Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

15

Click here to load reader

Transcript of Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

Page 1: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

CONDICIONAMENTO ALIMENTAR DE PEIXES CARNÍVOROS

Ana Maria B. M. Sampaio de Oliveira, Ph.D.

1. Introdução

A produção mundial de organismos aquáticos pela aqüicultura cresceu de

33.310.349 t em 1.999 para 35.585.111 t em 2.000 e 37.851.356 em 2001 (FAO, 2002). No

Brasil, a produção anual total de pescado cresceu de 655.000 t em 1999 para 766.841 t em

2.000e 770.000 em 2001 (FAO, 2002), sendo que a produção originada da aquicultura

cresceu de 119.750 t em 1999 para 153.558 t em 2.000 e 210.000 em 2001. A projeção da

FAO relativa ao incremento da produção de organismos aquáticos através de técnicas de

aqüicultura para 2010 é de 107 a 144 milhões de toneladas, das quais aproximadamente 30

milhões serão transformadas em farinha de peixe e óleo para uso em produtos não

alimentícios.

Em 1997 a produção mundial de peixes carnívoros estava em 2 mil t/ano e

representava 6% do total de produtos aquícolas produzidos no mundo. Em 1991, a produção

mundial de trutas e salmões era 652.428 t, passando para 943.722 em 1995, 1.395.739 em

1999 e 1.633.824 em 2000 (FAO, 2002). Este ramo da piscicultura exige a adoção de

sistemas de criação manejados em regime intensivo, em que o manejo da nutrição

desempenha papel importante, exigindo sério esforço da pesquisa para a geração de

tecnologia adequada (FAO, 2002).

Há vários exemplos de peixes, originalmente carnívoros, que se adaptaram às

condições de criação intensiva usando rações comerciais, como o “yellowtail” Seriola

quinqueradiata no Japão; o “turbot” Scophthalmus maximus e o “seabass” Dicentrarchus

labrax na Europa; a truta arco-íris Oncorhynchus mykiss, o salmão do Atlântico Salmo salar

e outros salmonídeos criados intensivamente em vários países, e o bagre do canal Ictalurus

punctatus que, produzido com uma dieta composta basicamente por grãos, é hoje a principal

espécie da aquicultura no sudeste dos Estados Unidos. Trabalhos envolvendo o

Page 2: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

2

condicionamento alimentar de espécies carnívoras, como os surubins (Pseudoplatystoma sp.),

o “black bass” (Micropterus salmoides) e até mesmo os tucunarés (Cichla sp), vêm sendo

realizados com relativo sucesso. Um próximo passo seria a determinação das exigências

nutricionais destas espécies, principalmente os teores de proteína e energia das rações, cujo

conhecimento vai embasar a produção de rações para sua criação comercial.

A criação intensiva de peixes carnívoros era considerada muito difícil, uma vez

que estava sujeita aos entraves comuns à criação destas espécies: uso de estratégias

inadequadas de preparo e monitoramento dos tanques de larvicultura, o acentuado

canibalismo e a inabilidade em aceitar de imediato ração convencional, e a baixa

disponibilidade de rações comerciais de qualidade, nutricionalmente completas e bem

balanceadas, que suprissem as exigências nutricionais das espécies carnívoras. Com o

desenvolvimento e aprimoramento de técnicas de condicionamento alimentar, já existem

produções de juvenis avançados de várias espécies carnívoras, entre elas os surubins, pintado

e cachara, que se destacam entre as espécies nacionais como peixes de mesa, esportivos ou

mesmo ornamentais e o black bass, considerado o carro chefe da indústria da pesca esportiva

nos Estados Unidos, a qual conta com 46 milhões de adeptos que movimentam, em média,

US$ 28 bilhões anualmente, ou cerca de 0,5% do PIB daquele país.

