Competência socioemocional

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129 e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional Vera do Vale Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra Resumo A educação de infância surge como uma importante estratégia de prevenção ao ajudar as crianças a desenvolver com segurança as suas competências sociais e emocionais. Por seu lado os educadores devem estar conscientes da importância da competência social e dos comportamentos interpessoais como requisito essencial para uma boa adaptação da criança, tanto no presente, como no seu desenvolvimento futuro. Este artigo desenvolve-se em torno da reflexão acerca do desenvolvimento das competências sociais e emocionais das crianças em idade pré-escolar. Palavras-chave Competência emocional, Competência social, Educação de infância Abstract In this article, we present a reflection about the development of social and emotional competence in preschool age. Research provides extant evidence of the relation between social competence, mental health and academic success. The interpersonal contributors and the relational context in which socialization takes place is also considered. Finally, extant information is detailed on the modeling, contingency and teaching mechanisms of socialization of emotions. Key-words Emotional competence, Social competence, Early childhood education

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Competências sociais a serem trabalhadas com crainças

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    Vera Vale Do tecer ao remendar: os fios da competncia socio-emocional

    e d u c a o / f o r m a o

    Do tecer ao remendar: os fios da competncia socio-emocional

    Vera do Vale

    Escola Superior de Educao Instituto Politcnico de Coimbra

    Resumo

    A educao de infncia surge como uma importante estratgia de preveno ao ajudar as crianas a desenvolver com segurana as suas competncias sociais e emocionais. Por seu lado os educadores devem estar conscientes da importncia da competncia social e dos comportamentos interpessoais como requisito essencial para uma boa adaptao da criana, tanto no presente, como no seu desenvolvimento futuro.

    Este artigo desenvolve-se em torno da reflexo acerca do desenvolvimento das competncias sociais e emocionais das crianas em idade pr-escolar.

    Palavras-chave

    Competncia emocional, Competncia social, Educao de infncia

    Abstract

    In this article, we present a reflection about the development of social and emotional competence in preschool age. Research provides extant evidence of the relation between social competence, mental health and academic success. The interpersonal contributors and the relational context in which socialization takes place is also considered. Finally, extant information is detailed on the modeling, contingency and teaching mechanisms of socialization of emotions.

    Key-words

    Emotional competence, Social competence, Early childhood education

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    1. A Educao socio-emocional no jardim de infncia

    A instituio Escola tem tido a seu cargo a tarefa de desenvolver nas crianas mais

    novas competncias ao nvel da leitura, da escrita e da matemtica. Mas tambm misso

    da escola preparar as crianas para desempenharem com sucesso os mltiplos papis que

    as esperam no futuro. Com esta carga acrescida, a escola tem que alargar o seu mbito

    de esforos para incluir outra gama de competncias, como seja ajudar as crianas a

    desenvolverem atitudes pessoais, valores, competncias interpessoais que sirvam, ento,

    de sustentculo para os papis que elas iro ter que assumir: serem estudantes, colegas,

    amigos, membros de uma comunidade, pais. De entre estas competncias prefiguram-se

    as competncias socio-emocionais.

    Saarni (1999, p. 57) define a competncia emocional como a demonstrao da

    eficcia pessoal nos relacionamentos sociais que evocam emoo. Esta definio

    desmistifica um pouco a complexidade da competncia emocional, e fala da eficcia

    pessoal aplicada aos relacionamentos sociais, como sendo a capacidade de alcanar um

    resultado desejado. Quando a eficcia pessoal aplicada aos relacionamentos sociais, a

    pessoa pode, ao mesmo tempo que reage emocionalmente, aplicar os seus conhecimentos

    e a sua significao sobre as emoes. Fica assim implcito que as reaces emocionais

    esto imbudas de um significado social: a competncia emocional inseparvel do

    contexto cultural (Saarni, op. cit, p. 58). Toda a nossa relao social influencia as nossas

    emoes e, por sua vez, as nossas emoes influenciam os nossos relacionamentos.

    Saarni defende ainda que como a competncia emocional est ligada a conceitos como

    compaixo, autocontrolo, justia e senso de reciprocidade, tambm no se pode separar

    competncia emocional do senso moral.

    A principal tarefa que se impe a uma criana que entra no jardim de infncia

    precisamente a competncia emocional para gerir as suas emoes que, por sua vez, se

    encontra directamente relacionada com as interaces sociais, as quais so fundamentais

    para o aumento da capacidade de relacionamento com os outros (Saarni, 1990).

    Para maximizar a competncia social necessrio perscrutar cuidadosamente

    como que a competncia emocional permite criana mobilizar recursos pessoais e

    ambientais, para se relacionar com os seus pares. Sabe-se que, se uma criana mostrar

    determinados padres de expressividade ela provavelmente mais pr-social do que

    outra que esteja sempre triste ou zangada, pois provavelmente esta estar mais sozinha.

    As crianas que percebem melhor as emoes tm mais relaes positivas nas suas

    interaces com pares. Os que percebem as emoes dos outros, interagem com mais

    sucesso, quando um amigo se magoa ou est zangado. A criana que consegue falar das

    suas emoes tambm melhor a negociar as disputas entre os seus pares (Denham,

    1998). Esta percepo emocional ajuda a criana a reagir adequadamente, e a capacidade

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    de regular as emoes ajuda-a a ter mais sucesso junto dos pares.

