Critica Brasileira Sec Xxi

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  • 3 A literatura brasileira de 1990 a 2004

    Este captulo ser dedicado a um panorama da literatura brasileira produzida a

    partir de 1990, ano que marca o incio do perodo a que se dedica o presente estudo.

    Aqui, como nos captulos que se seguem, a produo literria brasileira desse perodo

    ser chamada de literatura brasileira contempornea. Este panorama, que dever

    ocupar-se principalmente da prosa, dada a pouca importncia da poesia brasileira em

    traduo, estar acompanhado de uma anlise sobre a recepo e a veiculao de

    obras literrias contemporneas no polissistema literrio brasileiro. A importncia de

    um panorama como este em um estudo descritivista sobre a literatura brasileira

    traduzida est na necessidade de se examinar a produo literria no polissistema de

    origem, do ponto de vista de pessoas e entidades ligadas literatura e que atuam na

    formao do polissistema literrio brasileiro, moldando-o e, de certa maneira,

    influenciando tambm na formao do sistema de literatura brasileira traduzida, em

    ingls ou qualquer outro idioma. Com o objetivo de chegar a concluses sobre a

    seleo de ttulos e os critrios de reescrita da literatura brasileira traduzida para o

    ingls, a anlise descritivista que aqui se prope estar mais bem fundamentada com

    um mapeamento do polissistema literrio de origem.

    A partir de uma associao da produo literria contempornea com a

    retomada da democracia e a globalizao (no apenas a globalizao da economia e

    suas conseqncias socioeconmicas, mas tambm a globalizao de costumes,

    comportamentos e hbitos de consumo), este panorama levar em conta alguns fatos

    da histria recente da sociedade brasileira e incluir tambm uma breve discusso

    sobre a recepo da literatura brasileira dos ltimos 14 anos, especialmente o

    romance e o conto, no ambiente literrio brasileiro e na crtica acadmica - tanto a de

    orientao modernista como a dos adeptos dos estudos culturais e a veiculada em

    revistas especializadas e suplementos literrios de jornais de grande distribuio.

    Dessa maneira, por acreditar na influncia da feio do polissistema literrio

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    brasileiro na seleo de ttulos para traduo, estaremos assentando neste captulo as

    bases para a discusso sobre o conceito de patronagem de Andr Lefevere, que

    procura determinar as foras atuantes na formao de um polissistema de literatura

    traduzida. A discusso ser levada adiante no captulo 4, em relao recepo e

    veiculao de obras no polissistema meta, o anglfono, e no captulo 5, em que sero

    levadas em conta questes relativas ao mercado editorial e venda de ttulos para

    traduo no mercado internacional de livros.

    3.1 Gerao 90?

    A literatura brasileira contempornea j tem seus nomes de peso. No so

    muitos num tempo em que se fala de crise na produo literria, mas so nomes que

    j ocupam um lugar no territrio sacralizado da literatura cannica. Fala-se, por

    exemplo, de um Bernardo Carvalho, ganhador do Jabuti em 2004 com o romance

    Monglia, e de um Milton Hatoum, autor amazonense que j conquistou o prmio

    duas vezes, com Relato de um certo oriente (1990) e Dois irmos (2001). claro que

    esses so apenas dois nomes num universo muito maior, que tambm deve incluir

    autores surgidos em dcadas anteriores ainda em plena atividade literria, como

    Antnio Torres, Joo Gilberto Noll, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar e Nlida

    Pion.

    Os tempos recentes viram surgir tambm outros nomes que ainda no tm

    reconhecimento semelhante. Reunidos nas antologias Gerao 90: Manuscritos de

    Computador e Os transgressores, esses autores, segundo o organizador das obras,

    Nelson de Oliveira (2003), so prosadores das mais diversas naturezas, defensores

    das mais diferentes posturas. Entre eles esto Ademir Assuno, Altair Martins,

    Andr SantAnna, Arnaldo Bloch, Cludio Galperin, Daniel Pellizzari, Edyr Augusto,

    Fausto Fawcett, Fernando Bonassi, Ivana Arruda Leite, Joo Carrascoza, Joca

    Reiners Terron, Jorge Pinheiro, Luci Colin, Marcelino Freire, Marcelo Mirisola,

    Ronaldo Bressane, Rubens Figueiredo e Simone Campos. Alm dos nomes citados,

    no podemos deixar de lembrar Chico Buarque e Patrcia Melo, que se tornaram

    sucesso de vendas.

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    Todos esses autores surgiram nos anos 1990. Hatoum e Carvalho j esto acima

    do bem e do mal; so autores consagrados, reconhecidos pela crtica e valorizados no

    meio literrio. Outros dois representantes da dcada, Luiz Ruffato e Maral Aquino,

    tambm includos na seleo de Nelson de Oliveira para as duas antologias citadas,

    tambm j tm o reconhecimento da crtica. Estes tambm j receberam o Prmio

    Jabuti - o mais importante prmio literrio do pas, institudo pela Cmara Brasileira

    do Livro em 1959. O grupo de Gerao 90 e Os transgressores tem recebido crticas

    calorosas, elogiosas ou no. O limite entre o reconhecimento e a rejeio est

    relacionado velha histria da tenso entre o cnone literrio oficial e outras

    expresses literrias marginais ou perifricas. Pelos motivos j citados, a discusso

    que se segue sobre o panorama da literatura brasileira contempornea tratar das

    foras que impem tenso a essa relao, com base no que dizem crticos,

    professores, escritores e pessoas ou instituies ligadas literatura

    Para melhor cumprir o objetivo que aqui se prope, ser necessrio voltarmos

    no tempo at meados dos anos 1980, quando o fim da ditadura militar trouxe grandes

    mudanas estruturais para o Brasil e o processo de abertura poltica, iniciado no final

    dos anos 1970, colocou no poder um governo civil que, embora eleito indiretamente,

    conseguiu apoio popular. verdade que houve uma grande frustrao com o

    insucesso da campanha pelas eleies diretas e que o verdadeiro sabor da democracia

    s se sentiu mesmo com a realizao do primeiro pleito livre em 1990. Mas a chegada

    do primeiro presidente civil em 22 anos, a volta dos exilados e o fim da censura nos

    devolveu a sensao de liberdade e o orgulho da brasilidade. A abertura poltica

    parece ter despertado em alguns escritores brasileiros um certo ufanismo e a

    necessidade de resgatar valores nacionais. Segundo Beatriz Resende (2004),

    pesquisadora do PACC - Programa Avanado de Cultura Contempornea, vinculado

    Universidade Federal do Rio de Janeiro1, nesse perodo, vimos ganhar fora uma

    1 De acordo com o stio do PAAC, em o programa, criado em 1994, um projeto de ensino, pesquisa e documentao em Estudos Culturais, vinculado ao Frum de Cincia e Cultura da UFRJ. Abriga contribuies interdisciplinares produzidas nos centros de ps-graduao e departamentos da UFRJ, alm de estabelecer articulaes com outras entidades acadmicas dedicadas pesquisa no campo da cultura contempornea, Centros Culturais e organizaes da sociedade civil, no pas e no exterior.