2. Larvicultura

O sucesso da larvicultura, fase que apresenta duração de 20 a 30 dias, irá

depender de fatores como, tipo, quantidade e manutenção do zooplâncton disponível nos

viveiros, da densidade de larvas estocadas e de parâmetros da qualidade da água, como pH,

amônia, alcalinidade e dureza total e oxigênio dissolvido. A eliminação de insetos (ninfas de

odonata, remadores e baratas d’água) e peixes indesejáveis (permanecem nos viveiros após a

despesca) é de fundamental importância para a sobrevivência das pós-larvas. Para tanto, faz-

se necessário à utilização de cal sobre toda a superfície das poças no fundo dos viveiros, na

concentração de 200 g de cal/m2. Anônimo (1998), destaca a importância da calagem para

elevar a alcalinidade e dureza total da água. Águas que apresentam valores superiores a 30

mg de CaCO3/L dispensam a aplicação de calcário, o que resulta em economia de tempo de

Page 3: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

3

dinheiro para o produtor de alevinos. A calagem melhora a disponibilidade de nutrientes para

o fitoplâncton, ajuda a manter o pH da água mais estável e fornece cálcio para o

desenvolvimento normal do zooplâncton. A aplicação do calcário deve ser feita no fundo e

nas laterais do tanque quando este está seco ou pode ser aplicado com o viveiro já sendo

cheio. O mais recomendado é a utilização do calcário dolomítico (contém cálcio e magnésio),

com granulometria fina (PRNT acima de 90% conforme indicado na embalagem). A

aplicação de cal hidratada e cal virgem faz o pH da água subir rapidamente para níveis letais

para as pós-larvas e alevinos. Pós larvas são extremamente sensíveis a pH acima de 9 nos

primeiros dias de vida.

Em relação ao black bass e tucunaré, o tempo aproximado da eclosão dos ovos

até as larvas iniciarem a natação, são de 3 dias. Os reprodutores, por sua vez cuidam dos ovos

e das larvas até estas alcançarem 2 cm. É nesta fase que as larvas são capturadas e

transferidas para um viveiro previamente adubado, onde se alimentam basicamente de

zooplâncton. Elas podem permanecer neste viveiro até atingirem aproximadamente 3,5 cm,

tamanho em que os peixes iniciam a procura por presas maiores, período ideal para iniciar o

condicionamento alimentar.

Segundo Ceccarelli e Senhorini (1996), as larvas de matrinxã e piracanjuba tem

demonstrado preferência alimentar por crustáceos zooplanctônicos, principalmente os

cladóceros, além de larvas de insetos aquáticos. Após 7 a 10 dias do abastecimento dos

viveiros e estes terem sido adubados, ocorre pico de alimentos adequados, ou seja, os

cladóceros, este momento é o ideal para a estocagem das larvas. Em seguida, é muito

importante manter um programa de fertilização orgânica e inorgânica, com intervalos de no

máximo uma semana, objetivando a manutenção de pico de zooplâncton. Porém, recomenda-

se iniciar o enchimento dos viveiros até no máximo 2 a 3 dias antes da estocagem das pós-

larvas. Desta forma a estocagem inicial de larvas está em torno de 100 larvas/m2, mas este

número pode variar de acordo com a produtividade dos viveiros e o tipo de adubo, inóculo de

zooplâncton e alimentação artificial utilizados.

Durante a larvicultura o plâncton é de fundamental importância, pois produz oxigênio e

remove a amônia da água, favorecendo um rápido crescimento dos peixes. Além disso, o

plâncton sombreia o fundo dos viveiros, impedindo a entrada de luz e o desenvolvimento de

Page 4: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

4

algas filamentosas e plantas submersas. O excesso de troca de água nesta fase prejudica o

desenvolvimento do plâncton, facilitando desenvolvimento de algas filamentosas e plantas

aquáticas no fundo dos viveiros, devido à alta transparência da água, além de dificultar as

operações de despesca. Segundo Kubtiza (1999), uma outra sugestão que favorece o

desenvolvimento do plâncton é a utilização de 2 a 3 kg de uréia/1.000 m2/semana e 4 a 6 kg

de farelos vegetais/1.000 m2/dia. Farelos de arroz, trigo ou algodão, por exemplo, podem ser

usados e também servirão de alimento para os peixes estocados. Um parâmetro que pode ser

utilizado para se medir a necessidade de adubação é o disco de Secchi (ideal é manter a

transparência em 50 cm). Atingida está transparência, pode-se interromper o uso de uréias e

farelos. Da mesma forma, caso a transparência da água for se aproximando de 30 cm, deve-se

aumentar a renovação de água de forma a manter a transparência em 50 cm.