    A educao pr-escolar surge, ento, como uma importante estratgia de preveno

    para ajudar as crianas a desenvolverem com segurana as suas competncias sociais e

    emocionais. Estas competncias incluem a auto-conscincia, o controlo dos impulsos, a

    empatia, a escolha de perspectiva, a cooperao, a resoluo de conflitos, e tornam-se

    ferramentas-chave quando a criana na adolescncia tem que fazer face a apelos, por

    exemplo, ao uso de substncias ou violncia.

    Analisando alguns dos programas dedicados educao socio-emocional (Bisquerra,

    2000; Goleman, 1997; Valls & Valls, 2000) encontrmos objectivos gerais recorrentes

    que agrupmos em cinco categorias:

    1. Auto-conscincia emocional: adquirir um melhor conhecimento das prprias emoes, reconhecer as diferenas entre sentimentos e aces e compreender as causas dos sentimentos;

    2. Gesto das emoes: desenvolver habilidades para controlar as prprias emoes, prevenir os efeitos prejudiciais das emoes negativas (por exemplo, melhorar a capacidade para expressar verbalmente a ira sem lutar), desenvolver habilidades de resistncia frustrao, desenvolver habilidades para gerar emoes positivas;

    3. Controlar produtivamente as emoes: desenvolver habilidades de auto-motivao, maior capacidade de concentrao nas tarefas e maiores responsabilidades, desenvolver a capacidade de saber esperar por recompensas a longo prazo em detrimento de recompensas imediatas;

    4. Empatia: desenvolver a capacidade de aceitar a perspectiva do outro, desenvolver sentimentos de empatia e sensibilidade com os outros, e desenvolver a capacidade de escuta;

    5. Gerir relacionamentos: desenvolver competncias para resolver conflitos e negociar acordos, desenvolver a capacidade de cooperao, de partilha e de ajuda.

    Todos estes objectivos tm como convergncia o aumento das capacidades sociais

    e de relaes inter e intrapessoais satisfatrias, melhor adaptao escolar, social e

    familiar, bem como a diminuio de pensamentos auto-destrutivos e violentos, o que

    ajuda a construir uma boa auto-estima na criana. Assim, a educao socio-emocional

    toma a forma de preveno primria para uma conduta anti-social, tentando minimizar

    a vulnerabilidade s disfunes.

    Mas uma questo se impe: a educao emocional mais uma rea de contedo a

    somar s j existentes na educao pr-escolar? Apesar de termos tido acesso a vrios

    programas de educao emocional, que se encontram implementados sobretudo nos

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    EUA, e com ganhos positivos em termos de resultados, defendemos que os contedos da

    educao emocional devem ser integrados, de forma transversal, nas prticas curriculares

    para a educao pr-escolar. Se a educao socio-emocional vista como um processo

    contnuo e permanente, no pode ser determinado um horrio durante a semana para

    ensinar s crianas a gesto emocional. At porque no seio de um grupo de crianas,

    as emoes so transmitidas tanto do adulto para a criana, como da criana para o

    adulto, como de criana para criana. Muitos educadores no se do conta, por vezes,

    dos sinais aos quais as crianas so mais susceptveis, muito menos das circunstncias

    que provocam respostas emocionais nas crianas. O prprio ambiente fsico (estrutura

    da sala, mobilirio, luz, acstica, ventilao) pode estimular emoes de prazer ou de

    raiva. O mesmo se passa em termos da atmosfera da sala, do tom de voz do educador,

    do barulho, do tamanho do grupo, das informaes ou das pistas visuais que o educador

    transmite.

    Por outro lado, as crianas acreditam que o educador sente aquilo que demonstra e

    no seu comportamento que elas se vo concentrar. At ao perodo da adolescncia as

    crianas no compreendem situaes emocionais complexas, nem to pouco percebem

    as explicaes que se possam dar sobre determinadas intenes que no so visivelmente

    explcitas. na primeira infncia que as crianas aprendem a rotular as emoes, mas s

    muito mais tarde aprendem a distinguir as manifestaes emocionais comportamentais.

    Se algum assume um tom de voz assustador, a criana interpreta isso como uma emoo

    de raiva, por mais explicaes que se possa dar em contrrio.

    Tambm as investigaes longitudinais que tm vindo a ser feitas demonstram que

    existe uma relao entre a competncia social na infncia e o posterior desenvolvimento

    psicolgico e acadmico. As relaes interpessoais so a mais importante fonte de

    gratificao e prazer para a maioria das pessoas de todas as idades, traduzindo-se em

    solido e angstia a incapacidade de iniciar e manter essas relaes (Ladd, 1990, citado

    por Katz & MacClellan, 1997).

    2. O educador e o desenvolvimento de competncias socio-emocionais na criana

    fundamental que os currculos destinados educao pr-escolar contemplem

    o desenvolvimento das competncias socio-emocionais e que os educadores se

    consciencializem da sua importncia vital e criem um ambiente propcio sua

    implementao.

