COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf ·...

135
COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA CARLOS ALBERTO DIAS FERREIRA FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA ─ BARÃO DE GUARACIABA: REFLEXÕES BIOGRÁFICAS E CONTEXTO HISTÓRICO. VASSOURAS

Transcript of COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf ·...

Page 1: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSUPROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA

CARLOS ALBERTO DIAS FERREIRA

FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA ─ BARÃO DE GUARACIABA:

REFLEXÕES BIOGRÁFICAS E CONTEXTO HISTÓRICO.

VASSOURAS

Page 2: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

2009

UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRACOODENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA

CARLOS ALBERTO DIAS FERREIRA

FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA ─ BARÃO DE GUARACIABA:

REFLEXÕES BIOGRÁFICAS E CONTEXTO HISTÓRICO.

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História Social da USS ─ Universidade Severino Sombra, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em História.

Orientador: Professor Doutor Fábio Henrique Lopes

VASSOURAS

2

Page 4: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

2009

UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRACOODENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA

A Dissertação: FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA ─ BARÃO DE GUARACIABA:

REFLEXÕES BIOGRÁFICAS E CONTEXTO HISTÓRICO.

Elaborada por CARLOS ALBERTO DIAS FERREIRA, e aprovada por todos os membros

da Banca Examinadora, foi aceita pelo Programa de Mestrado em História da Universidade

Severino Sombra, como requisito parcial para obtenção do Título de

MESTRE EM HISTÓRIA

Banca Examinadora:

__________________________________________________________________Professor Doutor Fábio Henrique Lopes [USS]

Presidente

__________________________________________________________________Professora Doutora Marilene Rosa Nogueira da Silva [UERJ]

1º Examinador

__________________________________________________________________Professora Doutora Cláudia Regina Andrade dos Santos [USS]

2º Examinador

VASSOURAS

3

Page 5: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

2009

AGRADECIMENTOS

Ao ousar produzir este trabalho, tinha consciência de que só poderia explorá-lo, com

ajuda, incentivo, compreensão, colaboração e solidariedade de muitos, envolvendo uma gama

de pessoas, que conscientemente ou inconscientemente, de alguma forma participaram e

contribuíram, através de palavras de apoio, da indicação de bibliografias, fornecendo fontes

ou sugestões de onde procurá-las. Todas estas contribuições, em muito auxiliaram e estão

inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

inquietação e solidão. Toda a colaboração e o diálogo realizado com colegas e intelectuais,

dentro das possibilidades, foram aproveitados e inseridos no trabalho.

Estou ciente de que lembrar todos os nomes que participaram de alguma forma dessa

empreitada seria uma tarefa difícil, e provavelmente injusta por deixar algum nome de fora;

além disso, muitos já não pertencem mais ao quadro do Programa de Mestrado da

Universidade Severino Sombra. Dessa forma, agradeço ao quadro de docentes pertencentes ao

Programa de Mestrado da Universidade Severino Sombra, que acreditaram e contribuíram

para a elaboração deste trabalho, além de todo o seu quadro administrativo bem como aos

funcionários das bibliotecas.

Agradeço pela compreensão e por serem muito, muito especiais, a minha companheira

Maria Fátima Barbosa Rodrigues, o meu filho Tiago Rodrigues Fonte e a minha filha

Natshara Carolina Rodrigues Ferreira; concomitantemente, peço perdão pela minha ausência.

Torna-se difícil encontrar as palavras, e não sei se as expressadas farão justiça, ao

empenho e paciência em transformar um convicto e empolgado pesquisador em um

historiador. Devo isso ao amigo, cúmplice e orientador, professor Doutor Fábio Henrique

Lopes, que bem antes de eu almejar trilhar este caminho tão gratificante da pesquisa, já me

incentivava e acreditava no meu trabalho. Além disso, no decorrer dessa produção,

compartilhou meus medos, angustias e aflições, estando sempre presente. Para você, Fábio,

mais do que um muito obrigado especial, fica meu respeito pela pessoa e profissional com o

qual eu tive o privilégio de conviver nesse período.

4

Page 6: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Tanto o relator quanto aqueles de quem se relata algo precisam saber que detêm as próprias vidas nas mãos. Há segredos vetados à privacidade e ao silêncio; que sejam cultivados pela criatura acossada com pelo menos metade da insistência com que o investigador cultiva seu amor pela caça ─ ou podemos chamá-la senso histórico. Foram excessivamente abandonados ao homem natural e instintivo; mas serão duas vezes mais eficazes depois que começarmos a reconhecer que podem ser incluídos entre os triunfos da civilização. Então, finalmente, o jogo será justo e equilibrado e as duas forças estarão equiparadas; será um cabo-de-guerra e a tração mais forte proporcionará sem dúvida o resultado mais feliz. Nesse momento as artimanhas do investigador, espicaçadas pela resistência, excederão em sutileza e ferocidade tudo o que hoje imaginamos, e a vítima pálida e advertida, tendo apagado todos os rastros, queimado todos os papéis e deixado todas as cartas sem resposta, haverá de resistir sem nenhuma contra-investida, do alto da torre da arte, granito invulnerável, ao cerco de todos os anos.

Henry James, “George Sand” (1897).

5

Page 7: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

RESUMO

Esta dissertação, definida aqui como uma reflexão biográfica, tem como objeto os

caminhos, as relações, as estratégias, as histórias e o contexto histórico de Francisco Paulo de

Almeida, nascido no ano de 1826 e falecido em 1901. Homem negro, que no Brasil Império

iniciou-se, aproximadamente em 1838, como ourives e, posteriormente, já pelos anos de

1842, como tropeiro. Em 1860, já pertencia a oligarquia cafeeira, com fazendas em Valença,

Paraíba do Sul e Arraial de Três Rios, no Rio de Janeiro e na cidade de Mar de Espanha, em

Minas Gerais, além de ter sido Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de

Valença-RJ. Teve participação importante em parte da construção da Estrada de Ferro do

Médio Vale do Paraíba, além de ter sido sócio e fundador de empresas de sociedade anônima

e de ter participado do sistema financeiro de Juiz de Fora – MG, na constituição do Banco

Territorial e Mercantil de Minas Gerais e o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, “O

Credireal”. Entre as propriedades que possuiu, além das fazendas, tinha uma casa na Corte,

situada à Rua Moura Brito e foi dono do Palácio Amarelo, atual sede do Legislativo da cidade

de Petrópolis – RJ.

Trata-se, aqui, portanto, de uma reflexão biográfico-histórica construída dentro dos

padrões da “Nova História Política”, aprofundada no debate teórico sobre as formas de como

fazê-lo, pesquisando o que se tem escrito sobre as distinções e as adversidades da escrita

biográfica. Dentro dos caminhos possíveis optou-se pela metodologia indiciária, muito bem

utilizada por Carlo Ginzburg, principalmente nas redes de sociabilidade produzidas através do

compadrio. Além disso, articulam-se e exploram-se as trajetórias e histórias de vida com as

redes de sociabilidade e as relações de poder permitidas, constituintes dos caminhos trilhados,

aqui analisados.

Palavras-chave: Francisco Paulo de Almeida; Médio Vale do Paraíba; redes de sociabilidade e

relações de poder.

6

Page 8: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

RESUMEN

Este disertación, definido aquí como reflexión biográfica, tiene como objeto las

maneras, las relaciones, las estrategias, las historias y el contexto histórico de Francisco Pablo

de Almeida, llevado en el año de 1826 y los difuntos uno de 1901. Hombre negro, que en el

imperio inició sí mismo del Brasil, aproximadamente en 1838, como platero y, más adelante,

ya por los años de 1842, como tropero uno. En 1860, la oligarquía del café perteneció ya, con

las granjas en Valencia, Paraíba de Sul y Arraial de Tres Ríos, en Río de Janeiro y la ciudad

del Mar de España, en Minas Gerais, más allá de ser surtidor de la fraternidad del Santo Casa

de Misericordia de Valencia-Rio de Janeiro. Tenía participación importante en la parte de la

construcción del ferrocarril del valle medio del Paraíba, más allá de fundar a socio y de

compañías de la sociedad anónima y haber participado del sistema financiero de Juiz de Fora -

magnesio, en la constitución del Banco Territorial y Mercantil de Minas Gerais y del Banco

del Crédito Verdadero de Minas Gerais, “el Credireal”. Entre las características que poseyó,

más allá de las granjas, tenía una casa en el corte, situado a la calle Moura Brito y era el

dueño del palacio amarillo, jefaturas actuales de legislativo de la ciudad de Petrópolis - el Rio

de Janeiro.

Se trata, aquí, por lo tanto, de una reflexión biográfico-histórica construida dentro de

los estándares de las “nuevas políticas de la historia”, entrados profundamente en el discusión

teórico sobre las formas de en cuanto a hágalo, buscando lo que ha escrito uno en las

distinciones y las adversidades de la escritura biográfica. Dentro de las maneras posibles fue

optado a la metodología del indiciaria, muy usada bien para Carlo Ginzburg, principalmente

en las redes producidas del sociabilidad con el compadreo. Por otra parte, se articulan y

exploraron la trayectoria y las historias de la vida con las redes del sociabilidad y las

relaciones de ser haber permitido capaz, componente de las maneras pisadas, analizado aquí.

Palabra-llave: Francisco Pablo de Almeida; Valle medio del Paraíba; redes del sociabilidad y

relaciones de poder.

7

Page 9: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10

1. HISTÓRIA POLÍTICA E BIOGRAFIA: uma abordagem de muitas vozes.... 21

1.1. Uma visão teórico-metodológica da história política....................................21

1.2. História Política: uma nova abordagem........................................................27

1.3. Da Biografia e de seus usos............................................................................. 32

1.4. Relações de poder e redes de sociabilidade................................................... 41

2. DE UM POSSÍVEL INÍCIO: artes, ofícios e tropas–décadas de 1820 a 1860.. 47

2.1. Síntese biográfica e laços sociais de berço.....................................................48

2.2. Música e Ourivesaria.......................................................................................57

2.3. Tropas e Tropeiros.......................................................................................... 61

3. REDES DE SOCIABILIDADE E RELAÇÕES DE PODER...........................81

3.1. Um pouco do Médio Vale do Paraíba no século XIX.................................82

3.2. As fazendas e a relação de compadrio.........................................................84

3.3. Estrada de Ferro do Vale do Paraíba Sul Fluminense.............................. 91

3.4. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ..................104

3.5. O título nobiliárquico..................................................................................108

8

Page 10: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

3.6. O sistema financeiro e as Sociedades Anônimas...................................... 113

3.7. O Palácio Amarelo...................................................................................... 116

CONSIDERAÇÕES FINAIS DE UMA TRAJETÓRIA DE PESQUISA......... 120

REFERÊNCIAS......................................................................................................124

9

Page 11: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa teve início a partir de uma provocação, feita por um professor da

graduação. Como aluno do curso de História pertencente a um grupo de pesquisa, procurava

transmitir e aconselhar os demais colegas sobre a importância da determinação do tema para o

TCC, o mais cedo possível. O professor da disciplina, ao escutar aquele “conselho”, lançou

um desafio à turma: escrever sobre “o barão de Guaraciaba”. Mas sua provocação tinha

sentido? Considerando que a Universidade Severino Sombra está localizada “na cidade dos

Barões”, qual o interesse de um trabalho sobre mais um barão?

Instigado por aquele desafio, quis saber o que esse barão teria de “diferente” que

justificasse a tarefa. Inicialmente, o professor informou que se tratava de um negro, que havia

recebido o título de baronato em 1887, que seu nome era Francisco Paulo de Almeida, barão

de Guaraciaba, e que até aquela data “ninguém havia escrito nada sobre ele”, e que essas eram

“todas” as informações/dados que ele tinha sobre o personagem.

Diante dessas proposições e pela curiosidade despertada, aceitei o desafio de mudar o

meu projeto inicial de TCC e, a partir de então, comecei a buscar informações, pistas e dados

que me fornecessem embasamento na construção de um trabalho sobre o Barão de

Guaraciaba, transformado, assim, em objeto de pesquisa.

Ao iniciar o trabalho, deparei-me um elemento problemático: a falta de informação

sobre o Barão. Praticamente nada encontrei escrito sobre ele nas fontes iniciais, tais como: o

Legislativo Municipal e a biblioteca das Prefeituras de Vassouras, Valença e Três Rios. Era

como se o personagem não houvesse existido. Porém, essa dificuldade aumentou minha

inquietação e permitiu novas pesquisas. Assim motivado, insisti no trabalho e, aos poucos,

percebi que o que eu chamava de “silêncio” em torno do barão, tratava-se da “falta de

vestígios”, que ao longo da pesquisa começaram a aparecer. Por exemplo, posso citar o

conteúdo do Jornal Caderno do Interior [CADIN]:

10

Page 12: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Descoberto casualmente pela reportagem do CADIN, fotografado e publicado na

edição 34, de outubro de 1999, o retrato ao lado, dependurado entre o de outros

barões provedores, no Museu da Santa Casa de Misericórdia em Valença, volta a ser

assunto da primeira página do jornal, depois que o barão de Guaraciaba foi citado

em matéria de um grande jornal carioca: ”Descoberto há poucos meses, os

pesquisadores estudam agora o inventário do barão de Guaraciaba, provavelmente o

único negro que recebeu um título de nobreza no país”.

E a matéria não pára ali: continua por quase toda a segunda página descrevendo as

“descobertas” da equipe de cinco pessoas, lideradas pelo doutor em História da

Unicamp, Carlos Eugênio Líbano Soares. São histórias de rebeliões de escravos;

falsificação de dinheiro; barões deixando fortunas para amantes mucamas; de

Eufrásia Teixeira Leite e do barão de Guaraciaba, “provavelmente o único negro que

recebeu um título de nobreza no país” e cujo retrato, dependurado entre outros

barões provedores da Santa Casa da Misericórdia de Valença, no museu desta, o

CADIN fotografou e publicou em sua edição de outubro de 1999. E torna a fazê-lo

agora, um ano depois, na primeira página desta edição1.

Apropriando-me das pistas encontradas, pesquisei a historiografia da Irmandade,

deparando-me com o trabalho de Elisa Maria Amorim da Costa. A Irmandade da Santa Casa

de Misericórdia de Valença (1838 – 1889)2. Esse trabalho, além de fornecer bibliografia

específica, transcreve o biênio 1882-1884, no qual o Barão foi provedor, relata a importância

e o destaque político e social do membro e mantenedor de uma Irmandade. Dessa maneira, já

com pistas sobre meu objeto, fui à Irmandade e fotografei os dados existentes sobre ele, bem

como obtive cópia das Atas do biênio 1882-1884, na qual Francisco Paulo de Almeida, como

citei, foi dirigente.

Nessa mesma Irmandade, encontrei a Revista [local] Chafariz, de 2004, com matéria

sobre Francisco Paulo de Almeida, extraída do livro A História de Três Rios e seus vultos

importantes 1853-1992, de autoria de Marciano Bonifácio Pinto Filho. Nessa transcrição,

havia informações para dar continuidade à pesquisa sobre o barão: esposa, filhos, fazendas,

negócios, relacionamentos, etc.

1Jornal Caderno do Interior [CADIN]: Ano IV, n° 46 ─ Rio de Janeiro, outubro/novembro de 2000, p. 1 e 2.Transcrito na integra.2COSTA, Elisa Maria Amorim da Costa. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (1838 – 1889). Dissertação de Mestrado [História Social] ─ USS ─ dezembro de 1997.

11

Page 13: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Em pesquisa no Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo ─ Rio de Janeiro –

RJ, onde Francisco Paulo de Almeida foi sepultado, através do livro de óbito nº 1617,

localizei sua campa. Após realizar os procedimentos de uma pesquisa, fotografar e registrar as

informações disponíveis, descobri que o Atestado de Óbito encontrava-se no Arquivo da

Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, onde consegui uma cópia do

mesmo.

Através do link da Câmara Municipal de Petrópolis – RJ, descobri que o mesmo foi

dono do Palácio Amarelo, sede do Legislativo, e que, logo após Francisco Paulo de Almeida

adquirir a propriedade, houve uma obstinação [perseguição] pela Câmara, para que o imóvel

passasse a ser sua sede. No período entre 1891 e 1894 o Legislativo aprovou a construção de

um mercado popular, onde hoje é a Praça Visconde de Mauá. Este projeto não prosperou,

porém, logo depois se aprovou a instalação de um “kursal”, que também não se desenvolveu,

e, finalmente, em 25 de abril de 1894, sancionou-se projeto que autorizava a construção,

naquele terreno, do novo Paço Municipal, que ficaria em frente ao solar do Barão. Foi uma

demanda que durou quatro anos, pois em 11 de junho de 1894, o Barão de Guaraciaba

capitularia, propondo ele próprio a aquisição do imóvel pela Câmara.

Na biblioteca do Legislativo, consegui cópia do jornal Gazeta de Petrópolis e dos atos

que autorizavam a construção do mercado público, do “kursal”, e o projeto de Lei

autorizando empréstimo para a construção do imóvel na atual Praça, além de um projeto do

vereador Osvaldo do Vale, instituindo homenagem oficial ao Barão de Guaraciaba, no hall do

Palácio Hermogênio da Silva [Palácio Amarelo], provavelmente, uma tentativa do legislativo

de recuperar ou homenagear a figura do barão.

No Centro de Documentação Histórica [CDH] da Universidade Severino Sombra, em

princípio, busquei seu inventário, mas achei apenas três processos que se encontram nas

caixas: 37, 245 e 301. Dois referentes à cobrança de dívidas para com ele e, o outro, a um

embargo de sentença.

No IPHAN de Vassouras analisei o livro Archivo Nobiliarchico Brasileiro3, de muita

3A Nobreza Brasileira de A a Z ─ "Página transcrita do Archivo Nobiliarchico Brasileiro dos barões Smith de Vasconcellos, com adendas e correções". Autor: Sérgio de Freitas.GUARACIABA: O barão de GUARACIABA foi Francisco Paulo de Almeida, que era natural de Santa Fé, MG. ─ Adenda: Firmino [*] Paulo de Almeida - agraciado com o título [Dec. 16.09.1887] de Barão de Guaraciaba. Nasceu em 10 de janeiro de 1826 em Santa Fé - MG e faleceu em 9 de fevereiro de 1901, no Rio de Janeiro, sendo sepultado no cemitério de Bemposta, município de Três Rios - RJ. Foram suas propriedades as fazendas das Três Barras, no atual município de Três Rios, e Santa Fé, no município de Chiador, Minas Gerais. Sua esposa, a baronesa, faleceu

12

Page 14: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

importância. Nesta obra, organizada pelos barões Smith de Vasconcellos, encontrei algumas

referências sobre Francisco Paulo de Almeida, sendo que consta seu nome como Firmino

Paulo de Almeida [sic.], nascido na cidade Santa Fé [sic] – MG, além do dia mês e ano do

decreto que lhe concedeu o título de barão de Guaraciaba.

Na Biblioteca Euclides da Cunha, localizei o livro: A história de Três Rios e de seus

vultos importantes, 1853-1992, de Marciano Bonifácio Pinto Filho; fiz uma cópia das páginas

que o autor escreveu sobre o barão e da bibliografia consultada por ele.

Em relação à bibliografia devo ressaltar a importância de dois livros, infelizmente

esgotados: Antigas Fazendas de Café da Província Fluminense ─ 1980 e Fazendas: Solares

da Região Cafeeira do Brasil Imperial ─ 1986, ambos da Editora Nova Fronteira. Neles

identifiquei e encontrei a localização de grande parte de suas propriedades, bem como fotos

de algumas.

Como já mencionei anteriormente, um dos maiores problemas enfrentados na pesquisa

foi a dificuldade para encontrar, inicialmente, fontes específicas sobre o protagonista. Porém,

persistindo no levantamento de informações, encontrei a localização de boa parte dos seus

imóveis. Com essa noção, pude definir um recorte que balizou o levantamento bibliográfico

relacionado ao Vale do Paraíba. A partir dessa bibliografia, consegui, aos poucos, pistas,

dados, informações e registros sobre a existência e a vida do barão. Contudo, é importante

ressaltar que tais obras raramente citam o fato dele ser negro ou “homem de cor”, expressão

utilizada por Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de Castro, no seu livro: Das cores do

silêncio: os significados de liberdade no sudeste escravista ─ Brasil século XIX.

Ao término da monografia, em outubro de 2006, o bisneto do barão, Gil Carvalho

Paulo de Almeida, engenheiro na Universidade Federal de Juiz de Fora – MG, fez contato

comigo. Ele me passou algumas fontes que possibilitaram dar continuidade à pesquisa, uma

vez que, a monografia já estava entregue e seria apresentada em breve.

De posse da informação da localização das fazendas, fui visitá-las e fotografá-las,

além de tentar conseguir alguma outra informação sobre ele. Iniciei minhas visitas pela

fazenda Três Barras, na cidade de Três Rios - RJ, onde constatei que sua outra fazenda, a

vitimada de febre amarela, na Fazenda das Três Barras, em 01.06.1889. ─ [*] O pesquisador nomeia o titular como Firmino. O ANB e o Dicionário das Famílias Brasileiras o têm como Francisco. ─ Colaborador: José Roberto de Vasconcellos Nunes - pesquisador. Criador e coordenador da lista Gen-Minas de genealogia. Disponível em: http://www.sfreinobreza.com/NobAZ.htm, acesso em 02 de julho de 2009.

13

Page 15: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Santa Fé, situada em Mar de Espanha – MG, situava-se do outro lado do encontro dos Rios

Piabanha e Paraibuna, onde existe uma ilha, bem no centro do rio que corre atrás da sede da

fazenda; sua outra fazenda, a Boa Vista em Paraíba do Sul – RJ é separada da fazenda Três

Barras pela Rodovia 040, Rio-Juiz de Fora – MG.

Na fazenda Três Barras, descobri o livro: Capítulos de História de Paraíba do Sul do

memorialista Pedro Gomes da Silva, em que consta a história da fazenda, e nela, pistas sobre

o compadrio de Francisco Paulo de Almeida com o Visconde de Jaguari. Saliento que as redes

de sociabilidade não se limitam à relação biológica de parentesco, mas sobrepõe-se aos laços

consangüíneos. O compadrio valoriza-se pelo significado que ele tem socialmente, e sua

importância na vida do protagonista.

Na fazenda Veneza, localizada no distrito de Conservatória, Valença – RJ, deparei-me

com a Estação Paulo de Almeida da Estrada de Ferro e descobri que a linha de trem, ligando

Barra do Piraí a Santa Izabel do Rio Preto passava pelas terras de Francisco Paulo de

Almeida, proprietário da empresa Companhia Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto,

construtora dessa linha, Entretanto, no distrito de Conservatória, não se sabe da sua existência.

Já ao longo de minha pesquisa para o mestrado, uma descendente do barão de

Guaraciaba, forneceu-me muitas fotos e informações sobre a figura estudada: cópia de

inventário, recibo de compra da fazenda Três Barras, etc.

Depois de muitas buscas, consegui localizar o inventário da Baronesa Dona Brasilia

Eugenia da Silva Almeida, que se encontra no Museu da Justiça. Em meados de 2008, fui à

cidade de Lagoa Dourada – MG, onde Francisco Paulo de Almeida nasceu. Para minha

surpresa, nessa localidade só o Marques de Valença é conhecido.

Em julho de 2009, retornei a São João Del Rei e, dessa vez, obtive sucesso. Consegui

no IPHAN os inventários de seu pai, da sua “madrasta” de sua madrinha “avó”, faltando

conseguir o do seu padrinho “avô”, ainda não localizado. Além disso, consegui marcar horário

na Igreja Matriz e fotografei a página onde consta o batismo de Francisco Paulo de Almeida.

Estes documentos forneceram informações e pistas que desconstruíram minha idéia inicial de

que Francisco Paulo de Almeida constituiu sua vida sem nenhum suporte, uma vez que tanto

sua madrasta, quando ele tinha 16 anos, como sua avó, quando ele já contava com 25 anos,

lhe deixaram, através de seus inventários, quantias substanciais, além de fornecer indícios das

redes de sociabilidade de sua família com outras da “elite” na Comarca do Rio das Mortes.

14

Page 16: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Cabe salientar que, embora tenha localizado e tido acesso a diversas fontes, várias outras não

consegui, por se encontrarem em restauração em outras cidades.

Retornando ao trabalho já citado de Marciano Bonifácio Pinto Filho, em consulta a

bibliografia informada por ele em sua obra, pesquisei-a na Biblioteca Nacional. Após revisá-

la, não encontrei indícios sobre Francisco Paulo de Almeida ou sobre o barão de Guaraciaba.

Dessa forma, permaneço sem saber onde Pinto Filho conseguiu as informações sobre o Barão,

constante em seu livro!

Essa foi a trajetória da pesquisa “de campo”, a qual está permitindo a constituição dos

contextos e a problematização de um personagem. Mas é preciso, ainda, salientar a

necessidade de reflexão sobre as diversas abordagens e compreensões da história e da

historiografia, bem como de suas variantes. Dentre elas, a reflexão biográfica, como por

exemplo, aquela apresentada por Vavy Pacheco Borges:

Como podemos saber sobre as pessoas desaparecidas no túnel do tempo? Começa-se

por procurar ouvir sua voz, seus ecos que nos vem do passado: diários, cartas, livros

e contos, escritos, fotos e o que mais houver. Essas são as fontes para nosso trabalho,

mas também o são tudo o que disseram ou escreveram as pessoas que conheceram

ou estudaram nosso personagem. Do cruzamento, da comparação de todos os dados

fornecidos por esses vestígios é que construímos a história de uma pessoa. Nós,

historiadores, estamos constantemente em busca de documentação que constitua

uma prova do passado que estudamos; a descoberta dessas provas durante a pesquisa

é a adrenalina dos historiadores (gosto de dizer que constitui nosso afrodisíaco e

funciona para nós como o poder para os políticos)4.

De uma maneira geral, para estudar a vida de alguém faz-se necessário o

aprofundamento no debate teórico-metodológico de como se é entendida e escrita a História, e

sua interação com a escrita biográfica.

Falar sobre contexto histórico e “reflexão” biográfica, a partir da História Política, é

uma tarefa complexa ─ em alguns momentos parece que estou em “areia movediça”, sendo

um dos fatores preponderantes para isso o tempo curto para desenvolver e concluir o

mestrado, como também as fontes que aparecem no decorrer da pesquisa. Por isso mesmo,

faz-se necessário, também, um tempo mais longo para desenrolar este novelo das teias de

poder e relações de sociabilidade, situadas em torno de Francisco Paulo de Almeida.

4BORGES,Vavy Pacheco. Em busca de Gabrielle: séculos XIX e XX. São Paulo: Alameda, 2009, p. 16.

15

Page 17: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

A biografia pressupõe um aprofundamento na vida e nos envolvimentos de um

personagem. Já a reflexão biográfica e o mapeamento dos contextos remetem ao exame do

conteúdo através da identificação e análise das possibilidades que permitem a continuidade do

trabalho e da pesquisa. Para tanto, trabalho, sobretudo, com o espaço temporal 1860–1901. O

recorte geográfico é compreendido entre Juiz de Fora, o Sul de Minas, o Médio Vale do

Paraíba, Petrópolis e a Corte.

A partir dessas reflexões, a trajetória das pesquisas me indicou que o trabalho tratava

da identificação e estudo de um contexto histórico e de uma “reflexão biográfica”. Por isso,

cabe aqui relembrar a lenda oriental dos seis cegos e o elefante, como uma forma análoga do

primeiro impacto ao se fazer a escrita da “reflexão biográfica” e contextos históricos:

“Eram seis homens muito eruditos do Hindustão, todos com a característica comum de

serem cegos de nascença. Tinham ouvido muitos comentários a respeito dos elefantes, mas até

então, não tinham tido a oportunidade de tocar em qualquer deles.

Certo dia, na cidade onde residiam, chegou um carregamento de mercadorias num

elefante. O condutor do elefante passaria alguns dias na cidade e os amigos dos seis eruditos

cegos resolveram proporcionar a eles a oportunidade de conhecerem, pelo tato, o que era um

elefante. E assim foi feito. Cada um tocou apenas uma parte específica do corpo do

paquiderme.

O primeiro aproximou-se do elefante esbarrando no seu dorso enorme e firme.

Apalpou-o, tentou empurrá-lo e saiu gritando convicto de que já sabia exatamente o que era

um elefante: “O elefante é uma muralha viva!” O segundo, apalpando a presa de marfim, saiu

gritando, também convicto de que já sabia exatamente o que era um elefante: “O elefante é

uma lança enorme!” O terceiro aproximou-se do animal e pegou a tromba que se contorcia em

suas mãos. Convicto de tudo conhecer sobre o elefante saiu gritando: “O elefante é uma cobra

muito grande!” O quarto esbarrou em uma das patas, apalpou-a bastante e gritou convicto: “O

elefante é uma árvore que se move!” O quinto aproximou-se da cabeça do animal e pegou

avidamente uma das orelhas. Após apalpá-la bastante, gritou convicto: “O elefante é um

enorme leque!” O sexto aproximou-se por trás, foi atingido pela cauda que se movia.

Segurou-a, apalpou-a, testou sua resistência e não teve mais dúvidas sobre a realidade do

elefante e gritou convicto: “O elefante é uma corda viva!”

Algum tempo depois, os amigos reuniram os seis cegos eruditos e ficaram assustados

16

Page 18: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

com a tremenda discussão que entre os seis surgiu, cada um defendendo ardorosamente seu

ponto de vista, sua convicção, nunca chegando a nenhuma conclusão.

Todos aqueles que presenciaram aquele hilariante debate saíram dali convictos de que,

embora cada um dos seis tivesse uma leve parcela de razão, todos eles estavam totalmente

errados, apenas porque não enxergavam nem jamais teriam condições de ter uma visão

abrangente e total daquilo que todos nós sabemos ser um elefante”.

Igualmente, tal qual um cego, abordei e pesquisei, inicialmente, a biografia e o

contexto de um indivíduo, cujos indícios foram difíceis de rastrear. Falar sobre uma pessoa,

ou escrever uma autobiografia, já considero uma tarefa penosa. Falar sobre a história de vida

em geral, torna-se ainda mais difícil.

Essa opção, além de construir o objeto e desenvolver meu trabalho de dissertação pela

História Política, possibilitou considerar o poder como um exercício, encarando-o como uma

relação, porque dessa forma é que consigo construir e definir meu objeto. Para tanto, nada

mais oportuno que a escolha da biografia política, não como uma evolução temporal, como

um encadeamento de causas e efeitos, mas aquela constituinte da chamada “Nova História

Política”.

Dessa maneira é que comecei a buscar novas pistas, além de aprofundar e testar as

conseguidas anteriormente. Assim, pude de início, identificar Francisco Paulo de Almeida

como um negro que nasceu e morreu no Brasil do século XIX, que conseguiu alcançar uma

situação financeira bem acima dos padrões considerados “normais” para um negro naquela e

daquela época5: foi fazendeiro e capitalista, provedor da Santa Casa de Misericórdia de

Valença – RJ e conseguiu um título de nobreza ─ Barão. Confesso que o fato de Francisco

Paulo de Almeida ter conseguido o título de barão e a falta de informações sobre ele, em

vários livros ou em documentos e registros da época, me provocaram e me estimularam para a

pesquisa.

No primeiro capítulo, apresento a trajetória da História Política bem como sua ligação

com a biografia, dentro da visão da “Nova História”. Para dar conta dessa empreitada, busco

inicialmente dar uma visão teórico-metodológica da História Política, explicando seu processo

de “declínio” até seu “retorno”, com suas novas abordagens. Faço a apresentação da biografia

5No decorrer do trabalho, na p. 44, citarei outros negros que também conseguiram destaque no século XIX, no Brasil.

17

Page 19: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

e de seus usos literário, jornalístico e histórico, bem como suas compreensões, diferenciações

e relações, apresentando o sujeito com suas identidades históricas e não naturais, dentro de

um campo e possibilidades permitidas pelo viver e vivenciar, não sendo “ele” estático, mas

em constante movimento.

Encerro o capítulo indicando o caminho metodológico na identificação, desconstrução

e (re)construção dos caminhos percorridos por Francisco Paulo de Almeida. Para isso,

recorro, até certo ponto, ao método indiciário utilizado e propagado por Carlo Ginzburg: “O

que caracteriza esse saber é a capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis,

remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente6”. A opção pelas

provocações de Ginzburg se explica pela possibilidade de se “decifrar” as teias e estratégias

construídas por Francisco Paulo de Almeida para alcançar o topo da pirâmide social.

Para dar embasamento ao desenvolvimento do primeiro capítulo, recorro a autores

como: Réne Rémond, Peter Burke, François Dosse, Marieta de Moraes Ferreira, Philippe

Levillain, Sabina Loriga, Carlos Antonio Aguirre Rojas, Benito Bisso Schmidt, e outros.

No segundo capítulo, seguindo a linha de historiadores como Carlo Ginzburg e Natalie

Davis, busco através de rastros, pistas e indícios, traçar o possível início de Francisco Paulo

de Almeida como músico, ourives e tropeiro. Para tanto, analiso as fontes, recorrendo ao

campo das probabilidades e possibilidades que indicam que sua família, anteriormente ao seu

nascimento, já possuía uma rede de sociabilidade dentro da “elite” do Arraial de Lagoa

Dourada e da Vila de São João Del Rei, na Comarca do Rio das Mortes – MG.

Como será notado, neste capítulo trabalho com rastros, pistas e indícios, procurando

relacionar a “reflexão” biográfica e o contexto do protagonista, com indivíduos que tenham

vivido na mesma conjuntura e sejam análogos a Francisco Paulo de Almeida. Entretanto, não

consegui identificar correlação entre outros indivíduos, na área musical e na arte da

ourivesaria. Já o referencial “tropas” e “tropeiros” obrigaram-me ao estudo e compreensão das

relações de poder e dos mecanismos inseridos na abertura de estradas e do comércio em que

eles estão inseridos. Outro fato relevante é que a atuação desse segmento dava-se mais por

motivo econômico, porém fortemente influenciado e conduzido pela política, caracterizando

as relações de poder e os mecanismos e estratégias utilizadas na época. A utilização dessa

estrutura caracteriza a forma de como a ocupação de cargos era apropriada e conduzida por

6GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 152.

18

Page 20: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

esse grupo, bem como as redes de sociabilidade formada pelo núcleo familiar eram

empregadas em proveito próprio. Outro fato caracterizado é que muitos fazendeiros, que

tinham sido tropeiros ou donos de tropas, ao alcançarem posições sociais e políticas de

destaque, omitiam esse período de suas vidas.

Trabalho o terceiro capítulo através das “relações de poder” produzidas, praticadas e

possibilitadas por Francisco Paulo de Almeida como fazendeiro; sua participação na Estrada

de Ferro no Vale do Paraíba; o ingresso na Irmandade como Provedor da Irmandade da Santa

Casa de Misericórdia de Valença – RJ; o conteúdo, os meios e as implicações da obtenção do

título de nobreza; sua atividade como capitalista em sociedades anônimas e na fundação dos

Bancos: Territorial e Mercantil de Minas Gerais e de Crédito Real de Minas Gerais; encerro

com o embate estabelecido entre o Legislativo de Petrópolis – RJ e ele, por causa do Palácio

Amarelo.

Neste último capítulo, inicialmente, busco sua participação na oligarquia cafeeira

através de suas fazendas de café, com destaque para a propriedade da Três Barras, por

caracterizar as relações de poder e sociabilidade marcadas pelo laço de compadrio com o

Visconde de Jaguari. Depois procuro desconstruir o mito de que a construção da estrada de

ferro no Médio Vale do Paraíba tenha sido um embate somente entre as famílias Faro e

Teixeira Leite, apontando outros fazendeiros que participaram dessas relações de forças,

inclusive indicando outros que foram responsáveis e sócios e/ou donos de Companhias que

possibilitaram a colocação dos trilhos, ligando Belém [atual Japeri] ao Arraial de Barra do

Pirai [atual cidade de Barra do Piraí], de onde irão sair as demais ramificações para Barra

Mansa, Valença, Santa Izabel do Rio Preto, Arraial de Três Rios, etc., que possibilitaram e

concretizaram a ligação com Minas Gerais e São Paulo.

Através do compadrio, Francisco Paulo de Almeida vai conseguir ingressar na

Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Valença, possibilitando, assim, sua eleição para a

provedoria no biênio 1882-1884. Como o recebimento de seu título de barão na Regência da

Princesa Isabel, em 1887, estava politicamente ligado ao movimento abolicionista, motivador

da desavença ocorrida entre a Princesa e seu ministro, o Barão de Cotegipe, talvez para

contrariar o Ministro, a Princesa concedeu títulos nobiliárquicos para seu grupo de “amigos”.

Concomitantemente, começou a se envolver com as chamadas Sociedades Anônimas,

bancos e instituições financeiras, sendo sócio fundador do Banco Territorial e Mercantil de

19

Page 21: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Minas e o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, O Credireal, da Companhia Agrícola

Industrial Mineira, etc. Finalmente, indago sobre a aquisição do Palácio Amarelo em

Petrópolis – RJ pelo protagonista e o movimento feito pela Assembléia Legislativa para

adquirir o imóvel, fato ocorrido após a República.

Por tudo isso, trata-se de uma reflexão biográfica, de um estudo que busca a

identificação e análise dos contextos de um sujeito: Francisco Paulo de Almeida. Por trabalhar

com enfoque da “Nova História Política”, com suas problematizações propostas e abordagens,

não desprezo nem desconsidero a importância da narrativa para dar conta não só do contexto

geral como do específico do sujeito. Posso afirmar tratar-se de um trabalho inédito, o que

torna impossível sua conclusão nessa dissertação de mestrado.

Deste modo, reafirmo não se tratar do ponto de chegada. Exatamente por ser um

trabalho dissertativo, não uma tese, busco tecer e apresentar reflexões biográficas e de

contextos, indagando sobre os caminhos, a trajetória, as redes de sociabilidade, as relações de

poder, o tempo e suas especificações na vida e nos caminhos de Francisco Paulo de Almeida.

20

Page 22: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

1. HISTÓRIA POLÍTICA E BIOGRAFIA: uma abordagem de muitas vozes.

1.1. Uma visão teórico-metodológica da História Política.

A trajetória de Francisco Paulo de Almeida é tomada como eixo do trabalho para com,

e a partir dela, relatar e configurar a sua vida e sua[s] história[s]. Por esta razão, se afigura

necessária a análise de sua vida, sobretudo por meio de suas redes de sociabilidade para que o

contexto de sua vida social, econômica e política seja mapeado e analisado, permitindo,

assim, a abordagem reflexiva biográfica e o estudo do contexto histórico..

