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    Quero fazer os poemas das coisas materiais,

    pois imagino que esses ho de ser

    os poemas de mais espiritualidade,

    e farei os poemas do meu corpo

    e do que h de mortal,

    pois acredito que eles me traro

    os poemas da alma e da imortalidade.

    Walt Whitman

    CONCEITOS DE BIOENERGIA * Ricardo Amaral Rego**

    1. INTRODUO

    Em psicoterapia reichiana e neo-reichiana fala-se muito sobre energia. To familiarizadosestamos que parece at estranho falar sobre isso, d a impresso de que todo mundo sabe do que setrata.

    Entretanto, uma olhada mais atenta nos mostrar que o problema bastante complexo, e queexistem questes importantes que no esto esclarecidas. De um lado, a cincia estabelecida nega

    validade a este conceito. De outro, entre os que acreditam no h um consenso, com as vriasopinies se contradizendo umas s outras.

    A verdade que no sabemos exatamente o que seja essa tal de bioenergia, apesar de muitagente achar que sabe. Sobre estes ltimos poderamos dizer, parafraseando o que Freud afirmasobre o contedo latente dos sonhos (16), que eles na verdade no sabem, mas como no sabemque no sabem, acham que sabem.

    Se analisarmos as concepes sobre bioenergia oriundas das diversas linhas psicoterpicas, daHomeopatia, da Acupuntura, das inmeras terapias alternativas, e das religies orientais eocidentais, forosamente chegaremos concluso de que a maioria delas certamente est incorreta,simplesmente pelo fato de no poderem estar todas certas ao mesmo tempo, dadas as diferenasexistentes entre elas.

    Este artigo no pretende esgotar o assunto, mas apenas colocar alguns pontos de vista, parapossibilitar a discusso e facilitar um avano posterior. Toma-se como ponto de partida o conceitoreichiano, para depois investigar suas conexes com outros campos.

    * Escrito em 1990 como monografia de concluso do Curso de Formao do gora-Centro de Estudos Neo-Reichianos.

    Apresentado em Mesa Redonda sobre Bioenergia no III Encontro Reich no Sedes, 1990.

    Publicado em verso resumida nos Anais do referido Encontro, e na Revistade Homeopatia, 57: 3-19, 1992.

    ** fone (011) 283 3055 - fax (011) 289 8394R. Alm. Marques Leo 785, S. Paulo, SP CEP 01330 010E-mail [email protected]

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    Sempre que se falar em psicoterapias reichianas de um modo geral, est-se englobando todas aslinhas reichianas e neo-reichianas, a menos que se especifique o contrrio.

    2.CONCEITOS DE ENERGIA REICHIANOS E NEO-REICHIANOS

    2.1. A ORIGEM PSICANALTICA

    O conceito de bioenergia teve origem na teoria psicanaltica. Freud j em seus primeiros escritosafirmava que nas funes mentais, deve-se distinguir algo - uma carga de afeto ou soma deexcitao - que possui todas as caractersticas de uma quantidade (embora no tenhamos meios demedi-la) passvel de aumento, diminuio, deslocamento e descarga, e que se espalha sobre ostraos mnmicos das representaes como uma carga eltrica espalhada pela superfcie de umcorpo (17, p. 65).

    Inicialmente Freud tentou descrever esse fenmeno em bases neurolgicas, no seu Projeto parauma Psicologia Cientfica (18). Entretanto, segundo Strachey, quando ele, alguns anos depois, nostimo captulo de A Interpretao de Sonhos, dedicou-se ao problema terico mais uma vez -embora, certamente, jamais abandonasse a crena de que, em ltima anlise, teria que serestabelecida uma base fsica para a psicologia - o fundamento neurofisiolgico foi ostensivamente

    abandonado e os sistemas de neurnios foram substitudos por sistemas ou entidades psquicos;uma 'catexia' hipottica de energia psquica tomou o lugar da 'quantidade fsica' (59, p. xxiv).

    O desenvolvimento do ponto de vista econmico na psicanlise, e dos conceitos de catexia,libido e energia psquica, no desemboca, segundo seu autor, numa ruptura com o conhecimento

    biolgico. Segundo Ricoeur, Freud v e ver na cincia a nica disciplina do conhecimento, aregra exclusiva de toda probidade intelectual (54, p. 70), sendo que at o fim da vida continuariaexpressando a necessidade de uma articulao da Psicanlise com a Biologia (19). Articulao estaque ainda hoje insatisfatria (14, 54), dando assim margem a desdobramentos tericos maisdistanciados da cincia, entre eles as concepes de Reich e seus seguidores, como se ver maisadiante.

    2.2. CONVERGNCIAS E DIVERGNCIASExistem muitas semelhanas entre os conceitos de energia utilizados por Reich e pelas diversas

    linhas psicoterpicas neo-reichianas. Concorda-se em que h uma bioenergia, que esta interfere nafisiologia e na fisiopatologia do organismo humano, que existe um campo energtico (aura) que vaialm dos limites da pele, que essa energia pode ser bloqueada pela hipertonia muscular (7, 35, 36,48, 50).

    Nas conversas e discusses entre psicoterapeutas parece ser dado como implcito que os autoresconcordam sobre o que seja bioenergia. Na verdade, entretanto, existem diferenas importantestanto no aspecto terico-conceitual como no aspecto tcnico, de como manejar terapeuticamenteessa energia.

    Chama a ateno em primeiro lugar que os chamados neo-reichianos, sem exceo, tm comoum dos principais divisores de guas com as propostas reichianas clssicas, exatamente umadivergncia no explicitada quanto ao conceito de bioenergia. Por divergncia no explicitadaquero dizer que nenhum dos autores neo-reichianos critica abertamente, ou afirma discordar, ou dizque so bobagens algumas das afirmaes fundamentais de Reich sobre a bioenergia. Entretanto,so muitos os pontos de afastamento.

    A comear pelo nome: os neo-reichianos no utilizam a denominao de energia orgone.Bioenergia, fora vital ou simplesmente energia so os nomes mais comuns. E isto no umsimples detalhe, quase que um resumo da diferena. Pois podemos perceber que toda a produode Reich posterior ao Anlise do Carter (que quando surge e se desenvolve o conceito deenergia orgone), parece ter sido desprezada, ou esquecida pelos neo-reichianos. O Reich que citado, homenageado, a quem se debitam influncias, aquele que existiu at meados da dcada de1931. As pesquisas com bions; o acumulador de energia orgone; a cmara de energia orgone; as

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    concepes astrofsicas e meteorolgicas baseadas na energia orgone; o tratamento orgonoterpicodo cncer; o medidor de energia orgone; o conceito de energia DOR; os experimentos sobre energiaorgone com radiografias, contadores Geiger, tubos fluorescentes; tudo isso est ausente da teoria eda tcnica neo-reichianas.

    Na Psicologia Biodinmica encontram-se referncias aos conceitos de Reich: eu concordototalmente com os ltimos trabalhos de Reich sobre orgonomia e sua pesquisa de 'raios csmicos'

    (9, p. 91); e logo comecei a incluir as teorias de Reich de fluxos vegetativos e energia orgnica(9, p. 90); fala-se de um suprimento de vida dado a todas as criaturas por uma energia csmica (cf.'mar csmico' de Reich). Esta energia csmica d pulsao a todas as clulas vivas e est presentenas vsceras e em outros tecidos vivos (9, p. 91). Apesar da aparente concordncia com as idiasde Reich, o que podemos perceber a partir do exame atento das concepes de energia daPsicologia Biodinmica que h uma grande diferena entre estas e a teoria da Orgonomiaconforme formulada por Reich, como veremos a seguir.

    curioso notar que os chamados neo-reichianos parecem fazer com Reich o que este fez comFreud: fundamentam-se nos trabalhos iniciais e descartam a produo posterior, retomandocaminhos abandonados pelo autor que os influenciara.

    Alm disso, encontram-se divergncias quanto a outros aspectos. Examinaremos aquibasicamente as diferenas conceituais entre as proposies de Reich, e as de dois dos principaisramos neo-reichianos: a Bioenergtica de A. Lowen, e a Psicologia Biodinmica de Gerda Boyesen.

    Tipos de energia

    Reich - existe uma energia observvel, demonstrvel, que tudo permeia, e que chamadaenergia orgone csmica (52, p. 139). A energia orgone ... est presente em toda parte (52, p.142). Precisamos compreender o organismo vivo como uma poro organizada do oceano orgonecsmico (52, p. 143). A energia orgnica csmica funciona no organismo vivo como energia

    biolgica especfica. Como tal, rege a totalidade do organismo e se expressa por igual nas emoese nos movimentos biofsicos (48, p.362). Prope-se a hiptese de que energia orgone energia

    csmica primordial per se; que os trs grandes domnios funcionais, da energia mecnica, da massainerte, e da matria viva, derivam desta energia csmica primordial atravs de complicadosprocessos de diferenciao (52, p. 99).

    Bioenergtica - Existe uma nica fora ou energia no organismo, que idntica ao conceitopsicanaltico de libido (35, p.88). Eros a fora vital e s existe uma nica fora deste tipo. Aesse respeito nossas idias so monsticas (35, p. 92). Uma energia bsica motiva todas as aes.Quando flui atravs da musculatura e a carrega, especialmente os msculos voluntrios, produzmovimentos espaciais que podemos equacionar com agresso (mover-se para fora). Quando carregaestruturas delicadas como o sangue e a pele, produz sensaes erticas, ternas ou amorosas (35,

    p.93). Localiza a energia agressiva como fluindo principalmente na parte posterior do corpo, e aenergia terna na parte anterior.

    Psicologia Biodinmica - Existem dois tipos de energia: uma energia ascendente, provenientedas profundezas do corpo, e uma energia descendente, proveniente do cosmos (7, p.64). Almdisso, no haveria apenas uma ascendente e uma energia descendente, mas tambm uma energiaque iria para o exterior e uma energia que iria para o interior (7, p. 84).

    Na prtica, sempre h uma diferenciao em dois tipos de energia. Na Psicologia Biodinmicase fala na energia ascendente emocional e na energia descendente csmica harmonizante. Reich eLowen falam de uma energia nica (diferente para cada um: em Lowen trata-se de uma energia

    biolgica que se manifesta atravs da matria; para Reich, a energia orgone a prpria matriaprima do Universo), mas que acaba se diferenciando em orgone (energia positiva) e DOR (energianegativa) para Reich, e em energia agressiva (costas/musculatura) e energia terna (frente/pele) para

    Lowen. Os conceitos no so superponveis, e nem compatveis ou complementares.