    O desenvolvimento de competncias socio-emocionais no pr-escolar vital para as

    crianas por vrias ordens de razes: 1 porque na infncia que as crianas se encontram

    mais permeveis a este tipo de aprendizagens; 2 porque as crianas passam muito do

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    seu tempo dirio em contextos de atendimento infncia; 3 porque os educadores

    podem evitar problemas de comportamento antes de eles aparecerem e estimular, assim,

    o crescimento social saudvel das crianas, mesmo daquelas com menor habilidade ao

    nvel do desenvolvimento social.

    Um bom programa ao nvel do desenvolvimento das competncias sociais deve

    permitir s crianas um alto grau de liberdade, ao mesmo tempo que mantm um certo

    controlo por parte do educador (Marison, 1990, citado por Spodek & Saracho, 1998),

    pois a forma de disciplina usada com a criana influencia o tipo de pessoa em que

    ela se vai tornar. Os educadores que sistematicamente colocam limites s crianas e

    dizem como elas se devem comportar, sem explicarem o porqu desse comportamento,

    transmitem unicamente que o bom comportamento radica na aceitao das ordens e da

    autoridade. Por outro lado, as crianas a quem no so postos limites podem ser levadas

    a pensar que apenas os seus desejos determinam o que o comportamento adequado.

    O desenvolvimento de um comportamento disciplinado requer o uso de habilidades

    intelectuais (Spodek & Saracho, 1998, p. 157). Por outras palavras, as crianas devem

    usar as competncias cognitivas para perceber o mundo social, ter conscincia dos

    padres sociais aceitveis e do seu uso nas diferentes situaes. S assim se podem

    desenvolver como indivduos autnomos e conscientes das liberdades e dos limites.

    Os autores citados apontam, mesmo, algumas directrizes que os educadores de

    infncia devem observar numa abordagem disciplinar baseada no uso da razo. Assim,

    importante que as crianas saibam que comportamentos so esperados delas. Um

    comportamento inadequado pode resultar do desconhecimento da regra, pelo que as

    instrues a dar criana devem ser claras e repetidas em vrios contextos, para que ela

    as perceba. Depois, e no menos importante, as crianas necessitam saber o porqu dessas

    regras, mesmo que no as percebam na sua totalidade e de imediato. tambm necessrio

    que as crianas possam ter oportunidades de observar e praticar o comportamento

    adequado pois, como referimos, esta faixa etria permevel aprendizagem por

    imitao. Outra das directrizes apontada alerta para o facto de as crianas no serem

    adultos, o que, sendo embora bvio, no muitas vezes suficientemente considerado

    pelos educadores, que tendem a esperar da criana comportamentos que ultrapassam as

    suas possibilidades. Na verdade, os educadores devem desenvolver expectativas razoveis

    quanto ao comportamento das crianas, e tambm no esperar que elas se portem

    adequadamente o tempo todo. Os educadores, por seu turno, devem ser coerentes no

    seu prprio comportamento, pois transmitem, mesmo inconscientemente, mensagens

    s crianas sobre o que aceitvel ou no.

    Holtz (1972, citado por Spodek & Saracho, 1998) refere trs tipos de disciplina que

    pode ser encontrada pela criana: disciplina da natureza, em que as crianas aprendem

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    como as coisas funcionam; disciplina da sociedade, em que as crianas aprendem como

    os adultos se comportam nos ambientes sociais; e disciplina coerciva, que imposta

    pelos adultos para proteger as crianas das consequncias dos seus actos que ainda no

    podem antecipar.

    3. Implementao de uma disciplina positiva

    A problemtica apresentada leva-nos questo de saber qual deve ser a actuao

    do educador numa perspectiva de disciplina positiva. O estilo e a actuao do educador

    devem pautar-se pela sua forma de agir e pela sua moral, em consonncia com as

    estratgias de gesto de comportamento por si implementadas. Entende-se aqui a moral

    como o sentimento que o educador tem sobre a sua dedicao profissional, baseado

    na percepo que tem de si mesmo e na sua capacidade de organizao (Washington &

    Watson, 1976).

    Posada e Pires (2001) definem o professor positivo como algum que espera que os

    seus alunos consigam altos objectivos, proporcionando-lhes oportunidades significativas

    para resolverem os seus prprios conflitos e levando-os a reconhecer as suas condutas

    positivas. Gardner (1993) acrescenta que os professores deveriam tomar conscincia que

    o ponto de partida para o processo de aprendizagem no deve ser tanto o currculo, mas

    sim a experincia e a complexidade das estruturas conceptuais que os alunos trazem

    para a sala de aula.

    Um estudo levado a cabo por Stipek, Daniels, Galguzzo e Milburn (1992, citados

    por Formosinho, Katz, MacClellan & Lino, 1996), em que analisaram programas com

    crianas pobres e de classe mdia, permitiu classificar esses programas com base em

    duas dimenses: clima social positivo e directividade do professor. Os dados deste estudo

    mostraram que os programas com cotaes mais elevadas na directividade do professor

    so aqueles que tm mais baixas cotaes no clima social positivo, sugerindo que a

    tnica colocada nas aprendizagens acadmicas e na directividade do professor parece

    impedir um clima social positivo. Por outras palavras, quanto maior for a nfase posta na

    instruo acadmica, menor ser a nfase nas relaes sociais positivas entre professores

    e crianas.