O período da trajetória do protagonista, no século XIX, é marcado por diversas

mudanças, chegando a abranger a transição entre a monarquia brasileira e a implantação do

regime republicano e tem suscitado diversas abordagens da historiografia nacional, através de

intensa atividade acadêmica e editorial. Todavia, tal recorte parece ser ainda terreno fértil

diante de certos temas marcantes no período, a instigar a tarefa dos historiadores7.

Deve-se, antes de apresentar e analisar de forma mais sucinta a trajetória de Francisco

Paulo de Almeida, deixar claro o direcionamento teórico-metodológico do trabalho.

Como ficará evidente, apesar da necessidade de descrições esclarecedoras, a essência

da pesquisa e da dissertação envolve discussões pertinentes à “Nova História Política”, ou

seja, uma visão biográfica diferenciada daquelas calcadas nos grandes feitos, nos grandes

homens e em narrativa factual. Outro mecanismo utilizado neste trabalho é a busca e a análise

das redes de sociabilidades e das relações de poder para, a partir delas, expor as teias que

envolvem a construção da vida de Francisco Paulo de Almeida.

Conforme Rémond, a opção pela escrita da História Política já não é causa de

7Dentre estes temas posso citar: A vinda da família Real Portuguesa para o Brasil, a abertura dos portos no Brasil, o fim das guerras napoleônicas, a Independência do Brasil, a agricultura cafeeira, a implantação da Estrada de Ferro Dom Pedro II, a abolição da escravatura, a proclamação da República, entre outros.

21

Page 23: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

polêmica acirrada entre historiadores8, mas as inovações recentes do gênero biográfico-

histórico têm passado pelo crivo severo das “Bancas Examinadoras”, que exigem apuro

teórico-metodológico dos pretendentes aos títulos de pós-graduação.

Dessa forma, ao enveredar pelo político, o historiador encontra desafios que só podem

ser vencidos com a clara disposição do rigor com o qual abordará os registros e fontes

relacionados, demonstrando que o discurso se ampara e, ao mesmo tempo, produz dados e

documentos embasados nas percepções dos processos históricos fornecidos por eles [fontes e

registros]. Além disso, deve, o historiador, contextualizar sua abordagem, definindo os dados

temporais e os elementos materiais do trabalho.

A “Nova História” tem como proposta uma “História-problema” diferenciada na sua

totalidade da “Velha História” ou “História Tradicional”, dita factual, voltada para o Estado,

para os grandes feitos dos grandes homens. Entretanto, alguns historiadores do século XX,

inseridos na “Nova História”, adotam a cronologia do século XIX, período compreendido

entre 1815, fim das guerras napoleônicas e 1914, início do primeiro conflito mundial,

desconsiderando, assim, totalmente o recorte cronológico tradicional ─ 1801–1900. Isto me

leva a acreditar que, embora rejeite a “História Tradicional”, a chamada “Nova História”

ainda se apropria de uma determinada factualidade e de um determinado corte temporal, que

ela utiliza para definir o século XIX europeu e que orienta seu trabalho. Fica demonstrado,

assim, que, muitas vezes, alguns marcos e recortes resistem às mudanças, as quais, como se

sabe, são definidoras do próprio trabalho histórico. Evidentemente, o que eu quero ressaltar é

que, embora se denomine uma “Nova História”, muitos historiadores promovem, dentro do

campo historiográfico, usos da História positivista ─ narrativa e totalizante, servindo,

inclusive, como problematizações futuras para os historiadores desse mesmo grupo.

Como se sabe, a História positivista cultuava a monografia. A síntese histórica era

banida a um longínquo futuro e imperava soberana a redução analítica, a paciente coleta de

uma enorme massa de dados acerca, muitas vezes, de reduzidos temas, esses às vezes

rigorosamente “irrelevantes”. O estabelecimento de “fatos singulares” primava sobre a

explicação.

Seria necessário, então, condenar a monografia em áreas da síntese histórica, da visão

das sociedades humanas como totalidades articuladas, estruturadas? Lendo com atenção o que

8RÉMOND, Réne. Uma História Presente. In: RÉMOND, Por uma história política. Trad. Dora Rocha. ─ 2. ed. ─ Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 14.

22

Page 24: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

dizem os historiadores da “Nova História”, daquela História que busca construir-se como

ciência [mesmo na infância], nota-se que jamais afirmaram tal coisa. Rémond observa que:

Seus pressupostos eram que os comportamentos coletivos tinham mais importância

para o curso da história que as iniciativas individuais, que os fenômenos registrados

numa longa duração eram mais significativos e mais decisivos que os movimentos

de fraca amplitude, e que as realidades do trabalho, da produção, das trocas, o estado

das técnicas, as mudanças da tecnologia e as relações sociais daí resultantes tinham

mais conseqüências, e, portanto deviam reter maior atenção dos observadores, que

os regimes políticos ou as mudanças na identidade dos detentores de um poder cujas

decisões, segundo se entendia, só faziam traduzir o estado da relação das forças

sociais, ou refletir realidades anteriores às escolhas políticas9.

É evidente, porém, que essas monografias na área das sínteses históricas, instrumentos

de construção e verificação de teorias, contrapartida necessária das sínteses globalizantes, têm

pouco em comum com o ideal positivista de trabalho monográfico. Hoje, é sabido que a

monografia, tal como é entendida, deve articular-se com a teoria, partir do social, buscando,

sempre, contextualizá-lo [sem ele não seria possível definir adequadamente o aspecto sobre o

qual versa o estudo monográfico].

Esta dissertação deve ser assim entendida e apreciada. Um personagem como

Francisco Paulo de Almeida, sem rastros tradicionais10 ─ o que não significa, efetivamente, a

falta de “laços tradicionais” ─, se faz intrigante e a sua reflexão biográfica torna-se

interessante pelo fato dela servir como meio de se dar voz e visibilidade a esse sujeito

histórico, além de romper o silêncio existente sobre ele, apesar de ele ter sido ao longo, do

século XIX, negro, empresário, fazendeiro, nobre.

Voltando às considerações dos marcos e balizas da “Nova História”, embora apontem

para uma “História-problema”, em certas questões mantêm o factual, o temporal-cronológico.

Poderia afirmar que o século XIX no Brasil iniciou-se no ano de 1808, com a chegada da

Família Real com a Corte portuguesa e suas consequentes e subsequentes ações políticas.

Nem sempre a teoria condiz com a prática e, em história, nada é absoluto e natural! O

político, o cultural, o social, o econômico, etc., têm destaque privilegiado, ou não, a partir de

sua posição no conjunto e na constituição do conhecimento histórico.

9RÉMOND, Réne. Op. cit., p. 16.10Entendido, neste contexto, como os rastros, pensamentos e comportamentos marcados e deixados pelos nobres, fazendeiros e a elite em geral, do século XIX, principalmente, após meados dos Oitocentos.

23

Page 25: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Ao fixar a pesquisa no século XIX, tomado como se mencionou anteriormente, e para

dar conta dos objetivos, senti especial interesse pelas relações de poder e pelas redes de

sociabilidade constituídas e constituintes dos chamados ─ Senhores do Vale do Paraíba ─,

consolidadas nos anos oitocentos. Até porque, não consigo visualizar e articular o

protagonista, Francisco Paulo de Almeida, fora dessa teia composta e derivada de uma ─ elite

─ inserida nessas redes.

Para tais proposições, inicialmente, acreditei e julguei oportuno construir um objeto de

dissertação que se distinguisse do caminho mais óbvio, qual seja, de estudar o poder

exclusivamente pelos seus detentores, protagonistas da hegemonia das oligarquias. Entretanto,

o decorrer da pesquisa, bem como a redação do trabalho, mostraram e apontaram que o

caminho era outro, uma vez que, Francisco Paulo de Almeida já nasce de certa forma, dentro

desse grupo.

Consciente de que o protagonista pertenceu a tais elites, busquei indagar e relatar sua

trajetória através da correlação do poder dos plantadores, desde sua ascensão no Vale do

Paraíba, até sua aparente queda. Sendo assim, optei, neste trabalho, por um caminho em que

eu consiga explicá-lo, através de pistas e indícios encontradas nas histórias de vida de outros

personagens, que compõem suas redes de sociabilidade.

A opção por este caminho, com todo esse manancial para embates, me fez perguntar:

Por que a trajetória de uma determinada História Política, que teve seu apogeu no século XIX,

passa a ser desprestigiada a partir dos anos 20 até início da década de 60 do século XX? O que

pode ter ocorrido? Neste sentido, as considerações de Rémond sobre Uma História Presente11

são imprescindíveis se se quiser compreender as concepções fundadoras da escrita histórica.

O autor introduz sua discussão sobre os pressupostos teóricos que teriam fomentado a

reformulação do conceito e do papel da História. Tomando primeiramente como foco a

questão que:

Desejosa de ir ao fundo das coisas, de captar o âmago da realidade, a nova história

considerava as estruturas duráveis mais reais e determinantes que os acidentes de

conjuntura. [...].

Ora, a história política apresentava uma configuração que era exatamente contrário a

essa história ideal. [...] Ela só tinha olhos para os acidentes e as circunstâncias mais

superficiais: esgotando-se na análise das crises ministeriais e privilegiando as

rupturas de continuidade, era a própria imagem e o exemplo perfeito da história dita 11RÉMOND, Réne. Op.cit.

24

Page 26: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

factual, ou événementielle ─ sendo o termo aí evidentemente usado no mau sentido

─, que fica na superfície das coisas e esquece de vincular os acontecimentos às suas

causas profundas. [...] Ao privilegiar o particular, o nacional, a história política

privava-se, ao mesmo tempo, da possibilidade de comparações no espaço e no

tempo, e interditava-se as generalizações e sínteses que, apenas elas, dão ao trabalho

do historiador sua dimensão científica12.

Ainda de acordo com Rémond, a dita “História Política” teve seu apogeu no século

XIX, porém, “devido à convergência de vários fatores contingentes, uma geração abre uma

passagem em alguma direção que descortina novas perspectivas e enriquece o conhecimento

global13”. Buscando o enriquecimento e o conhecimento desta “Nova História”, forma-se o

grupo dos Annales, que identifica e direciona a História com a especificidade econômica e

suas consequências sociais, utiliza-se como estratégia para o crescimento e desenvolvimento

da História econômica e social, o descrédito da História Política: “Os historiadores

econômicos foram, talvez, os opositores mais bem organizados na história política14”. Porém,

o mesmo movimento/escola que acarretou seu declínio, foi resgatado através da “Nova

História”, a partir dos anos de 1960. Segundo Dosse:

A paisagem modifica-se nos anos 60. Os historiadores dos Annales, para resistir ao

novo assalto das ciências sociais, renunciam, então à sua vocação de síntese,

entregam as armas e pensam em termos de novos recortes disciplinares provisórios a

partir das diversas práticas e dos diversos objetos históricos. [...].

Esses historiadores partidários da história global são, hoje, os verdadeiros portadores

da renovação do discurso histórico e da verdadeira Nova História. [...] Para que a

história volte a ser a ciência da mudança, como Marc Bloch a denominava, é preciso

que rompa com o discurso predominante dos Annales do tempo imóvel, com a visão

passadista do historiador, que se precavenha de toda veleidade de transformações ao

apresentar um mundo social dotado de respiração natural, regular e imutável. [...] O

renascimento do discurso histórico passa pela ressurreição daquilo que foi rejeitado

desde o começo da escola dos Annales, o acontecimento. [...] trata-se de fazer

renascer o acontecimento significativo, ligado às estruturas que o tornaram possível,

fonte de inovação. [...] é preciso mudar o mundo, não o passado15.

A função da História Política concebida e escrita ao longo do século XIX ─ a do

12 RÉMOND, Réne. Op.cit., p. 16-17.13 Idem, p. 13.14BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997, p. 19.15DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 373, 382-383.

25

Page 27: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Estado, do poder, das guerras e revoluções, das instituições e grandes homens ─ manteve seu

prestígio durante longo tempo porque refletia a glória do soberano e a exaltação da

monarquia. A mudança do regime monárquico só alterou o foco para o Estado e a nação, “o

que mostra o quanto é verdade que o historiador de uma época distribui sua atenção entre os

diversos objetos que solicitam seu interesse na proporção do prestígio com que a opinião

pública envolve os componentes da realidade16”.

Pelas proposições apresentadas, levantam-se várias diretrizes para o estudo da História

Política. Contudo, conforme Ferreira, “um ponto comum pode ser detectado: a convicção de

que a política tem uma existência própria não sendo ela uma simples expressão reflexa da

ação das forças econômicas17”. A interdisciplinaridade fez essa “Nova História Política”

preocupar-se em estudar grupos oprimidos e também grupos institucionais, porém, com novas

ferramentas de análise e, segundo Rémond:

A umas, a história política pediu emprestadas técnicas de pesquisa ou de tratamento

a outras, conceitos, um vocabulário, uma problemática; às vezes pediu uma e outra

coisa às mesmas disciplinas, já que os métodos e as técnicas estão ligados ao tipo de

interrogação formulada e uma forma de abordagem intelectual18.

Para René Rémond, a política é uma das mais altas expressões da identidade coletiva.

Talvez por isso, o autor ressalte a importância do entendimento da História Política para se

compreender o todo social, ou seja: “da participação na vida política e dos processos

eleitorais, integra todos os atores, mesmo os mais modestos, perdendo assim seu caráter

elitista e individualista e elegendo as massas como seu objeto central19”.

Desde então, a História Política não se volta mais somente para a curta duração, para o

tempo do acontecimento, produzindo uma história que se chamaria de événementielle, mas

sim para uma “pluralidade de ritmos que combinam o instantâneo e o lento20”, tornando

possível uma análise das formações políticas e ideológicas com base nesta “Nova História”.

Rémond ainda analisa que só é política a relação com o poder na sociedade como um todo e

que a História Política é necessariamente pertencente a uma perspectiva global, sendo o

político o seu ponto de agregação.16RÉMOND, Réne. Op. cit., p. 15.17FERREIRA, Marieta de Moraes. “A nova “velha história”: o retorno da história política. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5. n. 10, 1992, p. 265-271.18RÉMOND, Réne. Idem, p.29.19FERREIRA, Marieta de Moraes. “Apresentação”. In: RÉMOND, Réne. Por uma história política. Trad. Dora Rocha. ─ 2. ed. ─ Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 7.20Idem.

26

Page 28: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

1.2.História Política: uma nova abordagem.

No decorrer do século XX, refletir sobre a realidade que cerca e constitui o ser

humano esteve para o historiador, longe de ser uma ação única, cujos procedimentos

buscavam somente uma direção. Muito pelo contrário, essa realidade da constituição do ser

humano insere-se no campo de ação das possibilidades. Filhos da crise dos grandes

paradigmas e dos determinismos que desregularam os mecanismos explicativos do

econômico, social e político, ampliando seu campo de ação, os historiadores aprenderam a

conviver em um universo de novas possibilidades que aumentaram os variados temas,

problemas e abordagens de seus trabalhos.

Porém, nem todas essas possibilidades foram [e ainda não são] bem vistas.

Especialmente os trabalhos realizados pela terceira geração dos Annales, vanguarda da

chamada “Nova História”. Os estudiosos que a propiciaram, envolveram-se e se

comprometeram com o aparecimento de novos objetos, novas fontes e novos temas na

historiografia. Um exemplo dessa posição é fornecido pelo próprio Dosse:

A terceira geração dos Annales, sensível como as outras às interrogações do

presente, muda o rumo de seu discurso ao desenvolver a antropologia histórica. Ao

responder ao desafio da antropologia estrutural, os historiadores dos Annales

retomam mais uma vez a roupagem dos rivais mais sérios e confirmam suas

posições hegemônicas21.

Até por volta do início do século XX, estudos associados ao político eram

hegemônicos entre os historiadores. Como já foi dito, dedicavam-se tais historiadores a

compreensão das ações de “grandes homens” [ministros, chefes de estado, imperadores,

chefes religiosos, etc.]; e aos “grandes acontecimentos” [guerras, tratados, revoluções, etc.].

A partir da influência do marxismo e dos Annales, essa abordagem da História foi

posta à margem e com ela, em boa medida, o próprio estudo da História Política,

21DOSSE, François. Op. cit., p.249. [antropologia histórica, entendida neste contexto como a “evolução histórica” e antropologia estrutural como “característica estrutural”].

27

Page 29: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

sobrevivendo as seguintes contribuições/influências: de um lado, o marxismo, por conta de

enfatizar o coletivo, as classes dominadas e dominantes e as esferas do social e do

econômico22; por outro, os Annales que contribuíram para a organização das análises

igualmente coletivas, pois defendiam uma História totalizante com o enfoque em novos

objetos23. Ressalve-se o fato de que o historiador “Lucien Febvre escreveu um Luther e que a

grande tese de Fernand Braudel sobre Felipe II e o Mediterrâneo é também, à sua maneira,

uma biografia24”, ou pelo menos, um trabalho histórico de abordagem biográfica. Conforme

Ferreira:

Foi nos anos 60, quando o marxismo conheceu uma grande expansão na França, e se

aprofundaram os contatos entre esta doutrina e os Annales que a dimensão política

dos fatos sociais foi especialmente marginalizada. Esta postura deveu-se

essencialmente à formulação de inúmeras criticas ao papel do Estado, visto como

mero instrumento da classe dominante, sem nenhuma margem de autonomia. O

político passava a ser um reflexo das injunções econômicas, destituído de dinâmica

própria. Alain Touraine declarou a esse respeito que durante longos anos ocorreu

uma interdição na historiografia e nas ciências sociais ao estudo do Estado25.

Embora nunca tenham desaparecido de todo, os estudos dessa História Política

ganhariam nova importância e roupagem, a partir da década de 60, do século XX, grosso

modo, graças aos trabalhos promovidos por estudiosos associados ao marxismo e ao grupo

dos “Annales”.

Por parte dos marxistas, como é sabido, deve-se atentar para a renovação promovida

por um maior diálogo com as ciências vizinhas. Tais autores investiram no político a partir de

um esforço compreensivo das concepções morais e ideológicas que motivaram os grupos

populares e personalidades e, acompanhando Santos:

O alargamento do campo de análise do marxismo aproximando-o à psicanálise

[Reich, Erich From, Marcuse, Adorno e Sartre, entre outros], da sociologia, da

economia e da ciência política; as implicações do ponto de vista marxista sobre a

teoria da arte e da produção literária [Luckaks, Adorno], a renovação da

antropologia [Godelier, Darcy Ribeiro, Lewis, Woolf, etc.], da arqueologia [Gordon

Childe, A. Gilman], da História [Hobsbawn, Taylor, Perry Anderson, Souboul, etc.],

22HOBSBAWM, Eric. “O que os historiadores devem a Karl Marx?” In: Sobre história. Trad. Maria Aparecida Baptista. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000, p. 155-170.23BURKE, Peter. Op. cit., p. 113.24LEVILLAIN, Philippe. “Os protagonistas: da biografia”. In: RÉMOND, Réne. [org.]. Op. cit. p. 143.25FERREIRA, Marieta de Moraes. Op. cit. 1992, p. 265-271.

28

Page 30: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

da história e da filosofia da ciência [Bernal, Richta, Whrite, etc.] obriga-nos a

repensar a questão da unidade teórica do pensamento marxista e seu movimento

analítico como uma proposta holística mas não como um resultado acabado: um

sistema teórico fechado26.

Já no caso dos “Annales”, integrantes da terceira geração passaram a tratar da História

Política sob nova perspectiva. Os trabalhos de Georges Duby, Roger Chartier, Maurice

Agülhon, Jacques Le Goff, Jacques Julliard, Jacques Revel apontavam para a importância da

História Política. Isto porque tratam essa “instância do real” por meio de conceitos como:

imaginário social, e representações sociais. Também enfrentaram temas como as políticas

territoriais, o patrimônio público, a biografia, etc.

De modo diferente, não apenas entre os marxistas, como entre os próprios autores que

constituíam esse grupo da terceira geração, a investigação do político passou a ser realizado

por meio da interpretação de símbolos, sentidos e valores presentes em rituais, cerimônias,

discursos, etc. Desta feita, memória, identidade, tradição, mentalidade, imaginário,

representação, ideologia, entre outros conceitos-chaves, centralizaram a dedicação do

historiador.

Em prol de responder a uma realidade que se tornava mais complexa, os novos

historiadores da História Política buscaram atender aos anseios de um mundo influenciado

pela agilidade nos sistemas de informação e nas diversificações conceituais e metodológicas.

As respostas desse período histórico deveriam dar conta da pluralidade do ser humano e do

social. Assim, o método de trabalho que focaliza as subjetividades e as representações, etc.,

conseguiria se aproximar mais dessa tal pluralidade do próprio indivíduo e do social, não por

ser uma chave que abrisse todas as portas, mas por se mostrar “um fenômeno de múltiplos

parâmetros, que não leva a uma explicação unívoca, mas permite adaptar-se à complexidade

dos comportamentos humanos27”.

Ainda mapeando as novas abordagens da História Política, Serge Berstein, preocupado

em entender os comportamentos políticos, chama a atenção para a importância da chamada

cultura política: “La ‘culture politique’ est une clé. Elle introduit de la diversité, du social,

26SANTOS, Theotonio dos. “A Economia Política Marxista: Um Balanço”. In: Sociedade de Economia Política e Clássica. [Org.]. CONGRESSO DE ECONOMIA CLASSICA E POLÍTICA, 1. ANAIS. NITEROI: UFF, 1996. Disponível em http://www.nodo50.net/cubasigloXXI/taller/dossantos_290204.pdf. acesso em 23 set. 2008.27BERSTEIN, Serge. “A Cultura Política”. In: RIOUX, J; SIRINELLI, J [org.]. Para uma História Cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 350.

29

Page 31: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

des rites, des symboles, là où règne, croiton, le parti, l’institution, l’immobile. Elle permet de

sonder les reins et les cœurs des acteurs politiques. Son étude est donec plus

qu’enrichissante: indispensable [...]28”.

Um terreno nebuloso é a definição assumida por Berstein29 em seus artigos quando se

refere aos estudos de cultura política. Como dito anteriormente, a existência de intercâmbio

entre Sociologia, Antropologia e a História, no tocante as análises da política, me leva a

enxergar uma fronteira porosa, que instiga ao convite pelo diálogo e não restringe a ação

política a um campo específico e epistemológico.

Para Berstein, História Política é uma “porção de um patrimônio cultural indiviso que

é experimentado no curso de uma existência30”. Portanto, cada cientista a partir de seu olhar

deve experimentar sua análise na tentativa de compreender a complexidade do todo. Trata-se

de “uma espécie de código e de um conjunto de referentes, formalizados no seio de um

partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma família ou de tradição política31”.

Pierre Rosanvalon vai mais longe nesta descrição. Segundo ele, o político não é uma

instância ou um domínio entre outros da realidade. É o lugar onde se articula o social e sua

representação, a matriz simbólica na qual a experiência coletiva se enraíza e se reflete por sua

vez. Com esta demarcação mais ampla do espaço do político, Rosanvalon abre novas

alternativas para o estudo dos fenômenos políticos entendidos como campo de representação

do social:

[...] a história conceitual do político não conduz propriamente a rejeição das vias

tradicionais da história [...], ou aquelas mais recentes da história [...], mas apenas à

recuperação de sua matéria em uma perspectiva diferente. Trabalho de recuperação

que pode explicar, em certos casos, o risco de um simples retorno32.

Dessa maneira, nas últimas décadas, como apontam Rémond, Berstein e Rosanvalon,

tem-se, não apenas o “ressurgimento” da História Política, mas sim novas possibilidades para

pensarmos a política e o político.

28BERSTEIN, Serge. “L’historien et la culture politique”. Vingtième Siècle. Revue D’Histoire, n. 35, juil/sep. 1992, p. 67-77. “A cultura política é única chave. Ela introduz a diversidade, o social, ritos, símbolos, lá onde acredita que reina o partido, a instituição, o imutável. Ela permite sondar os rins e os corações dos atores políticos. Seu estudo é mais que enriquecedor: indispensável”.29BERSTEIN, Serge. Op. cit, 1998, p. 350.30Idem, p. 359.31Idem.32ROSANVALON, Pierre. “Por uma História Conceitual do Político”. Revista Brasileira de História. v. 15, n 30. São Paulo, 1995, p. 09-22.

30

Page 32: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Acreditando no movimento de renovação da História Política, historiadores se abriram

para novas possibilidades interpretativas da sociedade e dos homens no tempo. Tirando

proveito das conversas e troca com as ciências vizinhas como a sociologia, a antropologia, a

teoria literária e as ciências da linguagem [Análise do Discurso, Hermenêutica, etc.] vinha a

lume uma forma de pensar a História Política que teria no seu cerne a troca ─ o diálogo.

Várias possibilidades se abrem frente aos olhos do historiador, o qual encontra, assim,

uma forma menos arbitrária e determinista de trabalhar com essa “realidade”, que se faz mais

complexa e plural. Ainda assim, algumas questões continuam a instigar-me: como trabalhar a

partir desta linha histórica? O que pesquisar e de que forma?

Torna-se possível trabalhar as redes de sociabilidade como uma analogia às famílias

políticas, como uma aproximação das culturas políticas. Para Berstein33, uma cultura política

ou família política nasce de acordo com a necessidade que os homens vivenciam em cada

período histórico.

Dentro dessa “Nova História Política” uma opção é [re]definir o status e o trabalho

com biografias. Como propõe Réne Rémond e seus colaboradores, os novos estudos do

político atribuem importância à compreensão de biografias, estudo de gerações, manipulações

de memórias e de identidade34. Em todos esses casos, ganha fôlego renovado o enfrentamento

do evento/fato, visto não mais isoladamente, mas como um ponto especialmente propício para

que o historiador vislumbre as estruturas históricas e as rearticulações que os atores e grupos

sociais promovem35.

Perceber a historicidade destes símbolos e verificar o seu processo de longa duração

neles é estar mais próximo de compreender as relações existentes na História Política,

inclusive com as biografias. É chegar próximo das tramas e teias discursivas que constroem o

“real”, impregnado de símbolos, ritos, representações e significados. Desta forma, conforme

Nora:

Esse tipo [novo] de biografia pode também revelar constantes, indicar diferenças,

captar a realidade dos problemas sociais através do concreto de uma vida. Tudo

depende do nível significativo do personagem. E é certo que quanto menos ele se

situar entre os protagonistas da história, mais o ensinamento têm chance de ser rico.

33BERSTEIN, Serge. Op.cit., 1998.34RÉMOND, Réne. Op.cit., p. 16.35NORA, P. “O retorno do fato”. In: LE GOFF, J; NORA, P. História: novos problemas. Trad. Hilton Japiassú. 3. ed. ─ Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 243-262.

31

Page 33: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Trata-se então de uma questão de fonte36.

Ampliadas as áreas de investigação e pluralizados os marcos conceituais, algumas

falas foram “restauradas” no discurso da História, abrindo espaço para a incorporação de

novas fontes; do privado e a experiência de outros setores sociais, provocando sua reescrita.

Nesse sentido, os estudos biográficos permitem mostrar que o estudo da vida de indivíduos e

identidades visualizadas através de jogos de significação, relações de poder e redes de

sociabilidade conseguem dar conta do contexto.

1.3.Da Biografia e de seus usos.

Considerando a ausência de documentos produzidos pelo biografado

[correspondências, diário, etc.], e de “escritos oficiais” sobre ele, busquei, nas redes de

sociabilidade e nas relações de poder, pistas, dados, informações que possibilitassem a análise

do objeto de estudo. Tal estratégia já é, por sinal, recorrente em trabalhos de outros

historiadores, como por exemplo, Carlo Ginzburg37.

A partir dos anos 70 e começo dos anos 80, a reboque das críticas feitas às

interpretações marxistas, estruturalistas e cliométricas, assistiu-se a uma progressiva

valorização do papel do indivíduo e das subjetividades nas análises históricas. Nesse quadro,

ampliaram-se os debates anteriores que chegaram ao século XIX, período de edificação da

História como disciplina ─, qual sejam, da relação entre História e a biografia, que, conforme

Levillain, “mantiveram relações de alternativa e não de hierarquia ou de complementaridade.

36LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 175.37Em relação a GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo: Companhia das Letras, 1989a, p 153. Segue comparando [ou relacionando] o paradigma venatório ao paradigma implícito nos textos divinatórios mesopotâmicos no sentido em que: “Ambos pressupõem o minucioso reconhecimento de uma realidade talvez ínfima, para descobrir pistas de eventos não diretamente experimentáveis pelo observador.” e ainda ressalta que apesar do “[...] fato de que a adivinhação se voltava para o futuro, e a decifração, para o passado [talvez um passado de segundos]. Porém a atitude cognoscitiva era, nos dois casos, muito parecida; as operações intelectuais envolvidas ─ análises, comparações, classificações ─ formalmente idênticas”.

32

Page 34: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

O debate tem raízes numa divisão das tarefas atribuídas ao historiador e biógrafo que, fixado

na historiografia grega, cristalizou o gênero biográfico ao longo do século38”. Contrários a tal

afinidade, alguns historiadores afirmavam que, com esta aproximação, poder-se-ia desistir da

“História-problema” em retorno a uma História cronológica, de grandes homens e seus feitos

fabulosos39.

Entre os adeptos dos referenciais marxistas [principalmente os oriundos da Escola de

Frankfurt]40, e posteriormente com todas as correntes historiográficas surgidas no século XX,

opostas a uma História tida positivista, a biografia passou a ocupar um lugar secundário nos

“escritos sobre o passado”. Buscava-se, assim, a valorização de uma perspectiva

historiográfica supostamente mais crítica e abrangente, em detrimento de uma “História de

heróis41”.

No século seguinte, houve igualmente trabalhos que sinalizaram para os diversos

ganhos obtidos, com a aproximação entre História e biografia literária ─ não obstante suas

evidentes e necessárias distinções. Historiadores como Carlo Ginzburg e Philippe Levillain

mostravam-se convencidos de que, através do diálogo entre as duas áreas, poder-se-ia

assinalar a diversidade humana e, assim, enriquecer o fazer historiográfico. Em sua micro-

história, Ginzburg se debruçou sobre a ação de “homens comuns”, como o simples moleiro de

pequena aldeia européia:

No passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer somente as

“gestas dos reis”. Hoje, é claro, não é mais assim. Cada vez mais se interessam pelo

que seus predecessores haviam ocultado, deixado de lado ou simplesmente ignorado.

‘Quem construiu Tebas das sete portas?’ ─ perguntava o ‘leitor operário’ de

Brecht42.

No mesmo esforço do historiador italiano, não obstante as críticas feitas a

determinados usos do biográfico em tempos passados e atuais, Levillain argumenta que, em

38LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 145.39LORIGA, Sabina. “A Biografia como problema”. In: REVEL, Jacques [org.]. Jogos de Escala. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, p.226.40Em relação àqueles da Escola de Frankfurt, cito: Henri Lefebvre, Guy Debord, Domenico Losurdo, Slavoj Zizek, Claude Lévi-Strauss, Bertold Brecht, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Fredric Jameson, Terry Eagleton, Marshall Berman, Peter Dews, Wilhelm Reich.41ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. “La biografía como género historiográfico: algunas reflexiones sobre sus posibilidades actuales”. In: SCHMIDT, Benito Bisso. O Biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul-RS: EDUNISC, 2000, p. 9-48.42GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 15 [prefácio à edição italiana].

33

Page 35: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

prol da diversidade humana, o gênero biográfico não deve ser abandonado. Ainda de acordo

com ele:

A biografia histórica hoje reabilitada não tem como vocação esgotar o absoluto do

“eu” de um personagem, como já pretendeu e ainda hoje o pretende mais do que

devia. E se a simbologia de seus fatos e gestos pode servir de representação da

história coletiva através de um homem, tal como o retrato, ela não esgota a

diversidade humana [...] Ela tampouco tem que criar tipos. Ela é o melhor meio, em

compensação, de mostrar as ligações entre passado e presente, memória e projeto,

indivíduo e sociedade, e de experimentar o tempo como prova da vida. [...] Seu

método, como seu sucesso, devem-se à insinuação da singularidade nas ciências

humanas, que durante muito tempo não souberam o que fazer dela43.

Mesmo movimentos historiográficos ─ marxistas, entre outros ─, que anteriormente

direcionavam boa parte de suas críticas à “ditadura do indivíduo” a análise histórica, mais

recente tem voltado suas atenções aos sujeitos, não mais exclusivamente aos “grandes

homens”. Neste sentido, Fernand Braudel, apesar das contribuições de suas perspectivas da

“longa duração”, não repudia o individual, mas sim o domínio desse por atores vistos como

verdadeiros “semideuses”, completamente destacados de uma “realidade mais complexa”, de

forma que:

O problema não consiste em negar o individual a pretexto de que foi afetado pela

contingência, mas em ultrapassá-lo, em distingui-lo das forças diferentes dele, em

reagir contra uma história arbitrariamente reduzida ao papel dos heróis quinta-

essenciados: não cremos no culto de todos esses semi-deuses [...]44.

A biografia política, tal qual a História Política, teve também seu apogeu no século

XIX, como foi explicado anteriormente. Entretanto, hoje, de acordo com Levillain, ela “é um

modo de escrita da história fortemente hierarquizado. Ela pode ser probatória45”. Atualmente,

percebo que, por meio do levantamento bibliográfico e da disponibilidade de novas fontes,

novos sujeitos ganham significados, pois novos métodos, assim como o olhar do historiador,

modificam-se ou se aprimoram, o que justifica os usos e as formas de leitura na composição

da pesquisa e da escrita: eis que o método está indissoluvelmente vinculado à opção teórica do

gênero biográfico! De acordo com Levillain, na biografia, o método legitima a teoria, e desta

43LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 176.44BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: editora Perspectiva, 1978, p. 23.45LEVILLAIN, Philippe. Idem. p. 174.

34

Page 36: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

comunhão pode se extrair a qualidade do trabalho46. Dependendo do ponto de vista do

historiador pode-se valorizar, a partir das suas fontes e indícios, o tipo de biografia a ser

constituída ─ literária, jornalística ou histórica, e direcionando seu enfoque para os campos

da pesquisa histórica: política, cultural, econômica, político-econômica, etc.

Segundo Ginzburg47, toda escrita historiográfica é uma narrativa elaborada a partir de

indícios, que, quando dispostos diante do exercício da pena do historiador, deixam brechas, as

quais, preenchidas pelas possibilidades, configuram uma narrativa sempre dotada de um grau

de inventividade. A este respeito, Schmidt salienta que: “O importante é que nestes momentos

de “invenção” sejam sinalizados ao leitor através da utilização de expressões como

“provavelmente”, “talvez”, “é possível”, etc.48”.

Seguindo a trajetória e os trabalhos de historiadores como: Carlo Ginzburg, Natalie

Davis, Keith Jenkins, Reinhart Koselleck, Durval Muniz de Albuquerque Júnior, Philippe

Levillain, Benito Bisso Schmidt, entre outros, com os quais concordo, pode-se dizer que as

biografias, inseridas nestas brechas do debate, por compartilhar das artimanhas, tanto daquilo

que é histórico, como daquilo que é ficcional, é objeto de reflexões de qual seria a medida

ideal entre a referência à documentação e a inventividade sensibilizadora do leitor, no

exercício da escrita de uma biografia. Contudo, o gênero da escrita biográfica, ampliadas as

áreas de investigação e pluralizados os marcos conceituais, procura mostrar que tais reflexões

são produzidas através de jogos de significação, cultura, relação político-econômico e

relações de poder, por referir-se a um “sujeito” que de fato existiu ou existe, tem sua natureza

postulada por pistas, vestígios, assim por historiografia.

Se se quiser pensar a redefinição dual história x ficção da biografia é preciso dedicar-

se à compreensão do intrincado e nebuloso processo de delimitação das fronteiras entre o que

era Literatura, o que era História e o que era Biografia, desencadeado a partir do início do

século XIX. Neste sentido aprecio a posição de Albuquerque Junior:

O termo invenção tem aparecido com insistência nos títulos de livros, teses e

dissertações que são escritos pelos historiadores, nos últimos anos, substituindo

expressões caras aos profissionais da História como as de: formação,

46 LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 165-176.47GINZBURG, Carlo. “Provas e possibilidades à margem de II ritorno de Martin Guerre de Natalie Zenon Davis”. In: A micro-história e outros ensaios. Lisboa: DIFEL, 1989, p. 179-202.48SCHMIDT, Benito Bisso. “A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto”. In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos; PETEREN, Silvia Regina Ferras. SCHMIDT, Benito Bisso e XAVIER, Regina Céli Lima [Org.]. Op. cit. p. 121-129.

35

Page 37: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

desenvolvimento ou análise. [...] ao refletir sobre o significado do uso constante do

termo invenção para nomear os nossos trabalhos bem como o trabalho de outras

áreas, reflito sobre as mudanças paradigmáticas que vêm ocorrendo no saber

histórico, nos últimos anos. Creio que a idéia de invenção indica uma certa maneira

de conceber o trabalho do historiador, indicia um modo de se relacionar com o

passado, com os documentos, com a memória, com a temporalidade, com a escrita

mesma da História, que diz muito da diferença entre as concepções vigentes, nesta

disciplina, contemporaneamente daquelas que foram hegemônicas em outros

momentos.

[...] é composta por um conjunto de textos dedicados a discutir um tema dos mais

debatidos e polêmicos em nossa área, nos últimos anos, ou seja, a relação entre

História e Literatura. Este debate tem sido feito, pelos historiadores, quase sempre,

no sentido de defender a autonomia de nosso campo de trabalho, reafirmando a

diferença entre história e literatura, num comportamento defensivo em que a clara

defesa de um campo de saber mal disfarça a luta pelo poder no interior da academia.

[...] Talvez seja porque a discussão da relação entre História e Literatura, na verdade,

traz com ela a discussão do próprio estatuto do saber histórico do seu caráter

científico ou não. A discussão em torno do texto do historiador se abre para questões

como as características particulares da própria narrativa em História, seu caráter

poético ou não; traz com ela a questão da importância do estilo na própria

construção do argumento defendido pelo historiador, ou seja, questiona as idéias

sobre fato histórico, sobre o objeto e os sujeitos históricos, prevalecentes em nosso

campo. A questão da verdade em História também é impactada por essa discussão à

medida que nos leva a problematizar a distinção entre fato e ficção, que durante

quase dois séculos assegurou a separação entre o campo literário e o campo

historiográfico49.

