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ANAIS

CONGRESSO DO MESTRADO EM

DIREITO E SOCIEDADE DO UNILASALLE

GT – CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS

CANOAS, 2015

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QUILOMBOS DE ORIXIMINÁ: UM RECORTE SOB A PERSPECTIVA DE JUSTIÇA AMBIENTAL

Carolina Weiler Thibes

Wagner de Oliveira Rodrigues

RESUMO: A partir do conceito de justiça ambiental se pretende problematizar a instalação de uma das maiores mineradoras exportadoras de minério do mundo, a Mineração Rio do Norte, no coração da Amazônia, local onde habitam populações tradicionais quilombolas e ribeirinhas. O termo “justiça ambiental” articula ambientalismo com justiça social. Dessa forma, da constatação da injusta distribuição dos custos e dos benefícios da exploração socioambiental, se objetiva traçar um equilíbrio de forças de modo a viabilizar a escuta das vozes ocultas nesse processo desigual. PALAVRAS CHAVE: justiça ambiental; quilombolas; Amazônia. 1 INTRODUÇÃO

A partir do conceito de justiça ambiental se pretende problematizar a

instalação de uma das maiores mineradoras exportadoras de minério do mundo, a

Mineração Rio do Norte, no coração da Amazônia, local onde habitam populações

tradicionais quilombolas e ribeirinhas desde o século XVII, de acordo com relatos

históricos de pessoas da própria localidade (TAVARES: 2006). Assim,

compreender esta população é, também, afirmar o histórico direito de

permanência e identidade nestas terras. O termo “justiça ambiental” articula

ambientalismo com justiça social. Dessa forma, da constatação da injusta

distribuição dos custos e dos benefícios da exploração socioambiental, se objetiva

traçar um equilíbrio de forças de modo a viabilizar a escuta das vozes ocultas

nesse processo desigual.

O presente artigo – um trabalho inicial ao grande tema da injustiça

ambiental associada à convivência de atores sociais na região do Médio e Alto

Rio Trombetas e dos Rios Erepecurú/Cuminã, todos localizados no Município de

Oriximiná, Estado do Pará – se inicia com a definição do conceito de justiça e

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injustiça ambiental para em seguida descrever suscintamente o território onde se

desenvolve a contenda dos negros quilombolas com a empresa de mineração

MRN – Mineradora Rio do Norte S/A, instalada na região desde os anos de 1970

para a extração ostensiva de bauxita e outros minerais com vistas à exportação

destas commodities naturais. Por fim, é narrado um dos casos que envolve a

comunidade quilombola denominada Moura, em Oriximiná com a Mineração Rio

do Norte, salientando medidas e urgências para contemplar os direitos de

existência e dignidade desta população dada a sua história de lutas e tradições

culturais vivificadas até os dias atuais neste vastíssimo município brasileiro. 1

2 CONCEITO DO TERMO “JUSTIÇA AMBIENTAL” E SEU HISTÓRICO

O conceito de “justiça ambiental” busca abarcar alguns princípios

ambientais com as diretrizes do direito e da democracia para que haja uma

definição em que determinados grupos populacionais, naturalmente

vulnerabilizados, não sejam desproporcionalmente atingidos por causa de sua

condição. De acordo com Herculano, in verbis: [...] por justiça ambiental entende-se o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de politicas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais politicas. 2

Complementarmente, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental define o

conceito de “injustiça ambiental” como: [...] o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda,

1 Conforme aduz o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) Oriximiná é um

Município situado no Estado do Pará, localizado na latitude sul em 01º45’56” (próximo à linha do Equador, portanto) e de longitude oeste em 55º51'58", sob baixíssima altitude (46 metros acima do nível do mar) e 107.602,99 quilômetros quadrados de extensão territorial, sendo considerado a terceira maior unidade federativa do planeta e o segundo do Brasil (http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil. php?codmun=150530, acesso em 10.04.2015)

2 HERCULANO, Selene. O Clamor por Justiça Ambiental e Contra o Racismo Ambiental. In: Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. V. 3, n. 1. São Paulo:jan/abril 2008. Artigo 2.

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aos grupos sociais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis.3

Historicamente o movimento por justiça ambiental teve origem nos Estados

Unidos, no final da década de 1970, como desdobramento das lutas pelos direitos

civis do movimento negro norte-americano. No bojo desse processo, em 1982,

moradores da comunidade negra de Warren Country, Carolina do Norte,

descobriram que um aterro para depósito de solo contaminado por PCB

(polychlorinated biphenyls) seria instalado em sua vizinhança. Neste ano, ocorreu

o primeiro protesto nacional organizado pelos afro-americanos contra o que

chamaram de ‘racismo ambiental’. 4 Em torno de 1978, a população negra de Warren Country, Carolina do Norte, iniciou um movimento contra um aterro de resíduos tóxicos de bifenil policlorado. Pouco a pouco, o protesto foi crescendo, até que, em 1982, uma grande manifestação levou a centenas de prisões e ampliou para além das fronteiras do estado o debate sobre a questão.5

A partir de então o movimento negro norte-americano sensibilizou

congressistas e da disseminação dos debates e das denúncias se descobriu que

três quartos dos aterros de resíduos tóxicos da região sudeste dos Estados

Unidos estavam localizados em bairros habitados por negros. Mas foi somente

uma década depois, em 1991, quando ocorreu a I Conferência Nacional de

Lideranças Ambientais de Pessoas de Cor, em Washington, que a noção de

justiça ambiental se ampliou para além dos resíduos perigosos, englobando

também questões relativas à saúde, ao saneamento, ao uso do solo, à segurança

no trabalho, ao transporte, às moradias e, finalmente, à participação da

comunidade nas decisões referentes às politicas públicas. 6

3 Disponível em: www.justicaambienatl.org.br. Acesso em 10 de abril de 2015. 4 HERCULANO, Selene. O Clamor por Justiça Ambiental e Contra o Racismo

Ambiental. In: Revista de Gestão Integrada em Saúde do Trabalho e Meio Ambiente. V. 3, n. 1. São Paulo: jan/abril 2008. Artigo 2.

5 HERCULANO, Selene. PACHECO, Tânia. Introdução: “Racismo Ambiental”, o que é isso?. In: HERCULANO, Selene. PACHECO, Tânia. (organizadores). Racismo Ambienatal. Rio de Janeiro: Editora Fase, 2006. p. 25 e 26.

6 HERCULANO, Selene. PACHECO, Tânia. Introdução: “Racismo Ambiental”, o que é isso?. In: HERCULANO, Selene. PACHECO, Tânia. (organizadores). Racismo Ambienatal. Rio de Janeiro: Editora Fase, 2006. p. 26

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No Brasil, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) foi criada no ano

de 2001, na Universidade Federal Fluminense em Niterói, estado do Rio de

Janeiro, durante a realização do Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental,

Trabalho e Cidadania. A criação da RBJA resulta da iniciativa de movimentos

sociais, sindicatos de trabalhadores/as, ONGs, entidades ambientalistas,

ecologistas, organizações de afrodescendentes e indígenas e pesquisadores/as

universitários/as.7 A realização deste colóquio se configura como uma das

primeiras iniciativas de cunho acadêmico e político, voltada para o tema da justiça

ambiental, a ocorrer no Brasil.

Injustiça social e degradação ambiental são rotineiros no Brasil, país de

extrema desigualdade em termos de distribuição de renda e acesso aos recursos

naturais. Nos Estados Unidos, onde teve inicio o movimento por justiça ambiental,

embora tido como país desenvolvido, também se nota o tratamento diferenciado

em relação às politicas e regulações ambientais. Dessa forma, ao tratarmos do

conceito de justiça ambiental, devemos identificar como as remissões ao meio

ambiente afirmam ou contestam a distribuição de poder sobre o território.8

Henri Acselrad, professor e pesquisador do IPPUR/UFRJ9 e que esteve

presente no Colóquio Internacional sobre Justiça Ambiental, Trabalho e Cidadania

em que foi criada e elaborada a RBJA, questiona como as referências ao meio

ambiente ou à natureza mudam as condições de luta por apropriação do território.

Para Acserlrad é necessário [...] um olhar sobre a questão ambiental que se faça sensível ao papel da diversidade sociocultural e ao conflito entre distintos projetos de apropriação e significação do mundo material. Tal perspectiva é a que parece ser cada vez mais essencial ao delineamento de um quadro analítico capaz de orientar politicas ambientais que apresentem, ao mesmo tempo, atributos de efetividade e de legitimidade democrática. 10

7 Disponível em: www.justicaambiental.org.br. Acesso em 10 de abril de 2015. 8 ACSELRAD, Henri. As Práticas Espaciais e o Campo dos Conflitos Ambientais. In:

ACSELRAD, Henri. (organizador) Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.

9 Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal Fluminense

10 Idem. p. 14

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É nesse contexto, onde se valoriza o espaço simbólico em que os conflitos

ambientais se desenvolvem, que pretendemos introduzir algumas problemáticas

dos quilombolas situados no município de Oriximiná, Pará.

3 QUILOMBOS EM ORIXIMINÁ: CARACTERÍSTICAS E HISTÓRICO DE SEU POVO

O município de Oriximiná está situado na Calha Norte do estado do Pará,

na mesorregião do Baixo Amazonas e microrregião de Óbidos. Esta região abriga

o maior mosaico de áreas protegidas do mundo e concomitantemente, é onde se

localiza uma das maiores mineradoras de bauxita do mundo, a MRN. Neste

território se coadunam a conservação e o desenvolvimento, conforme ilustra o

mapa político na página seguinte.

Os negros quilombolas que vivem nas margens do rio Trombetas e

distribuídos no interior de seus lagos, lagoas, canais e igarapés estão neste

território há mais de dois séculos. Sua presença demográfica e econômica data

de fins do século XVIII. Nessa época, o Baixo Amazonas integrava-se a zonas

produtoras de cacau do mundo colonial, que teve sua exportação incrementada

em função da queda de produção das colônias espanholas. Com a ascensão do

cacau na pauta de exportação colonial do Grão-Pará, geram-se fundos para

aquisição de escravos e incorporação de terras para o empreendimento de cultivo

desse gênero. 11

Através da fuga, os escravos buscavam a liberdade e nos quilombos,

encontravam acolhida e construíam uma nova vida. Desde essa época, a floresta

tem sido o suporte da vida e da liberdade desse povo. Atualmente, os negros

quilombolas de Oriximiná estão organizados em trinta e cinco comunidades cujos

moradores estão ligados por uma extensa rede de parentesco que conecta todos

os núcleos de moradia. 12

11 AZEVEDO, Rosa. CASTRO, Edna. Negros do Trombetas: Guardiões de Matas e

Rios. São Paulo: Editora Cejup, 1998. p. 42 e 47. 12 ANDRADE, Lúcia Mendonça Morato de. Terras Quilombolas em Oriximiná:

pressões e ameaças. São Paulo: Comissão Pró-Indio, 2011. p. 7

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Poucos têm a titulação da terra13, embora estejam, gradativamente, se

articulando politicamente através de associações, como a Associação de

Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná (ARQMO). A titulação é

um procedimento importante, pois dirime eventuais disputas sobre as terras

ocupadas pelas comunidades e delimita a extensão do território.

Município de Oriximiná e fronteiras municipais, estaduais e nacionais.

Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1533189

Além disso, a titulação facilita o acesso a programas e políticas públicas e

recursos governamentais – mas isto não significa uma atuação de fato, o que

suscita a necessidade de um estudo detalhado sobre as condições de vida

13 De acordo com a Comissão Pró-Indio, sete terras quilombolas já têm titulação, onde

vivem trinta e duas comunidades quilombolas (localizadas nos municipios de Oriximiná, Alenquer e Óbidos). Outras trinta e seis comunidades quilombolas (localizadas em Oriximiná, Óbidos, Santarém, Alenquer e Monte Alegre) ainda aguardam pela regularização de suas terras. Disponível em: www.cpisp.org.br. Acesso em 10 de abril de 2015.

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daquela população uma vez que, em viagem realizada pela equipe do

PPGSD/UFF naquela localidade (entre novembro e dezembro de 2014) 14 foram

constatadas escolas e postos de saúde fechados e um sistema de saneamento

básico beirando a condições bastante primitivas de sobrevivência e dignidade

daquelas pessoas em diversas comunidades quilombolas espalhadas ao longo

dos rios já mencionados acima. 4 A MRN E OS DILEMAS DE SUA PRESENÇA COM OS QUILOMBOLAS: CONVIVÊNCIA, CONVENIÊNCIA E RESISTÊNCIA[...]

Foi surpreendente quando a gente soube que a mineradora estava em nossas terras. Uma das coisas que mais nos chateou é que é uma área nossa, estamos lá há centenas de anos e a empresa começou o trabalho e nem sequer conversou com a gente. Nós jamais vamos chegar no território de outro e invadir assim, sem permissão. Ficamos revoltados! A empresa e nem o ICMBio lembrou das comunidades antes de começar os trabalhos. 15

A história da bauxita na Amazônia remonta à década de 1960, quando

foram descobertas as primeiras minas de bauxita no extremo oeste do Pará. Mas

a MRN se instalou efetivamente na Amazônia em 1974 e desde então vem

explorando a região. Diariamente navios transcontinentais chegam a Porto

Trombetas para se abastecer de minério. O desenvolvimento predatório da

mineração causa impactos não apenas ambientais como sociais, modificando os

modos de vida tradicionais daquela população e toda sua relação com o meio. Ao impor sobre os interesses das populações locais as lógicas econômicas e os interesses de países e elites de fora do território, os processos subsequentes de desterritorialização produzem situações de injustiça ambiental que vulnerabilizam as populações afetadas, não somente por colocar sobre os seus ombros vários riscos e cargas, mas por não reconhecer os seus direitos em temas tão fundamentais como a saúde, a terra, os recursos

14 As atividades que deram origem a uma série de trabalhos – a qual inclui este – são

oriundas do projeto CAJUFF – Centro de Assistência Jurídica da Universidade Federal Fluminense, com fomento do Programa de Extensão das Universidades Federais (PROEXT/2014) e sob a coordenação do Prof. Dr. Wilson Madeira Filho (Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense)

15 Fala de Domingos Printes, lideraná do Quilombo Abuí, coordenador da ARQMO e CQMO. Disponível em: www.cpisp.org.br Acesso em 13 de abril de 2015.

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naturais e a própria cultura, expressa na relação material e imaterial com tais recursos. 16

A Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização

Internacional do Trabalho, criado pelo Decreto 5.051/ 2004, se aplica também às

comunidades quilombolas e determina que os direitos aos recursos naturais

existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. O artigo 6o

desta Convenção dispõe: 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes; c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas. [...] (OIT).

Conforme se constata na fala de uma liderança comunitária, não houve

consulta prévia à população e não são disponibilizados meios de participação dos

que ali vivem nos processos decisórios que irão afetar diretamente sua condição

de vida. A Mineração Rio do Norte, entretanto, conta com diversas concessões

de lavra emitidas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral incidentes em

terras quilombolas e cálculos iniciais indicam que cerca de 43.000 hectares das

concessões da MRN estão sobrepostos às terras quilombolas das comunidades

do Alto Trombetas, comunidade do Jamari/Último Quilombo e comunidade do

Moura, todas as três em processo de regularização pelo Incra.17

16 PORTO, Marcelo Firpo de Souza. Complexidade, processos de vulnerabilização e

justice ambiental: um ensaio de epistemologia política. In: Revista Crítica de Ciências Sociais. N. 93. Coimbra: junho 2011. p. 34.

17 Disponível em: www.cpisp.org.br Acesso em 14 de abril de 2015.

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O artigo 15 da Convenção 169 é ainda mais rigoroso e específico ao tratar

dos recursos naturais existentes no território de populaçoes tradicionais, em

especial quanto à minerios e recursos do subsolo: 1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados. 2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos, existentes na terras, os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras. Os povos interessados deverão participar sempre que for possível dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas atividades.

Apesar destas determinações legais, as concessões de lavra e autorização

de pesquisa estão sendo concedidas pelo governo sem consulta às comunidades

tradicionais quilombolas e sem os estudos específicos exigidos sobre o impacto

destes empreendimentos e exploração para a população que ali vive.

Um dos platôs instalados pela MRN na comunidade do Moura já conta com

Licença Ambiental de Operação18 concedida sem consulta prévia à população

quilombola, sem um estudo prévio para avaliar os impactos para essa população

e sem o estabelecimento de medidas mitigatórias e/ou compensatóras pelo

impacto causado aos quilombolas. 19

18 A Licença Ambiental é o ato administrativo mediante o qual o órgão ambiental estabelece as

condições, restrições e medidas de controle ambiental que devem ser obedecidas na localização, instalação, ampliação e operação de empreendimentos ou atividades considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou aqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.Para concessão da Licença Ambiental deverá ser comprovada pelo empreendedor a conformidade do empreendimento ou atividade à legislação municipal de uso e ocupação do solo, mediante certidão ou declaração expedida pelo município. Disponível em: www.inea.rj.gov.br Acesso em: 15 de abril de 2015.

19 Disponível em: www.cpisp.org.br Acesso em 14 de abril de 2015.

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Mapa de platôs da MRN em terras quilombolas

Disponivel em: www.cpisp.org.br Acesso em 14 de abril de 2015.

O que mais pesa, nesta perene realidade, é a compensação através de

medidas compensatórias de natureza clientelista que, fatalmente, desvirtuam o

processo, a integridade das lideranças quilombolas e compromete, numa

perspectiva de futuro, a própria condição humana das pessoas ali residentes –

desejosas de deixarem a identidade quilombola para serem, num futuro insólito,

outra qualquer[...].

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cenário que avistamos é de completa injustiça ambiental, onde o ônus do

desenvolvimento econômico recai sobre estas populações tradicionais, legadas à

invisibilidade diante da injusta disputa de poder (MRN X quilombolas).

Acreditamos, entretanto, que o primeiro passo para a transformação da condição

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de população vulnerável e injustiçada é assumir a condição de sujeitos ativos

capazes de transformar esta condição.

Conforme relatado neste breve artigo, o termo justiça ambiental surgiu nos

Estado Unidos, no bojo da articulação do movimento negro norte-americano. As

populações tradicionais quilombolas, da mesma forma, têm se organizado sob a

forma de Associações, como a ARQMO, e dispõe de instrumentos legais, como a

Convenção 169.

Porém a vulnerabilidade econômica, diante de tantas dificuldades no acesso

a bens básicos de sobrevivência, associada ao desenvolvimento predatório da

mineração e a formas limitadas de constituição de uma cadeia produtiva

sustentável – a coleta da castanha-do-Pará é uma das poucas existentes, além

da pesca – faz com que suas culturas e práticas sejam aos poucos esquecidas.

De certo modo, com a abordagem ao longo dos anos de um cadastro

multifinalitário rural que dê azo às realidades não conhecidas por parte de todos,

vai ser possível identificar que são elas – juntamente com as indígenas e as

ribeirinhas – as mais afetadas pelos impactos de degradação ambiental, fazendo

com que aos poucos as áreas fiquem vazias, estas populações abandonem a sua

territorialidade, história e cultura e as cidades – em particular a sede de Oriximiná,

distante a algumas centenas de quilômetros ao sul para alguns quilombos – os

receba num processo perene de periferização e pauperização urbanas já

existentes desde o final dos anos de 1980, quando a cidade tem o início de seu

boom demográfico e econômico em virtude, justamente, da instalação da MRN

naquela localidade a implantação de outros projetos focados na questão

estratégica nacional – o que nem sempre atende aos ditames da Nação, quiçá

direitos constitucionais de cidadania que deveriam, de igual forma, assistir a

população quilombola não só de Oriximiná mas de qualquer parte do país!

REFERÊNCIAS

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