    Grande parte dos estudos efectuados nesta rea apela para a importncia do

    estilo de interaco do professor, pois o estilo de interaco faz-se sentir ao nvel do

    desenvolvimento e das vrias aprendizagens da criana.

    Na verdade, para implementar uma disciplina positiva fundamental que o

    educador se questione acerca das suas prticas educativas, do seu sentido de autoridade,

    da sua segurana e capacidade de gerir e controlar problemas de comportamento na

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    sua sala, e que reflicta, inclusivamente, sobre a sua auto-estima. importante que o

    educador procure criar uma atmosfera educativa positiva, pois a criana constri a

    sua personalidade atravs da imitao e das vivncias que lhe so proporcionadas. O

    ambiente positivo tem o seu enfoque no nvel de coeso da relao entre o educador

    e a criana (Rutter, Maughm, Mortimor, Ouston & Smith, 1979, citados por Posada

    & Pires, 2001, p. 201). O educador , assim, o modelo por excelncia no contexto de

    jardim de infncia, sendo muitas vezes a segunda figura de vinculao. Logo, o ambiente

    um factor por excelncia, para que a criana se sinta bem consigo prpria, seja aceite

    e estabelea relaes de empatia com os outros, o que contribuir decisivamente para a

    consolidao de uma auto-estima positiva. Assumindo uma postura flexvel e dialogante,

    ajudando as crianas a exprimirem as suas emoes, dando relevncia s opinies das

    prprias crianas e fomentando momentos de partilha de vivncias e experincias, o

    educador estar a contribuir para a maturao da criana e para a construo do seu

    controlo interno.

    3.1. Atitudes do educador positivo

    Para Posada e Pires (2001), o educador positivo aquele que compreende e aceita

    as razes que a criana manifesta atravs do seu comportamento sem as sancionar, mas

    fazendo com que a criana entenda, se for caso disso, que a sua forma de agir no foi a

    mais correcta. Deve ter uma atitude de orientador, indicando o caminho a seguir, mas

    respeitando a liberdade de cada um, tendo a conscincia que tambm um modelo para

    as crianas, mas no no sentido de imposio de condutas. no entanto fundamental

    estabelecer limites liberdade, ajudando a criana a desenvolver a capacidade de se

    colocar no papel do outro. Esta atitude em concreto permite criana desenvolver a

    sua conscincia social. Saber esperar uma das regras vitais, tanto do ponto de vista

    cognitivo como emocional. A espera facilita o pensamento e a reflexo, alm de promover

    a interiorizao dos sentimentos e a sua adequada exteriorizao.

    O educador, na opinio dos mesmos autores (op. cit.) deve ter uma atitude positiva

    na interaco com as crianas, no fomentando a crtica, evitando as acusaes e todo

    o tipo de comportamento vexatrio ou que, de alguma forma, possa contribuir para a

    sinalizao individual de uma criana, quer seja de forma directa, mediante insultos

    ou humilhaes frente ao grupo, quer de forma dissimulada, atravs de linguagem no

    verbal. Mantendo uma atitude positiva, o educador pode contribuir para que as crianas

    desenvolvam uma imagem positiva de si prprias, estimulando uma atitude cooperativa

    entre elas. ainda fundamental que o educador apresente alternativas s suas negaes,

    alm das possveis explicaes, pois ensina tambm s crianas quando dizer no.

    Um dos objectivos fundamentais que preside actuao do educador prende-se com

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    a promoo da motivao intrnseca. crucial que, desde cedo, se fomente na criana

    a capacidade de tomar decises e assumir as consequncias das decises tomadas.

    necessrio criar um clima emocional adequado que permita que as crianas exprimam

    as suas emoes, ajudando-as tambm a express-las, pois da deriva uma melhor

    compreenso das crianas, uma melhor integrao do grupo, uma melhor predisposio

    para a aprendizagem, uma maior harmonia ao nvel do sistema de relacionamentos,

    um crescimento da auto-estima e o bem-estar geral. necessrio que o educador seja

    sempre claro e mostre firmeza (no confundir com rigidez) e deciso na transmisso de

    mensagens, e prepare as crianas para as transies que ocorrem ao longo da actividade

    educativa, promovendo tambm momentos de busca e descoberta por parte das crianas,

    pois, desta forma, est a contribuir para a autonomia e independncia das crianas como

    pessoas e como alunos que tm ainda que percorrer uma longa vida acadmica.

    4. Os problemas emocionais e o comportamento anti-social

    4.1. As dificuldades sociais

    Como j referimos, a aceitao e a popularidade parecem jogar um papel importante

    na socializao infantil. As capacidades sociais proporcionam s crianas uma forma

    de dar e receber recompensas sociais positivas, as quais vo, por sua vez, aumentar a

    interaco social.

    Um leque variado de estudos tem vindo a demonstrar, no entanto, que h crianas

    que no conseguem atingir uma competncia satisfatria nas suas relaes sociais, ou

    porque no adquiriram competncias ou porque simplesmente no as conseguem usar

    com confiana, o que as vai tornar socialmente retradas ou mesmo rejeitadas.

