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1 Contextos e usos da categoria “armadilha paradigmática” nas pesquisas em Educação Ambiental em periódicos da área no período entre 2006 e 2016. Gladis Teresinha Slonski NUEG/PPGECT/UFSC Mayana Lacerda Leal NUEG/PPGECT/UFSC Juliana Rezende Torres DCHE/UFSCar Campus Sorocaba Resumo: Diante da crise de identidade da Educação Ambiental (EA) brasileira e da carência na formação de educadores ambientais na perspectiva crítica torna-se importante pesquisar formas de enfrentamento dessas demandas da área. Esta pesquisa tem como objetivos compreender em que consiste a categoria armadilha paradigmática (AP) na EA e como ela vem sendo compreendida em publicações científicas da área. Selecionamos oito periódicos online de acesso livre, com o escopo voltado para a pesquisa no campo da EA, em que foram analisados nove artigos publicados entre 2006 e 2016. Investigamos os contextos e usos que pesquisadores vêm fazendo da categoria e se esses trabalhos trazem propostas para a sua superação. Dentre os principais resultados sinalizamos que maioria dos trabalhos encontram- se situados no contexto escolar; que os usos da AP se voltam ao distanciamento entre pensar e agir em EA e, que a superação da AP envolve a formação de educadores ambientais críticos. Palavras-Chave: Armadilha Paradigmática, Formação de Educadores Ambientais, Educação Ambiental Crítica. Abstract: Faced with the identity crisis of the Brazilian Environmental Education (EE) and the lack of training of environmental educators in the critical perspective, it becomes important to search for ways to cope with these demands in the area. This research aims to understand what constitutes the paradigmatic trap category (PT) in EE and how it has been understood in scientific publications of the area. We selected eight open access online journals, with the scope focused on research in the EE field, in which nine papers published between 2006 and 2016 were analyzed. We investigated the contexts and uses that researchers have been making of the category and if these works bring proposals for its overcoming. Among the main results we indicate that most of the works are located in the school context; that the uses of PT turn to the distance between thinking and acting in EE and that overcoming the PT involves the formation of critical environmental educators. Keywords: Paradigmatic Trap, Environmental Educator Training, Critical Environmental Education. 1. Introdução Apesar da existência de registros de programas e projetos de Educação Ambiental (EA) desde a década de 1970 no Brasil, segundo Loureiro (2006), é na década de 1980 que ela começa a ganhar dimensões públicas de grande relevância, com sua inclusão na Constituição Federal de 1988. A partir de então, a EA, conforme o inciso VI do §1º do art. 225 da Constituição Federal, deve ser promovida em todos os níveis de ensino (BRASIL, 1988). Payne (2009), ao discutir tendências da EA praticadas nos países anglófonos, destaca que desde os anos 1970 estamos vivenciando alterações de natureza conceitual, ontológica, IX EPEA Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Juiz de Fora - MG 13 a 16 de agosto de 2017 Universidadre Federal de Juiz de Fora IX EPEA -Encontro Pesquisa em Educação Ambiental

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Contextos e usos da categoria “armadilha paradigmática” nas pesquisas em

Educação Ambiental em periódicos da área no período entre 2006 e 2016.

Gladis Teresinha Slonski – NUEG/PPGECT/UFSC

Mayana Lacerda Leal – NUEG/PPGECT/UFSC

Juliana Rezende Torres – DCHE/UFSCar Campus Sorocaba

Resumo: Diante da crise de identidade da Educação Ambiental (EA) brasileira e da carência

na formação de educadores ambientais na perspectiva crítica torna-se importante pesquisar

formas de enfrentamento dessas demandas da área. Esta pesquisa tem como objetivos

compreender em que consiste a categoria armadilha paradigmática (AP) na EA e como ela

vem sendo compreendida em publicações científicas da área. Selecionamos oito periódicos

online de acesso livre, com o escopo voltado para a pesquisa no campo da EA, em que foram

analisados nove artigos publicados entre 2006 e 2016. Investigamos os contextos e usos que

pesquisadores vêm fazendo da categoria e se esses trabalhos trazem propostas para a sua

superação. Dentre os principais resultados sinalizamos que maioria dos trabalhos encontram-

se situados no contexto escolar; que os usos da AP se voltam ao distanciamento entre pensar e

agir em EA e, que a superação da AP envolve a formação de educadores ambientais críticos.

Palavras-Chave: Armadilha Paradigmática, Formação de Educadores Ambientais, Educação

Ambiental Crítica.

Abstract: Faced with the identity crisis of the Brazilian Environmental Education (EE) and the

lack of training of environmental educators in the critical perspective, it becomes important to

search for ways to cope with these demands in the area. This research aims to understand

what constitutes the paradigmatic trap category (PT) in EE and how it has been understood in

scientific publications of the area. We selected eight open access online journals, with the

scope focused on research in the EE field, in which nine papers published between 2006 and

2016 were analyzed. We investigated the contexts and uses that researchers have been making

of the category and if these works bring proposals for its overcoming. Among the main results

we indicate that most of the works are located in the school context; that the uses of PT turn

to the distance between thinking and acting in EE and that overcoming the PT involves the

formation of critical environmental educators.

Keywords: Paradigmatic Trap, Environmental Educator Training, Critical Environmental

Education.

1. Introdução

Apesar da existência de registros de programas e projetos de Educação Ambiental

(EA) desde a década de 1970 no Brasil, segundo Loureiro (2006), é na década de 1980 que

ela começa a ganhar dimensões públicas de grande relevância, com sua inclusão na

Constituição Federal de 1988. A partir de então, a EA, conforme o inciso VI do §1º do art.

225 da Constituição Federal, deve ser promovida em todos os níveis de ensino (BRASIL,

1988).