Como as pós-larvas apresentam rápido crescimento, são muito exigentes em

nutrientes. Além disso, as reservas corporais em nutrientes são poucas e deste modo,

qualquer deficiência na nutrição das mesmas, pode trazer sérios problemas para o

crescimento. O zooplâncton é o primeiro alimento externo para as pós-larvas da maioria dos

peixes. Enzimas digestivas presentes neste organismo são liberadas pela ação física das pós-

larvas durante a captura e ingestão do zooplâncton. Estas enzimas exógenas desencadeiam a

hidrólise das proteínas do próprio zooplâncton ingerido e estimulam a secreção de enzimas

pelo trato digestivo das pós-larvas (enzimas endógenas), facilitando o processo de digestão e

absorção dos nutrientes. Após alguns dias com alimentação às custas de organismos

planctônicos, as pós-larvas começam a aceitar e utilizar melhor as rações preparadas.

3. Estratégias no condicionamento alimentar de peixes carnívoros

Devido ao hábito natural destas espécies, carnívoros por excelência, é necessário

um período de treino alimentar realizado no período de alevinagem para aceitarem ração

comercial. Existem várias estratégias de treino alimentar: transição súbita das rações,

transição gradual das rações e transição gradual dos ingredientes nas rações (Kubitza, 1995a,

b). A transição súbita consiste na substituição direta do alimento natural ou ração inicial pela

Page 5: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

5

ração final, ou seja, não considera as diferenças de sabor e textura da dieta durante a transição

alimentar.

A transição gradual das rações consiste na substituição progressiva de uma certa

ração inicial ou alimento natural pela ração final seca, até o ponto onde apenas a ração final é

oferecida. Esta técnica pode favorecer a seletividade alimentar e acentuar o canibalismo em

função das diferenças de tamanho dos peixes dentro do mesmo lote, uma vez que os peixes

maiores se alimentariam primeiro, desenvolvendo-se mais rapidamente e ficando aptos a

praticar o canibalismo (Kubitza, 1995a, b; Ono, 1996; Kubitza & Lovshin, 1997; Moura,

1998).

Porém a estratégia mais eficiente é a substituição gradual dos ingredientes nas

rações, onde o alimento inicial é substituído por uma seqüência de rações formuladas de

forma a conter níveis decrescentes do alimento inicial em sua composição. Neste caso, a

textura e o sabor das rações são alterados progressivamente e os ingredientes misturados

impedem a seletividade.

4. Alimentos artificiais utilizados e fatores que afetam o condicionamento alimentar

A produção de peixes forrageiros para a produção intensiva de peixes carnívoros

implica em aumento dos custos de produção pela maior necessidade de mão de obra e área de

viveiros. Além da menor produtividade obtida com alimentos naturais, existe uma

dependência da sazonalidade de produção do alimento natural, da sua disponibilidade a baixo

preço, da obtenção em quantidade e qualidade adequadas àquela fase do animal e da

disponibilidade de um espaço maior para a criação da espécie forrageira a ser fornecida aos

peixes sob criação. A utilização de zooplâncton e náuplios de Artemia, por exemplo, é restrita

às fases de larvicultura, sendo inadequada na alevinagem devido ao reduzido tamanho de

partículas/presas e alto custo de produção. Normalmente, a depleção de alimento natural

coincide com o tempo em que os alevinos alcançam 4 a 6 cm de tamanho. Nesta fase, há a

necessidade de reduzir a densidade de estocagem nos tanques de produção, para evitar o

canibalismo. Acredita-se que seja necessária a produção de dois quilogramas e meio de peixe

forrageiro para se produzir 500 g de uma determinada espécie de peixe carnívoro (Anderson,

Page 6: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

6

1974; Kubitza, 1995a, b; Nelson et al., 1974; Sloane & Lovshin, 1995; Willis & Flickinger,

1981).

Estes alevinos podem ser facilmente treinados com peixes moídos ou dietas úmidas

(Lovshin & Rushing, 1989). Porém, o alto custo dos alimentos úmidos e a necessidade de

refrigeração limitam o uso a um pequeno período de condicionamento alimentar ou a uma

pequena escala de produção. Porque são mais baratas e fáceis de armazenar, dietas secas são

mais recomendadas para operações de grande escala. A identificação de rações iniciais e o

desenvolvimento de estratégias efetivas de produção que levem estes peixes das rações

iniciais até as rações comerciais são o grande entrave (Kubitza, 1995a, b).

