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    COMUNICAO E MDIA: ANLISE DO DISCURSO E FORMAO DISCURSIVA EM TEXTOS MIDITICOS

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    COLEO CADERNOS DE AULA

    COMUNICAO E MDIA: ANLISE DO DISCURSOE FORMAO DISCURSIVA EM TEXTOS MIDITICOS

    Organizadora:

    Sandra Maria Pereira do Sacramento

    Colaboradores:

    Alunos de Teorias da Comunicao e Anlise doDiscurso do Curso de Comunicao Social nos

    dois semestres letivos de 2002

    Editora da UESC

    Ilhus-Bahia2004

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    COLEO CADERNO DE AULA

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    2004 by SANDRAMARIAPEREIRADOSACRAMENTO(ORG.)

    Direitos desta edio reservados EDITUS - Editora da UESC

    Universidade Estadual de Santa CruzRodovia Ilhus-Itabuna, km 16 - 45650-000 - Ilhus, Bahia, Brasil

    Tel.: (73) 680-5028 - Fax: (73) 689-1126www.uesc.br/editora

    Governo do Estado da BahiaPaulo Ganem Souto - Governador

    Secretaria de EducaoAnaci Bispo Paim - Secretria

    Universidade Estadual de Santa CruzAntonio Joaquim Bastos da Silva - Reitor

    Lourice Hage Salume Lessa - Vice-Reitora

    Editus - Editora da UESCMaria Luiza Nora - Diretora

    Projeto GrficoAdriano Lemos

    CAPAGeorge Pellegrini / Adriano Lemos

    Equipe Editus

    DIRETORDEPOLTICAEDITORAL: JORGEMORENO; REVISO: MARIALUIZANORAEDORIVALFREITAS; SUPERVISODEPRODUO: MARIASCHAUN; COORD. DEDIAGRAMAO: ADRIANO

    LEMOS; DESIGNGRFICO: ALENCARJNIOR.

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Ficha catalogrfica: Silvana Reis Cerqueira - CRB5/1122

    Comunicao e mdia : anlise do discurso e formao discursiva emtextos miditicos / Organizadora Sandra Maria Pereira do Sacra-mento. Ilhus, Ba : Editus, 2004.78p. (Coleo Cadernos de aula, 4)

    Trabalho realizado com a colaborao dos alunos do curso de

    Comunicao Social dos dois semestres letivos de 2002.Bibliografia: p. 77-78.

    ISBN: 85-7455-084-1

    1. Anlise do discurso. 2. Retrica. 3. Comunicao de massa nalinguagem. I. Sacramento, Sandra Maria Pereira do. II. Srie.

    C741

    CDD 415

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    COMUNICAO E MDIA: ANLISE DO DISCURSO E FORMAO DISCURSIVA EM TEXTOS MIDITICOS

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    COLEO CADERNOS DE AULA

    Comunicao e Mdia: anlise do discursoe formao discursiva em textos miditicos

    Organizadora:

    Sandra Maria Pereira do Sacramento

    Colaboradores:

    Alunos de Teorias da Comunicao e Anlise doDiscurso do Curso de Comunicao Social nos

    dois semestres letivos de 2002

    Aline de Caldas Costa

    Carolina Ruiz de MacdoJorge Vieira Brito

    Polyana da Rocha Dias

    Pricilla de Souza Andrade

    Richard da Silva Rocha

    Tas Silva de Borba

    Tiago Santos Sampaio

    Valquiria Alexandre

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    Sumrio

    APRESENTAO.......................................................................................... 7

    L I N G U A G U E M E P E R S U A S O

    A PROPAGANDA NA PS-MODERNIDADE: UMA PERSPECTIVADE IDENTIDADES PARTILHADAS ............................................................. 11

    A pragmtica discursiva e a produo de sentido ........................................ 11A chegada da pluralidade ........................................................................... 13

    A persuaso como estratgia de pertencimento .......................................... 16

    OS RECURSOS PERSUASIVOS UTILIZADOS PELA RETRICAPUBLICITRIA: UMA ANLISE DA CAMPANHADAS SANDLIAS HAVAIANAS .............................................................. 19

    A persuaso discursiva ................................................................................ 19Os recursos retricos nas propagandas ....................................................... 21

    A persuaso enquanto elemento de afirmao ............................................ 24

    A FORA DOS DISCURSOS IMPLCITOS NA PUBLICIDADE:UMA ANLISE DA CAMPANHA DA SKOL ............................................... 27

    As intenes persuasivas dos discursos ....................................................... 27

    A matria publicitria e a persuaso ........................................................... 29A persuaso e a mudana de comportamento esperada .............................. 33

    D I S C U R S O S E E T N O C E N T R I S M O

    INTERPRETAO E ANLISE DO DISCURSO DA CARTADO DESCOBRIMENTO.............................................................................. 37

    A presena do discurso ideolgico ............................................................. 37

    O sujeito da enunciao e a determinao ideolgica ............................... 38

    O discurso alm da parole .......................................................................... 43

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    D I S C U R S O S . . . D I S C U R S O S

    QUANDO OS DISCURSOS TORNARAM-SE O DISCURSO ................ 47

    O discurso como manifestao ideolgica .................................................. 47

    Os discursos no primeiro turno das eleies presidenciais de 2002 ............ 48

    Segundo turno: uma nova realidade ........................................................... 51

    ANLISE COMPARATIVA DOS DISCURSOS DOS CANDIDATOS PRESIDNCIA DA REPBLICA NAS ELEIES DE 2002 ........................... 55

    A constituio do discurso poltico ............................................................. 55

    Abordagens e mudanas nos discursos ideolgicos .................................... 56

    O DESPERTAR DA DIFERENA: MEIOS DE COMUNICAOE HETEROGENEIDADE CULTURAL ........................................................... 63

    O despertar das diferenas: algumas questes importantes ......................... 63

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    APRESENTAO

    Os trabalhos, ora apresentados, resultaram dos dois semestres

    letivos de 2002, quando ministrei a disciplina Teorias da Interpre-tao e Anlise do Discurso a turmas do curso de ComunicaoSocial.

    Trabalhar a interpretao textual constitui uma prerroga-tiva de qualquer professor, uma vez que h sempre um contedoa ser apresentado ao aluno e este deve estar atento s orientaesda decodificao, quase sempre levadas s ltimas conseqncias

    em uma nica vertente. A anlise do discurso de linha francesacoloca a interpretao no como algo fechado, em que o discursono individual, restando ao sujeito da enunciao uma linhatnue entre a produo e a reproduo de enunciados, sendo otexto antes uma arena discursiva.

    Atravs da anlise do discurso, os alunos foram capazesde perceber a presena de uma viso etnocntrica que perpassa

    a Carta de Caminha, bem como o forte apelo persuasivo emcampanhas, sejam publicitrias, sejam presidenciais. Estas ltimasproporcionaram uma espcie de laboratrio do discurso aosalunos, na medida em que contedos ideolgicos ganharam, nosegundo turno das eleies de 2002, os mais diversos vises,atenuando conceitos, a priori,opostos como esquerda e direita.

    Desta sorte, os ensaios elaborados pelos alunos reproduzema instigante produo de sentido de textos, muitas vezes, consa-grados, como a Carta de Caminha ou textos veiculados pelamdia televisiva. No podemos esquecer que a conceituao hoje

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    do que seja cultura, com o advento dos mass mediarelativizaalgo estanque e hierarquizado. Assim, alta cultura, cultura demassa (indstria cultural) e cultura popular ganham perspectiva,amparada, sobretudo esta, em sntese, na incluso em uma so-ciedade de cultura hbrida e heterognea como a nossa, aindaque discursos essencialistas insistam em se fazerem presentes.

    SANDRAMARIAPEREIRADOSACRAMENTO

    Professora do DLA

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    L I N G U A G E ME P E R S U A S O

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    A PROPAGANDA NA PS-MODERNIDADE:UMA PERSPECTIVA DE IDENTIDADES

    PARTILHADAS

    Aline de Caldas Costa

    A PRAGMTICA DISCURSIVA E APRODUO DE SENTIDO

    A linguagem, examinada sob o ponto de vista evolucionista,coloca o homem numa linha tnue entre a racionalidade e a

    alienao. Surgida de uma necessidade humana, em relacionar-secom a natureza e outros homens, a linguagem se apresenta comoinstrumento racional de inter-relacionamento. Tal racionalidade,por sua vez, levou o homem a buscar maneiras de situar-se en-quanto sujeito, atravs de um universo de costumes e tradies,que o identificasse quando inserido em um grupo. O simbolismoutilizado em rituais de afirmao da identidade pode estar funda-

    mentado em diversos suportes, contudo, o suporte inevitavelmenteencontra-se perpassado pelo carter persuasivo e ideolgico aoqual a linguagem, em quase todas as suas instncias, exceo,talvez, da arte, encontra-se atravessada.

    Uma vez que a linguagem se apresenta como um instrumentosocial de interao, surge a necessidade de analis-la enquantoferramenta de construo simblica devido sua propriedade para

    a mediao de confronto ideolgico, no podendo ser observadafora de sua condio de produto social, portanto, atravessada pelaexpresso do pensamento. Danilo Marcondes aponta a filosofia

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    pragmticacomo mtodo para avaliao dos sentidos, os quaisuma mensagem pode sugerir, por sua capacidade de conciliar asmais diversas especificidades da linguagem.

    Trata-se basicamente de uma viso filosfica segundo a qual o estudo dalinguagem deve ser analisado em uma perspectiva pragmtica, ou seja,enquanto prtica social concreta, examinando portanto a constituiodo significado lingstico a partir da interao entre falante e ouvinte, docontexto e dos usos, dos elementos scio-culturais pressupostos pelouso, e dos objetivos, efeitos e conseqncias desses usos (MARCONDES,2000, p. 40).

    Observando o quo complexa a linguagem pode se apresen-tar, percebe-se a necessidade de avaliar o trnsito ideolgicoque acontece entre emissor e receptor, quando se atribui um

    carter tridimensional comunicao. luz do pragmatismo, osignificado torna-se mutvel, relativo, especialmente quando seest atrelado a uma noo de verdade. A verdade, analisadaatravs de uma perspectiva histrica, carrega consigo o desejoambicioso de se afirmar enquanto um conceito universal, capazde atropelar as especificidades de pblicos e contextos diferen-ciados, tornando-se, desse modo, um propsito questionvel.