    Um estudo levado a cabo por Corsaro (1985, citado por Katz & MacClellan, 1997)

    concluiu que no jardim de infncia uma grande percentagem da interaco social que

    as crianas estabelecem entre si diz respeito tentativa de entrar em grupos de jogos

    apelando a que a criana faa, assim, uso das suas capacidades de participao e sucesso

    social. H, no entanto, outros comportamentos ligados com a capacidade social e com

    a aceitao, como o dar ateno aos outros, o solicitar informaes, ou at o contribuir

    para uma discusso em grupo (Bierman & Furman, 1984; Coie & Krehbiel, 1984; Gottman

    & Schuler, 1976; Mize & Ladd, 1990; todos citados por Katz & MacClellan, op. cit.).

    Algumas crianas entram no jardim de infncia desprovidas deste repertrio de

    capacidades e vo sentir grandes dificuldades. Por vezes, a causa pode encontrar-

    se ao nvel do controlo dos impulsos, que ainda feita deficientemente, o que leva a

    que no sejam bem sucedidas nas interaces respeitantes resoluo de conflitos.

    Outras crianas desconhecem, ou no experienciaram ainda, interaces sociais com

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    pares. H crianas que tm o seu primeiro relacionamento com outras crianas s no

    jardim de infncia, e que por isso desconhecem estas estratgias. No entanto, outras h

    que apesar de j terem adquirido determinadas capacidades sociais no as usam com

    confiana a fim de serem bem sucedidas. Mas a causa pode ficar a dever-se, tambm,

    falta de capacidade para exprimirem os seus sentimentos e desejos ou dificuldade em

    explicar as razes das suas preferncias. Por fim, h crianas que so to dependentes do

    adulto que interrompem constantemente qualquer brincadeira para pedir ajuda (Katz &

    MacClellan, op. cit.).

    Todas estas causas podem repercutir-se no comportamento da criana, e encontramos

    crianas que sistematicamente se recusam a cumprir rotinas ou que rejeitam normas do

    jardim de infncia. Estes comportamentos no cooperativos, podem, no entanto, ter uma

    explicao que pode ser exterior vida no jardim de infncia, sintoma de que existe uma

    perturbao emocional, ou podem derivar de um desajuste entre a prpria criana e a

    instituio pr-escolar.

    Mas outras razes poderemos elencar como estando directamente ligadas com a

    forma de organizao e gesto do processo educativo que se desenvolve dentro do jardim

    de infncia. Seno vejamos. O prprio clima que a vivido, quer seja autoritrio, quer

    seja permissivo, pode levar a comportamentos pouco colaborativos das crianas ou at a

    manifestaes de problemas sociais entre elas. O ambiente pode ser mesmo considerado

    como um segundo educador. Montessori (1964, citada por Katz & MacClellan, op. cit.)

    defendia que se devia preparar o ambiente, pois as crianas respondem em funo

    do meio que as rodeia, o que pode ter importantes efeitos no seu desenvolvimento

    intelectual, social e espiritual. Barker (n.d., citado por Posada & Pires, 2001), um dos

    pioneiros da psicologia ambiental, refere que os ambientes so sinomrficos, assumem

    a personalidade das pessoas que os constroem, pelo que o clima afecta as condutas dos

    sujeitos. O mesmo se passar em relao s normas. Se a criana no tiver participado na

    sua discusso e elaborao, elas podero no ter qualquer significado para ela, podendo

    ocasionar a manifestao de comportamentos disruptivos. As prprias actividades podem

    no ter qualquer relevncia para a criana, podendo ser to rotineiras que no despertam

    qualquer interesse, ou estarem to desfasadas do seu nvel de desenvolvimento que

    geram perturbaes. As transies entre as actividades podem ainda no ser perceptveis,

    gerando confuso. Outro factor pode estar ligado falta de respeito pelas diferenas

    individuais, nomeadamente no que se refere s crianas que necessitam de mais tempo

    para realizar as tarefas. Mas, o facto de surgirem dificuldades sociais na sala pode tambm

    indiciar que as crianas so novas demais para passarem um to grande nmero de horas

    num contexto onde existem mais crianas. Caber ao educador procurar minimizar o

    stress que as crianas possam sentir quando esto em grupos de pares durante muito

    tempo (Katz & MacClellan, 1997).

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    A investigao sugere ainda que com a idade no melhora a falta de competncia social

    de muitas crianas. As crianas no assertivas mantm os seus dfices de habilidades

    sociais na vida adulta. Michelson, Sugai, Wood e Kazdin (1997) falam em dois tipos

    de dfices sociais. Por um lado, temos as crianas passivas, com um comportamento

    tmido, isolado e quase letrgico, que no estabelecem interaco com os companheiros,

    podendo essas respostas passivas provocar sentimentos de insuficincia, depresso e

    incompetncia, resultando num baixo nvel social. Ora parece provado que a popularidade

    est associada ao xito escolar, bem como ao desenvolvimento cognitivo e emocional

    (Hartup, 1970). Vrios estudos, analisados por Gottman, Gonso e Rasmussen (1975,

    citados por Michelson, Sugai, Wood, & Kazdin 1997), levaram concluso de que havia

    uma estreita relao entre a popularidade e o posterior funcionamento na vida adulta,

    sendo as crianas pouco populares as que mais recorriam ao apoio psiquitrico na vida

    adulta. Encontra-se, assim, uma correlao entre o comportamento passivo e processos

    de m adaptao na vida futura. No outro extremo dos dfices sociais, encontram-se as

    crianas que apresentam um comportamento dirigido ao exterior e que so, tipicamente,

    agressivas e no cooperativas. Estas crianas fracassam quando tentam demonstrar

    capacidades sociais para levar a cabo interaces sociais efectivas. Comportam-se de

    uma forma que reprovada pelos outros, e que conduz humilhao e baixa auto-

    estima. Estas crianas apresentam dificuldades escolares, obtendo nveis mais baixos do

    que os colegas, manifestando, na vida adulta, uma maior incidncia de comportamento

    anti-social.