Filé de peixe moído, ovos de carpa comum e krill seco congelado são alguns dos

alimentos iniciais utilizados para o treino alimentar. Segundo Kubitza (1995a), o melhor

alimento inicial para o condicionamento alimentar do largemouth bass é o krill seco

congelado, seguido de uma transição gradual dos ingredientes das rações contendo farinha de

krill. No entanto, o filé de peixe moído pode ser considerado um potente substituto, uma vez

que peixes treinados com filé de peixe crescem mais rápido e aceitam melhor a ração

comercial extrusada que os peixes treinados com krill seco congelado. (Sloane & Lovshin,

1995; Kubitza & Lovshin, 1997). O aumento da palatabilidade, textura e flutuabilidade do

krill parecem satisfazer as preferências alimentares do largemouth bass.

Willianson & Carmichael (1990), testaram o sucesso de treino de duas variedades

de largemouth bass (Northen e Flórida) e seus híbridos. Os resultados indicaram que os

alevinos da variedade Northen obtiveram maior sucesso no treino. Trabalhando com duas

gerações de largemouth bass (filhos de pais treinados na ração – meridian select e filhos de

pais alimentados com peixes forrageiros - meridian), Ono (1996) testou quatro dietas iniciais:

krill seco congelado (KSC), filé de peixe moído (FPM), 80% de filé de peixe mais 20% de

ração de truta moída (FP-80) e ração de truta moída (RT) e obteve os seguintes resultados:

Page 7: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

7

Tabela 1. Porcentagem de peixes condicionados e não condicionados a aceitar krill seco

congelado (KSC), filé de peixe moído (FPM), uma dieta semi-úmida feita com

80% de filé de peixe mais 20% de ração de truta moída (FP-80) e ração comercial

de truta (RT).

Espécie KSC FP FP-80 RT

Meridian select Peso inicial, g 0,91 0,93 0,93 0,92 Condicionados, % 92,7a 83,2b 17,0c 2,2d Meridian Peso inicial, g 0,90 0,88 0,89 0,88 Condicionados, % 58,3a 59,2a 7,3b 1,5c

Ono (1996)

Ono (1996) sugere ainda que para o condicionamento alimentar do black bass, com

peso inicial de 1 g, a melhor estratégia foi usar o KSC durante 4 dias, em seguida uma

transição gradual dos ingredientes das rações durante 9 dias, com rações contendo 75, 50 e

25% de farinha de krill misturada com ração de truta moída, fornecida 4 vezes ao dia durante

2 dias cada ração. Moura (1998), trabalhando com o tucunaré Cichla sp, sugere que a melhor

dieta inicial é aquela contendo 100% de filé de peixe moído, seguida de uma transição

gradual dos ingredientes das rações, contendo 80, 60, 45, 30, 10 e 0 % de filé de peixe,

obtendo-se 37% de peixes aceitando uma ração seca comercial. Apesar de utilizarem a

mesma dieta inicial – filé de peixe moído, Kubitza & Cyrino (1997) obtiveram 76% dos

peixes se alimentando do alimento inicial, mas não obtiveram sucesso em relação ao restante

das rações de transição, pois nenhum peixe aceitou uma ração final seca. Snow (1968),

sugere que alevinos de black bass devem estar com aproximadamente 0,9 g, ou 38 a 51 mm

para começar o período de condicionamento alimentar, pois nesta fase os peixes têm reserva

de energia suficiente para sobreviverem até serem treinados, bem como tamanho uniforme

para reduzir canibalismo.

Brandt et al. (1987), trabalhando também com o largemouth bass, testou o sucesso

do treinamento de 32 dietas iniciais. O sucesso do treino para a maioria das dietas ficou

abaixo de 3,2%, exceto para as rações granuladas contendo 45% de proteína e duas dietas

Page 8: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

8

contendo pelo menos 97,8% de ovos de carpa comum. As rações granuladas possibilitaram

um sucesso de treino de 18%. As dietas contendo 97,8 e 100% de ovos de carpa comum

possibilitaram um sucesso de condicionamento alimentar de 59 e 57,5%, respectivamente.