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    literatura territorial, geralmente ambientada em cidades brasileiras, com temas

    caracteristicamente nacionais. Para ela,

    Os anos 80, no Brasil, tero uma feio bem definida. O regime militar se esgota, inicia-se a abertura negociada que tem 1984 como marco. Os princpios do Modernismo, que foram revitalizados nos anos 60, estavam longe de serem discutidos. O que caracteriza o perodo uma exacerbada preocupao com a afirmao da identidade nacional. Antnio Callado, Darcy Ribeiro (com seu segundo romance O Mulo) - os dois maravilhosos utopistas que acabamos de perder - e mesmo Jorge Amado (com Tocaia Grande) mas sobretudo Joo Ubaldo Ribeiro, com Viva o Povo Brasileiro, ocupam-se da questo da brasilidade, confiantes de que a afirmao da identidade uma atitude libertria, necessria afirmao e independncia de um povo.

    O aspecto da territorialidade, ou essa forte tendncia a valorizar a cor local

    importante nesses autores, mas tambm se expressa na prosa de temtica urbana, que,

    ao contrrio do tom de exaltao dos valores nacionais a que Resende se refere como

    uma caracterstica da dcada, pe a nu as mazelas da sociedade.

    H muito presente na literatura brasileira, o cenrio urbano ganha destaque e se

    torna atraente justamente quando o processo de modernizao da indstria nacional,

    incrementado nos anos da ditadura, traz para as grandes cidades a populao rural.

    Rubem Fonseca, que teve sua estria em 1963 com os contos de Os prisioneiros,

    soube, como nenhum outro escritor brasileiro, registrar o cotidiano da cidade e a vida

    urbana moderna. A violncia o tema dominante de sua obra, seja ela decorrente de

    circunstncias sociais, seja alimentada pelo fascnio que alguns indivduos

    experimentam pelo mal. A brutalidade narrada em pormenores, mais do que

    destrinar o ato criminoso, expe a realidade cruel, a misria humana e o drama da

    solido dos indivduos das grandes metrpoles. Rubem Fonseca cria uma espcie de

    escola e faz seguidores, dentre os quais o nome de maior destaque o de Patrcia

    Melo.

    Na dcada de 1990, Beatriz Resende, inversamente ao que diagnosticou no

    perodo anterior, v crescer a importncia de autores que, em lugar de se preocuparem

    com a ambientao como nos anos 1980, buscavam a desterritorializao da

    narrativa, criando cenrios onde uma rua pode ser qualquer rua, uma cidade, qualquer

    cidade ou cidade nenhuma. Nessa tendncia, o no-lugar o espao de

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    redimensionamento das relaes humanas, do encontro do eu com o outro na busca

    de si mesmo e na constatao de que a identidade nunca absoluta: a alteridade

    sempre constitutiva da individualidade. J estava consolidada ento a importncia de

    Joo Gilberto Noll, surgido na dcada de 1980, cuja narrativa faz aluso a lugares

    transitrios, peregrinaes, cenrios anistricos e atemporais, num contraponto

    literatura territorial a que me referi anteriormente.

    Certamente, os anos 1980 vo muito alm de Joo Gilberto Noll, Joo Ubaldo

    Ribeiro e Rubem Fonseca, mas esses trs autores podem representar bem o que

    pretendo mostrar sobre a passagem dos anos 1980 aos anos 1990. Joo Ubaldo

    Ribeiro e Viva o povo brasileiro podem, sim, representar a literatura de tom ufanista e

    de afirmao da identidade nacional, caracterstica da dcada de 1980 (mas que no a

    caracterizou). verdade tambm que o assunto se esgotou e mesmo o autor que

    Resende cita como o mais representativo desse perodo encontrou novos caminhos.

    Sustenta-se tambm que o aspecto da territorialidade no se limitava a esse texto de

    tom patritico que Resende diz ter perdido fora nos anos 1990. Ele tambm estava

    presente na nova temtica urbana de Rubem Fonseca e, se tendeu a desaparecer entre

    alguns dos nomes mais notveis dos anos 1990, que fez surgir Bernardo Carvalho e

    Chico Buarque, viu-se fortalecido na fico dos seguidores de Fonseca e chegou

    mesmo a extrapolar os limites do razovel na prosa documentalista, quase fotogrfica,

    freqentemente criticada por fazer um retrato gratuito da violncia.

    Temos, portanto, na literatura dos anos 1990 e 2000, essas duas vertentes

    herdadas de dcadas anteriores, que se fortaleceram e passaram a caracterizar a

    literatura brasileira contempornea: a literatura urbana, fortemente ambientada,

    realista e, geralmente, a explorar o tema da violncia, e a literatura do no-lugar de

    Noll e Carvalho, por exemplo, prestigiada tambm em outras partes do mundo, onde,

    segundo talo Moriconi (2004), tambm se verifica o personagem deambulante, em

    busca da verdade, ou de si mesmo.

    A violncia urbana era um fenmeno incipiente quando Rubem Fonseca passou

    a retrat-la em seus livros. A partir do processo de modernizao da indstria

    brasileira, especialmente nos anos 1970, intensificou-se a migrao do campo para as

    reas urbanas, o que resultou no inchao das cidades e no crescimento descontrolado

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    das favelas. A excluso social nessas comunidades favoreceu o ingresso do crime

    organizado e o Brasil, em especial o Rio de Janeiro, passou a fazer parte da rota

    internacional do trfico de drogas. Nas dcadas de 1980 e 1990, a convivncia com

    um cotidiano violento e a banalizao da violncia teve seus reflexos no s na

    literatura, mas tambm no cinema e na televiso. Essas duas mdias, alis,

    estreitaram-se literatura de uma forma que j era temida pela crtica na dcada de

    1970. O estreitamento entre a literatura e a mdia eletrnica teve conseqncias tanto

    na produo literria como na produo editorial, como veremos mais adiante.

    A novidade temtica e o realismo de Rubem Fonseca conferiram-lhe

    popularidade nos anos 1980, quando os moradores das grandes cidades comearam a

    se dar conta da escalada da violncia e do despreparo do poder pblico para cont-la.

    Mas sua linguagem repleta de coloquialismos e seus dilogos realistas e convincentes

    demais tambm lhe renderam algumas crticas negativas, que o apontavam como um

    mero retratista do cotidiano urbano (Sergius Gonzaga, 2003). De fato, insistindo

    nesse tipo de literatura documental, tanto Rubem Fonseca como seus seguidores, e

    especialmente esses ltimos, tm recebido crticas desse teor. A maioria dessas

    crticas diz respeito criao de esteretipos, ao aprofundamento das diferenas entre

    as classes sociais e especialmente ao apelo comercial desse tipo de literatura. Nesse

    sentido, vimos manter-se acesa a discusso sobre literatura e mercado e vimos

    manifestarem-se seus desdobramentos, em muito devido ao surgimento de novos

    fatores, particularmente a influncia cada vez maior da linguagem jornalstica,

    televisiva e cinematogrfica na produo literria brasileira.