    Em Linguagem e Persuaso, Adilson Citelli procura examinaro processo de construo de um texto, fundamentado em meca-nismos determinados, para alcanar o carter de verdade. ParaCitelli, o discurso clssico est firmemente ligado s formas deargumentao criadas na Grcia. A retrica, dentro desse contex-to, buscava associar pertinncia e arte aos discursos, a fim de semostrarem verdicos e convincentes. Citelli cita Aristteles para

    aprofundar a abordagem que a retrica implica aos textos, a qualse refere s formas de os tornar verdadeiros, ou prximos ver-dade. De maneira analtica, a retrica se preocupa com a forma

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    com a qual o texto est sendo dito. Desse modo, a persuaso apresentada como sinnimo de submisso, de maneira que estaltima seja interpretada como aceitao de uma espcie deconselho, que tem a aspirao de ser verdade.

    Segundo Citelli, as instituies produzem discursos bas-tante coesos, que se aproximam a verdades absolutas, semprepersuasivas. Os discursos institucionais se propagam atravs dasociabilidade dos signos. Ao assimilar os signos, o indivduo ab-sorve tambm as ideologias institucionais, tornando o discursopersuasivo uma polifonia de vozes ideolgicas. Para o autor, odiscurso persuasivo e institucional busca se mostrar como verdadeabsoluta medida em que tenta camuflar as diferenas atravsde uma espcie de linguagem autorizada.

    EmCenrios do Novo Mundo, Marcondes Filho argumenta queo conceito de certeza associa-se a uma crena pretensiosamente

    universal e anistrica(1998), o que vem relacionar intimamentea certeza a discursos ditatoriais, a verdades universais. A moder-nidade esteve marcada por inmeras verdades absolutas, porideais de cultura enquanto um domnio pertinente a determinadosgrupos sociais, discursos que a histria apresentou imersos numcarter altamente ideolgico, observados unicamente por umponto de vista, com vistas a perenizar o status quo.

    A CHEGADA DA PLURALIDADE

    No possvel ignorar o fato de que estamos presenciandouma poca de transio entre um perodo que rene elementoscapazes de difundir unidade e um perodo de grandes transforma-

    es culturais, pluralizantes, no qual a histria deixa de ser vistacomo processo unitrio e surgem representaes progressivas deminorias, atravs de linguagens diversas. As vozes dissidentes

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    encontram cada vez mais espao nos meios de comunicaode massa, atuando no sentido de construir, difundir e afirmarnovas identidades culturais. Muitos pensadores, como Ador-no e Hokhaimer, enxergavam nos meios de comunicao demassa uma forma de disseminao de ideologias ditatoriaise, possivelmente, uma maneira de exercer manipulao depblicos. O que eles no imaginaram era que esses veculoscausariam uma crise geral de ideologias, como bem explicitaGianni Vattimo:

    Cada a idia de uma racionalidade central da histria, o mundo dacomunicao generalizada explode como uma multiplicidade de racio-nalidades locais _ minorias tnicas, sexuais, religiosas, culturais ouestticas _ que tomam a palavra, finalmente j no tacitamente aceitese retomadas pela idia de que s existe uma nica forma de humani-

    dade verdadeira para realizar, no obstante todas as peculiaridades,todas as individualidades limitadas, efmeras, contingentes (VATTIMO,1991, p. 17).

    De acordo com Vattimo, nesse caos relativo que residem aschances de emancipao, de libertao e onde a incerteza evocaa cidadania realidade. Para o autor, uma das caractersticas atri-

    budas ps-modernidade o fato desta ser um momento culturalno qual emergem novas possibilidades de contar a histria, umavez que surgem espaos para tais minorias exercerem a tomadada palavra e exporem os fatos de acordo com suas respectivasvises de mundo. Com a queda do conceito de verdade e unida-de, rompe-se tambm a idia de sujeito universal, que conduz ohomem ps-moderno a novas identidades, num contexto social

    fragmentado, fragmentador. Enquanto as sociedades tradicionaisvalorizam seus smbolos e tradies, suas prticas sociais enquan-to linguagem institucional de afirmao, as sociedades modernas

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    vivem mudanas de carter rpido, constante e contnuo, luz das quais as prticas sociais so constantemente avaliadas.Segundo Stuart Hall, a formao da identidade parte da faltade inteireza que preenchida a partir de nosso exterior(HALL, 2000, p. 39), num processo contnuo de construo.

    Vejamos um exemplo, apresentado em forma de propaganda,do refrigerante Pepsi. O comercial foi elaborado com base nestasegmentao de pblicos e utiliza uma linguagem simblicacomparativa. No filme, uma organizao de homens orientais serene para avaliar a entrada de um jovem no grupo. Aps passarpor testes de artes marciais, como partir um pedao de madeiracom um golpe determinado, o rapaz colocado no centro doptio. Todos os membros do grupo, vestidos com trajes que re-portam a monges budistas e com a cabea raspada, se sentam emposio de ltus - a posio da meditao, do autoconhecimento

    - e se organizam em fileiras que lembram os desfiles nazistas.Todos, inclusive os superiores, tm uma lata de Pepsi frente.O rapaz bebe e, em seguida, o enquadramento d nfase a umsmbolo circular no alto do ptio, presente na fronte de todos osintegrantes. Eles observam o aspirante, com expectativa, e aguar-dam sua reao. O rapaz, ento, percebe que a prova final paracelebrar sua entrada na comunidade o recebimento daquele

    smbolo, tarefa que requer sua interpretao sobre a essncia dosigno. Finalmente, ele olha a latinha sua frente, olha o smbolona fronte do superior e, como num impulso, lana sua cabeade encontro parte superior da lata, que imprime-lhe o mesmosmbolo circular na testa como uma espcie de tatuagem natural.

    Ora, o que se expe, num olhar metafsico, a exposiodos esteretipos enquanto forma de afirmar uma identidade es-

    pecfica, associada a uma essncia condicionada leitura de umsmbolo arbitrrio. A escolha do smbolo, uma forma impressa apartir de um suporte caracterstico da modernidade, nos leva a

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    transitar entre os cones local - a tradio - e global, a bebi-da das ditas sociedades modernas, como classifica Hall. Em suaconcepo, Hall explica que a utilizao de culturas nacionaiscomo discursos produz aes, concepes e sentidos que criamidentidades que, por sua vez, criam comunidades imaginadas.Podemos identificar, neste comercial, todos os pontos que StuartHall cita como estratgias representacionais para levar o pblicoao sentimento de pertencimento a uma identidade nacional: anarrativa da nao atravs de smbolos e experincias; a nfasenas origens e tradies; a inveno da tradio e o mito funda-cional - o qual localizaria a origem do grupo no passado e, agora,o coloca num modo ambguo de imaginar o futuro.

    A PERSUASO COMO ESTRATGIA DE PERTENCIMENTO

    A abordagem que o smbolo nos incita traa uma linha entre aleitura nascida a partir de um cone de consumo e as manifestaeshbridas de construo da identidade cultural. A introduo do pro-duto, caracterstico da globalizao, numa organizao filosficalocal nos conduz ao questionamento do que venha a ser chamadode tradio, levando-se em considerao a questo do consumo

    como alavanca para recontextualizar a sociedade moderna. O quese percebe que o avano do ps-moderno global tem levado formao de identidades partilhadas atravs de fluxos culturaisentre as naes e o consumismo global (Hall, 2000). Tais fluxostendem ao rearranjo das diferenas, sem, contudo elimin-las.

    ... necessrio examinar as condies concretas em que, no momento,

    se desenvolvem as prticas culturais em diferentes pases, a interaodos projetos globalizadores com a maneira pela qual a multiculturalidadeperfila as relaes sociais em cada regio (CANCLINI, 1999, p. 12).

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    O que Canclini coloca como ponto fundamental que o con-sumo, ainda que este atue como instaurador de novas vertentesculturais, sirva para pensar. Atravs do reordenamento das neces-sidades e desejos, os cidados devem transitar conscientementeentre o local e o global, sem contudo se desvincular de suas iden-tidades, ou melhor, dentro de suas possibilidades de interao.

    Observando esse jogo de foras, que Canclini aborda as lutasde geraes a respeito do necessrio e do desejvel mostram outromodo de estabelecer as identidades e construir a nossa diferena(CANCLINI, 1999, p. 39); percebemos que a organizao docampo da construo simblica no filme da Pepsicarrega consigoboa parte dos elementos de afirmao de uma cultura hbrida, quecircula entre valores locais e globais, acrescentando uma posturaprpria, contudo, sem se desligar da idia de consumo, colocadoaqui como um item de persuaso acerca das necessidades, que

    servem para enfatizar a sensao de pertencimento a uma identi-dade determinada. Atribuindo ao consumidor a seletividade sobreaquilo que vem a ser valioso, Canclini rompe a idia, at entoassociada ao conceito de consumo, de suprfluo. Para o termocidado, colocado como sinnimo de atuante poltico, Canclinisugere adicionar abordagens que levem em considerao asprticas sociais e culturais que do sentido de pertencimento, a

    organizao e a satisfao das necessidades (CANCLINI, p. 46).O discurso publicitrio utilizado no filme da Pepsiatua comoelo entre artifcios e situaes, unindo retrica e contextos di-ferenciados linguagem audiovisual. A persuaso acontece nosentido de colocar um produto enquanto item de contentamentoe ressignificao das vertentes filosficas da organizao, quenos reporta a uma situao de questionamento dos valores da

    modernidade. A sociedade civil , assim, colocada frente a umasituao na qual possvel ler uma forte ligao entre cultura,discurso e poder.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ADORNO, T. e HORKHAIMER, M. A indstria cultural. In: Dialticado Esclarecimento: fragmentos filosoficos. Traduo: Guido Antoniode Almeida. Rio de Janeiro: J. Zahar Editor, 1985.

    CANCLINI, N. G. Consumidores e cidados: conflitos multiculturaisda globalizao. 4. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.

    ______. Culturas hbridas: Estratgias para entrar e sair da moderni-dade. 2. ed. So Paulo: Edusp, 1998.

    CITELLI, A. Linguagem e persuaso. So Paulo: tica, 1988.

    HALL, S. A identidade cultural na ps-modernidade. TraduoTomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 4. ed. Rio de Janeiro:DP & A, 2000.

    MARCONDES FILHO, Ciro. Cenrios do novo mundo. NTC, 1998.

    MARCONDES, D. Desfazendo mitos sobre a pragmtica. In:Alceu

    - Revista de Comunicao, Cultura e Poltica. V. I, n 1 Jul/Dez2000. Rio de Janeiro: PUC Departamento de Comunicao.

    VATTIMO, G. A Sociedade Transparente? In:A Sociedade Transpa-rente. Relgio Dgua, 1992.

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    OS RECURSOS PERSUASIVOS UTILIZADOS PELARETRICA PUBLICITRIA: UMA ANLISE DACAMPANHA DAS SANDLIAS HAVAIANAS

    Carolina Ruiz de Macdo

    A PERSUASO DISCURSIVA

    A maior parte dos discursos que fazemos nas relaes comos nossos semelhantes so discursos de persuaso. Temos ne-cessidade de persuadir e ser persuadidos (Umberto Eco, apud

    Citelli, 1988, p. 68).Na sociedade moderna, somos cada vez mais persuadidos em

    nossas atitudes, seja num momento srio como o de constituir fam-lia, seja num ato banal como o de comprar um produto qualquer.