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    neovitalistas, e o utilizaremos aqui neste sentido amplo.

    Reich, que foi quem desenvolveu e sistematizou melhor o conceito de bioenergia a partir daconcepo freudiana de libido, declarou a influncia recebida de vitalistas como Driesch e Bergson(50, p.29-31).

    O vitalismo rejeitado pela cincia atual, a qual, apesar de admitir que os fenmenos vitais tm

    caractersticas prprias e diferentes da matria inorgnica, sustenta que essa diferena no chega aponto de caracterizar um princpio atuante supramaterial (2, p. 968).

    3.2. DIFERENAS

    Para se ter uma idia do abismo que existe entre a cincia oficial e certos conceitos referentes bioenergia, utilizo aqui um recurso didtico, que uma reflexo relativa aos prmios Nobel. Pelalarga popularidade, pela alta soma em dinheiro atribuda aos premiados (cerca de um milho dedlares), pelo prestgio mundial que confere, esta honraria tem sido considerada nos meioscientficos como uma distino altamente cobiada, e atribuda somente a autores e trabalhosrealmente significativos e originais, que representaram um avano importante na sua reaespecfica.

    O que se percebe que, se algum conseguir convencer a comunidade cientfica internacionalde certas formulaes reichianas e neo-reichianas, faria jus a pelo menos 8 prmios Nobel: 4 nocampo da Medicina e 4 no campo da Fsica. Ressalte-se que o fato de ter ganhado ou no um

    prmio Nobel nada significa em termos do acerto ou erro das concepes. O que se quer frisar aqui a distncia entre as concepes reichianas e o que tido como verdade no mbito da cinciaestabelecida. Alm disso, levantar a questo de porque os reichianos e outros adeptos da bioenergiaat hoje no conseguiram provar ao mundo o acerto de suas idias.

    So os seguintes os temas em questo:

    Uma nova fisiologia

    Em Reich, Lowen e Boyesen nota-se que a bioenergia est intimamente relacionada a processos

    fisiolgicos e mentais, afastando-se dos conceitos cientficos correntemente aceitos.As imbricaes da bioenergia com o funcionamento fisiolgico (intestinos, circulao, crebro,

    musculatura, pele etc.) levaria necessidade do desenvolvimento de um ramo da fisiologia que poderamos chamar de parafisiologia, ou fisiologia energtica, que explicasse e sistematizassecomo se d a influncia da bioenergia sobre o funcionamento fisiolgico descrito nos livroscientficos sobre o assunto. Caberia ainda propor-se, alm de uma nova fisiologia, tambm uma

    patologia e uma psicologia energticas. A comprovao destes conceitos geraria uma verdadeirarevoluo mdica, tornando obsoletos os atuais livros de Fisiologia, Patologia, Clnica Mdica ePsicologia, entre outros.

    Segundo Reich, As emoes biolgicas que governam os processos psquicos so, em si, a

    expresso direta de uma energia rigorosamente fsica, o orgnio csmico (50, p. 11). O orgniotem um efeito parassimpaticotnico e carrega o tecido vivo, particularmente os corpsculosvermelhos do sangue. Mata as clulas cancerosas e muitos tipos de bactrias (50, p. 307).

    Gerda Boyesen afirma que os esquizofrnicos perdem os dentes devido m circulao daenergia (a estase) que faz o papel de uma esponja que conserva a m energia e os maus fluidos.Como estas camadas de estase no eram eliminadas, o sangue novo no podia penetrar nestaszonas (7, p. 62). A energia csmica acariciava os tecidos, as zonas ergenas, e assim provocavaas sensaes de prazer (7, P. 64). Eu realmente havia observado que a energia csmica nas

    protenas provoca a contrao, e que a energia csmica nos tecidos musculares tambm provoca acontrao (7, p. 65). A fixao oral uma real acumulao da energia vital na boca (7, p. 75).A bioenergia pode ter um efeito distncia: uma sala de terapia pode estar cheia desta energia

    psquica, curadora, ou vazia e 'seca'. Quando estou diante de meu paciente, no lugar maisprofundo de meu ser, uma energia psquica passa atravs de mim e produz um efeito de cura

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    sobre o paciente (7, p. 110). A presena dos fatores irritantes e da estase em diferentes regies docrebro a causa fisiolgica das alucinaes visuais e auditivas, pois a psicose se deve

    presena de um fluido energtico no crebro (7, p. 113). dito que a bioenergia pode geraralteraes da cor da pele e enxaquecas (p. 113). Os gnglios parassimpticos da garganta paramo movimento de energia emocional ascendente antes que ela atinja o crebro, e assim evitam osriscos da psicose ou de hemorragia cerebral (p. 114). Quando a energia circula bem ... o

    colesterol dissolvido, sendo portanto que a arteriosclerose uma doena energtica (p. 115).Pessoas invejosas sugam a energia dos indivduos bioenergticos e podem chegar a deix-losmuito doentes (p. 129).

    Conforme Lowen, Os processos psquicos bem como os somticos so determinados pelaoperao desta energia. Todos os processos vitais podem ser reduzidos a manifestaes desta

    bioenergia (35, p. 33). O fenmeno da obsesso ... representa dinamicamente uma sobrecargados lobos frontais (35, p. 265). A depresso em seu nvel de energia pode ser vista norebaixamento de todas as suas funes energticas: a respirao est diminuda, o apetite e oimpulso sexual debilitados (36, p. 42). Alm do alimento ... o indivduo se torna excitado oucarregado pelo contato com foras positivas como um dia claro, uma pessoa feliz, uma cena bela(36, p. 47). Afirma-se que a glndula tireide regula a produo de energia (36, p. 208). A

    motilidade de um corpo est diretamente relacionada ao seu nvel de energia (36 p. 232).Este o nico dos 8 temas aqui listados que est diretamente ligado tcnica psicoterpica.

    Quanto aos demais, sua correo ou no, apesar de sua importncia em outros campos, no alterariaaquilo que se diz e se faz no campo das psicoterapias reichianas e neo-reichianas. Este tambm o nico que comporta conceitos comuns a Reich e aos neo-reichianos, sendo os demais

    praticamente especficos da Orgonomia. Em outras palavras, a Orgonomia vai mais longe do que osneo-reichianos na ruptura com a cincia estabelecida, e talvez este seja um dos motivos doafastamento dos neo-reichianos em relao biofsica orgone.

    A gerao espontnea

    O desenvolvimento dos bions, formados a partir da gua destilada orgonicamente carregada,demonstra sem a menor sombra de dvida, o processo de formao primria da matria orgnica a

    partir do orgone livre de massa (52, p. 195).

    Desde os experimentos de Pasteur no sculo passado, est soterrada nos meios cientficos a idiada gerao espontnea, ou seja, de que a vida atualmente possa surgir da matria no-viva.Assim, a eventual prova cientfica disto constituiria sem dvida um grande feito.

    Fisiopatologia e cura do cncer

    Em seu livro sobre o cncer (49), Reich descreve sua teoria relativa origem desta doena,atribuda a disfunes orgonticas, e afirma a possibilidade de cur-la a partir de um tratamento

    baseado na aplicao de energia orgone concentrada. Em livro de Boadella h um captulo (5, p.

    181-205) onde so comentados os estudos de Reich e outros pesquisadores neste campo,ressaltando o autor a dificuldade de uma avaliao correta dos resultados obtidos devido ao fatode os relatos originais terem sido proibidos para divulgao ou ento incinerados aps o julgamentode Reich, por ordem judicial.

    Desnecessrios se fazem aqui maiores comentrios sobre a repercusso que teria na cincia e naopinio pblica mundial a compreenso dos mecanismos geradores desta doena e a comprovaode um mtodo eficaz de cura para a mesma. Principalmente sabendo-se que a mortalidade porcncer vem se mantendo inalterada nas ltimas dcadas, apesar de todo o progresso nas reas dediagnstico e tratamento (4).

    Fisiologia sensorial

    Reich afirma que a sensao no por nenhum meio amarrada s terminaes nervosassensoriais. Toda matria plasmtica percebe, com ou sem nervos sensoriais (52, p. 117-8).

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    Segundo Lowen, ao que parece, em estados altamente carregados, o organismo podeultrapassar o limite de sua aura ou campo, que, ento, permanece no local onde estava, na formade um corpo, seguindo-o como uma sombra e graas ponte energtica entre os dois sistemas,a percepo do self duplicada (35, p. 311).

    O conceito da possibilidade da percepo ser mediada por mecanismos outros que no atravsdos rgos dos sentidos e do sistema nervoso colocaria de pernas para o ar concepes que so

    universalmente aceitas nos meios cientficos, e certamente ampliaria enormemente os horizontes daPsicologia e da Fisiologia da Percepo.

    Uma nova forma de energia

    A prpria comprovao de uma nova forma de energia, diferente das at aqui conhecidas,constituiria realmente um feito cientfico do mais alto nvel, aprofundando nosso conhecimentosobre a natureza, alm de abrir amplas possibilidades de utilizao prtica em inmeros campos. Omesmo pode ser dito em relao aos itens seguintes.

    Anti-entropia

    Reich afirma que a energia flui do sistema mais fraco ou menos carregado para o mais forte ou

    mais carregado. E conclui que, em aceitando esta funo, a 'segunda lei da termodinmica', aformulao absoluta da 'lei da entropia', se torna invlida (52, p. 143). O tema discutido commaiores detalhes em artigo publicado recentemente por seguidores reichianos (3), onde soreafirmadas e desenvolvidas as idias de Reich sobre o tema.

    A teoria da gravitao

    O oceano orgone aparece como o motor primordial dos corpos celestes (52, p. 187). O sole os planetas se movem no mesmo plano e giram na mesma direo devido ao movimento e direo da corrente de energia orgone csmica na galxia. Deste modo, o sol no 'atrai'absolutamente nada (52, p. 191). H um envoltrio de energia orgone que no somente envolveo planeta mas tambm o arrasta, tal como as ondas aquticas levam uma bola na direo de sua

    progresso (52, p. 253). O envoltrio orgone equatorial fornece o motor fsico concreto dosplanetas. O sol no 'atrai' os planetas. Ele gira no mesmo plano e na mesma direo, movendo-secom os planetas na corrente de energia orgone equatorial (52, p. 257). A funo da gravitao real. Ela , contudo, no o resultado da atrao de massa, mas dos movimentos convergentes deduas correntes de energia orgone (52, p. 275).