Permanecendo e persistindo na linha desses autores, no domínio das ditas biografias

literárias, normalmente, trata-se de uma questão de ponto de vista, e a hierarquia dos fatos

depende da escolha do autor que a partir de uma personalidade, se debruça em harmonizar o

“essencial” e o “acessório”. Assim, usando criatividade, em meio a fatos conhecidos, faz

surgir de sua criação o enredo de sua narrativa. Em outras palavras, o literato goza de uma

margem generosa de abstrações acerca do objeto estudado, não sendo exigível a exposição

dos registros de suas certezas. Suas certezas gozam, assim, de uma “imunidade poética”. Nas

palavras de Levillain:

[...] nesse domínio, tudo é uma questão de ponto de vista, e a hierarquia dos fatos

49JUNIOR ALBUQUERQUE, Durval Muniz. Historia: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru, SP: Edusc, 2007, p. 11-12.

36

Page 38: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

depende da escolha do autor. Foi por isso que a biografia literária encontrou em

geral sua unidade pelo estilo que consiste em harmonizar o essencial e o acessório

segundo um discurso em que os efeitos determinam a construção do sentido50.

Quanto às afamadas biografias jornalísticas, a despeito de terem margem de abstração

um pouco mais reduzida que os trabalhos de Literatura, já que de certa forma se vinculam à

“realidade jornalística”, ainda padecem de rigor na exposição de suas fontes, que ao contrário

do que acontece na escrita histórica, podem ser omitidas. Ademais, a atividade do jornalista,

em busca das “verdades”, não obedece, de regra, a nenhuma reflexão crítica, estando seu

olhar solto, ao sabor das curiosidades privadas, tão ao gosto do grande público51.

Têm, estes dois gêneros, alguns pontos de interseção com a biografia histórica? É

justamente nas diferenças em que se ressalta o caráter metodológico da biografia histórica,

comprometida com as fontes. A relação da Literatura e do Jornalismo com a História de vida

─ análise e exaltação das características do protagonista, num modo cronológico, visando a

mostrar as relações entre as circunstâncias e a personalidade ─ é menos comprometida com as

fontes que o olhar do historiador:

A fortiori, a biografia baseada em arquivos justificava a narração, e a descrição e o

imaginário organizava a representação do personagem. Não é com base no

biografado que se dividem as biografias literárias e as biografias históricas, nem

com base na escrita, o que equivale a dizer no estilo, e sim com base na parte de

ficção que entra nas primeiras e deve ser proibida nas segundas por razões de

método52.

Neste sentido, em uma abordagem histórica, a História de vida [narrativa e factual] é

condição sine qua non para a realização de uma biografia, funcionando como uma fonte

“totalizante”, surgida da construção e integração dos registros e dos fatos da existência do

protagonista, pois só a partir dessa História é que se pode criar a linha de estudo do objeto. É

ela definidora do objeto do trabalho, apontando o lugar social do personagem, suas redes de

sociabilidade, suas relações de poder, bem como sugerindo o tempo cronológico,

compreendido pela possibilidade do indivíduo ser, reagir e interagir.

50LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 152-153.51SCHMIDT, Benito Bisso. “Construindo Biografias... Historiadores e Jornalistas: Aproximações e afastamentos”. Estudos Históricos. vol. 10, n° 19, p. 03-22. Rio de Janeiro: FGV, 1997.52LEVILLAIN, Philippe. Idem, p. 155.

37

Page 39: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

A respeito da definição e das distinções entre “História de vida” e “Biografia”,

Francisca Lúcia Nogueira de Azevedo, se posiciona:

Do ponto de vista metodológico, deve-se observar inicialmente a diferença entre

história de vida e biografia. Embora ambas trabalhem na reconstituição de trajetórias

individuais, apresentam especificidades próprias. Escrever uma biografia não é o

mesmo que realizar um trabalho de reconstrução de uma trajetória de vida, a qual

consiste primordialmente na coleta de depoimentos. No entanto, é importante

ressaltar que história de vida não é apenas a ordenação cronológica dos fatos vividos

pelo indivíduo, deve-se entender que o sistema no qual se insere o ator tem também

sua macro-história, e, nesse sentido, os fatos arrolados devem ser avaliados no

contexto dos processos sincrônicos e diacrônicos da rede real de relações sociais,

que localiza o personagem dentro do grupo. Em outras palavras, história de vida,

não realiza apenas coleta e concatena os acontecimentos da vida de um indivíduo,

mas busca também o significado desses acontecimentos. Embora a biografia não se

restrinja a história de vida, a construção de uma biografia não pode prescindir das

histórias de vida53.

Portanto, difere a História de vida da biografia histórica, embora mantenham entre si

uma intrínseca relação de dependência. Aquela, construída a partir da observação do outro,

concatena-se através dos fatos e seus significados, denotando as subjetividades do indivíduo,

tornando-se fomento insubstituível para a biografia. Essa, apropriando-se da História de vida,

aproveita-se da individualidade então revelada, para atuar na confluência entre o indivíduo

que age no particular e o indivíduo que interage na sua rede de sociabilidade.

Digo que, enquanto a História de vida levanta a individualidade, a biografia histórica

conjuga este dado com o que o biografado representou e vivenciou na sociedade. Trabalha o

historiador na passagem e no entrecruzamento do privado para o público, levando em conta o

somatório da historicidade do indivíduo e o significado de sua concatenação com o papel

social desempenhado pelo personagem e a ele atribuído historicamente.

Com base neste raciocínio, a “reflexão biográfica” e histórica sobre Francisco Paulo

de Almeida tem pressuposto “inédito": a “falta” de domínio e exposição de sua História de

vida, a “falta” de informações e significados sobre seu lugar social, contrariando sua intensa

participação política, social, cultural, nos acontecimentos de sua época. Ressalto, claro, que

53AZEVEDO, Francisca Lúcia Nogueira de. “Biografia e gênero”. In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos; PETEREN, Silvia Regina Ferras. SCHMIDT, Benito Bisso e XAVIER, Regina Céli Lima [Org.]. Op.cit., p. 131-146.

38

Page 40: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

por se tratar de uma “reflexão biográfica" e histórica, necessita-se da revisão da História de

vida em seu holos [o todo], já que o personagem, a despeito de sua participação, não é

caracterizador de uma época ou “criador de uma era. Nesses casos, de “reflexão biográfica”

do indivíduo, a História de vida e o locus do personagem passarão a ser do conhecimento do

leitor, tal a intensidade de sua participação política, social e cultural. Além disso, os fatos e

significados poderão ser explicados pelas lacunas, sem prejuízo para a narrativa histórica.

Outro aspecto relevante da biografia histórica é a abordagem do lugar social do

personagem, pois a historicidade do contexto é de extrema importância para o exercício de

crítica e questionamentos a serem atendidos pelo trabalho. A “reflexão biográfica” não se

restringe aos dados referentes ao protagonista, sendo imprescindível traçar o perfil do holos,

mesmo porque o indivíduo, na escrita biográfica, não deixa de ser produzido pelo contexto

histórico e social, ao mesmo tempo em que participa da construção dos mesmos.

Na composição da trajetória de Francisco Paulo de Almeida, destaco as variantes que

podem ser encontradas para sua reflexão biográfica. A partir de um determinado momento,

esteve ao lado e relacionou-se com os demais oligarcas cafeeiros do século XIX; pertenceu à

nobreza brasileira, bem como construiu redes de sociabilidade, o que traduz especial

condimento para a delimitação das relações de poder e das suas bases no século XIX.

Nessa trajetória de Francisco Paulo de Almeida, vale a pena notar que a reflexão

histórico-biográfica, como opção teórica, abre novas possibilidades para o estudo do

fenômeno histórico social: o indivíduo e seu exercício de liberdade, o homem em série,

sujeito universal, impotente e passivo, como descrito por Levillain: “Precisamente: a história

política, “por excelência domínio aleatório”, como salientava François Furet, podia ter como

função principal, na história contemporânea francesa, narrar a liberdade dos homens54”. Tal

instrumento, construído com o rigor necessário, é especial e único para a confluência entre a

macro e a micro-história. Ainda segundo Levilain:

Neste raciocínio, mesmo que os advogados metodológicos da história política não

cheguem a esse ponto, a biografia reassume uma função a meio caminho entre o

particular e o coletivo, exercício apropriado para identificar uma figura num meio,

examinar o sentido adquirido por uma educação distribuída a outros, segundo os

mesmos modelos, analisar as relações entre desígnio pessoal e forças convergentes ou

concorrentes, fazer o balanço entre o herdado e o adquirido em todos os domínios55.

54LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 164-165.55Idem, p. 165.

39

Page 41: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Na linha de Levillain, existe, ainda, outro aspecto a ser enfocado como sustentação

teórica do trabalho: o desafio do tempo. A biografia histórica, centralizada no personagem,

assimila/trabalha e analisa o tempo de existência. Mas é necessário enxergar na fonte primeira

da história de vida mais do que o tempo cronológico, para demarcar o tempo vivenciado ─

compreendido e entendido como o tempo compartilhado e arrebatado com e dentro das redes

de sociabilidade, relações de poder e mudanças do personagem, carregado de subjetivações.

Esta distinção, entre o factual e o político, não caracteriza o abandono por parte do historiador

de nenhum dos dois “tempos”, visto que ele trabalha com ambos. Ao contrário, exige a

contemplação da percepção subjetiva do tempo, analisando suas transformações, sem

abandonar a contextualização cronológica. Dessa forma, ainda com ele:

Como destacou Michel Zeraffa em La révolution romanesque, a nova interpretação

da pessoa, isto é, a “dominante subjetiva”, não correspondeu apenas ao refinamento

da análise psicológica, à denúncia da máscara das convenções burguesas e à

desumanização do mundo, mas à afirmação da autonomia do indivíduo da

sociedade56.

Assim, proponho a reflexão biográfica do tempo de Francisco Paulo de Almeida,

admitindo a distinção e a simultaneidade do tempo do indivíduo e da coletividade, que

embora ocorram concomitantes, são absorvidos de forma diferenciada absolutamente

perceptível na trajetória do protagonista, como expõe muito bem Levillain: “Entendida nesse

sentido, a biografia pode ser um empreendimento de homologação seja do conhecimento

adquirido, seja das idéias prontas sobre um homem, seja das relações entre um sistema

político e a coletividade57.

Ciente de que o conhecimento histórico não é absoluto, podendo modificar-se a cada

nova descoberta e apostando neste conceito de biografia política, é que passo, doravante, para

outra fase, indicando o caminho adotado para desvendar e mostrar a constituição desse tempo

vivido por Francisco Paulo de Almeida.

56Sobre modernismo e individualismo, ver. LEVILLAIN, Philippe. Op. cit., p. 168.57Idem, p. 165.

40

Page 42: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

1.4. Relações de poder e redes de sociabilidade.

Como é dito por muitos, “no que se refere àquilo que nós mesmos não podemos

vivenciar, devemos recorrer à experiência de outros”. Observações como essas cabem

perfeitamente neste trabalho, se considerar que encontrei poucas referências sobre o

biografado na historiografia nacional.

Com base nas ferramentas e nos dados que possuo, e através do aprofundamento das

pesquisas realizadas, trato de abordar, embora com riscos, inspirado na escrita de Ginzburg e

pelo paradigma indiciário, a trajetória e as histórias de Francisco Paulo de Almeida: “[...] por

trás desse paradigma indiciário ou divinatório, entreve-se o gesto mais antigo da história

intelectual do gênero humano: o caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa58”.

Reconheço algumas limitações quanto ao acesso mais acurado aos documentos, não

disponibilizados nas instituições públicas, onde pesquisei até o momento. Por isso, faz-se

necessário lançar mão de alguns eixos metodológicos, propostos por Ginzburg e que

considero fundamentais para o meu trabalho: identificar e analisar os indícios e rastros

deixados nas relações de familiares e amizades, compondo sua rede de sociabilidade. Essa

opção metodológica requer do pesquisador a observação, a atenção, a valorização e o

questionamento dos chamados fatos miúdos, ínfimos, às vezes obscuros no ritmo do cotidiano

social.

A utilização do método indiciário no cotidiano social pode fazer realçar nas pesquisas

dois eixos de fundamental importância para as análises e significações das ações e situações

observadas: primeiro, permite apreender as relações herdadas e construídas por Francisco

Paulo de Almeida e vários outros capitalistas, fazendeiros, nobres, etc., e as formas de

circulação das redes de poder na organização do cotidiano social; segundo, realça os fatores

socioculturais e históricos que afetam a dinâmica das redes de sociabilidade e das relações de

poder, renegando a idéia de uma instituição, cujas práticas são sempre de fundo mecânico e

reprodutor das relações sociais já legitimadas pelas classes dominantes. Ainda a respeito das 58GINZBURG, Carlo. Op. cit., 1989a, p. 154.

41

Page 43: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

relações de poder, é necessário destacar que as utilizo e as articulo a partir de determinada

concepção, nas palavras de Roberto Machado:

Daí a importante e polêmica idéia de que o poder não é algo que se detém como uma

coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existe de um lado os que

têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente

falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que

significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que

funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em

um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social.

Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação59.

Como pode ser percebido, optei por focalizar Francisco Paulo de Almeida através do

olhar do outro, e para tanto, busco nas suas redes de sociabilidade e em suas relações de poder

estudar, analisar e escrever esta ─ reflexão biográfica ─. Também, busco rastros e vestígios

nas relações de parentesco, compreendidas neste trabalho como as consanguíneas, de

sacramento [casamento e compadrio], como também os vínculos societários e de amizade,

componentes das suas relações de poder. Sobre as relações de poder, cabe, mais uma vez,

retomar as palavras de Machado:

[...] sob esta perspectiva, não será indiscutível que aquilo que poderíamos chamar de

condições de possibilidade políticas de saberes específicos, [...], podem ser

encontradas, não por uma relação direta com o Estado, considerado um aparelho

central e exclusivo de poder, mas por uma articulação com poderes locais,

específicos, circunscritos a uma pequena área de ação, [...]60.

As relações de parentesco e de amizade, formadas como laços familiares

consangüíneos ou constituídos e compreendidos através do casamento e do compadrio, eram

estratégias de extrema importância na sociedade brasileira do século XIX61, principalmente

porque visava a permanência e a não dispersão dos bens acumulados, além de favorecer e

fortalecer a extensão da influência familiar em diversas áreas/campos de atuação,

privilegiando cada vez mais as relações de poder constituídas e delas usufruindo. Nessa 59MACHADO, Roberto. “Por uma genealogia do poder”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. 23ª ed. ─ Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007, p. xiv.60Idem, p. xi.61Sobre a importância dos laços familiares e compadrio ver: MATTOSO, Katia Maria de Queirós. Ser escravo no Brasil. 3. ed. 2. reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2003, p.131-134; COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 7. ed, São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, p. 289; CASTRO, Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de. Das cores do silêncio: os significados de liberdade no sudeste escravista ─ Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, p. 61- 80; STEIN, Stanley. Grandeza e decadência do café no Vale do Paraíba. São Paulo: Brasiliense, 1961, p. 151-165, e outros.

42

Page 44: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

perspectiva, a criação de laços de solidariedade era possibilitada pelas condições econômicas,

sociais e políticas, onde diversos fatores contribuíam para a efetivação desses laços.

Para esta abordagem, utilizo a noção de “relações de poder”, e para tanto, recorro à

escrita de Foucault, através da formulação introdutória de Machado, que apresenta tais

relações como um instrumento de análise capaz de explicar a produção dos saberes,

descartando, assim, uma teoria geral do poder. Para Machado o poder não é considerado uma

realidade que possua uma essência que ele procuraria definir por suas características

universais. O poder não existe como algo unitário ou global, possuindo formas díspares,

heterogêneas, em constante transformação62.

Porém, discutir essas questões sobre o poder, as relações de poder, suas redes,

mecanismos e estratégias significa sair do terreno do imóvel, do estabelecido, do único e do

indivisível. Significa arriscar-se num terreno movediço, sobre o qual as certezas teriam de ser

implodidas, para dar lugar ao imponderável, ao movimento, ao vir a ser. No rastro de

Machado, muitas vezes, procuro agarrar-me a imagens estáveis, imutáveis, que

proporcionariam maior segurança, entretanto, aprendo que “O poder não é um objeto natural,

uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente63”.

Ocupar posições nos enunciados vazios remete para outra questão discutida por

Foucault: a relação entre discurso e poder, que se dá na perspectiva de não entender o saber

como o outro do poder, mas como seu correlato. O discurso é necessariamente movido por

uma vontade de poder e o poder exige o reconhecimento daquilo e daqueles que devem ser

governados e regulados. Porém, é importante destacar a ressalva feita por Foucault quanto ao

entendimento estreito das relações de poder que as narrativas críticas apregoam e que

atribuem sempre à classe dominante ou ao Estado. Analisando essa relação, ele diz para:

Não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um

indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as

outras; mas ter bem presente que o poder desde que não seja considerado de muito

longe não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm

exclusivamente e aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser

analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia.

Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é

apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede.

62MACHADO, Roberto. Op. cit., p. x.63Idem, p. x-xi.

43

Page 45: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de

exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte, ou consentido do

poder, são sempre centros de transmissão64.

Outro pressuposto é o de que o poder pode ser exercido de forma relacional e

estratégica, especificamente utilizada por Francisco Paulo de Almeida em sua trajetória65. A

prática do poder de forma relacional e representativa implica construir relações interpessoais,

em ambiente de mútua confiança, de clareza e de respeito pelas especificidades das

atribuições de cada um, as quais foram coletiva e conjuntamente constituídas. Isso permite

uma relação justa e equânime entre todos, na qual uma posição de intransigência só justificará

o individualismo, vaidades pessoais e a desagregação. Segundo Machado: “A idéia básica de

Foucault é de mostrar que as relações de poder não se passam fundamentalmente nem ao nível

do direito, nem da violência; nem são basicamente contratuais nem unicamente repressivas66”.

Tal abordagem permite novas considerações: 1) Como um homem negro, em um

período e espaço considerado restrito e escravagista, conseguiu alcançar posições sociais,

políticas e econômicas consideradas “próprias” aos homens brancos? 2) Como foi possível,

neste contexto histórico, a compra ou agraciamento do título de barão e quais suas

implicações? 3) Quais as circunstâncias para o silêncio ou a ausência de informações

específicas sobre ele? Por que, nas raras vezes em que é citado, aparece somente como o

Barão de Guaraciaba, sem referência e com omissão da sua condição “racial” e descendência?

4) Tenho ciência de que outros/as negros/as romperam as fronteiras impostas pela alta

sociedade branca brasileira do século XIX, tais como: Francisco Ge de Acayaba Montezuma

[Visconde de Jequitinhonha e Ministro de Estado do Império em mais de um gabinete]; André

Rebouças; José do Patrocínio, Luiz Gama, Francisco de Paula Brito, Regina Angelorum

[escrava da família Breves que após a morte da esposa do Conde [Russo] de Haritoff, torna-se

esposa dele, herdando o título de Condessa de Haritoff], portanto, como identificar, dentro do

contexto histórico da vida de Francisco Paulo de Almeida o que permitiu ou possibilitou o

baronato? 5) Quais as especificidades históricas desse sujeito e suas ligações com o contexto

social, político e econômico da época? Quais as implicações da posse do título de baronato no

Brasil, sobretudo no final do século XIX? Quais eram as benesses e suas implicações? Quais

as especificidades de ser negro e barão no Brasil do século XIX? O que essas considerações

64FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. ─ Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 183.65O leitor entenderá melhor esses exercícios do poder no capitulo três.66MACHADO, Roberto. Op. cit., p. xv.

44

Page 46: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

nos sugerem e para onde nos remetem sobre essa época, seus costumes e relações sociais?

6) Finalmente, o que significa, ou melhor, o que significou para um negro estar presente nessa

alta-roda política e social? De fato, até que ponto pode-se afirmar que ser barão possibilitou a

integração do sujeito com esses grupos? Ele fazia, de fato, “parte” desses espaços, desses

cenários sociais e políticos da época? Como avaliar a intensidade e o grau de pertencimento e

interação? Como era recebido e como recebia nos nobres salões, por ocasião de eventos

sociais?

São muitas questões a serem respondidas. Diante de tal pluralidade, provavelmente

posso recorrer à opção indicada por Schmidt:

Talvez seja mais proveitoso, e está é uma questão para o debate, “deixar-se guiar

pelo indivíduo estudado”. Suas experiências, relações sociais, interpretações do

mundo, metáforas, posturas diante do amor e da amizade, etc. [...], puxando, a partir

dele, outros fios: os espaços de sociabilidade por onde circulava e como estes podem

ter influenciado, as leituras realizadas e sua reelaboração pessoal, os códigos de

moral da época e suas interpretações/manipulações próprias, etc.67.

Buscar e relatar as estratégias e trajetórias de Francisco Paulo de Almeida é

permanecer atento aos mínimos e ínfimos detalhes e possibilidades que aparecem às vezes na

busca, às vezes sem querer. Cada informação, por insignificante que seja, possibilita que o

protagonista seja repensado e reconstruído constantemente. Dar significado a Francisco Paulo

de Almeida, ou a qualquer protagonista, requer a busca constante de fontes que permitam

pistas e indícios e, através delas, seus cruzamentos ou até paralelismo e comparação com

outros personagens é que procuro construir a História desse personagem, através desta

dissertação.

Para buscar responder a tais questões o segundo passo é identificar e explorar na

análise as influências, as possibilidades e os limites do contexto da História na vida do

protagonista. Para isso, no segundo capitulo, trabalharei o recorte compreendido entre 1826,

seu nascimento, até 1860, período em que o mesmo desponta no Médio Vale do Paraíba Sul

Fluminense.

Para dar conta desse desafio, parto de alguns documentos: Certidão de Batismo,

inventário de seu pai, sua mãe, seus padrinhos avós, bem como as redes de sociabilidades em

que os mesmos estavam ligados. Para tanto, utilizo, recorrentemente, as pistas e os indícios 67SCHMIDT, Benito Bisso. Op.cit.2000, p. 121-129.

45

Page 47: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

deixados por esses documentos.

Além disso, em relação ao contexto, busco privilegiar a conjuntura do século XIX no

Brasil, bem como, a ocupação demográfica no Vale do Paraíba do Sul Fluminense, retornando

as redes de sociabilidade e relações de poder, de maneira mais aprofundada, mapeando as

poucas famílias nas quais determinadas relações se constituíram e predominaram.

46

Page 48: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

2. DE UM POSSÍVEL INÍCIO: artes, ofícios e tropas décadas de 1820 a 1860.

Como pode um historiador biografar um indivíduo, ou narrar sua vida? Esta questão

continua perseguindo a historiografia e, principalmente, os estudiosos que optaram pela

análise de um determinado personagem. Isso pode ser visto e compreendido na vasta

produção acadêmica dedicada ao estudo de indivíduos e nas “pistas” que cada particular

ensaio aponta acerca desse tipo de análise.

Baseando-me na chamada História vista de baixo de Ginzburg, na intersecção entre a

micro-história de Francisco Paulo de Almeida e o contexto das mudanças, reformas e dos

ambientes que acompanharam e constituíram o século XIX, procuro demonstrar através de

inventários, certidões de batismos, testamentos, apontamentos genealógicos que, ao contrário

de minha hipótese inicial, Francisco Paulo de Almeida nasceu em uma estrutura social e

familiar razoavelmente bem posicionada na Comarca do Rio das Mortes, em São João Del

Rei, exatamente no Arraial de Lagoa Dourada. Esse cruzamento de fontes, além de

possibilitar uma análise da chamada “redes de sociabilidade”, permite tanto a “apreensão dos

pensamentos e anseios” desse personagem, como um levantamento de seus caminhos,

apropriações/absorções com o meio em que ele interage e a construção das relações de poder,

realizadas nessa e por essa trajetória. Além disso, os estudos de Ginzburg apontam alguns

caminhos e reflexões sobre a escrita da História e seus desafios, apresentando, assim,

possibilidades de análise acerca da cultura e, especialmente, do indivíduo histórico.

O caminho até aqui percorrido indica as “orientações” teórico-metodológicas do

trabalho, entretanto, muito ainda falta para explicar, explorar, analisar e considerar na

trajetória de Francisco Paulo de Almeida. Para tanto, não devo me restringir a “revelar”

somente o protagonista, mas relatar e problematizar seus atos, fatos, bem como o contexto, as

racionalidades ─ razões influentes ─ e as estratégias que regularam e permitiram suas

relações sociais e pessoais. Neste sentido, conforme ressalta o historiador Carlos Antonio

Aguirre Rojas:

Pero el historiador, para acometer una biografía como verdadera ‘obra de arte’ tiene

que tomar aquellos individuos que para ser explicados exigen necesariamente la

explicación de lo que llamaríamos contexto, es decir, de su medio y de su época,

47

Page 49: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

reconstruyendo entonces desde estos parámetros lo que sería una estricta biografía

realmente histórica68.

No decorrer da pesquisa/investigação que constitui este capítulo, no período

compreendido entre o nascimento de Francisco Paulo de Almeida até seu ingresso na

oligarquia cafeeira do Médio Vale do Paraíba Sul Fluminense, aproximadamente, em 1860,

percebi muitos silêncios, por não localizar fontes concretas. Entretanto, com o objetivo de

preencher o vácuo deixado por essas fontes, busco nas pistas e indícios elementos para

preenchimento desse vazio. Para tanto, neste capítulo, utilizo como estratégia a trilha de

Carlos Ginzburg:

Se as pretensões de conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais como

veleidades, nem por isso a idéia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a

existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos superficiais é

reforçada no próprio momento em que se afirma que um conhecimento direto de tal

conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais,

indícios – que permitem decifrá-la. [...] Essa idéia, que constitui o ponto essencial do

paradigma indiciário ou semiótico, penetrou nos mais variados âmbitos

cognoscitivos, modelando profundamente as ciências humanas69.

2.1. Síntese biográfica e laços sociais de berço.

Inicio com informações fornecidas por Marciano Bonifácio Pinto Filho70, médico

memorialista da cidade de Três Rios ─ Rio de Janeiro, fio condutor do começo deste trabalho,

e com dados coletados no decorrer da pesquisa. A partir deles apresento uma síntese

biográfica:

68AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. “La biografía como género historiográfico algunas reflexiones sobre sus posibilidades actuales”. In: SCHMIDT, Benito Bisso [Org.]. O biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000, p. 25.69GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo: Companhia das Letras, 1989a, p. 177-178.70PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. A História de Três Rios e de seus vultos importantes, 1853-1992. Rio de Janeiro: Netuno, 1992, p. 143-144.

48

Page 50: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Francisco Paulo de Almeida, negro, filho de português com uma negra, nasceu a 10 de

janeiro de 1826, no Arraial de Lagoa Dourada, Comarca do Rio das Mortes, em São João Del

Rei – Minas Gerais e faleceu a 09 de fevereiro de 1901, na casa de sua filha, situada a Rua

Silveira Martins, 81 ─ Catete ─ Rio de Janeiro, aos 75 anos, sendo sepultado no Cemitério

São João Batista71.

Casou-se com dona Brasilia Eugenia da Silva Almeida, com quem teve 19 filhos,

sendo dez vivos por ocasião de seu falecimento, cinco homens e cinco mulheres: Matilde,

Adelaide, Cristina, Adelina, Serbelina, Paulo, Artur, Mário, Francisco e Raul.

Na escalada social, conseguiu conquistar e ascender diversas posições nos meios

sociais agrícolas, financeiros e comerciais em: Mar de Espanha e Juiz de Fora em Minas

Gerais; Valença, Conservatória, Paraíba do Sul, Três Rios, Vassouras, Petrópolis, no estado

do Rio, e na Corte.

Nas palavras de Pinto Filho, “Iniciou sua vida em sua terra natal como ourives,

especializado na confecção de botões de colarinho e como exímio violinista, suplementava

seus ganhos tocando em enterros, ganhando dois vinténs e uma vela de sebo72”.

Dedicou-se ao negócio de tropas, viajando de Minas pela estrada geral que passava por

Valença – RJ. Em 1860, comprou sua primeira fazenda no Arraial de São Sebastião do Rio

Bonito, então 3º distrito da freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença, depois a

fazenda de Santo Antônio do Rio Bonito e Conservatória, e fazenda Veneza, no mesmo

município de Valença – Rio de Janeiro. Posteriormente, a de Santa Fé em Mar de Espanha –

Minas Gerais, Três Barras na atual cidade de Três Rios – Rio de Janeiro, Fazenda Boa Vista

na cidade de Paraíba do Sul – Rio de Janeiro, Santa Clara [sic] e Piracema ambas na cidade de

Rio Preto – Minas Gerais. Na República, adquiriu a fazenda Pocinho, da família Faro, em 14

de janeiro de 1897, por 180:000$000, entre os municípios de Vassouras e Barra do Piraí – Rio

de Janeiro. A fazenda de Três Barras, quando do falecimento da Baronesa de Guaraciaba, por

febre amarela, foi vendida ao Dr. José Cardoso de Moura Brasil, em 19 de abril de 1890. Na

Corte, possuía uma confortável casa na Tijuca [Rua Moura Brito], e em Petrópolis, onde

costumava veranear, um belo palacete [Palácio Amarelo] no centro da cidade, cujo prédio

serve atualmente de sede do Legislativo Municipal.

71Conforme Registro do Livro 10 de CP folha 75 do Cemitério São João Batista, Jazigo Perpétuo nº 3433P, Quadra 41.72PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. Op. cit., p. 143-144.

49

Page 51: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Em 1870, dedicou-se ao negócio de importação e exportação, situada na antiga Rua de

Bragança, 31, na Corte. Participou da construção da Estrada de Ferro de Santa Isabel do Rio

Preto, cujos trilhos atravessavam as terras de sua propriedade na fazenda Veneza. No dia 21

de novembro de 1883, assistiu à inauguração na presença de D. Pedro II; em sua homenagem,

quando faleceu, foi dado o nome de Paulo de Almeida à estação ferroviária situada na sua

antiga fazenda Veneza. Participou, como sócio fundador, do Banco Territorial e Mercantil de

Minas Gerais [1887] e do Banco de Crédito Real de Minas Gerais [1889].

Conforme atesta o professor Antonio Lopes Sá, o grupo de fundadores do Banco

Territorial e Mercantil de Minas Gerais e do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, foram

fundadores e responsáveis pela criação da Companhia Mineira de Eletricidade, primeira Usina

Hidrelétrica da América do Sul [1889]; da Academia de Comércio [1891]; participaram da

fundação da Companhia de Juta, em 1894, da Cooperativa Construtora de Minas Gerais, da

Sociedade Promotora da Emigração em Minas Gerais, do Diário de Minas [1888]73 e da

Companhia Agrícola Industrial Mineira [1890].

Em Valença ─ Rio de Janeiro prestou relevantes serviços à Santa Casa de

Misericórdia, como benemérito, tendo sido seu Provedor no biênio 1882-1884. Durante os

últimos anos/dias de sua vida viajava freqüentemente à Europa, permanecendo por longo

tempo em Paris; além disso, teve contatos e aproximações com a princesa Isabel e o Conde

D’Eu.

Procurou dar aos filhos a melhor das educações, inclusive, encaminhando alguns a

Paris para estudar. Às filhas fez estudar piano, segundo instrumento de sua devoção. De

acordo com seu inventário, deixou para os filhos somente dinheiro, e para as filhas as duas

fazendas por ele conservadas. A fazenda Pocinho ficou para as filhas Matilde e Adelina [esta

representada pela filha Nair] e a de Santa Fé para as filhas Cristina e Adelaide. Além disso,

deixou netos: Dr. Luiz de Almeida Pinto, cirurgião em Valença [Hospital da Irmandade da

Santa Casa de Misericórdia de Valença], e Dr. Hélio de Almeida Pinto, cirurgião em

Vassouras, diretor do Hospital Eufrásia Teixeira Leite [Irmandade da Santa Casa de

Misericórdia de Vassouras], falecido em 1979. Em Três Rios, filhos de Mário, nove netos:

73SÁ, Antonio Lopes. Origens de um Banco Centenário: História econômica, administrativa, financeira e contábil do Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A. Elaboração e criação de texto Prof. Antonio Lopes Sá. Fonte de pesquisa: Acervo do Museu do Credireal em Juiz de Fora - MG. Revisão: LєF Publicidade. Versão para o inglês por Soneide Alves Caetano. Fotos e cromos: Alfredo de Castro. Coordenação Geral: Assessoria de Comunicação Social Banco de Crédito Real de Minas Gerais – Prof. Marcello Cortizo Sacchetto e equipe. Juiz de Fora - MG: Credireal, 1989.

50

Page 52: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Mario, Ricardo, Jorge, Eurico, Nilo, Silvio, Geraldo, Marta e Elza. Nilo e Silvio foram

grandes proprietários, donos de várias fazendas e muitas cerâmicas.

Ainda construindo sua síntese biográfica, e buscando mapear a construção de seus

laços sociais de berço, dou continuidade à análise de sua trajetória a partir da sua certidão de

batismo da Paróquia da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Prados em Minas Gerais74,

onde consta que, aos vinte e cinco dias do mês de janeiro de 1826, na Capela da Lagoa

Dourada, filial desta matriz de Prados, o Reverendo Capelão Francisco Pereira de Assis,

batizou solenemente e pós os óleos a Francisco Paulo de Almeida, nascido a dez de janeiro de

1826, filho legítimo de Antonio José de Almeida e Palolina. Foram seus padrinhos: Claudino

de Souza e Silva e Barbara Joaquina.

Parte do Livro de Registro de Batismo século XIX. Igreja de N. S. das Mercês. São João Del Rei – MG.

Cabe salientar que, embora D. Palolina conste como sua mãe, em sua minuta de

inventário ele se declara filho legitimo de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo, primeira

esposa de seu pai. D. Galdina apesar de não ser sua mãe de sangue, assume o papel de “mãe

de consideração”, conforme atesta o documento abaixo:

74Livro de Registro de Batismo século XIX. Igreja de N. S. das Mercês. São João Del Rei – MG. Certificada as folhas 135.I do livro nº 8 de assentamentos de batizados.

51

Page 53: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Trecho de uma minuta de testamento feita pelo Barão, datada de 9 de março de 1895 [Rio de Janeiro] 75.

Declaro que professo a Religião Católica Apostólica e Romana em cuja fé tenho

vivido e espero com a graça de Deus morrer. Sou natural e fui batizado na Freguesia

de Santo Antonio da Lagoa Dourada, Província hoje Estado de Minas Gerais. Sou

filho legítimo de Antonio José d’Almeida e de Dona Galdina Alberta do Espírito

Santo , ambos já falecidos. Casei-me em única núpcias com Dona Brasilia Eugenia

d’Almeida, falecida em dois de junho de mil oitocentos oitenta e nove. Do nosso

consórcio, sujeito ao regime de comunhão de bens, ficaram onze filhos: Adelaide,

casada com Antonio Maximino Pinto; Christina, casada com Joaquim Pinto de Sousa;

Adelina, casada com Joaquim Silva Magalhães; Francisco; Brazilia; Mario; Seberlina,

Arthur, Paulo e Raul76.

75 Foto cedida por Monica de Souza Destro.76Trecho de uma minuta de testamento feita pelo Barão, datada de 9 de março de 1895. [Rio de Janeiro]. [Trecho grifado por mim].

52

Page 54: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Seus padrinhos de batismo Claudino de Souza e Silva e Bárbara Joaquina [de Jesus]77,

cujas pistas indicam estarem socialmente ligados à família do Marquês de Valença, são pai e

mãe de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo, esposa do pai de Francisco Paulo de

Almeida. Ainda a este respeito, observo que ele foi declarado como filho no inventário de D.

Galdina e como neto no inventário de Dona Barbara Joaquina, que faleceu em 02/07/1847.

Buscando compreender através das redes de sociabilidade o início da ascensão de

Francisco Paulo de Almeida, cabe fazer a ligação do local e das pessoas que estavam ao redor

por ocasião do falecimento de Dona Barbara Joaquina, sua avó: ela faleceu na casa da

morada, fazenda Boa Vista, em Lagoa Dourada, do Coronel Manuel Rodrigues Chaves

pertencente a genealogia das Famílias Miranda e Resende, origem do Marquês de Valença,

onde se achava o Reverendo Joaquim Gonçalves Lara, da genealogia do Bandeirante

Sebastião Raposo Pinheiro Tavares “O caçador de esmeraldas” família de grande influência

em São Paulo e Sul de Minas.

Seu pai, Antonio José de Almeida, quando faleceu, em 16 de dezembro de 1875,

deixou vinte filhos, sendo Francisco Paulo de Almeida o primogênito. Além disso, manteve

relacionamento, constatado com quatro mulheres. D. Palolina; D. Galdina Alberta do Espírito

Santo [1ª esposa]; Dona Maria Lima de Jesus e; Dona Minelvina Magdalena Almeida, com

quem contraiu núpcias, após o falecimento de sua primeira esposa78.

Em 1842, aos dezesseis anos, Francisco Paulo de Almeida recebeu da partilha de bens

de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo a quantia de 257$ 254 [duzentos e cinqüenta e sete

mil, duzentos e cinqüenta e quatro réis]. Nove anos depois, já aos vinte e cinco anos, na

partilha de bens de Dona Barbara Joaquina [de Jesus], ele é contemplado com a quantia de

99$011 [noventa e nove mil e onze réis]. Entretanto, por ocasião da partilha de bens de seu

pai, ele, aos cinqüenta anos, abre mão de sua parte da herança em favor de suas irmãs

Romualda e Anita, além de não receber a quantia de 937$020 [novecentos e trinta e sete mil e

vinte réis]79 da dívida “contraída por seu pai” com ele, conforme abaixo:

Pagamento efetuado por Francisco Paulo de Almeida, pelo funeral do pai:

1. João José Veloso 130$960.

77Em alguns momentos no desenrolar de seu inventário o escrivão acrescenta ao seu nome o sobrenome “de Jesus”.78 Inventário de Antonio José de Almeida. 1876, cx. 294. Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional. São João Del Rei – MG.79 Idem.

53

Page 55: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

2. Tesoureiro da Irmandade N. S. das Merces (acompanhar corpo) 10$000; Outros,

totalizando 237$000.