    O elemento persuasivo est colado ao discurso como a peleao corpo (Citelli, 1988, p. 06). Mas alm de sermos persuadidos,tambm temos a constante necessidade de persuadir nossos inter-

    locutores para a aceitao dos nossos discursos ou compreensodas ideologias neles contidos.

    Persuadir, antes de tudo, sinnimo de submeter, da sua vertenteautoritria. Quem persuade leva o outro aceitao de uma dada idia. aquele irnico conselho que est embutido na prpria etimologia dapalavra: per + suadere = aconselhar (Citelli, 1988, p. 13).

    Sendo assim, o emissor j se coloca como merecedor decredibilidade, visto que se apresenta como algum capaz de

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    aconselhar, tratando (implcita ou explicitamente) o receptorcomo agente passivo no circuito comunicativo.

    A sociedade moderna est fortemente impregnada desta marcaautoritria do discurso. A persuaso ganhou fora de mito. Afinal, apropaganda ou no a alma do negcio? (Citelli, 1988, p. 40).

    Os discursos publicitrios, nas suas mais diversas formas deapresentao, so os mais perceptivelmente impregnados pelapersuaso, visando a convencer o pblico alvo de alguma idia

    j formulada, vender uma ideologia e/ou produto. Essa culturapersuasiva, instaurada na sociedade democrtica, tornou-se algoto forte e to explcito que virou mxima popular, mas mesmotendo conscincia de que o que vende um produto no , muitasvezes, a sua qualidade, e sim a propaganda que lhe atribuda,o pblico ainda se deixa levar pelos apelos persuasivos, noeliminando em nada os seus efeitos.

    Porm isso no se d de maneira gratuita. Para sua maior efic-cia, a publicidade utiliza diversos artifcios de persuaso. Por issono so lanados produtos de maneira ingnua, despida de inte-resse, ainda que essa inteno no seja demonstrada de maneiraclara. O modo de articul-lo, organiz-lo, poder determinaras direes que o discurso ir tomar, inclusive de seu maior, oumenor grau de persuaso (Citelli, 1988, p. 26). Portanto, o grau

    de persuaso vai ser determinado tambm pelo uso pertinente ouno dessas tcnicas e conhecimentos que a sustentam.A teoria emprico-experimental (ou da persuaso) vai contestar

    a teoria hipodrmica, afirmando que o destinatrio intervem noefeito. Dessa forma, persuadir os destinatrios um objetivo pos-svel, se a forma e a organizao da mensagem forem adequadasaos fatores pessoais que o destinatrio ativa quando interpreta a

    mensagem. Assim, necessrio o conhecimento dessas tcnicaspor parte do emissor e o emprego propcio de tais, para que setenha a reao desejada.

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    OS RECURSOS RETRICOS NAS PROPAGANDAS

    Tudo que ideolgico possui um significado e remete a algosituado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que ideolgi-co um signo. Sem signos no existe ideologia (Bakhtin, apudCitelli, 1988, p. 27).

    Baseados nessa afirmao podemos dizer que os recursos re-tricos utilizados em um texto vo alm da funo esttica, e seu

    uso revela intencionalidade ideolgica. Pode-se afirmar que o usodos signos no se faz de maneira aleatria e sim racionalizada,objetivando algo. As palavras, no contexto, perdem sua neutra-lidade e passam a indicar aquilo a que chamamos propriamentede ideologias (Citelli, 1988, p. 29).

    A propaganda recente das sandlias Havaianas faz uso devrios desses recursos citados.

    O comercial, veiculado em TV aberta, tem a modelo DanieleCicarelli como garota-propaganda - que, de incio, explicita portrazer a traduo da propaganda em LIBRAS para os deficientesauditivos. Segundo a pea publicitria, as sandlias Havaianasso um produto para todos, sua propaganda tambm deve seruniversal e, por isso, a novidade do quadro com traduo visandoa incluir tambm os deficientes auditivos. Aqui o emissor tenta

    persuadir o receptor de duas maneiras. A primeira fazendo-o crerque o comercial realmente traz algo de novo, diferenciando-sedos demais (logo, merecendo maior ateno do telespectador),e a segunda a idia de preocupao em abranger todos os quefazem uso do produto, colocando-o como algo muito cobiadopelo senso comum.

    Desde este momento, podem ser identificados diversos recur-

    sos retricos. A troca dos nomes um deles. Ao dizer deficienteauditivo e no surdo-mudo, como o convencional, a empresaquer evitar o constrangimento que essa segunda terminologia,

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    por ser mais, digamos, pesada, poderia provocar no pblico. Esserecurso consiste no ato de dar o nome certo s coisas, descar-tando um termo desgastado, que tenha adquirido um sentido quepossa trazer sensaes no desejadas aos receptores, por um maisleve, isento dessa carga sgnica que produz emoes duvidosasno pblico e que pode afetar todo o contedo da mensagem.A alterao lexical no apenas parte de um natural processosinonmico, mas o desejo de dourar uma plula cujo desgaste setornou evidente (Citelli, 1988, p. 31).

    Ainda nos retendo introduo do comercial, importantefalar do uso dos esteretipos. A modelo que apresenta o comercial nacionalmente conhecida como smbolo de beleza, sucesso,um modelo a ser seguido, visto que est em constante ascensona sua carreira, alm de estar demonstrando competncias queexcedem profisso de modelo. Portanto, identificamos, nesse

    momento, o uso do discurso autorizado ou competente, pelo qualfoi institudo que merece ateno e glrias queles que demonstrameficincia, independente de seus motivos ou fins.

    A ponte por onde transita a mistificao da competncia a palavra, odiscurso burocrtico-institucional com seu aparente ar de neutralidadee sua validao assegurada pela cientificidade. Afinal, quem afirma o

    doutor, o padre, o professor, o economista etc (Citelli, 1988, p. 35).

    Assim, no caso da propaganda analisada, a modelo quemd credibilidade ao que falado atravs de suas competncias

    j demonstradas na rea. Como referencial de bom gosto, afigura da modelo que valida o que est sendo afirmado. Aqui, oconvencimento implcito, se d pela aparncia, sendo o receptor

    sutilmente tragado pelo jogo psicolgico da persuaso.Apesar de sugerir uma certa importncia ao dilogo, pois tem-se

    a impresso de que a modelo est tendo uma conversa direta com

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    o receptor, como indivduo, isoladamente, o discurso tem marcasdo discurso autoritrio, apesar de no muito evidentes por estaremdisfaradas pela idia de dilogo. No entanto, essa impresso dedilogo direto com o assistente, que a propaganda quer transmitir,no nada alm do que a venda da imagem de que o produto to democrtico quanto popular, alm de ter funo de camuflara imposio do imperativo do monlogo. Durante toda a fala damodelo, o receptor induzido a respostas nicas, que atendem aosinteresses de venda, embora o receptor tenha a impresso de quechegou quela concluso por si mesmo. O que se observa umtom de verdade inquestionvel. Dirigismo das idias, argumentaofechada, no restando dvida quanto verdade da mensagem doemissor, caracterizando-se ento pelo raciocnio apoddico.

    Outro aspecto que reafirma o uso do discurso autoritrio soas repeties de frase e idias. O tempo todo o comercial est

    nos persuadindo a acreditar que as Havaianas so um produtopopular, universal, que todas as pessoas podem usar, e segue fa-zendo demonstraes de como, alm de combinar com qualquerpessoa, a sandlia tambm pode combinar com qualquer modeloou cor de roupa, frisando de maneira visual a universalidade doproduto que seu sloganj prope.

    O slogan(todo mundo usa) dito como verdade inquestionvel,

    trazendo um signo fechado, a voz da autoridade. Assim, o raciocnioimplcito, proposto pelo comercial, o seguinte: se todo mundo usa,eu (que no quero ser excludo da sociedade), por minha vez, tambmdevo usar. Se todo mundo usa o produto e eu ainda no o possuo,alguma coisa errada h e tem que ser corrigida imediatamente.

    O sloganvai ser repetido e reafirmado de diversas maneirasdurante o comercial e mais uma vez, ao fim da propaganda. O

    discurso autoritrio fixa-se em um jogo parafrsico, ou seja, repeteuma fala j sacramentada pela instituio: o mundo do dilogoperdeu a guerra para o mundo do monlogo (Citelli, 1988, p. 39).

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    No sloganse encontra ainda o uso de figuras de retrica. Ahiprbole evidente, generalizadora. Fica claro o exagero contidona frase todo mundo usa.

    A PERSUASO ENQUANTO ELEMENTODE AFIRMAO

    O universo vocabular utilizado pela propaganda simples,visando ao maior alcance possvel de pblico, tendendo a umatransparncia, o que torna o enunciado mais facilmente compre-ensvel ao receptor, facilitando a afirmao da mensagem diantedos destinatrios.

    No entanto, h algumas confuses a respeito do termo per-suaso que precisam ser esclarecidas se quisermos uma melhor

    anlise dos produtos da indstria cultural e seus diversos discur-sos. Este se tornou mitificado e sinnimo de engodo.Persuadir no apenas sinnimo de enganar, mas tambm o

    resultado de certa organizao do discurso que o constitui verda-deiro para o receptor (Citelli, 1988, p. 14).

    O persuasor no est trabalhando com verdade, mas com algoque se assemelha a ela e por isso nos verossmil. Verossmil ,

    pois, aquilo que se constitui em verdade a partir de sua prprialgica. Da a necessidade, para se construir o efeito verdade, daexistncia de argumentos, provas (Citelli, 1988, p. 21). E , porisso, que a propaganda se preocupa em fazer demonstraes decomo a sandlia combina com qualquer roupa, qualquer cor ecai bem em vrias ocasies.

    Mais um elemento a compor a persuaso desta propaganda

    a metonmia. O recurso parte pelo todo utilizado quandoela se refere ao receptor como indivduo isoladamente, usandoo pronome de tratamento voc. O sujeito no singular d uma

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    idia maior de aproximao. O plural dispersa, o singular con-centra e intensifica a idia (Citelli, 1988, p. 21). Cria-se assimum maior vnculo entre produto e pretenso cliente. Alm deque quem nos fala a simptica e conhecida modelo DanieleCicarelli, reforando ainda mais essa impresso de intimidade.

    Assim, os discursos publicitrios so formatados para queconvenam o receptor de uma mensagem ou que este mude decomportamento em seu favor. Nossa sociedade e seus discursosesto impregnados de apelos persuasivos, visando a convencer-nos sempre de alguma coisa. A palavra, o discurso e o poderse contemplam de modo narcisista; cabe-nos tentar jogar umapedra na lmina de gua (Citelli, 1988, p. 36). Resta-nos estaratentos a essas armadilhas persuasivas instaladas nos discursosveiculados pela mdia.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BOUGNOUX, Daniel. Introduo s cincias da comunicao.So Paulo: Edusc, 1998.