    Para acrescentar uma viso histrica da evoluo do romance a essa discusso,

    quero acrescentar o que disse o acadmico Carlos Heitor Cony, no Panorama da

    Literatura Brasileira Contempornea apresentado no ciclo de conferncias da

    Academia Brasileiras de Letras (ABL) em 2000. Ele lembra que o romance

    nasceu (...) da epopia, mas enquanto esta se prope a fazer a narrativa do mundo total, em tom elevado, pico, a fico moderna faz a narrativa do mundo particular, em tom particular, ainda que, com isso, ganhe a universalidade.

    Em meados do sculo XIX, quando surgiram os grandes romancistas franceses

    e russos, as novas correntes literrias mudaram o eixo do romance, que passou a

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    incluir outras dimenses, como a psicologia, o social, a tese, em suma (Cony,

    2000). Cony explica que, como a epopia, o romance que vigorou at o sculo XIX

    geralmente trazia um panorama, um grande painel, ao passo que o romance

    moderno procura ser o close-up, procura conhecer o detalhe, o estudo da alma, o

    estudo do interior do homem, daquilo que Josu [Montello] chamou de enigma do

    homem (idem).

    Assim o romance ganhou prestgio como gnero literrio. Num tempo em que a

    sociologia e a psicologia eram cincias em estgio embrionrio, os grandes

    romancistas que consagraram o gnero demonstraram o desejo de penetrar na alma

    humana, de usar o romance como instrumento de conhecimento do indivduo e da

    sociedade, trocando a lente panormica por uma teleobjetiva. Nesse contexto o

    romance moderno se estabeleceu. Inseridos nessa tradio romanesca moderna, a

    academia e o crculo da alta literatura, de um modo geral, ainda hoje tendem a

    privilegiar o texto introspectivo, em busca da soluo para o enigma do homem.

    Com efeito, parece que a crtica tem mesmo restries ao tipo de realismo fotogrfico

    que retrata a vida urbana moderna. Patrcia Melo, a principal sucessora de Rubem

    Fonseca, com boa recepo no pblico leitor, enfrenta esse tipo de resistncia,

    especialmente pela territorialidade e o realismo de sua narrativa, num momento em

    que a academia privilegia a narrativa do no-lugar, na qual a trama no est

    ambientada em um lugar (pas, cidade etc.) determinado. Nem sempre versando sobre

    o tema da violncia, o grupo da dita Gerao 90 tambm recebe crticas por seu

    compromisso excessivo com a realidade.

    As restries da academia em relao extrema preocupao com o realismo e

    a ambientao, relacionada questo da territorialidade, vo muito alm dela e

    envolvem tambm o debate em torno de um conceito que v a arte, no como um

    instrumento de riso ou choro, de gozo ou dor, mas como uma ferramenta de

    autoconhecimento e descoberta do homem e da cultura em que ele se insere, mesmo

    que no tenha, em si, esse objetivo. Nesse sentido, uma importante crtica a essa

    prosa documental urbana se refere a sua estrutura narrativa, a sua maneira de lidar

    com elementos narrativos clssicos como clmax, tenso, desfecho e catarse, para

    prender o leitor com uma histria bem contada, mas que retrata a violncia urbana

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    "com clichs, com reimpresses de um repertrio previsvel de figuras e situaes

    citadinas" (Sussekind, 2002) que acentuam as j profundas diferenas sociais.

    Flora Sussekind (2002) reafirma que, acompanhando o prprio movimento

    populacional do campo para as cidades, o tema urbano ganhou espao e se

    popularizou com o romance policial nos anos 1980 e 1990. Por sua estrutura, seu

    realismo e seus temas, violncia e sexo entre eles, essa produo literria urbana das

    ltimas dcadas, de um modo geral, serviu muito bem aliana entre literatura e

    mdia eletrnica a que me referi anteriormente. Apontada por diversos pesquisadores

    consultados durante a construo deste panorama como uma necessidade do mercado

    dos tempos atuais, a adaptabilidade a outras mdias se afirmou como uma tendncia

    forte, caracterstica da produo editorial recente. Rubem Fonseca, que tivera duas de

    suas obras adaptadas para o cinema ainda na dcada de 1970, teve entre 1990 e 2003,

    trs de seus livros roteirizados e filmados2. O filme Bufo & Spallanzani, o ltimo a

    ser realizado, teve a colaborao de Patrcia Melo. Do mesmo modo, O homem do

    ano (2003), que conta no cinema a histria de O matador, de Patrcia Melo, teve a

    colaborao de Rubem Fonseca. Dessa forma, fortaleceu-se a relao entre os dois

    autores e a idia de que Fonseca o padrinho literrio de Patrcia Melo.

    A discusso poderia se aquecer se lembrarmos que diversos autores, cannicos

    inclusive, das mais diversas correntes literrias, j tiveram seus livros adaptados para

    cinema e televiso e que a adaptabilidade, portanto, no critrio para a avaliao da

    escrita de um autor. O prprio Noll, aqui citado como um grande nome da literatura

    brasileira, j teve seu conto Alguma coisa urgentemente, de uma coletnea que

    marcou sua estria, adaptado para o cinema no filme Nunca fomos to felizes, de

    Murilo Sales, em 1984. No entanto, o que se discute aqui no simplesmente uma

    diviso entre os livros que podem gerar bons filmes e os que no podem, muito

    menos a idia ingnua de que os que podem virar filmes no so bons livros de

    literatura por usarem uma linguagem cinematogrfica e, por outro lado, que a

    adaptao de bons livros geralmente no produz filmes capazes de se igualarem

    2 Em 1973, o conto Relatrio de Carlos foi filmado sob a direo de Flvio Tambellini. A extorso foi filmado em 1974, com o mesmo diretor. Em 1990, foi a vez de Stelinha, com direo de Miguel Faria e em 1991, A grande arte foi s telas sob a direo de Walter Salles. Recentemente, em 2001, Bufo & Spallanzani tambm chegou ao cinema.

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    qualidade da obra escrita. A questo relevante a tendncia de se fazer literatura j

    pensando na adaptao para o cinema ou TV ou, mesmo que essa tendncia no seja

    deliberada, de escrever a partir de um filme passado na cabea do autor.

    O fato que, alm dos j citados, outros autores dos anos 1990 tiveram seus

    livros adaptados para o cinema. Afora questes estticas e conceituais sobre a arte,

    talo Moriconi (2004), professor de literatura brasileira da Universidade Estadual do

    Rio de Janeiro, acha que esse aspecto da adaptabilidade da obra, ou de sua efetiva

    adaptao, muitas vezes negociada em seguida ao lanamento do livro, tambm tem

    relao com um outro fenmeno: a competio editorial. Nos anos noventa, a

    produo editorial se caracterizou pelo fortalecimento, no mercado, de livros,

    nacionais e estrangeiros, com temas meramente comerciais (auto-ajuda, biografias,

    histria de dramas pessoais etc.), que no despertam interesse algum no meio

    acadmico. Sabemos que a questo do livro comercial no um assunto novo, mas o

    mercado editorial dos anos 1990 e 2000, como veremos no captulo 5, movido por

    foras que favoreceram seu crescimento de uma forma jamais vista e de tal modo

    articulada que chegamos mesmo a entender aqueles que acreditam numa teoria do

    compl. Assim, Moriconi entende que aliar, de formas diversas, a literatura a outras

    linguagens uma maneira de se conseguir uma boa comunicabilidade para o texto na

    mdia e no mercado, uma maneira de sobreviver no mercado editorial de hoje. A

    esse assunto voltarei no final deste captulo, em que tratarei dos circuitos da

    literatura, segundo argumentao desse pesquisador. Moriconi cita os casos de Caio

    Fernando Abreu e sua ligao com o teatro, e de Chico Buarque, cuja carreira de

    msico e letrista no pode ser dissociada de sua experincia literria. Nesses dois

    casos a ligao entre a literatura e as outras mdias pode ter sido casual e uma

    linguagem no interfere necessariamente na outra, nem procura reescrev-la. Mas ele

    cita tambm a demanda do mercado editorial pela adaptabilidade da obra mdia

    eletrnica, o que influenciou a construo de romances com potencial para

    roteirizao como uma forma importante de sobrevivncia para a literatura no

    competitivo mercado editorial de hoje. Patrcia Melo o caso mais tpico da dcada.