Payne (2009), ao discutir tendências da EA praticadas nos países anglófonos, destaca

que desde os anos 1970 estamos vivenciando alterações de natureza conceitual, ontológica,

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epistemológica e metodológica na EA, inicialmente, visando transmitir conhecimentos

factuais sobre e no ambiente. Para o autor, na década de 1990, passou-se a considerar

perspectivas para uma educação política e socialmente crítica, inspiradas nos trabalhos de

Paulo Freire, dentre outros autores. Ele ainda sinaliza que, no final dessa década, houve uma

explosão de perspectivas de EA impulsionadas pela ascensão das tecnologias de informação e

pela lógica global da educação para o desenvolvimento sustentável. Em sua concepção, essa

diversidade pode ser celebrada como uma caraterística saudável para o campo por incluir

diferentes perspectivas teórico-metodológicas, todavia, também traz preocupações quanto ao

valor histórico e estratégico do campo e quanto à falta de coerência, identidade e propósitos

coletivos para a área de EA.

No Brasil, ao observarem a diversidade de atores, de concepções, práticas e posições

político-pedagógicas e o dinamismo que articula esses elementos, Layrargues e Lima (2011;

2014) identificaram três macrotendências convivendo e disputando a hegemonia simbólica e

objetiva do campo da EA: as macrotendências conservacionista, pragmática e crítica.

A macrotendência conservacionista possui um viés histórico, uma vez que foi a partir

dela que se iniciou a EA no Brasil. Essa tendência envolve a mudança de comportamentos

para a conservação da natureza e dos recursos naturais e estabelece uma relação afetiva entre

ser humano e natureza. Contudo, compreende o ser humano externo à natureza e,

consequentemente, não questiona a estrutura social vigente, tornando as mudanças

comportamentais vazias de reflexão. Forte e bem consolidada, a tendência conservacionista se

encontra atualizada sob as expressões que vinculam EA à “pauta verde”, como

biodiversidade, ecoturismo, unidades de conservação e biomas específicos, mas não parece

ser a tendência hegemônica no campo na primeira década do século XXI. Segundo

Layrargues (2012) esta macrotendência mantém relação com filosofia da natureza, ecologia

profunda, eco espiritualidade.

A macrotendência pragmática tem por base o ambientalismo de resultados,

reforçando também a mudança de ações em prol de uma conservação ambiental mascarada,

uma vez que está ligada ao neoliberalismo e não questiona o modelo de sociedade do

consumo, maior causador da crise ambiental. Essa ausência de reflexão deriva da crença na

neutralidade da ciência e da tecnologia e resulta em uma percepção superficial e despolitizada

das relações sociais e de suas interações com o ambiente (LAYRARGUES, 2012). A lógica

do mercado domina sobre as outras esferas sociais e a ideologia do consumo é a principal

utopia. São termos comuns o consumo sustentável, a economia e consumo verde,

responsabilidade socioambiental, certificações, mecanismos de desenvolvimento limpo e

ecoeficiência produtiva. Esta é a tendência hegemônica na EA atualmente. Layrargues e Lima

(2014) reconhecem que as vertentes conservacionista e pragmática representam duas

tendências e dois momentos de uma mesma linhagem de pensamento, o conservador, que se

atualizou em função das transformações do mundo contemporâneo. A vertente

conservacionista foi se ajustando às injunções econômicas e políticas do momento até ganhar

a face modernizada, neoliberal e pragmática que hoje a caracteriza.

Já a macrotendência crítica questiona as desigualdades e as injustiças

socioambientais, procurando problematizar as contradições dos modelos de desenvolvimento

e de sociedade. Compreendendo o ser humano como integrante da natureza, defende que a

mudança ambiental não caminha separada da mudança social e cultural. Se nutre do

pensamento Freireano, Educação Popular, Teoria Crítica, Marxismo e Ecologia Política

(LAYRARGUES, 2012). Em decorrência dessa perspectiva, conceitos-chave como cidadania,

democracia, participação, emancipação, conflito, justiça ambiental e transformação social são

introduzidos no debate (LAYRARGUES e LIMA, 2014). Os autores destacam que a EA

Crítica cresceu significativamente na última década, notadamente no âmbito acadêmico, e que

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tem mostrado grande vitalidade para sair da condição de contra hegemonia e ocupar um lugar

central no campo, atualmente ocupado pela macrotendência pragmática.

Apesar do crescimento da EA crítica no âmbito acadêmico, autores como Guimarães

(2004), Loureiro (2006), Lorenzetti (2008), Torres (2010) e Layrargues (2012) sinalizam

distanciamentos entre conhecimentos produzidos no âmbito acadêmico e as diversas ações

concretas da vivência pedagógica em EA. Sob esta ótica, Layrargues (2012) afirma que a EA

brasileira se encontra em um período de crise de identidade, manifestada por meio de dois

processos. Primeiro, na contradição entre teoria e prática, originada na armadilha

paradigmática da EA (GUIMARÃES, 2004). Segundo, na dificuldade de se superar o

pensamento e ação pragmática atualmente hegemônica na EA.

É na obra A formação de Educadores Ambientais que Mauro Guimarães (2004)

identifica que a EA existente nas escolas se encontra fragilizada. Para o autor há uma

limitação compreensiva e discursiva dos professores que buscam inserir a dimensão ambiental

na educação, limitação que ele chama de armadilha paradigmática (AP). E, para sua

superação, aponta a necessidade de um esforço concentrado na formação de educadores

ambientais. Concordamos com o autor quando destaca que, muito embora esta categoria tenha

sua gênese com base no distanciamento entre teoria produzida no âmbito acadêmico e prática

dos professores, suas reflexões se estendem aos educadores em geral e para além do contexto

escolar.