    CITELLI, Adilson. Linguagem e persuaso. So Paulo: tica, 1988.

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    A FORA DOS DISCURSOS IMPLCITOSNA PUBLICIDADE: UMA ANLISE DA

    CAMPANHA DA SKOL

    Tiago Santos Sampaio/Polyana da Rocha Dias

    AS INTENES PERSUASIVAS DOS DISCURSOS

    Os discursos, quase em sua totalidade, esto repletos de intenespersuasivas que procuram convencer o receptor. Esta caractersticamarcante do discurso ainda mais facilmente percebida quando se

    trata da publicidade. Isto porque a sua premissa bsica o conven-cimento do pblico e muito mais que os discursos convencionaisela est carregada de tcnicas que se destinam persuaso.

    Sobre a publicidade, seja ela de que natureza for, investido umconjunto de tcnicas e conhecimentos que sustentam a persuaso egarantem a eficincia das idias transmitidas. Logo, o lanamento deprodutos no feito de forma aleatria. Ainda que no parea, por ser

    feito de forma implcita, as propagandas trazem uma srie de intenesque sero veiculadas para o receptor. Sempre se tem a liberdade deno apreciar uma metfora, sua evidncia no se demonstra (Boug-noux, 1999, p. 97). Por isso so utilizadas, nas propagandas, formasde camuflar a persuaso e esconder as intenes apelativas de venda.

    claro que toda tcnica de fazer publicidade segue critrios,pois atualmente consideram-se aspectos outrora descartados.

    Hoje, h conscincia de que o que veiculado corre o risco deno ser aceito pelo pblico. No se considera mais o modelo daTeoria hipodrmica pela qual o receptor estaria vulnervel s

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    informaes transmitidas. H um estudo minucioso dos padresculturais, costumes e, sobretudo, das caractersticas individuaise exclusivas de cada grupo a ser atingido.

    O modelo de articul-lo, organiz-lo, poder determinar asdirees que o discurso ir tomar, inclusive de ser maior ou me-nor grau de persuaso, (Citelli, 1988, p. 26). Assim o discursosegue as formas de sua construo para que alcance a eficinciadesejada pelo seu emissor.

    Mas, para entender s tcnicas do convencimento essencialdesmistificar a noo da persuaso.

    Persuadir no apenas sinnimo de enganar, mas tambm oresultado de certa organizao do discurso que o constitui comoverdadeiro para o receptor (Citelli, 1988, p.14). Isso evidenciatambm que cada discurso segue sua prpria lgica de verdade adepender do seu contexto. a noo de verossimilhana que no

    pode ser confundida como verdade absoluta e indiscutvel, j quese trata de sua relao de verdade com os cdigos a que se refere.As propagandas veiculadas pela televiso trazem inmeros

    artifcios para convencer o receptor. As imagens, muitas vezes,dispensam maiores esforos para induzir.A ideologia da tv noprecisa ser primordialmente explcita porque o tipo de relaohumana por ela induzida j simulador de uma ordem repres-

    siva e castradora (Muniz Sodr, 1981, p. 51). Dessa forma, apersuaso ocorre tambm de forma implcita e sutil.A publicidade cria um ambiente em que o receptor deve se

    sentir identificado, representado, para passar a aderir a novoscomportamentos de consumo.

    Segundo Sodr,

    a esse universo fabricado, de perverso comparvel da mercadoria,conservadores e liberais, reacionrios e revoltosos, espertos e burrosaderem e reproduzem (1981, p. 51/52).

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    As referncias e identificao do receptor obedecem a critriospara afetar cada grupo de indivduos de acordo com suas carac-tersticas. Por isso, as propagandas so veiculadas em horriosespecficos, so transmitidas com uma freqncia adequada...

    Wright afirma que:

    as preferncias de programao refletem, em parte, um trao maisgeneralizado da audincia, chamado de exposio seletiva. As pessoasselecionam o veculo e o contedo que lhes parecem mais interessantese que reforaro seus pontos de vista iniciais, suas opinies e suasexperincias (1968, p. 80 ).

    Um caso de propaganda eficaz para exemplificar o contedoterico referido da campanha publicitria da cerveja Skol.

    A MATRIA PUBLICITRIA E A PERSUASO

    Uma propaganda da cerveja mostra uma situao que se passano Faroeste. Dois homens esto prestes a serem enforcados, oshomens e o xerife que assistem execuo do uma chance aosdois de um ltimo pedido. O primeiro homem pede uma cerveja,

    mas exige que no seja Skol;ao beber, forma-se em sua gargantaum quadrado que impede que ele seja enforcado. O segundohomem, com ar triste, pede tambm uma cerveja, porm, Skol.Ele afirma que vai morrer mesmo e, por isso, quer ter o prazer debeb-la. Logo os homens pedem ao xerife para solt-lo, dizendoque ele um dos nossos. Por fim, o segundo sai cercado pelosnovos companheiros, acompanhados de uma mulher bonita

    e feliz. O outro, por sua vez, fica pendurado e gritando que oretirem dali. Segue, ento, o logotipo da cerveja com slogan oQuem bebeSkol, louco por Skol .

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    A propaganda Skolvecula a idia da cerveja como a salva-o do homem que ser enforcado pois, ao pedir o produto, eleencontra uma forma de sair vivo, ainda que no seja planejada.

    Percebe-se que, ao pedir Skol, o homem recebe o perdo dosseus algozes que automaticamente passam a se identificar comaquele que antes estava numa situao oposta. Isto se evidencia naorao ele um dos nossos, xerife. A frase revela que o homempassa agora a ser inserido num grupo que antes iria enforc-lo,porm isso no ocorre porque o condenado apresenta valoresmorais, conduta correta, mas pelo fato de consumir a cerveja queo faz igual aos outros. Ele aceita um produto preferido por todose ganha a simpatia e o perdo.

    A, a cerveja tambm est ligada honra. No memento da morte,o condenado poderia preferir qualquer outra coisa, mas prefereSkol. A fisionomia impostada pelo ator de tristeza, no entanto,

    tambm de coragem e, sobretudo, percebe-se o sentimento defidelidade ao produto, honra. Mesmo num momento crtico, comoaquele, a cerveja era indispensvel para morrer com dignidade...

    Os dois homens sero enforcados, o que pressupe que elesinfringiram a lei local, esto na mesma situao, a pena igual.No entanto, a condio bsica para o merecimento do perdo o consumo da cerveja. O primeiro homem recebe a punio por

    tomar a outra cerveja (a que no desce redondo como a Skol).A sua inteno era se livrar de forma astuta do enforcamento,mas, no fim, ele permanece preso, enquanto o consumidor daSkol libertado.

    O homem que no bebe Skolacaba sozinho no deserto, pen-durado pelo pescoo por uma corda e gritando inutilmente que otirem dali. Implicitamente, o discurso metafrico estabelece a sua

    punio, ou seja, quem no prefere Skolfica s, em difcil situao.Como sempre, na linguagem estabelecida pelas imagens a

    aparncia fundamental. Na propaganda, os dois condenados

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    esto inicialmente na mesma situao, mas apenas o primeirocondenado tem a aparncia tpica do bandido, mal e sem es-crpulos. O segundo, com cabelos lisos, rosto bonito, lembrao mocinho dos filmes de Faroeste. O telespectador acaba seidentificando com o semblante mais belo que, no contexto, estassociado cerveja.

    O ru que preferiu Skol libertado, sai pelo deserto cercadodos novos amigos, comemora bebendo a cerveja e tem em suacompanhia uma bela mulher. Mais uma vez as metforas carre-gadas de sentido levam ao receptor uma mensagem implcita:quem consome esta cerveja uma pessoa bem sucedida, bemrelacionada, sua vida repleta de amigos, alcana xito nosrelacionamentos amorosos e vive feliz.

    O parmetro que ir atribuir medalhas honorficas a uns eadjetivos pouco nobres a outros sempre o da eficincia (Citelli,

    1988, p. 34).A idia de que certo beber Skolaparece, na propaganda,sobre a imagem do respaldo da lei, pois o xerife o que liber-ta o preso, atendendo aos pedidos daqueles que assistiriam execuo. As instituies falam atravs dos signos, fechados,monossmicos, dos discursos de convencimento (Citelli, 1988,p. 32). o chamado discurso dominante, que legitima a men-

    sagem transmitida, pois contm poder e traz a garantia que nosero questionados.O sloganQuem bebe Skol, louco por Skol claramente

    metafrico. No deve ser interpretado pelo sentido denotativo daspalavras. A mensagem quer dizer que quem consome a cerveja fiel ao produto, faz de tudo para consumi-la. Estabelece-se umaforte relao do consumidor para com o produto.

    O raciocnio do slogan apodtico. Constri um conceito deverdade absoluta e inquestionvel. claro, no deixa dvidas eatinge o consumidor de forma direta porque, em primeiro lugar,

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    fala do prprio consumidor, do seu comportamento em relao cerveja. Em segundo lugar, porque utiliza uma linguagemobjetiva, coloquial e que mesmo sendo metafrica transmite amensagem com clareza.

    H tambm o uso da afirmao e repetio (Quem bebeSkol, louco por Skol); a afirmao elimina dvidas e atravsda repetio destaca o nome do produto que passa a ficar emevidncia.

    O smbolo da cerveja tambm cheio de sentido: descritopor uma seta que realiza um movimento circular em sentidohorrio; a cor utilizada o vermelho sobre um fundo amarelo.A combinao chama a ateno, alm de despertar o lado sen-sorial da degustao.

    um smbolo dinmico, pois na propaganda televisiva apre-senta-se em movimento.

    s outras marcas de cervejas, uma outra propaganda da Skolatribuiu um quadrado. Num momento de beber a cerveja era mos-trado o quadrado descendo de forma desconfortvel, arranhandoa garganta com suas arestas. Depois, era mostrada outra gargantado consumidor da Skol, na qual o crculo se movimentava deforma agradvel e confortvel.

    Assim, o smbolo da Skolpassa a representar a boa qualida-

    de da cerveja. O movimento circular descrito, por si s, maisagradvel ao receptor que o do quadrado. O smbolo mostra quebeber Skol mais saudvel e prazeroso. Um outro sloganda Skolafirmava Skol, a cerveja que desce redondo, associado ao bemestar produzido pela cerveja.

    Para Citelli,

    tudo que ideolgico possui um significado e remete a algo situadofora de si mesmo. Em outros termos, tudo que ideolgico um signo.Sem signos no existe ideologia (1988, p. 27).