    Tem um texto clara e intencionalmente influenciado pela linguagem de roteirizao,

    atividade a que tambm se dedica. H ainda Paulo Lins, de Cidade de Deus (1997),

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    texto documental adaptado para cinema em 2002. Nesse ltimo caso, o autor viu

    crescer a vendagem do livro aps o lanamento do filme. Em entrevista Agncia de

    Notcias do Centro Universitrio de Araraquara sobre um outro trabalho, Paulo Lins

    (sem data) declara estar desenvolvendo um projeto de um filme e um romance com o

    ttulo O plano de Marlon, ambientados no Rio de Janeiro. A est um bom exemplo

    de um autor que escreve um filme que passa em sua cabea, isto , escreve j

    pensando na veiculao nesses dois formatos.

    interessante, em relao a esses dois ltimos autores citados, a maneira como

    a crtica os compartimenta. Antes de prosseguir, vale lembrar que lidamos sempre

    com duas modalidades de crtica, uma vinculada academia, universidade e outra,

    aos meios de comunicao de massa (Figueiredo, 2003). Com rarssimas excees,

    os cadernos e suplementos literrios dos jornais de grande circulao tendem para a

    publicidade e se rendem ao poder dos grandes editores (idem). Neste caso, escritores

    como Patrcia Melo e Paulo Lins podem surgir no mesmo pacote: tm o tema atual da

    violncia nas grandes cidades, podem ser associados por sua ligao com a temtica

    de Rubem Fonseca e, ainda, tm apelo comercial por sua interface com uma outra

    linguagem - o cinema - que lhes trouxe reconhecimento. O olhar da crtica de

    orientao acadmica, no entanto, os compartimenta em gavetas diferentes. Hlio

    Ponciano (2000), ao comentar Inferno, diz que:

    A literatura expressou com a ironia fina de um Machado de Assis ou o apuro lingstico de um Graciliano Ramos, por exemplo, o que a histria oficial, como cincia ou como verso dos fatos, no registraria. O novo livro de Patrcia Melo caminha em sentido contrrio: o que j se v na imprensa, nas novelas, nas minissries descrito com cores to carregadas que o leitor tem a impresso de estar diante de uma reportagem sensacionalista, de um documento verdade.

    Nesse sentido, ele parece sustentar o que disse Flora Sussekind sobre o

    aprofundamento dos esteretipos verificado nesse tipo de literatura e, mesmo

    reconhecendo seu domnio admirvel dos mtodos modernos de narrao, v

    Patrcia Melo como uma autora que se repete e lana mo de corpos estranhos

    (Ponciano, 2000) ao universo literrio, geralmente encontrados no cinema de

    entretenimento. Ele no o nico a ter essa opinio sobre a autora. Ao comentar

    Valsa Negra, o ltimo romance de Patrcia Melo, Almir de Freitas (sem data) tambm

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    fala de manias que ajudam a compor personagens e a prpria trama como um trao

    herdado de Rubem Fonseca, caracterstico da escrita dessa autora.

    Paulo Lins tem outro status. Embora no seja uma unanimidade, teve

    reconhecido o valor literrio de Cidade de Deus e foi alado posio de grande

    revelao da literatura brasileira nos ltimos anos, quando Roberto Schwarz e Paulo

    Arantes deram seu aval ao romance Cidade de Deus por ocasio do lanamento. Qual

    ser a diferena entre a crueza da linguagem de Patrcia Melo e a crueza da

    linguagem de Paulo Lins? Beatriz Resende (2004) entende que Paulo Lins, embora

    ele prprio tenha se definido como um mauricinho da favela que teve oportunidade

    de estudar lngua e literatura na UFRJ, uma voz autntica e que por isso mesmo

    toma o espao de quem quer escrever sobre o mundo da misria e do crime valendo-

    se apenas de pesquisas e do que se v no noticirio. Seus personagens so esmiuados

    e, atravs deles, explora-se a rudeza das relaes humanas. Ainda, para Jos Salles

    (2002), da revista eletrnica Verbo, Lins capaz de narrar com um lirismo

    impressionante o crescimento da misria e da criminalidade na comunidade em que

    se criou e a qual ele pesquisou durante a execuo de um projeto coordenado pela

    antroploga Alba Zaluar sobre a violncia. Para Beatriz Resende (2004), fica a

    pergunta sobre se ainda h espao para outras vozes agora que um Lins e um Ferrz,

    autor de Capo Pecado, para citar tambm um exemplo de So Paulo, tomaram para

    si a tarefa de retratar a vida nas comunidades em que cresceram, onde a violncia

    banal. Sua ponderao parece ter suporte, especialmente se levarmos em conta um

    romance como Inferno, de Patrcia Melo. Aps um comeo bem sucedido, a autora de

    O matador tropea quando tenta escrever em tom realista sobre um mundo que ela

    no conhece. Inferno tem exageros, a comear pelo ttulo, que explcito demais,

    diz Hlio Ponciano, e se a autora pretendia fazer um retrato do Rio de Janeiro, o

    resultado foi uma caricatura (Ponciano, 2000). No se pode determinar a origem

    dessa imagem caricatural, se dos noticirios, se de alguma pesquisa (provavelmente

    com resultados parciais ou mal interpretados) levada a cabo pela autora. Igualmente,

    no se pode dizer se um escritor tem autoridade ou no para expressar-se sobre esse

    ou aquele assunto dependendo de sua origem. Mas o fato que, para muitos crticos,

    Inferno caricatural, ao passo que Cidade de Deus real e lrico.

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  • 47

    Diante do que foi dito at aqui, j podemos chegar a algumas concluses e

    levantar alguns questionamentos sobre a produo recente da literatura brasileira.