    A gerao de matria e das galxias

    A massa inerte est sendo criada pela superposio de duas ou mais unidades de energiaorgone, girantes e espiraladas, atravs da perda da energia cintica e da curvatura abrupta datrajetria alongada em direo a um movimento circular (52, p. 186). O anel de Saturno parecedemonstrar sua origem a partir de uma concentrao em forma de disco de energia orgone (52, p.

    229). Assim, no matria, partculas ou poeira, mas a energia orgone primordial constituiria a 'coisa' original da qual as galxias so feitas (52, p. 237). A hiptese orgonmica e energticarequer que a matria emerja da energia orgone por meio da superposio no domniomicrocsmico, do mesmo modo que galxias inteiras emergem por meio da superposio nodomnio macrocsmico (52, p.237).

    3.3. A METODOLOGIA CIENTFICA

    Alm das diferenas conceituais, h uma divergncia com a cincia estabelecida quanto aomtodo cientfico. Percebe-se muitas vezes um afastamento do rigor to valorizado pelos cientistasna anlise de resultados experimentais e na avaliao crtica das fontes de referncia.

    Tome-se por exemplo o modo pouco rigoroso e nada crtico com que Reich lida com

    informaes no mnimo questionveis: Por esse mesmo tempo, recebi um recorte de jornal quenoticiava experimentos realizados em Moscou. Um cientista (esqueo-me do nome) conseguiu

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    demonstrar que o vulo e as clulas espermticas produzem indivduos masculinos ou femininosconforme a natureza da sua carga eltrica (50, p. 241). Ou seja, ao comentar uma demonstraoque confirmava suas prprias teorias, no h preocupao em verificar o nome do autor (no seriaum charlato ou um investigador no qualificado?), em verificar se a metodologia de investigaofoi adequada, e se os resultados obtidos realmente permitem afirmar o que foi dito, a partir deartigo publicado em revista cientfica ou de comunicao direta com o autor, ou ainda questionar

    se o experimento foi repetido em outros laboratrios com os mesmos resultados. Isto fica aindamais significativo se for levado em conta que estas consideraes de Reich esto colocadas emum livro que expunha conceitos que desafiavam frontalmente a cincia estabelecida.

    Outro exemplo de metodologia deficiente o que acontece quando Reich faz afirmaesextremamente abrangentes e inovadoras sobre a formao das galxias e a gravitao, e afirma:At este ponto, deduzimos nossas concluses a partir de uma nica funo celestial, o anel daaurora, e sua posio em relao aos planos galctico e equatorial (52, p. 258)

    Lowen define a Bioenergtica como o estudo da personalidade em termos dos processosenergticos do corpo (36, p. 40), e todo o raciocnio diagnstico e teraputico fundamentadono conceito de bioenergia. Entretanto, este autor afirma: No acredito que seja importante para

    o estudo presente determinar com preciso o carter real da energia da vida. Cada um desses pontos de vista (cincia, Reich, acupuntura) tem sua validade e eu no consegui ajustar asdiferenas entre eles (36, p. 40). estranho que um conceito to bsico e fundamental seja deixadoem tal grau de indefinio e incerteza, mesmo porque em outros locais so feitas afirmaes que

    pressupem uma teoria mais detalhada e especfica do que seja a bioenergia.

    Existe toda uma produo de trabalhos experimentais publicados por Reich sob a forma deartigos cientficos em peridicos fundados por ele, como por exemplo o Orgone Energy Bulletin.

    No cabe aqui um exame detalhado da metodologia utilizada, mas esta uma tarefa a ser realizadafuturamente para melhor compreenso da questo. H a uma contradio, que precisa ser passadaa limpo, entre a descrio de experimentos aparentemente cientficos, e as concluses derivadas dosmesmos, frontalmente contrrias s concepes cientficas vigentes.

    Essa despreocupao com a metodologia cientfica parece ser uma constante em Reich e nagrande maioria dos outros autores da rea. Isto tem dado margem a crticas severas, como a deRycroft, o qual afirma que de um ponto de vista cientfico, h algo de pattico nas descries queReich fez das suas experincias e teorias. Essas experincias parecem ter sido planejadas erealizadas de um modo totalmente amador e desvalioso sem, especialmente, qualquer compreensoda necessidade de controles adequados, enquanto suas teorias estavam repletas dos maiselementares erros de biologia e fsica. Fica-se com a impresso de que Reich ... no tinha a menorcompreenso do mtodo cientfico (55, p. 104).

    Reich rebate as crticas metodolgicas afirmando que elas surgem devido estrutura neurticadaqueles que o criticam. Segundo ele, a pesquisa cientfica natural uma atividade que se baseia

    na interao entre observador e natureza, ou, dito de outra maneira, entre funes orgonticasdentro do observador e as mesmas funes fora dele. Deste modo, a estrutura de carter e ossentidos de percepo do observador so ferramentas importantes, se no decisivas, da pesquisanatural. A estrutura do observador importante dado que a energia orgone organsmica emseus rgos sensoriais que reage aos fenmenos orgnicos externos (52, p. 157). Assim,organismos humanos com baixa potncia orgontica ou com encouraamento acentuado no

    percebem facilmente os fenmenos relacionados energia orgone, ao contrrio dos organismossaudveis (52, p. 156). Eu temo que sejam as funes emocionais e, dentro do campo emocional,especialmente as funes biossexuais, que tenham impedido o pesquisador clssico de transpor ofosso entre a natureza que observa (biopsquica) e a que observada (biofsica) (52, p. 157-8).

    Reich relata o caso de um fsico, um cientista talentoso e adepto das concepes cientficas

    tradicionais, que se submeteu terapia com ele. Com o tratamento, e conseqente desbloqueio dacouraa, emergiu uma profunda ansiedade. Era a mesma ansiedade que ele havia desenvolvido

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    quando criana devido s suas poderosas sensaes de rgos (organ sensations). Na sensao dergo, o homem experincia a funo orgone da natureza em seu prprio corpo. Agora esta funoestava carregada de ansiedade, e portanto inibida. Nosso fsico queria devotar-se biofsica orgone

    porque ele estava convencido da sua exatido e significado. Ele havia visto o orgone na salametalizada e o havia descrito em detalhe. Mas sempre que ele considerava a possibilidade de fazerum trabalho prtico, uma forte inibio se instalava, a mesma inibio baseada no medo de entrega

    total, de abandono incondicional s sensaes do seu prprio corpo. No processo de orgonoterapia,a seqncia de avano, e recuo por medo, se repetiu to freqentemente e to tipicamente que nopodia haver dvida de que o medo das sensaes de rgo e o medo da pesquisa cientfica sobreorgone eram idnticos. As reaes de dio que vinham tona eram as mesmas que encontramosem contatos com fsicos e mdicos em relao ao orgone (52, p. 85-6).

    Em resumo, Reich afirma que os cientistas encouraados no poderiam perceber os fenmenosdescritos pela cincia orgonmica, e assim no estariam em condies de julgar seus resultados.

    O que se pode concluir que os conceitos reichianos no campo da energia orgone esto muitodistantes da verdade cientfica tal como aceita nos dias de hoje. Muitos crticos de Reichconsideram seus conceitos sobre orgone como meras bobagens de um autor mentalmente

    perturbado. Seus defensores podem argumentar que talvez ele tenha percebido, intudo ouverificado coisas que o futuro revelar como corretas, e que a cincia atual rgida e estreita, umproduto de mentes e corpos encouraados e defendidos contra a vida. O que parece claro que, naquesto do orgone, Reich pode estar muito frente ou muito atrs da cincia atual, mas certamenteno est em concordncia com ela.

    4. BIOENERGIA E RELIGIO

    Vimos no item anterior que os conceitos de bioenergia esto bastante distantes do que a cinciaaceita como verdade. Isso pode assustar muita gente, j que a nossa cultura coloca aos profissionaisda sade a opo inelutvel entre cincia e charlatanismo. Ou seja, se voc no est embasadocientificamente, voc um charlato, parece ser o axioma de nosso tempo. O prprio Reich acabou

    sendo encarcerado a partir deste conflito. Talvez tenha sido o medo inconsciente dessa questo oque levou todos os fundadores de linhas psicoterpicas corporais a cunhar nomes que remetessemao concreto, ao corpo, biologia: Orgonomia, que lembra orgnico, organismo (Reich);Bioenergtica (A. Lowen); Psicologia Biodinmica (G. Boyesen); Biossntese (D. Boadella),Educao Somtica (S. Kelleman).

    Curiosamente, podemos perceber que Reich foi em direo ao corpo, ao biolgico, cincia,literalmente ao palpvel e visvel, e encontrou o esprito, a religio, o transcendente. Se osconceitos de bioenergia parecem estar como um peixe fora da gua no campo da cincia, nareligio oriental pisa-se em terreno familiar. Para o hindusmo, budismo e taosmo, o conceito deuma energia vital que flui ao longo do corpo, e cujo bloqueio leva a sintomas e doenas fsicos ementais, algo aceito h milhares de anos.

    Como se sabe, o consultrio de psicoterapia sucedeu ao confessionrio, e a profisso depsicoterapeuta descende diretamente da de padre. Pelo que foi visto, a nossa profisso talvez aindaesteja muito mais prxima da religio do que supnhamos. Nossas tcnicas tm muito mais

    parentesco com o tai chi chuan (taosmo), com a hatha yoga (hinduismo) e com o kum-nye(budismo tibetano), do que com a neurofisiologia, a biomecnica, a psicologia experimental, ououtras disciplinas cientficas. No s a religio oriental que tem semelhanas com as psicoterapiasreichianas. freqente o relato, por parte de pacientes, de que algumas tcnicas de massagem se

    parecem muito com tratamentos (passes) recebidos em centros espritas.

    Encontram-se inmeras semelhanas entre certos conceitos de Reich e idias hindustas. Dadasas diferenas entre vrios autores hindustas, tomamos aqui como base para comparao o

    hindusmo tal como expresso por Swami Muktananda em sua obra sobre a energia kundalini (44).