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    A PERSUASO E A MUDANA DECOMPORTAMENTO ESPERADA

    Assim, a publicidade se destaca entre os discursos persuasivos,uma vez que sua finalidade a induo ideolgica que con-vencer o receptor. De forma implcita ou no, as propagandaspassam a incutir valores, despertar polmicas... que aos poucosmudam hbitos e produzem outros que sero responsveis pela

    venda. Toda tcnica persuasiva segue critrios, estudos que ob-jetivam atingir o receptor e garantir lucros e objetivos variadosgraas utilizao dos artifcios semiticos repletos de sentidose significaes.

    A publicidade ganha importncia ao servir como exemplo pr-tico da fora do discurso como instrumento de persuaso. Nela,os estudos tericos que induzem e contribuem com o processo

    de convencimento se configuram de forma funcional e atingemseus objetivos de forma eficaz.Os estudos que conduzem ao produto final da publicidade

    passam por diversas etapas que investigam minuciosamente opblico que deseja atingir. Todas as especificidades do receptorso verificadas para alcanar preciso na recepo da mensagem.

    O mrito do discurso implcito, utilizado na propaganda, de-

    ve-se ao fato de ultrapassar as barreiras dos discursos persuasivosconvencionais, uma vez que este passa a no apenas apresentaridias e sugestes de consumo, mas determina comportamentosque iro se desencadear a partir da mensagem recebida. O re-ceptor, ento, transforma-se em consumidor aps o recebimentoda mensagem, deixando de ser mero espectador, sem percebercomo a fora da mensagem veiculada colaborou para que este

    processo se efetivasse.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BOUGNOUX, Daniel. Introduo s cincias da comunicao.So Paulo: Edusc, 1998.

    CITELLI, Adilson. Linguagem e persuaso. So Paulo: tica, 1988.

    SODR, Muniz. O Monoplio da fala. Rio de Janeiro: Vozes, 1981.

    WRIGHT, R. Charles. Comunicao de massa. Rio de Janeiro:

    Bloch, 1968.

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    D I S C U R S O EE T N O C E N T R I S M O

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    INTERPRETAO E ANLISE DODISCURSO DA CARTA DO DESCOBRIMENTO

    Pricilla de Souza Andrade/Valquiria Alexandre

    A PRESENA DO DISCURSO IDEOLGICO

    As pginas que seguem contm uma anlise discursiva da Cartado Descobrimento, escrita por Pero Vaz de Caminha, quando daviagem feita de Portugal, em 9 de maro de 1500, em busca deespeciarias. A esquadra chegou ao Brasil em 22 de abril de 1500,

    e sob comando de Pedro lvares Cabral comeou o processo deexplorao.Em 556 linhas, Caminha descreveu o achamento da Terra de

    Santa Cruz, que veio a chamar-se Brasil. Com 13 navios, e 1500soldados, a expedio de Cabral estava ansiosa por encontrarmais uma terra para explorao mercantilista e, como vemos nacarta, em nome dessa explorao que o colonizador silencia

    nas entrelinhas o discurso do povo que aqui vivia.Os objetos de estudo so: a) A Carta de Caminha, cujos par-grafos estudamos luz da Interpretao e Anlise do Discurso edo texto Linguagem e Ideologia, de Jos Luiz Fiorin; b) E o filmeDescobrimento do Brasil, de 1937, dirigido por Humberto Mauro,em que analisaremos a utilizao metalingstica e o discursoideolgico das imagens da representao da Carta.

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    O SUJEITO DA ENUNCIAO E ADETERMINAO IDEOLGICA

    Pero Vaz de Caminha inicia a Carta com a saudao ao Rei D.Manuel e, principalmente, tratando da cientificidade do documento.O escrivo se prope neutro diante do que est vendo: ... e creiaque certamente nada porei aqui, para embelezar e nem para enfei-tar, mais do que vi e me pareceu... Pero Vaz faz, ento, o papel

    do Antroplogo clssico, que observava um povo (hbitos, cultura,ambiente em que vivia) com olhar objetivo e na perspectiva desua prpria cultura, o que torna impossvel a neutralidade propostano incio da carta, pois o escrivo vecula, atravs da escrita, o dis-curso do colonizador que chega em terra desconhecida, para finsde explorao em nome da Coroa Portuguesa a quem este serve:Portanto Senhor, do que hei de falar comeo e digo:

    O segundo pargrafo trata das primeiras descries relacionadas fauna e flora da terra que avistaram e, assim, na medida em que seaproximavam, nomeavam ou renomeavam (pois que a terra j erahabitada) o que avistavam, o Monte Pascoal, por exemplo, designa-o alis ligada ideologia vinculada Igreja Catlica, confirmadapela cronologia feita por Caminha ao situar a notcia do achamentocomo tera-feira das Oitavas de Pscoa, a fala (parole-Saussure)

    sofrendo determinaes religiosas, o que contradiz Fiorin:

    A fala, em si mesma, no sofre qualquer determinao social, pois ela a simples exteriorizao do discurso. o ato concreto, momentneo eindividual de manifestao da linguagem (Linguagem e Ideologia p. 13).

    E exatamente por ser a exteriorizao do discurso, que a

    fala sofre determinaes ideolgicas no campo semntico, namedida em que o sujeito da enunciao, com determinada visode mundo, descreve a realidade.

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    Pero Vaz de Caminha prossegue com a descrio da chegada terra. Eles desceram das caravelas em pequenos barcos numadistncia de seis lguas, avistaram a praia, havia homens na praia,mas Caminha se refere a estes como fez em relao ao MontePascoal. O discurso continua invarivel quanto possvel con-siderao por seus habitantes. Vejamos a produo de sentidoatribuda palavra tomar que Caminha utiliza no 3 pargrafo:

    E estando Afonso Lopez, nosso piloto, em um daqueles navios pe-quenos a mandado do Capito, meteu-se logo no esquifo a sondar oporto por todas as partes: e tomou, ento dois daqueles homens daterra; mancebos de bons corpos, que estavam numa jangada (Cartado Descobrimento).

    Na narrativa de Caminha, ao quarto encontro com os ndios, em

    que os portugueses foram tomar gua na terra, possvel retomara fala de Caminha em que utiliza o mesmo termo, quando diz queeles tomaram dois ndios para mostr-los ao Capito na nau.Desse modo, curioso observar que o mesmo termo, digo, verbo, utilizado tanto para gua, quanto para os habitantes desta terra,podendo ento comprovar a apropriao ofensiva do colonizadordiante dos elementos aqui encontrados.

    Atravs da minuciosa anlise sinttica e semntica no livro,ACarta de Caminha - Testemunho Lingstico de 1500, organizadopor Rosa Virgnia Mato Silva (p. 129), com o subttulo Verbos jplurissignificativos no sculo XVI, a palavra tomar, significa:segurar, capturar, abastecer-se, absorver, interpretar, demonstrar,segurar algum.

    A esquadra que saiu de Portugal trouxe 1.500 homens (sol-

    dados), mas Caminha no escreveu sobre qualquer utilizao defora para com os ndios. Ento escreve Caminha sobre a questodo vesturio, ficando impressionado com o fato de que os ndios

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    no usam nada para cobrir suas vergonhas. Atenta ainda, comoescreve Sergio Buarque de Holanda, em Viso do Paraso, paraa simplicidade e inocncia das gentes.

    Observemos ento este passo

    Quando eles vieram a bordo, o Capito estava sentado em uma cadeira,bem vestido, com um colar muito grande no pescoo... Todavia, um delesficou a olhar no colar do Capito e comeou a acenar para a terra e logoem seguida para o castial, como querendo dizer que ali havia outro... eda mesma maneira acenava para a terra e logo em seguida para o cas-tial, como querendo dizer que ali havia ouro. (Carta do Descobrimento)

    O colonizador faz a leitura gestual para entender o que o ndioestava a dizer. O portugus vinha encontrar na Amrica uma terrade vida aparentemente fcil(Casa-grande e senzala p.90). O

    portugus adapta a sua viso de mundo a interesses mercantilistase Caminha tranqiliza El-Rei com a esperana, ou quase certeza,da existncia de ouro na nova terra, porque era o que esperavam:Ns assim o traduzamos porque esse era o nosso maior desejo....

    Aps os primeiros contatos com os ndios, descrito que nomuitos apareciam a eles como antes para um novo encontro,e os que vinham j traziam poucos arcos. Escreve que uns se

    misturavam com eles, outros se esquivavam logo.A viso de Fiorin sobre ideologia pode ser observada nestepargrafo da Carta: Ali davam alguns arcos por folhas de papel epor alguma carapucinha velha e por qualquer coisa. Para Fiorin,a ideologia dominante faz-se presente em tais discursos, nessecaso, o colonizador, demonstra superioridade, apoiado em idiaspopulares que logo se tornam verdades cientficas para grande

    parte da populao como, por exemplo, as teorias antropolgi-cas das raas inferior e superior, tendo esta o dever de civilizaraquela, justificando-se, desta forma, o colonialismo.

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    No trecho em que Caminha escreve que o ndio troca seusadereos e objetos de caa e pesca por qualquer coisa, perce-be-se a viso mercantilista do lucro em seus atos de troca. ParaFiorin, essa formao discursiva provm certamente da formaoideolgica determinada pela viso de mundo da classe socialque cada grupo representa, sendo assim, a ideologia impe oque pensar e o discurso exterioriza o pensamento.

    Ao descrever as caractersticas fsicas dos ndios, suas pinturas,adornos e rituais, Pero Vaz de Caminha atm-se constantemente a umaobservao comparativa com a cultura portuguesa e expe a sensaode perplexidade diante de outra forma de manifestao cultural. Odescobrimento revela o grande sucesso da viagem com destaquedos animais dessa terra, alimentao dos ndios, seus adereos, enfim,tudo o que era possvel foi levado apreciao Del-Rei de Portugal.

    A cruz, objeto simblico do cristianismo, foi logo providen-

    ciado, at mesmo pela data comemorativa: a Pscoa, refernciatemporal da viagem. A madeira retirada da mata, para o eventofestivo, chamando a ateno dos ndios que na descrio deCaminha a curiosidade era por verem o objeto cortante (macha-do). Fiorin, citando Marx e Engels, deA Ideologia Alem, afirmaque a linguagem a conscincia real1, e refora um fato socialdeterminado por discursos pr-existentes (semntica), podendo

    ocorrer novas atribuies de sentidos para o mesmo discurso, ounovas formas de manifestar uma idia. O suporte discursivo noaltera a existncia da imanncia da idia, no caso a reproduodo valor simblico religioso: O discurso pertence ao plano docontedo, ele manifestado por um plano de expresso.2

    Quanto comunicao entre os dois povos (portugueses endios), um dos trechos que melhor representa a posio dos

    1FIORIN, J. L. Linguagem e Ideologia, Ed. tica, 1988, SP.2IDEM, p.*

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    indgenas na aventura dos portugueses expressa por Caminha:Era j a conversao deles conosco tanta que quase nos estor-vavam ao que havamos de fazer. Levando-se em consideraoo que Fiorin chama de arena de conflitos e palco de acordos,tanto o discurso como, nesse caso, o texto da Carta causampolmica e contradio, ao falar que os ndios estorvam o queeles haviam de fazer, ou seja, tolhem a liberdade de movimentoatrapalhando seus atos.