    Est claro que a mdia eletrnica exerceu e ainda exerce uma forte influncia sobre as

    letras nas ltimas dcadas. Salvo raras excees, a nova esttica literria fortalecida a

    partir dessa influncia ainda no tem boa recepo no meio acadmico. Porm, esses

    movimentos de aceitao ou rejeio de novos conceitos de arte sempre permearam

    as discusses crticas. Mais uma vez lembrando Cony (2000) em seu pronunciamento

    por ocasio do ciclo de conferncias da ABL, o romance, que primeiramente lanou

    seus olhares sobre a sociedade atravs de uma lente panormica, numa dada

    circunstncia sentiu a necessidade de troc-la por uma teleobjetiva, em busca da

    descoberta da alma humana - diga-se de passagem, num momento em que as cincias

    humanas comearam a se desenvolver. Talvez o momento atual, se levarmos em

    conta a acelerao do processo de urbanizao brasileira e mesmo as grandes

    mudanas que se observaram no mbito nacional e global, tenha exigido nova troca

    de lentes em busca de uma viso panormica, pois possvel que o romancista (e

    certamente a sociedade como um todo), inevitavelmente preso a seu tempo (idem),

    no tenha ainda absorvido tantas mudanas e, em lugar de querer decifrar o enigma

    do homem, queira antes entender o enigma da sociedade moderna. possvel

    tambm que esteja certo talo Moriconi (2004) quando diz que, num tempo em que a

    comunicabilidade com o pblico uma questo fundamental para quem quer ser

    publicado e lido, retratar a realidade nos moldes da tradicional literatura popular,

    legitimada pelo mercado, passa a ser uma forma de sobrevivncia para autores que

    precisam competir com os livros de auto-ajuda, as biografias, livros msticos ou que

    narram histrias e dramas pessoais. Portanto, no podemos saber ainda se a troca de

    lentes nada tem a ver com o correr da histria nos tempos atuais e se deve mera

    influncia da mdia eletrnica e demanda pela adaptabilidade da literatura ao

    cinema e televiso, ou se ela se deve s circunstncias (estticas e mercadolgicas)

    da produo literria num determinado momento histrico.

    Podemos, entretanto, dentro da abordagem dos polissistemas apresentada no

    captulo 2, afirmar que, salvo raras excees, a posio da prosa realista dos anos

    1990 e 2000 perifrica na viso da crtica acadmica de orientao modernista. To

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  • 48

    perifrica quanto a do livro de auto-ajuda, dos livros religiosos e msticos, das

    biografias etc. A recepo negativa, pela crtica acadmica, dessa literatura

    caracterstica e caracterizadora dos tempos atuais se traduz, do ponto de vista das

    foras que organizam o cnone oficial da literatura brasileira, em um vazio de

    produo literria, mesmo num tempo em que a indstria de livros brasileira cresce

    de forma jamais vista3.

    Se entre os crticos o assunto gerou polmica, no ambiente da vida literria, a

    marginalizao da produo atual de tendncia realista gera debates como o que se

    seguiu ao encontro de Luiz Ruffato, Maral Aquino, Bernardo Carvalho e Milton

    Hatoum em entrevista para a Folha Ilustrada, caderno da Folha de So Paulo, em 26

    de julho de 20034, na qual eles discutiram o oportunismo do lanamento de Gerao

    90 e Os Transgressores.

    A conversa ps em dvida a existncia de motivao literria na chamada

    gerao 90, vista como uma impostura por sua militncia pela visibilidade, falta

    de um compromisso com a literatura. Falou-se principalmente da avidez com que se

    publica num momento em que a venda de livros est em queda livre5, mas tambm

    no ficou de fora a crtica forte ao compromisso com o realismo, que se considera

    excessivo na produo de hoje, e ao tema comum de violncia e erotismo. A partir da

    tnica da matria, trazida por Bernardo Carvalho e Milton Hatoum, sobre a questo

    da autopromoo dos autores reunidos nas duas coletneas, num movimento que, para

    Milton Hatoum, tem a ver com a publicidade, com a falta de experincia, inclusive

    de interiorizao e reflexo daquilo que se quer expressar6, Paulo Roberto Pires,

    professor da Escola de Comunicao da UFRJ e editor da Planeta, resumiu a conversa

    como

    uma reao espontnea, no-organizada, contra os escritores que ... esto botando o carro na frente dos bois, ou seja, vivem a vida literria antes de terem

    3 Dados sobre esta informao viro no captulo 5, em que se tratam assuntos referentes indstria do livro e ao mercado editorial. 4 Em . Acesso em 3 de janeiro de 2005. 5 Dados sobre esta informao, que parece se opor a uma anterior sobre a expanso do mercado editorial, viro no captulo 5, em que se tratam assuntos referentes indstria do livro e ao mercado editorial. 6 Em . Acesso em 3 de janeiro de 2005.

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  • 49

    uma obra, como se escrever e divulgar o que se escreve fossem atividades indiscernveis e, o que mais complicado, simultneas.

    Nelson de Oliveira7, organizador dos dois volumes, que diz no agentar mais

    tanta polmica, respondeu, na semana seguinte que o rtulo gerao 90 foi um

    artifcio publicitrio para reunir e tentar divulgar a prosa dos melhores contistas e

    romancistas que estrearam no final do sculo 20. Trata-se de uma etiqueta, um rtulo,

    uma logomarca. Ele disse concordar com Bernardo Carvalho, com o sinal

    invertido, quanto a associar a "gerao 90" a certa militncia de minorias por

    visibilidade: a pura verdade. No conheo escritor, genial ou medocre, que no

    esteja em busca de visibilidade, ele diz. Mas para Oliveira, a propaganda duela com

    armas brancas. Os escritores da "gerao 90" lem seus textos em praas pblicas e

    escolas, organizam saraus, criam revistas e blogs, falam de literatura 24 horas por dia

    e muitas vezes pagam a edio de seus livros e depois, com o livro pronto, enviam-no

    a crticos, jornalistas e outros escritores e insistem para que os livreiros o aceitem nas

    livrarias. No fazem isso simplesmente por autopromoo, mas por acreditarem na

    literatura que esto fazendo (Oliveira, 2003):

    Todo esse movimento sinal de vida literria, de sangue correndo no corpo. Tudo isso bate de frente com a literatura de gabinete, voltada apenas para o cnone e distante do corre-corre cotidiano, postura aristocrtica que casa bem com a fixao de Bernardo e Hatoum na questo da permanncia (idem).

    A polmica gerada pela viso da crtica da academia e do prprio meio literrio

    transparece tambm nas palavras de Hosmany Ramos, autor que, como Druzio

    Varella, explora a realidade carcerria em seu livro Pavilho 9 - Paixo e morte no

    Carandiru (2001). Preso h mais de vinte anos, Hosmany Ramos um mdico que no

    final dos anos 1970 se envolveu no mundo do crime. Descoberto e lanado na Frana

    pela editora Gallimard, uma das maiores do mundo, ele defende a linguagem crua dos

    livros que retratam a vida urbana e descarrega sua metralhadora contra a literatura do

    no-lugar, que se considera alinhada ao melhor da literatura mundial:

    A maioria dos autores brasileiros que leio me faz lembrar que esto preocupados mais com o acessrio, o complementar, o suprfluo, esquecendo-

    7 Ibidem.

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  • 50

    se do fundamental: o genuinamente brasileiro. Suas obras no so a histria dos nossos dias. No so apropriadas vida, costumes ou pensamentos brasileiros. No participam, no seu desenvolvimento e tendncias, da observao e da experincia do modo de ser do Brasil nem tratam de seguir nossas idias ou de entender nossa maneira peculiar de expressar, que consideram vulgar. Tambm no simpatizam com os dramticos contrastes e surpresas que so o mais assombroso da civilizao brasileira, nem consideram a diversidade de classe social. Em resumo, ignoram o genuinamente nacional e, embora adornados com o estilo dos melhores mestres, possuem um sabor marcadamente provinciano. Em suma, no tm a "cor local", seus personagens no trazem o "cheiro da terra". (2001)

    H quem acredite que todo esse quadro tenha gerado, para crtica acadmica

    um impasse quanto valorao da obra de arte, devido s transformaes que

    colocaram em xeque os parmetros estticos da modernidade (Figueiredo, 2003).