O irmão Antonio José de Almeida, ingressou nesta Irmandade de São João

Evangelista a 25 de dezembro de 1819. Faleceu a 16 de dezembro de 1875,

decorridos 55 anos. Total da dívida com a Irmandade 31$200. Recibo de dívida com

Francisco Paulo de Almeida 765$500. Total da dívida com Francisco Paulo de

Almeida 937$02080.

Nesse sentido, embora ainda não tenha conseguido identificar a atividade do pai, Sr.

Antonio José de Almeida, constato que Francisco Paulo de Almeida nasceu sob o amparo de

uma rede de relacionamento social compartilhando e usufruindo relações com o Judiciário, a

nobreza e os agricultores, tendo seu polo principal na Comarca do Rio das Mortes, Arraial de

Lagoa Dourada, freguesia de São João Del Rei em Minas Gerais.

O pai de Francisco Paulo de Almeida pertenceu à Irmandade de São João Evangelista,

tendo ingressado em vinte e cinco de dezembro de 1819. Pertenceu também à Irmandade de

Nossa Senhora das Mercês81. Provavelmente, essa ligação com as Irmandades tenha facilitado

para Francisco Paulo de Almeida tocar violino nos velórios, uma vez que, para tanto,

necessitava da autorização da Irmandade administradora da capela e cemitério. Além disso,

considero como um rastro marcante e facilitador de seu ingresso e atuação na Irmandade da

Santa Casa de Misericórdia de Valença – Rio de Janeiro.

Cabe ressaltar que as Irmandades da Misericórdia mantinham o monopólio dos

serviços funerários em Portugal e em suas colônias, mantendo-o após a independência do

Brasil, o que lhe garantia sua maior fonte de renda, ou seja, todo ritual pertinente ao funeral,

obrigatoriamente, deveria ser “autorizado” e “concedido” através da Irmandade82.

Francisco Paulo de Almeida nasceu na atual cidade de Lagoa Dourada, Comarca do

Rio das Mortes, Freguesia de São José Del Rei [atual São João Del Rei] Minas Gerais,

entretanto, na época de seu nascimento ela era apenas um Arraial [acampamento de tropas],

vindo a ser elevada à categoria de cidade somente no século XX.

80 Idem, p. 36, 36v, 39, 43 e 58. [constatei uma diferença de 65$480, que vem a ser exatamente 50% do valor pago a João Veloso].81 Sobre essa Irmandade ainda não consegui localizar sua data de ingresso.82 Posteriormente, retornarei a esse assunto, quando falar do período 1882-1884, em que Francisco Paulo de Almeida foi Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença-RJ.

54

Page 56: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Embora mulato ─ filho de pai branco e mãe preta ─, termo hoje considerado

pejorativo [filho de mula] por algumas das atuais entidades representativas da etnia negra,

retrato Francisco Paulo de Almeida como um negro retinto83, conforme verificado nas

fotografias de família. Casou-se com Dona Brasília Eugenia da Silva Almeida, mulher branca,

com quem teve 19 [dezenove] filhos. Por ocasião de seu falecimento, em 1901, dez filhos

estavam vivos, cinco mulheres e cinco homens: Mathilde de Almeida [1865 - 1931]; Adelaide

de Almeida [1861 - ?]; Christina de Almeida [1862 - 1944]; Avelina; Seberlina de Almeida

[1880 - 1922]; Paulo de Almeida [Guaraciaba] [1884 - 1935]; Arthur de Almeida

[Guaraciaba] [1878 - 1942]; Mário; Francisco Paulo de Almeida [1873 - 1916] e Raul de

Almeida [Guaraciaba] [1886 - 1946].

Segundo relato de dois descendentes do barão84: Mônica de Souza Destro e Gil

Carvalho Paulo de Almeida, toda a família tinha o sobrenome Almeida. Porém, após a morte

do barão, os filhos, homens, discordaram do inventário, brigando judicialmente pela herança.

A partir dessa dissidência, alguns membros da família passaram a adotar o sobrenome do

título nobiliárquico “Guaraciaba”.

De acordo com Pinto Filho85, Francisco Paulo de Almeida iniciou sua vida profissional

como ourives e, posteriormente, como tropeiro. Provavelmente, esta opção se explique pela

influência da rede de sociabilidade na qual ele nasceu, pela exploração aurífera e pelas

passagens de tropas que abrangia a localidade de seu nascimento, e suas adjacências [na

Comarca do Rio das Mortes] ─ Lagoa Dourada, São João Del Rei, Tiradentes, Prados, etc.

Como no século XIX a produção aurífera diminuiu drasticamente, restou como opção para

aqueles que já possuíam algumas posses a criação de gado e a produção agrícola: para outros,

restou a busca na vida campestre, através da agricultura de subsistência, ou a produção de

83 O termo correto a ser utilizado seria de “mulato”, uma vez que, o mesmo era mestiço, porém, de acordo com o relato de: KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 24: “[...] É engraçado relembrar um episódio famoso ocorrido em 1994, no início da campanha eleitoral. Em resposta a Oreste Quércia, seu oponente, que o acusara de ter as “mãos brancas”, um eufemismo para acusá-lo de nunca ter pego no trabalho pesado, o então candidato Fernando Henrique declarou: “O candidato disse que eu tinha as mãos brancas. Eu, não. Minhas mãos são mulatinhas. Eu sempre brinquei comigo mesmo, tenho o pé na cozinha. Eu nunca disse outra coisa, eu não tenho preconceito”. [...] Ao contrário de gerar solidariedade de “raça”, a declaração de Fernando Henrique caiu como uma bomba no Movimento Negro, que ameaçou processá-lo por considerar os termos em que se expressou “pejorativos” e “preconceituosos”. “Só se ele é filho de mula. Mulatinho é o cruzamento com mula, não com negro”, chegou a declarar Sueli Carneiro, do Instituto da Mulher Negra”. [grifo meu].84 Informações transmitidas através de Email. De acordo com relato dos mesmos, o processo de litígio, encontra-se na jurisdição de Juiz de Fora Minas Gerais.85 PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. Op. cit, p. 143-144.

55

Page 57: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

trabalho artesanal, uma das opções seguida por Francisco Paulo de Almeida na produção de

botões de ouro para colarinho.

Francisco Paulo de Almeida apresenta indícios de domínio na arte musical, através do

violino, o que vem apresentar rastros e pistas de que o biografado tenha adquirido uma

educação aprimorada dentro dos padrões disponíveis no século XIX.

Percebe-se, assim, que escrever biografia não é tarefa das mais fáceis. Nem bem

comecei a escrever e já falei e pesquisei vários Francisco’s Paulo de Almeida ─ homem,

negro, pai, marido, nobre e trabalhador ─, com várias subjetividades e identidades. A esse

respeito, ocorrem-me as palavras de Stuart Hall, para o qual:

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que

não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades

contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas

identificações estão sendo continuamente deslocadas86.

Dando continuidade aos laços sociais de berço, o Reverendo Joaquim Gonçalves Lara

e Dona Bernarda de Proença Lara pertencem à árvore genealógica do Bandeirante Sebastião

Raposo Pinheiro Tavares. Quanto ao Coronel Manuel Rodrigues Chaves, descobri que foi

Juiz de Paz na Comarca do Rio das Mortes, freguesia de São João Del Rei, e que pertence a

genealogia das famílias Miranda e Resende.

O envolvimento de Francisco Paulo de Almeida com os indivíduos pertencentes a essa

genealogia torna-se relevante. Considerando que diversos sujeitos dessas famílias emigraram

de Minas Gerais para a região do Médio Vale do Paraíba, entre os personagens vale destacar:

Adelaide Augusta Franco de Miranda e Damaso José Barroso de Carvalho [da família da

Condessa de Rio Novo e Viscondessa de Entre-Rios] com influência e destaque no Arraial de

Entre-Rios [Atual cidade de Três Rios] na cidade de Paraíba do Sul-RJ; José Ildefonso de

Souza Ramos e Dona Henriqueta Carolina dos Santos [Barão de Três Barras, Visconde de

Jaguari] padrinhos do filho do futuro barão de Guaraciaba e, consequentemente, seus

compadres, também com influências na Corte e no Vale do Paraíba Sul Fluminense e

Domingos Custódio Guimarães [Barão e Visconde do Rio Preto], personalidade com

86 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade / Stuart Hall; tradução Tomaz da Silva, Guaracira Lopes Louro ─ 11. ed. ─ Rio de Janeiro: DP&A, 2006, p. 13.

56

Page 58: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

influência na Corte e na cidade de Valença-RJ87, com o qual o protagonista manterá relações

de sociedade comercial e na Cia. Estrada de Ferro do Médio Vale do Paraíba.

Como em qualquer biografia, é necessário articular o contexto social e geográfico com

o sujeito, mostrando em que medida o contexto permite o sujeito e, de outro lado, em que

medida esse sujeito participa da construção desse mesmo contexto. Essa preocupação torna-se

importante para o entendimento das teias de relacionamento e dos acontecimentos políticos

vivenciados por Francisco Paulo de Almeida. A esse respeito, faz-se necessário ressaltar as

palavras de Schmidt:

Normalmente se diz que uma boa biografia é aquela que “insere” o indivíduo no seu

contexto. Mesmo que essa não seja a intenção, tal afirmativa supõe que o biografado

mantenha uma relação de exterioridade com a época em que viveu, como se o

contexto fosse uma tela pronta e acabada, onde se colariam os personagens88.

Neste sentido, “se não temos informações mais precisas sobre tal ou qual

acontecimento ou período de vida do biografado, podemos construir hipótese a partir do nosso

conhecimento do contexto89”. Mas qual seria esse contexto? Utilizo, para este capítulo, como

estratégia, o desenvolvimento profissional exercido por Francisco Paulo de Almeida,

buscando nele explicações para os vácuos deixados. Conforme orienta Schmidt:

[...] os biógrafos não devem se fixar na busca de uma coerência linear e fechada para

a vida de seus personagens, mas que precisam sim apreender facetas variadas de

suas existências, transitando do social ao individual, do inconsciente ao consciente,

do público ao privado, do familiar ao político, do pessoal ao profissional, e assim

por diante, sem tentar reduzir todos os aspectos da biografia a um denominador

comum90.

Assim, passo a buscar, na vida profissional exercida por Francisco Paulo de Almeida,

pistas e indícios que me permitam explicar sua trajetória inicial.

87 Para aprofundamento no tema da genealogia consultar: REZENDE, Arthur. Genealogia Mineira; LEME, Silva. Genealogia Paulistana e LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia Paulistana histórica e genealógica.88 SCHMIDT, Benito Bisso. “A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto””. In: Questões da teoria e metodologia da história. [Org.], Cezar Augusto Barcellos Guazelli, Sílvia Regina Ferraz Petersen, Benito Bisso Schmidt e Regina Célia Lima Xavier. ─ Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000a, p. 123.89 Idem, p. 126-127.90 SCHMIDT, Benito Bisso. “Luz e papel, realidade e imaginação: as biografias na História, no Jornalismo, na Literatura e no Cinema. In: SCHMIDT, Benito Bisso. Op. cit. 2000, p. 63.

57

Page 59: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

2.2. Música e Ourivesaria.

De início, permaneço com Marciano Bonifácio Pinto Filho, na afirmação de que

Francisco Paulo de Almeida inicia sua vida profissional como ourives, especializado na

confecção de botões de ouro para colarinho, além de suplementar seus ganhos tocando violino

em velório por dois vinténs e uma vela de sebo.

No século XIX, os músicos, ou pessoas que tocavam instrumentos, costumavam

complementar seus ganhos tocando em velórios e funerais, sempre com autorização e

pagamento pela Irmandade, como explicado anteriormente. Quanto à vela de sebo, na

realidade o que ocorria era que, ao final do funeral, os componentes do cortejo davam as

sobras ou coto das velas ao músico91. Tal atitude se dava em função de ser a vela o meio ou

tipo de iluminação mais utilizado na época, e esses restos de velas auxiliarem nos estudos

noturnos, reduzindo a despesa do músico, uma vez que não precisam despender dinheiro para

a compra das mesmas.

A inserção de Francisco Paulo de Almeida no ramo da ourivesaria se dá no campo

artesanal, visto que ele produzia botões para colarinho. No inventário da Baronesa de

Guaraciaba, consta: “duas mil e quinhentas oitavas de prata92, matéria prima para confecção

de jóias, o que de certa forma, confirma a atividade do protagonista nessa profissão.

De acordo com a historiadora Maria Helena Brancante93, a prata e o ouro no Brasil

seguem os mesmos regulamentos de Portugal, apenas com adaptações locais. De 1766 a

1815, o exercício de ourivesaria foi proibido aos pretos, mulatos e índios. O teor da prata

usado era de 10 dinheiros que deviam sempre aparecer nas peças trabalhadas. Deveriam

aparecer também os punções do ourives da cidade e do ensaiador. Contudo, as leis nunca

foram obedecidas, nem os regulamentos seguidos. A ourivesaria proliferou dentro da

clandestinidade, o que torna extremamente difícil a identificação das peças. Não se pode

91 Segundo Sr. Aloysio Viegas, estudioso da História Sacra, funcionário da Igreja Matriz de São João Del Rei – MG.92 Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889, cx. 1435. Museu da Justiça, fl. 47v.93 BRANCANTE, Maria Helena. Os Ourives: na história de São Paulo. São Paulo: Árvore da terra, 1999.

58

Page 60: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

dizer que no Brasil a ourivesaria fosse cópia ou reprodução da portuguesa, porém não posso

também afirmar que tenha tido um estilo original, próprio. De forma geral, os modelos

portugueses eram adotados, embora com adaptações regionais94.

Ainda de acordo com Maria Helena Brancante, no século XVII e princípio do XVIII,

época em que os mestres do Reino aqui aportavam e traziam seus ensinamentos, a cópia era

quase ao pé da letra, o que leva, muitas vezes, a sérias dificuldades de identificação. É

justamente a falta de marca que dá uma pista de sua origem. Porém, no momento em que a

ourivesaria brasileira se viu servida de oficiais e mesmo mestres, cujas raízes mergulhavam

em outras culturas [negra, índia], começam a se acentuar as diferenças. Surgem novas

inspirações, porém sempre sob a tutela dos mestres portugueses. O trabalho brasileiro se

caracteriza por certa ingenuidade de elementos decorativos e arrojo nas proporções, o que

resulta em uma simplicidade e, ao mesmo tempo, maior vigor artístico, espontaneidade e

materialidade. Um bom exemplo eram os paliteiros, nos quais os artífices brasileiros não têm

a preocupação de um acabamento perfeito, porém demonstram uma exuberância de motivos

e concepções. Surgem objetos extremamente típicos como cocos, balangandãs, cuia,

chimarrão com sua bombilha, cabos de rebenque, esporas, cabos de punhais etc.

Pode-se dizer que a prata e o ouro brasileiros, embora não tivesse a finura de

acabamento, a inspiração elevada, a técnica perfeita das pratas e ouros europeus, possuía o

encanto e a graça dessas mesclagem de “raças”, a atração dos trópicos e o charme da

ingenuidade e da criatividade de seus ourives.

Com a abertura dos portos, começaram a chegar não só mercadorias de várias partes

da Europa e Ásia como também conhecimento especializado: profissionais, artistas e técnicos,

que trouxeram o aperfeiçoamento de sua mão-de-obra.

Brancante explica que os artífices, para exercerem seus ofícios, necessitavam

“obrigatoriamente” de uma certificação emitida pela Câmara, além de serem filiados a uma

corporação de oficio [ou confraria] que, anualmente, elegia o aferidor de pesos e medidas ─

ensaiador. Entretanto, a nomeação era feita e ratificada pela Câmara95.

O instituto das corporações de ofício foi transplantado para a colônia e a ele estavam

sujeitos todos os artífices. O aprendizado de um ofício se fazia com mestre, por prazo

94 Idem. 1999, p. 44-45.95 BRANCANTE, Maria Helena. Op. cit, p.38.

59

Page 61: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

determinado pela maior ou menor habilidade do aprendiz. O candidato a oficial só poderia

abrir tenda depois de cuidadosamente examinado pelo ensaiador. Anteriormente o exame era

realizado por um juiz, acompanhado por um escrivão do ofício. O ensaiador era eleito entre

oficiais do mesmo ofício; a seguir, o Presidente da Câmara deferia o juramento dos santos

evangelhos aos eleitos. Depois de aprovado o candidato, a Câmara, mediante prestação de

fiança, passava-lhe certidão que valia como título, e então ele poderia exercer suas artes, com

obrigação de associar-se à sua corporação.

A associação nas corporações de ofício, não era rigorosamente seguida, pois muitas

atividades foram praticadas no Brasil fora de qualquer corporação e nem sempre as

autoridades se mostraram severas em fiscalizar as agremiações existentes. Uma das razões

que contribuíram para o desprestígio das ligas era a liberdade que possuía o senhor de

escravos, de ensinar-lhes os artesanatos para os quais demonstrassem maior habilidade,

negociando posteriormente o produto de seu trabalho. Ocorre que muitos oficiais possuíam

escravos que passavam pelo aprendizado e não estavam adstritos ao regimento das

corporações96.

Pinto Filho afirma que Francisco Paulo de Almeida foi ourives na confecção de botões

para colarinho, entretanto, não dá indícios que o mesmo tenha sido “mestre” e, como

apontado anteriormente, as leis que regiam os ofícios não eram seguidas e cumpridas, tão

rigorosamente97.

Na Corte que veio para o Brasil havia artistas, pessoas cultas e letradas, que, com seus

hábitos, culturas e costumes, mudaram a Cidade do Rio de Janeiro, para melhor acolher a

Corte, propiciando a criação de escolas, bibliotecas e museus. Em 1815, O Conde da Barca,

ministro de D. João VI, encarregou o francês Lebreton de organizar a Academia de Bellas

Artes do Rio de Janeiro. Esse contratou vários artistas, que o acompanharam ao Brasil

formando assim a chamada “Missão Francesa”, que chegou ao país em março de 1816. Estava

lançada a semente para o desenvolvimento artístico e intelectual, que se espraiou por todos os

ofícios. Segundo Lyra, a título de exemplificação da atuação da Arte de Ourivesaria no Brasil:

A joalheria era uma atividade em expansão no Brasil naquele início do século XIX.

A transferência da Corte portuguesa em 1808 e a conseqüente abertura dos portos do 96 A respeito das corporações de ofícios leia-se também Sérgio Buarque de Holanda. “A herança colonial ─ Sua degradação”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de [org.]. História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970, t. II, vol. 1º, p. 26-29.97 No período que estive em São João Del Rei [março de 2009], o Livro de Registro de Ofícios, do século XIX, encontrava-se em Juiz de Fora para ser restaurado, o que impossibilitou uma pesquisa mais acurada.

60

Page 62: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Brasil foram fatores determinantes para o dinamismo do comércio e a produção

local, atraindo gente de todas as nacionalidades para o novo centro do império.

Joalheiros e ourives famosos pela criatividade artística, instalados não só no Rio de

Janeiro, mas também em Minas Gerais, na Bahia e em Pernambuco,

confeccionavam com perfeição coroas, colares, brincos, medalhões, braceletes,

fivelas, botões e presilhas, em ouro e pedras preciosas, além de caixas de rapé e pó-

de-arroz, objetos de mesa para as famílias da aristocracia e peças sacras para as

igrejas. A escritora inglesa Maria Graham (1785-1842) nos fala da “abundância de

jóias de cabeça e pescoço nas mais velhas senhoras portuguesas”. Muitos outros

viajantes descreveram o gosto por peças luxuosas, como “baixelas pesadas” e “jóias

maciças”, nas reuniões sociais. Era comum, também, o uso de efígies de D. João VI,

de D. Pedro I, da imperatriz Leopoldina, nos mais diversos adereços98.

Até agora procurei apontar as relações com Francisco Paulo de Almeida, que serviram

de base para suas redes de sociabilidade, bem como a forma com que ele se apropria da arte

musical e da ourivesaria. Entretanto, as pistas me dão informações de que, por exercer uma

profissão, com diversas variantes, na época, tenha se inserido no mundo das tropas e dos

tropeiros, atividade que demonstrava ser mais rendosa e promissora para o alargamento de

suas redes de sociabilidade e relações de poder.

2.3. Tropas e tropeiros.

Antes da instalação das ferrovias, os transportes eram feitos através de muares. As

tropas saíam de diversos pontos chegando aos portos do litoral. Cruzamento de jumento com

égua, o muar era mais forte e resistente que o cavalo, capaz de transportar cargas mais

pesadas em terrenos acidentados. Os muares tinham seu grande centro de comercialização nas

feiras de Sorocaba - SP, onde eram adquiridos por tropeiros que ofereciam seus serviços. “E

como a economia cafeeira se encontrava em [...] expansão, é possível hipotetizar um aumento

98 LYRA, Maria de Lourdes Viana. Jóia de valor inestimável, o colar da imperatriz simbolizou o ideal de realização de um Império brasileiro rico, glorioso e imponente. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ed. abril de 2007.

61

Page 63: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

também da criação de bestas em Minas [principalmente o muar Pega oriundo de Lagoa

Dourada], pelo menos nos exercícios de 1842/1843 [...]99”. Alguns fazendeiros mais

poderosos possuíam tropas próprias e quando essas não bastavam, contratavam tropeiros.

Pelo período apontado por Lenharo, 1842/1843, Francisco Paulo de Almeida

encontrava-se com 16/17 anos, idade em que o jovem, remanescente da área rural, já

tropeava, chegando inclusive a chefiar tropas. Foi um período promissor para o comércio e

reprodução de jumentos da raça Pega, em Lagoa Dourada, situada na Comarca do Rio das

Mortes, freguesia de São João Del Rei. Existia certa facilidade, para aquisição de um plantel

para a formação de tropas. Outro fato relevante que se retrata é que nesse mesmo período,

com a idade de 16 anos, ele é agraciado na partilha de bens de sua mãe, D. Galdina Alberta do

Espírito Santo, com a quantia de 257$254 [duzentos e cinqüenta e sete mil, duzentos e

cinqüenta e quatro réis], recurso mais do que suficiente para a aquisição de muares para a

formação de uma tropa. Provavelmente, esse seja um indício da formação de sua tropa e do

início da sua fortuna.

De acordo com Dias, a valorização das tropas no século XIX são facilitadas pelo

esvaziamento do comércio de abastecimento da Corte ─ falta de estrutura para atender a

demanda ─ e o papel político que os interesses regionais do Sul de Minas desempenharam no

processo de construção do Estado brasileiro, nas primeiras décadas do século, entretanto, esse

processo pode ser analisado, também, a partir de outra variante ─ crescimento da demanda e

conseqüente escoamento da produção mineira ─. Esse processo delimita-se cronologicamente,

de modo a abordar uma conjuntura, curta e transitória, favorável à diversificação da economia

interna do Sul de Minas e, concomitantemente à ascensão social de novos setores das camadas

dominantes, a dos produtores mineiros, que emergem nos primeiros anos da Regência, não

somente na praça, mas também no cenário político da Corte100.

Seguindo a linha de Dias, este setor ─ organização da produção e abastecimento dos

gêneros ─ das atividades econômicas, à qual as tropas estão diretamente ligadas, foi um

verdadeiro palco de conveniências para diferentes grupos das classes dominantes da Colônia,

e não apenas para burocratas e monopolistas do Reino, pois também oferecia um meio de

ascensão social para atravessadores e comerciantes nativos, em geral acobertados por figuras

99 LENHARO, Alcir. As Tropas da Moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979, p. 83.100DIAS, Maria Odila da Silva. Prefácio, in. LENHARO, Alcir. Op. cit, p. 17.

62

Page 64: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

proeminentes da burocracia portuguesa, tais como governadores ou ouvidores101. Tudo leva a

crer que Francisco Paulo de Almeida soube aproveitar desse processo na construção de suas

redes de sociabilidade.

Ainda segundo essa historiadora, os primeiros sintomas da penetração dos produtos

mineiros no mercado da Corte são percebidos no jogo dos interesses regionais que vão se

imiscuindo na política regional e na própria política central de abastecimento. Em 1828,

Bernardo Pereira de Vasconcelos discursava no Parlamento sobre a importância de isentar

produtores e tropeiros mineiros dos rigores do recrutamento militar; outros políticos,

representantes de interesses mineiros, como os padres José Custódio Dias e José Bento,

defendiam a liberalização do comércio de abastecimento de carne. Minas Gerais, também

contava com o apoio de Evaristo da Veiga102. Nesse sentido, para Lenharo: “O fator decisivo

para que esta tendência se definisse foi o mercado carioca que, dilatando-se progressivamente,

ainda que de forma lenta, garantiu o movimento de reorganização interna da economia do Sul

de Minas103”.

As tropas transportavam todo tipo de mercadoria, principalmente a de subsistência,

para abastecimento da Corte, além das matérias, como o algodão para exportação. No retorno

traziam sal, peixe seco, bacalhau, tecidos, ferramentas, vinho, etc., que além de abastecer as

localidades por onde retornavam, aumentavam suas redes de sociabilidade. Os caminhos eram

difíceis e longos, passando por picadas estreitas e tortuosas abertas no mato e cortadas por

córregos. Mesmo não havendo problemas, a viagem durava vários dias; se chovia, o que era

comum, as mulas empacavam, atrasando a entrega e estragando parte da mercadoria. Os

reparos nas estradas eram feitos pelos escravos dos próprios fazendeiros, deslocando dessa

forma a mão-de-obra de sua principal atividade na fazenda, a agricultura.

A atividade de tropeiro, desde o século XVIII, assim como a cultura de açúcar, e do

ouro, caracterizou a vida econômica da Colônia. Segundo Matos, as atividades das tropas

provocaram importantes alterações no sistema de transporte e comunicações. Os tropeiros

estabeleceram uma rede de caminhos, seguindo muitas vezes a rota das Bandeiras [como no

caso de Goiás], ligando os campos de criação da área platina com Sorocaba, que sediava a

conhecida feira de muares104.101 Idem. p. 18.102 DIAS, Maria Odila da Silva. Op. cit, p. 17-21.103 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 74.104 MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4. ed. Campinas, SP: Editora Pontes, 1990, p. 31.

63

Page 65: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

O trabalho das tropas muito contribuiu para a abertura de caminhos, ligando o interior

ao litoral e ao centro do país, que contava com poucas opções de acesso. Além disso,

transformaram tropeiros em grandes fazendeiros, chegando alguns a receber título

nobiliárquico, como foi o caso de Francisco Paulo de Almeida. Lenharo destaca outros tantos

homens, que inseridos no tropear, conseguiram burlar e transcender os limites sociais da

época, entre eles:

[...] Domingos Custódio Guimarães, mineiro de São João Del Rey e futuro Visconde

do Rio Preto, no Segundo Reinado. Nos anos 20, formou uma sociedade ─ Mesquita

& Guimarães ─ com o conhecido comerciante, também mineiro, José Francisco de

Mesquita, futuro Marquês de Bonfim. Sua firma fazia descer de Minas grandes

rebanhos destinados ao consumo da Corte. A organização das compras e remessas

ficava a cargo de seu sobrinho, José Cândido Guimarães, que era seu agente de gado

e proprietário na Região do Rio Preto. [...] Ainda antes de abandonar a sociedade

com mesquita, Custódio Guimarães começou a comprar as primeiras terras no Rio

Preto, recomendadas por seu sobrinho. Durante os primeiros anos fez compras de

escravos que chegaram a totalizar 500 deles, com os quais foi se convertendo num

dos maiores cafezistas da região. A enorme soma de capital despendida nestas

compras de terras e escravos saíram, sem dúvida, dos negócios ligados ao

abastecimento no Rio de Janeiro105.

Segundo Lenharo, “os proprietários da região do Sul de Minas tinham suas próprias

tropas e, em geral faziam uso do trabalho dos seus filhos”. Esse empreendimento constituía,

portanto, uma extensão de suas bases familiares, fundamentadas no trabalho dos filhos.

“Numa fazenda ─ relata o autor ─ um dos filhos torna-se o condutor da tropa, outro se

encarrega de cuidar desta, outro das plantações, e todos, indiferentemente, ordenham as vacas

e fazem queijos. Complementava a força de trabalho os agregados, geralmente ligados ao

proprietário por vínculos de compadrio ou parentesco mais afastados106”.

Lenharo seleciona alguns casos de tropas organizadas à base de relações familiares de

trabalho:

O tropeiro João Ferreira Pessoa, procedente de Minas, por Itaguahy, vinha

acompanhado de seu filho Estevão Ferreira, além de 8 escravos, assegura o

105 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 76.106 Idem., p. 94, 95: “Os viajantes anotaram sucessivas vezes a existência de grandes famílias, concentradas em suas próprias terras, tendo à testa a figura soberana do seu chefe. Não raro se tratam de relações patriarcais rígidas, sobre as quais se definia a organização do trabalho das propriedades. Dª Joaquina do Pompeu constitui um caso ilustrativo dessa situação. Segundo Eschwege, vivia esta matriarca cercada de filhos, noras, filhas, genros e netos, totalizando umas 60 pessoas”. Pluto Brasiliensis, 2º volume, s/d, p. 281.

64

Page 66: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

escriturário do citado Registro. Outros casos semelhantes a este atestam, com

freqüência, pais e filhos atuando conjuntamente na direção das tropas. [...] Outra

notificação declara a passagem de dois irmãos, Flavio Francisco Moreira e

Romualdo José, pelo Registro de Paraíba de Serra Acima. Procediam de Minas

acompanhados de 6 escravos e 1 camarada107.

De acordo com Lenharo, através da idade dos tropeiros presume-se o grau de

participação dos filhos nas tropas. “O Códice 421, volume 1, referente à passagem de

tropeiros por Registros entre 1809/1810, fornece algumas pistas pertinentes”. Pela sua

pesquisa, ocorre uma incidência maior de tropeiros de 20 a 25 anos de idade, sendo que em

alguns casos, aparecem alguns com menos idade ainda:

“Manuel José da Silva, natural e residente em Minas, de 19 anos, que vive de tropa

solta, estatura ordinária, testa comprida, fina barba, sobrancelhas delgadas, parte

para Minas por Taguahy com 1 camarada e 2 escravos que trouxera...”.

“Antonio Manoel, natural e residente em Minas, de 14 anos, estatura de menor, rosto

redondo, olhos pequenos, sobrancelhas delgadas, parte para Minas por Taguahy com

5 escravos que trouxera...”108.

Pode causar surpresa um jovem tropeiro, de apenas 14 anos, chefiando uma equipe

composta de 5 escravos. Contudo, na organização rural, com essa idade o jovem já se juntava

ao mundo dos adultos, dividindo com eles as tarefas para a obtenção dos meios de sustento.

No caso do tropeiro jovem a iniciação era marcante e definitiva. O tropear era tido como um

trabalho rústico e desgastante e constituía-se na iniciação que possibilitava ao jovem acumular

experiências e poder, estando apto a disputar outras funções a que ainda não tivera acesso109.

Esses relatos, indicam que, Francisco Paulo de Almeida, provavelmente, optou pelos

caminhos das tropas objetivando acumular experiências e alargar suas redes de sociabilidades,

mesmo ainda jovem.

Cabe salientar que, conforme suposto anteriormente, Francisco Paulo de Almeida

tenha constituído sua tropa no início da década de quarenta dos Oitocentos. Ele o fez na época

em que o café do Vale do Paraíba do Sul, estava alcançando sua maturidade, vindo a alcançar

seu auge produtivo no ano de 1850. Considerando que o transporte, dependia exclusivamente

dos tropeiros, pode-se arriscar que Francisco Paulo de Almeida desfrutou de dezoito anos de

107 Idem, p. 95.108 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 96. 109 Idem.

65

Page 67: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

prosperidade, dessa atividade, o que lhe proporcionou um acúmulo de capital que veio a

facilitar sua participação na oligarquia cafeeira no ano de 1860.

A estrutura familiar apresenta algumas características propícias de organização,

funcionando no século XIX com a estrutura de uma empresa, tendo, no exemplo utilizado, o

fazendeiro como presidente. Uma característica importante dessa organização é a

operacionalidade instituída nas invernadas. As grandes fazendas do Sul de Minas operavam

como pontos de passagem para o mercado da Corte. Isto facilitava o monopólio por seus

proprietários, que comparavam, através de seus agentes, os ponteiros, a produção de extensas

áreas, até mesmo de Goiás e Mato Grosso110.

Essas delimitações na negociação não atingiam os invernistas intermediários. A

posição ocupada na estrutura permitia-lhes adotar soluções monopolísticas, manipulando

preços na compra, reduzindo-os a um nível “aceitável” para os criadores. E como

revendedores [mais conhecidos como intermediários], na volta de suas tropas, mantinham o

controle [caracterizando a especulação] sobre os gêneros de revenda, ficando com uma boa

margem de lucros. Através de seus correspondentes, geralmente familiares ou pessoas de

conhecimento muito próximo, tinham acesso às informações de oscilações de mercado,

convertendo-as em lucratividade111.

O que fica caracterizado por Lenharo é que no debate público que se abriu com as

crises agudas de abastecimento, a responsabilidade era atribuída aos intermediários,

conhecidos como “atravessadores”, “monopolistas” ou “ponteiros”. Sem a especulação dos

intermediários, o custo final dos produtos não atingiria os excessos. Foram praticantes do

“mercado negro”, estocando produtos e forçando a elevação dos preços112.

A instalação no Rio de Janeiro da firma Mesquita & Guimarães é exemplo de como os

mineiros ligados à produção de gêneros para o abastecimento na Corte se firmava. José

Francisco de Mesquita, por sinal, é um típico comerciante-empresário da época, não possuía

uma única prática mercantil, já que acumulava várias e diferenciadas atividades. Fixou-se na

praça comercial do Rio de Janeiro113, reforçou seus vínculos comerciais com o interior de

110 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 99.111 Idem, p. 101.112 Idem, p. 44-45.113 Nascido em Congonhas do Campo, Mesquita foi para o Rio de Janeiro e ali se empregou na casa comercial de seu tio, que era abastado comerciante. Xavier da Veiga, Ephemérides Mineiras, volume IV, p. 323. Pela Verba Testamentária 18, nº 151, que se encontra no Arquivo Nacional, RJ, pode-se observar como o futuro Marquês do Bonfim manteve sólidos interesses comerciais em Minas.

66

Page 68: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Minas, de onde viera. Daí comprava algodão e outros gêneros. Remetia escravos para o

interior, constituindo-se num dos principais abastecedores mineiros de escravos. Somente no

ano de 1830 e 1831 exportou 94 escravos para o interior de Minas Gerais114.

Francisco Paulo de Almeida, por ter ligações e sociedades com Domingos Custódio

Guimarães, sócio da firma Mesquita & Guimarães, terá proximidades com José Francisco de

Mesquita. Suas redes de sociabilidade, aos poucos vão aparecendo e ampliando-se, tanto que,

no ano de 1870, em razão do falecimento de Domiciano Ferreira Souto e Dona Umbrelina

Rodrigues Nogueira, Francisco Paulo de Almeida, sócio de Domiciano, fica com a tutoria115

de seus filhos: Joaquim Ferreira Souto e Domiciano Filho, assumindo a firma de importação e

exportação, que manterá negócios com a firma Mesquita & Guimarães, como citado

anteriormente.

Certos artifícios usados pelos tropeiros permitiam-lhes diminuir as condições

desfavoráveis de operacionalização dos negócios. Grande parte das firmas de tropas

complementava seus negócios dentro do âmbito familiar, ou através de pessoas aparentadas

ou de conhecimento muito próximo, de modo que não era necessário proceder a acertos de

conta imediatamente após as entregas das mercadorias, o que podia ser feito após um prazo

mais dilatado, um semestre ou um ano no mais das vezes ─ o que diminuía a pressão da

constante falta de liquidez116.

Segundo Lenharo, não era incomum o setor mercantil tentar o aumento de capitais

para a diversificação dos negócios, como a compra de terras e o investimento na produção

agrícola. No caso do povoamento situado entre o Sul de Minas e a Capital, comerciantes da

Comarca do Rio das Mortes, particularmente de São João Del Rei, e comerciantes do Rio de

Janeiro entraram por ambos os lados da região, convertendo-se nos seus principais

proprietários. Dedicaram-se à produção de gêneros de subsistência, açúcar e, depois, o café117.

Na agricultura e na área rural, segundo Lenharo, a tendência é a mesma na relação

proprietários de terra/tropeiros, onde se denota haver complementaridade: o tropeiro aparece

como um prolongamento da categoria social matriz ─ proprietário de terras ─ já que,

114 LENHARO, Alcir. Idem, p. 102.115 Processo de Tutela, 5779. Museu da Justiça, cx. 1803.116 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 103.117 Idem., p. 32.

67

Page 69: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

frequentemente, além de dar conta da produção o proprietário é ele mesmo o comercializador

dos seus próprios produtos118.

Pode ser caracterizado, segundo Lenharo, que no nível da identificação social, ocorra

o mascaramento dessa categoria menor ─ o tropeiro ─ menos valorizado pela categoria

proprietário rural. Os políticos representantes do setor abastecedor, quando em ascensão

social e política, mostravam-se como proprietários, enaltecidos por títulos acadêmicos ou

eclesiásticos. “O tropeiro e comerciante, que muitos eram ou tinham sido, por ser categoria

social menos nobre, passavam, sub-repticiamente, nos registros da memória histórica, para o

ocultamento119”.

Esta atividade vai assumir um caráter político da integração Centro-Sul. Para Lenharo,

tratava-se do processo de articulação mercantil estabelecido entre a área produtora e o

mercado consumidor, pelas vias de comunicação existentes entre os dois extremos, sendo

efetivada a partir do fluxo regional excedente, absorvido pelo mercado carioca120.

Conforme argumentação de Lenharo, a própria colonização do Vale do Paraíba e a

expansão do café propagaram-se com os recursos oriundos do setor mercantil de subsistência.

Novas rotas e caminhos foram abertos e melhorados, facilitando o desbravamento e a

ocupação, visando a propiciar maiores facilidades aos tropeiros121.

Mapa do Caminho Velho e do Caminho Novo122·

118 Idem.119 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 32.120 Idem, p. 28.121 Idem, p. 29.122Disponível:http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.espeschit.com.br/historia/image/caminho_novo.jpg&imgrefurl=http://www.espeschit.com.br/historia/historia/caminho_novo/&usg=__qmXuRfTmf1Zc08wqRMnuFNbVF8g=&h=454&w=374&sz=27&hl=pt- BR&start=1&tbnid=wOIBsBm91J8NcM:&tbnh=128&tbnw=105&prev=/images%3Fq%3Dcaminho%2Bvelho%26gbv%3D2%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DG, acesso em 30 out. 2008.