    A narrativa logo retomada com um comportamento cordiale amistoso, at que uma vez a fala de Caminha levanta ques-tionamentos:

    ...andavam j mais mansos e seguros entre ns do que ns entre eles...Os que o Capito trouxe era um deles, um dos seus hspedes que foitrazido a primeira vez quando ali chegamos, o qual veio hoje aqui vestido

    na sua camisa e com ele um seu irmo, os quais foram esta noite muibem agasalhados assim de vianda como de cama de colches e lenis,para mais o amansar (Carta de Caminha).

    Sendo assim, para Fiorin, Pero Vaz de Caminha suporte deuma formao ideolgica. Portanto essa fala no pertence a elecomo linguagem individual, mas falada por um discurso regido

    por formaes ideolgicas coletivas. Estas se aplicam idia deamansamento dos ndios, conduzindo-os sempre a favor docolonizador. Srgio Buarque de Holanda, em Razes do Brasil,caracteriza esse sentimento:

    Para uns, o objetivo final, a mira de todo esforo, o ponto de chegada,assume relevncia to capital que chega a dispensar, por secundrios,

    quase suprfluos, todos os processos intermedirios. Seu ideal sercolher o fruto sem plantar a rvore (p. 13).

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    O processo de amansamento dos ndios foi pouco descrito,mas obteve tamanha eficincia que estes realizavam trabalhospesados como carregar gua para os brancos.

    E segundo que a mim e a todos pareceu, esta gente no lhe faleceoutra coisa para ser crist, seno entenderemos, porque assim toma-vam aquilo que nos viam fazer como ns mesmos, por onde pareceua todos que nenhuma idolatria nem adorao tm (Car ta de Caminha).

    Este episdio pode ser visto como a concretizao do intentocivilizatrio do branco europeu sobre outra etnia.

    O DISCURSO ALM DA PAROLE

    No texto Linguagem e Ideologia, Jos Luiz Fiorin, preocupa-se em verificar a direo tomada pela Lingstica Estrutural, aoconsolidar-se como cincia, ou seja, tornando precursora dasdemais cincias humanas, entretanto deixando de relacionar alinguagem sociedade que a utiliza.

    O filme O Descobrimento do Brasil, financiado pelo Instituto deCacau da Bahia com direo de Humberto Mauro, de 1937, teve

    como objetivo mostrar e ratificar, atravs de imagens, a histria doachamento do Brasil. Se para a Lingstica Estrutural a linguagem mera reproduo de ideais ideolgicos, dividida em Lngua (langue)e Fala (parole), no filme que reproduz a Carta do Descobrimento,o discurso legtimo o dos colonizadores que, ao possurem umavariedade de signos lingsticos considerados corretos devido hierarquia de poder, torna-se lngua padronizada e superior.

    Alm da Lngua e da Fala, Jos Fiorin prope um terceiroelemento, o discurso. No caso do filme O Descobrimento doBrasil, s possvel ler as entrelinhas atravs do discurso, que

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    explicita as determinaes ideolgicas que se fazem presentesna fala do colonizador.

    Neste trabalho, fizemos a anlise geral da Carta do Descobri-mento para destrinchar o que vem a ser a certido de nascimen-to do Brasil e, principalmente, para enfocar no s a viso demundo do colonizador como tambm a do povo colonizado.

    Nestes 502 anos de histria e dizimao do ndio, o discursoda Carta continua a cada 22 de abril. Muitas anlises foram feitassobre sua natureza, e a que apresentamos baseou-se no texto Lin-guagem e Ideologia, de Jos Luiz Fiorin, e em algumas obras (verReferncias Bibliogrficas) que se propem a uma outra leiturado que Pero Vaz de Caminha escreveu a Portugal.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS:

    ARRUDA, J. J. A.; PILETTI, N. Histria geral e histria do Brasil. 7.ed. So Paulo: tica.

    FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. So Paulo: tica, 1988.

    FREYRE, G. Casa-grande & senzala.43. ed. So Paulo: Record, 2001.

    HOLANDA, S. B. Viso do paraso. 6. ed. So Paulo: Brasiliense, 1964.

    HOLANDA, S. B. Razes do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Jos Olym-pio, 1969.

    ALMEIDA, G. A. de. A arte do ndio brasileiro vista por Caminha.Revista FESPI. Ilhus (BA), Edio Especial, 1966.

    DUHAN, E. R. Cultura e Ideologia. Revista de Cincias Sociais, SoPaulo, v. 27, n. 1, p. 71-75, 1984.

    SILVA, R. V. M. A Carta de Caminha -testemunho lingstico de1500. Salvador: EDUFBA, 1996.

    SIMES, H. C. As cartas do Brasil. Ilhus (BA): Editus, 1999.

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    D I S C U R S O . . .DISCURSOS

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    QUANDO OS DISCURSOSTORNARAM-SE O DISCURSO

    Jorge Vieira Brito/Richard da Silva Rocha

    O DISCURSO COMO MANIFESTAO IDEOLGICA

    O discurso, enquanto manifestao ideolgica do indivduo capaz de construir ou destruir possveis realidades. Logo, o dis-curso passvel de constantes mutaes, pois a materializao

    do campo simblico deste mesmo indivduo, o qual formado einfluenciado pela confluncia dos diversos discursos da sociedade,que so reelaborados pelo indivduo/sujeito, assim chamado por ser,ao mesmo tempo, produtor e consumidor de ideologias. Ideologiaaqui percebida no sentido dado por Eunice Durham:

    Neste sentido, pode-se mesmo dizer que ideologia aquilo que diz

    respeito formulao de projetos hegemnicos, isto , propostaspolticas de transformao ou manuteno da ordem social no sentidode assegurar a dominao de uma classe sobre a outra (Cultura eIdeologia in Dados vol 27, n 1, 1984. p. 87).

    A linguagem (verbal, imagtica etc.) um elemento neutro,que s possui sentido conotativo quando inserido no discurso.

    Ou, como afirma Maria Aparecida Bacegga:

    A lngua no apenas um instrumento com a finalidade de transmitir informaes. um todo dinmico que abarca o movimento da sociedade: por isso, lugar de

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    conflitos. Esses conflitos se concretizam nos discursos (Palavra e Discurso -Histria e Literatura. So Paulo, tica, 1995. p. 48).

    Sendo assim, o discurso o instrumento que as ideologiasutilizam para circular em determinada sociedade. Em nossasociedade, atravs da prtica poltica, formadora de discursosproduzidos por partidos, que as manifestaes ideolgicas seentrecruzam.

    Podemos, ento, citar Durham, quando analisa o conceito deideologia para Gramsci: O conceito de ideologia claramenteum instrumento para analisar aspectos polticos de nossa prpriasociedade, num momento histrico determinado (Cultura eIdeologia in Dadosvol 27, n 1, 1984. p. 83).

    Logo, segundo Gramsci, para analisar a prtica poltica deve-se levar em conta quais os discursos emanados pela sociedade e

    em que momento histrico esses discursos so produzidos, paraento dicotomiz-los em: representantes das classes dominantese das classes subalternas.

    OS DISCURSOS NO PRIMEIRO TURNO DAS ELEIESPRESIDENCIAIS DE 2002

    As Eleies presidenciais de 2002 proporcionaram um mo-mento propcio para a anlise da polissemia e do fluxo discursivoem nossa sociedade.

    Analisaremos, ento, separadamente, os discursos dos (assimchamados pela mdia) quatro principais candidatos Presidnciada Repblica: Ciro Gomes, Anthony Garotinho, Jos Serra e Lula,

    no primeiro turno.

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    Ciro Gomes

    O candidato do PPS, Ciro Gomes, possua um discurso decunho neo-capitalista, voltado aos valores de consumo da classemdia, que propunha a abertura ao capital estrangeiro, alianacom os grandes blocos econmicos, ao mesmo tempo em quedefendia a indstria nacional. Toda sua formao discursivafundamentava-se nos elementos que do sustentao ao discursocompetente no contexto de uma sociedade de valores capitalistase cristos: a idia de um lder jovem, capaz, batalhador, viril, aomesmo tempo que apegado aos valores familiares. Isto se davano s atravs da linguagem verbal mas, fundamentalmente,atravs da linguagem imagtica, que buscava construir um ima-ginrio no eleitor que convalidasse seu discurso.

    Garotinho

    O discurso do candidato Anthony Garotinho, do PSB, secaracterizava pelo populismo exacerbado, buscando agradar asmaiorias que no so favorecidas pela ideologia dominante. Istose evidenciava atravs de suas propostas, como o aumento dosalrio mnimo para R$ 280,00 e a implantao de restaurantes

    populares. Seu discurso estava impregnado tambm da ideolo-gia protestante, na defesa dos valores tradicionais, de temor aDeus e da manuteno da tpica famlia brasileira. O candidatobuscava, atravs da construo imagtica, uma das principaisformas de veiculao de seu discurso, fazer com que o eleitorestabelecesse uma analogia entre as propostas de seu planode governo e as realizaes de outros governos considerados

    populistas, como os de Getlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

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    Jos Serra

    O candidato do PSDB, representante do atual governo, possuauma formao discursiva fundamentada no discurso competente,quando apregoava constantemente sua formao acadmica eexperincia poltica repleta de realizaes, reafirmando, assim,sua capacidade para administrar o pas frente complexidadeda economia e da poltica mundial. Serra personificava ainda oprocesso descrito por Marilena Chau:

    A noo de Massa tem como contraponto scio-poltico a noo de Elite.Ora, esse contraponto tende a reduzir o social a duas camadas, a baixa,formada pelo agregado amorfo de indivduos annimos a massa ,e a alta, formada por indivduos que se distinguem dos demais pelascapacidades extraordinrias a elite, os melhores e maiores. No s a

    diviso social das classes fica dissimulada como processo de constituiodo prprio social (sobretudo quando a ideologia sociolgica da mobilidadesocial garante que qualquer membro da massa pode subir elite, desdeque seja um indivduo excepcional), mas tambm a distino massa/elite

    justifica e legitima a subordinao da primeira segunda (Conformismoe Resistncia. 2. ed. So Paulo, Brasiliense, 1987. p. 28-29).

    Portanto, ao aludir sua origem humilde e sua carreira glo-riosa, seu discurso evocava a prodigalidade do candidato porser capaz de vencer inmeras barreiras econmicas e sociaisascendendo social e politicamente.