Diante da crise de identidade da EA brasileira anunciada por Layrargues (2012) e da

carência na formação de educadores ambientais em uma perspectiva crítica anunciada por

Guimarães (2004), torna-se importante pesquisar formas de enfrentamento dessas demandas

da área. Acreditamos que uma das possibilidades nessa direção seria melhor compreender em

que consiste a categoria AP de EA e como vem sendo compreendida, uma vez que, sua

superação, segundo o autor, sugere possibilidades de construção de novas práticas educativas

ambientais, na direção de uma EA crítica. Portanto, as perguntas que norteiam o

desenvolvimento desta pesquisa são: em que consiste a categoria armadilha paradigmática

de EA na concepção do autor e na concepção de outros pesquisadores da área? Quais os

contextos e usos dessa categoria nas pesquisas em EA? As pesquisas em EA investigadas

propõem superação da armadilha paradigmática?

2. Procedimentos Metodológicos

Inicialmente foi realizada uma revisão da literatura com leitura e sistematização de

ideias, com o objetivo de compreensão e explicitação dos fundamentos que giram em torno da

categoria AP (GUIMARÃES, 2004; 2011; 2014).

Tendo também como objeto de investigação as publicações científicas da área de EA

que utilizam a categoria AP, inicialmente foram identificados os periódicos científicos de EA

com circulação nacional. Foram selecionados os periódicos online de acesso livre, em língua

portuguesa e com o escopo voltado para a produção de conhecimentos no campo da EA, que

possuem Qualis com avaliação na área de Ensino, no âmbito da plataforma Sucupira/Capes

em 2015. Assim, foram selecionados oito periódicos para a análise: Ambiente & Educação,

Educação Ambiental em Ação, Pesquisa em Educação Ambiental, Revista Brasileira de

Educação Ambiental, Revista de Comunicação e Educação Ambiental, Revista Eletrônica do

Mestrado de Educação Ambiental, Revista Eletrônica em Gestão, Educação e Tecnologia

Ambiental e Revista Monografias Ambientais. Estas revistas são importantes meios de

divulgação das pesquisas da área de EA.

A partir dessa seleção, partimos para a procura das publicações científicas nos sites

dos periódicos. Buscamos a palavra-chave “armadilha paradigmática” nos buscadores

internos dos periódicos. O levantamento ocorreu pela presença da palavra-chave no texto

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completo. Dentre os oito periódicos analisados, quatro continham artigos relacionados ao

tema, totalizando doze artigos publicados entre 2006 e 2016. Três destes artigos continham a

palavra-chave apenas em suas referências e por isso foram retirados da análise. Os nove

artigos selecionados foram identificados a partir do sistema alfanumérico: A1, A2, A3, ..., A9

(A= Artigo) e encontram-se listados no apêndice 1.

A próxima etapa consistiu na leitura dos trabalhos completos a fim de analisar os

contextos e usos que os pesquisadores de EA vêm fazendo da categoria AP e se esses

trabalhos trazem propostas para a superação da armadilha. Por contextos entendemos os

ambientes escolar e não escolar.

3. A armadilha paradigmática na EA

Segundo Guimarães (2004), os professores, na escola ou em formação, são aqueles

que estão prisioneiros na AP da sociedade moderna. Nesse contexto, como proposta para a

formação de educadores ambientais, o autor destaca como um dos eixos formativos, trabalhar

o esforço de ruptura da AP.

Ao buscarmos a origem da categoria AP percebemos que Guimarães (2011) toma

como ponto de partida a crise ambiental que vivemos hoje, uma crise de um modelo de

sociedade e de seus paradigmas, modelo que apresenta um caminho único a seguir.

Para o autor, baseado no conceito de paradigma de Edgar Morin1, os paradigmas

tendem a nos levar a pensar e agir de acordo com algo pré-estabelecido que é consolidado por

uma visão de mundo que nos leva a confirmar uma racionalidade dominante. Eles orientam

inconscientemente nossa compreensão e ação, individual e coletiva, no mundo. E é essa visão

de mundo construída por uma perspectiva cientificista, geradora da separação dos homens

com a natureza, que se manifesta na crise ambiental vivida hoje, “criando uma dinâmica que

se auto perpetua e é reprodutora de uma realidade já estabelecida” (GUIMARÃES, 2011, p.

22):

Os paradigmas da sociedade moderna, chamados por Morin de paradigmas

da disjunção por simplificar e reduzir a compreensão da realidade, limitam o

entendimento do meio ambiente em sua complexidade. Essa compreensão do

mundo não vem dando conta para estabelecer uma relação equilibrada entre

essa sociedade e a natureza, o que se manifesta pela crise ambiental

(GUIMARÃES, 2011, p. 22).

Essa abordagem reduzida e essa simplificação na análise e compreensão do real que,

para Guimarães (2012), é importante para a manutenção de um status quo, leva a uma

compreensão inadequada da complexa problemática ambiental. Diante disso, não superar essa

lógica de pensar e agir sobre o mundo, é para Guimarães (2012), estar aprisionado de forma

inconsciente a uma AP.

A AP, ao limitar nossa compreensão de mundo, nos incapacita para fazer diferente e

tende a gerar uma prática em EA com caráter ingênuo e conservador. Ingênuo, que por ser

reduzido, não percebe os conflitos e as relações de poder que produzem a realidade

socioambiental. Conservador, por ser limitado e incapaz de transformações significativas

dessa realidade. Sob esta ótica, os professores, que são formados em uma perspectiva

conservadora de educação que reproduz e é reproduzida na AP, apesar de bem-intencionados,

apresentam uma prática informada pelos paradigmas da sociedade moderna (GUIMARÃES,

2011). Neste contexto, o autor explicita o que entende por AP:

1 Estruturas de pensamento que, de modo inconsciente, comandam nosso discurso (MORIN, 1997 apud

GUIMARÃES, 2011, p. 20).