68

Page 70: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Em relação a essas rotas e caminhos, o início dos Setecentos contava apenas com o

chamado “Caminho Velho”, ou “Caminho das Guaianás”, que, partindo de Parati, atravessava

a Serra do Mar e, passando por Taubaté e Guaratinguetá, alcançava Minas Geais. No século

XVIII, foi aberto o chamado “Caminho Novo”, por Garcia Rodrigues Paes, que transpunha a

Serra do Mar e, através de Pati do Alferes, Paraíba do Sul e Paraibuna, chegava a Minas

Gerais. Esta nova via ganhou inúmeras variantes, como o Caminho de Bernardo Proença e o

Caminho de Terra Firme, entre outras123. Conforme Stein:

Com a expansão do café e da atividade comercial entre Minas e os portos costeiros,

o município de Vassouras vangloriava-se de ter pelo menos seis estradas provinciais 123 MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Os donos da terra. Um estudo sobre a estrutura fundiária do Vale Paraíba fluminense, no século XIX. 1979. 185 f. Dissertação de Mestrado [História Social] ─ Universidade Federal Fluminense ─ RJ, 1979, p. 52-54.

69

Page 71: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

paralelas atravessando o município em direção à serra do Mar e descendo às

planícies do Rio: Estrada de Marcos da Costa, do Pilar, do Verneck, do Commercio,

da Polícia e a Estrada do Rodeio124.

O constante movimento das tropas de mulas por essas estradas ─ movimento do qual

Francisco Paulo de Almeida participou e cujos indícios apontam ser dessa atividade a origem

de sua fortuna ─ trouxe inúmeros posseiros à região, atraídos pelas possibilidades de

comercialização de gêneros de primeira necessidade para os viajantes. Conforme citado

anteriormente, nessas estradas surgiram ranchos, estalagens e vendas que floresceram em toda

a sua extensão. Pastagens e roças formaram-se rapidamente, garantindo o milho, alimento

indispensável aos animais de carga, e ainda a cana-de-açúcar, feijão, arroz, mandioca e café.

Essas roças, associadas à criação de porcos e outros animais, asseguraram o abastecimento

das caravanas que levavam produtos importados para a região das minas, de lá retornando

abarrotadas de ouro para a metrópole, a ser escoado através dos portos do Rio de Janeiro125.

Os caminhos abastecedores do Rio de Janeiro, no início do século XIX, eram os

mesmos que abasteceram as Minas do século XVIII. Foram criados sobre as trilhas deixadas

pelos índios, reaproveitadas pelos pioneiros, quase sempre sob estímulo das autoridades.

Outras vezes e contra a lei, diversas trilhas marginais foram abertas. “O Caminho Novo, com

suas variantes ─ Caminho do Couto e Caminho de Terra ─ constituíam os instrumentos de

comunicação regional, servindo de canal de veiculação para os gêneros que abasteciam o

mercado das Gerais, oriundos do porto do Rio de Janeiro126”.

Nesse povoamento inicial, em que a região do Vale do Paraíba funcionou apenas como

passagem entre um centro produtor e outro distribuidor, pouco interesse houve por uma

fixação efetiva. As primeiras propriedades foram basicamente essas roças de mantimentos

estabelecidas em posses. Entretanto, Lenharo levanta uma questão:

[...] por que as estradas do Comércio e da Polícia, os projetos mais ambiciosos desta

etapa administrativa, dirigiam-se para a Comarca mineira do Rio das Mortes, e qual

a importância estratégica para a Corte, uma vez seu principal núcleo abastecedor?

[...] Não é difícil perceber-se a importância dessas vias para a normalização do 124STEIN, Stanley Julian. Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900. ─ Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 129, nota 67.125 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 46.126 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 58. A rota principal do Caminho Novo partia do porto de Estrela e passava por Petrópolis, antes de atingir Encruzilhada, onde as duas outras variantes se encontravam. A estrada ficou pronta por volta de 1724, sob a orientação do sargento-mor Bernardo Soares Proença, e durante 140 anos tornou-se o caminho preferido dos viajantes. Após as passagens do Paraíba e do Paraibuna vinha o registro de Matias Barbosa; Juiz de Fora, Barbacena, de onde se alcançava São João Del Rey e Vila Rica, vinham a seguir.

70

Page 72: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

abastecimento da Corte. O que precisa ser assinalado, no entanto, são os aspectos

condicionantes que envolveram a construção destas vias de abastecimento127.

Anteriormente à construção dessas estradas, a região já possuía duas outras que a

conectavam à Capital: a estrada Ocidente, no Sul da Comarca, que os mineiros utilizavam

para seguir na direção do Rio ─ São Paulo, que findava perto de Lorena, pela Serra da

Mantiqueira e, a parte Oriental da região, os caminhos para São João Del Rey, com acesso

direto ao Caminho Novo, que por sua vez, direcionava para os portos de Estrela e Pilar na

baía de Guanabara, ou se ligava ao Rio de Janeiro através do caminho de terra128.

O sistema de concessão de terras pela metrópole, a partir do século XVI, as chamadas

sesmarias, destinava-se a tornar produtivas as terras devolutas da colônia. Para tanto, eram

doadas a homens de muita posse e família, que reunissem as qualificações necessárias à

instalação de cultivos, entre elas um número suficiente de escravos. Eram normalmente

impostas algumas condições, raramente respeitadas, como apenas uma sesmaria para cada

beneficiado, a ser cultivada em prazo determinado, e limitada, no caso da Capitania do Rio de

Janeiro, a meia ou uma légua de extensão, sendo vedada a membros do clero129.

Segundo Lenharo, no Vale do Paraíba fluminense, a ocupação se fez através da

concentração das sesmarias para poucos proprietários, funcionários da Corte, ou comerciantes

de destaque, ou pessoas que tivessem laços mais estreitos com eles. Saint-Hilaire

escandalizou-se com a conivência e permissividade entre o governo e seus altos funcionários

na distribuição das sesmarias:

“O rico conhecedor do andamento dos negócios, tinha protetores e podia fazer bons

negócios; pedia-se para cada membro de sua família e assim alcançava imensa

extensão de terras... Manuel Jacinto (futuro Marquês de Baependi), empregado do

tesouro, possui perto daqui (Valença) 12 léguas de terras concedidas pelo Rei130”.

Em algumas das sesmarias concedidas na área do Vale do Paraíba, foram instalados

engenhos voltados para a produção de açúcar, rapadura e aguardente, no caso dos maiores; ou

apenas aguardente, naqueles menos providos de mão-de-obra escrava, configurando as

primeiras fixações efetivas na região.

127 Idem, p. 63.128 Idem.129 MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit., p. 6; 26-30.130 SAINT-HILAIRE, 2ª Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo, Belo Horizonte, Itatiaia/USP, 1974, tradução de Vivaldi Moreira, p. 24. Apud LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 65.

71

Page 73: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

A desagregação da economia de mineração condenou à estagnação, ao retrocesso e ao

isolamento inúmeros centros, antes efervescentes, em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.

Nas últimas décadas do século XVIII, conforme Noya Pinto, a produção média anual caiu à

metade. As caravanas, segundo relatos de viajantes, por volta de 1815, sem ouro, passavam

agora carregadas com toucinho, algodão, queijo, café e açúcar, vindas de Minas Gerais,

ressaltando-se a participação de São João Del Rei; Tiradentes, Prados e Lagoa Dourada, em

lotes de 220 a 250 mulas131 ─ a quantidade de muares, torna-se relevante pelo fato de que o

tropeiro destacava-se pelo número de mulas que compunham sua tropa.

Para terminar com a desagregação e a estagnação da economia mineira, o Regente

buscou na integração do Centro-Sul a resposta para fazer frente a esse quadro que implicava

mudanças. Ainda que seus objetivos de integração não se consolidassem, posteriormente,

fazer-se a montagem material do novo Estado independente132.

Manuel Jacinto Nogueira da Gama e sua rede familiar são o exemplo da

permissividade apontada. Como deputado e escrivão do Real Erário beneficiou-se de grande

abundância de terras, “distribuídas” por D. João VI. José Ignácio Nogueira da Gama, seu

irmão, entre as doações, mais as terras herdadas e compradas, somava, segundo Taunay,

aproximadamente 17 sesmarias, quase 20 mil hectares das melhores terras virgens em solo

mineiro e fluminense133. Acrescentem-se as terras que Manuel Jacinto recebeu em São João

Marcos e Valença, aquilata-se o poderio econômico da família134.

Manuel Jacinto Nogueira da Gama, mais tarde vai fazer parte da família dos Carneiro

Leão, composta por Paulo Fernandes Viana, intendente da polícia, proprietário [por

concessão] de grande quantidade de terras na região de Valença. Este clã usurparia imensa

mancha de terras que se estendia do Vale do Paraíba Fluminense até a Zona da Mata

mineira135.

Esse império explica um dos porquês da construção da estrada da Polícia, cujo

traçado, antes de alcançar o Sul de Minas, servia às propriedades dessa família. Enquanto a

131 NOYA PINTO, Virgilio. Op. cit., p. 128.132 LENHARO, Alcir. Idem, p. 66.133 TAUNAY, Afonso de E. História do café no Brasil. v. 5º, tomo III, p. 180-181.134 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 67.135 Idem.

72

Page 74: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Junta do Comércio levava adiante o projeto da estrada do Comércio, a Intendência da polícia,

cujo chefe era Paulo Fernandes Viana, realizava, simultaneamente, o seu próprio projeto136.

Todas as pistas indicam ser a Junta do comércio o lugar privilegiado de trocas de

favores [redes de sociabilidade, familiares, compadrio, relações de poder, etc.]. Através dela

João Rodrigues Pereira de Almeida [futuro Barão de Ubá] fez prevalecer seus interesses

pessoais. Como proprietário da região de Ubá, próxima a Vassouras, ampliou suas posses

graças à requisição de terras. Grande comerciante no Rio de Janeiro e deputado da Junta do

Comércio, valeu-se de sua posição determinando sobre o projeto da estrada que, obedecendo a

atalho mais antigo, servia muito próximo às suas propriedades137.

A trajetória de Custódio Ferreira Leite [futuro Barão de Aiuruoca] é também

significativa e serve de modelo, por ter correlação com a trajetória de Francisco Paulo de

Almeida. Oriundo de São João Del Rey, enveredou-se na região de Vassouras, trazendo,

posteriormente, um número substancial de seus familiares. Antes de se tornar um dos

primeiros cafeicultores de Mar de Espanha, na Zona da Mata mineira, dedicou-se ao serviço

de obras públicas, consertando e abrindo estradas, construindo pontes, etc. Os cabedais,

provenientes desses serviços, lhe permitiram unir-se à construção da fase final da estrada da

Polícia. Tirou proveito disso ao empregar lucrativamente seus escravos nos trabalhos da

estrada138.

Os sujeitos mencionados convergem no modo como a política e o comércio se

emaranharam aos destinos da organização, econômico-administrativa do Centro-Sul.

Obtiveram, em graus maiores ou menores, através de uma política de permuta com o Estado,

benefícios particulares consideráveis, além do que, graças à prestação de serviços públicos,

foram, alguns, agraciados com a nobiliarquia.

Essas redes de relação social, política e econômica, identificam um dos traços

fundamentais da formação do Estado nessa etapa de transição. Por isso, Estado, oligarquia e

setores produtivos, por exemplo: comércio e empresas, constituíam alianças a fim de produzir

suporte político-burocrático, através de favores em troca da prestação de serviços necessários

à construção de suas bases materiais, estabelecendo uma relação de poder de via dupla.

136 Idem.137 Idem, p. 67-68.138 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 68.

73

Page 75: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Valendo-se de todos os artifícios disponíveis, tanto Custódio Guimarães como

Francisco Paulo de Almeida passam da condição de tropeiro, para a de fazendeiro, graças aos

conhecimentos e acúmulo de capital obtido pelo abastecimento de gêneros para o Rio de

Janeiro, na atividade de tropeiro. Entretanto, Lenharo faz uma observação crítica de bastante

relevância quando salienta que no conjunto da bibliografia, mesmo nas biografias e nas

memórias de famílias proprietárias atreladas ao abastecimento, são raras as indicações

encontradas que permitam redimensionar o tropeiro na sociedade rural.

A categoria tropeiro, dentro da família produtora de gêneros mercantis de subsistência,

aparece enfocada de modo móvel e oscilante. Fora dela, e em contexto mais amplo, há que se

destacar a visão distorcida ─ rude, ignorante, etc. ─ que tem sido construída em relação ao

tropeiro.

Muito desta visão está inalterada, até hoje, com origem, em grande parte, nos relatos

de viajantes. As reproduções de suas observações enfatizam o comportamento dos tropeiros

como inferior aos níveis sociais de um proprietário comum. O que explica porque alguns

tropeiros, ao alcançarem posições sociais e políticas de destaque, procuraram de alguma

forma, fazer silêncio sobre sua origem.

Dentro dessa perspectiva, o principal dado explicativo cabe, sem dúvida, ao avanço da

oligarquia cafeeira que passou a ofuscar o setor abastecedor. No plano político, o setor

proprietário de café juntou as principais lideranças e centralizou o poder, passando os outros

setores da classe proprietária a se formarem com ele.

Apesar de a mineração ter recuado como atividade organizadora do espaço em São

João Del Rei, a posição de cabeça da comarca e suas funções comerciais articulando-se às

rotas do mercado interno das Minas não permitirão a retração do núcleo. Ao contrário, no

final do século XVIII, até meados do século XIX, verifica-se um processo substantivo de

migrações internas, com fluxos direcionados desde os núcleos mineradores originais,

especialmente da Comarca de Ouro Preto, para a Comarca do Rio das Mortes. Mesmo não

sendo São João Del Rei o destino fundamental desses fluxos, a dinamização do Sul de Minas

como um todo refletiria diretamente no crescimento da importância da praça comercial de São

João Del Rei Isso se dá com mais força, em particular, depois da vinda da Corte para o Rio de

Janeiro, em 1808, exatamente pela falta de gêneros alimentícios para abastecimento da Cidade

74

Page 76: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

e por conta da projeção de suas funções enquanto entreposto na rota do abastecimento da

capital. Lenharo realça que:

É conhecido que, com a crise da mineração, as áreas mineradoras refluíram,

reorganizando-se economicamente através da produção de subsistência. O que não

tem sido enfatizado suficientemente, no entanto, é que o Sul de Minas teve um

desdobramento peculiar. De fato, esta região conheceu um reforço em sua estrutura

econômica, já alicerçada na produção mercantil de gêneros de subsistência.

Atividades de produção, portanto, que não se relacionavam com tendências de

involução ou regressão econômica; pelo contrário, tratava-se de produção mercantil

de gêneros de subsistência, mas voltada para fora, em busca de mercados139.

O movimento centrífugo de populações após a mineração também favoreceu a

ocupação das terras virgens que mediavam Minas ao litoral, especialmente as terras férteis do

Vale do Paraíba. Pode-se destacar dois tipos de pioneiros que por ai surgiam: os posseiros,

com suas pequenas roças de produtos de primeira necessidade, voltados para o comércio

miúdo à beira das estradas, que povoaram rapidamente a região140. Um outro tipo de agricultor

fixava-se em condições de melhor segurança: ocupavam terras em função da prestação de

serviços públicos já realizados ou a realizar; abriam trechos de estradas, ou se prestavam a

fornecer alimentos para tropas e tropeiros, pastagens para os animais, ou abriam pousos e

vendas necessários à organização do tráfico mercantil141.

O café, introduzido no país no início do século XVIII, no Estado do Pará, oriundo das

Antilhas, era, até os primórdios do século XIX, cultivado em toda parte ─ não por todas as

famílias ─, porém apenas para consumo interno, em hortas, quintais e pomares. No Rio de

Janeiro foi plantado e aclimatado a princípio nos seus arredores: na baixada fluminense

[Magé, Itaboraí, Maricá, São Gonçalo], nas encostas das montanhas [matas dos morros da

Tijuca e de Laranjeiras], espraiando-se também pelo litoral [Angra dos Reis, Mangaratiba]142.

139 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 73.140 A pressão sobre a terra tornou-se insuportável para posseiros na medida em que migrantes garantidos com títulos de sesmarias foram ocupando s região. O atento Saint-Hilaire descreveu com acerto o que estava pensando: “Os pobres que não podem ter títulos, estabelecem-se nos terrenos que sabem não ter dono. Plantam, constroem pequenas casas, criam galinhas, e quando menos esperam, aparece-lhes um homem rico, com título que recebeu na véspera, expulsando-os e aproveita o fruto do seu trabalho”. Saint-Hilaire. Op. cit., p. 24.141 STEIN, Stanley Julian. Op. cit., p. 12 e 13.142 CANABRAVA, Alice P. “A grande lavoura”. In: HOLLANDA, Sergio Buarque de. [dir.]. História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, 4. vol., Declínio e Queda do Império. 1974, p. 85-137.

75

Page 77: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Os tropeiros, em suas idas e vindas, tiveram seu papel no processo de expansão da

lavoura de café143 para o Vale do Paraíba, que passaram a ser cultivada lado a lado com o

milho e a cana, em diferentes tipos de relevo e de solo. Segundo Stein:

Um contemporâneo da migração de café para os planaltos afirmou que muitas

mudas de café foram levadas da fazenda do Padre Antonio do Couto da Fonseca, na

região de Campo Grande. Francisco Freire Allemão, “Quaes são as principais

plantas que hoje se acham aclimatadas no Brazil”? Revista do Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro XIX [1856]. p. 5. Na Recopilação, estava registrado que

tropeiros, na sua viagem de retorno ao planalto, “passavam pela [fazenda de] Padre

Antonio do Couto para carregar seus animais com mudas de café”144.

A observação e a experimentação acabaram por demonstrar as condições ideais para a

sua cultura: solos férteis, chuvas regulares, encostas bem drenadas, entre 300 e 1200 metros

de altitude. Claro que estas condições eram ideais para a época, porém, mais tarde seria

verificado o esgotamento das terras e os problemas ocasionados por esse tipo de plantação em

encostas, com temperaturas entre 16 e 32 graus centígrados, sendo desaconselháveis as áreas

próximas a manguezais e as temperaturas elevadas.

Em busca de tais condições, o café subiu a Serra do Mar, irradiando-se pelas terras

mais altas do curso médio do Paraíba145, em direção às Minas Gerais, e pelas encostas

meridionais da Mantiqueira, tomando, em seguida, o rumo do oeste paulista. A topografia

favorável e as altitudes médias entre 500m e 600m; as temperaturas médias anuais em torno

de 20 graus centígrados; as chuvas bem distribuídas em verões com precipitações fortes, entre

novembro e março, época da floração; e em invernos secos, possibilitando a estiagem

necessária à colheita, a secagem e o beneficiamento; os excelentes solos de massapés, aliados

à disponibilidade de terras, compuseram um quadro extremamente favorável para a expansão

da nova cultura.

A virada do século XIX assistiu à intensificação da procura por terras nessa região.

Dentre os antigos posseiros, alguns obtiveram concessões de sesmarias, outros legitimaram

suas posses, desde que fossem validadas de forma tranqüila, sem distúrbios. Muitas das 143 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 23-39.144 STEIN, Stanley Julian. Idem, p. 28.145 AB’SABER, Aziz Nacib e BERNARDES, Nilo. Op. cit., p. 74-79. “O médio Vale do Paraíba”: “Em sentido amplo compreendemos por médio Vale do Paraíba toda área drenada por esse rio desde o seu grande cotôvelo, em Guararema até a zona em que, recebidas os primeiros afluentes de importância [Piabanha-Prêto e Paraíbuna-Prêto], começam grandes corredeiras denunciadoras de sua rápida descida do planalto”. Utilizo neste trabalho, parte do conceito denominado pelo autor como “médio vale inferior”, abrangendo somente as cidades compreendidas da atual Barra do Piraí à atual Três Rios.

76

Page 78: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

antigas roças de mantimentos transformaram-se em sítios, porém mantendo a característica de

produção de gêneros voltada para o consumo local. De novas ou de antigas sesmarias

surgiram às primeiras fazendas de café, simples e rústicas, quer desmembradas, quer

incorporadas a terras vizinhas, concentradas nas mãos de umas poucas famílias, advindas, na

sua maioria de Minas Gerais, destacando-se as localidades de São João Del Rei [Comarca do

Rio das Mortes] e Barbacena. “De volta das minas e das cidades situadas nas estradas, que

haviam florescido no negócio de mineração, vieram àqueles que enriqueceram os

contingentes de Barbacena e de São João d’El Rey [...]146”.

Francisco Paulo de Almeida, tropeiro e dono de tropa, dispunha de capital e de um

conhecimento privilegiado, através de suas viagens e redes de relacionamento, em relação a

terras existentes e disponíveis ou devolutas, na divisa do Sul de Minas Gerais e o Vale do

Paraíba Fluminense, o que fará com que, na segunda metade dos Oitocentos, comece a fazer

parte das oligarquias cafeeiras, como será visto posteriormente, através da compra de

fazendas produtoras de café, principalmente na região de Mar de Espanha – MG, Paraíba do

Sul e Valença no Rio de Janeiro.

O Tropeiro, não raras vezes, ou era fazendeiro ou viria a ser. Tratava-se de uma

atividade rendosa. A tendência era de que se constituíssem sociedades para diminuição dos

custos e das perdas, fora que, também, recebiam mercadorias de outros fazendeiros,

aumentando, desta forma os lucros. O que ocorre é que a atividade de tropeiro tinha ou

passava a ter um caráter de complementaridade, pois quando o mesmo não era fazendeiro,

suas viagens pelos caminhos que levavam tanto a Corte como para São Paulo, davam-lhes

oportunidades de conhecerem terras que permaneciam sem “donos”, ou cujos donos não

tinham como mantê-las, com este conhecimento ele logo adquiria terras, preferencialmente

onde fosse passagem de tropas.

A segunda década do século XIX, em todo o Vale do Paraíba, foi marcada por um

notável incremento da produção cafeeira, graças à alta cotação do produto no mercado

internacional, que estimulou consideravelmente o seu cultivo. Se, por volta de 1822, o café

ocupava o segundo lugar nas exportações brasileiras, com 19,6%, precedido apenas pelo

açúcar, entre 1830 e 1840 esse valor subiu para 28,6%, acelerando a cultura intensiva. Em

meados do século chegou a 50%, na posição de primeiro produto de exportação, e entre 1870

146 STEIN, Stanley Julian. Op. cit., p. 33-34.

77

Page 79: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

e 1880 alcançou 61,5%. Efetivamente o café se tornara uma nova fonte de riquezas,

possibilitando a recuperação econômica do país.

PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXPORTAÇÃO 1821-1890(% na receita das exportações)

PERÍODO CAFÉ AÇÚCAR ALGODÃO BORRACHA COUROS E PELES

OUTROS

1821-1830 18,4 30.1 20,6 0,1 13,6 17,21831-1840 43,8 24,0 10,8 0.3 7,9 13,21841-1850 41,4 26,7 7,5 0,4 8,5 15,51851-1860 48,8 21,2 6,2 2,3 7,2 14,31861-1870 45,5 12,3 18,3 3,1 6,0 14,81871-1880 56,6 11,8 9,5 5,5 5,6 11,01881-1890 61,5 9,9 4,1 8,0 3,2 13,2Fonte: Singer, 1989, 355 apud Silva, 1953 & Vilela & Suzigan147

Uma série de medidas acompanhou e viabilizou esse surto: a abertura das estradas do

Comércio [1813] e da Polícia [1820], garantindo o escoamento das exportações; a fundação

em 1832 da Sociedade Promotora da Civilização e Indústria, na Freguesia de Vassouras; a

elevação de Paraíba do Sul, Valença e Vassouras à categoria de vila, em 1833, quando esta

última já contava com fazendas que possuíam entre 500.000 e 800.000 cafeeiros. Em 1835,

foi autorizada a concessão de privilégios para a construção de estradas de ferro por

particulares. Em 1852, foram inauguradas as primeiras linhas de telégrafos; e, finalmente, em

1854, a tão esperada estrada de ferro, proporcionando rápida ligação com a Corte e fluência

no escoamento do café até os portos de embarque, complementada em 1861 pela expansão

rodoviária, através da abertura da Estrada União Indústria148. Em 1859, foram abertas

sucursais do Banco Comercial e Agrícola em diversas cidades do Vale do Paraíba, ocorrendo

assim a sustentação necessária à nova empresa, dando, de acordo com Stein, destaque para

determinada localidade no Vale do Paraíba149. Segundo Eduardo Silva:

Em meados do século XIX, a acumulação sem precedentes de terras e escravos, as

novas instalações produtivas nas fazendas, a construção de “palácios” e igrejas, a

compra de títulos, a importação de objetos de luxo, etc., assinalavam o sucesso da

incorporação da estrutura escravista ao mercado internacional capitalista enquanto

produtor da sobremesa café150.

147 Fonte: Singer, 1989, 355 apud Silva, 1953 & Vilela & Suzigan. Apud ARIAS NETO, José Miguel. “Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: O tempo do Brasil excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Organização de Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado, ─ 2ª Ed. ─ Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. ─ [O Brasil Republicano; v. 1], p. 201.148 Sobre as estradas de ferro e as S/A, voltarei ao assunto no terceiro capítulo.149 STEIN, Stanley Julian. Op. cit., p. 14.150 SILVA, Eduardo. Barões e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: INL, 1984, p. 138-139.

78

Page 80: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Vassouras, que posteriormente se tornaria a “Capital do Café”, bem demonstrou, à

época, a dimensão desse surto expansionista: se em 1822, ano da resolução que pos fim à

doação das sesmarias, ainda havia áreas devolutas em seus limites, em 1843 já não havia mais

nenhum pedaço de terra disponível em toda região151. Em meados do século, o Vale do

Paraíba estava intensamente ocupado e inteiramente voltado para a produção do café.

No Brasil, principalmente após a vinda da família Real, duas atividades assumem

posições estratégicas nas relações de sociabilidade ─ os Tropeiros e os Caixeiros Viajantes ─

pelas circunstâncias da atividade, que exigia um deslocamento permanente, contato com

pessoas de diversas classes sociais, transmissão das notícias e dos acontecimentos da Corte e

o contato com as fazendas e, principalmente, com os fazendeiros do interior, onde em alguns

casos, chegava-se a ter um relacionamento quase ‘familiar’.

Provavelmente, e as fontes fornecem este indício, Francisco Paulo de Almeida tenha

optado ou sido influenciado por esta atividade em função do centro das exportações mineiras

terem sua sede na Comarca do Rio das Mortes, praça comercial de São João Del Rei.

Minas Gerais organizou sua economia regional, durante o período aurífero, na

produção de gêneros de subsistência. Com a crise da mineração e consequente refluxo

demográfico das áreas mineradoras, o escoamento do excedente ficou prejudicado, obrigando

os produtores a sairem em busca de mercados fora da região, em conformidade com o exposto

adiante.

Com a vinda da Corte para o Brasil ─ com a economia ainda voltada para a exportação

dos produtos, da agricultura de subsistência, adicionada a monocultura e a alteração dos

costumes influenciados pelo consumo da Corte ─ a produção de gêneros alimentícios torna-se

escassa, aumentando o volume e a movimentação de tropas entre o sul de Minas e o Rio de

Janeiro:

“O fator decisivo para que esta tendência se definisse foi o mercado carioca que,

dilatando-se progressivamente, ainda que de forma lenta, garantiu o movimento de

reorganização interna da economia do Sul de Minas152”.

Essa escassez da produção alimentícia, juntamente com o aumento da demanda de

exportação do café, fez com que parte da oligarquia cafeeira, buscasse métodos para melhor

151 MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit., p. 22; 43 e 69.152 MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit., p. 74.

79

Page 81: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

aproveitamento de suas plantações, dessa forma, desde 1850, os jornais já anunciavam

modernas máquinas de beneficiamento, incluindo a limpeza, separação e lavagem do grão

colhido, maceração, despolpamento, secagem, separação das impurezas, escolha e

classificação. Francisco Paulo de Almeida, conforme Inventário da Baronesa de Guaraciaba,

manteve em suas três fazendas todas as modernidades disponíveis para seu melhor

funcionamento.

As modernidades se faziam necessárias, considerando a escassez de mão-de-obra e

atendimento às etapas pelas quais o café passava nas várias formas de armazenamento. Nas

fazendas, na produção, utilizavam-se barris ou balaios. Das fazendas para as cidades, era

acondicionada em sacos, a princípio de couro e mais tarde de aniagem. Nos armazéns do

comissário eram feitas as misturas para a exportação atendendo aos gostos dos consumidores,

sendo o café acondicionado em sacos próprios para a exportação153.

Esses tipos de armazenamento faziam-se necessários para o deslocamento, pois

conforme as plantações de café avançavam para o interior, os custos do transporte cresciam.

O difícil percurso pela Serra do Mar só era possível mediante essas tropas. Além do mais,

quando a safra era muito farta muitas vezes as tropas não conseguiam escoá-la. A solução

encontrada seria a ferrovia154.

No decorrer deste capítulo, apontei as circunvizinhanças de Francisco Paulo de

Almeida, que serviram de base para suas redes de sociabilidade. Mencionei, ainda, o

funcionamento da arte da ourivesaria e da música e das tropas e tropeiros no século XIX no

Brasil. No decorrer da dissertação sobre as tropas e tropeiros, fica bem claro a proximidade do

exercício desta atividade com a posição do fazendeiro, chegando a alguns momentos a se

confundirem, como já havia acontecido com o Visconde do Rio Preto e, a seguir, com

Francisco Paulo de Almeida.

153 MATOS, Maria Izilda S. Trama e poder: um estudo sobre as indústrias de sacaria para o café. 4. ed. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999. O crescimento da produção cafeeira exigia grande quantidade de sacaria para o café, isso estimulou a indústria de sacaria.154 Tema a ser explorado no próximo capítulo.

80

Page 82: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

3. REDES DE SOCIABILIDADE E RELAÇÕES DE PODER.

Para produzir e analisar o que chamo de reflexões biográficas sobre um

sujeito e seu contexto histórico optei em focalizar algumas redes de sociabilidade e

determinadas relações de poder pelo sujeito e com ele constituídas. Para isso, busquei,

anteriormente, tratar do desdobramento da empresa organizada para o abastecimento da Corte,

a busca e a ampliação de suas bases para o mercado consumidor. Tratei dos problemas e dos

domínios da formação desse movimento ─ ao qual o protagonista pertencia ─, em que

proprietários e negociantes, atuando no mercado, ganharam poderes de intervenção no

comércio distribuidor. Assim, as negociações direcionadas para a comercialização dos seus

próprios produtos buscavam mecanismos para tratar de questões de aparelhamento ─

ocupação de cargos públicos com influência nas questões pertinentes à concessão para a

construção de estradas, isenção/redução de impostos, entre outros ─, visando melhorar os

efeitos e as próprias relações de poder através de suas influências em suas diversas etapas de

81

Page 83: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

operação ─ itinerário, projeto, custo e viabilização ─, para valorização das suas terras,

escoamento e comercialização de sua produção.

Ao falar sobre a empresa de abastecimento, na qual se insere o tropeiro e o dono de

tropas, percebi ser tênue a linha que separa a atividade do tropeiro para a do fazendeiro. A

esse respeito, conforme salienta Lenharo, em certos momentos nem existia, ou nem era

diferenciada, considerando que o ocupante dessas atividades, ao se encontrar em posição

superior, negava essa passagem em sua história de vida. Talvez por isso, provavelmente por

causa desse costume, Francisco Paulo de Almeida só aparecerá inserido na oligarquia cafeeira

em 1860, no Município de Valença – RJ.

Prosseguindo, procuro, por meio de certas colocações, explicar a inserção e integração

de Francisco Paulo de Almeida na oligarquia cafeeira do Médio Vale do Paraíba, a partir da

cidade de Valença, juntamente com outros proprietários do Sul de Minas, que assim como ele

partiram da Comarca do Rio das Mortes estabelecendo-se no Vale do Café no Sul

Fluminense. Desta forma, continuo enfatizando as diferentes etapas de sua trajetória pelas

suas redes de sociabilidade e pelas relações de poder, construídas através das alianças e

sociedades.

3.1. Um pouco do Médio Vale do Paraíba no século XIX.

O Caminho Novo, depois de atravessar o rio Paraíba do Sul, dirigia-se para Barbacena

e para as regiões auríferas de Minas Gerais. Ao longo de seu curso, organizaram-se diversos

“registros de controle” em Mathias Barbosa, Simão Pereira e Juiz de Fora, que, nesse início

de século, começavam muito a se desenvolver, com a chegada do café. A paisagem do Médio

Vale do Paraíba, continuava coberta de densa floresta, que valorizava suas terras, propiciando

madeira para a construção de Fazendas e, após o desmatamento, terra de primeira qualidade

para o plantio do café. Por isso, para ela deslocaram-se mineiros, fluminenses ou portugueses

atraídos pela expansão do café. Esses centros, além da cidade de Mar de Espanha, assim como

Além Paraíba, São João Nepomuceno, Sant’Ana do Deserto, localizados na Serra da

Mantiqueira, constituem a região denominada Zona da Mata mineira. Esses núcleos tiveram

grande ascendência, nesse período, graças às fazendas de café, tornando-se vilas, depois

82

Page 84: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

cidades. Especial destaque deve ser dado à cidade de Juiz de Fora, cujo crescimento foi

especialmente notável, após a abertura da estrada de rodagem União e Indústria entre

Petrópolis e Juiz de Fora, em 1861, por iniciativa de Mariano Procópio Ferreira Laje155.

Coincidindo o início da cultura cafeeira com o esgotamento das jazidas de ouro de

Minas Gerais, antigos mineradores vêm para o Vale, nesse início do século XIX. Na maioria,

eram pessoas abastadas, que adquiriram terras, desmataram-nas, e nelas organizaram

fazendas. De fato, a empresa cafeicultora exigia certo capital para aquisição e montagem da

fazenda, além da compra da mão-de-obra escrava. Os cafeicultores, formadores de grandes e

poderosos clãs rurais, futuros Barões do Café, são originários de Minas Gerais em sua grande

maioria.

Entre eles, se encontra Estevão Ribeiro de Resende, futuro marquês de Valença, vindo

do Arraial de Lagoa Dourada, na Comarca do Rio das Mortes, com fazendas e grande

descendência no município de Valença. Igualmente se estabeleceu na mesma região o

protagonista, futuro barão de Guaraciaba, oriundo do Arraial de Lagoa Dourada. A família de

ambos, Marquês de Valença e Barão de Guaraciaba, têm seus laços a partir da avó do

protagonista. Dessa forma constituíram-se na mesma região, personagens que mais adiante,

compartilharão laços e sociedades com Francisco Paulo de Almeida, entre eles:

– Manoel Jacinto Nogueira da Gama, futuro marquês de Baependi, oriundo de São João

Del Rei, na Comarca do Rio das Mortes. Radicou-se e foi chefe de clã avultado em

Rio das Flores;

– Domingos Custódio Guimarães, futuro visconde do Rio Preto, proveniente também de

São João Del Rei;

– Os irmãos Teixeira Leite, vindos dessa cidade mineira, radicaram-se e participaram da

fundação da vila de Vassouras;

– Custódio Leite Ribeiro, futuro barão de Aiuruoca [tio dos irmãos Teixeira Leite, e em

parte responsável por sua vinda para o Vale], personagem com atuação de apoio a

diferentes áreas, organizando fazendas, fundando capelas, casas de caridade e

155 TELLES, Augusto Carlos da Silva. O Vale do Paraíba e a arquitetura do café. Rio de Janeiro: Capivara, 2006, p. 53.

83

Page 85: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

participando da construção de uma estrada para acesso à Zona da Mata Mineira

[estrada da Polícia]156.

Dentro do Vale do Café do século XIX, três localidades se destacaram e contribuíram

de forma diferenciada para a influência política, social e econômica da região ─ Valença,

Paraíba do Sul e Vassouras. Em Valença como as terras eram extremamente ricas, houve um

grande acúmulo de patrimônio nas suas imediações. Os fazendeiros deram especial apoio ao

centro urbano, permitindo um grande desenvolvimento. A partir de Valença, foram criadas

outras povoações, como Rio das Flores, Barra do Piraí, etc. Paraíba do Sul teve seu início no

local da travessia do Rio do Paraíba, junto ao assentamento que Garcia Rodrigues Paes Leme

criara para abrir o Caminho Novo. Entretanto, ao contrário do que ocorreu em Valença, não

houve interesse dos fazendeiros dessa região pelo seu núcleo urbano, e a vila não se

desenvolveu tão prontamente. A partir dela outras localidades foram criadas, entre elas a

cidade de Três Rios. Já a vila de Vassouras foi constituída a partir da extinção da vila de Paty

do Alferes. O local onde foi implantada a vila de Vassouras era parte da sesmaria de

Vassouras e Rio Bonito. Diversas localidades foram, lentamente, nas últimas décadas do

século XIX, emancipando-se da Cidade destacando-se: Mendes, Rodeio [Paulo de Frontin],

Macacos [Paracambi] e Belém [Japeri]. Paty do Alferes foi à última a ser emancipada na

década de noventa do século XX.

O exercício das atividades de tropeiro possibilitava, em seus trajetos ao comércio da

Corte, o estabelecimento de contatos, em todos os níveis, o que facilitava o estabelecimento

de uma rede de sociabilidade expansiva. Além disso, o conhecimento do espaço geográfico

percorrido e os contatos estabelecidos nesse itinerário, permitiam e forneciam conhecimentos

para a aquisição de terras férteis para a produção agrícola, mais especificamente, “o café”,

tornando possível, inclusive à Francisco Paulo de Almeida, a aquisição de terras e,

consequentemente, seu ingresso na oligarquia cafeeira do século XIX.

3.2. As fazendas e a relação de compadrio.

156 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Op. cit., p. 43-44.

84

Page 86: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Como já foi dito, Francisco Paulo de Almeida desenvolveu atividade de ourives,

músico e tropeiro. Presume-se, pelos documentos redigidos e assinados na Irmandade da

Santa Casa de Misericórdia de Valença, no inventário da Baronesa de Guaraciaba, como na

sua minuta de inventário, que não se tratava de um analfabeto. Outra suposição, apontada em

documentos: ele teria ao menos, um razoável entendimento do idioma francês, pois mandou

alguns filhos estudar naquele país e, no final dos Oitocentos, costumava viajar constantemente

para a França, até porque, um dos seus filhos, além de estudar na Europa, casou-se com a filha

do Cônsul uruguaio na França. Por tudo isso, o acúmulo dos conhecimentos adquiridos

acabou facilitando seu ingresso no mundo do comércio, e da tida como alta sociedade.