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    Como semelhanas, podemos destacar: a) a existncia de uma energia universal (energia orgonecsmica - shakti) que se manifesta nos organismos vivos (bioenergia - kundalini); b) esta energia sutil e superposta matria, e flui ao longo do eixo longitudinal do corpo, de baixo para cima; c) hum campo energtico que vai alm da pele; d) existem bloqueios ao fluxo ascendente de energia,que so perpendiculares ao eixo do corpo (anis da couraa - chakras); e) o trabalho sobre amusculatura e a respirao influencia no desbloqueio do fluxo de energia (vegetoterapia - hatha

    yoga); f) este desbloqueio acarreta, no incio do processo, o contato com sentimentos negativosrepresados, e posteriormente ocorre um desenvolvimento da vitalidade e da capacidade sensorial;g) ao fim do processo ocorre a fuso da energia organsmica com a energia csmica (carter genital- realizao do Ser); h) sintomas e doenas fsicos e mentais so concebidos como resultado dedesequilbrio energtico; i) Amor e Deus podem ser tidos como sinnimos vlidos de orgone oushakti; j) a cor azul est freqentemente associada s manifestaes do orgone e shakti.

    Apesar de tantas coincidncias, tambm so vrios os pontos de discordncia. Entre estespodemos citar: a) a questo do orgasmo, que para Reich seria fundamental, enquanto que para ohindusmo o caminho seria atravs do ascetismo ou da tantra yoga (sexualidade no orgstica) (15,

    p. 116-9); b) a segmentao dos anis da couraa muscular no coincide com os chakras:existiriam dois chakras no anel ocular, e nenhum no anel oral; tambm dois no anel plvico e

    nenhum no anel diafragmtico; c) segundo Muktananda, o ser humano nasceria bloqueado, com aenergia kundalini enroscada sobre si mesma no chakra localizado no osso sacro, e para Reich ascrianas nasceriam desencouraadas, sendo posterior o processo de bloqueio; d) a crena em vidas

    passadas e na noo de karma, conceitos no presentes na teoria reichiana; e) no hinduismo, ocaminho da realizao interior basicamente individual, enquanto que para Reich ele passa pelarelao amorosa que permita o orgasmo pleno; f) os conceitos reichianos buscam sua insero no

    pensamento racional e cientfico, e propem aparelhos de medio e cura, e no hinduismo asidias embasam-se no pensamento religioso, lidando fundamentalmente com conceitos estranhos cincia como devoo e f; g) para Muktananda, necessrio que o guia para a jornada doautoconhecimento seja um guru, ou seja, algum que atingiu a perfeio, a realizao do Ser, sendoque no pensamento reichiano as qualificaes exigidas para ser psicoterapeuta so mais modestas;

    h) o trabalho de desbloqueio comea por baixo (Muktananda) ou por cima (Reich); i) aenergia se move ao longo das membranas e fluidos do organismo (Reich), e para Muktananda aenergia se move ao longo de canais sutis superpostos ao corpo fsico, chamados nadis, dos quais o

    principal asushumna, localizada na coluna vertebral, e na qual esto situados os chakras.

    A concepo da Psicologia Biodinmica parece estar mais prxima dos conceitos taostas quefundamentam as prticas curativas da medicina chinesa: acupuntura, do-in, shiatsu etc. Segundoesta, h uma energia Yin, oriunda da Terra, e uma energia Yang, oriunda do Cu, do Cosmos.Estas energias circulam no organismo humano atravs de canais de energia denominadosmeridianos. Se considerarmos uma pessoa em p, com os braos levantados, podemos verificar quea energia Yin circula nos meridianos ascendentes, e a energia Yang nos meridianos descendentes(38, p. 43), mostrando assim uma semelhana com o conceito de energia da PsicologiaBiodinmica. Tal influncia explicitada por Gerda Boyesen: a Psicologia Biodinmica parecese colocar entre a acupuntura, psicanlise, terapia reichiniana e neo-reichiniana, massagem emeditao (8, p.7). Decidi chamar o psicoperistaltismo de 'acupuntura natural do corpo' .Quando fao massagens peristlticas, posso sentir os meridianos (7, p. 90).

    Aparentemente, Reich no atribuiu grande importncia a tais semelhanas, e nem parece ter sidoinfluenciado pelas tradies orientais. Parece ter havido uma mudana na sua atitude quanto sreligies orientais ao longo de sua vida. Nos escritos iniciais encontra-se uma referncia hostil aohinduismo: A tcnica de respirao ensinada pelos iogues o oposto exato da tcnica derespirao que usamos para reativar as excitaes emocionais vegetativas nos nossos pacientes(50, p. 296). Neste mesmo texto, criticada a ideologia de autocontrole e superao da

    emotividade, fruto de um patriarcado austero e negador do sexo, que levaria expresso facialrgida semelhante a u' a mscara, dos hindus tpicos, dos chineses e japoneses (50, p. 296).

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    Em escritos posteriores, Reich se mostra mais simptico ao hinduismo, ao afirmar:Encontramos a nfase na vida ... nos antigos sistemas de pensamento das grandes religiesasiticas como o Hinduismo (52, p. 14). Em todo caso, em nenhum momento se encontra uma

    preocupao maior com esta questo, ao contrrio de outros psicoterapeutas de seu tempo, comopor exemplo Jung (29). Pelo contrrio, manteve at o fim uma atitude crtica do misticismo, o qualestaria enraizado no bloqueio das sensaes de rgos diretas e no reaparecimento dessas

    sensaes na percepo patolgica de 'poderes sobrenaturais' (52, p. 93). O que o organismoencouraado percebe como ' alma' ... a motilidade da vida, que est bloqueada para ele (52, p.115). O mecanicismo e o misticismo combinam para formar uma imagem extremamente divididada vida, com um corpo consistente de substncias qumicas aqui, e uma mente l (52, p. 116). Aidentidade funcional entre corpo e mente, enquanto princpio bsico do conceito de vida exclui deuma vez por todas qualquer misticismo. Pois a essncia do misticismo repousa no conceito de umaautonomia sobrenatural das emoes e sensaes (52, p. 91).

    Apesar de atribuir pouca importncia s religies, em seus ltimos escritos Reich adota um tommais proftico do que cientfico, e so freqentes as menes ao conceito de Deus e outrasconcepes msticas: por muitos sculos, a religio tem chamado de 'Deus' a esta fora primordial(52, p. 158); h grandes verdades em tais ensinamentos religiosos, mesmo que elas tenham sido

    distorcidas pelo animal humano encouraado (52, p. 137). 'Deus' como a representao das forasnaturais da vida, da bioenergia no homem, e 'diabo' como a representao da perverso e distorodestas foras vitais, aparecem como os resultados finais do estudo caracteroanaltico da naturezahumana (52, p. 138).

    Reich prope a fuso entre cincia e religio: as fronteiras que separam a crena religiosa doraciocnio puro foram cruzadas, ou melhor, apagadas pela pesquisa do orgone (52, p. 169-70). Adescoberta do oceano de orgone csmico ... coloca um fim na compulso de voltar-se para as

    profundezas em busca de experincias irreais e msticas. O animal humano vagarosamente seacostumar com o fato de que ele descobriu seu Deus e pode agora comear a aprender os modosde Deus de uma maneira muito prtica (52, p. 281). Um Deus que finalmente se tornouacessvel a ser manuseado, dirigido, e mensurado por instrumentos feitos pelo homem como otermmetro, o eletroscpio, o telescpio, o contador Geiger (52, p. 283).

    O orgasmo assume papel relevante nestas concepes sobre o divino: Deus e o processo vital,que em nenhum lugar se expressa to claramente como na descarga orgstica, so idnticos (52,

    p. 138); a funo do orgasmo representa exatamente o que os homens verdadeiramente religiososchamam seu ' Deus inalcanvel' (52, p. 137).

    Em O Assassinato de Cristo, escrito em 1952, Reich mergulha em um intenso, extenso eprofundo dilogo com as concepes crists. O assassinato de Cristo tomado como o paradigmada perseguio milenar Vida, por parte dos organismos encouraados e frustrados. Num livro

    permeado por vrias citaes da Bblia, Reich assimila (um tanto antropofagicamente) as idiascrists, adaptando-as s suas prprias teorias:

    Deus Pai a energia csmica fundamental, de onde toda a existncia deriva e cujo fluxoatravessa nosso corpo, como atravessa tudo que existe. Mas Deus Pai tambm a realidadeinatingvel do AMOR CORPORAL, mistificado e idolatrado atravs da noo de Cu (51, p. 48).

    Leia atentamente, refletindo bem, o sermo da montanha. Substitua 'Pai', que quer dizer 'Deus' ,por 'Fora Vital Csmica'. Entenda por 'Mal' a degenerescncia trgica dos instintos naturais dohomem (51, p. 47).

    ...o homem o Filho de Deus, e Deus o Oceano de Energia Csmica do qual o homem umaparcela minscula, um movimento, vindo de Deus e indo para Deus, retornando ao seio do GrandePai (51, p. 96).

    Para o orgonomista analista de carter do sculo vinte, Cristo possui todas as marcas do cartergenital. Ele nunca poderia ter amado as crianas, as pessoas, a natureza, nunca poderia ter sentido a

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    vida e agido com a graa suprema com que agiu, se houvesse sofrido frustrao genital. Nopode haver dvida, Cristo conheceu o amor fsico e as mulheres (51, p. 35).

    O mais incompreensvel do enigma que esta vida tenha dado origem a uma religio que, emflagrante contradio com seu fundador, baniu de sua esfera o princpio do funcionamento naturalda vida e perseguiu, mais do que tudo, o amor fsico (51, p. 36).

    Esta semelhana com conceitos religiosos, ao mesmo tempo em que criticava o misticismo,levou Rycroft a afirmar que Reich jamais questionou a idia de que o racionalismo e as cinciasnaturais so o nico caminho para a verdade. Como resultado disso, formulou o seu sistema deidias como se tivesse chegado a essas idias por meio de tcnicas cientficas de observao ededuo, um caso de auto-iluso que o levou a exagerar a originalidade das suas idias e a ignorara semelhana com idias que tm sido manifestadas repetidamente, atravs da histria, por poetas emsticos, sendo portanto que o sistema de idias que o prprio Reich apelidou de cincia daorgonomia pertence verdadeiramente teologia e ao misticismo, e no cincia (55, p. 81). Omesmo autor afirma ainda, mais adiante, que profundamente reprimido por detrs da sua armaduracientfica do carter, havia um poeta da natureza lutando para manifestar-se (55, p. 92).

    interessante notar a possibilidade de essa influncia crist em Reich ter ultrapassado o campo

    das idias e ter chegado a motivar seu comportamento no final da vida. Em O Assassinato deCristo (51, p. 96-7), ao comentar os comportamentos religiosos equivocados do homem comum, dito que:

    Mas um dia haver um profeta que compreender isso e no dar a mnima importncia ao fatode acreditarem nele ou no.