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É a essa dinâmica que estou chamando de armadilha paradigmática, quando

por uma “limitação compreensiva e uma incapacidade discursiva” (Viégas,

2002), o educador por estar atrelado a uma visão (paradigmática)

fragmentária, simplista e reduzida da realidade, manifesta

(inconscientemente) uma compreensão limitada da problemática ambiental e

que se expressa por uma incapacidade discursiva que informa uma prática

pedagógica fragilizada de educação ambiental, produzindo o que Grün

(1996) chamou de pedagogia redundante. Essa prática pedagógica presa à

armadilha pedagógica não se apresenta apta a fazer diferente e tende a

reproduzir as concepções tradicionais do processo educativo, baseadas nos

paradigmas da sociedade moderna. Dessa forma, se mostra pouco eficaz para

intervir significativamente no processo de transformação da realidade

socioambiental para a superação dos problemas e a construção de uma nova

sociedade ambientalmente sustentável (GUIMARÃES, 2011, p. 23-24).

Os professores, presos inconscientemente à armadilha, tendem à reprodução de

práticas educativas comportamentalistas, acreditando que transmitindo aos educandos os

conhecimentos necessários e provocando neles uma sensibilização pela questão ambiental

podem transformar seus comportamentos ditos incorretos. Nessa lógica, ao final, teremos

como resultado da soma destes indivíduos transformados, uma sociedade transformada.

Guimarães (2004) usa a metáfora da correnteza de um rio para demonstrar o esforço

que os professores precisam fazer na ruptura com a AP: “se não houver, de nossa parte, um

esforço para mudarmos de rumo, seremos empurrados e seguiremos na direção da correnteza”

(GUIMARÃES, 2004, p.124). O autor, tomando como referência Paulo Freire, acredita que

uma forma de romper com essa armadilha se dá através da reflexão crítica que se realiza na

práxis, por ser radical e questionadora de uma realidade pré-determinada.

Nesse movimento contra a corrente, Guimarães (2004) aposta no potencial da EA em

sua vertente crítica como força propulsora que pode contribuir de maneira efetiva para a

formação de educadores ambientais com condições de romper com a AP. A EA crítica tem

este potencial, por estar voltada para um processo educativo desvelador e desconstrutor dos

paradigmas da sociedade moderna e comprometido com o processo de transformações da

realidade socioambiental (GUIMARÃES, 2011). Com efeito, nos perguntamos qual EA

Crítica daria conta da superação da AP?

4. A Armadilha paradigmática nas pesquisas em EA

Neste item apresentamos pesquisas em EA que fazem menção à categoria AP, tendo

em vista investigar os contextos e usos do termo pelos pesquisadores em EA, bem como suas

propostas de superação.

O trabalho de A1 apresenta o Grupo de Pesquisa e Estudos em Educação Ambiental,

Diversidade e Sustentabilidade (GEPEADS) da Universidade Federal Rural do Rio de

Janeiro, que atua em dois campi da Instituição. O grupo trabalha com a “[...] inserção da

reflexão sobre a relação Educação – Meio Ambiente – Sociedade no contexto da formação de

Ensino Superior em sua tríplice vertente – Ensino-Pesquisa-Extensão [...]”.

Os trabalhos desenvolvidos pelo GEPEADS se encontram demarcados pela vertente

Crítica da EA, na qual os pesquisadores do grupo se debruçam na tentativa de estabelecer

uma identidade. Nesse percurso, destacam a importância dos espaços de formação de

educadores em caráter formal e não formal que, baseada nessa vertente, buscam a superação

da AP. Como fundamentação teórica, os autores compreendem a atualidade como um

momento de crise socioambiental, cujo referencial de apoio se encontra em Morin, com as

categorias racionalidade instrumental e paradigma da disjunção, e concebem a superação

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dessa realidade a partir da práxis trazida pelo referencial freireano, compreendendo a

mudança através da transformação social e da emancipação dos sujeitos. Assim,

compreendem como “[...] princípio metodológico para a realização de uma educação

ambiental crítica, uma práxis educativa de intervenção sobre a realidade [...]” (A1) que deve

promover um espaço de formação que leve à superação do “[...] comportamento individual

inconsciente, para práticas coletivas conscientes [...]” (A1).

Nesse sentido, o uso da categoria AP por A1 parece ir ao encontro da proposta e dos

referenciais teóricos trazidos por Guimarães (2004) e, dentro do contexto escolar e não

escolar de educação, propõe a superação da AP através da formação de educadores

ambientais, com destaque para o potencial presente na tríade Ensino-Pesquisa-Extensão no

Ensino Superior.

A2 traz um relato de experiência de práticas de EA realizadas no Museu de

Astronomia e Ciências afins (MAST) no Rio de Janeiro, que funciona como um centro

atuante na pesquisa e intercâmbio científico, treinamento, formação e aperfeiçoamento no

âmbito da Ciência e Tecnologia. Os autores defendem a incorporação da problemática

socioambiental pelos diversos setores da sociedade que, em conjunto com a Escola, poderiam

realizar uma prática educativa mais efetiva. Devido a influência da ciência e da tecnologia na

chamada crise ambiental, apostam que a articulação da Educação em Ciências com a EA

Crítica poderia ser uma grande contribuição para a área. Além disso, defendem que a

associação do ensino formal ao ensino não formal, no caso, através do MAST, seria uma

parceria interessante, pois tendo este último uma flexibilidade espaço-tempo maior do que a

Escola, haveria maior possibilidade de exercício da transdisciplinaridade e contextualização

que o tema exige. De acordo com os autores, com essas ações, a partir do referencial

moriniano da complexidade e do diálogo, torna-se possível a superação da AP. Os museus devem ser “ambientes educativos” (Guimarães, 2004) propícios à

vivência de experiências significativas em uma abordagem relacional, apta à

superação de uma “armadilha paradigmática” (Guimarães, 2004) presente

dominantemente nos processos educativos, proporcionando a construção de

conhecimentos, opiniões, visões de mundo na perspectiva da complexidade

(A2).