    4.2. O comportamento anti-social

    O comportamento anti-social entendido como um padro de violaes dos direitos

    dos outros ou das normas de uma determinada sociedade (Fonseca, 2001). Vrios estudos

    longitudinais apontam para uma continuidade intergeracional dos comportamentos

    anti-sociais e algumas das explicaes que tm sido avanadas esto ligadas com a

    modelao de comportamentos, influncia gentica, atitudes dos pais em relao a esses

    comportamentos e influncias do meio partilhado.

    As consequncias negativas do comportamento anti-social da criana no se

    expressam na sua vida futura apenas sob a forma de agressividade, delinquncia ou

    criminalidade. Elas podem tomar formas mais diversificadas, como o abuso fsico dos

    filhos e dos cnjuges, a instabilidade no emprego, o abuso de drogas, a propenso

    para acidentes, a promiscuidade sexual, entre outras. Zoccolillo (1992, citado por

    Fonseca, 2001) verificou que uma grande percentagem de indivduos com distrbios

    de comportamento na infncia apresentava, mais tarde, problemas de adaptao social,

    como sejam as dificuldades de relacionamento interpessoal, de adaptao ao trabalho e

  • 139

    Vera Vale Do tecer ao remendar: os fios da competncia socio-emocional

    conflitos na famlia. J Gluek e Glueck (1950) haviam verificado, atravs de um estudo

    longitudinal, o comportamento anti-social na criana se revelava um bom preditor do seu

    estatuto educacional, econmico, profissional e familiar 18 anos mais tarde. Constata-

    se, assim, que a ideia generalizada de que o comportamento anti-social um fenmeno

    tpico da adolescncia e se resolve com o tempo, no to linear quanto isso.

    Estes estudos permitiram tambm chegar concluso de que h vrios factores que,

    de modo directo ou indirecto, contribuem para o aparecimento e a continuidade dos

    problemas anti-sociais. Fonseca (2001) apresenta-os classificados em trs categorias:

    factores individuais (micro-sistemas); factores psicossociais (mesosistema) e factores da

    comunidade ou scio-culturais (exosistema).

    Iremos, resumidamente, fazer aluso a estas trs categorias, que tm estado, de

    alguma forma, presentes ao longo deste artigo.

    4.2.1. Factores individuais

    Durante muito tempo a tnica foi posta nos factores de ordem social e cultural, mas

    actualmente, fruto das recentes investigaes, regista-se uma viragem para os factores

    de natureza individual, os quais apresentam uma imensa diversidade que tem levado a

    vrias propostas de classificao. Nas ltimas dcadas, os factores que tm suscitado

    mais investigaes tm sido o temperamento, a hiperactividade, e a idade precoce dos

    primeiros comportamentos anti-sociais.

    No que se refere ao temperamento, Caspi (2000), baseando-se em estudos

    longitudinais de Dunedin, chegou concluso que, comparadas com colegas sem

    problemas de temperamento, as crianas com temperamento difcil tinham 2.9 vezes

    mais probabilidades de terem um diagnstico de personalidade anti-social, 2.2 vezes mais

    a probabilidade de se tornarem criminosos reincidentes e 4.5 vezes mais a probabilidade

    de serem condenados por crimes violentos. Entre as caractersticas ou dimenses do

    temperamento que se encontram associadas a futuros problemas do comportamento

    encontram-se a emocionalidade, a resistncia ao controlo, a fraca auto-regulao e a

    impulsividade (Sanson & Prior, citados por Fonseca, 2001).

    No que se refere hiperactividade, a posio dominante aponta para que ela constitui

    um dos factores de risco mais importantes do comportamento anti-social. Satterfield

    (1987) verificou que um grupo de crianas diagnosticadas como hiperactivas apresentava

    mais tarde, aos 17 anos, taxas significativamente mais elevadas de comportamento anti-

    social do que indivduos de um grupo de controlo normal. Moffitt (1990) verificou que

    a hiperactividade aparecia associada s formas mais graves de comportamento anti-

    social.

  • 140

    exedra n 2 2009

    Quanto aos problemas de cognio social, existe tambm um conjunto de

    investigaes recentes que mostram que os indivduos agressivos se diferenciam dos seus

    pares bem adaptados na maneira como processam e utilizam a informao relativa s

    outras pessoas, pois tm tendncia, por exemplo, na fase de codificao, a terem mais

    sensibilidade aos sinais de agresso, na interpretao, a atriburem intenes hostis, na

    procura de eventuais respostas, acesso mais fcil a respostas agressivas, na escolha de

    um determinado tipo de respostas, consideram como aceitvel uma resposta anti-social

    e finalmente, na execuo dessa resposta, a incapacidade de utilizar respostas verbais

    e problemas de auto-controlo (Fonseca, 2001). Mas, as diferenas no se reportam s

    fase inicial do processamento de informao, pois estes indivduos tambm apresentam

    um repertrio reduzido de estratgias de resoluo de conflitos.