Assim, Francisco Paulo de Almeida começa a ser visto e a ganhar destaque na região

do Médio Vale do Paraíba na segunda metade do século XIX, adquirindo as fazendas:

Veneza, no distrito de Conservatória, cidade de Valença - RJ; Santa Fé, na cidade de Mar de

Espanha em Minas Gerais e Três Barras na atual cidade de Três Rios – RJ, todas adquiridas

anteriormente à proclamação da República. Entretanto, o médico memorialista Marciano

Bonifácio Pinto Filho indica que ele também possuía fazendas no Arraial de São Sebastião do

Rio Bonito, além da de Santo Antônio do Rio Bonito. Embora essas propriedades estejam

situadas no distrito de Conservatória, não foram localizados registros que apontem sua

existência, pelo menos até a última década do século XIX, por isso, pressuponho que o

memorialista ao citá-las, confundiu-as com a fazenda Veneza, uma vez que, após a sua venda,

ocorreram desmembramentos de suas terras, das quais surgiram novas propriedades e as terras

citadas são fronteiriças a atual fazenda Veneza.

Neste momento, algumas observações são necessárias. Na trajetória da pesquisa são

raros os documentos encontrados redigidos pelo próprio Francisco Paulo de Almeida. Além

dessa constatação, outra deve ser ressaltada: apenas eventualmente seu nome é citado em

jornais da época, nem mesmo a historiografia apresenta referência a ele, o que dificultou, um

pouco, o presente trabalho. Para dar conta dessa problemática, busco através de personagens

que viveram no mesmo contexto, com trajetórias semelhantes, uma analogia, referências e

pistas possíveis, nas e pelas relações de poder e redes de sociabilidade, possibilitadas e

constituídas por eles.

85

Page 87: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Além disso, dentro dessas semelhanças, busco a utilização de estratégias e

mecanismos constituídos que possibilitaram e permitiram tanto para Francisco Paulo de

Almeida, como para os demais fazendeiros contemporâneos, passarem da condição de

tropeiro para a de latifundiário da produção cafeeira do Médio Vale do Paraíba do Sul

Fluminense.

É certo que todas essas fazendas possuem uma história e um contexto relativo à sua

compra e sua importância produtiva para a região. Por exemplo, a fazenda Veneza será objeto

de exploração quando me referir à construção da Estrada de Ferro, assim como a fazenda

Santa Fé. Por outro lado, a Três Barras permitirá uma forte relação pessoal e social entre

Francisco Paulo de Almeida e o seu dono, o visconde de Jaguari, o que possibilita parte da

proposta do trabalho, ou seja, identificar e analisar as relações de poder e sociabilidade,

exercidas através, com e a partir do compadrio.

Assim, essas relações são compreendidas, essencialmente, como mecanismos e

estratégias de fortalecimento político, social e de aumento do patrimônio financeiro,

possibilitadas através das relações de compadrio, no campo político e religioso. Compadrio

que, por sua vez, instituiu novas relações de poder construídas por Francisco Paulo de

Almeida.

O memorialista de Paraíba do Sul, Pedro Gomes da Silva157, ao relatar sobre a fazenda

das Três Barras, analisa o compadrio do protagonista com José Ildefonso de Souza Ramos,

relação corroborada pelo inventário da sua esposa a viscondessa de Jaguari, que deixa parte de

sua herança para o filho de Francisco Paulo de Almeida, que era seu afilhado. A história da

fazenda, juntamente com a herança deixada pela viscondessa para o filho do Barão, é

significativa e demonstra as relações de poder ali presentes e constituídas. Essa significação é

percebida quando Francisco Paulo de Almeida foi eleito provedor da Irmandade da Santa

Casa de Misericórdia, havendo indícios, de que sua eleição teve a influência do Visconde de

Jaguari e do comendador Domingos Teodoro de Azevedo.

Cabe salientar que, eventualmente, evidenciarei e formularei uma sinopse de alguns

personagens, com seus títulos, cargos e demais conquistas. Faz-se necessária essa exposição

em face dessas pessoas participarem das redes e relações das qual Francisco Paulo de

157 SILVA, Pedro Gomes da. Capítulos de História de Paraíba do Sul. Rio de Janeiro: Cia. Brasileira de Artes Gráficas, 1991, p. 158-161.

86

Page 88: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Almeida também participará. Por tudo isso, posso começar focalizando as relações

estabelecidas com o Visconde de Jaguari.

Mas, quem foi esse visconde e qual sua importância? “O barão de Três Barras e 2º

visconde com grandeza de JAGUARI foi José Ildefonso de Souza Ramos, que nasceu na

cidade de Baependi, Minas Gerais, em 28 de setembro de 1812, e faleceu no Rio de Janeiro,

em 23 de julho de 1883, na fazenda das Duas [sic, Três] Barras. Casou-se com Henriqueta

Carolina de Souza Ramos. Bacharel em direito pela Academia de São Paulo, em 1834, foi

Presidente das Províncias do Piauí, em 1843, de Minas Gerais, em 1848, e de Pernambuco,

em 1850. Ministro da pasta da Fazenda no 11° Gabinete de 1852, do Império no 16° Gabinete

de 1861, da Justiça no 24° de 1870. Deputado Geral pela Província do Piauí na 6ª Legislatura

de 1845 a 1847 e pelo Rio de Janeiro na 8ª e 9ª legislaturas de 1850 a 1856. Era Senador por

Minas Gerais nomeado em 1853 e Presidente do Senado de 1874 a 1881. Foi Provedor da

Santa Casa de Misericórdia, sócio do IHGB do Conselho de S. Magestade, Conselheiro de

Estado em 1870, Grande do Império, Grã-Cruz das Imperiais Ordens de Cristo e da Rosa158”.

[grifo meu].

Segundo Carvalho, “O compadrio estabelecia um vínculo de mão dupla159” no caso de

Francisco Paulo de Almeida com o Visconde de Jaguari, posso citar, a título de exemplo, a

influência de José Ildefonso de Souza Ramos, na Irmandade do Rio de Janeiro e de Valença,

para eleger o protagonista a provedor da Santa Casa de Valença. Em contrapartida, com a

morte do Visconde, Francisco Paulo de Almeida vai dar total assistência à viúva e sua

comadre, no comando da fazenda Três Barras. “Nesse sentido, é interessante destacar que o

compadrio vinculava não apenas indivíduos, mas famílias. E isso era válido para os dois pólos

da relação: tanto o padrinho passava a se relacionar com os parentes dos afilhados como estes

se inseriam na parentela daquele160”.

A História da fazenda Três Barras inicia-se a partir de Antonio Cordeiro da Silva,

português, possuidor de muitos escravos, sem terras próprias. No decorrer do século XVIII e

parte dos Oitocentos, ela foi objeto de disputas por demarcação rumos/limites, demandas

[ações judiciais] numa clara demonstração de confronto com seus vizinhos, perdurando até o

158 Sinopse biográfica de José Ildefonso de Souza Ramos. Disponível: http://sfreinobreza.com/Nobj.htm, em 22/09/2007.159 CARVALHO, José Murilo de. In:_____ [Org.]. BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Escolhas de padrinhos e relações de poder: uma análise do compadrio em São João Del Rei (1736-1850). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, P. 338.160 Idem, p. 332.

87

Page 89: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

final dos anos trinta do século XIX161. Após diversas disputas, a propriedade passou a

pertencer ao coronel José Joaquim dos Santos. Após o falecimento desse, a fazenda das Três

Barras passou a José Ildefonso de Souza Ramos, advogado, casado com sua filha Henriqueta.

O Visconde de Jaguari por sua vocação política, pouco tratava da fazenda, que esteve

mesmo alguns anos sem lavouras. Passava a maior parte de seu tempo no Rio de Janeiro e

morreu na Fazenda Três Barras em 1883, deixando-a para a esposa, que não tinha como

dirigi-la. Por isso, conforme salienta Pedro Gomes da Silva:

Por algum tempo tomou a direção da fazenda o compadre e vizinho Firmino [sic]-

[Francisco] Paula de Almeida, barão de Guaraciaba, que morava do outro lado do

Paraíba na fazenda de Santa-Fé, município de Mar de Espanha, e acabou a

adquirindo, desenvolvendo rapidamente lavouras e criações e instalando moderna

aparelhagem para beneficiar café. Mas pouco depois faleceu a baronesa de

Guaraciaba ali de febre amarela e o barão, desgostoso, nunca mais voltou as Três

Barras, vendendo-a ao médico José Cardoso de Moura Brasil a 19 de abril de 1890162

.

Por que, somente por algum tempo, Francisco Paulo de Almeida tomou a direção da

fazenda Três Barras? Como dito anteriormente, “O compadrio estabelecia um vínculo de mão

dupla163”, o que justifica sua intervenção no comando da fazenda, uma vez que, sua comadre,

a viscondessa de Jaguari, não tinha como dirigi-la. Além disso, ele era proprietário da fazenda

Santa Fé, que estava separada da propriedade da Três Barras, apenas pelo encontro dos rios

Piabanha e Paraibuna, o que facilitava a administração e seu transito entre as fazendas.

Posteriormente, constatando-se que a Viscondessa não tinha como comandar a fazenda e não

tendo contraindo novo matrimonio, que pudesse colocar alguém à frente da produção, vende a

fazenda ao compadre Francisco Paulo de Almeida.

Cópia do Recibo de quitação da fazenda Três Barras164

161 SILVA, Pedro Gomes da. Op. cit.162 Idem.163 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p. 338.164 Cópia do Recibo de quitação da fazenda Três Barras, cedida por Mônica de Souza Destro, trineta de Francisco Paulo de Almeida.

88

Page 90: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

A liderança política, no século XIX, era, na maioria das vezes ou quase sempre,

formada por um grupo heterogêneo, constituída por um pequeno mais influente segmento de

fazendeiros. Numericamente insignificante, os fazendeiros e seus parentes dominavam cada

paróquia, efetivamente, através das eleições. Entre os fazendeiros, algumas famílias ou clãs

exerciam um papel dominante nos negócios dos municípíos.

Francisco Paulo de Almeida parece se inserir nesse quadro de relações e

sociabilidades, buscando e construindo espaços nas relações sociais e políticas, associando-se

a Marcelino de Brito Ferreira de Andrade [visconde de Monte Mário], rico fazendeiro de café

em Juiz de Fora, coronel da Guarda Nacional, rico empresário, fundador do Banco de Crédito

Real de Minas Gerais e vereador em Juiz de Fora; José Júlio Pereira de Morais [1.º Visconde

de Morais], fidalgo da Casa Real [28.2.1891], grão-cruz da Ordem de Cristo e do Mérito

Industrial, Comendador da Ordem da Rosa [do Brasil], presidente do gabinete Português de

Leitura do Rio de Janeiro e da beneficência Portuguesa, da mesma cidade, tendo-o também

89

Page 91: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

sido da grande comissão Pró-Pátria165 [1891], grande industrial, negociante e filantropo e,

durante muitos anos, chefe da colônia portuguesa na capital do Brasil, para constituição do

Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais166, [1887-1892]; Banco de Crédito Real de

Minas Gerais, O Credireal [1889-1997], quando foi absorvido pelo Banco Bradesco e a

“Companhia Agrícola Industrial Mineira” [empresa especulativa ou produtiva?167], na cidade

de Juiz de Fora. Associou-se, ainda, ao Comendador Domingos Teodoro de Azevedo Júnior,

genro do visconde de Rio Preto, membro da Irmandade da Santa Casa, Presidente da Estrada

de Ferro de Rio das Flores e, Carlos Justiniano das Chagas, político, que assinou a 1ª

Constituição republicana [1891].

Como já dito, da mesma forma que Custódio Guimarães, Francisco Paulo de Almeida

passa, na segunda metade dos Oitocentos, da condição de tropeiro para a de fazendeiro.

ocorrida graças aos conhecimentos adquiridos e ao acúmulo de capital com o abastecimento

de gêneros para o Rio de Janeiro, obtidos na sua antiga profissão. Adquiriu a propriedade no

“arraial de São Sebastião do Rio Bonito”, “Santo Antônio do Rio Bonito” e Veneza [1860],

todas na freguesia de Valença – RJ; Santa Fé em Mar de Espanha – MG; Piracema – MG;

Boavista em Paraíba do Sul – RJ e Três Barras [1883] em Três Rios – RJ. Nas propriedades

adquiridas anteriormente, somou-se, já na República, da família Faro, em 14 de janeiro de

165 HISTÓRIA DA SOCIEDADE HISTÓRICA DA INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL 1861 a 1940. Compilada por: E. A. Ramos da Costa. Lisboa 1940, p. 3. Disponível em: http://www.ship.pt/pdf/ramos_costa.pdf, acesso em 26 de junho de 2009: “A colectividade Comissão Central 1.º de Dezembro de 1640 iniciou os seus trabalhos patrióticos em 16 de Maio de 1861./Com acentuado e persistente espírito de patriotismo e de puro nacionalismo, durante uma vida de trabalho ininterrupto de 79 anos, conseguiu impor-se à consideração dos Altos Poderes do Estado, recebendo este, por vezes, a sua colaboração sincera e desinteressada, conforme se verifica no decorrer da sua longa história./Em 1927 para que o título não ferisse certas susceptibilidades foi resolvido, unanimemente pelos seus sócios, modificarem-se os seus segundos estatutos, datados de 6 de Agosto de 1980, transformando-se na actual Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Durante muitos anos ignorou-se a existência desta tão antiga e benemérita colectividade. Muitos portugueses e quási toda a geração moderna desconhecem a sua existência e muito principalmente ignoram a sua acção, altamente patriótica e muito nacionalista, desenvolvida para prestigiar o nome de Portugal, contrariando todas e quaisquer ideias que tendam a ferir a dignidade da nossa Nação livre e independente”.166 A falência do Banco Territorial em Juiz de Fora provocou a perda de economias de muitos correntistas. A corrida aos caixas, na expectativa de retirar algum recurso para amenizar o prejuízo iminente, gerou tumultos e conflitos, chegando ao ponto de solicitação de reforço policial externo. De acordo com o jornal Pharol, de 12 de julho de 1892: “Vinda de Ouro Preto ontem a esta cidade uma força do 31º Batalhão, composta de 50 praças, sob o comando do Capitão Laurindo Costa. Segundo fomos informados, a referida força foi requisitada para vir garantir o prédio em que funciona o Banco Territorial de Minas Gerais, contra o assalto que, segundo noticiamos ontem, constava ter sido premeditado por pessoas do povo que têm interesse naquele estabelecimento”.167 As sociedades anônimas de Juiz de Fora do setor industrial, inauguradas na conjuntura do Encilhamento se diferenciaram das outras abertas em outras conjunturas, pois foram pioneiras na formação de sociedades anônimas industriais com iniciativa de capital local, sendo necessária uma análise mais detalhada para se verificar quais empresas foram empreendimentos direcionados à prática de especulação, firmas fictícias, ou se elas foram firmas concretas e produtivas, contribuindo para o desenvolvimento local.

90

Page 92: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

1897 por 180:000$000 [cento e oitenta contos de réis], a fazenda do Pocinho, localizada na

Estrada Ypiranga entre os municípios de Vassouras e Barra do Piraí – RJ.

Para os objetivos aqui propostos, as fazendas são o marco inicial na exploração de

parte da proposta do trabalho, ou seja, para identificar e analisar redes de sociabilidade.

Assim, vê-se que: essas redes, compreendidas, essencialmente, como mecanismos e

estratégias de fortalecimento político, social e de aumento do patrimônio financeiro,

possibilitaram relações de compadrio, no campo político. Compadrio que, por sua vez,

instituiu novas relações de poder construídas por Francisco Paulo de Almeida. Sobre as

relações de poder, esclareço que concordo com a percepção de Machado comentando a noção

de poder de Foucault:

“[...] o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que

se possui ou não. Não existe de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que

se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim

práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce,

que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma

máquina social que não está situada em lugar privilegiado ou exclusivo, mas se

dissemina por toda a estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma

relação168”.

Dessa forma, em função das fazendas muitas relações tornaram-se possíveis no Médio

Vale do Paraíba Sul Fluminense. Em meados dos Oitocentos, essa região encontra-se no

apogeu de sua produção, e as estradas e meios de transportes, as tropas, já não conseguiam

atender a demanda da produção. Buscando soluções, o Império e as oligarquias cafeeiras vão

encontrar nas ferrovias a resposta para o escoamento e agilidade no transporte de suas

mercadorias, centrada, principalmente, no café.

3.3. Estrada de Ferro do Vale do Paraíba Sul Fluminense.

168 MACHADO, Roberto. “Por uma genealogia do poder”. In FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Org. e Trad. de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, XIV.

91

Page 93: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

A implantação de ferrovias no Brasil resultou de um conjunto de medidas

governamentais que vieram a favorecer a modernização de alguns setores do país,

especialmente o cafeeiro. Dentro dessas medidas, destacam-se: o protecionismo alfandegário;

as facilidades para importação de maquinaria; a isenção de impostos, conferidas a alguns

setores; a política de emissões; a concessão de créditos; e a lei Euzébio de Queiroz, que

determinava a extinção do tráfico negreiro.

O Brasil, em meados do século XIX, era um país cafeeiro, com a produção

concentrada nas províncias fluminense e mineira e a exportação através da capital do Império,

no porto do Rio de Janeiro. Portanto, neste contexto, os cafeicultores dessa região, ainda

adeptos do escravismo, pressionavam o governo para conseguir um meio de transporte mais

moderno que aliviasse o café das tropas de mulas, único modo até então de escoar a lavoura

cafeeira dos centros produtores até os portos do fundo da Baía de Guanabara. Também o

tropeiro, assim como o dono das tropas de cargas, pressionava para não perderem a

exclusividade no transporte interior-porto e vice-versa.

Como o transporte através das tropas era composto, quase sempre, por escravos, a

escassez dessa mão-de-obra, a partir de 1850, com a Lei Euzébio de Queiroz, deu

embasamento aos fazendeiros para reivindicarem uma estrada de ferro. Concomitantemente,

ao proibir o tráfico negreiro essa Lei possibilitou que o capital empregado nessa atividade

fosse direcionado para outras atividades, a facilitar o escoamento de suas produções.

Internamente, o crescimento de exportações levou à maior atividade econômica, através da

criação de novas empresas comerciais, industriais e de serviços, num momento de liberação

de capitais, até então aplicados no tráfico e na mão de obra escravista, conforme visto, a partir

de 1850.

Não apenas o interesse dos fazendeiros de café, mas também dos exportadores e

comerciantes localizados no Rio de Janeiro, deu sentido às linhas de ferro, isto é, do centro

produtor para o centro exportador, ou seja, da área agrícola produtora de café para a cidade ─

porto exportador e importador de bens de consumo.

Dentro de uma visão ampla, esses foram os fatos ocorridos na constituição da Estrada

de Ferro D. Pedro II. Entretanto, neste trabalho, a proposta é analisar sua ligação

complementar, a Estrada de Ferro no médio Vale do Paraíba, mais precisamente a partir de

1850, quando começaram a surgir as primeiras linhas ferroviárias.

92

Page 94: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

A estrada de ferro acompanhou de perto o caminho traçado pelos cafezais. Francisco

Paulo de Almeida, assim como outros fazendeiros do café, não ficou alheio a esse fenômeno.

De acordo com as pistas e os documentos históricos disponíveis, alguns cafeicultores fizeram

investimentos em ações ou organizaram Sociedades Anônimas, para a construção de

determinados segmentos da ferrovia. Assim fez o protagonista, contribuindo para a

construção da Companhia Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto, cujos estatutos foram

aprovados pelo Decreto nº 7549, de 22 de novembro de 1879, no qual consta doação de terras

para sua construção, sendo a inauguração em 21 de novembro de 1883, na presença de S.M.

D. Pedro II.

Com relação a essa inauguração, pressupõe-se que foi nessa ocasião que D. Pedro II,

referiu-se, pela primeira vez, a Francisco Paulo de Almeida pela alcunha de “Guaraciaba”.

Esse termo, ao pé da letra, significa cabelo de sol ou da cor do sol. Entretanto as fontes

fotográficas não confirmam que Francisco Paulo de Almeida tivesse o cabelo da cor

ferruginosa, que justificasse esse codinome. Ainda sobre tal significado, cabe salientar que, de

acordo com a historiografia, D. Pedro II foi um estudioso do idioma indígena, principalmente

o tupi, conforme constatado por Schwarcz: “O próprio imperador, inspirado por essa voga,

além de propor a criação de gramáticas e dicionários, começa a estudar o tupi e o guarani, que

lhe seriam muito úteis durante os litígios com o Paraguai, [...]169”. De acordo com Antônio

Geraldo da Cunha170 várias são as conotações aplicadas a esse termo, sendo:

Guaraciaba s. f.: guaracigâ, guaracigobâ, guaracigaba, guaraciça, 6 guueracicam,

goaracyaba, guoraciyaba, 8 coaracy oaba, coaracy beraba, coaracy-aba, Guaracy-aba

[<T. *Kuarasï´aua < Kuara´sï ‘sol’ + ´aua ‘cabelo’ ~VLB II 120: sol = coaracig. Ib.

I.61: cabelo da cabeça = Aba].

O padre Fernão Cardim (v. abon. C 1584) faz distinção entre guaracingâ ‘fruta do

sol’ (<T. *Kuarasï´a < Kuarásï ‘sol’ + ï´ua ‘fruta’), guaracigabâ ‘cobertura do sol’

(<T. *Kuarasïo´ua) e guaracigaba ‘cabelo do sol’ (<T. * Kuarasï´aua). Igualmente

interessantes são as referências do padre Simão de Vasconcelos (v. abon. 1663) as

formas goaracyaba e goaraciyaba, as quais etimologicamente idênticas, são por ele

atribuídas a duas espécies distintas de beija-flor. Refira-se por fim que o autor do

Aviário Brasílio (v. abon. 1800) destaque coaracy oaba ‘cabelo do sol’ de coaracy

beraba ‘resplendor do sol’. (...).

169 SCHWACZ, Lília Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 131.170 Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem Tupi / Antônio Geraldo da Cunha; prefácio-estudo de Antonio Houaiss. ─ São Paulo: Melhoramentos: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1978.

93

Page 95: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Essa variedade de expressão ─ morfológica e semanticamente correlatas ─ por que

foram designadas algumas espécies da pequena ave, deve sem dúvida, à admiração

que causaram aos indígenas e aos primeiros colonizadores europeus as cores

brilhantes, resplandecentes e incomparavelmente belas dos beija-flores.

Como se vê, várias são as interpretações atribuídas ao termo Guaraciaba. Entretanto,

ouso arriscar que ao aplicar essa alcunha a Francisco Paulo de Almeida, S. M. M. Imperador

D. Pedro II não tinha a intenção simplista de chamá-lo de homem do cabelo de sol, fogo ou

outro adjetivo. Trilhando outra variante do idioma Tupi ─ o idioma Tupi possuía diversos

dialetos ─, na qual a palavra Guará significa “lobo” e, aba significa “pai espiritual”, o que

poderia vir a significar “pai/senhor das espertezas”, senhor da astúcia, ardiloso, adjetivos mais

condizentes com as histórias e trajetórias do protagonista.

Findo esse esclarecimento sobre a origem da alcunha Guaraciaba, passo a destacar a

construção da Estrada de Ferro do Médio do Vale do Paraíba, bem como das suas associações,

com a oligarquia cafeeira de Valença, desconstruindo a idéia de que a constituição da Estrada

de Ferro do Vale do Paraíba ficou centrada na disputa de duas famílias: a Faro e os Teixeira

Leite.

O café, em 1836, tinha seu grande centro no Vale do Paraíba Sul Fluminense. Depois

de uma passagem nos arredores da cidade do Rio de Janeiro, a cafeicultura subiu a serra rumo

ao Vale do Paraíba Sul Fluminense, tanto por esse como, também, pelos seus inúmeros

afluentes, ocupando a paisagem serrana fluminense.

Ao longo do Médio Vale do Paraíba surgiram as mais importantes fazendas de todo o

século XIX, assegurando para a província do Rio de Janeiro situação privilegiada na História

do Brasil Imperial. Ali se localizaram os principais barões do café, com grande participação

na atividade política e econômica da época. Era a nobreza do café ou, talvez, mais

corretamente, segundo França, aquela “burguesia galardoada com títulos de nobreza171”.

No Vale do Paraíba Sul Fluminense, o café alterou a fisionomia geográfica,

demográfica, social, política, cultural e econômica da região, criando paisagens próprias,

balizando o povoamento, fazendo nascerem cidades, abrindo zonas pioneiras, desenvolvendo

171 FRANÇA, Ary. A marcha do café e as frentes pioneiras. Rio de Janeiro, 1960. Escrito para servir de “guia” de uma excursão realizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia [Rio de Janeiro, 1956].

94

Page 96: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

o centro urbano, propiciando o aparecimento das ferrovias, criando uma unidade sócio-

econômica bem definida como a fazenda do café172:

Ela [a fazenda de café] não é uma instituição meramente econômica, mas, além

disso é, sobretudo, um traço cultural da vida social [..]. O café não representa apenas

uma riqueza, significa antes de tudo, um sentido de vida. Podemos mesmo falar da

civilização do café, pois ele criou hábitos, fixou aspecto, determinou destinos,

moldou consciências, interferindo, em última análise, de forma decisiva, na

estruturação da sociedade [...] contemporânea173.

A partir de meados dos Oitocentos, o panorama político-econômico do Brasil já se

afigurava bem mais favorável e propício a empreendimentos grandiosos como o ambicionado

pela Lei Feijó. A situação política encontrava-se mais estável em virtude do restabelecimento

da ordem pública interna, acrescida da Lei Eusébio de Queirós, determinando a extinção do

tráfico de escravos. Dessa forma, os capitais empregados no comércio ficaram disponíveis,

também, para serem direcionados para outras áreas como a formação de Sociedades

Anônimas, empresas financeiras e bancárias, etc.

O início da segunda fase da História ferroviária do Brasil foi marcado pela Lei nº 641,

de 26 de junho de 1852, sancionada em moldes mais práticos e objetivos que a lei anterior.

Abriu-se uma nova era de prosperidade para o país na segunda metade do século, refletindo-se

nos mais variados setores da vida nacional, alavancando a economia e o desenvolvimento do

país.

Apresentada com maior praticidade do que as leis anteriores, abrangendo concessões

de “favores” mais reais, como o privilégio de zona e a “garantia de juros”, encerram-se a fase

de tentativas e das experiências iniciais, e efetivamente começa a construção de linhas férreas

no país. Diferentemente da “Lei Feijó”, não mais se refere a toda a rede, aplicando-se à

ligação da Corte com as capitais das províncias de Minas Gerais e São Paulo. O caminho

seguido não representava o fim das concessões para outras regiões e outras linhas: não se

tratava de um ato impeditivo, simplesmente transferia para o Legislativo a aprovação sobre a

conveniência da estrada projetada, bem como da disponibilidade orçamentária para a sua

construção.

172 MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Pulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4. ed. ─ Campinas: Pontes Editores, 1990, p. 56.173 BAPTISTA FILHO, Olavo. A fazenda de café em São Paulo. Rio de Janeiro: Serviço de informação do Ministério da Agricultura, 1952, p. 5.

95

Page 97: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

A nova lei impedia a utilização da mão-de-obra escrava na construção das estradas.

Em compensação, aos trabalhadores nacionais ofertavam benesses como a isenção do

recrutamento militar, bem como a dispensa do serviço ativo da Guarda Nacional. Tais

medidas demonstram claramente como o governo imperial empenhava-se politicamente para

que a ferrovia vingasse.

A primeira concessão data do mesmo ano de assinatura da lei, 1852, entregue a Irineu

Evangelista de Souza, ligando o Rio de Janeiro ao Vale do Paraíba Fluminense, e

posteriormente, a Minas Gerais, através de um trajeto alternado: por mar, do Rio até o porto

de Mauá na baía da Guanabara; por estrada de ferro, de Mauá até a raiz da Serra da Estrela;

por estrada de rodagem, daí até Petrópolis e novamente por estrada de ferro de Petrópolis em

diante. Não se pensava em vencer a íngreme subida com as máquinas a vapor, pois as

técnicas, existentes ou conhecidas na época ainda não o permitiam, sendo somente conhecidas

essas técnicas no ano de 1853.

O primeiro trecho ferroviário do país só veio a ser inaugurado em 30 de abril de 1854.

Compreendia um pouco mais de quatorze quilômetros, com o percurso de Mauá até a estação

de Fragoso, alcançando a raiz da Serra dois anos depois.

Enquanto se estudava um meio de vencer a serra, a ferrovia encontrava na estrada até

Petrópolis e, daí em diante a União e Indústria174, para o transporte das mercadorias do

174 História das Rodovias. A Estrada União e Indústria: Em 1854, o Comendador Mariano Procópio Ferreira Lage recebeu a concessão, por 50 anos, para a construção de custeio de uma estrada que, partindo de Petrópolis, se dirigisse à margem do Paraíba. Nascia assim, a estrada União e Indústria, cujo nome é o mesmo da empresa que havia sido criada e cuja receita provinha da cobrança de pedágio por mercadoria, mais precisamente por burro carregado.Os trabalhos tiveram início em 12 de abril de 1856 e a placa, que registrava a presença do Imperador D. Pedro II e Família Imperial, ainda pode ser vista no início da atual Av. Barão do Rio Branco. O primeiro trecho pronto ligava Vila Teresa a Pedro do Rio, numa extensão de 30,865 metros era inaugurado em 18 de abril de 1858. Dois anos depois, de Pedro do Rio a Posse, numa extensão de 13 km. Finalmente, em 23 de junho de 1861, D. Pedro II, sua família e vários representantes ilustres da Corte e da Cia. União e Indústria, inauguravam a primeira rodovia brasileira macadamizada, unindo Petrópolis a Juiz de Fora, percorrendo seus 144 km, à fantástica velocidade de 20 km/h nas diligências da época.A importância da estrada gerou o primeiro guia de viagens do Brasil, escrito pelo fotógrafo do Imperador, o francês Revert Henrique Klumb, intitulado: "Doze Horas em Diligência - Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora", editado em 1872, descrevendo com palavras e fotografias a fantástica viagem.A estrada original foi sendo alterada e absorvida em alguns trechos pela atual BR 040, obrigando o motorista a alternar trechos da antiga estrada com a nova, para percorrer a União e Indústria. Da antiga estrada ainda restam várias pontes e construções, com destaque para a Ponte de Santana, em Alberto Torres, recentemente restaurada. A Ponte das Garças, em Três Rios, e a antiga estação de Paraibuna, em Comendador Levy Gasparian (Mont' Serrat), construída em 1856 para a muda de animais das diligências, que atualmente abriga o Museu Rodoviário, onde é possível entender melhor a história da União e Indústria e o rodoviarismo brasileiro. Atravessando a Ponte de Paraibuna, que une o Rio de Janeiro a Minas Gerais, é possível apreciar o imponente Paredão de Paraibuna, obra da natureza que testemunhou a epopéia da construção da primeira rodovia brasileira. Disponível em: http://www.estradas.com.br/histrod_uniaoindustria.htm, acesso em 27 de junho de 2009.

96

Page 98: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

interior. Mas a construção dessa estrada demorou em demasia e a ferrovia ficou limitada a

servir apenas o trecho do Rio de Janeiro a Petrópolis, o que, economicamente, não oferecia

interesse em relação aos lucros como também, não atendia ao escoamento da produção

cafeeira. Só a partir de 1863 viu-se prolongada, pois a transposição da serra antes de meados

do Oitocentos era empreitada quase impossível. Mais ainda: além de difícil, não se

recomendava para uma linha que deveria servir à zona cafeeira, uma vez que as maiores

fazendas de café encontravam-se a oeste de seu eixo, localizadas no Médio Vale do Paraíba ─

da cidade de Resende à cidade de Três Rios.

No decorrer da discussão sobre a subida da Serra para Petrópolis, a construção da

linha que deveria atender ao escoamento das safras produzidas no Médio Vale do Paraíba,

duas famílias, de acordo com o relato de historiadores como Taunay, Stanley Stein, Odilon de

Mattos, e memorialistas como Ignácio Raposo, travavam um embate pela concessão e

aprovação de seus projetos:

Enquanto se construía a 1ª Seção da Estrada, duas importantes famílias com ideais

opostos, lutavam denodadamente por trás dos bastidores, a fim de conseguir que este

grande melhoramento lhes fosse o mais útil possível. Eram essas famílias a Faro e a

Teixeira Leite175 [residentes no Médio Vale do Paraíba].

Diante desse contexto surge a idéia e o projeto para outra ferrovia, encabeçada pelo

chamado Movimento de Vassouras, tendo os Teixeira Leite à frente e que se realizou na

Estrada de Ferro D. Pedro II. Acresce-se que, por razões de comercialização com as casas

intermediárias, havia mais interesse em fazer partir a estrada de ferro da própria cidade do Rio

de Janeiro e não de um dos portos do interior da baía da Guanabara, como ocorreu com a

estrada de Mauá.

Dessa forma, de acordo com Taunay, a origem da Estrada de Ferro Dom Pedro II está

ligada aos nomes dos Ottonis e dos Teixeira Leite, que, junto com Mauá, podem ser

considerados os pioneiros da História ferroviária do Brasil, conforme citado por Stein, Odilon

de Mattos, Antônio Raposo, Leoni Iório e outros. Foram, aliás, os Texeira Leite que

reclamaram da Lei 641 de 1852, autorizando a garantia de juros de 5% para uma estrada de

ferro partindo do Rio de Janeiro e bifurcando-se, além da serra, para Minas Gerais e São

Paulo,

175 RAPOSO, Ignácio. História de Vassouras. Niterói, SEEC, 1978, p. 129.

97

Page 99: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Era uma família rica, influente e considerada [os Teixeira Leite] e seus créditos

concorreram para facilitar a associação de capitais. Não pareciam animados do

simples desejo de ganhar dinheiro, mas possuídos de ambição da glória de prestar ao

país um bom serviço. Contando com a concessão, fizeram despesas, relacionaram-se

com capitalistas, fizeram vir dois engenheiros que, à custa deles, futuros

concessionários, instituíram um reconhecimento da Corte até à margem do

Paraíba176.

Sobre a participação dos Teixeira Leite à frente do chamado “Movimento de

Vassouras”, Taunay, cita a escrita de Cristiano Ottoni: “Não se pode pensar na origem da

Estrada de Ferro D. Pedro II, sem que, ao espírito, acuda, como idéia, a cidade de Vassouras

[...] Foram os homens ilustrados de Vassouras [...] os protagonistas que se puseram em luta

contra a incredulidade dos nossos maiores estadistas177”.

A essa descrença não fugiam algumas das mais proeminentes figuras da política

imperial. É conhecida a frase de Bernardo Pereira de Vasconcelos: “É a estrada de ouro, não

de ferro: carregará no primeiro dia do mês toda a produção e ficará trinta dias ociosa178”, ou

então, a do Marquês do Paraná, respondendo aos vassourenses: “Caísse do céu prontinha a

estrada que todos desejam e a renda não seria bastante para o custeio179”.

Também na cidade de Vassouras, gerava desconfiança e incredibilidade esse

empreendimento. Segundo o barão de Paty do Alferes, citado por Stein:

Não obstante, muitos fazendeiros do Vale do Paraíba permaneciam indecisos,

temendo a drenagem financeira com a construção da ferrovia. [...]. Muitos

fazendeiros de Vassouras duvidaram que algum dia o difícil projeto fosse realizado.

“Em 10 anos a ferrovia já deverá ter ultrapassado a serra do Mar em busca de pontos

onde possa receber nossos produtos”, redigiu o Barão do Paty ao seu comissário.

“Ainda tenho dúvidas disso. Nossas esperanças muitas vezes não se realizam, e os

homens não mudam180”.

Entretanto, os Teixeira Leite ─ Joaquim José, João Evangelista e Francisco José e um

parente afim, Caetano Furquim de Almeida ─, com extensos investimentos financeiros junto a

fazendeiros locais e casas intermediárias do Rio, deram sobrevida ao projeto. Mantinham 176 TAUNAY, Afonso de E. História do café no Brasil. v. 4, p. 400.177 Idem, p. 401.178 FARIA, Alberto de. Mauá. Rio de Janeiro, 1925, p. 454.179 Idem,180 Barão do Paty para Bernardo Ribeiro de Carvalho, 1854[(?]. Em documentos referentes a família Werneck, Arquivo Nacional. Apud STEIN, Stanley Julian. Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900. ─ Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 133-142.

98

Page 100: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

esperanças de que a sua iniciativa trouxesse a concessão para a construção da ferrovia181.

Certamente Joaquim José Teixeira Leite compreendeu as prerrogativas comerciais: a ferrovia

passando pelo centro do município exigiria uma estação central que serviria como ponto de

baldeação de carga e passageiros vindos da cidade do Rio de Janeiro e das províncias vizinhas

de são Paulo e Minas, que poderia ser explorada pela família.

A Estrada de Ferro Dom Pedro II, que atravessa o Vale do Paraíba Sul Fluminense foi

construída depois de 1855, mas os Teixeira Leite não conseguiram sua concessão, e os

engenheiros americanos decidiram transpor as montanhas costeiras para alcançar as terras

planas ao longo do rio Paraíba em Barra do Piraí, desviando-se do centro do município de

Vassouras. De Barra do Piraí, em direção ao Leste passando pelo município de Vassouras, os

trilhos seguiam as margens do Paraíba com paradas em Ypiranga, Vassouras, Commercio e

Ubá ─ uma série de estações que contornavam o perímetro norte de Vassouras, deixando para

trás o centro comercial e agrícola182.

Essa decisão veio em conseqüência da disputa entre os Teixeira Leite pela vitória do

plano do Morro Azul e os Faro, pela do plano do Ribeirão dos Macacos, cada um com suas

argumentações. Os Teixeira Leite acusavam os Faro de só quererem a realização deste último

plano porque valorizaria as suas propriedades, quase todas localizadas à margem do Paraíba.

