, podiam colocar-se ao servio de um

    prncipe, como fez Tancredo de Hauteville com o seu tio Boemundo

    de Taranto. As cruzadas seguintes seriam organizadas por reis e

    imperadores, que custeavam as suas despesas por meio de um

    imposto de cruzada aos seus sbditos.

    Os sobreviventes que voltavam Europa Ocidental depois de terem

    chegado a Jerusalm eram tratados como heris. Roberto II de

    Flandres recebeu a alcunha de Hierosolymitanus (o de Jerusalm),

    Godofredo de Bouillon tornou-se um personagem lendrio que

    encarnava o ideal da cavalaria, pouco depois da sua morte. Mas

    muitas vezes a situao poltica das terras natais dos nobres cruzados

    foi afetada pelas suas ausncias: por exemplo, Roberto II da

    Normandia perdeu o trono ingls para o seu irmo Henrique I da

    Inglaterra.

    Bizantinos e muulmanos

    O estabelecimento dos estados cruzados no Levante inverteu por

    algumas dcadas o ascendente blico dos turcos seljcidas frente ao

    Imprio Bizantino. Estes conseguiram reconquistar parte do seu

    territrio na Anatlia e usufruir de um perodo de relativa paz e

    prosperidade no sculo XII, at se tornarem vtimas da Quarta

    Cruzada.

    Tal como na Reconquista, o sucesso da Primeira Cruzada deveu-se

    em grande parte rivalidade entre os pequenos estados muulmanos,

    que se manteve mesmo face bvia brutalidade dos novos invasores.

    Eventualmente foi estabelecido um sistema em que cidades-estados

    como Damasco, ou sultanatos como o dos fatmidas do Egito, se

    aliaram ou pagavam um tributo aos estados latinos. Mas os excessos

    do zelo religioso cristo acabariam por propiciar a ascenso de

    carismticos lderes islmicos.

    Em 1144, depois de unificar a Sria e o norte do Iraque, Imad ad-Din

    Zengi conseguiu poder suficiente para derrotar e expulsar os cristos

    do Condado de Edessa, o que originaria a fracassada Segunda

    Cruzada. O seu filho Nur ad-Din prosseguiria esta poltica e o

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    sucessor deste, Saladino, reconquistaria a cidade de Jerusalm em

    1187. Por fim, em 1291 os mamelucos erradicariam a presena latina

    no Levante.

    O legado das cruzadas

    As cruzadas influenciaram a cavalaria europeia e, durante sculos,

    sua literatura. Se por um lado aprofundaram a hostilidade entre o

    cristianismo e o Isl, por outro estimularam os contatos econmicos

    e culturais para benefcio permanente da civilizao europeia. O

    comrcio entre a Europa e a sia Menor aumentou

    consideravelmente e a Europa conheceu novos produtos, em

    especial, o acar e o algodo. Os contatos culturais que se

    estabeleceram entre a Europa e o Oriente tiveram um efeito

    estimulante no conhecimento ocidental e, at certo ponto,

    prepararam o caminho para o Renascimento.

    Ordens militares

    Pouco depois do estabelecimento dos estados cruzados, foram

    criadas ordens militares: os Hospitalrios em 1113 e os Templrios

    em 1118, na maioria de origem franca; e os Teutnicos de origem

    germnica. De forma a proteger os territrios cristos, os lderes dos

    estados cruzados atriburam-lhes o domnio de diversas fortalezas na

    Terra Santa.

    Estas ordens de monges cavaleiros, disciplinadas e tomadas de zelo

    religioso, refletiam a nova atitude do papado, que encarava a guerra

    santa como penitncia pelos pecados. Nascia assim o guerreiro

    religioso e reinventava-se o ideal da cavalaria.

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    Ordens Religiosas de Cavalaria;

    Ordem dos Templrios

    Subordinao: Papado

    Misso: Ordem militar do cristianismo ocidental

    Denominao: Ordem do Templo, Ordem dos Pobres Cavaleiros de

    Cristo e do Templo de Salomo, Templrios.

    Criao: 1119

    Extino: 1312

    Patrono: So Bernardo de Claraval

    Lema: No para ns Senhor, mas para a glria do teu Nome.

    Vestimentas: Manto branco com uma cruz vermelha

    Guerras e Batalhas: As Cruzadas.

    Incluindo:

    Cerco de Ascalon (1153),

    Batalha de Montgisard (1177),

    Batalha de Hattin (1187),

    Cerco de Acre (1190-1191),

    Batalha de Arsuf (1191),

    Cerco de Acre (1291)

    Guerra de Reconquista

    Logstica: Efetivo: 15.00020.000 membros em seu pice, 10% dos

    quais eram cavaleiros.

    Comando:

    Primeiro Gro-Mestre: Hugo de Payens

    ltimo Gro-Mestre: Jacques de Molay

    Quartel-general: Monte do Templo, Jerusalm.

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    A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e d