Assim, alicerçado no referencial moriniano de complexidade, A2 sugere uma possível

superação da AP a partir das articulações entre EA-Educação em Ciências e Ensino formal-

Ensino não formal. Para isso, aposta na complementaridade desses espaços formativos tanto

para formação de estudantes, quanto para a formação inicial e continuada de educadores

ambientais.

O artigo A3 apresenta uma discussão que tem por objeto a descoberta, apreensão e

decodificação dos desafios pedagógicos inerentes à pós-modernidade, mais especificamente

no ensino superior do turismo. Seu objetivo é a emersão de uma fenomenologia docente rumo

a uma nova racionalidade que privilegie o bem-estar psicossocial e econômico de todos os

seres humanos. Fazendo uso do referencial moriniano, a autora utiliza-se da categoria AP ao

discutir a intenção de reunir as urgências socioambientais nos currículos oficiais, através da

inserção transversal da EA em todas as disciplinas e cursos oficiais. Para a autora: Destarte, tal intenção nobre esbarra novamente na dificuldade encontrada

por parte dos docentes quanto ao processo didático-pedagógico adjacente ao

raciocínio/ação interdisciplinar (Pedagogia Acadêmica) e transdisciplinar

(Pedagogia Humana) em sala de aula – o que Guimarães (2004) denomina

em E.A. como “limitação compreensiva e incapacidade discursiva” - datum

da “sociedade dos especialistas” no contexto das questões socioambientais,

cujos interstícios estão presentes, ainda, até mesmo na formação inicial dos

futuros professores (licenciatura) (ANDRÉ et al., 1999) e na pós-graduação

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lato sensu - neste último caso, em se tratando dos professores universitários

(A3).

Aqui a autora entende que, no âmbito do ensino superior do turismo, o único caminho

viável para a superação da AP é uma proposta emancipatória de formação de professores e,

para tanto, conclui sua discussão apresentando alguns dos eixos formativos que Guimarães

(2004) propõe para a formação de educadores ambientais no contexto da formação no

turismo.

O artigo A4 discute como a EA pode contribuir na formação de cidadãos conscientes.

Para a autora do trabalho a EA crítica é um caminho para a formação cidadã, a ecocidadania.

Ela destaca alguns pontos importantes para essa formação como a politização do que acontece

no mundo e o estímulo dos educandos para uma aprendizagem em favor de uma ética

ambiental e cidadã. Propõe aos educadores que abandonem a escola informativa e adotem

uma escola formativa para o desenvolvimento da consciência ambiental. Ela destaca que o

papel do educador é ajudar os educandos a ver, compreender, expressar, descobrir e assumir a

realidade que eles vivem. De acordo com a autora, os educadores através um processo

pedagógico aberto, democrático e dialógico com os alunos, com a escola e com a comunidade

podem romper com a AP da força hegemônica de segmentos sociais dominantes.

No artigo, em alguns momentos, parece que a própria autora se encontra em uma AP

já que discute um referencial crítico de EA para a formação da cidadania, mas quando destaca

algumas ações da prática pedagógica, estas são comportamentalistas: Para chegar a esses ideais o desenvolvimento sobre esses assuntos a

mudança comportamental precisa ser delineada por uma educação que além

de específica deve ser interdisciplinar no ambiente escolar [...] Dessa forma

a participação dos educadores na construção de meios pedagógicos que

inserem o educando no desenvolvimento de comportamentos voltados para a

cidadania é essencial [...] (A4, grifo nosso).

Nesse contexto, em A4, a autora considera que os professores são capazes de fazer

com que seus alunos superem a AP não apenas por intervenções, mas por conscientização e

sensibilização promovendo o sentimento de pertencimento à natureza.

No artigo A5 os autores consideram a formação crítica de educadores ambientais um

dos instrumentos necessários para compor a intervenção pedagógica sobre a atual

problemática socioambiental. Sob esta ótica, descrevem uma oficina realizada com

graduandos de Licenciatura em Ciências Agrícolas da Universidade Federal Rural do Rio de

Janeiro que teve como objetivo promover um momento de reflexão individual e conjunta

sobre a problemática socioambiental, incentivando os participantes a uma prática de

intervenção pedagógica sobre a realidade local/global. Para eles as propostas de intervenção

elaboradas pelos graduandos evidenciaram preocupação com as questões socioambientais,

embora tenham sido frágeis e até ingênuas. Acreditam que isso se justifica por se tratar de

estudantes em processo de graduação que, como os mesmos relataram, pouco ou quase nada

discutem sobre meio ambiente e EA por um viés crítico em seu curso de graduação e em sua

trajetória escolar. Destacam ainda, que a AP cria mecanismos de reprodução, utilizando-se da

crença de que a simples mudança de hábitos, a eficiência tecnológica e as tecnologias limpas

são suficientes para a salvação do planeta. Segundo os autores: Essa armadilha acaba por corroborar com que os educadores caminhem

ingênua e alienadamente, uma vez que se dicotomiza ou, de modo simples,

se exclui ou se oculta a relação dialética entre sociedade e meio ambiente.

Dessa forma, a Educação Ambiental de caráter conservador é

ideologicamente produzida pela lógica do capital e institucionalizada na

escola, onde os professores, de maneira ingênua, reproduzem-na, caindo na

“armadilha paradigmática” tão presente nas práticas escolares, cuja função

social, nesse caso, é, sobretudo, manter e legitimar o status quo (A5).

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Neste trabalho as autoras entendem que a superação da AP se dá pela formação de

educadores ambientais em uma perspectiva freireana e crítico-transformadora.