Idênticas acusações faziam os Faro aos Teixeira Leite. Mas estes se defendiam alegando que

os primeiros estudos da estrada tinham sido feitos por sua conta, e estavam eles, portanto no

direito de serem beneficiados pela via férrea. Tratava-se de famílias riquíssimas e poderosas,

contando os Teixeira Leite com as famílias Correia e Castro, Avelar, Werneck, Furquim de

Almeida e muitas outras, e os Faro com todos os fazendeiros situados à margem do Paraíba,

com o formidável prestígio do principal Barão do Rio Bonito e a proteção de inúmeros

políticos do império. Como dito, privilegiou-se o trajeto que beneficiava Barra do Piraí e que

fora proposta pela família Faro183.

Essa relação de poder e de forças, segundo a historiografia disponível, dá indícios de

que o interesse se dava, somente, em função das famílias Teixeira Leite, representando

Vassouras, e a família Faro representando “Barra do Piraí” [sic]. Nesse sentido, cabe alguma

ressalva, “não percebida” ou “sem relevância” para os estudiosos e escritores sobre a Estrada

181 Os membros da família contrataram engenheiros ingleses para fazer o levantamento topográfico de um possível trajeto. Ottoni, Esboço histórico, p. 6 e José Matoso Maia Forte, “A Fazenda do Secretário”, p. 11-12. 182 STEIN, Stanley Julian. Idem.183 RAPOSO, Ignácio. Op. cit., p. 129-130

99

Page 101: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

de Ferro D. Pedro II e a oligarquia cafeeira do Vale do Paraíba Sul Fluminense: em primeiro

lugar, Barra do Pirai só seria elevada à condição de município em 10 de março de 1890; em

segundo lugar, a família Faro pertencia a Vila de Valença, que se emancipou em 29 de

setembro de 1857; e em terceiro lugar, descrevem e especificam os nomes das relações

mantidas pelos Teixeira Leite, mas omitem os nomes “dos fazendeiros situados à margem do

Paraíba”, cita-se o barão do Rio Bonito, que era um Faro e deixam de mencionar os nomes

dos “inúmeros figurões do Império”.

Cabe ressaltar que, concomitantemente à disputa política pela trajetória da Estrada de

Ferro do Médio Vale do Paraíba, outros fatores influíram pela opção do trajeto proposto pela

família Faro, com apoio dos fazendeiros do lado direito do Rio Paraíba. Primeiramente, devo

dizer que no decorrer deste período, 1850-1860, na disputa do trajeto dessa Estrada de Ferro,

o barão do Rio Bonito [um Faro] já havia ocupado o cargo de presidente da Província, por

quatro vezes. Nesse mesmo período o chamado Movimento Vassourense, encabeçado pelos

Teixeira Leite, no ano de 1854, havia frustrado os planos de Nabuco de Araújo de fazer a

reforma judiciária, em nome de uma suposta liberdade de imprensa em uma cidade que só iria

conhecer a imprensa trinta anos depois184. Além disso, não se pode esquecer que os

fazendeiros do lado direito do Rio Paraíba pertenciam à elite tanto rural como da Corte, como

demonstro mais adiante.

De fato, a família Faro contava com o apoio “dos fazendeiros situados à margem do

Paraíba”, sendo um deles Francisco Paulo de Almeida com quem formará sociedade na Cia.

Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto:

184 Para aprofundamento no assunto ver: NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império: Nabuco de Araújo. 4ª ed. [1 vol.], Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1975; PINTO, Jorge. Fastos vassourenses. [Esboço] ─ Bedesch ─ imprimiu, 1910;

100

Page 102: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Previous (p. 88) | Next (p. 90) | 300-dpi TIFF image | AGRICULTURA 1872, p. 89185

A Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto cortava todo o sudoeste e noroeste do

município de Valença, constituindo o ramal de Barra do Piraí. Essa estrada, dentro do

município de Valença, percorre os distritos de Ipiabas, Conservatória e Santa Izabel do Rio

Preto, numa trajetória total de 85 quilômetros e 500 metros, até a ponte do Zacarias, sobre o

Rio Preto, nas divisas com o Estado de Minas Gerais, de onde prossegue dirigindo-se a Santa

Rita do Jacutinga, município mineiro, ligando o ramal de Valença com os ramais da “Oeste de

Minas”, em Bom Jardim.

A construção da Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto foi realizada por iniciativa

e capitais privados, através de um consórcio fundando a Cia. Estrada de Ferro Santa Izabel do

Rio Preto S/A, tendo Francisco Paulo de Almeida186 como um dos acionistas, assim como

João Pereira Darrigue Faro ─ 2º barão do Rio Bonito.

A Lei nº 2155, de 15 de dezembro de 1875, concedeu privilégio de 90 anos para a

construção de uma linha ligando Barra do Piraí a Santa Izabel do Rio Preto. Para tal, foi

organizada a “Companhia Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto”, sendo seus estatutos

aprovados pelo Decreto nº 7549, de 22 de novembro de 1879187. Essa estrada foi inaugurada a

21 de novembro de 1883, com a presença do Imperador. Nas palavras de Iório:

A primeira localidade a atingir essa estrada no município de Valença é a Parada de

Prosperidade, distante de Barra do Piraí 17 kms. Depois de percorrer oito

quilômetros surge a estação de Pandiá Calógeras, antiga “Ipiabas”. Avançando o

185 Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto. Disponível: http://wwwcrl-jukebox.uchicago.edu/bsd/bsd/u1959/000093.html, Previous (p. 87) | Next (p. 89) | 300-dpi TIFF image | AGRICULTURA 1872, p. 88. Acesso em 21 de outubro de 2008.186 Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889. Ministério de Justiça, cx 1435, RG: 13568.187 RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A Formação das Estradas de Ferro No Rio de Janeiro: O resgate da sua Memória. Rio de Janeiro: Copyright © by Hélio Suêvo Rodriguez, p. 125.

101

Page 103: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

trem mais 10 kms., encontra-se a estação de Paulo de Almeida nome dado em

homenagem ao Barão de Guaraciaba [Francisco Paulo de Almeida]. Em seguida, a

parada Desvio Gomes, nome conferido àquela localidade em homenagem ao

fazendeiro Adolfo de Carvalho Gomes. Depois de um percurso de cerca de 8 kms,

surge a estação de Conservatória, denominação que recorda a histórica

“Conservatória dos índios”. Essa estação é a mais antiga da região e foi inaugurada

em 1883. Depois de um percurso de 10 kms, vem a estação de Pedro Carlos, nome

que relembra o antigo e ilustre engenheiro da E. F. Santa Izabel do Rio Preto.

Mais adiante surgem as paradas Leite de Souza e Andrade, para depois prosseguir o

trem cerca de 6 kms com destino à estação de Santa Izabel do Rio Preto.

Prosseguindo, o trem alcança o estribo Jacuba, para finalmente atravessar a ponte

do Zacarias, sobre o rio Preto, na divisa com o Estado de Minas Gerais.

No trecho da Rede Mineira [antiga Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto],

compreendido entre Barra do Piraí e Santa Rita, nenhuma obra de arte se constata

merecedora de especial menção. Há, porém, dois túneis, ─ um, nas proximidades de

Pandiá Calógeras e outro, na entrada da vila de Conservatória. A um quilômetro de

Pedro Carlos encontra-se uma ponte em arco, solidamente construída e com cerca

de 100 metros de comprimento da aba de uma montanha à outra.

Da estação de Paulo de Almeida em diante, devido à extranha natureza do terreno, o

trem serpenteia por escarpas imensas, parecendo atirar-se a intermináveis abismos,

quando em dado momento nos surpreende o infinito cenário de longínquas serranias

que, ao longe, em território mineiro, se descortinam, deslumbrando188

Francisco Paulo de Almeida cedeu terras da Fazenda Veneza para colocação dos

trilhos que seguem em direção à Santa Isabel do Rio Preto. Posteriormente, será feita uma

homenagem póstuma ao dar seu nome Paulo de Almeida à estação inaugurada em terras da

fazenda. Esse ato, simbólico, indica certo reconhecimento e valorização da figura do

protagonista, inclusive na República, uma vez que a estação foi construída e inaugurada após

o seu falecimento.

Francisco Paulo de Almeida tem seu interesse voltado para a construção da estrada de

ferro pelo mesmo motivo que outros fazendeiros do Médio Vale do Paraíba, ou seja, o

escoamento da produção de café. Entretanto seu interesse não seguirá somente esta

empreitada: nesse sentido vai associar-se com Manoel Antonio Esteves tanto na firma

exportadora Esteves & Filhos, como também na Companhia Estrada de Ferro União

Valenciana.

188 IÓRIO, Leoni. Valença de ontem e de hoje: subsídios para a História do Município de Marquês de Valença, 1789-1952. Valença-RJ: [s, n], 1953, p. 233-234.

102

Page 104: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Segundo Raimundo César de Oliveira Mattos, Manoel Antonio Esteves, ao morrer em

1879, aos 66 anos de idade, deixou onze filhos, sendo oito ainda menores de idade. De acordo

com seu testamento, elaborado em 10 de maio de 1879, Esteves deixava a quantia de 4 contos

de réis à Santa Casa de Misericórdia de Valença, da qual foi provedor, em um gesto típico dos

afortunados do século XIX. Todo o restante de sua herança deixou como capital de giro para a

sociedade Manoel Antônio Esteves & Filhos, ficando seus sócios obrigados a dividirem

semestralmente os lucros, em partes iguais, a todos os seus onze filhos, enquanto estes

vivessem, e depois aos filhos deles. Declarou, entre seus haveres, terras, plantações,

estabelecimentos rurais, escravos, títulos de dívidas, ações de companhias, propriedades em

Valença, a estação de Esteves na Estrada de Ferro União Valenciana e a dita sociedade

comercial189.

Na vila de Valença, a primeira sugestão sobre a construção de uma estrada de ferro,

surge: “Na sessão de 16 de fevereiro [1841], quando leu-se um parecer sobre o projeto do

engenheiro Cezar Candolino sobre a construção de uma estrada de ferro que partindo da

Capital do Império, se dirigisse a S. João d’El Rei, passando por Valença190”. Entretanto,

como dito anteriormente, a tecnologia para que os trilhos subissem a serra só se tornaria

acessível na segunda metade do século XIX. Além disso, ainda não havia surgido um

consenso aglutinador dos fazendeiros valencianos. Dessa forma o projeto foi rejeitado.

A retomada da idéia de um ramal ferroviário em Valença-RJ surge em 1862, sendo

que a 8 de janeiro de 1863, em sessão da Câmara é feito o primeiro manifesto por João Batista

de Araújo Leite em favor da construção de uma ferrovia ligando Valença a Desengano, mais

tarde Juparanã, ramal da Estrada de Ferro D. Pedro II que fazia a ligação com a capital. Foi

criada uma comissão composta pelos fazendeiros do lado direito do Rio Paraíba sendo:

Presidente da Câmara Domingos Custódio Guimarães, Barão do Rio Preto e mais tarde

Visconde, Peregrino José da América, futuro Visconde de Ipiabas, [...], a fim de interceder

perante o Governo Imperial para que fosse construída esta ramificação191.

189 MATTOS, Raimundo César de Oliveira. Manoel Antônio Esteves ─ o cotidiano de um comerciante/cafeicultor do Vale do Paraíba fluminense através da Epistolografia. História e-História. Publicação organizada com apoio do NEE ─ Núcleo de Estudos Estratégicos / Arqueologia. São Paulo: UNICAMP. ISSN 1807-1783, atualizado em 26 de junho de 2009. Disponível em: http://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=artigos, acesso em 26 de junho de 2009.190 IÓRIO, Leoni. Op. cit., p. 80.191 Idem, p. 218-219.

103

Page 105: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Em 1866, o governo concede o privilégio, pelo espaço de 90 anos à Companhia União

Valenciana que se obrigava a construir essa estrada de ferro, ficando encarregado da

construção o engenheiro Herculano Ferreira Pena, e tendo como principais patrocinadores

Manoel Antônio Esteves, Domingos Custódio Guimarães, o Barão do Rio Preto, e Francisco

Paulo de Almeida192. Esta seria a primeira ferrovia construída no Brasil em bitola estreita.

Através do decreto número 3.945, de 11 de setembro de 1868, foi dada a autorização

para o início da obra de construção da Estrada de Ferro União Valenciana. Em 19 de outubro

deste mesmo ano foram designadas as bases tarifárias desse ramal e, em 04 de fevereiro de

1869, teve início sua construção. A Companhia, com sede em Valença teve como seu

primeiro presidente Manoel Antônio Esteves.

Com a presença do Imperador D. Pedro II, a Estrada de Ferro União Valenciana foi

aberta ao tráfego em 18 de maio de 1871, ligando Valença a Desengano [Juparanã] e daí,

através do ramal da Estrada de Ferro D. Pedro II ao Rio de Janeiro. Essa vitória deveu-se aos

esforços da Câmara Municipal de Valença e a Manoel Antônio Esteves, que viria a ser

condecorado com a Comenda da Ordem da Rosa193.

Além dessas associações, o protagonista vai participar da sociedade para a construção

da Estrada de Ferro ligando Rio das Flores a Valença, juntamente com Domingos Custódio

Guimarães, o Barão do Rio Preto; já na Estrada de Ferro União Indústria, que ligava a cidade

de Petrópolis a Entre-Rios [atual município de Três-Rios]. Os trilhos vão passar pela Fazenda

de Três-Barras e Santa-Fé, sendo que a primeira só irá pertencer a Francisco Paulo de

Almeida a partir de 1883.

Como pode ser percebido, Francisco Paulo de Almeida mantinha uma rede de

sociabilidades bem complexa no que se refere ao social, econômico e político, abrangendo,

nesse contexto o perímetro compreendido entre Valença-RJ e Mar de Espanha-MG. Outro

fato que não pode passar despercebido é que a História do Vale do Paraíba Sul Fluminense

carece de uma reformulação. É necessário que ocorra esta revisão ─ da macrohistória para a

microhistória ─ para que outras histórias, olhares, sujeitos e acontecimentos apareçam para

análise e estudo.

192 Conforme ações da empresa listadas no Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889. Ministério de Justiça, cx 1435, RG: 13568.193 IÓRIO, Leoni. Op. cit., p. 218-219.

104

Page 106: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Os personagens, citados até esta fase, constituintes das redes de sociabilidade e

relações de poder de Francisco Paulo de Almeida, direta ou indiretamente, contribuirão para

seu ingresso no mundo das Irmandades, principalmente através de sua relação de compadrio

com José Ildefonso de Sousa Ramos [Barão de Três Barras e 2º Visconde com grandeza de

Jaguari] e sua rede de sociabilidade com o Barão do Rio Bonito e o Barão do Rio Preto, entre

outros.

3.4. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença ─ RJ.

A importância social e política de se pertencer a uma Irmandade, bem como o ingresso

na Ordem da Misericórdia, propiciaram a Francisco Paulo de Almeida aumento de suas

relações sociais e políticas através dos contatos e convívios inerentes ao cargo de provedor

que ocupou nessa instituição.

Através desse cargo, ele passa a desfrutar, com certa frequência, do contato com D.

Pedro II, a Princesa Isabel e o Conde D’Eu, nas solenidades de inauguração e atos

filantrópicos proporcionados por essa Instituição. Além disso, teve as portas abertas e

facilitadas na elite da cidade e com os nobres da Corte que pertenciam às Irmandades ou as

prestigiavam.

Este prestígio adquirido pelo ingresso na Irmandade agregado à sua ocupação no cargo

de seu Provedor e o incentivo proporcionado por D. Pedro II aos seus membros e benfeitores,

conforme descrito adiante forma um dos meios facilitadores para seu ingresso na nobreza

brasileira.

“O ingresso na Irmandade da Misericórdia significava o reconhecimento social das

posses e a possibilidade de ampliá-las, já que os créditos bancários e comerciais abriam-se

105

Page 107: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

para o associado194”. O cargo de Provedor geralmente era ocupado por políticos influentes,

nobres titulares ou ricos comerciantes.

A Santa Casa de Misericórdia foi criada visando acolher e alimentar os presos, os

pobres, curar os doentes, asilar os órfãos, sustentar as viúvas, enfim, para ser a casa a serviço

dos mais carentes, sem assistência e abandonados.

Ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do seguinte, as assistências

hospitalares continuaram a ser realizadas em grande parte pelas Santas Casas, fundadas e

mantidas pelas Irmandades da Misericórdia. Sem contar com o auxílio governamental, essas

Instituições viviam da caridade pública, muito incentivada na época do reinado de Dom Pedro

II [1840–1889], através dos títulos nobiliárquicos e as comendas que o Imperador concedia

aos homens e mulheres que faziam generosos donativos às Irmandades.

O governo Imperial e Provincial, embora não subvencionassem as Misericórdias,

concediam-lhes vantagens e benefícios como a isenção de impostos, taxas, selos e o privilégio

da organização de loterias, cuja renda proveniente da venda de bilhetes era aplicada no custeio

das Santas Casas.

A Irmandade da Misericórdia entre os séculos XVIII e XIX foi também mantenedora

dos lazaretos instalados no país, que eram hospitais de quarentena, nos quais se recolhiam os

leprosos. A assistência médica era prestada por facultativos contratados pela Câmara

Municipal ou pelo Governo da Província. Esses lazaretos foram extintos somente no século

XX, quando os governos dos estados criaram os hospitais-colônias, onde os doentes de

hanseníase passaram a ser obrigatoriamente confinados195.

A despesa proveniente do cuidado de grande parte dos enfermos era de

responsabilidade da instituição, fornecendo-lhes toda a assistência médica e espiritual, além

do sustento durante a internação. Entretanto, alguns doentes arcavam com os custos de sua

estadia e dos remédios e cuidados necessários à cura, pagando ao hospital da Irmandade uma

diária.

194 COIMBRA, Luiz Octávio. Filantropia e racionalidade empresarial (a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro de 1850 a 1920). Revista do Rio de Janeiro. Niterói, 1, n° 3, p. 41-51, mai/ago. 1986. [BCOC].195 COSTA, Elisa Maria Amorim de. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (1838-1889). Vassouras-RJ: Dissertação de mestrado na Universidade Severino Sombra, 1997, p. 50-90. Ver também: ZARUR, Dahas Chade. Uma velha e nova História da Santa Casa. 3. ed. Rio de Janeiro: Copyright by Dahas Zarur, 1985 [1991].

106

Page 108: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

No caso de internação de escravos, cobrava-se uma diária ao seu respectivo senhor,

mais os custos com os medicamentos fabricados na botica do hospital e, se fosse preciso, as

despesas com o funeral do paciente. De fato, o socorro prestado pelo hospital aos escravos

quase nunca era pago pelos seus donos que, em última instância, acabavam doando o cativo à

Irmandade196.

Os recursos da Santa Casa para manter o Hospital provinham em parte destes

pagamentos, além de certos privilégios concedidos pela realeza, como o monopólio do

aluguel de esquifes e, principalmente, dos legados e doações feitas por particulares, que

deixavam imóveis e dinheiro para a Irmandade em troca da celebração de missas pela sua

alma, ou mesmo doações de pessoas que, tendo usufruído do atendimento do hospital e sem

condições de arcar com a despesa do tratamento, deixavam os poucos bens que possuíam para

tentar ressarcir a instituição de alguma forma. Contudo, essas doações e legados eram

considerados insuficientes para manter equilibradas as contas da Santa Casa, o que dificultava

a administração do hospital e das outras instituições mantidas pela confraria [asilo, abrigo de

meninas, etc.].

A distribuição de esmolas a pessoas pobres ou que, em algum momento, se

encontrassem em dificuldades econômicas, foi uma das formas mais diretas de auxílio

prestado pela Santa Casa. Os necessitados que desejassem obter a ajuda da Irmandade deviam

encaminhar uma petição à Mesa, que passava a averiguar a respeito do solicitante junto aos

padres de suas paróquias, a fim de confirmar o estado de desamparo em que se achavam e a

honestidade em que viviam condições essenciais para que pudessem receber as esmolas

oferecidas pela instituição, que poderiam ser em dinheiro, roupa ou até mesmo abrigo.

Ressaltei, até o momento, a importância social e política de se pertencer a uma

Irmandade, mais notoriamente no século XIX. Assim, com seu ingresso na Irmandade,

Francisco Paulo de Almeida, além de ter destacada sua participação social, aumenta sua teia

de relações possíveis através dos contatos e convívios políticos, inerentes ao cargo de

destaque que ocupava na Irmandade. Fora isso, tem as portas abertas e facilitadas na elite da

cidade e com os nobres da Corte que pertenciam às Irmandades, ou as prestigiavam.

A constatação desses prestígios pode ser ratificada, conforme Zarur, através do

Compromisso da Misericórdia estabelecendo que os Provedores fossem:

196 COSTA, Elisa Maria Amorim de. Op. cit., p. 50-90. Ver também: ZARUR, Dahas Chade. Op. cit.

107

Page 109: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

[...] homens de autoridade, prudência, virtude, reputação e idade, de maneira que os

outros irmãos possam reconhecer como cabeça e lhes obedeçam com mais

facilidade; e ainda que por todas as sobreditas partes o mereça, não poderá ser eleito

de menos idade de quarenta anos197.

Pertencer, no século XIX, a uma Irmandade, e mais ainda à sua direção, proporcionava

ao investidor do cargo grande expressão política, social e econômica, dentro da sociedade, de

acordo com Elisa Maria Amorim de Costa:

A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença assumia na comunidade

local um destacado papel, não só por suas funções assistenciais, mas pelo

entrosamento de sua administração com a dos negócios públicos.

As sucessivas administrações da Irmandade da Santa Casa de Valença deram provas

de criatividade e adaptação na busca de meios para a sobrevivência da Instituição e

na maneira de superar conflitos políticos, sociais e religiosos198.

“Os irmãos eram obrigados a aceitar qualquer cargo na Irmandade, sem remuneração,

salvo legítimo impedimento. O cargo de Provedor obrigatoriamente cabia a um fidalgo. Era

um meio de se utilizar o prestígio da nobreza, em favor da Instituição199”. Isso indica que,

mesmo antes de obter o título de nobreza [1887], Francisco Paulo de Almeida, já desfrutava

de certo prestigio no grupo social mais abastado e influente.

No período compreendido entre 1879 e 1883, José Ildefonso de Sousa Ramos,

visconde de Jaguari consta como Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do

Rio de Janeiro. Quase simultaneamente, seu compadre, Francisco Paulo de Almeida inicia-se

na Irmandade, sendo eleito para o biênio 1882-1884. José Ildefonso de Sousa Ramos,

conforme a Ata de Fundação da Irmandade da Santa Casa de Valença, datada de 02 de julho

de 1838, consta como seu fundador, além de ter sido Presidente da Câmara Municipal de

1841 a 1844 e exercer o cargo de Provedor da Irmandade de Valença de 1845 a 1848. Além

disso, Francisco Paulo de Almeida entra para ocupar o cargo deixado por um de seus sócios, o

comendador Domingos Teodoro de Azevedo Junior [1880-1882].

Durante a sua administração, Francisco Paulo de Almeida ativou a criação do Asilo de

meninas desvalidas. Recebeu, em 07 de setembro de 1882, O Conde d’Eu e a Princesa Isabel

que visitaram a Santa Casa. Esse é um dos momentos e/ou o indício do seu contato com os

197 ZARUR, Dahas Chade. Op. cit., p. 34.198 COSTA, Elisa Maria Amorim de. Op. cit., p. 18-19.199 Idem, p. 30.

108

Page 110: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

membros da família imperial. Cabe, ainda, ressaltar que o protagonista cobriu, em todas as

ocasiões, as despesas com as visitas, além de cobrir, em diversos períodos, o déficit existente

na contabilidade da Irmandade200.

A relevância social e política de ser membro da Irmandade podem ser ratificadas pela

conclusão de Costa: “... até os dados biográficos de cada Provedor ou Irmão citado, que os

mesmos já eram possuidores de crédito e prestígio, não só social como político. Muitos eram

ricos fazendeiros, nobres, comerciantes e vários chegaram a exercer cargos públicos ou

políticos no município, na Província e mesmo em outras Províncias201”.

Esse prestígio adquirido pelo ingresso na Irmandade, agregado a sua ocupação no

cargo de seu Provedor, sua aproximação junto à Princesa Isabel e ao Conde D’Eu, acrescido

aos incentivos proporcionados por D. Pedro II aos seus membros e benfeitores, conforme

descritos anteriormente formam os indicadores que facilitaram sua participação na nobreza

brasileira.

3.5. O título nobiliárquico.

Em sua terceira regência, iniciada em 5 de janeiro de 1887. As relações entre a

Princesa Isabel e o Ministério de Cotegipe eram tensas, embora aparentassem ser cordiais. No

decorrer desse período até a renúncia do gabinete escravocrata do barão de Cotegipe, a

Princesa concedeu diversos títulos nobiliárquicos a diversas pessoas próximas a ela, talvez

como mecanismo de confronto com o Barão, conforme consta da correspondência202

[transcrita abaixo] entre Gusmão Lobo e o Barão do Rio Branco. Considerando que Francisco

200 Ata da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ, biênio 1882-1884. Museu da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ201 COSTA, Elisa Maria Amorim de. Op. cit., p. 92.202 Correspondência entre Gusmão Lobo e o Barão do Rio Branco Cadernos do CHDD / Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática. ─ Ano3, n.5. ─ Brasília, DF: A Fundação, 2004, p. 162-165. Disponível em: http://chdd.funag.gov.br/cadernos/pdfs/cadernos_do_chdd_05.pdf, acesso em 18/06/2009.

109

Page 111: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Paulo de Almeida, obtém o título nesse período, pressuponho estar correta a indagação de

Pinto Filho, sobre sua aproximação com a Princesa Isabel:

Data: 30/06/1888

Meu caro Juca

É esta a notícia do banquete à qual me referi, há dias. Estou que a coisa terá saído

ao seu contento. Mande sempre notícias. Suavizam-me o trabalho e dão interesse ao

Jornal. M[ota] Maia não me escreve, há muito. Sei que lhe terá faltado o tempo e a

vontade, em razão do desastre, mas devia ele lembrar-se da necessidade, agora

mais premente do que nunca, de não consentir que a conjectura ande à rédea solta

em objeto tão melindroso. Tenho procurado disfarçar a coisa, a princípio

transcrevendo o telegrama do Figaro que V. mandou (e do qual suprimi o que era

menos conveniente) e, depois, com duas linhas de pouco valor mandadas pelo Picot,

compondo uma carta que creio ter-lhe mandado. Sem este artifício o Jornal teria

feito mau papel. Não avaliou bem M[ota] M[aia] o alcance da interrupção.

Carapebus tem mandado, dia por dia, notícias para o Diário, não se julgando

portanto obrigado a reservas quanto a fatos de notoriedade. A comitiva errou

sempre com o seu sistema de mentira ou de verdade incompleta e velada, não

pressentindo o médico quanta responsabilidade por tal modo acarretava para si.

Eis agora o triste desfecho!

Ocultou-se o diabetes quando era grave; ocultaram-se perturbações que devem ter

sido numerosas – qual a de Marselha de que ninguém falou – : e de repente

sobrevém a catástrofe que, mais ou menos, Peter tinha anunciado. Nunca me

enganei de todo, meu caro. Sempre tive por autêntica a conversação de Peter com o

Dermeval, o qual não poderia ter a audácia, o despudor nem o talento de inventar

aquilo. Tenho esse Peter por indiscreto e ganhador. Ele queria ter missão do

governo ou do parlamento para aferir da mentalidade do Imperador; é o que se

depreende das suas palavras. Mas a verdade é que se declarou perdido o enfermo e

está perdido. Foi acaso? Foi coincidência triste?

Agora mesmo consta que Charcot declarou destruído o sistema nervoso do enfermo

– e nada sabemos de fonte pura nem saberemos até que nos chegue outro telegrama

como o que nos disse:

Só Deus pode ainda arranjar tudo.

O que fez com que a maluca da princesa ande a repetir que as rezas sempre

valeram ao Pai. Ela e o conde, e a camarilha, estiveram com efeito em oração ao

Sacramento por 24 horas, revezando-se em quartos de ½ hora, preenchidos sobre

joelhos, e confessaram-se e comungaram todos, lembrando cada um a sua mesma

eficaz oração, assim a modo de mezinha de curandeiro.

Toda a camarilha tem sido baronizada com grandeza, Dória, Ramiz, Salgado, e

outro. Tamandaré, conde no seu último aniversário, foi marquês ao cabo de

110

Page 112: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

meses. Tosta, barão com grandeza203; dama, a senhora; marqueses, o Muritiba204 e

Paranaguá205; viscondessa, a Suruí206; Penha207, Gávea208, uma avalanche de

mercês. E nenhum destes nomes houve parte nas coisas da Abolição!

O Ministério, para fazer o que quer, recebe ordens da princesa sem discuti-las. O

requinte da subserviência! Educam assim uma moça voluntariosa e de nenhum

critério para a qual está caminhando velozmente um grande trono que d. Pedro

julgou poder consolidar com suma astúcia, firmeza e retidão de espírito,

patriotismo e desinteresse.

Esta é a opinião geral. Não há estadista que tenha pela princesa nem a simpatia

mais leve. Com a abolição criou muitos inimigos e nenhuma dedicação.

Quanto a mim, que não valho nada, o bem que tenho dito dela após o 13 de maio –

é dupla homenagem ao Pai e à abolição.

Em suma, meu caro Barão de grandeza incomparável a estas de aluvião, a

monarquia tem os dias contados. Morto o Imperador, o desmoronamento não se

demorará. É ainda ele que, mesmo sem nervos, está sustendo este edifício nos

enfraquecidos ombros. Eu não valho nada; tenho-me por homem fora de combate.

Mas lá vai o meu programa: não pretendo montar guarda à república nem

acompanhar a monarquia ao exílio. Forma de governo é coisa de ordem

secundária: quem tem uma constituída, deve tratar de mantêla, mas mudada que

seja por outros, fique para sempre mudada.

Todo seu

Fr. Co

A concessão de títulos consolidou a importância de Francisco Paulo de Almeida em

seu grupo social, suficientemente prestigioso para figurar ao lado daqueles outros

[fazendeiros, políticos, principalmente, e mais financistas, banqueiros, comerciantes e, em

203 N.E. ─ Manuel Vieira Tosta Filho [Bahia, 1839 – ?, 1922], segundo barão de Muritiba. Formado em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de São Paulo (1860), desembargador da Relação da Corte, foi o último Procurador da Coroa, Soberania e Fazenda Nacional.204 N.E. ─ Manoel Vieira Tosta [Vila da Cachoeira, BA, 1807 – Rio de Janeiro, RJ, 1896], barão [1855], conde [1872] e marquês [1888] de Muritiba. Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, desembargador da Relação da Corte, deputado e senador [1851], presidiu as províncias de Sergipe [1844], Pernambuco [1848] e Rio Grande do Sul [1855]. Ocupou as pastas de secretário de Estado dos Negócios da Marinha [1851], dos Negócios da Justiça [1859], dos Negócios da Guerra [1868]. Foi membro do Conselho de Estado, do Conselho de S. Majestade e do Conselho Grande do Império.205 N.E. ─ João Lustosa da Cunha Paranaguá [Piauí, 1821 – Rio de Janeiro, RJ, 1912] segundo visconde [1882] e segundo marquês [1888] de Paranaguá. Delegado de polícia, deputado, presidente das províncias do Maranhão e de Pernambuco, senador; foi ministro e secretário de Estado dos Negócios da Justiça [1859], dos Negócios da Guerra[(1866], interino dos Negócios da Marinha [1879-1880], dos Negócios da Fazenda [1882] e dos Negócios Estrangeiros [1885 e 1868].206 N.E. ─ Carlota Guilhermina de Lima e Silva [Rio de Janeiro, RJ, 1817 – 1894], viscondessa de Suruí, dama honorária da imperatriz e irmã do duque de Caxias e do conde de Tocantins.207 N.E. ─ Maria da Penha de Miranda Montenegro, viscondessa da Penha, filha dos viscondes de Vila Real da Praia Grande, casada com seu primo João de Sousa da Fonseca, o barão e visconde da Penha.208 N.E. ─ Maria Amália de Mendonça, viscondessa da Gávea, casada com Manuel Antônio da Fonseca Costa, barão e visconde da Gávea.

111

Page 113: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

menor escala, médicos, professores e escritores, membros do corpo diplomático, oficiais do

exército e marinha], formadores da nobreza brasileira.

O total de 1.211 títulos ad personam foram dados, prioritariamente, aos fazendeiros

entre os quais, apenas cinco titulares, usaram o cafeeiro em seus brasões. Foram eles os

Barões: de Avelar e Almeida, Bemposta, Vargem Alegre, Silveiras e o Visconde de Aguiar

Toledo. Outros dezoito titulares usaram o ramo de cafeeiro em seus brasões. Depois dos

fazendeiros foram agraciados os ocupantes de cargos públicos, os comerciantes, os

negociantes, os intelectuais e, por fim, os capitalistas.

O título de barão de Guaraciaba foi concedido a Francisco Paulo de Almeida no dia 16

de setembro de 1887 por merecimento e dignidade209, por decreto em carta régia, assinada por

S. A. Imperial, a Princesa Isabel, na ausência do seu Augusto Pai S. S. D. Pedro II,

referendado pelo Ministro de Estado dos Negócios do Império, deputado Manuel do

Nascimento Machado Portela.

As características da nobreza brasileira diferenciavam-se profundamente da nobreza

portuguesa, embora fossem, ambas, baseadas nas mesmas disposições legais e costumes. Os

títulos nobiliárquicos brasileiros não eram hereditários, valendo somente em vida. Entretanto,

mesmo depois do advento da República, quando foram revogados todos os títulos

nobiliárquicos, os detentores dos mesmos, continuaram a assinar e ser chamados pelo mesmo.

O intuito era evitar a continuação dos privilégios, embora mantivesse uma instituição

tradicional. Diferentemente de Portugal, onde os títulos não podiam ser comprados, embora,

na maioria das vezes, a dádiva viesse acompanhada de soberbas doações para fins de utilidade

pública, ou para conseguir vantagens políticas, saldar obrigações pessoais ou silenciar

determinadas solicitações. Quanto a esse procedimento, mantenho certa controvérsia,

considerando que a concessão do título nobiliárquico acarretava taxas altíssimas na sua

regularização:

[...]. O decreto imperial não bastava, porém, para que o novo titulado tivesse o

direito de usar o título; o pagamento de taxas para o recebimento da carta de mercê

nova, e seu respectivo registro em livro, era necessário para completar a legalização

dos tramites. [...].

Nessa data, as cartas de mercês para títulos de tratamento custavam pequenas

fortunas: [...]; barão 750$000. [...]. Além disso, gastos adicionais, com papeis e

tramitação, ultrapassavam por vezes o preço do próprio selo, como revela a tabela 209 Conforme consta no documento original.

112

Page 114: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

anexa ao Armorial brasiliense,de Aleixo Boulanger, com os preços vigentes em 2 de

abril de 1860:210.

Os custos para se obter a concessão do título eram em contos de réis e tinham,

mantendo-se a hierarquia da qualificação da nobreza, os seguintes valores pela tabela de 02 de

abril de 1860:

• Para Barão, 750$000 [setecentos e cinqüenta mil contos de réis];

• Para Visconde, 1:025$000 [hum milhão e vinte e cinco mil contos de réis];

• Para Conde, 1:575$000 [hum milhão, quinhentos e setenta e cinco mil contos de réis];

• Para Marquês, 2:020$000 [dois milhões e vinte mil contos de réis];

• Para Duque, 2:450$000 [dois milhões, quatrocentos e cinqüenta mil contos de réis].

• Além disso, havia mais os gastos adicionais de: 366$000 [trezentos e sessenta e seis mil

contos de réis], para a papelada necessária a concessão e 170$000 [cento e setenta mil

contos de réis] para o Brasão211.

Para proteger esses titulares, o uso indevido dos seus títulos ou brasões foi enquadrado

como crime de estelionato em 1871, dando pena de cadeia para o culpado.

A nobreza brasileira, ao contrário do que ocorria em Portugal, não obtinha certos

privilégios, tais como: assento automático no Senado, não gozava de isenção de impostos ou

de outros privilégios financeiros. A obtenção do título tornava-se vantajosa em função do

acesso à determinada rede de sociabilidade, e permitia novas relações de poder, colocadas

mais em circunstâncias formais: prestígio social, entrada facilitada à Corte Imperial e certa

consideração nos círculos econômicos e políticos.

Entretanto, acima da qualificação de nobreza concedida a Francisco Paulo de Almeida,

o que mais se caracteriza é sua participação e adaptação às modificações que iam ocorrendo

tanto na política como na economia, compartilhando diretamente ou indiretamente das

inovações que surgiam naquela época.

3.6. O sistema financeiro e as Sociedades Anônimas.

210 SCHWACZ, Lilia Moritz. Op. cit., p. 171-172.211 Idem.

113

Page 115: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

No ano de 1870, Francisco Paulo de Almeida inicia-se como empresário, dedicando-se

à importação e exportação. Seu estabelecimento esteve funcionando na antiga Rua Bragança,

31, na Corte, em sociedade com o fazendeiro e Capitão da Guarda Nacional da Legião de

Valença, Domingos José da Silva Nogueira, e Domiciano Ferreira Souto, dono da fazenda

Cachoeira, todos da freguesia de Valença – RJ.

No ano de 1879, com o falecimento de Domiciano Ferreira Souto e sua esposa D.

Umbrelina Nogueira, Francisco Paulo de Almeida vai ser nomeado tutor dos orfãos, Joaquim

Ferreira Souto e Domiciano Filho, atendendo às vontades de seu sócio, sendo permitida a

emancipação de Joaquim no ano de 1883212. Esse procedimento ratifica os indícios de

confiança e dos laços de sociabilidade construídos por Francisco Paulo de Almeida.

Com a República, associou-se com: José Júlio Pereira de Morais [1º Visconde de

Morais], Marcelino de Brito Ferreira de Andrade [Visconde de Monte Mário], Domingos

Teodoro de Azevedo e Carlos Justiniano das Chagas na constituição da Companhia Agrícola

Industrial Mineira, entre outras, como a Companhia Estrada de Ferro Santa Isabel. Assim, em

1890:

212 Processo de Tutela. Museu da Justiça, Rio de Janeiro, cx. 1803.

114

Page 116: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Julho 30 Sôb a denominação de “Companhia Agrícola Industrial Mineira”, está

sendo incorporada pelo Banco Territorial e Mercantil de Minas, uma companhia

agrícola com o capital de dez mil contos. São Incorporadores, o Visconde de Monte

Mário, barão de Guaraciaba, Visconde de Morais, Domingos Teodoro de Azevedo e

Carlos Justiniano das Chagas. Á Cia vai adquirir as seguintes fazendas: Santa Fé,

Piracema, Piedade, Passo da Pátria, Aliança, Fundão, Palmital, Bom Jardim,

Sobrado, Pedra Asul e Venesa213.