    Eles o interrogaro, como fizeram com Cristo, em Jerusalm: 'Com que autoridade voc fezessas coisas, e quem lhe deu autoridade para isso? (...) Ele os repreender sem reservas. Ele lhesdir que isso no da sua conta, que ele tem autoridade para fazer o que faz ... que ele no seimporta em saber se acreditam nele ou no ... que no est ali para convencer.

    Poucos anos depois, Reich, frente a um tribunal, parece comportar-se como esse profeta que eledescrevera. Boadella, em sua biografia de Reich (5, p. 258-317), frisa como provavelmente teriasido possvel a Reich livrar-se das acusaes se tivesse adotado comportamento mais pragmtico.Porm a sua recusa em responder s intimaes, e em reconhecer a legitimidade do julgamento,levaram-no a ser encarcerado por desacato, sendo condenado, sem se defender adequadamente, porcharlatanismo. Viso semelhante sobre o episdio da priso de Reich expressa por Mann (39, p.25).

    Est fora do mbito deste trabalho a discusso aprofundada sobre a biografia de Reich, masno parece impossvel que houvesse neste episdio um comportamento mais compatvel com o deum mrtir religioso do que com o de um cientista racional e sensato. Pierrakos parece compartilharesta opinio quando afirma que Reich, em vrios de seus ltimos livros, idealizava sua auto-

    imagem e apresentava-se como salvador do mundo, como um grande Messias dos tempos modernos(...) de se questionar se haveria ou no uma inteno inconsciente em seu martrio, pois, aoenfrentar problemas com a 'Food and Drug Administration' do modo como o fez, acaboumorrendo na priso, de ataque cardaco, um dia antes de ser solto. Seria possvel ser mrtir, seminconscientemente desej-lo? (46, p.17). Refora-se assim a hiptese de Reich, em seus ltimosanos, estar mais prximo da religio do que da cincia, no s no pensamento, mas inclusive quantos atitudes.

    5.OUTRAS ABORDAGENS ENERGTICAS

    Existem tambm inmeras tcnicas curativas, comumente chamadas de terapias alternativas,que trabalham com conceitos vitalistas de energia.

    A homeopatia dispensa apresentaes, constituindo um dos principais exemplos do que foi ditoacima. Segundo Hahnemann, seu fundador, o organismo material, destitudo da fora vital, no

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    capaz de nenhuma sensao, nenhuma atividade, nenhuma autoconservao (ele est morto esubmisso apenas ao poder do mundo fsico exterior; apodrece e se dissolve novamente em seuscomponentes qumicos); somente o ser imaterial, animador do organismo material no estadoso e no estado mrbido (o princpio vital, a fora vital), que lhe d toda sensao e estimula suasfunes vitais. Quando o homem adoece, essa fora vital imaterial de atividade prpria, presenteem toda parte no seu organismo (princpio vital), a nica, que inicialmente sofre a influncia

    dinmica ... hostil vida, dum agente morbgeno, somente o princpio vital, perturbado por umatal anormalidade, que pode fornecer ao organismo as sensaes desagradveis e impeli-lo, dessarte,a atividades irregulares a que chamamos doena (26, p. 49).

    Kent, um dos principais discpulos de Hahnemann, aprofunda o conceito vitalista da homeopatia:a combinao destes dois princpios ou faculdades, vontade e entendimento, constituem ohomem: conjuntos, estes dois princpios fazem ou produzem vida e ao; constroem o corpo ecausam todas as coisas (33, p. 27). Segundo ele, de dentro para fora, temos a vontade e oentendimento, que formam uma unidade no interior do homem; a fora vital, ou seja, vice-regenteda alma (quer dizer, o limbo da alma, a substncia formativa), que imaterial; e depois o corpo,que material. Desta maneira, temos que a vontade, ou princpio volitivo, o que dirige, desde omais ntimo, atravs do limbo ou substncia simples, ao mais exterior, a substncia material do

    homem e no h nenhuma clula no homem que no tenha sua prpria vontade e entendimento,sua substncia da alma ... e sua substncia material (33, p. 56).

    O vitalismo engloba no s a fisiologia e a patologia, mas tambm a teraputica, pois ohomeopata no lida com a matria medicamentosa, mas com a energia do medicamento. At o

    presente, s o organismo vivo, homem ou animal, capaz de reagir a essa energia. No mensurvel por nenhum instrumento de preciso. Afirma-se que a massa real de medicamentodiminui cada vez mais, no h dvida, mas a energia da substncia original ... transmite-se

    presumivelmente ao veculo (lcool, acar) (6, p. 81).

    A acupuntura, que tambm dispensa apresentaes, est fundamentada em conceitos taostas. NoNei Ching , escrito na China h cerca de 4500 anos, dito que o princpio do Yin e do Yang - os

    elementos masculino e feminino da Natureza - o princpio bsico de todo o Universo. oprincpio de tudo quanto existe na Criao. A fim de tratar e curar doenas, h que investigar asua origem. (1, p. 25).

    Em livro de um autor ocidental sobre o tema, encontramos a afirmao de que Qi, a energiada vida, flui atravs de doze meridianos, num fluxo constante do qual depende a sade do corpo... entretanto, desde que Qi seja bloqueada de algum modo, causando excesso em algumas partese deficincia em outras, a molstia se apresenta (38, p. 26). O aspecto teraputico da acupunturaest ligado ... com o estmulo, usualmente por meio de uma agulha, de pontos especificamenteindicados, com o objetivo de tonificar ou acalmar, isto , aumentando ou diminuindo a qualidadee a quantidade de Qi em um determinado rgo ou meridiano que esteja afetado (38, p. 52). Oautor explicita suas convices vitalistas, dizendo que chegar o dia, penso eu, que a cinciareconhecer que h mais do que trocas de efeitos qumicos e fsicos para que a vida se manifeste(38, p. 23).

    Encontramos tambm abordagens energticas na Medicina Antroposfica, Ayurveda (Medicinados Vedas), Medicina Floral de Bach, Medicina Psinica, Macrobitica, Corterapia, PyramidHealing, Radinica, Reflexologia, Radiestesia Mdica, Cura Metafsica, Cirurgia Psquica (28,58).

    Estudos sobre as medicinas tradicionais de vrias culturas antigas e atuais mostram a ntimaconexo entre tcnicas de cura e conceitos religiosos e vitalistas, com muitas semelhanas com oque temos visto at agora (10).

    Alm destas tcnicas curativas, existem vrias linhas de massagem que esto fundamentadas emconceitos semelhantes.

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    A Massagem Rtmica, baseada na Antroposofia de Rudolf Steiner, tem seus conceitosespecficos: a base corprea de uma personalidade plenamente humana , portanto, o qudruplocorpo fsico. O corpo etreo, ancorado no lquido, desempenha o papel de mediador entre oanmico-espiritual e o fsico-somtico. O primeiro dever de uma arte de curar ampliada ser levarem considerao este corpo etreo (27, p. 25). As mos tm funo importante na atuao sobreestes corpos sutis: no portanto a cabea que tem relao com a espiritualidade do macrocosmo,

    mas sim os membros (que) so como raios atravs dos quais a espiritualidade se irradia para onosso interior. Atravs das extremidades podemos atrair foras para vitalizar partes maiscentrais (27, p. 128).

    A massagem de polaridade afirma que direciona a fora vital ao longo do seu caminhonatural para diluir os 'ns' de energia causados por excessos emocionais e fsicos (25, p. 22),sendo que esta fora vital uma forma sutil de energia eletromagntica a corrente animadora devida e uma realidade fisiolgica no corpo (25, p. 20).

    Na Massagem Psquica, a fonte de toda manifestao de vida a Energia. No entanto,interrompemos essa vida em nosso interior nos apoderando de fragmentos da Energia total, osquais, isoladamente, so desequilibrados (41, p. 112). A cura se realizaria atravs da ao da

    Energia do massagista sobre estes pontos bloqueados.Existe at um Manual Prtico da Energia Psquica (42), no qual ensinado como uma pessoapode perceber, aumentar e harmonizar a sua prpria energia psquica; como transmitir e receberessa energia; como limpar ambientes e objetos da energia psquica negativa neles impregnada; ecomo construir uma barreira individual para se proteger de emisses dessa energia negativa. Nesselivro se afirma a existncia de uma substncia fsica produzida no corpo, e damos a essa substnciao nome de energia psquica. Os iogues chamam-na 'prana', os praticantes de artes marciais do aessa mesma substncia o nome de 'chi', e os terapeutas, de 'bioenergia'. A energia psquica gerada

    por todas as coisas vivas e transferida entre elas. Essa transferncia a base de todos osacontecimentos psquicos e faz parte de toda comunicao humana. A energia psquica umasubstncia fsica, um meio flexvel leve e difuso, mas que pode ser compactado e moldado de

    maneira a se tornar imediatamente perceptvel pelos sentidos fsicos (42, p. 9).Existe tambm um livro que pode ser considerado um tratado sobre bioenergia, pois nele se

    fala de praticamente tudo que tem sido relacionado com conceitos vitalistas. O nome de energiasutil utilizado para descrever todas as energias fsicas e suprafsicas sutis at o nvel dasvibraes mentais ou de pensamento (13, p. 95), sendo que as energias subatmicas eeletromagnticas esto entre as primeiras manifestaes fsicas da energia sutil (13, p. 105).Segundo o autor, alm dos campos mais bvios, magntico e eletrosttico, existem tambmenergias mais sutis na Terra, detectveis pela intuio direta ou pela percepo sutil - e tambm

    pela radiestesia , sendo que os lugares onde essas faixas de energia se cruzam so chamados dezonas geopticas (13, p. 199), que podem influenciar doenas, acidentes e outros eventos. Nestelivro so discutidos aspectos conceituais (baseados na filosofia hindusta) e suas inmerasimplicaes, como as curas energticas, a assim chamada poluio eletromagntica, o poderenergtico dos cristais e sua utilizao prtica, aspectos da radiestesia, o campo energtico ouaura, o corpo etrico, a influncia energtica das formas piramidais, fotografias Kirlian e muitosoutros temas relacionados com o assunto.

    Desta maneira, percebe-se que o conceito de bioenergia no especfico das psicoterapiasreichianas, mas tem conexes com muitas outras tcnicas curativas atuais, e tambm com asmedicinas tradicionais de vrios povos e pocas. Neste sentido, acredito que a elucidao doenigma da bioenergia passa pelo intercmbio e pelo dilogo entre as psicoterapias reichianas e asdemais abordagens energticas do ser humano e da vida.