    O discurso do candidato buscava responder aos anseios dapopulao, personificados na questo do emprego, um dos ele-mentos constitutivos do imaginrio coletivo brasileiro.

    O candidato se apropriava daquilo que Baccega chama dediscurso histrico, que mescla vrios discursos do passadohistrico e os reelabora em seu prprio discurso. Neste sentido,

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    interessante notar que o candidato explorava, de maneira po-sitivista (que prega o progresso e a emancipao de uma nao),a bandeira nacional, atribuindo a si as qualidades de defensordo territrio e das riquezas nacionais.

    Lula

    O candidato do PT, Luiz Incio Lula da Silva, apresentouum discurso fragmentado, em razo de ter que agradar a vriossegmentos da sociedade. Sendo assim, o candidato construiuum discurso, no contexto ideolgico, ps-moderno, sem adotaruma postura ideolgica rgida, transitando entre os diferentes dis-cursos da sociedade. Neste sentido, seu discurso se apresentavaora como neo-marxista (ao defender o maior controle estatal daeconomia), ora populista (quando propunha a reserva de cotas

    para negros nas universidades pblicas), ou ainda liberal (aodefender a abertura ao capital estrangeiro e o desenvolvimentoda indstria nacional). Deve-se ressaltar que este discurso frag-mentado se deu em funo de o candidato haver perdido as trseleies anteriores, em grande parte porque defendia uma baseideolgica definida.

    Sendo assim, podemos at mesmo afirmar que a candidatura Lula

    no adotou uma construo discursiva, mas um bricolur ideolgico.

    SEGUNDO TURNO: UMA NOVA REALIDADE

    Por ocasio do segundo turno das eleies, o debate pola-rizou-se entre os candidatos Lula e Jos Serra. Os candidatos

    Ciro e Garotinho declararam apoio a Lula, devido conivnciadiscursiva deste ltimo, cabvel no contexto de fragmentaoideolgica apresentada pelo candidato no primeiro turno.

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    Logo, Lula no precisou aplainar seu discurso em face doapoio de Ciro e Garotinho, mas estes precisaram rever algunspontos de seus respectivos discursos para sintoniz-los com o(s)do candidato do PT. O ponto principal que o candidato CiroGomes precisou rever foi a defesa da aliana aos grandes blocoseconmicos, enquanto que Garotinho teve que reavaliar suaspropostas que, inevitavelmente, trariam desequilbrio s contas dogoverno, como a implantao do salrio mnimo de R$ 280,00.

    Portanto, o aplainamento de discursos possvel, pois o dis-curso, enquanto arma ideolgica, est ligado ao campo simblico,individual ou coletivo, que passvel de transformaes, uma vezque o indivduo/sujeito est em constante processo de absoroe reproduo de ideologias formadoras de discursos, os quaispossuem diferentes conotaes, a depender do meio social e domomento histrico a que pertencem.

    Os discursos dos presidenciveis apresentavam realidadesdistintas pois, como afirma Jean-Franois Lyotard emA Condi-o Ps-Moderna, no existe realidade em sentido absoluto, masrepresentaes de realidades, as quais so propagadas atravsdos discursos. Sendo assim, com o advento do segundo turno, oscandidatos Ciro e Garotinho se encontraram inseridos em novasrealidades, o que justifica as mudanas em seus discursos. Por sua

    vez, o candidato Lula no precisou mudar sua postura e ttica,ou seja, no precisou alterar sua realidade, uma vez que possuaum discurso polissmico capaz de abarcar vrias realidades.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BACCEGA, Maria Aparecida. Palavra e discurso - histria e literatura.

    So Paulo: tica, 1995.CHAU, Marilena. Conformismo e resistncia. 2. ed. So Paulo:Brasiliense, 1987.

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    ______. Cultura e democracia. 3. ed. So Paulo: Moderna, 1982.

    DURHAM, Eunice. Cultura e Ideologia. In: Dados, v. 27, n. 1, 1984.LYOTARD, Jean-Franois. A condio ps-moderna. 5. ed. Rio de

    Janeiro: Jos Olympio, 1998.

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    ANLISE COMPARATIVA DOS DISCURSOSDOS CANDIDATOS PRESIDNCIA DA

    REPBLICANASELEIES DE 2002

    Pricilla de Souza Andrade/Valquria Alexandre

    A CONSTITUIO DO DISCURSO POLTICO

    A anlise do discurso busca abstrair a produo de sentidoque caracteriza o aspecto discursivo dos indivduos em seu meiosocial. Nesse caso sero analisadas as formas como os candidatos

    Presidncia da Repblica utilizaram-se dos discursos e aindaa dissoluo desses para o alcance de objetivos que acentuam aidia de o melhor para todos.1

    Procuramos fazer neste trabalho a reviso dos discursosproferidos pelos presidenciveis, neste ano, nos 1 e 2 turnos,mediados pelos meios de comunicao.

    Sabendo que, em sua obra, Poltica, Aristteles j definia a

    existncia de uma cincia qual cabe indagar qual deve ser amelhor constituio e a que melhor satisfaz a nossos ideais, vemo-nos, diante da constatao da utilizao dos meios e da inserodos discursos polticos, na obra de Jess-Martin Barbero tratandoda ampliao da indagaoquanto a essa constituio e quantoa nossos ideais: Se a televiso exige da Poltica negociar formasde sua mediao porque, como nenhum outro, esse meio lhe

    1 Entendemos, aqui discurso como o texto discursivo, enquanto o argumentativopresidencial e o contedo discursivo a que remete.

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    d acesso ao eixo do olhar,a partir do qual a Poltica pode no sinvadir o espao domstico como reintroduzir em seus discursosa corporeidade, a gestualidade, isto , a materialidade significantede que se constitui a interao social cotidiana (2001, p. 230).2

    Fazem-se necessrios alguns questionamentos quanto estrei-ta relao nestas eleies de 2002: O que ocorre aos discursosopostos, quando os interesses mudam? Como fundir velhos ideaisem prol de um novo discurso? Qual a importncia dos meios decomunicao como objeto de difuso e retificao dos discursosnesta eleio? com tais indagaes que iniciamos nosso traba-lho, buscando nas anlises discursivas as respostas.

    ABORDAGENS E MUDANAS NOS DISCURSOSIDEOLGICOS

    Na eleio de 2002 aconteceram mutaes impressionantesnos discursos dos candidatos, a comear pelo trabalho feito porRoseana Sarney, com seu marketing imbatvel (Veja/novem-bro/2001), em que a impresso deixada era para fazer qualqueradversrio ficar preocupado.

    O discurso de Roseana Sarney estendia-se at seujingle, em

    que assumia o lugar de todas as mulheres. Mas eis que, mesesdepois, a enxurrada de denncias de corrupo contra a famliaSarney invalida todo aquele discurso pelos mesmos meios queo divulgaram. Nem mesmo sob a gide do marketing, Roseanaconsegue erguer-se.

    No livro Palavra e discurso, Maria Aparecida Baccega escreve:As palavras tm vida. Vestem-se com outras palavras prximas.

    2BARBERO, J. M.- Dos meios s mediaes Comunicao, Cultura e Hege-monia, (Trad. Ronaldo Polito/Srgio Alcides) Ed. UFRJ, 2001, RJ.

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    Danam conforme a msica, tocada no salo do baile onde esto.O salo o discurso e a que elas cristalizam momentaneamenteuma de suas mscaras. Provavelmente hoje, o salo seria os massmedia, o discurso, a msica e os receptores e principalmente oscandidatos que estariam danando conforme a msica.

    O uso dos signos intersubjetivos, nas propagandas eleitorais, eainda o investimento no marketingpublicitrio deram forma deproduto aos candidatos. Mas, ento, de sbito, descobre-se que oproduto pode causar danos aos eleitores; muda-se ento o discurso.

    Em 30 de maio, de 2001 a revista Veja trouxe a matria intitu-lada Ele est no lucro, tratando das vantagens de Itamar Francoem relao aos outros candidatos. A reportagem terminava comas seguintes indagaes: Como esto as Minas Gerais de Itamar?E os governos do PT? s isso que interessa. Saber discursaruma coisa. Ter o que dizer outra, bem diferente.

    A afirmao final que ope saber discursar e ter o que dizer,remete a 1 ano e 5 meses depois do 1 turno da eleio presi-dencial, em que cada candidato sempre tinha o que dizer e,sendo assim, o que discursar. Tivemos algumas peculiaridadesdestacveis nas falas dos candidatos, sabendo que os discursosso ideolgicos, e que, segundo Marilena Chau:3 ...o trabalhoespecfico do discurso ideolgico realizar a lgica do poder

    fazendo com que as divises e as diferenas apaream comosimples diversidade das condies de vida de cada um... Se taldiviso fosse reconhecida, teria de assumir-se a si mesma comorepresentante de uma das classes da sociedade.

    Foi a primeira eleio presidencial, com maior quantidade decandidatos, utilizando-se de tticas persuasivas em que a popu-lao encontrou os anseios de sua classe social e seus ideais em

    abordagens diferenciadas nas formas discursivas.

    3CHAU, M. , Cultura e Democracia, Ed. Cortez, 1997, SP.

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    Importante fazer anlise do que havia em comum nas falasdos candidatos:

    Garotinho - iniciou a Campanha na marcha contra o apagoe pela CPI da corrupo. Nenhum candidato iria contraesses planos. Portanto oposio ao governo, enfatizandomais investimento no social.

    Ciro - oposio ao governo, com prudncia para no pa-

    recer um discurso arrogante. O ponto central do plano degoverno eram os projetos sociais.

    Lula - oposio ao governo, com muita prudncia nosdiscursos, para no retomar o carter radical do passadoe nfase em investimentos sociais.

    Serra - supostamente (porque o presidente Fernando

    Henrique no demonstrou tanto afinco na campanha) dogoverno, sendo assim faria apenas correes em questessociais.

    No campo de batalha do primeiro turno, o candidato AntonyGarotinho cobrava do candidato Lula posies mais decisivasem relao s provocaes que este recebia. A maior parte das

    crticas que Lula recebeu de Garotinho relacionavam-se po-sio vazia deste com relao a questionamentos que exigiamum sim ou no. Quanto a isso, escreve Marilena Chau: Odiscurso ideolgico um discurso feito de espaos em branco,como uma frase na qual houvesse lacunas... Em suma, porqueno diz tudo e no pode dizer tudo que o discurso ideolgico coerente e poderoso (1997, p. 21, 22). Ou seja, quando

    ouvimos as propostas dos candidatos como, por exemplo, a demudar profundamente o pas, no se diz bem como e muitomenos h transparncia quanto s medidas que levariam a essas

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    mudanas, mas a proposta interessante para a populao queanseia por elas. Dizia Garotinho, no primeiro turno, sobre Lula:Lula no sabe diferenciar uma estao de tratamento de esgotode um fbrica de cimento. E Lula dizia de Garotinho: No sabeadministrar coisa grande.