Considerando que, no final dos Oitocentos, o café no Médio Vale do Paraíba está em

decadência, principalmente pelo esgotamento das terras e da não renovação das matas, muitos

fazendeiros vão diversificar seu capital e Francisco Paulo de Almeida, não fugindo da

tendência, se torna sócio fundador do Banco Territorial e Mercantil de Minas e do Banco de

Crédito Real de Minas Gerais.

O Banco de Crédito Real de Minas Gerais “O Credireal” foi criado em janeiro de

1889, na sede do Diário de Minas, jornal de propriedade dos fundadores do banco na cidade

de Juiz de Fora, Minas Gerais. Os fundadores do Credireal foram donos e responsáveis por

diversos investimentos em Minas Gerais, sendo que, com relação ao banco, a sua criação teve

a finalidade de fornecer recursos à lavoura, notadamente à de café, através de garantias reais,

ou seja, em base de hipotecas. Nesse sentido, consta no livro de comemoração do centenário

do Banco de Crédito Real de Minas Gerais:

O grupo de fundadores do Credireal, conhecedor do mundo financeiro e econômico

e consciente do prestígio de que desfrutava na Corte, vislumbrou no auxílio à

atividade rural a oportunidade que não deveria perder. O meio circulante do dinheiro

necessitava de organizações racionais e, principalmente, específicas que obtivessem

do erário imperial recursos para apoio à lavoura. Assim, a iniciativa dos fundadores

do Banco (Visconde de Monte Mário, Barão de Santa Helena, Visconde de Assis

Martins, Visconde de Carandaí, Visconde de Itatiaia, Visconde de Lima Duarte,

Barão D’Avelar Resende, Barão de Guaraciaba e Barão de São João Del Rei), pela

relevante influência de seus membros junto à Corte, tinha maior receptividade que

mesmo grandes e imediatos recursos financeiros, porquanto associava fatores

positivos, que levariam aos meios desejados214.

213 Efemérides de Juiz de Fora ─ por Antônio Armando Pereira ─ nº 65, ANO DE 1890. Republicação na Gazeta Comercial, ANO XXXII, Juiz de Fora –quinta-feira, 25 de agosto de 1956.214 SÁ, Antonio Lopes. Origens de um Banco Centenário: História econômica, administrativa, financeira e contábil do Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A. Elaboração e criação de texto Prof. Antonio Lopes Sá. Fonte de pesquisa: Acervo do Museu do Credireal em Juiz de Fora - MG. Revisão: LєF Publicidade. Versão para o inglês por Soneide Alves Caetano. Fotos e cromos: Alfredo de Castro. Coordenação Geral: Assessoria de Comunicação Social Banco de Crédito Real de Minas Gerais ─ Prof. Marcello Cortizo Sacchetto e equipe. Juiz de Fora - MG: Credireal, 1989, p. 40.

115

Page 117: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Entretanto, para funcionamento do banco, necessitava-se da obtenção da Carta de

Autorização junto à Fazenda Imperial. Nesse sentido, a questão da burocracia jurídica, aliada

à lenta e resistente atuação dos Conselheiros eram fatores que adiavam a sua inauguração,

porém essas dificuldades foram contornadas conforme o livro do centenário: “[...]

Concordamos, contudo, com o competente historiador e museólogo José Tostes de Alvarenga

Filho, que atribui a aprovação do funcionamento ao prestígio dos fundadores junto a Dom

Pedro II [...]215”.

Posteriormente, com o advento do encilhamento, ele e seus sócios vão constituir a

Companhia Agrícola Industrial Mineira. O encilhamento foi a política financeira de estímulo

à indústria, adotada por Rui Barbosa, quando ministro da Fazenda [novembro de 1889 a

janeiro de 1891], após a proclamação da República. Baseava-se no incremento do meio

circulante com a criação de bancos emissores [tendo como lastro não libras-ouro, mas títulos

da dívida pública], cujos empréstimos teriam de ser aplicados apenas no financiamento de

novas empresas industriais [e não na agricultura]. Por isso, incentivou-se intensamente a

criação de sociedades anônimas, incitando o público a investir seu capital na indústria e no

comércio.

Francisco Paulo de Almeida participa desse quadro de relações e sociabilidades,

buscando e construindo espaços nas relações sociais e políticas, associando-se a Marcelino de

Brito Ferreira de Andrade [visconde de Monte Mário], rico fazendeiro de café em Juiz de

Fora, coronel da Guarda Nacional, rico empresário, fundador do Banco de Crédito Real de

Minas Gerais e vereador em Juiz de Fora; José Júlio Pereira de Morais [1.º Visconde de

Morais], fidalgo da Casa Real [28.2.1891], grã-cruz da Ordem de Cristo e do Mérito

Industrial, Comendador da Ordem da Rosa [do Brasil], presidente do gabinete Português de

Leitura do Rio de Janeiro e de beneficência Portuguesa, da mesma cidade, tendo-o também

sido da grande comissão Pró-Pátria, grande industrial, negociante e filantropo e, durante

muitos anos, chefe da colônia portuguesa na capital do Brasil; Comendador Domingos

Teodoro de Azevedo Júnior, genro do visconde de Rio Preto, membro da Irmandade da Santa

Casa e, Carlos Justiniano das Chagas, político que assinou a 1ª Constituição republicana

[1891].

Percebo, até o presente momento, que a rede de sociabilidades formada por Francisco

Paulo de Almeida estava sempre ligada aos grandes latifundiários, capitalistas, políticos e,

215 SÁ, Antonio Lopes. Op. cit., p. 41.

116

Page 118: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

quase sempre, com títulos nobiliárquicos. Entretanto, ao adquirir uma propriedade na cidade

de Petrópolis – RJ, ele irá enfrentar o primeiro empecilho, e, por que não dizer, um grande

enfrentamento público, constatado na presente pesquisa.

3.7. O Palácio Amarelo.

O Palácio Amarelo, atual sede do Legislativo de Petrópolis – RJ é o eixo de embates e

querelas com o Legislativo, iniciadas a partir da aquisição do imóvel pelo Barão de

Guaraciaba. Enquanto o imóvel pertencera a José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, servidor da

Casa Imperial, não ocorreu nenhuma manifestação da Câmara para sua aquisição.

Desde sua formação, a Câmara Municipal de Petrópolis tinha a intenção de adquirir

um imóvel para instalar o Paço Municipal. Por motivos ainda não esclarecidos pelas fontes,

somente após a venda do imóvel para o Barão de Guaraciaba é que a Câmara percebe que o

Palácio seria o local ideal para suas instalações. Inicia-se, a partir de então, um enfrentamento

por meio de vários mecanismos que movimentará relações de poder e de forças do e no

Município de Petrópolis – RJ, até a segunda metade do ano de 1894.

Petrópolis, na época do Império, foi local de preferência para a construção de casas de

verão. Considerada Cidade Imperial, os nobres e pessoas de posse transformaram a Cidade em

local de veraneio. Assim ocorreu com José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, servidor da Casa

Imperial, que adquiriu terreno na vizinhança do Palácio Imperial e construiu um solar que

passará para a história como uma das mais pitorescas e elegantes residências de Petrópolis na

segunda metade do século XIX, denominada Palácio Amarelo.

Após o falecimento de José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, a viúva, Maria Emília

Bernardes Mayrink, vendeu o solar em 13 de fevereiro de 1891 para Francisco Paulo de

Almeida, que mesmo após o advento da República, continuava a ser tratado como Barão de

117

Page 119: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Guaraciaba, conforme se constata na informação anterior do Jornal de Juiz de Fora: Gazeta

Comercial, publicado no ano de 1955216.

O legislativo fez uma proposta de compra a Francisco Paulo de Almeida que a negou

prontamente. Essa recusa sugere, inclusive nesse embate de forças, não só poder para se

colocar contra a proposta, como resistência ao poder instituído. Lembro que em 17 de junho

de 1891, quatro meses após a aquisição do Palácio pelo Barão, a municipalidade ─ que no

período em que Mayrink era proprietário, nunca havia manifestado sua intenção de adquirir o

imóvel ─ autorizou o Dr. Antônio Neves da Rocha e o arquiteto Achem Naval a constituírem

e explorarem no terreno onde hoje se localiza a Praça Visconde Mauá, um mercado público

para abastecimento da cidade.

O projeto do mercado fracassou, porém a Câmara não se deu por vencida e, a 15 de

novembro do mesmo ano negociava com M. de Teelier a instalação de um “kursal” no

mesmo local. A palavra correta é “Kursaal” que corresponde a um edifício para congressos e

exposições [contemporânea], no século XIX, provavelmente lugar para apresentações. O que

se deduz é que o Legislativo tinha a intenção de pôr a prova não só a paciência do Barão de

Guaraciaba, como também testar sua força nesse embate. Porém esse projeto, também, não

vingou.

Fracassadas suas estratégias para obtenção do imóvel, a Câmara resolveu abalar de vez

as convicções do Barão e, através do vereador José Tavares Guerra, apresentou um projeto de

Lei que autorizava empréstimos para a construção, no terreno em frente ao Palácio, do novo

Paço Municipal.

O projeto é imediatamente aprovado sendo sancionado pela Resolução número 25 de

10 de abril de 1894 e, já no dia 14 de abril do mesmo ano, a Gazeta de Petrópolis publicava

edital abrindo concorrência para a construção do edifício. As propostas seriam recebidas no

dia 17 de maio, às 13 horas, estando às plantas, condições da obra e bases de orçamento à

disposição na Câmara.

Nessa relação de força e de poder, a iniciativa da Câmara, de fato, consegue abalar e

esmorecer o posicionamento do Barão de Guaraciaba, a ponto de ele mesmo propor, no dia 11

de junho de 1894, a venda de seu Palácio. O que ocorre é que a construção de um prédio no

terreno em frente ao Palácio, tiraria todo o glamour e esplendor que o mesmo representava,

216 Ver p.113.

118

Page 120: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

deixando de ter sentido a sua posse. Entretanto, como afirmei anteriormente, este trabalho foi

construído dentro do campo das possibilidades permitidas, e nesse episódio, pode ficar

demonstrado, também que a venda pode ter sido ocasionada pela impossibilidade de

Francisco Paulo de Almeida dar continuidade a este enfrentamento, falta de forças e de poder

político etc.

No dia 05 de julho de 1894, o Barão de Guaraciaba e o Presidente do Poder

Legislativo, vereador Hermogênio Silva e o tabelião Gabriel José Pereira Bastos, lavraram a

escritura do terreno localizado nos prazos de terra da Fazenda de Petrópolis, de números 127,

128 e 129, fazendo testada para a Praça Visconde de Mauá e formando uma superfície de

1.275 braças quadradas.

A resolução de número 27 da Câmara Municipal dava autorização à administração

pública para adquirir o imóvel, autorizando o empréstimo da ordem de 160:000$000 [cento e

sessenta contos de réis].

Francisco Paulo de Almeida, não encontrou empecilhos intransponíveis em

praticamente nenhum de seus investimentos, mas com certeza, não em todos. Por exemplo,

com a República, a Força do Estado, de outro Estado e de outra sociedade começaram, aos

poucos, a surgir. A partir de então, outras batalhas se constituiriam, novas relações de poder

se conformariam. Ou seja, isso lembra, conforme Foucault, “[...] que o poder não se dá, não se

troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também da afirmação que o

poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de

tudo uma relação de força217”.

A História de vida do Barão de Guaraciaba, pela sua trajetória, aponta rastros que

indicam uma visão apropriada de seu tempo, das relações próprias de sua sociedade e dos

atributos necessários para nela estar e transitar. Nessa sociedade, além do poder econômico,

para se situar, para estar, para se manter e para se relacionar com a sociedade, era preciso se

preocupar com a instrução, com os aspectos culturais e sociais. Por isso, suas filhas, além do

programa de estudos preconizado pela Lei Nacional de 15 de outubro de 1827, que instituiu a

instrução pública para meninas em todo o Império brasileiro [leitura, escrita, quatro operações

de aritmética, gramática de língua nacional, os princípios da moral cristã e de doutrina da

religião católica, apostólica e romana, bem como as prendas que servem à economia

217 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. [org. e trad.] Roberto Machado ─ Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 175.

119

Page 121: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

doméstica], estudaram piano, o segundo instrumento de sua devoção. Os filhos, como muitos

meninos de famílias abastadas, foram enviados para estudar na França [Paris].

Nos últimos anos de sua vida, Francisco Paulo viajou constantemente para Paris.

Faleceu em 09 de fevereiro de 1901, na casa de sua filha Adelina, situada à Rua Silveira

Martins, 81, foi sepultado no Cemitério São João Batista longe da Baronesa que foi sepultada

no Cemitério de Bemposta, distrito de Três Rios–RJ. Em vida, desfez-se de quase todos os

seus bens, deixando de herança a fazenda Pocinho e a fazenda Santa Fé para suas filhas. Para

os homens deixou dinheiro em espécie.

Assim, no transcorrer deste capítulo, procurei apresentar informações, pistas e dados

sobre a trajetória de Francisco Paulo de Almeida, indícios da formação de suas redes de

sociabilidade e de suas relações de poder. Desta forma, busquei quebrar e romper o silêncio

historiográfico sobre ele, abrindo espaços para muitas outras histórias possíveis. Por isso,

considero que a escrita e o silêncio têm as mesmas características e que ambos, tanto o

discurso quanto o silêncio, seja um exercício de poder.

CONSIDERAÇÕES FINAIS DE UMA TRAJETÓRIA DE PESQUISA.

120

Page 122: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

O caminho até aqui trilhado permite algumas considerações finais sobre as histórias e

os contextos históricos de Francisco Paulo de Almeida [1826-1901]. As informações, dados e

pistas obtidas durante a pesquisa foram cruzadas e articuladas com histórias de vida, com

relações de poder e com redes de sociabilidades, não esquecendo que se trata de uma reflexão

permitida pela História política.

No complexo campo investigativo da pesquisa, pude detectar o que fora percebido por

Foucault: “o objeto não espera nos limbos a ordem de que vão liberá-lo e permitir-lhe que se

encarne em uma visível e loquaz objetividade; ele não preexiste a si mesmo, retido por algum

obstáculo aos primeiros contornos da luz, mas existe sob as condições positivas de um feixe

complexo de relações218”.

Em primeiro lugar, é preciso retornar a discussão teórico-metodológica em torno do

Histórico Político, no qual, contar a vida de alguém é ser o observador da história, às vezes

com um microscópio e, outras, com um telescópio, é ficar atento aos detalhes. Ao aceitar o

desafio de pesquisar e narrar histórias de uma vida, tornou-se necessário um aprofundamento

no debate teórico sobre as formas de como fazê-lo, adquirindo conhecimentos sobre o que tem

sido escrito sobre as grandezas e as misérias que a História política e a biografia perpassaram

do século XIX para a contemporaneidade.

Dentro desta perspectiva, constituí o primeiro capítulo, mostrando as diversas fases

pelas quais passaram a História Política e a biografia, sendo que dentro da linha biográfica

procurei mostrar suas diversas constituições, bem como suas aproximações e apropriações de

outras disciplinas, e seus distanciamentos no trabalho com as fontes suas leituras e

possibilidades. A partir desta discussão, utilizo e torno possível o trabalho a partir do método

indiciário, proposto por Ginzburg, articulado com determinada noção de poder, ou melhor, de

relações de poder: em seu aspecto relacional e microfísico, presentes em obras de Foucault.

Em relação ao capítulo dois, enfoquei os diversos contextos e condicionamentos da

sociedade em que o protagonista se criou e viveu e, assim como, um possível papel do

“acaso”, pequenos fatos e incidentes para os quais não existem, ou melhor, não se conhecem, 218FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 50.

121

Page 123: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

ainda, explicações. Olhar para o outro é olhar para si mesmo, no que tenho de igual, parecido

ou diferente, nos mais variados níveis. Dessa forma, os problemas de investigação de uma

vida são riquíssimos, pois defrontam com tudo que constitui a própria existência e a dos que a

cercam. E que obrigam a perceber e aceitar a grande quota de mistério que sempre existe em

cada vida.

Ao estudar Francisco Paulo de Almeida no período compreendido, entre 1826 e 1860,

é importante ressaltar que a pesquisa revelou dados e informações sobre o início da sua vida

profissional, mas de forma hipotética, pois apesar de enfrentar o problema de se trabalhar com

a história de uma vida, na inevitável cronologia linear dos fatos que realmente se sucedem,

deve-se evitar que a vida da pessoa pareça unidirecional, isto é, pareça ter tido um percurso

único, convergindo para uma única direção, o destino final.

Outro fator problemático foi lidar com a “falta” de bibliografia sobre a História da

Ourivesaria no Brasil. Entretanto, vencer estes desafios foi gratificante, considerando que pela

ausência de subsídios, fui obrigado a repensar minha escrita e meu discurso, para que mesmo

de forma coadjuvante não se criasse um lapso na vida do protagonista, fazendo com que ele

surgisse do “nada”. Aliás, ter consciência das minhas limitações, do tempo e da pesquisa,

obrigou-me a buscar novos conhecimentos e a modificar e adaptar a escrita de acordo com os

dados.

Ainda neste segundo capítulo, começo a apontar as pistas e indícios de que Francisco

Paulo de Almeida, assim como outros indivíduos provenientes da Comarca do Rio das

Mortes, no Sul de Minas Gerais utilizaram-se dos diversos mecanismos disponíveis ─

intermediação de mercadorias, especulação, etc. ─ para constituírem seus cabedais.

A insistente pesquisa e a busca de conhecimento é que fizeram com que eu descobrisse

a existência de documentos, como o Livro de Registro de Ofícios, o livro escrito pela

historiadora Maria Helena Brancante: Os Ourives na história de São Paulo, que muito

contribuiu para a compreensão da arte desse ofício e dos materiais por eles utilizados, sendo

que alguns deles, constam do inventário da Baronesa de Guaraciaba, indicando que Francisco

Paulo de Almeida, realmente, exerceu esse ofício.

Falar sobre tropas e tropeiros apontou para os meandros e mecanismos utilizados para

a construção de estradas com importância e destaque para a posição política e cargo público

ocupados, que aprovavam a abertura de rotas, caminhos e estradas, bem como redução de

122

Page 124: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

impostos e benesses para os donos de tropas e tropeiros, de acordo com seus interesses

pessoais.

Por fim, no que diz respeito ao capítulo três, lembro as contribuições da pesquisa a

partir da abordagem da participação do protagonista na oligarquia cafeeira, e na construção da

Estrada de Ferro no Médio Vale do Paraíba, desconstruindo o mito e o paradigma de que a

Estrada de Ferro no Médio Vale do Paraíba teve como centro, a disputa entre a família Faro,

de Valença e, a família Teixeira Leite, de Vassouras. O trabalho filantrópico de Francisco

Paulo de Almeida através da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença, sua

participação no sistema empresarial e financeiro, seu pertencimento à nobreza através do

título de baronato e “perseguição” por parte do Legislativo da cidade de Petrópolis – RJ, as

fontes comprovam todo esse envolvimento, mas nota-se, por outro lado, um certo “silêncio”.

Pelo histórico de viagens internas e externas, efetuadas pelo sujeito, pressuponho a

existência de correspondências, pelo menos com os filhos que estavam em Paris,

principalmente com seu filho [homônimo] Francisco Paulo de Almeida que, de acordo com a

certidão de casamento, teve seu matrimônio realizado na França, em 22 de julho de 1897, com

Concepcion Carmen Felicia Bardino, filha do cônsul do Uruguai na França, Don Laureano.

Além disso, as fontes apontam sua rede de sociabilidades, entretanto, ainda não fornecem

detalhes de como funcionava de fato esse mecanismo.

Muitas questões merecem um trabalho mais profundo, até porque, algumas delas, por

si já dariam matéria a outras dissertações, como é o caso do sistema bancário e das empresas

de sociedade anônima, que estiveram envolvidas diretamente na política do encilhamento de

Rui Barbosa [onde muitas empresas foram concebidas como fachada] e o caso do Banco

Territorial e Mercantil de Minas Gerais, presidido pelo Sócio de Francisco Paulo de Almeida,

o Visconde de Monte Mário, que decreta falência em 1892, sendo encampado pelo Banco de

Crédito Real de Minas Gerais, presidido, também pelo próprio Visconde de Monte Mário.

Considero cumprida esta etapa deste trabalho, esperando ter contribuído para o debate

historiográfico, entretanto, como foi dito anteriormente, a pesquisa e o trabalho não terminam

aqui, muito pelo contrário, trata-se do início de uma longa jornada.

Não posso negar que Francisco Paulo de Almeida, em sua trajetória, esteve presente

em diversas atividades, iniciando-se como ourives e finalizando sua vida como empresário

pertencente à nobreza e à elite do Brasil do século XIX. Entretanto, a pesquisa me direcionou

123

Page 125: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

para a participação do sujeito, também, em atividades político-econômicas, de vulto e

importância no Brasil do século XIX. Dessa forma, esse trabalho evidencia mais indagações,

questionamentos e problematizações do que conclusões, daí ser um ponto de partida, de onde

pretendo dar continuidade e aprofundamento ao trabalho já realizado.

Finalizando esta etapa, posso concluir que essa pesquisa e o consequente trabalho

produzido possibilitaram conhecer “um pouco” sobre o protagonista. Ainda existem muitos

dados e informações a serem pesquisados e estudados. Sua vida não pode estar simplificada

no trabalho aqui apresentado; ao contrário, pois até onde o tempo, as oportunidades, as fontes

e a memória permitirem, muitos detalhes enriquecedores poderão ser apresentados, muito

falta a ser explorado e muito ainda a ser produzido, visto que nenhuma História está por si só,

pronta e acabada.

REFERÊNCIAS

124

Page 126: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

1. Fontes

1.1.Inventários/Processos

Inventário de Antonio José de Almeida. 1876, cx. 294. Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional. São João Del Rei – MG.

Inventário de Barbara Joaquina [1851]. IPHAN. São João Del Rei – MG.

Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889. Ministério de Justiça. Museu da Justiça ─ RJ, cx 1435, RG: 13568.

Inventário de Francisco Paulo de Almeida [barão de Guaraciaba] [1901]. Décima primeira pretoria do Rio de Janeiro – RJ.

Inventário de Galdina Alberta do Espírito Santo [1842]. IPHAN. São João Del Rei – MG.

Processo de Tutela, 5779. cx. 1803. Museu da Justiça – RJ.

1.2.Documentos manuscritos

Ata da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ, biênio 1882-1884. Museu da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ.

Atestado de Óbito de Francisco Paulo de Almeida. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Centro - RJ.

Cópia do Recibo de quitação da fazenda Três Barras. Cedida pela trineta de Francisco Paulo de Almeida, D. Mônica de Souza Destro.

Decreto em carta régia, assinada por S. A. Imperial, a Princesa Isabel de 16 de setembro de 1887.

Folhas 135.I do livro nº 8 de assentamentos de batizados da Paróquia da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Prados – MG.

Foto do trecho de uma minuta de testamento feita pelo Barão, datada de 9 de março de 1895 [Rio de Janeiro], cedido por Mônica de Souza Destro [trineta de Francisco Paulo de Almeida].

Recibo de quitação da fazenda Três Barras, cedida por Mônica de Souza Destro, trineta de Francisco Paulo de Almeida.

Registro do Livro de Óbito 10 nº 1617 de CP folha 75 do Cemitério São João Batista. Rio de Janeiro – RJ.

125

Page 127: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Resolução número 25 de 10 de abril de 1894. Câmara Municipal de Petrópolis-RJ.

1.3.Periódicos e Jornais

Caderno do Interior [CADIN], ano IV, n° 46 ─ Vassouras-Rio de Janeiro, outubro/novembro de 2000.

COIMBRA, Luiz Octávio. Filantropia e racionalidade empresarial (a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro de 1850 a 1920). Revista do Rio de Janeiro. Niterói, 1, n° 3, p. 41-51, mai/ago. 1986. [BCOC].

Gazeta Comercial, Ano XXXII, Juiz de Fora ─ quinta-feira, 25 de agosto de1955.

Gazeta de Petrópolis, em 14 de abril de 1894. Petrópolis – RJ.

Jornal Pharol, Juiz de Fora, 12 de julho de 1892.

PEREIRA, Antônio Armando. Efemérides de Juiz de Fora. nº 65, Ano de 1890.

Revista Chafariz, Valença-RJ, 2004.

1.4.Dissertações e dicionários

COSTA, Elisa Maria Amorim da. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (1838 – 1889). Dissertação de Mestrado [História Social] ─ USS ─ dezembro de 1997.

Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem Tupi / Antônio Geraldo da Cunha; prefácio-estudo de Antonio Houaiss. ─ São Paulo: Melhoramentos: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1978.

MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Os donos da terra. Um estudo sobre a estrutura fundiária do Vale Paraíba fluminense, no século XIX. 1979. 185 f. Dissertação de Mestrado [História Social] ─ Universidade Federal Fluminense ─ RJ, 1979.

1.5.Internet

A Nobreza Brasileira de A a Z ─ "Página transcrita do Archivo Nobiliarchico Brasileiro dos barões Smith de Vasconcellos, com adendas e correções". Autor: Sérgio de Freitas. Disponível em: http://www.sfreinobreza.com/NobAZ.htm, acesso em 02 de julho de 2009.

Correspondência entre Gusmão Lobo e o Barão do Rio Branco Cadernos do CHDD / Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática. ─ Ano3,

126

Page 128: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

n.5. ─ Brasília, DF: A Fundação, 2004, p. 162-165. Disponível em: http://chdd.funag.gov.br/cadernos/pdfs/cadernos_do_chdd_05.pdf, acesso em 18/06/2009.

Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto. Disponível: http://wwwcrl-jukebox.uchicago.edu/bsd/bsd/u1959/000093.html, Previous (p. 87) | Next (p. 89) | 300-dpi TIFF image | AGRICULTURA 1872, p. 88. Acesso em 21 de outubro de 2008.História da Câmara Municipal de Petrópolis-RJ. Disponível em: http://www.cmp.rj.gov.br/historia1.htm, acesso em agosto de 2005.

HISTÓRIA DA SOCIEDADE HISTÓRICA DA INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL 1861 a 1940. Compilada por: E. A. Ramos da Costa. Lisboa 1940, p. 3. Disponível em: http://www.ship.pt/pdf/ramos_costa.pdf, acesso em 26 de junho de 2009.

História das Rodovias. A Estrada União e Indústria. Disponível em: http://www.estradas.com.br/histrod_uniaoindustria.htm, acesso em 27 de junho de 2009.

Mapa do Caminho Velho e do Caminho Novo. Disponível: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.espeschit.com.br/historia/image/caminho_novo.jpg&imgrefurl=http://www.espeschit.com.br/historia/historia/caminho_novo/&usg=__qmXuRfTmf1Zc08wqRMnuFNbVF8g=&h=454&w=374&sz=27&hl=pt- BR&start=1&tbnid=wOIBsBm91J8NcM:&tbnh=128&tbnw=105&prev=/images%3Fq%3Dcaminho%2Bvelho%26gbv%3D2%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DG, acesso em 30 out. 2008.

MATTOS, Raimundo César de Oliveira. Manoel Antônio Esteves ─ o cotidiano de um comerciante/cafeicultor do Vale do Paraíba fluminense através da Epistolografia. História e-História. Publicação organizada com apoio do NEE ─ Núcleo de Estudos Estratégicos / Arqueologia. São Paulo: UNICAMP. ISSN 1807-1783, atualizado em 26 de junho de 2009. Disponível em: http://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=artigos, acesso em 26 de junho de 2009.

SANTOS, Theotonio dos. “A Economia Política Marxista: Um Balanço”. In: Sociedade de Economia Política e Clássica. (Org.). CONGRESSO DE ECONOMIA CLASSICA E POLÍTICA, 1. ANAIS. NITEROI: UFF, 1996. Disponível em http://www.nodo50.net/cubasigloXXI/taller/dossantos_290204.pdf. acesso em 23 set. 2008.

Sinopse biográfica de José Ildefonso de Souza Ramos. Disponível: http://sfreinobreza.com/Nobj.htm, em 22/09/2007.

2. Bibliografia

AB’SABER, Aziz Nacib e BERNARDES, Nilo. Vale do Paraíba, Serra da Mantiqueira e Arredores de São Paulo. Rio de Janeiro: Conselho Nac. de Geografia, 1958.

AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. “La biografía como género historiográfico algunas reflexiones sobre sus posibilidades actuales”. In: SCHMIDT, Benito Bisso [Org.]. O biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.

127

Page 129: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Antigas Fazendas de Café da Província Fluminense. Texto de Fernando Tasso Fragoso; Prefácio de Paulo Mercadante; Fotos de Paulo Romeu Bissoli. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980.

ARIAS NETO, José Miguel. “Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: O tempo do Brasil excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Organização de Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado, ─ 2. Ed. ─ Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. ─ [O Brasil Republicano; v. 1].

AZEVEDO, Francisca Lúcia Nogueira de. “Biografia e gênero”. In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos; PETEREN, Silvia Regina Ferras. SCHMIDT, Benito Bisso e XAVIER, Regina Céli Lima [Org.]. Questões de teoria e metodologia da história. Porto Alegre: UFRGS, 2000.

BAPTISTA FILHO, Olavo. A fazenda de café em São Paulo. Rio de Janeiro: Serviço de informação do Ministério da Agricultura, 1952.

BERSTEIN, Serge. “L’historien et la culture politique”. Vingtième Siècle. Revue D’Histoire, n. 35, juil/sep. 1992.

______. “A Cultura Política”. In: RIOUX, J; SIRINELLI, J [Org.]. Para uma História Cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.

BORGES,Vavy Pacheco. Em busca de Gabrielle: séculos XIX e XX. São Paulo: Alameda, 2009.

BRANCANTE, Maria Helena. Os Ourives: na história de São Paulo. São Paulo: Árvore da terra, 1999.

BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1978.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.

CANABRAVA, Alice P. “A grande lavoura”. In: HOLLANDA, Sergio Buarque de. [dir.]. História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, 4. vol., Declínio e Queda do Império. 1974.

CARVALHO, José Murilo de. In:_____ [Org.].BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Escolhas de padrinhos e relações de poder: uma análise do compadrio em São João Del Rei (1736-1850). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

CASTRO, Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1993.

COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 7. ed, São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.

128

Page 130: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

DIAS, Maria Odila da Silva. Prefácio, in. LENHARO, Alcir. As Tropas da Moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979.

DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. Bauru, SP: EDUSC, 2002.

FARIA, Alberto de. Mauá. Rio de Janeiro: Companhia Nacional, 1925.

Fazendas: Solares da Região Cafeeira do Brasil Imperial. Fotos de Pedro Osvaldo Cruz; Roteiro e Legendas de Fernando Tasso Fragoso Pires; Introdução de Paulo Mercadante; Notas sobre os Aspectos Arquitetônicos de Alcides da Rocha Miranda e Jorge Czaikowski. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.

FERREIRA, Marieta de Moraes. “A nova “velha história”: o retorno da história política. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5. n. 10, 1992.

______. “Apresentação”. In: RÉMOND, Réne. Por uma história política. Trad. Dora Rocha. ─ 2. ed. ─ Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

FORTE, José Matoso Maia Forte, “A Fazenda do Secretário”.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. ─ Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

______. A arqueologia do saber. 7 ed. ─ Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

FRANÇA, Ary. A marcha do café e as frentes pioneiras. Rio de Janeiro, 1960. Escrito para servir de “guia” de uma excursão realizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia [Rio de Janeiro, 1956].

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

______. “Provas e possibilidades à margem de II ritorno de Martin Guerre de Natalie Zenon Davis”. In: A micro-história e outros ensaios. Lisboa: DIFEL, 1989.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo: Companhia das Letras, 1989a.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade / Stuart Hall; tradução Tomaz da Silva, Guaracira Lopes Louro ─ 11. ed. ─ Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. “A herança colonial ─ Sua degradação”. In: Holanda, Sérgio Buarque de [org.]. História geral da civilização brasileira. T. II, vol. 1º. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.

HOBSBAWM, Eric. “O que os historiadores devem a Karl Marx?” In: Sobre história. Trad. Maria Aparecida Baptista. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000.

129

Page 131: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

IÓRIO, Leoni. Valença de ontem e de hoje: subsídios para a História do Município de Marquês de Valença, 1789-1952. Valença-RJ: [s, n], 1953.

JAMES Henry, A Arte do Romance- Antologia de Prefácios. Rio de Janeiro: Globo, 2003.

JASMIN, Marcelo. Prefácio. In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução do original alemão Wilma Patrícia Maas, Carlos Almeida Pereira: revisão da tradução César Benjamim. ─ Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC─Rio, 2006.

JENKINS, Keith. A História repensada. Tradução de Mário Vilela, 3. ed. ─ São Paulo: Contexto, 2005.

JUNIOR ALBUQUERQUE, Durval Muniz. Historia: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru, SP: Edusc, 2007.

KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia Paulistana histórica e genealógica. 5. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1980.

LENHARO, Alcir. As Tropas da Moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-1842. São Paulo: Símbolo, 1979.

LEVILLAIN, Philippe. “Os protagonistas: da biografia”. In: RÉMOND, Por uma história política. Trad. Dora Rocha. ─ 2. ed. ─ Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

LORIGA, Sabina. “A Biografia como problema”. In: REVEL, Jacques [Org.]. Jogos de Escala. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998.

LYRA, Maria de Lourdes Viana. Jóia de valor inestimável, o colar da imperatriz simbolizou o ideal de realização de um Império brasileiro rico, glorioso e imponente. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ed. abril de 2007.

MACHADO, Roberto. “Por uma genealogia do poder”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. 23ª ed. ─ Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007.

MATOS, Maria Izilda S. Trama e poder: um estudo sobre as indústrias de sacaria para o café. 4. ed. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999.

MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4. ed. Campinas, SP: Editora Pontes, 1990.

MATTOSO, Katia Maria de Queirós. Ser escravo no Brasil. 3. ed. 2. reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2003.

NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império: Nabuco de Araújo. 4. ed. [1 vol.], Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1975

130

Page 132: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

NORA, P. “O retorno do fato”. In: LE GOFF, J; NORA, P. História: novos problemas. Trad. Hilton Japiassú. 3. ed. ─ Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

OTTONI, Christiano B. Esboço histórico das estradas de ferro do Brasil. Rio de Janeiro, 1866.

PINTO, Jorge. Fastos vassourenses. [Esboço] ─ Bedesch ─ imprimiu, 1910.

PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. A história de Três Rios e de seus vultos importantes, 1853 ─ 1882. Rio de Janeiro: Netuno, 1992.

RAPOSO, Ignácio. História de Vassouras. Niterói, SEEC, 1978.

RÉMOND, Réne. Uma História Presente. In: RÉMOND, Por uma história política. Trad. Dora Rocha. ─ 2. ed. ─ Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.

REZENDE, Arthur. Genealogia Mineira.

RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A Formação das Estradas de Ferro No Rio de Janeiro: O resgate da sua Memória. Rio de Janeiro: Copyright © by Hélio Suêvo Rodriguez.

ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. “La biografía como género historiográfico: algunas reflexiones sobre sus posibilidades actuales”. In: SCHMIDT, Benito Bisso. O Biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul-RS: EDUNISC, 2000.

ROSANVALON, Pierre. “Por uma História Conceitual do Político”. Revista Brasileira de História. v. 15, n 30. São Paulo, 1995.

SÁ, Antonio Lopes. Origens de um Banco Centenário: História econômica, administrativa, financeira e contábil do Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A. Elaboração e criação de texto Prof. Antonio Lopes Sá. Fonte de pesquisa: Acervo do Museu do Credireal em Juiz de Fora - MG. Revisão: LєF Publicidade. Versão para o inglês por Soneide Alves Caetano. Fotos e cromos: Alfredo de Castro. Coordenação Geral: Assessoria de Comunicação Social Banco de Crédito Real de Minas Gerais ─ Prof. Marcello Cortizo Sacchetto e equipe. Juiz de Fora - MG: Credireal, 1989.

SAINT-HILAIRE, 2ª Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo. Tradução de Vivaldi Moreira. Belo Horizonte: Itatiaia/USP, 1974.

SCHMIDT, Benito Bisso. “Construindo Biografias... Historiadores e Jornalistas: Aproximações e afastamentos”. Estudos Históricos. vol. 10, n° 19, p. 03-22. Rio de Janeiro: FGV, 1997.

______. “Luz e papel, realidade e imaginação: as biografias na História, no Jornalismo, na Literatura e no Cinema. In: SCHMIDT, Benito Bisso. O biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.

______. “A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto””. In: Questões da teoria e metodologia da história. [Org.], Cezar Augusto Barcellos Guazelli, Sílvia Regina

131

Page 133: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Ferraz Petersen, Benito Bisso Schmidt e Regina Célia Lima Xavier. ─ Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000a.

SCHWACZ, Lília Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SILVA, Eduardo. Barões e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: INL, 1984.

SILVA, Pedro Gomes da. Capítulos de História de Paraíba do Sul. Rio de Janeiro: Cia. Bras. de Artes Gráficas, 1991.

STEIN, Stanley. Grandeza e decadência do café no Vale do Paraíba. São Paulo: Brasiliense, 1961.

TAUNAY, Afonso de E. História do café no Brasil. v. 4. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1939 [1943]

______. História do café no Brasil. v. 5º, tomo III. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, 1939 [1943].

TELLES, Augusto Carlos da Silva. O Vale do Paraíba e a arquitetura do café. Rio de Janeiro: Capivara, 2006

VASCONCELLOS, Barão de; VASCONCELLOS, Barão Smith de. [orgs.] ARCHIVO NOBILIARCHIO BRASILEIRO; desenhos de Fernand James Junod. ─ Lausanne: La Concorde, 1918.

VEIGA, José Pedro Xavier da. Ephemérides Mineiras, volume IV. Belo Horizonte-MG: Fundação João Pinheiro, 1998.

ZARUR, Dahas Chade. Uma velha e nova História da Santa Casa. 3. ed. Rio de Janeiro: Copyright by Dahas Zarur Chade, 1985 [1991].

132

Page 134: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 135: COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU …livros01.livrosgratis.com.br/cp125855.pdf · inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo