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    CADERNO DE DEBATES NOVA CARTOGRAFIA SOCIALVOL. 01, N. 02

    Territrios Quilombolas eConfitos

    Alfredo Wagner Berno de AlmeidaIlka Boaventura Leite

    Eliane Cantarino ODwyerRosa Elizabeth Acevedo Marin

    Joo Pacheco de OliveiraRaquel Mombelli

    Ricardo Cid FernandesJoo Batista de Almeida Costa

    Cntia Beatriz MllerDavi Pereira Jr

    Jos Maurcio ArrutiAlex Ratts

    Julie Antoinette CavignacEmmanuel de Almeida Farias Jnior

    Carlos Guilherme do ValleCludia Luz de Oliveira

    Cynthia Carvalho MartinsGuilherme Mansur Dias

    Osvaldo Martins de OliveiraJudith Costa Vieira

    Llian GomesFabio Reis Mota

    Janaina Campos LoboMayra Lafoz Bertussi

    Eliana Teles RodriguesMarlon Aurlio Tapajs Arajo

    Givnia Maria da SilvaGeorge Furtado

    Sebastio Menezes da SilvaJoseline Barreto Trindade

    Mirna Silva OliveiraPaulo H. Carvalho e Silva

    Pedro Teixeira DiamantinoSilvaneide Queiroz

    Ana Paula Comin de Carvalho

    UEA Edies

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    Nova Cartografia Social da Amaznia-PNCSA, 2010.

    Organizadores

    Alfredo Wagner Berno de AlmeidaNCSA/CESTU/UEA, pesquisador CNPq

    Rosa Elizabeth Acevedo MarinNAEA/UFPA

    Ricardo CidUFPR

    Cntia Beatriz MllerUFBA

    C749 Cadernos de debates Nova Cartografia Social: Territrios quilombolas e conflitos /

    Alfredo Wagner Berno de Almeida (Orgs)... [et al]. Manaus: Projeto Nova

    Cartografia Social da Amaznia / UEA Edies, 2010.

    349 p.: il.: 16x23 (Vol. 01, n. 02. )

    ISBN 978-85-7883-147-9

    1. Conflitos Socais Territorialidades Quilombolas I. Almeida, AlfredoWagner Berno de.

    CDU 316.48

    Emmanuel de Almeida Farias JniorNCSA/CESTU/UEA

    EditorEmmanuel de Almeida Farias Jnior

    Design e Diagramaomerson Carlos Pereira da Silva

    CapaDesign Casa 8

    PROJETO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZNIANCSA/CESTU/UEA PPGAS/UFAM FUND. FORD

    PROJETO NOVAS CARTOGRAFIAS ANTROPOLGICAS DA AMAZNIA

    PROJETO TRANSFORMAES SOCIAIS NO RIO MADEIRA

    INSTITUTO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL:REFERNCIA CULTURAL E MAPEAMENTO SOCIAL DEPOVOS E COMUNIDADES TRADICIONAISNCSA/CESTU/UEA

    NCLEO DE PESQUISAS EM TERRITORIALIZAO,IDENTIDADE E MOVIMENTOS SOCIAISCNPq/UEA

    Endereos:

    UFAM

    Rua Jos Paranagu, 200

    Centro.

    Cep.: 69.005-130

    Manaus, AM

    UEA - Edifcio Professor Samuel

    Rua Leonardo Malcher, 1728

    Centro

    Cep.: 69.010-170

    Benchimol. Manaus, AM

    E-mails:

    [email protected]

    [email protected]

    www.novacartografasocial.com

    Fone: (92) 3232-8423

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    PREFCIO

    O Projeto Nova Cartograa Social da Amaznia-PNCSA vem sendo

    executado a partir de uma atividade combinada entre o Projeto NovasCartograas Antropolgicas da Amaznia-PNCAA do Ncleo de Culturae Sociedades Amaznicas-NCSA do Centro de Estudos Superiores doTrpico mido da Universidade do Estado do Amazonas e o Programade Ps-Graduao em Antropologia Social da Universidade Federal doAmazonas. O PNCSA vem sendo coordenado, desde 2005, pelo antroplogoAlfredo Wagner Berno de Almeida, e tem sua expresso nacional expressaatravs do Projeto Nova Cartograa Social do Brasil, que abrange tantoregies amaznicas, quanto do cerrado e da oresta atlntica agrupando

    pesquisadores de diferentes instituies de ensino superior (UEA, UFAM,UFAC, UFPA, UEMA, UFMA, UFSC, UNIR, UNEB, UFBA) e de distintasformaes acadmicas.

    O Grupo de Trabalho sobre Conhecimentos Tradicionais foi criadoem 2007, por socilogos, advogados, agrnomos, gegrafos e antroplogos, etambm funciona informalmente no mbito do prprio PNCSA.

    Uma outra frente de trabalho do PNCSA, vem se dando atravsda articulao entre pesquisadores de instituies de ensino superior eparticipantes de movimentos sociais na Pan-Amaznia, com o objetivo de

    reforar direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais.Um dosresultados desta articulao concerne implementao, desde 2009, dasatividades do Projeto Territrios, Identidades Coletivas e Direitos dos PovosTradicionais face s Intervenes Desenvolvimentistas na Pan-Amazniacoordenado conjuntamente pelos professores Rosa Elizabeth AcevedoMarin(UFPA), Antonio Joo Castrillon Fernandz e Alfredo Wagner Bernode Almeida(UEA).

    At julho de 2010 os produtos deste conjunto de projetos perfaziam

    19 livros, 105 fascculos, 03 mapas-snteses, 03 Boletins Informativos e 14vdeos exibidos pela TV Futura e pelos programas Globo Ecologia e GloboCincia, totalizando mais de 160.000 exemplares.

    O segundo nmero do Vol I Cadernos de Debate Nova CartograaSocial, ora apresentado, focalizando as polmicas relativas s situaes sociaisde conito que afetam as comunidades remanescentes de quilombos, refere-se

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    mais recente iniciativa dos pesquisadores do PNCSA. Com ele objetivamosanalisar tambm os obstculos titulao denitiva das comunidades dequilombos e mapear as diferentes presses contrrias ao cumprimento dos

    dispositivos constitucionais.

    Projeto Nova Cartograa Social da Amaznia-PNCSA - Ncleo Cultura eSociedades Amaznicas-NCSA - Centro de Estudos Superiores do Trpicomido-CESTU - Universidade do Estado do Amazonas-UEA/ Programa de

    Ps-Graduao em Antropologia Social-PPGAS -Universidade Federal do Amazonas-UFAM

    Rua Jos Paranagu, 200 - CentroManaus Amazonas

    Cep: 69005-120

    Telefone/Fax: 55 92 3232-8423

    [email protected]

    [email protected]

    www.novacartograasocial.com

    Territrios, identidades coletivas e direitos dos Povos tradicionais face s

    intervenes desenvolvimentistas na Pan-AmazniaUNAMAZ - SEDE INSTITUCIONAL

    Travessa Trs de Maio, 1573

    So Brs, Belm - Par

    Telefone/fax : 55 91 3229 4478

    Email: [email protected]

    www.novacartograasocial.com

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    SUMRIO

    09 APRESENTAO

    Alfredo Wagner Berno de Almeida

    15 PRIMEIRA PARTE

    17 Humanidades Insurgentes: Conflitos E Criminalizao DosQuilombosIlka Boaventura Leite

    41 Terras De Quilombo No Brasil: Direitos Territoriais EmConstruoEliane Cantarino ODwyer

    49 Estratgias dos Quilombolas de Jambuau e Projetos da ValeS.A. no Moju, ParRosa Elizabeth Acevedo Marin

    62 Quilombos: Memria Social e Metforas dos ConflitosComunidades do Sap do Norte, Esprito SantoOsvaldo Martins de Oliveira

    69 Abrindo os Braos: A Luta Quilombola de So Francisco doParaguau-BoqueiroMirna Silva OliveiraPaulo H. Carvalho e SilvaPedro Teixeira Diamantino

    78 O Quilombo invernada dos Negros (SC)Raquel Mombelli

    88 A Utilizao de Meios Alternativos de Soluo de Conflitos em

    Processos de Territorializao: Casos de Alcntara eMarambaiaCntia Beatriz Mller

    101 Quilombolas de Alcntara na Rota do 4887: Uma Fbula daHistria do Racismo Institucional Negao de Direitos peloEstado Brasileiro!Davi Pereira Jr.

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    109 A Negao do Territrio: Estratgias e Tticas do Processo deExpropriao na MarambaiaJos Maurcio Arruti

    116 Unidades de Conservao, Minerao e Concesso Florestal:Os Interesses Empresariais e a Intruso de TerritriosQuilombolas no Rio TrombetasEmmanuel de Almeida Farias Jnior

    128 A Trajetria Institucional da Comunidade de Remanescentesde Quilombos So Roque, Santa CatarinaRicardo Cid Fernandes

    131 Quilombolas de Acau Terra, Histria e Conflito Social

    no Rio Grande do NorteCarlos Guilherme do Valle

    139 Unidades de Conservao de Proteo Integral e TerritriosQuilombolas em Novo Airo, AmazonasEmmanuel de Almeida Farias Jnior

    153 Resorts e Quilombolas Alianas Polticas e InteressesEconmicos em Sibama (RN)Julie Antoinette Cavignac

    161 Reflexo Preliminar Sobre a Categoria Quilombo emPenalva, Maranho

    Cynthia Carvalho Martins

    169 Quilombolas do Curia: Conflitos Socioambientais noResolvidos com a Criao da Apa do CuriaRosa Elizabeth Acevedo Marin

    Sebastio Menezes da SilvaJoseline Barreto Trindade

    Silvaneide Queiroz

    178 Quem pode ser Quilombola? A (RE) Construo da IdentidadeColetiva do Quilombo do Maic, Santarm, Par

    Judith Costa Vieira

    186 Justia seja feita: Direito Quilombola ao TerritrioLlian Gomes

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    196 La Pense Archipelique E os Direitos Culturais das ComunidadesQuilombolas no Brasil ContemporneoFabio Reis Mota

    204 O Legal e o Local: Relaes de Poder, Conflitos e a Titulao daTerra na Comunidade Quilombola de Palmas/ Bag-RSJanaina Campos Lobo

    Mayra Lafoz Bertussi

    208 Quilombolas do Rio Gurup e a Judicializao da ViolnciaRosa Elizabeth Acevedo Marin

    Eliana Teles RodriguesMarlon Aurlio Tapajs Arajo

    221 Vencer o Racismo Institucional: Desafios da Implementao dasPolticas Pblicas para Comunidades QuilombolasGivnia Maria da Silva

    228 Negros do Norte de Minas: Direitos, Conflitos, Excluso eCriminalizao de QuilombosJoo Batista de Almeida Costa

    Cludia Luz de Oliveira

    235 Observaes Sobre a Situao dos Quilombos em Gois

    Alex RattsGeorge Furtado

    242 Chcara Das Rosas : De Um Territrio Negro A Um Quilombo Urbano

    Ana Paula Comin de Carvalho

    250 Reconhecimento E Diversidade Na Ilha De Saracura, ParGuilherme Mansur Dias

    265 SEGUNDA PARTE Repertrio de documentos produzidos por entidades representativas

    de comunidades quilombolas267 Manifesto pelos Direitos Quilombolas

    Coordenao Nacional de Articulao das Comunidades NegrasRurais Quilombolas (CONAQ)

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    290 As Disputas tnicas pelo Direito s Terras de Quilombos noRio Grande do Sul

    Instituto de Assessoria as Comunidades Remanescentes de

    Quilombos (IACOREQ)295 A Luta das Comunidades Negras Quilombolas do Brasil pela

    Efetivao de seus Direitos Projeto Vida de Negro-PVN/Centro de Cultura Negra-CCN-MA

    301 Repertrio de documentos produzidos por intelectuais eassociaes cientcas

    302 Nota Da Comisso De Assuntos Indgenas-Cai/AbaJoo Pacheco de Oliveira

    306 Nota do Grupo de Trabalho Quilombos da AbaGrupo de Trabalho Quilombos/Associao Brasileira deAntropologia/ABA

    308 Nota Da Sbpc Em Repdio Matria De Veja

    Sociedade Brasileira Para o Progresso da Cincia

    309 Carta ao Supremo Tribunal Federal

    Boaventura de Sousa Santos312 Direitos Constitucionais Dos Quilombos

    Dalmo de Abreu Dallari

    315 TERCEIRA PARTE317 Territrios Quilombolas E Conflitos: comentrios sobre

    povos e comunidades tradicionais atingidos por conflitos deterra e atos de violncia no decorrer de 2009

    Alfredo Wagner Berno de Almeida

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    APRESENTAO

    Alfredo Wagner Berno de Almeida1

    O Caderno de Debates ora apresentado foi pensado como um ins-trumento-sntese de registro e de complemento discusso de temas per-tinentes ao reconhecimento dos direitos constitucionais das comunidadesremanescentes de quilombos, sobretudo dos direitos territoriais. Para nsde exposio foi subdividido em trs partes. A primeira composta de tex-tos que consistem em resultados ou subprodutos de prticas de pesquisa deantroplogos. Trata-se de textos precisos, que tanto evidenciam a fora das

    experincias etnogrcas, quanto se caracterizam por expressar com conci-so os problemas atinentes responsabilidade cientca dos antroplogose dos prossionais das demais formaes acadmicas que colaboram nesteCaderno de Debates.

    A segunda parte composta de um copioso repertrio de documentosproduzidos no decorrer de 2009 e nos primeiros meses de 2010, contradi-tando uma campanha de desterritorializao, que j dura mais de dois anos,perpetrada por interesses associados aos agronegcios, que visa neutralizarou negar os direitos territoriais das comunidades quilombolas, assim como

    reverter suas conquistas. Sucede a esta parte um quadro demonstrativo dasprincipais ocorrncias de conitos sociais, registradas em 2009, que afetamas comunidades quilombolas, acompanhado de uma anlise sucinta de suasimplicaes.

    Considerando a autoria dos textos, distribudos pelas trs partes dopresente Caderno, e a formao acadmica dos autores tem-se um totalde 40 colaboraes, sendo 26 (vinte e seis) de antroplogos, 07 (sete) deprossionais da rea de direito, 02 (duas) de gegrafos, uma de integrantede movimento social quilombola, uma de socilogo, uma de historiadora,

    uma de socilogo e uma de agrnomo. Deste total de colaboradores tem-seque 31 (trinta e um) acham-se referidos institucionalmente a universidadespblicas: sendo 28 (vinte e oito) de universidades federais e 03 (trs) deuniversidades estaduais. As universidades federais de referencia so asseguintes: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade

    1. Antroplogo.Coordenador do PNSCA e do NSCA-CESTU-UEA. Pesquisador CNPq.

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    Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio Grande doSul (UFRGS), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federaldo Par (UFPA), Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade

    Federal do Esprito Santo (UFES), Universidade Federal do Rio Grande doNorte (UFRN), Universidade Federal do Paran (UFPR), UniversidadeFederal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal Fluminense (UFF),Universidade Federal de Gois (UFG), Universidade de Braslia (UnB),Universidade Federal do Oeste do Par (UFOPA) e Universidade Federal doRecncavo da Bahia. As universidades estaduais referem-se a: UniversidadeEstadual do Maranho (UEMA), Universidade do Estado do Amazonas (UEA)e Universidade Estadual de Montes Claros.

    Apenas 01 (um) colaborador acha-se referido a instituio universitria

    privada, a PUC-RJ. H 03 (trs) colaboradores que desenvolvem trabalhosde assessoria junto a movimentos sociais e outros 05 (cinco) que exercemprincipalmente atividades diretamente referidas ao judicirio ou a instituiespertinentes, como o Ministrio Pblico Federal.

    Quanto aos critrios de competncia e saber tem-se que 21 (vinte-e-um) colaboradores possuem doutorado, 02 (dois) so doutorandos, 05 (cinco)so mestres, 08 (oito) so mestrandos. Trs advogados no explicitaramcompletamente o seu grau de formao acadmica, porquanto o exercciode suas atividades prossionais ocorre no mbito do judicirio ou das

    assessorias aos movimentos sociais e aos sindicatos de trabalhadores rurais,que prescindem deste tipo de qualicao. Dois autores, ambos mestrandos,apresentaram-se como quilombolas ou tendo nascido em comunidadesremanescentes de quilombos, onde vivem suas famlias. Um deles atua comomembro de entidade representativa dos quilombolas, a CONAQ, e cursamestrado em universidade pblica. Est implcita nestas informaes umadiviso do trabalho intelectual, distinguindo, em certa medida, os critriosacadmicos daqueles das disciplinas militantes.

    Pode-se armar que, circunstanciando as situaes sociais de conito

    analisadas, os textos apresentados evidenciam um trabalho pluridisciplinar econtam com a colaborao, em pelo menos cinco casos, de prossionais comformao em geograa, histria e direito.

    Na primeira parte tem-se, pois, pequenos textos, numa descrioconcisa de problemas, objetivando possibilitar uma estimativa da dispersodos temas e das agendas em pauta. Referem-se a todas as grandes regies dopas, bem como aos diferentes biomas, abarcando tanto reas de colonizao

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    antiga, quanto aquelas de ocupao recente, ou seja, tanto regies depredomnio de plantations, quanto aquelas consideradas de fronteira, ondeas formas de controle dos recursos naturais no estariam consolidadas em

    termos jurdico-formais.Nesta primeira parte contriburam 25 (vinte e cinco) antroplogos de

    diferentes instituies e regies com projetos de pesquisas e trabalhos de do-cncia em cursos de ps-graduao reconhecidos nacional e inter-nacional-mente. Realizaram trabalhos em cooperao com historiadores, socilogos,advogados e agrnomos. O grau de institucionalizao dos produtores inte-lectuais referidos ao reconhecimento dos quilombos e pol-tica de identida-de correlata, reete o quanto o enfoque da questo constitui um campo espe-cco de produo cientca. Uma das constataes mais usuais nos meandros

    deste campo de reexo que o no reconhecimento ou o reconhecimentoinapropriado dos direitos das comunidades quilombolas pelos rgos gover-namentais pode constituir numa forma de opresso, resultando em conitosocial.

    A ordem de exposio concerne a situaes sociais de conitoprivilegiando ocorrncias de usurpao dos territrios quilombolas seja porinteresses atrelados expanso dos agronegcios, seja por projetos ociais,tais como bases militares (Alcntara, Marambaia, Forte Prncipe da Beira) ebarragens nos rios Madeira e Tocantins em Santana do Munda-AL; seja por

    empresas mineradoras (Jambuau), petrolferas (Rosrio), empreendimentostursticos e resorts (Sibama), indstrias de papel e celulose (Linharinho, SoCristvo, So Somingos e demais comunidades de Sap do Norte-ES, NovaViosa-BA e agropecurias (Parateca-BA, Estiva dos Mafra-MA, Serrano-MA)ou tenses a partir da sobreposio de terras das comunidades remanescentesde quilombos com unidades de conservao (Tambor-AM, Curia-AP, RioTrombetas-PA, So Roque SC).

    A responsabilidade cientca dos antroplogos e as tentativas de de-sautorizao etnogrca e de ilegitimao de seus critrios de competncia

    e saber vem no bojo desta campanha de desterritorializao perpetrada pe-las agroestratgias das entidades patronais e conglomerados industriais, pelasaes jurdicas de partidos polticos da chamada bancada ruralista, pelasformulaes de think tanks conservadores ou grupos de experts da indstriacultural e editorialistas de grandes peridicos e pelos atos de agencias gover-namentais ditas de segurana institucional ou responsveis pela implan--tao de grandes projetos.

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    Na segunda parte intitulada Repertrio de Documentos apresen--taremos uma diversidade de documentos produzidos por entidades repre-sentativas e de apoio s comunidades quilombolas (CONAQ, IACOREQ,

    CCN-MA), que propugnam uma defesa e pronta implementao do Decreton.4.887/2003, assegurando os direitos territoriais dos quilombos nos termosda Constituio Federal de outubro de 1988. Este repertrio inclui tambmpronunciamentos de produtores intelectuais, tais como: carta do socilogoBoaventura de Souza Santos ao STF (Supremo Tribunal Federal) e artigo do

    jurista Dalmo de Abreu Dallari. Inclui ainda manifestaes de antroplogoscom funes denidas em associaes cientcas como a carta de Joo Pa-checo de Oliveira Filho, coordenador da Comisso de Assuntos Indgenasda Associao Brasileira de Antropologia (ABA), e a nota tcnica do GT-

    -Quilombos da ABA, coordenado por Ricardo Cid Fernandes e Cntia BeatrizMuller, referidas matria jornalstica da revista Veja, de 05 de maio de 2010,que busca desautorizar o trabalho dos antroplogos na implementao dos di-reitos territoriais de povos indgenas e quilombolas. Estes documentos foramproduzidos no decorrer dos meses de abril, maio e junho de 2010 mediante apresso conservadora sobre o judicirio por parte de interesses vinculados expanso dos agronegcios, que objetivam exibilizar os direitos territoriaisdas comunidades remanescentes de quilombos.

    Um dos instrumentos para elevar o grau de tenso social tem sido uma

    certa modalidade de tratamento miditico dos conitos sociais que atingemas comunidades quilombolas, resultante de estratgias de comunicaocolocadas em prtica por jornais e revistas de circulao peridica, porinteresses comerciais, atrelados reestruturao formal do mercado deterras, que especulam com as terras pblicas, e por especialistas em meioambiente e questes tnicas coadunados com a lgica dos grandesprojetos (mineradoras, madeireiras, usinas de ferro-gusa, indstrias depapel e celulose, barragens, bases militares, base de lanamento de foguetes,plantaes homogneas de dend, agropecurias, sojicultura em expanso)

    e com sua pretensa racionalidade na explorao dos recursos naturais. Arepetida invocao de modernidade e progresso, que parecia justicar queos agentes sociais atingidos pelos grandes projetos fossem menosprezadosou tratados etnocentricamente como primitivos e sob o rtulo de atraso,tem sido abalada face gravidade de conitos prolongados e eccia dosmovimentos sociais e das entidades ambientalistas em impor novos critriospoltico-organizativos e de conscincia ambiental. So estes critrios que

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    facultam hoje condies de possibilidade para a produo de documentos dediferentes gneros (artigos, cartas, abaixo-assinados, notas tcnicas) contendouma anlise crtica do referido tratamento miditico, evidenciando uma

    quadra de reforo da autoridade antropolgica e dos critrios de competnciae saber adstritos ao conhecimento cientco.

    Na terceira parte tem-se um levantamento das ocorrncias de conitossociais, num quadro demonstrativo, que enumera as comunidades quilombo-las mais diretamente atingidas no decorrer de 2009 de acordo com as infor-maes que circularam na imprensa peridica e no mbito das entidades derepresentao do movimento quilombola. Acompanha tal quadro uma bre-ve interpretao dos conitos, acentuando a eccia da gesto comunitria,atravs do uso comum dos recursos naturais, em contraposio s tentativas

    de expropriao das terras de quilombos.

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    CADERNO DE DEBATESNOVA CARTOGRAFIA SOCIAL

    Parte I

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    HUMANIDADES INSURGENTES: CONFLITOS E CRIMINALIZAO DOSQUILOMBOS2

    Ilka Boaventura Leite3

    Ordem jurdica, direitos e invisibilidade

    Os Estados-Nao modernos se constituram como modalidades deagregao hegemnicos e disseminadores de ordenamentos polticos combase em individualismos universalistas, mas no sem antes banir diversosgrupos humanos da sua condio de humanidade plena.

    O indivduo-cidado passou a unidade de referncia da agregaopoltica proveniente do pacto universal que no abrangeu a todos. Oordenamento jurdico se tornou acessvel somente aos que ingressaram nomundo letrado, o que no aconteceu no Brasil, grande massa dos africanos eseus descendentes recm-sados da condio de escravos. O mundo letrado searmou como princpio de incluso na ordem universal, porm to somentequeles que se tornaram aptos a ingressar no mundo da escrita, fortalecendo-apor excelncia como ordem jurdica plena. Uma forma hegemnica, porm,sempre questionvel, j que a supresso de tantas outras humanidades, no

    pressupe o controle de suas bordas, principalmente aquelas que foramnegadas, ou as que as extrapolaram pela insurgncia.

    A invisibilidade dos grupos rurais negros no Brasil a expressomxima da ordem jurdica hegemnica e tambm expe uma forma deviolncia simblica. Sua caracterstica principal a criminalizao daquelesque lutam para permanecer em suas terras. Como bem demonstrou Foucault(1999), a violncia no uma invariante ou um objeto natural, mas umaespcie de signicante sempre aberto para receber novos signicados. Da porque, para falar em violncia preciso, antes de tudo, contextualizar, produzir

    referncias, descrever percursos e experincias que foram guardadas nasmemrias orais dos grupos, expor fatos que no se encontram nos documentosescritos, no mundo dos papis, em cartrios ou em bibliotecas.

    2. Cf. NUER - Ncleo de Estudos de Identidades e Relaes Intertnicas UFSC - PROJETO DOS-SI DOS CONFLITOS

    3. Departamento de Antropologia/NUER/UFSC

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    A modalidade de violao de direitos humanos neste caso estdiretamente relacionada sua prpria invisibilidade, est ancorada emtecnologias de controle e manipulao circunscrita ao mundo letrado. Ela

    opera atravs do uso abusivo da mquina estatal, leis, bens pblicos, forarepressiva e expropriao dos recursos que seriam de toda a coletividade.Tecnologia h mais de trs sculos solidamente instalada e tendo como suaprincipal base de sustentao o controle do acesso justia.

    A primeira Lei de Terras de 1850, redigida no evidente contexto deesgaramento e saturao do sistema escravista, contribuiu substancialmentepara tornar invisveis os africanos e seus descendentes no novo processo deordenamento jurdico-territorial do pas. Ao negar-lhes a condio de brasi-leiros, segregando-os atravs da categoria libertos esta lei inaugura um dos

    mais hbeis e sutis mecanismos de expropriao territorial4. A sua marca ra-cial incontestvel, seu poder de favorecimento, idem. Porm o processo deracializao introduzido disfarado, sutil, e passa a invisibilizar as diversasformas de favorecimento, legitimando-as desde a concepo de direito uni-versal. Diversos estratagemas emanados desde instncias legais e em formade Direito passam a conformar um tipo de Justia exercida desde um princ-pio da universalidade que no inclui a todos. Como e enquanto ordem legaluniversal passou a facilitar e a propiciar a ocorrncia dos inmeros mecanis-mos de legitimao mediante recursos jurdicos impetrados para garantir o

    direito propriedade: expulses e remoes, registro de terras devolutas doEstado, aes de divises sobre inventrios de terras deixadas a ex-escravoscom clusula de inalienabilidade, invases, cercamentos e resgates de terraspor endividamentos.

    O verdadeiro contra senso no quadro da Justia que ao mesmo tempoem que as leis de propriedade se fundamentam no direito consuetudinrio, osuprime, pondo margem, empurrando para fora, um nmero considervelde humanos que no esto inseridos na cultura letrada, ou at na clebreletra da lei.

    No se trata aqui de desconsiderar a importncia dos documentos eprovas escritas, mas, chamar a ateno para a forma como diversos procedi-mentos e tecnologias de dominao, em nome do direito universal, ocultam enegam direitos a certos humanos.

    4. Ver anlise de Ligia Osrio Silva, 1996 sobre o percurso de implementao da Lei.

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    O quilombo como direito constitucional de 1988

    Dentre os direitos emanados da Constituio de 1988, o Artigo 68 do

    ADCT prev o reconhecimento legal dos chamados remanescentes das co-munidades dos quilombos. Embora este termo tenha j de incio sido contes-tado, percebeu-se em longos anos de debate, que o sujeito do direito referidopelo dispositivo constitucional no poderia ser objeticado atravs de umrtulo, selo ou carimbo. A identidade social no um estado xo, imutvel,ou algo que pode ser imputado desde fora e de modo unilateral, mas, aconte-ce desde uma dinmica relacional que envolve todo o conjunto de foras emmovimento na sociedade. O respeito ao princpio de autodeterminao dospovos, o qual se inclui a autoidenticao est descrito na Conveno 169 da

    Organizao Internacional do Trabalho ao qual o Brasil um dos signatrios.O conceito da identidade social a que me rero, d espao para

    o reconhecimento das instncias organizativas dos grupos que se auto-reconhecem a partir de noes de pertenas construdas e legitimadas nointerior dos prprios grupos embora decorrentes de dinmicas e foras sociaisem movimento. O direito intitulado quilombola emerge no cenrio deredemocratizao do pas como um dos vetores representativos de grupos atento invisveis no cenrio poltico nacional. Emerge como reivindicao degrupos at ento com reduzido grau de mobilizao, mas esta era a situao

    de todos os demais, aps duas dcadas de regime militar. O que no quer dizerfalsicados, ou ancorados em premissas infundadas. Se assim fosse estaramosdesconsiderando todos os fundamentos que instituem o social, e os prpriosEstados-Nao no teriam qualquer base de sustentao como organizaeshumanas criadas com autnticos propsitos polticos e sociais.

    Durante estas duas dcadas desde sua aprovao, o Artigo 68 foi objetode discusso parlamentar, jurdica, cientca e popular. Os movimentossociais negros, eminentemente urbanos, interagiram com os movimentosdos negros por regulamentao fundiria, formando um bloco de armao

    poltica voltado para o reconhecimento do direito territorial dos descendentesde escravos africanos. Se no momento da aprovao da Lei Constitucional oassunto tinha audincia restrita, nos ltimos vinte anos esse quadro mudou efatos novos o transformaram e o consolidaram no cenrio poltico brasileiro,evidenciando uma tomada de conscincia indita dos negros sobre seusdireitos territoriais.

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    O Projeto de Regulamentao do Artigo 68 do ADCT, depois de tersido vetado pelo Presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso, em13 de maio de 2002 voltou pauta da Cmara e do Senado, pela presso e

    forte mobilizao dos movimentos sociais. Legislaes estaduais de So Paulo,Par, Maranho e Rio Grande do Sul favorveis ao direito territorial quilom-bola, j aprovadas e em vigor arrastaram a legislao federal para uma deni-o. O grupo jurdico constitudo pela Casa Civil da Presidncia da Repblicaestudou detalhadamente o assunto, ouviu diversos setores da sociedade civil,representantes de ministrios, especialistas em direito agrrio, pesquisado-res, associaes quilombolas, representantes de ministrios, procuradorias,lderes dos movimentos negros entre outros e o resultado foi o Decreto 4887,assinado pelo Presidente da Repblica em 20 de novembro de 2003. Segundo

    este Decreto, a aplicao do Artigo 68 do ADCT ca a cargo do INCRA Ins-tituto de Colonizao e Reforma Agrria, rgo do Ministrio do Desenvolvi-mento Agrrio. Alm disto, o Governo Federal delegou SEPPIR (Secretariade Polticas e Promoo da Igualdade Racial) rgo ligado Presidncia daRepblica, a coordenao dos programas de desenvolvimento voltados paraas reas em processo de regularizao fundiria.

    A maior parte das lideranas dos agrupamentos negros tomaram co-nhecimento do direito constitucional no nal anos 80, quando aprofundaramum conjunto de proposies assentadas em suas prprias experincias e pon-

    tos comuns apresentados nas diversas reunies que se seguiram em todo opais. Essas proposies ancoraram-se, sobretudo, nos relatos compartilhadossobre o teor dos conitos territoriais existentes no pas h mais de um sculo.Tive oportunidade de presenciar alguns desses encontros e ouvir depoimen-tos de lderes com mais de oitenta anos, de ouvir as narrativas sobre as lutasde seus antepassados e as inmeras tentativas feitas para legalizar as terras.Um dos artifcios mais utilizados para a legitimao da cultura cartorial e queludibria os direitos desses baseia-se na produo de dossis, ttulos e mapasterritoriais. Foi o que aconteceu na Comunidade de Casca, no Rio Grande do

    Sul em que as terras foram dispostas desde divises sesmariais realizadas peloprprio legatrio em 1824 (LEITE, 2004). Os grupos negros que l chegaramao m do sculo XVIII nunca se preocuparam em produzir mapas. Quan-do receberam as terras atravs do testamento de 1824, os limites territoriaispraticados correspondiam aos memoriais de uso, as referncias ambientais, omanejo do ecossistema, das terras de uso e usufruto desde seus antepassados.Os mapas e a cartograa apresentada quase meio sculo depois se sustentava

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    precisamente no uso do aparato cartorial ocial, utilizado comumente paraformalizar, registrar, ocializar e legitimar terras e neste caso, tambm o seuesbulho. Procurar pelos documentos, neste caso, distanciar-se do direito

    dos herdeiros - direito que s pode ser retirado de dentro da linguagem dogrupo, pois ele no est registrado em nenhum papel. O registro oral no suciente para se chegar ao senso de direito requerido por esses sujeitos, que,alis, somente passam a sujeitos se ouvidos.

    Durante os ltimos 20 anos, muitos estudos acadmicos foram pro-duzidos com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre esses conitos,dentre eles os do NUER/UFSC5. Estas pesquisas integram uma j signicativaproduo acadmica que resultam, inclusive, de dissertaes de mestrado,teses de doutorado, relatrios e laudos periciais6. Embora demonstrem exaus-

    tivamente que o procedimento de expropriao das terras dos grupos negrosse iniciou ainda no sculo XIX, antes da Abolio da escravatura, h posiesexplcitas na atualidade, construdas mediante o desconhecimento desses es-tudos, que contestam estas evidencias. Armam, com base em idias poucofundamentadas, que os conitos territoriais envolvendo os quilombos, sofatos recentes, nascidos to somente dos dispositivos constitucionais de 1987.

    O Artigo 68, se comparado primeira lei de terras mencionada naprimeira parte deste trabalho, tambm poderia ser enquadrada na mesmalinha de raciocnio, gerando perplexidades quanto suposta universalidade

    da lei, ou mesmo quanto aplicao do fundamento universal do direito propriedade. Princpios opostos regem as duas leis, a primeira os mencionapara excluir da ordem jurdica enquanto a segunda tem a inteno explcitade incluso. Evidentemente que aqui, como no mesmo caso das vagasno ensino pblico, h restries que vem principalmente da parte que foibeneciada pelo precrio universalismo. Seguindo risca os argumentosatualmente usados para questionar o decreto que regulamenta o Artigo 68,

    5. Ver a srie BOLETIM INFORMATIVO, que resgata as diversas etapas da regulamentao doartigo 68 bem uma srie de pesquisas e reexes sobre o assunto.

    6. Para citar algumas teses sobre grupos e comunidades negras que tm sido produzidas desde oincio dos anos 80, por exemplo: Soares (1981), Baiochi (1983), Bandeira (1988), Almeida (1989 ),Martins (2006) e Arruti (2005) Chagas (2006).

    7. Artigos publicados na mdia jornalstica brasileira e discursos parlamentares fazem forte oposi-o ao Decreto atravs do argumento de racializao, da emergncia do s conitos e da quebra doprincpio universal do direito. Ver por exemplo: Martins, Jos de Sousa. Racializao do Estado e doconito. O Estado de So Paulo, 19/08/2007. Conferir tambm: http//www.estado.com.br/suplemen-to/not_sup37005,0.htm

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    necessrio perguntar se ali tambm no houve inveno. A Lei de 1850atribuiu aos chamados libertos, uma distino que os deixou durante maisde sculo de fora da categoria de brasileiros e da de estrangeiros. uma

    lei que inventa sujeitos, porm, com propsitos inversos, ou seja, para inserirbarreiras que os impediram de regularizar suas terras nas mesmas condiesque os demais. Poderamos constatar que ambas foram, de fato, inventadas,s que a primeira lei deixou de fora dos direitos supostamente universais umaparte no pouco signicativa dos humanos.

    Durante os ltimos vinte anos aconteceram centenas de encontros emtodo o Brasil, de grupos negros hoje organizados em associaes locais, esta-duais e nacionais. As prticas coletivas de uso e usufruto das terras foi alvode intenso debate nestas diversas instncias organizativas, que amadureceu

    desde mobilizaes dos prprios grupos negros, em sua maioria associados CONAQ Coordenao Nacional das Associaes Quilombolas. A CONAQlidera uma rede de organizaes que procuram consolidar sua existnciaatravs do dilogo com as instituies, forando estas a reconhec-los. Ope-rando a partir de novas estratgias, dentre elas o uso da linguagem jurdi-ca como forma de se legitimar, as linhas de ao do movimento quilombolatm buscado sua legitimidade atravs das novas adeses, ampliando sempreas estatsticas sobre sua abrangncia. Muitos lderes comunitrios, sem aces-so informao tomaram conhecimento de seus direitos muitos anos aps a

    aprovao da lei. Mesmo assim, o surpreendente crescimento do movimen-to tambm a raiz das atuais contestaes. O nmero das organizaes queemergiram desse processo e principalmente, o volume das terras anunciadas,tm extrapolado todas as expectativas, e principalmente da que surgemas dvidas sobre a legitimidade de tal movimento, das demandas feitas, dasua capacidade de propiciar as mediaes necessrias e at da prpria pos-sibilidade do Estado de absorv-las8. Isto resulta tambm em frustraes edescrenas dos movimentos, que suspeitam da eccia das instituies e dalei. Ao mesmo tempo em que as reivindicaes crescem, h tambm o risco

    eminente de fragmentao do prprio movimento, pela heterogeneidade dassituaes e pelas idiossincrasias reveladas em seu interior e que so, em parte,prprias do processo poltico em que se inserem esses movimentos sociais.

    8. O Ex-ministro do desenvolvimento agrrio, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) declara naimprensa que o oramento para os quilombos concorre com o dos sem-terra, sugerindo que as dis-putas iro acontecer entre os movimentos, numa anlise que antev a clebre diviso para reinar.Fonte: O Estado de SP - http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20070813/not_imp33607,0.php

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    A vasta legislao disponvel, citada como aparato jurdico queviabiliza a aplicao do Decreto 4887 (incluindo as Instrues Normativas 16e 20 do INCRA) esbarra-se em diversos preconceitos e barreiras calcicadas

    desde a ordem jurdica hegemnica. O diferencial o aparecimento de umahumanidade insurgente advinda das bordas da ordem jurdica hegemnicaque confronta, denuncia, reivindica, torna visvel o que estava encobertopelo suposto direito universal. A situao atual no propriamente a deinstaurao dos conitos, mas a sua visibilizao. O quilombo jurdico-formalexpe os conitos que foram produzidos em sculos de histria, aquilo quesustentou a prpria ordem jurdica hegemnica.

    Este breve resumo dos ltimos vinte anos de histria do direito qui-lombola registra as signicativas mudanas ocorridas na ordem jurdica bra-

    sileira, ou seja, a passagem do quilombo trans-histrico para o quilombo jur-dico-formal (Leite, 2007). Um conjunto de situaes, antes invisveis desde aordem jurdica vigente, emergiu para confront-la, para desaar o princpiouniversal anteriormente vigente. A nova legislao, ao buscar incorporar oque cou margem, o que somente se tornou visvel pelas insurgncias reve-ladas desde os prprios limites e aplicabilidades do direito, depara-se com umde seus mais fortes opositores, o Partido da Frente Liberal (PFL), que atravsde ao de inconstitucionalidade (ADIN) impetrada em 2003, tenta tornarnulo o Decreto. H outras reaes desde o incio da aplicao do Decreto com

    o mesmo objetivo: anular o dispositivo em vigor9.O Decreto 4887 decorre, sem dvida, de novas reexividades e

    proposies advindas de setores menos conservadores da sociedade. Do pontode vista dos direitos humanos ele inovador porque repe a estes gruposmarginalizados um direito que antes de tudo, um direito voz. Alm deestabelecer a possibilidade de um contato entre o mundo oral e o da escrita, inequvoco quando atribui aos prprios grupos a sua auto-atribuio, poisparte do pressuposto de que no cabe ao poder pblico, nem a nenhumpesquisador, imputar identidades sociais. Depreende-se do texto da lei o

    consenso sobre o fato de que embora estas identidades tenham decorrido

    9. Uma delas a emenda que tramita na Cmara dos Deputados, em Braslia desde junho de2007, que pretende sustar os efeitos do Decreto n4.887/2003, que regulamenta o procedimentopara identicao, reconhecimento, delimitao, demarcao e titulao das terras quilombolas. Aemenda foi apresentada pelo deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), que engenheiro agrnomo ediretor da empresa Agros Consultoria e Planejamento, e tem como co-autor Waldir Neves Barbosa,que empresrio e produtor rural. Eles querem anular a titulao das terras reconhecidas desde2003. Fonte: http//www.observatrio quilombola.Koinonia.br

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    de complexos processos histricos e prticas segregacionistas, no podemser ignoradas atravs dos supostos mecanismos universalistas de acesso

    justia, sob o risco de se aprofundar ainda mais o perl da desigualdade social

    brasileira. Compreende-se ainda que para reverter esta situao precisoretir-los da invisibilidade que se encontram, sobretudo e na ordem jurdica.

    O Decreto 4887 inovador porque recupera para o mundo letrado, umconjunto de situaes que esto fora dele, e cuja condio jurdica subalternade uma das partes, no caso a dos quilombos, quando no considerada, acentuae adia a resoluo dos conitos. Ao contrrio do que armam os opositoresdo Decreto, ele um dispositivo que propicia a instaurao de processos deregularizao das terras ao mesmo tempo em que trs para a ordem jurdica aparte at ento tida como inexistente. Ao reconhecer novos sujeitos at ento

    alados da lei universal, o dispositivo propicia aos insurgentes a possibilidade,no propriamente a garantia, mas a possibilidade, de entrada na ordem

    jurdica que os excluiu ou ignorou. importante considerar que isto noacontece por uma ddiva do poder pblico, mas para atender s foras sociaisem movimento, por uma insurgncia persistente, que extrapola e alarga aconcepo de direito, desde suas bordas.

    O Decreto 4887 inovador porque dialoga com diversas constituiesvigentes no mundo. Ele resulta, de fato, de inovaes legais de modo a privi-legiar a edicao de um novo direito, inexistente no Brasil embora a longo

    tempo em vigor em legislaes como as da Austrlia, Nova Zelndia e EstadosUnidos (Rocha, 2005). Ele consolida uma nova ordem legal, cujos propsitosatualizam e exprimem o que encontra expresso na Lei Maior, ou seja, a prote-o s coletividades indgenas e quilombolas. Tem tambm uma equivalnciavalorativa no que concerne armao dos direitos territoriais dos grupos t-nicos minoritrios, pois ao transferir o foco do superado conceito de raa parao plano da identidade, alcana a dimenso unitria dos valores que regem aConstituio (ROCHA, 2005:97).

    Outro aspecto importante o lugar que a legislao complementar que

    o instrui assume na regularizao dos territrios quilombolas no que tange relao entre cultura e desenvolvimento. As disparidades comprovadas lar-gamente pelas estatsticas e ndices de desenvolvimento material e humanodesaam o momento atual e induzem reexo sobre o que quer dizer desen-volvimento e qual o desenvolvimento que se vislumbra par o Brasil:. O pasdas grandes fortunas tem sido tambm o pas das grandes misrias; o pas dasimensas riquezas naturais tem sido o das enormes pobrezas sociais. O Comitde Direitos Humanos das Naes Unidas vem destacando a importncia dos

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    direitos contidos no artigo 27 relativos sobrevivncia e desenvolvimentocontinuado da identidade cultural, religiosa e social das minorias. Com baseno vnculo entre cultura e territrio o Comit infere sobre a importncia do

    direito de participao das minorias, observando que a satisfao dos direitosculturais e outros direitos implicam a participao efetiva dos membros decomunidades de minorias em decises que os afetem (SANTOS, 2002: 572).

    Da mesma forma, as teorias atuais sobre cultura e direito tm procu-rado tambm reciclar concepes anteriores. Ambas as teorias tendem hojea valorizar os aspectos polticos e econmicos em que os processos sociais seconguram. Neste sentido que a esfera da cultura e do direito no pode sertratadas como se fossem isoladas, ainda que apenas para propsito de anlise.As teorias culturais anteriores, ao tentar explicar a cultura em seus prprios

    termos falharam pelo fato de terem partido do princpio de que a cultura go-verna, de que todos os demais fatores podem ser excludos da anlise e do en-tendimento de processos culturais e comportamentos sociais nesses termos.Portanto, separar uma esfera cultural e trat-la em seus prprios termos noconstitui uma boa estratgia (KUPER, 2002). A cultura no pode ser medidanuma nica escala, ou priorizando apenas os parmetros denidos pela cul-tura letrada. Toda cultura neste sentido, multicultural (Canclini, 2006). Adiversidade cultural, segundo esses autores, produto da relao, mais do quedo isolamento. Importante por isto, considerar as relaes de dominao e

    subordinao que aprofundam as desigualdades sociais e diferenas culturais,um e outro como instancias que so indissociveis. As experincias que levamem conta esta dinamicidade da cultura esto demonstrando que os grupos hu-manos tm melhor desempenho e produtividade quando no precisam abrirmo do seu passado, quando agregam ao presente todo o cabedal de saberesque foram construdos pelas geraes que os precedeu. O contra-senso dasprticas autoritrias decorrentes do colonialismo foi o de insistir no esque-cimento e no apagamento das diferenas histrico-culturais como forma deatingir o suposto crescimento e progresso. Elas ignoraram sistematicamente

    o papel desempenhado pela memria na formao da identidade, dos saberestradicionais como fontes de preservao da vida. Quando h a conscincia dopertencimento a uma cultura, os grupos sabem o que esto fazendo, ensi-nam suas tticas aos inexperientes e transmitem suas experincias, multipli-cando a criatividade e a participao na vida produtiva (KUPER, 2002: 307).

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    Assim como a cidade vem sendo considerada um bem cultural ambien-tal10, as reas rurais devem ser consideradas no apenas como espao vazio,mas igualmente como bem cultural ambiental enquanto perfazem espaos

    em que as pessoas se identicam com o seu habitat, depositam valores, seconsideram integradas a todos os aspectos do meio ambiente (natural, cul-tural, articial e do trabalho). Os artigos 184 e 191 distinguem no contextoconstitucional o meio rural como objeto de direitos fundamentais, que serealizam na funo social da terra e na preservao dos bens de uso comumdos grupos, protegendo-os desde a ordem econmica do capitalismo. Os in-dutores maiores de violncias contra populaes rurais so os predomnios deinteresses exploratrios de seu solo e subsolo (jazidas, gua, agro-negcios)que deliberadamente violam as leis que protegem os direitos dessas coleti-

    vidades. Este o ponto em que cultura e desenvolvimento podem se tornarirreversivelmente dissociados e at antagnicos no Brasil atual. Se os recursosaos direitos tnicos esto cada vez mais em alta porque, por outro lado, osdireitos sociais esto cada vez mais em baixa e, portanto, este binmio tendea se intensicar se no for tratado como aspectos co-relacionados.

    A questo do direito quilombola vem contribuindo para realar nosltimos vinte anos no Brasil a existncia de diferentes concepes e formasde uso e apropriao do solo. Duas delas, embora no propriamente opostasou incompatveis, parecem predominar: a que prioriza os usos e apropriaes

    individuais e privadas e a liberao das terras como um produto de mercadocom abertura inclusive para o capital internacional; a segunda que enfatizaa terra como meio de desenvolvimento social atravs dos usos coletivos porfamlias de agricultores nacionais organizados em associaes comunitrias.Estes no seriam projetos incompatveis se as reas em questo no fossem asmesmas, mas tudo indica que sim11. O que est contemplado na nova lei ,desde essa segunda perspectiva, a possibilidade de reconhecer como uma dasmodalidades de direito territorial, a posse coletiva da terra e a existncia nopas de terras que no esto destinadas ao mercado, mas voltadas exclusiva-

    10. Idia desenvolvida por Yoshida, Consuelo. Y. M (2001) op cit. Santos, 2005:48. Sobre o conceitode meio ambiente cultural, ver Santos, 2005.

    11. Ver o artigo de Alfredo Wagner Almeida quando discorre sobre a questo dos quilombos e omercado de terras (Almeida, 2005). O presidente do INCRA, Rolf Hackbart, armou que o processode legalizao das terras dos quilombos tambm contribui para o reordenamento fundirio. Segundoele: mais um caminho para denirmos o que pblico e privado, o que reserva, o que pertencea esse ou quele grupo.Fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20070812/not_imp33391,0.php

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    mente para o desenvolvimento social12. A via comunitria de acesso s terrasdesaa os parmetros de propriedade individualizada e por quanto eles pas-sem para o controle de associaes comunitrias esta forma de propriedade

    imobiliza as terras enquanto mercadoria, tornando-as de funo social prec-pua. Esta modalidade impede que grandes domnios venham a ser expropria-dos ou transacionados no mercado de terras (ALMEIDA, 2006).

    Trata-se de uma situao que reabre o debate sobre a questo dosdireitos diferena no contexto do direito universal e at que ponto possvelpensar os direitos universais quando estes no abrangem de modo universalos humanos existentes. Acredito que as prprias concepes de diferenase originam de procedimentos de hierarquizao, que se instalam, separamou segregam uma parte dos humanos, banindo-os desde a ordem jurdica. A

    responsabilidade planetria nos conduz hoje a pensar inclusive que a vidaa unidade ou fronteira a qual se estende o projeto de preservao. Portanto,o Artigo 68 e o Decreto 4887 no podem ser vistos fora de uma perspectivade nova ordem, que busca inverter algumas das lgicas que incidem sobregrandes desastres humanitrios e ecolgicos.

    As humanidades insurgentes e o rastro da justia

    Um forte argumento veiculado na mdia brasileira13sustenta que o di-

    reito constitucional introduzido pelo Artigo 68 regulamentado no decreto4887 tem sido pretexto para a ao de grupos oportunistas titularem terras,usurparem grandes fazendeiros, empresrios bem intencionados e cumpri-dores da lei. A nfase na racializao das lutas sociais, segundo estes, teriaimpulsionado os casos de manipulao de identidades para ns exclusiva-mente polticos. Como estudiosa do assunto co admirada com a freqnciaque estas idias alcanam a grande imprensa, ao mesmo tempo em que a vozdos quilombolas est sendo sempre abafada. Argumentos com este teor tmsido surpreendentemente alardeados at por especialistas na questo agrria

    brasileira, que sem nenhum conhecimento do assunto, ousam transpor, de

    12. A Itlia um exemplo em que pores considerveis de terras so hoje administradas por sis-temas cooperativos e estes se encontram inseridos plenamente numa economia dinmica, gerandoriqueza para as regies e para o pas.

    13. Recentes matrias do Jornal Nacional da Rede Globo (http:www.direitoacomunicao.org.br), da Revista Veja (www.veja.br), Jornal O Estado de So Paulo (www.estado.br) e RevistaExame(www.exame.br) levantam dvidas sobre a legitimidade do movimento quilombola.

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    forma supercial e reducionista, a questo dos quilombos dos movimentosdos sem-terra (principalmente o MST), como se um fosse construdo sob assupostas bases atribudas ao outro.

    importante considerar, mais do que o carter racialista atribudo aestes grupos, buscar saber o que representa na histria contempornea doBrasil os direitos territoriais dos grupos expropriados como os do sem-terrasreferidos. O novo argumento da racializao, ou mesmo da etnizao no suciente para liquidar os princpios que se interpe a estas vozes de umahumanidade banida, empurrada para fora da ordem ou tornada fora da lei.Basta uma incurso em profundidade pelos estudos j realizados e que sereportam s narrativas orais dos lderes mais velhos desses lugares, pessoasconsideradas idneas por seu papel exemplar, pelo respeito que conquistaram

    nas atuais geraes, pelo que viveram, pela sua atuao direta nos conitosainda em curso. So narrativas que estiveram at pouco tempo, fora dos livrose dos registros ociais, embora faam parte de inmeros processos criminais.

    A criminalizao das lutas camponesas resultou em represses policiaise militares e diversos massacres registrados na historia do pas, portanto, no de admirar que os processos de titulao instaurados pelo Decreto 4887venham a reavivar esses velhos mtodos. Evidencias empricas e documentaisrecolhidas nas pesquisas histricas e antropolgicas deixam antever que essesconitos iniciaram-se muito antes de 1988, embora no tendo, nem na lei nem

    na ordem jurdica a visibilidade requerida. Lderes comunitrios mortos queima-roupa na porta de suas casas, famlias envenenadas, casas incendiadas,processos criminais com provas forjadas, atentados, prises injusticadas,tudo isto parte de uma histria que perdeu o nexo na seqncia de fatosvistos de forma isolada, no permitindo com isto, serem considerados comoeventos polticos importantes para a histria dos negros no Brasil.

    As perdas, registradas por esses lderes tradicionais, so tratadas comoqueixas infundadas e principalmente como casos de polcia. Tal estado de jus-tia facilitada principalmente pela falta de acesso desses grupos cultura

    letrada, ao mundo dos papis. A oralidade que hoje pretexto para negar suaexistncia e para sustentar o argumento da falsa identidade. As terras ex-propriadas, na mo de hbeis agentes intermedirios, foram, ao contrrio doque aconteceu com estes grupos negros, rapidamente legalizadas. Um exemplodisso a experincia da Comunidade de Casca, no Rio Grande do Sul, que sus-tenta seu direito a partir de um testamento feito em 1824 e que at hoje noconsegue regularizar suas terras. Os j convencionais mtodos de limpeza dos

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    rastros, de falsicao de papis, croquis e mapas foram apresentados justiacomo supostos documentos idneos. Foram aceitos pelas instituies, servirampara aprovar nanciamentos pblicos e receberem incentivos ociais. A Cons-

    tituio de 1988, portanto, vem reacender a possibilidade, agora largamentecontestada, de um direito que vem sendo negado desde a Lei de Terras de 1850.

    A criminalizao do quilombo

    As histrias dos grupos negros rurais guardam narrativas de conitosque advm da primeira Repblica. Conitos que nunca foram tratadosdo ponto de vista social, mas como meros casos de polcia. O tratamentodispensado a estes nas primeiras dcadas aps a abolio do trabalho escravo

    em 1888 assemelhou-se aos mtodos utilizados com os praticantes dacapoeira e do candombl: a penalidade, a represso policial, a condenao. Acriminalizao de certas prticas e grupos a forma mais comumente usadapara transform-los em foras da lei, justicando com isto a sua exclusosocial pela via da condenao penal. desde esse lugar que muitas lideranasde grupos negros passaram a ser cassados, encurralados e banidos.

    Atravs das narrativas dos que passaram a ser considerados sujeitosna Constituio de 1988, vem sendo possvel perceber que o cho tessituracomplexa entre tempo e espao de permanncia em lugares, experincias,

    destinos e desejos. O cho meio, no um m em si mesmo. Ao privilegiaremna ultima dcada como principal pauta de luta a territorialidade e a educao,esses novos sujeitos fornecem-nos pistas importantes. So estas as humanidadesque extrapolaram a ordem, vindo a resultar no prprio des-controle, na des-ordem, para a qual necessrio o uso de violncia. Esta violncia, descrita porHanna Arenth como a maior evidencia de descontrole e da perda do poder.Da porque lana mo do aparato policial e da criminalizao dos lderes dasassociaes quilombolas. O escravismo colonial imps-se como um padroque extrai o Outro de seus sistemas semnticos prprios e os individualiza,

    negando-lhes, com isto, o seu ingresso nos sistemas semnticos vigentes.Estabelece por outro lado, com este Outro, um padro de convivncia em quea condio de humanidade s pode ser alcanada, mediante a suspenso dosdispositivos que operam distines, marcas, pistas e indcios do que restoudo processo de destituio desta humanidade. Neste caso dos quilombos, oforte apelo ao direito universal e o tratamento individualizado dos lderes soacomo uma nova artimanha contra as mudanas que se anunciam.

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    Por outro lado, a estratgia desses novos sujeitos a recusa a esqueceros princpios da excluso, ou seja, a cor da pele, o cabelo, as feies queconformam um mundo social segregado. Exigem que estes, enquanto

    princpios de organizao e marca do social sejam tomados como patrimniode uma humanidade destituda, e, portanto, incorporados como valor noprocesso de resgate identitrio. Somente neste sentido faz sentido como novaordem, no para atualizar o racismo, mas enquanto o apagamento destas pistas a prpria impossibilidade de seu ingresso na ordem jurdica plena. Paradestravar a chave do racismo seria necessrio no somente a permanncia nasterras de seus antepassados, mas tambm garantir o seu ingresso no mundoletrado. Talvez isto explique porque territorialidade e escolaridade so os doisplos centrais das lutas atuais dos negros no Brasil.

    As intensas mobilizaes quilombolas e a lentido dos processos detitulao das terras instauram um estado de incerteza sobre essa nova ordem.Os passos percorridos de tramitao dos processos se rendem e se submetem cultura cartorial, que foi montada pelos donatrios e para atender a seusinteresses. O percurso incerto, denido no somente pela legislao,mas pelo jogo de foras e poderes h muito solidamente institucionalizados.No h nenhuma garantia de que os atuais procedimentos administrativosconsigam transpor as armadilhas institudas pela mquina cartorial em seustramites regulares.

    neste cenrio que os conitos mais violentos resultam da sua prpriacriminalizao, quando inclusive a interveno policial se interpe paragarantir os direitos dos latifundirios e agentes expropriadores dos direitosdessas comunidades tradicionais. Trata-se de uma situao que se reproduzh sculos. Trat-la como uma novidade decorrente dos atuais dispositivosconstitucionais soaria como um grande equvoco ou talvez seja uma nuvem defumaa lanada para levantar dvidas sobre os direitos desses grupos, atrasarainda mais os processos. Os exemplos de situaes e experincias largamentedocumentadas em pesquisas cientcas rearmam esta constatao. Um

    episdio emblemtico do teor da ao policial aconteceu com os herdeirosdo Paiol de Telha. Os conitos atuais iniciaram-se no sculo XIX, mas oatentado de 27 de agosto de 1975, que antecedeu em dez anos o Artigo 68,foi o ltimo ato de um processo de expropriao violento iniciado h dcadasatrs e que teve inclusive o apoio direto do governo estadual. Depois de seremameaados pelo delegado de polcia que atuou como grileiro, de sofreremvrias ameaas a si e s demais parentes residentes no lugar, aps assistirem s

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    falsicaes de suas marcas digitais, a prises injusticadas, torturas, queimade mais de 50 casas e das plantaes, morte de animais, desmatamento dospinheiros nativos, e a disseminao de um clima de medo e pavor - a ltima

    famlia a resistir no lugar foi nesta data brutalmente atingida pela mira deum pistoleiro sem rosto. O chefe da famlia, atingido por vrios tiros vindosda mata, sobreviveu por um milagre, socorrido pela sua esposa que tinhatrabalhado como atendente de enfermagem. Em 26 de outubro de 1999 oacompanhei at o hospital universitrio para um exame capaz de comprovar apresena da bala ainda em seu corpo. Ele relembrou a emboscada que sofreu,com todos os detalhes, e comentou: minha mulher, auxiliar de enfermagem,me salvou. Nunca procurei um mdico, no tinha justicativa. Ele ia mandaro laudo para o delegado e a gente tinha medo do delegado. Alguns dias

    aps o atentado, quando voltou a conversar com seus agressores, ouviu delestrate de sair de l, no existe mais fazenda pra criar negrinhos, se voltar lvamos acabar de te matar. Ao rememorar o fato, uma forte emoo tomouconta de si reacendendo a forte dor nos braos e no pescoo, a lembranados bandidos, um retorno do um antigo sentimento de indignao. O examerevelou a silhueta do projtil assentado na regio da coluna vertebral. Elecontemplou, emocionado, a imagem do objeto que ainda carregava no corpodesde 1979. E disse: nunca d pra perder a esperana, quem diria, eu estaraqui, vendo isto na chapa, no hospital...

    O padro de atuao violenta da polcia revela o elemento deconservadorismo da cultura policial, inmeras vezes a servio das elitesagrrias, reprimindo os escravos, os sem-terra e agora os quilombos.Esta forma de violncia apresenta-se sistematicamente para tratar comocriminosos os lderes das associaes. Em algumas situaes, a forma ocialde lidar com a nova ordem a defesa explcita dos interesses dos que constamcomo expropriadores. A titulao das terras das comunidades quilombolasdemonstra ser este presente instrumento uma forma de desconcentrao dapropriedade fundiria, contrapondo-se frontalmente dominao oligrquica.

    No por outra razo que os antagonismos sociais tm se acirrado estando ascomunidades quilombolas cercadas e com suas vias de acesso interditadas porinteresses latifundirios.

    Cansados de esperar pela resoluo jurdica, alguns grupos buscamchamar a ateno atravs de protestos e ocupaes das terras que consideramsua. Com as ocupaes, as representaes sociais dos Sem Terra chegam aosquilombos. O fato de estes serem tratados na mesma agencia vem resultando

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    em reduo e simplicao desses sujeitos sociais, e sobre suas reivindicaese legitimidades. A resposta a estas ocupaes tem sido geralmente em formade violenta represso policial.

    As trs situaes a seguir ilustram o que vem ocorrendo aps o Decreto:

    Santa Catarina, setembro de 2005:O lder da Associao Quilombola Invernada dos Negros, a pedido da

    equipe do INCRA-SC percorreu a sua regio acompanhando tais agentes fe-derais durante o processo de identicao de suas terras citadas no testamen-to de 1877. Reconhecido por um dos guardas da empresa de reorestamentoque ocupa parte de suas terras, intimado a depor e autuado por invaso de

    propriedade. O processo-crime o cita individualmente e incide sobre ele umamulta de alto valor que este ter de pagar por tal ato. Ou seja, no momento detentar buscar os direitos que a coletividade reivindica penalizado individu-almente na ao penal14.

    Minas Gerais, 15 de junho de 2006:Nove quilombolas do norte de Minas Gerais foram ridicularizados e

    presos de forma violenta pela Polcia Militar do Estado, sob a scalizaodireta dos latifundirios locais, por terem ocupado uma terra a que tm direi-

    to, no municpio de Porteirinha. Depois de algemados, os quilombolas aindaforam expostos aos fazendeiros que acompanhavam a ao, no pior estilo ca-pito do mato. Um quilombola ainda continua preso. A ocupao realizadapor cerca de 30 famlias remanescentes do Quilombo do Gurutuba, na madru-gada do dia 7 de junho, acontece trs anos aps o governo federal - por meioda Fundao Cultural Palmares - ter iniciado os estudos de reconhecimento edelimitao territorial da comunidade. O estudo, at o momento, mostra que97% das terras que compunham o quilombo e que sero devolvidas aos seusremanescentes em breve esto hoje nas mos de proprietrios no-negros

    ou foram griladas, por meio de ttulos falsos. Senhores quilombolas, traba-lhadores de 70, 60 anos, depois de algemados e enleirados, caram expostosao ridculo por quase 10 horas num ptio da polcia para que a fazendeiradada regio passasse em revista dando risada deles, conta Paulo Roberto Fac-

    14. Ver laudo pericial sobre Invernada dos Negros, publicado pelo NUER. Boletim Informativo doNUER. Florianpolis, NUER, 2006.

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    cion, da Comisso Pastoral da Terra (CPT). Ns entendemos que a ao dapolcia uma forma de pagamento pela prestao de servio oferecida pelafazendeirada, que meses atrs deu um carro polcia para que ela zesse a

    patrulha rural. A polcia alega que o despejo, feito sem mandato judicial,est de acordo com a lei porque teria acontecido no momento do agrante daocupao. S que as famlias entraram na rea s 4 horas da manh e o despejoaconteceu s 16 horas - o que faz com que o despejo, na prtica irregular, nopudesse ter sido realizado sem a ordem de um juiz.15

    Esprito Santo, 11 de agosto de 2007:O governo do Estado preferiu sacricar mais uma vez o combate

    criminalidade e dar uma nova demonstrao de fora bruta contra minorias

    exploradas. Nada menos de 150 homens da PM foram retirados das ruas, noltimo sbado (11/08/2007), para serem utilizados na operao de expulsodos quilombolas que haviam ocupado parte das terras que lhes foram usur-padas pela Aracruz Celulose, no norte do Estado. Cobertos por um mandado

    judicial de reintegraio de posse, a tropa evacuou o territrio quilombola deLinharinho, em Conceio da Barra (foto), desalojando os donos legtimos darea.Usando escudos protetores e armamento de combate em campo aberto- metralhadoras, pistolas de alto poder de fogo e revlveres -, alm de cestreinados para sufocar motins em prises, os militares chegaram a Linharinho

    transportados por nibus e rdio-patrulhas. Segundo relato do quilombolaDomingos Firmiano dos Santos (Xapoca), no comando da tropa estava o pr-prio comandante da PM em So Mateus. Mas o enfrentamento da tropa daPM com os quilombolas no houve, pois a rea fora desocupada bem antesda chegada da fora policial.16Outra estratgia que vem sendo usada por esteprocesso a individualizao dos processos criminalizar individualmente aslideranas, esvaziando assim os movimentos.17

    15. Quilombolas so humilhados por polcia e fazendeiros em sua prpria terra. Nota divulgada naimprensa e reproduzida pelo GT Quilombos do YAHOO.

    16. Fonte: Observatrio Quilombola, artigo extrado do site Sculo Dirio em 13/08/2007 (www.koinonia.br)

    17. Publicado amplamente na imprensa e divulgado pela Comisso Pastoral da Terra (CPT), estanoticia foi amplamente divulgada na internet, bem como as fotos e o lme das agresses feitas.

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    O Projeto Dossi dos Conitos, proposto pelo NUER/UFSC18 estformando uma base de dados sobre a origem desses conitos e os mtodoscomumente utilizados pelos que expropriam as terras, bem como os vrios

    tipos de apoios que recebem, principalmente de parte dos que deveriam, porprincpio, agir atravs da lei. Dentre as diversas perguntas que emergem noatual contexto, sobressaem aquelas que interrogam se a legislao atual su-ciente para introduzir mudanas institucionais, se h de fato uma alteraona ordem jurdica e como o quilombo jurdico-formal est incorporando ashumanidades insurgentes.

    O papel da percia antropolgica

    As percias antropolgicas objetivam averiguaes aprofundadas sobreo processo de formao das reas quilombolas e das terras tradicionalmenteocupadas, seus fundamentos de organizao social e histrico-culturalprprios, seus princpios formadores em um dilogo direto com as leis e seusoperadores.

    O lugar da percia antropolgica consubstancia-se em um Estado deDireito, em um projeto de sociedade democrtica cujo ponto de convergncia o respeito s diferenas culturais e o combate desigualdade social. Oconjunto de polticas pblicas necessrias ao aprimoramento da cidadania

    parte do respeito aos princpios organizacionais dos grupos humanos queforam durante o processo colonial, submetidos a condies de inferioridadee a tratamentos desumanos, como foi o caso os africanos, aprisionados etrazidos para o Brasil como escravos. Sem poder falar sua lngua, cultuarseus deuses, viver suas relaes familiares e compartir a terra de origem, osafricanos e seus descendentes precisaram ultrapassar todas as barreiras dosistema jurdico e poltico para armarem sua condio de humanidade. Sabe-se hoje que muito poucos o conseguiram, permanecendo a maioria entre osmais excludos. A Constituio de 1988 faculta-lhes o direito de acesso terra

    brasileira para onde foram compulsoriamente trazidos e onde enfrentarammuitas adversidades para se xarem.

    Pesquisas antropolgicas vm apontando, desde o nal dos anos 70 apresena de agricultores negros que lutam para permanecer em terras cuja

    18. Projeto elaborado pelo NUER/UFSC em colaborao com CEDEFES, KOINONIA, NACI e apoiodo GTQuilombos YAHOO.

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    titulao o Estado brasileiro e as inmeras disposies legais e estatutos nuncareconheceram e regularizaram, embora isto tenha acontecido em larga escalacom os imigrantes europeus.

    Vozes de grupos insurgentes foram inscritas em vrios artigos daConstituio Federal de 1988, principalmente naqueles que tratam dedireitos essenciais vida, ao reconhecimento e proteo do patrimniohistrico-cultural e dos direitos territoriais. , sobretudo, nesta conjunturahistrica que a percia antropolgica se consolida. O trabalho do antroplogoperito no se constitui como um mero parecer tcnico descontextualizado,mas reete uma preocupao tica e terica calcada no aprofundamentodo mtodo etnogrco, elaborado e resultante da vivncia in loco, emque busca realar o ponto de vista dos grupos pesquisados. Os instrumentos

    consagrados pela prtica antropolgica adquirem, neste caso, um lugarprivilegiado na interlocuo com o campo e com os prossionais de Direito,os administradores pblicos designados para zelar pela prpria aplicao daConstituio Federal, como o caso do Ministrio Pblico Federal.

    O direito quilombola que a Constituio Brasileira visa alcanar o direito sobre o lugar, o direito no exclusivamente terra ou s condiesde produo, mas sobretudo o seu reconhecimento na ordem jurdica que ,antes de tudo, uma poltica de direitos humanos.

    O formalismo jurdico que integrou o sistema colonial escravista

    formulou suas bases em um mundo hierarquizado e desigual. desta mltiplae ambgua condio que emerge e se reproduz, indenidamente, as fronteirasque delimitam a nacionalidade. No por acaso que burlar e borrar essasfronteiras tidas por muitos como rgidas, xas nas atuais condies deprivilgios tidos como universais, gera reaes extremas de medo, violnciae pnico. Guardam, contudo, seu fascnio, pois destes percursos, descobrimosos humanos que somos. As narrativas dos grupos negros esto repletas deconitos e tenses geradas por estes trnsitos e conforme Gilroy (2001) oconceito de amor o descreve e implica. Amor que rima com dor.

    Quanto, e por quanto tempo temos ainda que sofrer? - a perguntade uma senhora de setenta anos da Comunidade de Casca RS.

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    TERRAS DE QUILOMBO NO BRASIL: DIREITOS TERRITORIAIS EMCONSTRUO

    Eliane Cantarino ODwyer19

    Neste artigo pretendo situar os debates que os antroplogos estoinseridos no campo de aplicao dos direitos constitucionais, principalmenteno que diz respeito s terras de quilombo e algumas questes que precisamosenfrentar no contexto atual sobre o reconhecimento de direitos diferenciadosde cidadania.

    A diretoria da Associao Brasileira de Antropologia (ABA) deniu

    como um desao da gesto 1994-1996, que a ABA viesse a se manifestar noapenas em relao s questes que envolvessem assuntos indgenas e se zesseigualmente presente em outros domnios e campos de atuao signicativos.Foi com esta atribuio que se constituiu o Grupo de Trabalho da ABA parareetir sobre a conceituao de Terras de Remanescentes de Quilombos, asistemtica administrativa para sua implementao e o papel do antroplogonesse processo.

    A primeira reunio desse Grupo de Trabalho ocorreu em 17 deoutubro de 1994 e teve a participao de pesquisadores que trabalhavam com

    esta questo.Nessa ocasio foi elaborado um documento para o Seminriodas Comunidades Remanescentes de Quilombos promovido pela FundaoCultural Palmares/Minc, realizado em Braslia entre os dias 25 e 27 de outubrode 1994. O documento, que trata da abrangncia do signicado de Quilombovisando a aplicao do Artigo 68 do ADCT da Constituio Federal de 1988,foi discutido com representantes de diversas Associaes e ComunidadesNegras Rurais presentes no seminrio, em Braslia.

    De acordo com este documento, o termo Quilombo tem assumido novossignicados na literatura especializada e tambm para grupos, indivduos e

    organizaes. Ainda que tenha um contedo histrico, o mesmo vem sendoressemantizado para designar a situao presente dos segmentos negros emdiferentes regies e contextos do Brasil. Denies tm sido elaboradas pororganizaes no governamentais, entidades confessionais e organizaes

    19. Antroploga e Coordenadora do Grupo de Estudos Amaznicos- GEAM - Universidade FederalFluminense

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    autnomas dos trabalhadores, bem como pelo prprio movimento negro.Um exemplo disso o termo remanescente de quilombo, institudo pelaConstituio de 1988, que vem sendo utilizado pelos grupos para designar

    um legado, uma herana cultural e material que lhes confere uma refernciapresencial no sentimento de ser e pertencer a um lugar e a um grupo especco.

    Contemporaneamente, portanto, o termo Quilombo no se refere aresduos ou resqucios arqueolgicos de ocupao temporal ou de comprovaobiolgica. Tambm no se trata de grupos isolados ou de uma populaoestritamente homognea. Da mesma forma nem sempre foram constitudosa partir de movimentos insurrecionais ou rebelados mas, sobretudo,consistem em grupos que desenvolveram prticas cotidianas de resistnciana manuteno e reproduo de seus modos de vida caractersticos e na

    consolidao de um territrio prprio. A identidade desses grupos tambmno se dene pelo tamanho e nmero de seus membros, mas pela experinciavivida e as verses compartilhadas de sua trajetria comum e da continuidadeenquanto grupo. Neste sentido, constituem grupos tnicos conceitualmentedenidos pela antropologia como um tipo organizacional que conferepertencimento mediante normas e meios empregados para indicar aliaoou excluso (BARTH, 1969).

    No que diz respeito territorialidade desses grupos, a ocupao daterra no feita em termos de lotes individuais, predominando seu uso

    comum. A utilizao dessas reas obedece a sazonalizao das atividades,sejam agrcolas, extrativistas ou outras, caracterizando diferentes formas deuso e ocupao dos elementos essenciais ao ecossistema, que tomam por baselaos de parentesco e vizinhana, assentados em relaes de solidariedade ereciprocidade.

    Baseados nessa perspectiva e levando em conta o campo de discussoe de aes sociais que a aplicao do dispositivo constitucional vinhadelineando, sendo objeto inclusive de tomadas de posies ociais, publicamoso caderno da ABA: Terra de Quilombo, que reunia trabalhos de antroplogos

    e pesquisadores de reas ans com distintas vises e compreenses daproblemtica, como forma de contribuir para relativizar noes baseadasem julgamentos arbitrrios e indicar a necessidade de se perceber os fatos apartir de uma outra dimenso, que venha a incorporar o ponto de vista dosgrupos sociais que pretendem em suas aes a vigncia do direito atribudopela Constituio Federal.

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    Na gesto 1996-1998 da ABA, foi desenvolvido o Projeto Quilombos:laudos antropolgicos, consolidao de fontes e canais permanentes decomunicao, com apoio da Fundao FORD, visando gerar as bases de uma

    sistemtica para acompanhamento dos laudos periciais a partir das demandasde comunidades negras rurais, que pretendem em suas aes a aplicao doartigo 68 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias da ConstituioFederal de 1988, com a consolidao de alguns procedimentos consideradosnecessrios na identicao e reconhecimento das chamadas terras de pretoe/ou terras de quilombo.

    Assim, no decorrer de 1997, consolidamos um canal de debatecom antroplogos que realizam pesquisas em comunidades negras ruraise desenvolvemos uma colaborao estreita com a Comisso Nacional de

    Articulao das Comunidades Remanescentes de Quilombos, que solicitavaaos rgos governamentais o reconhecimento de centenas de comunidadesnegras rurais mobilizadas pela aplicao do artigo 68 do ADCT/CF-88.Na ocasio de uma reunio em Braslia (maio de 1997) das lideranas domovimento negro e representantes da Comisso Nacional de Articulaodas Comunidades Negras Rurais, com a presidncia da Fundao CulturalPalmares-Minc, por solicitao feita no mbito dessa reunio, elaboramos,atravs do projeto ABA-FORD, as bases para execuo de um trabalho sobreo Mapeamento e Sistematizao das reas Remanescentes de Quilombos,

    que teve o objetivo de contemplar as reivindicaes apresentadas parao reconhecimento de centenas de comunidades negras rurais, indicadasinicialmente em nmero de cinqenta.

    Para realizao do trabalho de mapeamento e identicao das terras dequilombo, a ABA indicou antroplogos que estavam desenvolvendo pesquisase reexes sobre essa temtica, com base no canal de debates construdopelo projeto ABA-FORD. Ao assumir de forma institucional esse projeto deinteresse da comunidade antropolgica, as gestes da ABA de 1996-1998 e1998-2000, deram uma contribuio importante para o reconhecimento da

    diversidade tnica existente no pas. Enm, o resultado desses estudos e aesrealizadas no Projeto ABA-FORD foram posteriormente publicados no livroda ABA, Quilombos: Identidade tnica e Territorialidade, em 2002.

    Esta publicao contou com a colaborao de antroplogos que nostextos divulgados seguiam o preceito bsico da disciplina de submeterconceitos pr-estabelecidos experincia de contextos diferentes e

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    particulares (PEIRANO, 1995), os quais permitem levantar a questo dosdiferentes usos, limites e possibilidades no trabalho de pesquisa etnogrca.

    Gostaria de chamar ateno sobre os conceitos de grupo tnico,

    etnicidade, relaes intertnicas e processos de territorializao, os quaisforam utilizados para fundamentar os relatrios antropolgicos nosprocessos de reconhecimento territorial das chamadas comunidades negrasremanescentes de quilombos. Tais conceitos serviram como instrumentosde distanciamento para encarar criticamente a realidade, sem se deixar tragarpor ela (GINZBURG, 2001: 12).

    Alm disso, como diz Foucault, sobre as necessidades conceituais:

    (...) a conceituao no deveria estar fundada (exclusivamente)

    numa teoria do objeto o objeto conceituado no o nicocritrio de uma boa conceituao. Temos de conhecer ascondies histricas que motivam nossa conceituao.Necessitamos de uma conscincia histrica da situaopresente. (...) De qualquer maneira, no se trata, para ns,apenas de uma questo terica, mas de uma parte de nossaexperincia (FOUCAULT op cit. RABINOW e DREYFUS,1995: 232).

    Assim, da perspectiva dos antroplogos reunidos no grupo de trabalhoTerra de Quilombo da Associao Brasileira de Antropologia - ABA, aetnicidade refere-se aos aspectos das relaes entre grupos que considerama si prprios como distintos. Do ponto de vista da interao, o processo deidenticao tnica se constri de modo contrastivo, isto , pela armaodo ns diante dos outros (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976: 5).

    A partir de Barth (1969), as diferenas culturais adquirem um elementotnico no como modo de vida exclusivo e tipicamente caracterstico de umgrupo, mas quando as diferenas culturais so percebidas como importantes e

    socialmente relevantes para os prprios atores sociais. No caso das chamadascomunidades negras rurais no Brasil, tais diferenas culturais costumamser comunicadas ainda por meio de esteretipos, que por sua vez podemser relacionados com racismo e discriminao. Usado analiticamente pelaantropologia, o conceito de esteretipo se refere criao e aplicao denoes padronizadas de distintividade cultural de um grupo e tambmdiferenas de poder (ERIKSEN, 1991: 66). No caso das terras de quilombo,

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    importante igualmente registrar que as situaes de discriminao racial e douso de esteretipos na interao social, tm sido consideradas nas abordagensantropolgicas mais recentes, como um tipo de processo social no qual

    as diferenas culturais so comunicadas (Idem: 62), presente na prpriaproduo da etnicidade.

    A disputa em torno da posse da terra e o envolvimento de grandesempreendimentos agropecurios, madeireiros ou a pura e simples grilagem comns de especulao imobiliria acabaram por tornar necessrios os relatriosantropolgicos de identicao territorial como prtica administrativa dergos governamentais para conferir direitos. Por sua vez, estes relatriosno se resumem a peas tcnicas enviadas aos rgos de governo. As questesimplcitas em sua elaborao e as experincias concretas dos pesquisadores

    inseridos nessa rede foram debatidas em inmeros seminrios realizados pelaABA e em seus encontros bianuais as Reunies Brasileiras de Antropo