    Para Vera Figueiredo, doutora em literatura de lngua portuguesa e professora de ps-

    graduao da UERJ, j no clara a oposio entre arte e no arte e

    os critrios estticos da modernidade, decorrentes da defesa da autonomia da arte, tributrios da afirmao de categorias universais que estariam acima das contingncias de ordem econmica, vo se tornando obsoletos num mundo marcado pela hegemonia das leis ditadas pelo mercado. Hoje as produes culturais tendem a ser niveladas pelo poder das mdias, no escapam da lgica do consumo (idem).

    Figueiredo v nesse cenrio a necessidade de a crtica repensar seu prprio

    lugar, pois no chegaremos a lugar algum se mantivermos de um lado os

    acadmicos que continuam trabalhando com os critrios da modernidade e de outro

    os adeptos dos estudos culturais, estas, as principais correntes de crtica literria

    atual. Segundo ela, os primeiros so criticados por sua viso de arte considerada

    obsoleta, e os segundos, por contriburem para a indiferenciao entre o campo da

    arte e dos produtos da cultura de massa, conformisticamente aceitando as leis de

    mercado. Alm dessas duas correntes, h os crticos que preservam os critrios

    modernos, relativizando-os e, correndo por fora, est a crtica dos suplementos

    literrios dos jornais de grande circulao, em geral a servio das grandes editoras, e

    as revistas especializadas.

    Em entrevista concedida ao Jornal da Unicamp, Mariza Lajolo, professora do

    Departamento de Teoria Literria do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp,

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  • 51

    tambm questiona o posicionamento da crtica acadmica ao constatar que um de

    seus grandes equvocos falar de literatura como se para entender e discutir livros

    fosse necessrio fazer curso universitrio de Letras. Para ela, a posio irredutvel de

    alguns crticos em afirmar que a produo literria dos ltimos vinte anos deixa muito

    a desejar se comparadas s obras de Lima Barreto, Mrio de Andrade, Guimares

    Rosa, Graciliano Ramos e Clarice Lispector, por exemplo, no tem fundamentao:

    No acho que literatura, cultura e arte tenham uma evoluo qualitativa. Entendo que h, digamos assim, um percurso ao longo do qual os perfis das obras vo mudando. Vo mudando, mas no piorando ou melhorando. No acho que A Moreninha, que um dos primeiros romances brasileiros, seja pior do que Dom Casmurro. Acho que A Moreninha o melhor livro possvel para os autores e leitores brasileiros de 1844, assim como Dom Casmurro um dos melhores livros possveis para os leitores do fim do sculo 19... Acho que os romances brasileiros de hoje esto altura de tudo que melhor se fez antes deles. Temos grandes autores e grandes obras do final do sculo 20 e do comeo do sculo 21. equivocada essa idia de que quanto mais contemporneos os romances, piores eles so. Os crticos que talvez se sintam inseguros para falar da contemporaneidade (2004).

    Ser a crtica acadmica orientada pelos critrios da modernidade a grande vil

    da histria? Estaria ela realmente afastando as pessoas da literatura, como apontou

    Lajolo, com uma postura elitista, dando a entender que se trata de uma arte para

    iniciados? Ou ser que realmente no tem valor algum a literatura realista,

    influenciada pela esttica cinematogrfica? Nem tanto ao mar, nem tanto terra.

    Repensar a posio da academia face aos fenmenos literrios atuais e ao prprio

    desenvolvimento da crtica especializada, hoje dividida em duas correntes principais,

    pode fazer-se necessrio. O debate que se apresenta encontra suporte na prpria

    academia e no visa a decidir quem est certo e quem est errado, mas a rediscutir o

    conceito de literatura num momento em que a mdia eletrnica influencia a esttica

    moderna de um modo geral, e no apenas na arte das letras.

    luz da teoria dos polissistemas, podemos dizer que a viso da escola crtica

    moderna procura compartimentar a produo literria em diversos sistemas

    distribudos em posies centrais ou perifricas dentro de um polissistema literrio

    para ento, de um modo geral, voltar o foco para as posies centrais, visando a

    estabelecer o cnone da literatura. Sua funo primordial seria iniciar leitores.

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  • 52

    Qualquer leitor? No, somente aqueles que desejam conhecer o que se convencionou

    ser alta literatura a partir do ponto de vista e dos mtodos da crtica acadmica. Mas

    no impossvel que um leitor comum aprecie uma obra cannica, no impossvel

    que ele se inteire das opinies da crtica e se torne capaz de utilizar essas referncias

    em suas leituras. Ainda, no proibido a nenhum leitor encantar-se com a esttica de

    um grande escritor e em seguida divertir-se ou emocionar-se com um livro de

    entretenimento, assim como no proibido gostar de pera e rock and roll.

    Esttica e entretenimento so palavras chaves para entendermos a posio da

    crtica acadmica moderna, como a defendeu Muniz Sodr (1985), a partir de um

    ponto de vista que nem coloca os crticos como um grupo elitista, nem sugere que a

    alta literatura melhor do que a literatura popular. Ao entender a alta literatura, ou

    a literatura culta, como o conjunto de obras reconhecidas pela qualidade superior

    ou por pertencerem cultura elevada, segundo instituies (aparelhos ideolgicos)

    direta ou indiretamente vinculados ao estado (escolas, academias, crculos

    especializados), e literatura de mercado (ou de massa ou literatura best-seller) como

    todo tipo de narrativa produzida a partir de uma inteno industrial de atingir um

    pblico muito amplo, Sodr afirma que estas so apenas duas formas diferentes de

    expresso cultural. O livro de entretenimento (produto da literatura de mercado)

    obedece a caractersticas intrnsecas de um modo popular de contar

    histrias (p. 12). Isso no quer dizer que escrever um livro popular seja mais fcil e

    que autores populares e autores cannicos vivam separados em dois conjuntos que

    nunca fazem interseo. Apenas, argumenta-se que esse modo popular de contar

    histrias est inserido em uma tradio narrativa iniciada no sculo XIV na Europa

    medieval, quando se deu a transcrio em prosa e a seriao de relatos picos

    versificados (p. 9). Essa tradio se manteve e se fortaleceu no sculo XVII, quando

    entrou em cena o pblico leitor, e o romancista, tendo que agradar tanto ao pblico

    burgus-aristocrtico, quanto ao homem do povo, contava histrias que se

    caracterizam por um excesso de imaginao, em que sarracenos, brbaros,

    cruzados, romanos combatem ou amam acima das leis da verossimilhana e se

    exprimem com um linguajar insipidamente aristocrtico (p.10).

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  • 53

    O sculo XIX fundamental no desenvolvimento do romance. nesse tempo,

    como tambm observou Cony, que o gnero comea a sofrer a influncia do

    pensamento sociolgico, se faz um documento social e encontra nos jornais um

    caminho natural para sua publicao. Sofre, assim, as influncias da produo

    jornalstica, em que conta muito a opinio do pblico, e passa a se preocupar com a

    informao, com o coloquialismo e com a agilidade da linguagem. O seu modo

    popular de contar histrias, como nunca, legitimado pela lei mercadolgica de

    oferta e procura. A publicao de romances de folhetim em jornais de grandes

    tiragens, primeiro na Europa e depois no Brasil, constitui o embrio da moderna

    indstria cultural, embora saibamos que no Brasil, devido a dificuldades editoriais,

    grandes romances tambm foram publicados em jornais.

    Mas a popularizao do gnero romanesco tambm abriu caminho para o

    surgimento dos grandes romancistas do sculo XIX. Usando Gustave Flaubert como

    referncia, Muniz Sodr afirma que a partir desse nome o escritor, mais do que

    nunca, revela-se um artista8. Em um contraponto ao folhetinista, que escreve por

    uma causa externa, seja para panfletar suas idias, seja para entreter rapazes e moas

    da burguesia e da aristocracia, o grande romancista surgido no sculo XIX valoriza o

    prprio ato de escrever. A preocupao com a forma de sua escrita e o efeito que ela

    vai produzir, maior do que a histria em si.

    O que se convencionou chamar de alta literatura no pretende, portanto, apenas

    comover, emocionar com uma histria bem contada, ou informar de maneira didtica

    sobre questes sociais da atualidade. Nas palavras de Muniz Sodr (1985, p. 14-15), a

    alta literatura busca produzir um sentido de totalidade9 com relao ao sujeito

    humano, fazendo entrecruzarem-se autonomamente, no texto, histria, psicologia e

    metafsica. O grande escritor interfere na tcnica romanesca corrente e na lngua

    nacional escrita. Cria, portanto, uma lngua nova, com efeitos prprios: um estilo,

    uma esttica. A histria, em lugar de comandar o texto, levando-o a percorrer o

    caminho natural de incio, meio e fim, irrompe das malhas do prprio texto,

    autnomo na gerao de seu universo. Essa autonomia permite um distanciamento

    8 Grifado no original. 9 Grifado no original.

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  • 54

    da realidade cotidiana e nos possibilita freqentemente encontrar em grandes

    romances questionamentos radicais das ideologias que sustentam a nossa realidade

    habitual (ibidem). Dessa forma, desestabilizando a tcnica romanesca tradicional, o

    romance-arte (ou o romance culto) tambm capaz de desestabilizar ideologias

    estabelecidas, embora no tenha, em si, essa finalidade.

    O romance popular, orientado pela lgica do mercado, por sua vez, mantm-se

    fiel s tcnicas romanescas correntes; no procura subvert-las. Isso no significa que

    o romancista desse gnero no desenvolva caractersticas estilsticas prprias, jamais

    conteste a realidade e no tenha preocupaes sociais, mas ele o faz sobre o suporte

    da narrativa de estrutura clssica, com princpio/tenso, clmax, desfecho e catarse, a

    partir de seus contedos fabulativos, visando a mobilizar a conscincia do leitor,

    exasperando a sua sensibilidade (Sodr, 1985, p.15). Assim, o romance popular

    entretm o leitor, desperta-lhe a curiosidade, mexe com suas sensaes e tem nesse

    resultado a sua finalidade. Mas ele pouco ou nada acrescenta arte literria, que se

    define pela forma, pelo uso particular da lngua escrita gerando tcnicas e contedos

    particulares.

    Muniz Sodr argumenta que, essa diviso, aparentemente elitista, entre alta

    literatura, ou literatura culta e literatura de mercado, ou de massa ou best-seller, se d

    a partir de diferenas nos critrios de produo e consumo, em grande parte

    orientados por uma diferena de classes culturais. Se por um lado a produo literria

    artstica tem na forma a sua finalidade e a escola, ou a academia, ou os leitores por

    elas iniciados no plo consumidor, a literatura de mercado tem a finalidade de ser

    uma narrativa bem estruturada para atender a demanda do mercado de leitores por

    uma histria bem contada.

    No caso da literatura brasileira contempornea, foco deste panorama, a posio

    da crtica de orientao modernista e seu debate com as outras correntes crticas, a

    fora da indstria do livro e da crtica jornalstica, a posio dos autores e a demanda

    do mercado de leitores gera um quadro que pode ser avaliado a partir do que falou

    talo Moriconi (2004) sobre os canais de circulao da literatura, a que ele chamou de

    circuitos do literrio. Reconhecendo a diviso de alta literatura e literatura popular

    como uma tendncia para sistematizar as questes que caracterizam nossa ao, sua

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  • 55

    tese nos permite compreender o afastamento - dado o interesse diverso de cada uma

    das partes - das posies do escritor, compromissado com seu texto, do leitor, que

    busca um bom livro, da academia, preocupada com a esttica literria, e da indstria

    editorial, desejosa de vender sua produo.

    Moriconi fala de trs circuitos: o da vida literria, o miditico e o

    cannico. O circuito da vida literria se caracteriza pelo dilogo de escritores que

    se lem uns aos outros. O circuito miditico o canal dos textos com uma interface

    miditica (com o circuito do cinema, da televiso ou da prpria cultura de massa, por

    exemplo). Finalmente, no circuito cannico, o autor dialoga com autores

    consagrados, como Proust e Guimares Rosa, por exemplo; as leituras da crtica

    universitria referendam essa produo literria e organizam/reorganizam o cnone

    oficial.

    Ainda algumas consideraes importantes podemos fazer em relao aos trs

    circuitos antes de prosseguir. O circuito cannico no leva em considerao as

    abordagens desconstrutivistas e ps-estruturalistas sobre o tpico da morte da

    literatura, em que as oposies entre alta e baixa cultura, ruptura e permanncia,

    centro e periferia tornaram-se insustentveis. o circuito (hermtico) da alta

    literatura, ligado tradio da crtica acadmica orientada pelos critrios da

    modernidade. A vida literria tem seu ambiente nos bares, encontros literrios e

    saraus como, por exemplo, a Alcova cultural, que Roberto Athayde promove em

    Copacabana. Trata-se de um evento para convidados que rene escritores para

    leituras de suas obras. tambm um espao aberto a novos talentos, geralmente

    trazidos por habitus. Outras formas de expresso tambm so bem-vindas e o

    prprio Roberto Athayde tem se dedicado ao cinema. Ultimamente a Alcova Cultural

    vem promovendo sesses de seu ltimo filme, um documentrio-fico, como ele

    prprio o definiu (2005).

    Em tempos de tecnologia da informao, os blogs tambm comeam a surgir

    como um novo espao para esse circuito. O ambiente literrio virtual, terreno frtil

    para os adeptos dos estudos culturais, existe independente da academia, embora sua

    existncia possa pressionar o cnone estabelecido e provocar-lhe mudanas. Por fim,

    o circuito miditico corre ao lado. Nele, o objeto de anlise o texto e o seu

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  • 56

    complemento miditico (o filme, o seriado de TV, ou a prpria tradio da literatura

    de mercado e os meios de produo de best-sellers). Aqui no est em jogo a

    preocupao com a forma artstica no sentido que ocupa a ateno da crtica literria

    acadmica, mas a produo de textos que estabeleam um dilogo psicossocial com o

    mercado consumidor. As obras desse circuito exigem anlises sociolgicas para gerar

    na cultura de massa um efeito poltico e seus autores precisam levar em conta os

    elementos relativos recepo (e ao consumo) de sua produo literria.