    6. CONCLUSES6.1. A QUESTO DOS FATOS

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    O fundamental nessa questo toda que somos curadores. E como tal, temos no s o direito,mas principalmente o dever de buscar tudo que possa nos auxiliar nessa difcil tarefa. Encontramoscoisas vlidas na cincia, na arte, na religio, na filosofia, na poltica, no esporte, e isso sem esgotaras possibilidades da experincia humana.

    Se os nossos fundamentos parecem frgeis aos olhos da cincia, temos o apoio dos fatos, danossa prtica. Qualquer um que se submeta a um processo teraputico reichiano ou neo-reichiano

    poder experienciar coisas que transformam, mobilizam, desbloqueiam, vitalizam. Se isso nopuder ser explicado pela bioenergia, cabe ento pedir aos cientistas que eles nos expliquem porque que tudo isso funciona assim dando a impresso de que existe mesmo essa tal de fora vital.Parece suceder algo semelhante ao que ocorre com a homeopatia e a acupuntura: seus conceitosso absurdos do ponto de vista da cincia oficial, porm a coisa aparentemente eficaz! Comodizem os italianos, se non vero, bene trovato, ou seja, parece haver algo que age nesse nvel,e que tem sido descrito com grandes semelhanas ao longo das diversas culturas e pocas.

    Segundo Magee (37, p. 48), expondo idias de Popper, pode ocorrer de uma hiptese errnea teralgum contedo de verdade. Por exemplo, se hoje tera-feira e eu digo que segunda-feira, istoest errado. Porm esta afirmao falsa permite chegar a concluses verdadeiras, como de que

    estamos no incio da semana, ou hoje no fim de semana. Dessa maneira, talvez se possadizer que as teorias sobre bioenergia, mesmo que estejam erradas, constituem uma aproximao verdade, ou contm verdades que so um avano em relao ignorncia, ao desconhecido. Emassim sendo, parece ser mais apropriado avanarmos em direo ao esclarecimento da verdadesobre o assunto do que simplesmente descartar as concepes anticientficas apresentadas nesteartigo, o que seria retroceder ignorncia existente antes do surgimento destas teorias e tcnicasrelacionadas bioenergia.

    Alguns exemplos na histria do conhecimento mdico podem corroborar o que foi afirmado.Encontram-se referncias na Antigidade e na Idade Mdia sobre o costume de isolar-se indivduosafetados por algumas doenas contagiosas, sendo que foi somente em 1546 que pela primeira vezdeclarou-se explicitamente (De Contagione, de Girolamo Fracastoro) a teoria de que doenas

    especficas resultam de contgios especficos, ainda sem meno hiptese de microorganismoscomo agentes causadores (34, p. 20). Ou seja, as teorias anticientficas sobre algumas doenascontagiosas, muito anteriores teoria microbiana, levavam muitas vezes a atitudes adequadas ecorretas.

    Outro exemplo o clssico estudo de John Snow sobre a transmisso do clera em Londres.Seu estudo, em 1854, mostrou que alguma coisa, um veneno colrico, estava associado guaconsumida pelas pessoas. Isto fez com que se tornasse obrigatria a filtragem de toda guafornecida cidade a partir de 1857, com grande diminuio da mortalidade por clera. Recorde-seque foi s em 1863 que Leeuwenhoek descobriu a existncia de microorganismos, atravs do usode microscpio, e que o vibrio colrico s foi identificado em 1883 por Robert Koch (34, p. 20-30).

    Um exemplo brasileiro pode ser visto em trecho publicado na Gazeta Mdica da Bahia de 1868(23):

    Causas e remdios do escorbuto. De todas as causas determinantes do escorbuto as maispoderosas, segundo Lind, so sem duvida a humidade e o frio. Todas as mais, a que geralmente seattribe esta doena no so mais do que predisponentes, que continuadas aggravam a doena,auxiliando as primeiras. N'este caso esto o uso ou antes abuso do sal marinho, a falta de vegetaesfrescos, as guas potveis de m qualidade ou em ms condies.

    A prova do que vai dito est na iseno, que ordinariamente tem os officiaes de marinha, porque possuem mais e melhores meios sua disposio para se preservarem do frio e da humidade.

    Para remediar pois aquelas duas grandes causas etiolgicas, convm estabelecer-se a bordo dosnavios, alem da ventilao e arejamento, muitos braseiros pelas partes mais profundas e humidas

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    das embarcaes, e aproveitar o fogo da cozinha por meio de tubos, que passem pelas escotilhas ebaterias, afim de aquecerem quanto possvel as equipagens.

    O melhor preservativo do escorbuto, conservar a limpeza e o calor.

    Para auxiliar estes dois meios prophylacticos e curativos do escorbuto, reputa tambem Lindmuito efficaz o uso das laranjas e dos limes.

    Hoje em dia se sabe que o escorbuto causado pela deficincia de vitamina C e os meiosauxiliares e secundrios so na verdade a nica teraputica eficaz.

    A partir destes exemplos percebe-se que a validade prtica de muitas concepes no estatrelada sua veracidade ou sua exatido. Se fossemos esperar pela comprovao cientficadefinitiva das causas das doenas descritas acima antes de agir, teramos que contabilizar muitasmortes a mais por escorbuto, clera, e doenas contagiosas diversas. Ao contrrio, a utilizao deconceitos errneos porm eficazes permitiu no s que se salvasse pessoas mas tambm apontoucaminhos futuros para a evoluo do conhecimento.

    difcil, ou mesmo impossvel, dizer qual destes exemplos corresponde melhor situaodas teorias sobre bioenergia. Distantes da verdade como as teorias medievais relativas ao contgio

    de doenas; prximas da verdade mas errando na nfase dada, como a teoria sobre o escorbuto; ouverdadeiras mas imprecisas, como a questo do clera; ou algo diferente destes exemplos, s otempo dir. De qualquer modo, parece estar claro que a validade prtica das teorias e tcnicasrelacionadas com a bioenergia, ou com outros campos do conhecimento, no est necessariamentevinculada ao grau de verdade nelas contido. Isto no contradiz, claro, a busca do conhecimento darealidade como forma de clarear o que que est acontecendo exatamente, quais so os

    procedimentos que tm utilidade, e porque isso acontece.

    6.2. DIVERGNCIAS ENTRE CONCEITOS DE BIOENERGIA

    Existem diversos conceitos de bioenergia. Podem se perceber duas atitudes diferentes emrelao a isso: uma mais comum, que tenta negar as diferenas, afirmando que se trata da mesma

    coisa; e outra que adere a um conceito especfico e acha que os outros so incorretos ouinadequados.

    Nos diversos ramos de psicoterapia reichiana e nas terapias alternativas percebe-sefreqentemente uma mistura de ambas as posturas: comum se falar que a bioenergia a mesmareferida em outros sistemas de pensamento, sendo que na prtica desenvolvido um conceito

    bastante especfico e incompatvel com os demais. No feita uma anlise crtica do porque se estabandonando as outras concepes, e na verdade o assunto discutido como se no existissemoutras idias diferentes relativas ao tema.

    Como exemplo de abordagem no-crtica das diferenas, temos o seguinte texto:

    Atravs dos sculos, a fora vital tem sido rotulada com diferentes nomes por muitos povos.

    No se trata de uma descoberta recente. Cristo a chamou de 'luz'; os russos, em suas experincias psquicas, chamaram-na de energia 'bioplsmica'; Wilhelm Reich referiu-se a ela como 'energiaorgone'; os iogues da ndia Oriental chamam-na de 'pran' ou 'prana'; Reichenbach falou dela como'fora dica'; para os Kaunas, ela 'mana'; Paracelso chamou-a 'munia'; o termo comum chins 'chi' ou 'ki'; manuscritos alquimistas falam de 'fluido vital'; Eeman descreveu-a como 'fora x';Bruner chamou-a energia 'biocsmica'; Hipcrates chamou-a 'vis medicatrix naturae' (fora vital danatureza). Ela tambm tem outros nomes, como bioenergia, energia csmica, fora vital, ter doespao, etc. E estou certo de que h inmeros outros. Para simplificar, referir-nos-emos a ela comofora vital, ou simplesmente ' a energia' (25, p. 20-2).

    Ah! Se tudo fosse to fcil assim! Vamos simplesmente chamar de energia e pronto. D atuma certa inveja desta ingnua pobreza de esprito! Infelizmente (ou felizmente) a realidade no sesubmete s palavras. O papel aceita sem reclamar qualquer coisa que se escreva sobre ele, mas averdade que essa atitude logo esbarra com as vrias correntes que reivindicam a validade de suas

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    concepes. Reichianos e neo-reichianos, cada um com seus conceitos. Taosmo, hinduismo ebudismo, tambm com concepes que no se casam. Homeopatia, terapias alternativas, teoriasesotricas, religies diversas. Cada um cr que possui a verdade, e fica difcil aderir a algum delescompletamente, a no ser que o faamos por um ato de f. Mas isto no satisfaz a razo. Acreditoque uma antiga histria pode nos ajudar a lidar com o assunto.

    Havia 6 cegos de nascena que formavam um grupo. Viviam juntos, e viajavam de cidade em

    cidade pedindo esmolas. Sempre que ouviam falar de elefantes, ficavam curiosos, e tinham muitavontade de conhecer um desses animais. Certo dia, souberam que um circo chegara cidade, e quel havia um elefante. Foram at o local, e conseguiram autorizao para entrar em contato com oanimal. Ansiosos, puseram-se a tatear o animal. O primeiro cego tocou a tromba, e disse: oelefante parece uma mangueira grossa. O segundo tocou uma pata, e discordou: no, o elefante

    parece o tronco de uma palmeira. O terceiro cego, que tocara a presa de marfim, falou: pois paramim o elefante duro, curvo e pontudo como um chifre. O quarto cego tocou a orelha, e deu suaopinio: como vocs podem dizer tais bobagens? O elefante largo e chato como uma folha de

    bananeira. O quinto cego, que estava tocando a pele do tronco do elefante, achou que este pareciaser spero e duro como um muro. E o ltimo cego, que havia tocado o rabo, disse: eu acho muitoesquisito o que vocs esto dizendo, porque bvio que o elefante como uma corda grossa com

    fios soltos na ponta. Como o elefante comeasse a se incomodar com o barulho e a palpao, oresponsvel mandou os cegos embora e l se foram eles a discutir o que era o elefante, e diz-se quenunca conseguiram chegar a um acordo.