    No que se refere idade precoce do aparecimento dos primeiros comportamentos

    anti-sociais, os estudos apontam para que se trata de um bom preditor da continuidade

    desses comportamentos atravs da infncia e adolescncia. Loeber e Southamer

    (1986, citados por Fonseca, 2001) referem como preditores da delinquncia juvenil os

    distrbios de comportamento da criana e White, Moffitt, Earls, Robins, e Silva (1990)

    verificaram que os problemas avaliados pelos pais, entre os 3 e os 5 anos, discriminavam

    bem os indivduos delinquentes aos 11 anos. Com base nos estudos realizados nesta rea,

    foi proposta uma classificao dos comportamentos anti-sociais que aponta para duas

    categorias: uma com incio precoce, com comportamentos mais graves e mais resistentes

    interveno, e outra de incio tardio ou durante a adolescncia (Hinshaw et al. 1993;

    Moffitt; 1993, citados por Fonseca, 2001).

    4.2.2. Factores psicossociais

    No campo dos factores psicossociais tm tomado particular relevo as variveis ligadas

    famlia, escola e aos colegas.

    Na famlia, as caractersticas que tm sido identificadas prendem-se com o baixo

    nvel econmico, o baixo nvel escolar dos pais, os lares desfeitos, a falta de competncias

    educativas dos pais, a hostilidade, os estilos coercivos, conflitos no casal, modelos

    criminosos na famlia, e a psicopatologia dos pais, entre outros. Contudo, desta panplia

    de variveis as que se tm revelado mais determinantes tm sido a falta de competncias

    parentais, as interaces hostis e coercivas com a utilizao inconsistente de prmios

    e castigos, as falhas de comunicao entre pais e filhos e a existncia de modelos anti-

    sociais na famlia (Fonseca, 2001).

    Outra das variveis que tem sido objecto de bastantes estudos a escola. Rutter e

    colaboradores (1979, citados por Fonseca, op. cit.) mostraram que a escola, atravs do

  • 141

    Vera Vale Do tecer ao remendar: os fios da competncia socio-emocional

    seu funcionamento, contribui efectivamente para a ocorrncia de comportamentos anti-

    sociais no aluno. Vrios aspectos tm sido considerados responsveis pelo despoletar de

    comportamentos anti-sociais, desde o recurso a estratgias pedaggicas e disciplinares

    demasiado coercivas ou demasiado laxistas face aos alunos, baixas expectativas em

    relao aos progressos dos alunos, at falta de motivao dos professores.

    A influncia dos colegas outro dos factores psicossociais que tem influncia no

    agravamento dos comportamentos anti-sociais. No entanto, a questo que se coloca a de

    saber se de facto h uma influncia dos pares delinquentes na origem do comportamento

    anti-social, ou se em primeiro lugar os indivduos procuram colegas delinquentes de

    acordo com as suas prprias tendncias. Thornberry (1993, 1998, citado por Fonseca,

    op. cit.) mostrou que a entrada num gang aumenta efectivamente a probabilidade de

    cometer actos delinquentes, e o seu abandono leva diminuio do crime violento. Esta

    influncia do grupo pode exercer-se atravs de um aumento na auto-estima, partilha de

    valores anti-sociais, presso dos colegas, conquista de um estatuto superior dentro do

    grupo ou benefcios da actividade do grupo.

    4.2.3. Factores sociais e culturais

    Os factores sociais e culturais mais referidos na literatura so a pobreza, a violncia,

    o desemprego, a insegurana na comunidade e de uma forma geral a desorganizao

    social na comunidade. Na verdade, encontram-se taxas mais elevadas de comportamento

    anti-social nas zonas desfavorecidas das grandes cidades, particularmente quando h

    falta de coeso e controlo social (Sampson et al.,1997, citados por Fonseca, op. cit.).

    Outro factor scio-cultural, que tem originado muitos estudos nas ltimas dcadas, tem

    sido a influncia dos mass mdia, sobretudo da televiso. Huesman e Eron (1984, citado

    por Fonseca, op. cit.) mostraram a existncia de um efeito estatisticamente significativo,

    ainda que modesto, da violncia filmada no aumento do comportamento anti-social e do

    crime.

    5. A preveno dos problemas emocionais

    Quando as emoes no se expressam, no se dominam, ou no se adequam s

    situaes, podem aparecer as disfunes. As disfunes emocionais infantis revelam-se

    quando uma criana demonstra falta de adequao das suas reaces face s situaes ou

    quando faz m interpretao das emoes dos outros.

    Os pais so quem melhor pode ajudar a prevenir (expresso latina prevenire, que

    significa antes de vir) os problemas emocionais. So os pais que estabelecem mais

    estreitamente relaes afectivas com a criana e, presumivelmente, so quem melhor

  • 142

    exedra n 2 2009

    a conhece, e nos primeiros anos de vida so tambm quem passa mais tempo com ela.