    A tese de Moriconi parece se adequar bem discusso que se apresentou neste

    panorama da literatura brasileira contempornea. Analisando cada um em seu lugar, a

    partir da tese dos trs circuitos - que nos permite colocar o plo produtor (o autor) em

    primeiro plano -, podemos entender (a) a posio do autor, compromissado com seu

    texto, inclusive no que diz respeito a uma postura comercial ou literria a partir

    da escolha de seu interlocutor; (b) a posio do leitor, que busca ou entretenimento

    numa obra de literatura de mercado ou deleitamento diante de grandes expresses

    artsticas; (c) a posio da crtica universitria, tanto a de orientao moderna, que

    muitas vezes reage interveno da esttica miditica no espao sacralizado da arte

    literria, como a dos adeptos dos estudos culturais, que v na literatura

    contempornea um vasto material de estudo, e finalmente (d) a posio da indstria

    editorial, que acredita no investimento macio em obras populares, conta com o apoio

    da mdia eletrnica para sua veiculao, mas geralmente no deixa de fora o espao

    para lanar novos autores e nem abre mo de uma carteira de nomes cannicos que

    lhe d prestgio.

    Concordo com o que disse acima Vera Figueiredo (2003) sobre o fato de

    autores contemporneos, especificamente aqueles que se lanaram a partir dos anos

    1980 - dcada em que a indstria do livro cresceu fortalecida pela literatura comercial

    -, no terem como escapar da lgica do mercado atual. Em termos relativos, mais

    fcil um autor indito conseguir lanar um romance mstico ou romance urbano com

    a receita dos herdeiros de Fonseca do que lanar um livro com uma proposta de alta

    literatura. O romance de tema urbano da escola fonsequiana, adaptvel mdia

    eletrnica, gera uma possibilidade para a literatura num ambiente cultural que cultua

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  • 57

    o pop, o underground, valores estticos herdados dos movimentos de rua da Europa e

    Estados Unidos, ligados principalmente msica.

    De volta a Carlos Heitor Cony (2000), o romancista, irremediavelmente ligado

    a seu tempo, escreve sobre o que sente e conhece, mesmo sem nunca ter tido a

    experincia, como Rodrigo S. M./Clarice Lispector, que sabe das coisas por estar

    vivendo (Lispector, 1977, p. 18). Torna-se compreensvel, portanto, a opinio de

    Lajolo sobre a produo literria de dado momento ser o que de melhor se pode fazer

    naquelas circunstncias. Dessa forma, ela entende que h grandes romancistas

    contemporneos, assim como foram grandes e se tornaram nomes referenciais para a

    literatura brasileira Clarice Lispector, Guimares Rosa, Lima Barreto, Machado de

    Assis e Mrio de Andrade, por exemplo. E no importa se a referncia esttica de um

    determinado autor o cnone oficial ou a cultura pop. De toda maneira, a expresso

    cultural deve interessar universidade.

    O burburinho que se ouve em torno da questo no vai cessar. Num momento

    em que ainda no se digeriu a influncia das linguagens do cinema e da TV sobre a

    literatura, a Internet entra em cena com textos divulgados em revistas eletrnicas,

    stios sobre literatura e blogs. Assim, a mdia eletrnica continua a avanar sobre o

    espao sacralizado da literatura com textos urbanos, que contam histrias do dia-a-

    dia. Alguns autores j se lanaram no mercado editorial aps terem surgido nesses

    saraus internuticos: o sculo XXI e a rede mundial de computadores abriram

    caminho para a publicao eletrnica de uma literatura dita pop.

    O recente lanamento da coletnea Prosas cariocas: Uma nova cartografia do

    Rio (Moutinho e Izhaki, 2004), ao lado dos j citados Gerao 90: Manuscritos de

    computador e Os transgressores, uma conseqncia do crescimento desse tipo de

    produo. Jovens autores que sabem da dificuldade de se lanarem no mercado

    editorial aproveitaram-se da tecnologia para divulgar seu trabalho. O surgimento das

    narrativas em meio digital (geralmente curtas e retroalimentadas pela leitura e a

    resposta de navegantes dos blogs) foi o primeiro passo para publicao em forma de

    livro. O lanamento gerou o debate A nova prosa carioca, em outubro de 2004,

    promovido pelo espao Sesc, cujo principal objetivo era (de novo) conseguir

    visibilidade para os novos autores. Na ocasio Marcelo Moutinho, coorganizador e

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    um dos autores do volume de contos, enfatizou que tudo que os 17 escritores esperam

    so avaliaes que tenham como base dados concretos ou seja, a leitura de seus

    textos , e no abstraes que preguiosamente esto sempre mo daqueles que,

    nostlgicos no se dispe a procurar [o novo]. Os nostlgicos a que ele se refere

    so os crticos acadmicos, fortemente influenciados pelo cnone ocidental institudo

    e que, seja por saudosismo ou acomodao (Resende, 2004), seja por razes

    ideolgicas relativas a seu conceito de arte, preferem manter-se fiel referncia de

    Machado de Assis, Lima Barreto, Mrio de Andrade, Guimares Rosa ou Clarice

    Lispector, para citar como exemplo apenas alguns dos nomes formadores da tradio

    literria brasileira.

    A discusso que se revigora a cada gerao um ato saudvel. Para os que se

    interessam por livros, seja o leitor comum, seja o estudante, o professor ou o crtico,

    essas maneiras de pensar a literatura oferecem um leque de referncias a serem

    usadas ao bel-prazer de cada leitor. A crtica acadmica, bem como seu conceito de

    literatura, no mais que um dos caminhos para quem busca orientar-se em relao a

    uma forma individual de leitura. Da mesma forma como escolhemos um livro,

    escolhemos tambm as referncias que podemos utilizar para abord-lo no ato da

    leitura. Esto nossa inteira disposio, agora ainda mais facilmente devido s

    facilidades da tecnologia da informao, alm da referncia acadmica, as revistas

    especializadas, os suplementos literrios dos jornais, as adaptaes para a mdia

    eletrnica e, mais recentemente, as listas de discusso nos blogs literrios que se

    espalham pela rede de computadores.

    A discusso que aqui se encerra sobre a literatura brasileira contempornea

    visou principalmente a determinar as foras institucionais da crtica, da universidade

    e da vida literria que, segundo o conceito de patronagem de Andr Lefevere,

    colaboram para a feio do polissistema de literatura brasileira. Este panorama, ao

    lado da discusso que vir sobre as foras atuantes no sistema meta de literatura

    brasileira traduzida para o ingls e no mercado editorial internacional, poder ser

    retomado nos captulos seguintes do presente estudo para possibilitar a concluso

    sobre as representaes da literatura brasileira traduzida para o ingls.

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