Resultados de investigações sobre o uso de substâncias que estimulam o consumo

de alimento pelos peixes sugerem que embora o sabor de um alimento seja quimicamente

mediado por substâncias inerentes ao alimento, depende ainda da quimiossensitividade da

espécie (Adams et al., 1988); misturas são mais eficazes para estimular a resposta alimentar

dos peixes que componentes individuais (Kubitza, 1995b); L-aminoácidos são substâncias

mediadoras da resposta alimentar dos peixes, particularmente os aminoácidos neutros

(Hughes, 1991); e bases nitrogenadas orgânicas e nucleotídeos estão envolvidos com a

resposta alimentar dos peixes (Kubitza, 1995b).

Em estudos com o black bass, Kubitza (1995b) testou o efeito da substituição da

farinha de peixe pelo farelo de soja (60 %) para identificar a palatabilidade das dietas

experimentais. Em seguida, adicionou às rações uma mistura de aminoácidos (alanina

2.000mg/kg, glicina 3.836 mg/kg, prolina 305 mg/kg, serina 1.205 mg/kg, leucina 614

mg/kg, valina 800 mg/kg, histidina 273 mg/kg e triptofano 318 mg/kg), nucleotídeos (inosina

2.800 mg/kg e inosina-5-monofosfato 2.800 mg/kg) e betaina (6.100 mg/kg). Foram testadas

7 rações experimentais: apenas com aminoácidos; apenas com a betaína; apenas com os

nucleotídeos; com aminoácidos mais betaína; com aminoácidos mais nucleotídeos; com

betaína mais nucleotídeos; e com os aminoácidos mais betaína mais nucleotídeos; e uma

ração controle contendo 60% de farelo de soja. Baseando-se no consumo diário de ração, os

melhores resultados foram àqueles relativos às rações contendo somente nucleotídeos ou com

as outras possíveis combinações, como pode ser observado na Tabela 2.

Page 9: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

9

Tabela 2. Consumo diário de ração (CDR) em g/100 g de peso vivo do largemouth bass

alimentado com uma dieta controle e com dietas contendo aminoácidos (AA),

nucleotídeos (NUC), e betaína (Bet) isolados e com todas as possíveis

combinações.

Rações experimentais CDR (g/100g)

NUC 3,60 a NUC + AA + Bet 3,45 a NUC + Bet 3,42 a NUC + AA 3,34 a AA + Bet 2,74 b AA 2,69 b Controle 2,47 b Betaína (Bet) 2,40 b CV (%) 12,40

Kubitza (1995b)

Kubitza (1995b) realizou ainda outro experimento com a mesma espécie, testando

somente os nucleotídeos, inosina e inosina monofosfato, juntos ou isoladamente, em

diferentes níveis e observou os seguintes resultados (Tabela 3):

Page 10: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

10

Tabela 3. Consumo diário de ração (CDR) em g/100 g de peso vivo do largemouth bass

alimentado com uma dieta controle e com dietas contendo 10% de farinha de

peixe (FP-10), ou contendo somente inosina (Ino) ou somente inosina –5’-

monofosfato (IMP-5’) e Ino mais IMP-5’.

Rações experimentais (mg/kg) CDR (g/100g)

FM-10 1,90 a Ino+IMP (2.800 cada) 1,63 b IMP-5’ (5.600) 1,50 b IMP-5’ (2.800) 1,48 b IMP-5’ (1.400) 1,27 c Ino (5.600) 1,29 c Ino (2.800) 1,29 c Ino (1.400) 1,22 c Controle 1,20 c CV(%) 14,80

Kubitza (1995b)

Apesar de estarem associados a um aumento na resposta alimentar dos peixes, os

aminoácidos neutros não estimularam o consumo de alimento. A betaína, composto orgânico

encontrado em grandes concentrações em extratos de crustáceos e considerado um bom

estimulante do consumo de alimento para peixes, também não foi efetivo neste estudo. O

IMP-5’, encontrado em abundância em músculos de peixes e, consequentemente na farinha

de peixe, foi o nutriente que apresentou melhor efeito estimulatório no consumo de alimento.