Os autores de A6 associam as reflexões do movimento Ciência, Tecnologia, Sociedade

e Ambiente com a EA Crítica ao apresentarem os resultados de uma pesquisa realizada com

público espontâneo da exposição Energia Nuclear, na Casa da Ciência da Universidade

Federal do Rio de Janeiro. Ao analisar a percepção ambiental de adultos e crianças constatam

a existência de três ideias centrais associadas a paradigmas distintos: a mudança

comportamental soluciona os problemas ambientais; a resolução das questões socioambientais

se deve a decisões racionais; e o desenvolvimento deve ser pensado a partir de bases

sustentáveis e das necessidades locais. Ao discutirem seus resultados observam a emergência

de um novo paradigma pautado pela lógica ambiental, mas também concluem que AP inibem

a percepção da complexidade da problemática ambiental conforme discutem abaixo: Outro aspecto identificado foi à existência de uma “armadilha

paradigmática”, associada à concepção de Guimarães (2006), que se

apresentou a partir da ideia de que “a mudança comportamental soluciona os

problemas ambientais”, ou seja, apesar do discurso diagnosticar a crise

ambiental entende a mudança comportamental como uma forma de

solucionar os problemas socioambientais, reduzindo a amplitude da questão

ao âmbito das mudanças de atitude individuais (A6).

Aqui os autores extrapolam a AP para o contexto da sociedade, observando uma

limitação discursiva dos entrevistados que em geral, acreditam que com a transformação de

comportamentos ditos incorretos teremos a solução dos problemas ambientais. Apontam a

existência da AP nos discursos dos visitantes mas não sinalizam de que formas ela pode ser

superada.

O estudo A7 apresenta uma síntese das questões e discussões realizadas no GPD

Educação Ambiental no Contexto Escolar durante o VIII Encontro de Pesquisa em Educação

Ambiental, as quais giraram em torno dos seguintes aspectos: abordagens teórico-

metodológicas, currículo, políticas públicas, formação de professores, EA crítica e programas

implementados no contexto escolar. Busca refletir sobre o que foi identificado e apresenta

encaminhamentos que possam indicar contribuições para os pensares e fazeres que

constituíram os caminhos e dilemas debatidos. Os trabalhos apresentados foram classificados

em seis eixos, um deles sobre “Concepções e representações de meio ambiente e EA de

alunos e professores” menciona: Se faz mister avançar no sentido do que fazer com essas concepções, pois,

ainda está presente a visão dicotômica, apesar de que, quando consultados,

professores e alunos apresentam o conceito complexo-integrado do ambiente,

no entanto, ainda não se evidencia nas práticas desenvolvidas na escola,

avanços significativos na formação ambiental dos estudantes, aqui podemos

inferir que se trata do que Mauro Guimarães denomina de Armadilha

Paradigmática. O que se constitui um grande dilema, visto que os

pesquisadores ficam no discurso não intencional - aquele que é dito sem que

conheça, a fundo, o assunto abordado (A7, grifo nosso).

As autoras sinalizam que, muito embora, professores e alunos apresentem um conceito

complexo-integrado de meio ambiente, não se evidencia nas práticas desenvolvidas na escola

avanços significativos na formação ambiental dos estudantes - o que elas relacionam com a

AP. Elas também sinalizam que os pesquisadores (autores dos trabalhos apresentados) podem

não conhecer a fundo o assunto. Portanto, alunos, professores e pesquisadores podem estar

em uma AP. Assim, em A7 o contexto em que a categoria AP emerge é o ambiente escolar, é

utilizada para sinalizar que a AP parece estar atrelada ao fato de haver uma intencionalidade

de desenvolvimento de práticas educativas ambientais voltadas à conscientização e também à

mudanças comportamentais, mas que o discurso pode ficar limitado à uma visão ingênua de

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realidade, causando uma compreensão limitada da problemática ambiental. O trabalho A7 não

propõe formas de superação da AP, muito embora, concorde que “para o processo formativo,

em uma vertente crítica, romper com essa armadilha é oportunizar uma reflexão crítica em

práticas diferenciadas de intervenção na realidade, que possam, pela intencionalidade da

construção de outra realidade, manifestar uma práxis pedagógica (A7)”.

O artigo A8 traz uma síntese das discussões e encaminhamentos relativos ao Grupo de

Discussão de Pesquisa em “Educação Ambiental e Formação de Educadores/Professores”

constituído durante o VII EPEA onde foi debatida a relação colaborativa entre a universidade

e a escola na formação do educador ambiental, a inserção da dimensão socioambiental na

formação inicial e continuada, os referenciais teóricos que podem subsidiar a pretendida

formação e, as políticas públicas de EA. Os autores de A8, ao discorrerem sobre a relação

entre pesquisa em EA e formação de educadores ambientais com base nos artigos de pesquisa

inscritos no GDP, destacam a EA crítica como possibilidade de superação do distanciamento

entre trabalhos que apontam a práxis e a participação como elementos fundantes da formação

dos educadores e àqueles voltados apenas à sensibilização em que a EA “é vista como um

treinamento, com atividades pontuais, estanques, sem maiores reflexões com o todo, não

abarcando a complexidade socioambiental” (A8). Para compreender a complexidade da questão socioambiental a partir da

prática da educação ambiental, é preciso superar e romper com a perspectiva

tradicional de Educação, que perpetua a hegemonia conservadora no fazer

educativo, em que os educadores têm uma compreensão reduzida da questão e

acabam por reproduzir práticas ingênuas.

Vale enfatizar que essa armadilha paradigmática cria mecanismos de

reprodução, utilizando-se da crença de que a simples mudança de hábitos, a

eficiência tecnológica e as tecnologias limpas do assim designado

desenvolvimento sustentável, são suficientes para a salvação do planeta. Essa

armadilha acaba por corroborar para que os educadores caminhem ingênua e

alienadamente, uma vez que a relação dialética entre sociedade e meio

ambiente – diante de tal armadilha – se traduz numa dicotomia ou

simplesmente desaparece (A8).

Portanto, em A8, o contexto da pesquisa se volta à discussão sobre a formação de

educadores ambientais, mais especificamente, em âmbito escolar, em que a AP é usada para

sinalizar um limite dos educadores que têm uma compreensão reduzida da questão e acabam

por reproduzir práticas ingênuas. Os autores apontam a superação da AP através da realização

de processos formativos de EA crítica viabilizados nos cursos de formação inicial de

professores.

O estudo A9 apresenta algumas aproximações entre Estética, EA e a Epistemologia da

Complexidade de Morin. O objetivo das autoras foi contribuir com o entendimento da

situação socioambiental vigente, acreditando que as transformações dos valores éticos e

estéticos modificam atitudes e comportamentos nas relações dos sujeitos com o meio

ambiente. Ao discorrerem sobre a Complexidade (com base em Morin) e EA (Sato e

Layrargues) sinalizam que há atividades de EA que apresentam uma concepção conservadora,

dicotomizando ser humano e natureza. A razão disso, segundo Guimarães (2004), é que essas práticas estão presas a

uma armadilha paradigmática, ou seja, inconscientemente uma visão

preponderante de mundo controla os modos de pensar e agir da sociedade,

visíveis através dos próprios movimentos dominantes nela revelados (A9,

grifo nosso).

Para as autoras, essas práticas estão presas à uma AP pelo fato de existir uma visão de

mundo que controla os modos de pensar e agir da sociedade, inconscientemente. Portanto, a

categoria AP aqui se relaciona com o pensar e o agir. E se este agir é limitado é porque o

pensar também o é. Acreditam que a superação da armadilha se dá como uma das tarefas mais

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instigantes da EA, a de redirecionar o indivíduo para a sua inerente capacidade criativa e

dialógica, afastando-o de uma percepção de mundo puramente racional.

5. Considerações Finais

A pesquisa teve como objetivos compreender em que consiste a categoria armadilha

paradigmática na Educação Ambiental e como ela vem sendo compreendida em publicações

científicas da área. Nos artigos analisados investigamos os contextos e usos que os

pesquisadores vêm fazendo da categoria AP e se esses trabalhos trazem propostas para a sua

superação.

Em relação aos contextos e usos em que se situa a AP nos trabalhos analisados, a

maioria se encontra em âmbito escolar (A3, A4, A5, A7 e A8). Dos nove trabalhos, dois (A1

e A2) trazem a articulação da EA escolar e não escolar como um fator importante para a

superação da AP, enquanto outros dois, A6 e A9, não abordam o contexto escolar. Mais

pontualmente, identificamos que no trabalho A3 a AP está nos professores que atuam no

Ensino Superior e em A5, está nos alunos em formação inicial. Dois trabalhos, A7 e A8,

apresentam os Grupos de Discussão de Pesquisa constituídos no EPEA: um deles sobre EA

no Contexto Escolar, em que os autores consideram que alunos, professores e pesquisadores

se encontram na AP e, no outro, sobre EA e Formação de Educadores/Professores, a AP

resulta de uma concepção tradicional de educação, que leva os educadores à uma

compreensão limitada das questões ambientais e, consequentemente, à práticas educativas

ingênuas. Duas pesquisas, A2 e A6, situam os museus como espaço para o desenvolvimento

de EA. Em A2, para os autores, a AP se encontra nos processos educativos em geral. Já em

A6, a AP aparece nos discursos dos entrevistados espontâneos que frequentaram o museu no

período da pesquisa, os quais acreditam que a mudança comportamental soluciona os

problemas ambientais. O trabalho A4 aborda a AP no contexto da Educação Básica, em que

os alunos se encontram presos à AP. Por fim, A9 considera que visões antropocêntricas de

mundo presentes na sociedade conduzem à práticas de EA que, por sua vez, se encontram

presas à uma AP. De modo geral, os contextos e usos da AP, nos trabalhos analisados,

referem-se ao contexto escolar e não escolar, conforme Guimarães (2004) sinaliza.

Identificamos que a AP, segundo os autores dos trabalhos, podem estar nos alunos,

professores e pesquisadores, tanto da educação básica, quanto do ensino superior, bem como

na sociedade em geral.

No que se refere à proposta de superação da AP, identificamos que a maioria dos

trabalhos (A1, A2, A3, A5 e A8) apostam no investimento da formação de educadores

ambientais. Destes, três (A1, A2 e A8) defendem a inserção da perspectiva de EA crítica

nessa formação. A5 aposta na perspectiva freireana, trazendo a necessidade de uma formação

em EA crítico-transformadora e, A3 traz uma proposta emancipatória de formação de

professores de acordo com os eixos formativos de Guimarães (2004). Outra possibilidade de

superação da AP surge no trabalho A4 com a proposta de formação de estudantes, com

enfoque na ecocidadania. Uma última possibilidade de superação aparece em A9, com a

proposição da incorporação dos valores éticos e estéticos na EA. Dois deles, A6 e A7, não

apresentam propostas.

No que se refere às propostas de superação da AP de EA, resulta dos trabalhos

investigados a aposta na formação de educadores ambientais em uma perspectiva crítica. Mas,

como anunciam Layrargues e Lima (2011; 2014) existem várias abordagens críticas no

âmbito da macrotendência de EA Crítica. Com efeito, retomamos a questão feita

anteriormente “qual EA Crítica?” e vamos ao encontro da indicação feita pelo próprio

Guimarães (2004): aquela fundamentada em Paulo Freire. O trabalho A5 também compartilha

desta proposição. Neste contexto, sinalizamos a urgência do desenvolvimento de processos

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formativos de educadores ambientais pautados em uma concepção de EA crítico-

transformadora (LORENZETTI, 2008; TORRES, 2010; LOUREIRO e TORRES, 2014), ou

seja, aquela que envolve para além de alguns pressupostos freireanos de educação,

explicitando uma abordagem teórico-metodológica fundamentada na Investigação e Redução

Temática de Freire (1987) que envolve a formação de educadores, a elaboração de programas

educativos e a efetivação de práticas educativas a partir de contradições sociais vividas

localmente e articuladas à macroestrutura material, social e cultural: a Abordagem Temática

Freireana (DELIZOICOV, 1982; 2008; DELIZOICOV, ANGOTTI, PERNAMBUCO, 2002;

SILVA, 2004). Tal explicitação se encontra em Torres (2010) e Torres, Ferrari e Maestrelli

(2014). Compartilhamos assim, as ideias dos autores de A5 em que a EA Crítico-

Transformadora, visão emancipatória que comunga com as ideias de Paulo Freire, é a

desconstrução da armadilha paradigmática presente no sistema educacional da sociedade

moderna.

Por fim, consideramos igualmente importante tecer articulações teóricas entre a

categoria armadilha paradigmática de EA (GUIMARÃES, 2004) e categorias freireanas, a

exemplo de contextualização, situação-limite, tema gerador, conscientização, dialogicidade

(FREIRE, 1987).

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição nº 1, de 5 de outubro de 1988. Constituição da

República Federativa do Brasil. Brasília, DF.

DELIZOICOV, Demétrio. Concepção Problematizadora do Ensino de Ciências na Educação

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ideológico da Educação Ambiental Brasileira. Revista Contemporânea de Educação, Rio de

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político-pedagógicas da educação ambiental brasileira. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v.

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LAYRARGUES, Philippe Pompier; LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. Mapeando as macro-

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LORENZETTI, Leonir. Estilos de pensamento em educação ambiental: uma análise a partir

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PAYNE, Phillip G.. Framing Research: Conceptualization, Contextualization, Representation

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2009.

SILVA, A. F. G. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas

significativas às práticas contextualizadas. 2004. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-graduação

em Educação e Currículo. Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004.

TORRES, Juliana Rezende. Educação ambiental crítico-transformadora e abordagem

temática Freireana. 2010. 456 f. Tese (Doutorado) - Curso de Pós-graduação em Educação

Científica e Tecnológica, Centro de Ciências Físicas e das Matemáticas, Universidade Federal

de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

TORRES, Juliana Rezende; FERRARI, Nadir; MAESTRELLI, Sylvia Regina Pedrosa.

Educação ambiental crítico-transformadora no contexto escolar: teoria e prática freireana. In:

LOUREIRO, Carlos Frederico B.; TORRES, Juliana Rezende (Org.). Educação Ambiental:

dialogando com Paulo Freire. São Paulo: Cortez, 2014. Cap. 1. p. 13-80.

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APÊNDICE A – Artigos selecionados para a pesquisa

ARAUJO, Maria Inêz Oliveira; MODESTO, Mônica Andrade; SANTOS, Tatiana Ferreira.

Caminhos e dilemas da Educação Ambiental no contexto escolar. Pesquisa em Educação

Ambiental, [s.l.], v. 11, n. 2, p.126-133, 31 out. 2016. Departamento de Educação da

Universidade Estadual Paulista – UNESP.

GUIMARÃES, Mauro QUEIRO , Edileuza Dias de P CIDO, Patrícia de Oliveira.

Reflexões sobre a pesquisa na Formação de professores/educadores ambientais. Pesquisa em

Educação Ambiental, [s.l.], v. 9, n. 1, p.110-119, 18 jun. 2014. Departamento de Educação da

Universidade Estadual Paulista – UNESP.

LEÃO, Morgana. Tradição, modernidade, pós-modernidade e Educação ambiental no ensino

superior do turismo. Educação Ambiental em Ação, Novo Hamburgo, v. 10, n. 37, p.1-14, set.

2011.

MONTEIRO, Renata; SÁNCHEZ, Celso; RODRIGUES, Camila. A percepção

socioambiental do público da exposição “Energia Nuclear” mediante as relações Ciência,

Tecnologia, Sociedade e Ambiente: entre a emergência e a armadilha paradigmática. Revista

Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, Rio Grande, v. 28, n. 1, p.100-113, jan.

2012.

OLIVEIRA, Aline de Sousa. Reflexões sobre a Educação Ambiental: sua contribuição na

formação de cidadãos conscientes. Educação Ambiental em Ação, Novo Hamburgo, v. 10, n.

37, p.1-7, set. 2011.

RODRIGUES, Jéssica do Nascimento; PLÁCIDO, Patrícia de Oliveira. Formação crítica e

práxis de intervenção pedagógica: a análise de uma experiência em Educação Ambiental.

Educação Ambiental em Ação, Novo Hamburgo, v. 11, n. 43, p.1-12, mar. 2013.

SOARES, Ana Maria Dantas; GUIMARÃES, Mauro; OLIVEIRA, Lia Maria Teixeira de.

Grupo de estudos e pesquisa em Educação Ambiental, diversidade e sustentabilidade –

GEPEADS/UFRRJ. Ambiente & Educação, Rio Grande, v. 14, n. 2, p.101-108, ago. 2009.

TAVARES, Claudia Moraes Silveira; BRANDÃO, Claudia Mariza Mattos; SCHMIDT,

Elisabeth Brandão. Estética e Educação Ambiental no paradigma da complexidade. Pesquisa

em Educação Ambiental, Ribeirão Petro, v. 4, n. 1, p.177-193, jan. 2009.

VASCONCELLOS, Maria des Mercês Navarro; GUIMARÃES, Mauro. Educação Ambiental

e Educação em Ciências: um esforço de aproximação em um museu de ciências – MAST.

Ambiente & Educação, Rio Grande, v. 11, n. 1, p.165-174, mar. 2006.

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