    A discusso sobre bioenergia parece ser muito semelhante a esta histria. Tanta gente fala sobreisso, tantos so as propostas de atuar em relao bioenergia, e todas com resultados prticos,que talvez haja alguma verdade a. Porm difcil neste momento afirmar qual esta verdade.Resta um trabalho de dilogo, de abandono dos preconceitos e dos fanatismos, para ver sechegamos mais perto do elefante, e no das suas partes. E tambm, talvez principalmente, ahumildade de assumirmos que ao falar de bioenergia no sabemos exatamente do que estamosfalando.

    Dentro desta integrao de conceitos, acredito que seria importante para o debate que as vriasescolas neo-reichianas se posicionassem claramente em relao Orgonomia. Ou aceit-la, e afalar dela e utilizar seus recursos, ou descart-la e critic-la explicitamente, expondo opinies, notendo medo do debate. Ou aceitar uma parte e criticar outra. Mas o essencial sair desse silncioque no gera discusso e no faz avanar o conhecimento.

    6.3. DILOGO COM A CINCIA

    Acredito que o mtodo cientfico possa trazer maior clareza e melhores critrios para a discussosobre o que bioenergia. Muito se poderia ganhar pela aplicao daquele que Popper considera onico mtodo de toda discusso racional, e, por isso, tanto das cincias da Natureza como dafilosofia: me refiro ao de enunciar claramente os prprios problemas e de examinar criticamente as

    diversas solues propostas (47, p. 17).Creio ser necessrio desenvolvermos uma epistemologia das psicoterapias reichianas, nos

    moldes do que Gonalves se prope a fazer com o Psicodrama. Tomando, conforme Russel, aepistemologia ou teoria do conhecimento como um escrutnio crtico do que tido comoconhecimento, a autora busca critrios para diferenciar o conhecimento (episteme) da opinio(doxa). Segundo uma interpretao contempornea, podemos dizer que os juzos ou enunciados pormeio dos quais a opinio se expressa no so verificveis e que ... no se pode chegar a conclusoalguma a respeito de serem verdadeiros ou falsos (24, p. 91-2). Em outras palavras, trata-se desairmos do campo das opinies e adentrarmos no do conhecimento, uma tarefa nada fcil, masque pode ser muito til. Certamente, na construo desta epistemologia das psicoterapiasreichianas, a questo da bioenergia ser um dos principais pontos a serem trabalhados,

    especialmente o campo da fisiologia energtica, como j ressaltado anteriormente.

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    Neste sentido, essencial a preocupao com a metodologia. O fato de Reich expressar opiniesexticas, e at risveis do ponto de vista cientfico oficial, no necessariamente um demrito.Como afirma Magee, quanto mais ousada a teoria, tanto mais ela nos diz - e mais atrevido o atoimaginativo. (Simultaneamente, contudo, torna-se maior a probabilidade de ser falso o que a teoriaafirma e preciso submet-la a testes rigorosos para verific-lo). A maior parte das grandesrevolues cientficas deveu-se a teorias temerrias, que exigiram imaginao criativa,

    profundidade de viso, independncia de esprito e um pensamento desejoso de aventurar-se emregies inseguras (37, p. 32). Ou seja, dilogo com a cincia no quer dizer jogar fora osconceitos e prticas reichianos que no se harmonizam com as teorias cientficas vigentes. Significasim o desenvolvimento metodolgico: examinar criticamente, submeter a testes, debater a partir dosfatos e resultados com que lidamos em nossa prtica (11).

    Dentro da Homeopatia esta questo est bem mais adiantada, e j existem ensaios clnicos (53,57) e pesquisas sobre os fundamentos homeopticos (56) que buscam o desenvolvimento de umametodologia, cientificamente rigorosa, que seja adequada s suas especificidades.

    Alm do aspecto conceitual, de desenvolvimento do conhecimento, existe tambm um aspectoprtico: nossa cultura , ou tenta ser, fundamentada na cincia como fonte principal, ou mesmo

    nica, de legitimao do conhecimento. Assim, para que as prticas e os conhecimentos depsicoterapia reichiana possam se expandir e se difundir, inevitvel que haja um dilogo com acincia. Seno, inevitvel que permaneamos no gueto, no campo dos alternativos, como maisuma seita extica que diz coisas absurdas, e que faz curas milagrosas, como a magia, o ocultismo,os mdiuns espritas e outros.

    Enquanto nossas atividades e conceitos no forem cientificamente palatveis, ficaremos de foradas universidades, das publicaes cientficas, das bolsas de estudo. Todo este conhecimento, quetanto poderia ajudar as pessoas, ficar fora do alcance dos profissionais encarregados de cuidardelas, ou seja, os mdicos, psiclogos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudilogos etc. etc..

    Dado que nossas prticas chegam a bons resultados, algo deve acontecer que leva a isso. Se forconseguido o esclarecimento cientfico do que que propicia tal eficcia, pode ser que finalmentese faa luz sobre a existncia de algo que tenha as caractersticas do que hoje conhecemos como

    bioenergia. Pode ser que seja outra a explicao, e que possamos explicar nossos resultados emtermos de disciplinas cientficas j existentes, como a neurofisiologia, a cinesiologia, a

    biomecnica. Pode ser que se revele que o que hoje conhecemos por bioenergia na verdade onome comum de uma multiplicidade de fenmenos diferentes. Ou pode ser ainda que a pesquisanesse campo leve a novas descobertas, novos ramos do conhecimento, quem sabe?

    Qualquer que seja o resultado, teremos mais clareza do que que acontece no ser humanoquando partimos nesta viagem em busca do seu ntimo atravs do corpo e da mente. Nossoconhecimento poder fecundar e ser fecundado por outros ramos do conhecimento e de prtica.Poderemos talvez sair do eterno conflito onde os reichianos criticam a cegueira dos cientistas, e os

    cientistas criticam o esprito supersticioso e irracional dos reichianos.Um outro ponto a considerar a questo do nome. Energia, ou bioenergia, talvez no seja um

    bom nome. A fsica, a qumica e a biologia j tm uma definio bastante precisa do que sejaenergia, e me parece que a coisa com a qual lidamos no simplesmente mais um tipo deenergia, nesta acepo. Com a desvantagem de que a insistncia neste nome pode gerar conflitos ediscusses inteis. Tomando como referncia o indivduo deprimido, que todos os reichianos eneo-reichianos apontam como exemplo de baixa energia, podemos verificar que, se colocarmosnessa pessoa um soro glicosado por via endovenosa, e se o pusermos a respirar oxignio puro, aenergia fisiolgica disponvel aumentar, mas a depresso se manter inalterada. Reich, em seus

    primeiros trabalhos, levantou a hiptese de uma qualidade bioeltrica da energia (50, p. 232), oque nos levaria a pensar num possvel uso de pilhas eltricas na forma de supositrio como

    teraputica para depresso, o que obviamente absurdo. Pelo exposto acima, talvez denominaescomo fora vital ou semelhantes sejam mais adequadas.

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    No poderamos deixar de citar aqui os trabalhos de Gaiarsa (20, 21, 22), que apesar de noter se constitudo numa linha teraputica especfica, tem contribuies bastante originais e

    pertinentes ao tema aqui abordado. Trata-se, at onde vai o meu conhecimento, do nico autorinspirado na herana reichiana que tenta fundamentar a psicoterapia de abordagem corporal emconceitos cientficos. E interessante notar que em seus textos ele praticamente no utiliza oconceito de bioenergia ou afins. Talvez seja este um dos motivos deste autor ter ficado mais ou

    menos margem da corrente principal das teorias e prticas reichianas e neo-reichianas em nossopas.

    6.4. AS TRADIES ESPIRITUAIS DO ORIENTE

    O conhecimento cientfico no o nico que pode servir como fonte de conhecimento.Tradies que datam de milhares de anos certamente tm alguma contribuio a dar quanto ao serhumano. Mesmo que seja minimamente atravs de prticas mentais e corporais que poderiam sertomadas isoladamente de suas conexes religiosas. Isto aconteceu bastante com a ioga, onde certosautores a concebem simplesmente como uma srie de exerccios fsicos saudveis e nada mais.

    As concepes de Reich sobre o fenmeno religioso e sua relao com a psicologia humana meparecem um tanto limitadas, e incapazes de dar suporte conceitual a uma maior interao com os

    ensinamentos das tradies orientais. Conforme Pierrakos, Reich tinha uma profunda sensaocsmica, mas, a meu ver, no conseguiu efetuar as conexes finais com o conceito de alma, comoo fez Jung. Jamais aceitou a verdadeira espiritualidade em seus trabalhos publicados (46, p. 16).Segundo este mesmo autor, Reich no enxergou o outro lado da verdadeira espiritualidade, ao qualJung dedicou toda sua vida. A impresso que Reich deve ter tido um problema srio nessa esfera,que ele nunca elaborou. Chamou-o misticismo e explicou-o como ciso na unidade da estrutura.Incorreu no erro comum de rejeitar toda espiritualidade em virtude dos excessos e docharlatanismo e no diferenciava espiritualidade de misticismo distorcido (46, p. 17). Nestesentido, e concordando com Pierrakos, creio que h necessidade de nos voltarmos para um estudomais aprofundado da psicologia de Jung. O contato com algumas obras de sua autoria (29, 31, 30)

    parece levar concluso inevitvel de que este autor j se debruou bastante sobre o tema e pode

    ter contribuies valiosas a serem aproveitadas. Existem inclusive propostas de psicoterapia queincluem trabalho corporal numa abordagem junguiana (40, 43), e que podem facilitar um dilogocom as psicoterapias reichianas.

    No h necessariamente uma incompatibilidade entre a proposta de fundamentao cientfica e acontinuidade do contato com as tradies religiosas. Exemplo disso so as pesquisas que tm sidofeitas em relao Meditao Transcendental, mostrando que os adeptos desta prtica (relacionadaaos ensinamentos religiosos tradicionais do hinduismo) apresentam alteraes endcrinasduradouras (60), e menor consumo de servios mdicos, presumivelmente pelo seu melhor estadode sade (45). Numa outra linha de pesquisa, existe um estudo (32) que investiga, entre outrosaspectos, o valor da prece e da f como defesas contra situaes de tenso, concluindo pela suautilidade na diminuio da reao endcrina do organismo submetido a condies estressantes.

    6.5. O VITALISMO

    Acredito que o ressurgimento do debate sobre o vitalismo pode ser de grande utilidade para acompreenso de questes relacionadas energia. Apesar deste debate parecer estar meio fora demoda nos crculos filosficos, e nos meios cientficos a questo ser considerada um tanto quantoultrapassada, a realidade que esto vigentes hoje em dia conceitos vitalistas em muitas prticasdifundidas como as psicoterapias reichianas, a homeopatia e a acupuntura.