Os peixes carnívoros normalmente iniciam sua fase piscívora ainda como alevinos,

à medida que as fontes de alimento natural diminuem ou passam a ser inadequadas em

tamanho. Santos et al. (1993), relata que larvas de dourado Salminus maxilosus, começam a

realizar canibalismo poucas horas após a eclosão, quando ainda possuem saco vitelínico.

Mesmo na presença de peixes forrageiros, este comportamento continua levando a um

pequeno sucesso na criação desta espécie.

Page 11: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

11

Além do alimento inicial, outros fatores que afetam o condicionamento alimentar

são: a condição de saúde do peixe, linhagem genética, qualidade e temperatura da água,

tamanho e palatabilidade do alimento, estratégia e manejo alimentar, densidade de estocagem

e doenças (Kubitza & Lovshin, 1997). Sloane & Lovshin (1995) sugerem que peixes

carnívoros que estão passando pelo condicionamento alimentar devem ser expostos ao

alimento até serem completamente treinados. Os autores sugerem ainda que quanto mais

oportunidades os peixes tiverem de consumir o alimento, mais rapidamente serão

condicionados a consumir uma dieta comercial seca. Os peixes devem ser alimentados 4 a 5

vezes ao dia, mesmo em excesso, pois a exposição freqüente às partículas de alimento

aumenta a chance dos peixes aprenderem a aceitar a ração final. É sempre muito importante

manter peixes de mesmo tamanho dentro das unidades de produção para evitar canibalismo.

Em geral, 60 a 80% dos peixes que iniciam o treino alimentar aceitam rações comerciais

secas. O condicionamento alimentar é iniciado com peixes de 3 a 5 cm e se estende por 20 a

30 dias, quando os peixes atingem 5g, aproximadamente, e já devem estar aptos a aceitar

ração comercial para peixes carnívoros (42% de proteína bruta) com grânulos flutuantes de 2

mm (Moura, 1998).

A temperatura da água deve permanecer na faixa ótima de conforto para a espécie

em treinamento (normalmente 25 a 30oC) e os níveis de oxigênio dissolvido devem estar

acima de 5 mg/L, o que se consegue, usualmente, com um troca de água freqüente. Quando a

temperatura da água ultrapassa os 30oC e os peixes são excessivamente manejados, é comum

o aparecimento de uma bacteriose causada por Flexibacter columnaris no estoque. Neste

caso, um tratamento tópico com permanganato de potássio na concentração de 2 mg/L por 2

h controla a propagação da doença e reduz a mortalidade. Outra doença comum neste período

é o íctio ou doença dos pontos brancos, causada pelo protozoário Ichthyophthirius multifilis.

Esta parasitose pode ser controlada com banhos indefinidos de formaldeído 37% (formalina)

na concentração de 25 ml/m3. Deficiência de vitamina B1 também foi observada em

experimentos com filé de peixe moído, provavelmente devido a presença da enzima

tiaminase na carne crua de peixes (Snow, 1968).

A produção de juvenis avançados (peixes com aproximadamente 100g) é de grande

interesse porque assegura melhor sobrevivência em programas de repovoamento de

Page 12: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

12

reservatórios com populações de peixes já estabelecidas. Esta prática já vem sendo feito em

larga escala com o black bass, em reservatórios públicos e particulares para pesca esportiva.

O alto custo inicial dos peixes, cerca de R$ 4,00/unidade é compensado pelo menor número

de peixes necessários, em função da ausência de canibalismo e consequentemente maior taxa

de sobrevivência.

A produção intensiva de juvenis avançados de black bass alimentados com ração

comercial seca em viveiros sem renovação de água e com aeração de emergência alcança até

7.200 kg/ha em 117 a 153 dias de cultivo, com conversão alimentar de 0,97 a 1,14 (Kubitza,

1995b). Surubins com peso inicial de 50g alcançam peso médio de 600g em 90 a 100 dias

após a estocagem, atingindo biomassa final de 5.000 kg/ha, obtendo-se conversão alimentar

entre 1,4 e 1,7. A terminação dos surubins (600g a 3kg) ocorre em 330 a 390 dias, atingindo

uma biomassa total de 4.700 kg/ha e conversão alimentar de 1,9 a 2,0 (Kubitza et al., 1998).