    Os efeitos foram constatados tanto nas pesquisas do ibope,quanto no resultado do 1 turno, em que os candidatos que ob-tiveram mais votos foram: o candidato do governo, Jos Serra,que dispunha da mquina administrativa, e o candidato LuizIncio Lula da Silva, em sua quarta tentativa, acompanhado deexpressivo crescimento do Partido dos Trabalhadores (PT).

    Com o resultado do primeiro turno, os candidatos eliminadosCiro e Garotinho decidiram pelo apoio a Lula. Observemos entoa dissoluo dos discursos na propaganda do 2 turno:

    CiroMas eles no me venceram, chego aqui, porque nossos ideais,nossos projetos de mudana, esto renovados com voc (Lula).

    GarotinhoVoc que votou em mim, eu lhe peo para o bem do Brasil,agora Lula.

    LulaEu quero voto at de quem no quer mudana. O 13 faz bempara este pas, seja voto vindo de direita ou de esquerda.

    Em resposta ao apoio irrestrito oferecido pelo candidato CiroGomes, dizia Lula: O Ciro foi contundente em sua entrevista, ele

    disse que o apoio foi incondicional. Ns queremos que todos osaliados participem ativamente da vitria e depois vamos precisar

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    dessas pessoas para governar o Brasil. No campo da polticasabe-se que nada funciona gratuitamente e que predomina atroca de favores.

    Estando fora da eleio para o 2 turno, Antony Garotinhodeclara em propaganda de Lula, em meio a um sentimento deconfraternizao: Lula, aqui no tem meias palavras. Voc no mais o candidato do PT. Voc o nosso candidato. At vitria.A anlise ento gira em torno da questo de que se a esposa deGarotinho, a candidata eleita Rosinha Garotinho, fosse para o 2turno com a candidata do PT, Benedita da Silva, no governo doRio de Janeiro, o apoio ao candidato Lus Incio Lula da Silvano aconteceria.

    Mesmo no primeiro turno, o candidato Jos Serra buscouapoio de deputados, entre eles o ex-senador Antnio Carlos Ma-galhes, e no conseguiu, por este no gostar da proximidade do

    candidato com o deputado Jutahy Jnior com quem o ex-senadortem conflitos. Antes mesmo do declnio de Roseana, seu pai,Jos Sarney, mandou uma indireta para o presidente FernandoHenrique Cardoso, em que dizia: No destrua a base que ajudoua te construir. Assim voc pode manchar a biografia, no ltimoano de mandato. A base que ajudou a te construir? Manchara biografia? Nada condenvel o fato de o presidente Fernando

    Henrique Cardoso ficar sempre com o p atrs em relao aapoiar efetivamente a campanha de Serra.Passemos ento ao papel importantssimo dos meios de co-

    municao, nas ltimas eleies. Um fato interessantssimo que sendo Serra candidato do governo, todos os projetos desteestariam ligados quele. E assim sendo, Paloma Duarte, que eragarota propaganda da Bolsa Escola, ensinando aos pais as vrias

    possibilidades de utilizar o dinheiro (R$ 15,00), na compra dechuchu, tesoura, tnis, estava trabalhando para o candidato dogoverno. No segundo turno, acontece ento que Regina Duarte,

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    a maior representante do presidente Fernando Henrique Cardo-so entre os artistas, entra em cena na campanha de Jos Serra,alertando o povo para o risco que corria de perder, nessaeleio, toda a estabilidade conquistada. E encenava Regina nodiscurso clemente: T com medo. Faz tempo que no tinha essesentimento. A garota propaganda da Bolsa Escola achou o discursoagressivo e procurando a equipe do candidato Luis Incio Lula daSilva deu a resposta, e acusava o candidato do governo de fazerterrorismo, e que assim sendo este no merecia seu voto.

    A repercusso da atuao das atrizes Regina Duarte e PalomaDuarte, na campanha presidencial, causou polmica por se tratarde artistas globais e pela familiaridade do pblico com perso-nagens vividos por estas em novelas, e fez com que o peso dodiscurso poltico se modificasse. A leitura dos discursos proferidosrefletem o que Barbero chama da complexa trama articulada na

    relao comunicao/cultura/poltica.Os meios de comunicao compem uma funo estruturalna sociedade e essa mediao acentuada como expe Jsus-Martin Barbero em sua obra Dos meios s mediaes, em pasessubdesenvolvidos, carentes de necessidades bsicas no mbito daeducao e a da sade e a, nos atemos questo educacional,mas que tem, na TV, de forma desproporcional a centralidade

    de onde deveriam estar os dispositivos de comunicao, ou seja,dispositivos presentes cotidianamente na interao social do atocomunicativo, onde ocorre coeso poltica e cultural.

    Levemos em considerao tambm que o indivduo na eleiotorna-se o emissor, atravs do voto. O candidato/ enunciadortem um prazo para utilizar-se dos meios e transmitir seu discurso,e o enunciatrio, que o eleitor, d sua resposta ao discurso

    atravs do voto. E frente aos resultados, o candidato enuncia-dor torna-se enunciatrio e o eleitor enunciatrio torna-seenunciador.

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    REFERNCIA BIBLIOGRFICA:

    ABBAGNANO, N. Dicionrio de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. SoPaulo: Martins Fontes, 2000.

    ARISTTELES. Poltica. Trad. Torrieri Guimares. So Paulo: MartinClaret, 2002.

    BACCEGA, M. A. Palavra e discurso - histria e literatura. So Paulo:tica, 1995.

    BARBERO, J. M. Dos meios s mediaes - comunicao, cultura ehegemonia. Trad. Ronaldo Polito e Srgio Alcides. Rio de Janeiro:UFRJ, 2001.

    CHAU, M. Cultura e democracia. So Paulo: Cortez, 1997.

    FIORIN, J. L. Linguagem e ideologia. So Paulo: tica, 1988.

    FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. Trad. Salma Tannus Mu-chail. So Paulo: Martins Fontes, 1999.

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    O DESPERTAR DA DIFERENA:MEIOS DE COMUNICAO E

    HETEROGENEIDADE CULTURAL

    Tas Silva de Borba

    O DESPERTAR DAS DIFERENAS: ALGUMASQUESTES IMPORTANTES

    Segundo Nstor Garca Canclini, autor do conceito hibridismo cul-tural, para repensar a heterogeneidade cultural nos pases subalternos,sobretudo latino-americanos, til antes a reflexo anti-evolucionistado ps-modernismo, mais radical do que qualquer outra anterior. Oautor nos d margem para pensar no grau de relatividade que a crticaps-moderna confere aos paradigmas tericos da modernidade, a qual,centrada em diferentes formas de monismos, no possibilitava elaborarum pensamento mais aberto para abarcar as interaes e integraesentre os nveis, gneros e formas de coletividade.

    Mas no cabe aqui dizer que a ps-modernidade a respostapara todos os questionamentos, nem tampouco consider-la comouma etapa ou tendncia que substituiria o mundo moderno.

    O que relevante neste enfoque a maneira como ela proble-matiza questes que eram essenciais para uma explicao lgica,coerente e racional de interpretaes totalizantes, continustas eunificadoras da dinmica scio-cultural e como ela chama a nossa

    ateno para a diversidade e a compreenso da heterogeneidadedas sociedades contemporneas.Partindo disso, uma questo que ao meu ver alicera esses

    novos enfoques, que no se limitam somente ao plano terico,

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    a relativizao que a ps-modernidade confere s concepes dehistria como algo irrefutvel, como um curso unitrio dos fatose, em conseqncia, da noo de progresso inerente concep-o anterior. Afinal, s se pode falar em progresso se se falar emhistria e s se pode pensar a diferena partindo de uma visooposta ou, em certo sentido, partindo de pressupostos diferentes.

    Poisum dos problemas freqentemente associados a hipte-ses da histria como curso unitrio dos fatos, como propunhamos iluministas, por exemplo, que estas tendem a obliterar adiferena e a cunhar a idia de um perodo histrico como umamassa homognea demarcada de cada lado por limites cronol-gicos que indicam o quanto se evolui ou o quanto se estagnou,o quanto se progrediu ou o quanto se regrediu.

    Essa concepo histrica alicerada na idia de progresso re-vela seus inconvenientes principalmente ao implicar a existncia

    de um centro em torno do qual se ordenam os acontecimentos esomente em torno do qual estes adquirem sentido e coerncia.Inconveniente porque a partir dessas premissas tende-se a anulartoda e qualquer diferena, a negar todo e qualquer fato que nofaa histria. Entenda-se no fazer histria como sendo os fatosque no so relevantes gente que conta e nem sobre aquelesque teriam o direito de cont-la.

    A esse respeito Walter Benjamin, em suas Teses sobre a filoso-fia da histria, defende que esse construto discursivo concebidocomo unitrio uma representao do passado, construda porgrupos e classes sociais dominantes, onde quem tem poder quem dirige.

    Como se pode ver, Benjamin, j em 1938, revela o carterprecisamente ideolgico de tais noes. Destaca que a investi-

    gao historicista acaba como que naturalmente sendo reduzidaa relaes de empatia. Com quem se tem mais afinidade? Aresposta inequvoca: com o vencedor. (...) A empatia com o

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    vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. Isso diz

    tudo para o materialismo histrico (BENJAMIN, 1998, p. 225).A partir de observaes como esta, conclui-se que a idia de

    histria como curso unitrio acaba se dissolvendo. No possveluma histria nica, e Benjamin novamente nos d margem paraperceber isso. Existem, sim, imagens do passado, sob diferentespontos-de-vista. E as fagulhas de experincia (BENJAMIN, 1998,p. 226) que despertam no passado so as que precisamente re-velam a multiplicidade e a diversidade e nos remetem a pensarna iluso de que existe um ponto de vista supremo, globalizante,capaz de unificar todos os outros; que existe uma verdade univer-salizante. como se no fosse possvel se pautar em monismosque fornecem, em cada campo, uma concepo sistematizadae racionalizada do universo, sob todos os aspectos e que julgapermitir encontrar uma soluo nica e verdadeira para todos os

    conflitos de opinies e todas as divergncias.Assim, a crise da noo de histria unitria acompanhadalado a lado, pode-se assim dizer, com a crise da idia de progres-so, pois como j dito, no se pode falar neste sem tocar naquele.

    Dessa forma, se no existe um curso unitrio dos fatos huma-nos, conseqentemente sustentar que eles caminham para um fim,e que esse fim a plena concretizao de um esprito absoluto,

    racional e emancipado, que finalmente chegou ao seu destinofinal, torna-se tarefa difcil. Isso porque tal como a histria, s sepensa unitariamente a partir de um ponto-de-