    Para ser mais preciso, certas concepes de Reich em seus ltimos trabalhos na verdadetranscendem o vitalismo, na medida em que a energia orgone explicaria no s os fenmenosvitais, mas tambm estaria na raiz de toda a realidade. Ele critica as afirmaes de Bergson de que a

    cincia tradicional estava certa no campo da natureza inorgnica, porm no dava conta de explicaros processos biopsquicos. Reich diz que a pesquisa orgone no deixa dvidas de que a

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    pesquisa natural mecanicista falhou no s no campo biopsquico mas tambm em todos os outroscampos da natureza onde um denominador comum dos processos naturais teve de ser encontrado(52, p. 99). No entanto, na prtica psicoterpica, o que vigora um conceito vitalista, de uma

    bioenergia superposta ao funcionamento fisiolgico e psquico. Assim, deste ponto de vista, temsentido o estudo das concepes vitalistas como contribuio a uma anlise crtica das teoriasreichianas e neo-reichianas, alm de proporcionar uma base conceitual para discutir a integrao

    dos conceitos reichianos com a homeopatia, acupuntura etc..Na questo do vitalismo, quanto mais o princpio vital for uma causa desconhecida e inacessvel,

    mais longe estaremos da cincia. Conforme Abbagnano, criticando concepes vitalistas vagas eobscuras, uma causa assim, exatamente por fugir observao, no explica nada, e pretendeexplicar tudo; e um abrigo da ignorncia ou da razo preguiosa (2, p.967). No outro extremo,quanto mais claros e detalhados forem os conceitos de bioenergia, e quanto mais geradores de

    predies e capazes de propor intervenes, mais perto estaro da falseabilidade (capacidade depoderem ser demonstrados falsos), e portanto mais prximos da cincia na concepo de Popper(47).

    6.6. AJUDANDO A CLAREAR

    So listadas a seguir algumas questes que podem ajudar a clarear mais exatamente no que queacreditam os vrios autores e correntes de pensamento. Acredito que a resposta detalhada a cadauma delas possa ser um ponto de partida para a discusso das diferenas e complementaridadesentre as diversas concepes sobre bioenergia, j que uma das grandes dificuldades para o exameadequado do assunto a falta de clareza em relao s divergncias existentes. O nome

    bioenergia usado de maneira genrica aqui, e pode ser substitudo por outras denominaes.

    Corpo e Bioenergia

    1- Onde se origina a bioenergia no corpo?

    2- Por onde circula a bioenergia no corpo?

    3- Quantos tipos de bioenergia organsmica existem?4- Quais so as evidncias empricas (os fatos) que sustentam a hiptese da existncia de uma

    bioenergia organsmica?

    5- Como que a bioenergia interfere no funcionamento fisiolgico?

    6- Quais so as doenas fsicas e mentais geradas ou influenciadas pela bioenergia? Como sed a influncia da bioenergia sobre essas doenas?

    7- O que provoca os distrbios no metabolismo bioenergtico?

    8- O que deve ser feito terapeuticamente para corrigir os desequilbrios bioenergticos?

    9- Existe uma bioenergia csmica? Se sim, qual a relao entre a bioenergia organsmica e abioenergia csmica?

    10- Existe um campo bioenergtico alm da pele? Se sim quais so suas caractersticas e propriedades? possvel atuar terapeuticamente sobre o organismo atravs deste campobioenergtico? Como?

    11- A bioenergia pode ser transmitida entre pessoas ou organismos vivos? Se sim, de quemaneira isto se d? possvel colocar ou retirar intencionalmente bioenergia positiva ou negativaem um organismo distncia, sem contato fsico?

    12- A bioenergia de um organismo pode impregnar objetos, roupas ou ambientes? Se sim, comoisto acontece e como se pode lidar com este fato (obter informaes, limpeza, deteco)?

    13- A bioenergia organsmica pode ser detectada pelos rgos dos sentidos? Se sim, como se da estimulao dos receptores sensoriais pela bioenergia ?

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    14- Existe percepo que no dependa dos rgos dos sentidos? Se sim, como se d essapercepo? Qual o papel da bioenergia nessa percepo extra-sensorial?

    15- A bioenergia organsmica detectvel por meio de aparelhos? Se sim, por quais e em quecondies?

    16- A bioenergia pode ser quantificada? Se sim, de que modo e qual a unidade de bioenergia?

    Temas gerais1- Qual a relao entre bioenergia e a energia tal como definida pela Fsica?

    2- Existe uma entidade supramaterial autnoma e atuante, independente do suporte materialorgnico? Existe algo como uma alma?

    3- O que existe de verdade nas diversas religies e teorias msticas? Alguma delas temcontribuies vlidas em relao bioenergia? Se sim, quais religies e em que pontos elascontribuem?

    4- Porque existem tantas concepes diferentes sobre o que seja bioenergia? Qual delas estcorreta?

    5- Porque a cincia se recusa a reconhecer a bioenergia?6- A concepo de bioenergia vitalista ou no?

    7- A Orgonomia vlida inteiramente, parcialmente, ou totalmente incorreta? Separcialmente, especifique as partes corretas e as incorretas.

    8- Que tipos de fatos levam hiptese da existncia de uma bioenergia? Quais so ascomprovaes cientficas desta hiptese?

    9- A bioenergia deve ser encarada como um conceito cientfico, religioso, filosfico, ou algodiferente das alternativas anteriores?

    10- Existe reencarnao ou no? Se sim, qual a relao da bioenergia com este fenmeno?

    11- Qual a relao entre bioenergia e eletromagnetismo?

    12- Qual melhor nome para designar a bioenergia? Porque?

    13- Qual a relao entre bioenergia e cristais?

    14- Qual a influncia de formas como a pirmide sobre a bioenergia?

    15- Qual relao entre fotografias Kirlian e bioenergia?

    16- A bioenergia especfica dos seres vivos ou encontrada tambm na matria inorgnica?

    6.7. FINALIZANDO

    Para finalizar, existem dois assuntos que devem ser abordados. Um a minha opinio pessoalsobre a questo da bioenergia. A finalidade deste trabalho no foi expor minhas idias sobre otema. O que pretendi foi como que costurar uma colcha de retalhos relativa s vrias concepes eaos diversos aspectos do problema e suas ramificaes, sistematizar o tema de maneira um poucomais aprofundada, e apontar caminhos de pesquisa e discusso. Entretanto, creio que seriaintelectualmente desonesto no explicitar o meu ponto de vista. Mesmo sabendo quenecessariamente incorrerei no desagrado de muitos, pois so tantas, e to diferentes, as opiniessobre bioenergia, que qualquer posicionamento conflitar com boa parte delas, de um lado ou deoutro.

    O que eu acho que existem timas razes (prticas) para acreditar que existe mesmo umabioenergia. E que existem excelentes razes (tericas) para crer que esse conceito no passa de umabobagem mal sistematizada e mal fundamentada. Minha soluo pessoal neste momento encarar abioenergia como uma metfora til no trabalho clnico de psicoterapia. Ou seja, apesar de ter

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    muitas dvidas sobre se existe ou no uma bioenergia, e, existindo, o que seja ela exatamente, sintoque o conceito bastante til para entender e descrever muitos procedimentos tcnicos, muitasreaes somticas e psquicas em mim e nos demais, e para me comunicar com colegas e alunos. obrigatoriamente uma postura provisria, pois acredito que o aprofundamento da questo levar aque a balana penda para um dos lados. Entretanto, o que eu sei atualmente sobre o assunto no me

    permite jogar fora o conceito de bioenergia, e nem aceit-lo inteiramente. Creio mesmo que foi

    este conflito interno que me levou a escrever o presente trabalho, como uma tentativa de comear aresolver esta dvida.

    O segundo ponto relativo pessoa de Wilhelm Reich. O contato com suas teorias nos leva aquestionar se esse homem ter sido um dos maiores gnios da humanidade, um louco paranico,um charlato, um mrtir, ou simplesmente um inovador com algumas contribuies vlidas e outrasincorretas. Esta dvida no puramente intelectual, e atinge a prpria identidade profissional dens que nos denominamos de psicoterapeutas reichianos ou neo-reichianos. Esta questo costuma

    provocar discusses apaixonadas, e creio que ainda est longe de ser resolvida satisfatoriamente.De qualquer modo, interessante notar que mesmo admiradores seus, e continuadores de sua obra,como Boadella (5), Lowen (36) e Pierrakos (46), levantam algumas dvidas em relao suasanidade mental no fim da vida, em especial aps o Experimento Oranur.

    No deixa de ser curioso que um indivduo tido por tantos como louco, e encarcerado porcharlatanismo, tenha ainda, mais de 31 anos aps a sua morte, tanta influncia na teoria e tcnicadas psicoterapias, influenciando uma multido de linhas e gerando descendncia intelectual. intrigante tambm o fato de que as teorias denunciadas como falsas sejam to semelhantes aconceitos que insistem em surgir ao longo das diversas pocas e culturas nos grandes sistemas decura, e ainda hoje persistem em prticas difundidas e aceitas como a homeopatia e a acupuntura.

    De qualquer modo, no mnimo debitam-se a Reich algumas contribuies de enormeimportncia: 1) a abertura do terreno da integrao do corpo psicoterapia: mesmo que todas assuas concepes se mostrem incorretas, sempre ser necessrio reverenciar sua coragem intelectuale existencial (enfrentamento de perseguies) de trazer cena o corpo esquecido e negligenciado;

    2) seu papel como um dos pilares tericos da chamada revoluo sexual, onde se d o mesmo quej comentamos em relao psicoterapia.

    Alm disso, Reich, enquanto criador intelectual, andou por vrios campos, e suas concepesmudaram muito ao longo de sua vida. Neste sentido, acredito ser impossvel uma aceitao ourejeio globais de sua obra. Cada aspecto merece ser analisado isoladamente, sem perder suaconexo com o todo. A Orgonomia, a anlise do carter, as teorias sobre a funo do orgasmo, avegetoterapia, as idias sobre sexualidade e poltica, so alguns destes campos.

    Agradecimentos: Camila S. Gonalves, Carlos R. Briganti, Frederico A. N. Berardo,Germano B. Rego, Gerson Fujyiama, Gurumayi Chidvilasananda, Jos Eluf Neto, Leia Cardenuto,Marcos N. Martins, Maria Melo Azevedo, Regina Favre, Sandra Sofiati.

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