Pesquisas com o carnívoro tucunaré realizado pela ESALQ/USP, demostraram que peixes

com peso inicial de 10g, apresentaram um ganho de peso de 20g em 60 dias com índices de

conversão alimentar de 1,2 e que é possível reduzir o nível de proteína bruta (PB) nas rações

de peixes carnívoros de 40% para 36 a 37% de PB sem redução no ganho de peso e qualidade

da carne do produto final, o que resulta em grande redução no preço das rações (Sampaio,

1999).

Hoje, os preços de venda de peixes carnívoros variam de R$ 10,00 a R$ 15,00/kg

de peso vivo. Os preços praticados em peixarias da região sudeste variam de R$ 7,00 a

R$20,00 dependendo da apresentação do produto. Estes valores mostram que apesar do alto

custo inicial dos alevinos, a criação de espécies carnívoras é hoje uma boa opção para

produtores e donos de pesque – pagues aumentarem as margens de lucro da atividade.

Page 13: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

13

5. Curiosidades

Segundo Larsen (1993), alguns estudos mostraram que tucunarés adultos se

alimentam exclusivamente de pequenos peixes, especialmente “threadfin shad, mosquito fish,

tilápia e o bluegill em águas americanas. No lago Guri, Venezuela, por exemplo, foram

encontrados tucunarés adultos apresentando grande canibalismo sobre tucunarés menores.

Estudos no Havaí mostraram que a ausência de black bass no estômago de 591 tucunarés,

sugerem que estes não predam significativamente o black bass. Nos canais no sul da Flórida,

foram encontrados tucunarés se alimentando mais de tilápia e outras espécies exóticas, do

que as abundantes espécies forrageiras nativas. O que faz o tucunaré ser uma boa espécie

para este habitat é a habilidade de se alimentar da super abundante tilápia. O tucunaré é um

peixe oportunista que se alimentará do que estiver disponível. Um tucunaré de

aproximadamente 1,84 kg representa 16 kg de peixes forrageiros que foram consumidos.

Comparativamente ao black bass o tucunaré apresenta-se mais ágil, se alimentam

durante o dia, com picos de alimentação pela manhã. O tucunaré é muito sensível a baixas

temperaturas, apresentando altas mortalidades com águas abaixo de 20 a 22oC.

Shafland (1995) mostraram que desde bem alimentados, o tucunaré pode crescer

250-300 mm e atingir a maturidade sexual em 12 meses. Os machos são maiores do que as

fêmeas. Esta espécie, normalmente atinge entre 500 a 600 mm (Axelrod et al., 1971; Zaret &

Paine, 1973). Existem relatos em relação ao Cichla ocellaris, de exemplares de até 74 cm e

6,8 kg e 12, 5 kg para o tucunaré açu, Cichla temensis.

Os melhores lugares para a pesca do tucunaré no sudeste do Brasil são: Itumbiara,

São Simão, Emborcação, Água Vermelha, Ilha Solteira, Jupiá, Pereira Barreto, Nova

Avanhandava, Três Marias, Furnas,Volta Grande etc. Na Amazônia, os rios Uatumã e o

Negro são os mais visitados. No Brasil, o tucunaré também pode ser encontrado no Araguaia.

Em relação aos parâmetros de qualidade da água, as exigências são semelhantes

às outras espécies: alcalinidade e dureza total acima de 30 mg de CaCO3/L, pH entre 6,0 e 9,0

e oxigênio dissolvido acima de 3,0 mg/L.

Page 14: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

14

6. Conclusão

Com base no exposto podemos concluir que:

• a estratégia de condicionamento alimentar mais eficiente é a substituição gradual dos

ingredientes nas rações;

•o sucesso do condicionamento alimentar é passado de geração para geração;

•krill seco congelado tem sido bastante utilizado no treino alimentar de espécies carnívoras.

No entanto, devido à baixa disponibilidade, tem se utilizado o filé de peixe moído com

relativo sucesso;

•as espécies carnívoras parecem responder positivamente ao uso de atrativos às rações,

aumentando o consumo de alimento. Porém existe uma grande variação na resposta, em

relação ao tipo de atrativo entre as espécies de peixes.

7. Referências Bibliográficas ADAMS, M. A.; JOHNSEN, P.B.; ZHOU, H-qi. Chemical enhancement of feeding for the

herbivorous fish Tilapia zillii. Aquaculture, v.72, p. 95-107, 1988.

ANDERSON, R. J. Feeding artificial diets to smallmouth bass. The Progressive Fish Culturist, v.36, p.145-151. 1974.

BRANDT, T. M.; JONES Jr., R. M. Evaluation of prepared feeds and attractants for largemouth bass fry. The Progressive Fish Culturist, v.49, p.198-203. 1987.

HUGHES, S. G. Response of first-feeding spring Chinook Salmon to four potential chemical modifiers of feed intake. The Progressive Fish Culturist, v.53, p.17-20. 1991.

KUBITZA, F. Intensive culture of largemouth bass: production of advanced juveniles and food-size fish. Auburn,1995a. 122p. Thesis (Ph. D.) - Auburn University.

KUBITZA, F. Preparo de rações e estratégias de alimentação no cultivo intensivo de peixes carnívoros. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE NUTRIÇÃO DE PEIXES E CRUSTÁCEOS, Campos do Jordão. Anais. Campos do Jordão: CBNA, 1995b. P.91-115.

KUBITZA, F; CYRINO, J. E. P. Feed training strategies for the piscivorous tucunaré Cichla spp. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM BIOLOGY OF TROPICAL FISHES, Manaus, 1997. Resumos. Manaus: INPA, 1997. P.139.

KUBITZA, F.; LOVSHIN, L. L. The use of freeze-dried krill to feed train largemouth (Micropterus salmoides): feeds and training strategies. Aquaculture, v.148, p.299-312, 1997

a.

Page 15: Condicionamento Alimentar Peixes Carnivoros

15

KUBITZA, F.; LOVSHIN, L. L. Effects of initial weight and genetic strain on feed training largemouth Micropterus salmoides using ground fish flesh and freeze dried krill as starter diets. Aquaculture, v.148, p.179-190, 1997 b.

KUBITZA,F.; CAMPOS, J. L.; BRUM, J. A. Surubim: produção intensiva no Projeto Pacu Ltda. e Agropeixe Ltda. Panorama da Aquicultura, v.8, n.49, p.41-50. 1998.

LOVSHIN, L. L.; RUSHING, J. H. Acceptance by largemouth bass fingerlings of pelleted feeds with a gustatory additive. The Progressive Fish Culturist, v.51, p.73-78. 1989.

MOURA, M. A. M. Estratégias de condicionamento alimentar do tucunaré (Cichla sp).Piracicaba, 1998. 43p. Dissertação (Mestrado) - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo.

NELSON, J. T.; BOWKER, R. G.; ROBINSON, J. D. Rearing pellet-fed largemouth bass in a raceway. The Progressive Fish Culturist, v. 36, p. 108-110. 1974.

ONO, E. A. The influence of genetic selection, starter diet and training duration on the ability of largemouth bass ( Micropterus salmoides) fingerlings to accept feeds. Auburn, 1996. 47p. Thesis (M. Sc.) - Auburn University.

SAMPAIO, A. M. B. M. Relação energia:proteína na nutrição do tucunaré Cichla sp. Piracicaba, 1999. 49p. Dissertação (Mestrado) - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo.

SANTOS, S. C. A.; GUGLIELMONI, L. A.; FRIGATTI SOBRINHO, J.; OLIVEIRA, C. A. Reprodução induzida e larvicultura de Salminus maxillosus (PISCES CHARACIDAE) na CESP – COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE ICTIOLOGIA, 10., São Paulo, 1993. Resumos. São Paulo: IOUSP, 1993. p.94.

SLOANE, M. B.; LOVSHIN, L. L. Feed training and intensive production of advanced largemouth bass fingerlings: a review. Reviews in Fisheries Science, v.3, n.1, p. 65-89. 1995.

SNOW, J. R. Production of six - to eight-inch largemouth bass for special purposes. The Progressive Fish Culturist, v.30, p.144-152. 1968.

WILLIS, D. W.; FLICKINGER, S. A. Intensive culture of largemouth bass fry. Transactions of the American Fisheries Society, v.110, p.650-655. 1981.

WILLIAMSON, J. H.; CARMICHAEL, G. J. An aquaculture evaluation of Florida, Northen, and hybrid largemouth bass, Micropterus salmoides. Aquaculture, v.85, p. 247-257. 1990.