    A teoria de vinculao de Bowlby (1982) situa-se precisamente volta da importncia

    destas relaes precoces, assim como do papel que as mesmas desempenham no

    desenvolvimento posterior da criana. Um estudo efectuado por Soares (1996) procurou

    constatar se havia concordncia entre o estilo de vinculao da me e a representao

    sobre ele que o filho ou filha tinham na adolescncia. A autora concluiu existir uma

    concordncia na representao da vinculao me-filho a representao segura da

    me pode constituir em si mesma uma referncia ou uma base segura a partir da qual

    o(a) filho(a) pode organizar internamente as suas experincias de vinculao de modo

    seguro (Soares, op. cit., p. 304).

    Qualquer pessoa que mantenha este tipo de relao pode assumir tambm, e com

    xito, o papel preventivo. Estamo-nos a referir aos educadores de infncia, que na maior

    parte das vezes so a segunda figura de vinculao das crianas. Sabemos que o que

    caracteriza a vinculao o comportamento que promove uma proximidade ou um

    contacto da criana com uma ou mais figuras a que ela se encontra vinculada (Ainsworth

    et al., 1978, citado por Moreira, 2001) e que lhe transmitem segurana. Classicamente, a

    funo social e emocional era atribuda aos pais, e aos professores a funo intelectual.

    Hoje em dia essas fronteiras encontram-se diludas, e pais e educadores entram por

    vezes em conflito no que diz respeito aos sistemas de valores. Uma preveno que

    realmente previna fundamenta-se numa educao emocional adequada, precoce e

    concertada entre pais e educadores. Deve acabar-se com o mito de que muito pequeno

    para aprender, tem tempo, e ainda est longe de qualquer situao problemtica, pois como

    j vimos anteriormente, o desenvolvimento emocional fortemente influenciado pelos

    primeiros anos de vida, sendo precisamente nas etapas mais precoces que se inicia toda

    a organizao em relao ao ambiente que rodeia o beb e da qual vo depender as

    organizaes posteriores.

    Por outro lado, muitas vezes s se reconhece a necessidade de intervir quando a

    criana comea a apresentar comportamentos desajustados. Uma investigao levada a

    cabo por Kochanska (1987, citado por Barrio, 2002) mostrou que mes que iniciaram a

    educao emocional dos seus filhos entre os 15 e 30 meses, tiveram mais xito na gesto

    da raiva, do que as que apenas iniciaram essa educao entre os 30 e os 42 meses, usando

    as mesmas tcnicas.

    Outro ponto fundamental a ter em conta, e reforando a ideia que temos vindo a

    expor ao longo deste artigo, o de que a vida emocional da criana o trampolim de

    integrao no mundo, visto que a sua evoluo emocional muito mais precoce do que a

    sua maturao mental: as razes do corao so as nicas que uma criana abaixo dos

    seis anos entende verdadeiramente (Barrio, op. cit. p. 173).

  • 143

    Vera Vale Do tecer ao remendar: os fios da competncia socio-emocional

    De acordo com Denham (1998), a educao emocional fundamenta-se em trs pilares:

    os modelos, o treino de competncias e a adequao s contingncias.

    4.1. Os modelos

    At aos seis anos de idade o mtodo de aprendizagem mais forte a imitao. A

    criana copia as aces que observa. No serve de nada dar conselhos verbais de auto

    controlo a uma criana, se os adultos de referncia na sua frente so agressivos, no

    respeitam as normas ou impem a sua vontade arbitrariamente e perdem o controlo

    facilmente. A criana imitar o que v, em vez de seguir o que escutou. O mesmo se passa

    quando se pede criana, gritando, que deixe de gritar. Prevalecer sempre a aco em

    detrimento do contedo verbal. Mas, se solicitarmos ideias e informao s crianas,

    poderemos modelar nelas um estilo interactivo de relacionamento com os outros, e a

    busca activa de solues para os problemas.

    Os modelos emocionais proporcionam criana uma gestalt ou forma de

    entendimento da situao que configura as tendncias de aco (Barrio, 2002, p. 175).

    Por outras palavras, os modelos emocionais configuram-se como guies que orientam

    o comportamento, por isso, pais e educadores tm que ter presente o modelo que esto

    a transmitir e o modelo que so, uma vez que a modelao uma forma poderosa de

    aprendizagem.

    5.2. O treino de competncias

    Alm de aprender por imitao, a criana aprende tambm por repetio da aco.

    O treino de competncias est principalmente a cargo dos pais e traduz-se em coisas to

    simples como dar nome s emoes, express-las e control-las e assumir as regras de

    comportamento que so aceitveis pela sociedade de referncia.

    As etiquetas verbais, ou rtulos, comeam a adquirir-se atravs de pequenas

    conversas com a criana. Brown e Dunn (1991, citados por Barrio, 2002) afirmam que

    as primeiras conversas emocionais entre mes e filhos se situam, em mdia, por volta

    dos 18 a 36 meses de idade e incluem questes to simples como perguntar-lhes por

    que esto tristes ou zangados. A conversao entre o adulto e a criana alm de gerar

    hbitos de comunicao em torno destes problemas, ajuda a criana a generalizar a

    conduta a outras situaes, e evita a acumulao de tenses e mal entendidos que pode

    desencadear violncia.

    Outro aspecto que se torna relevante para ensinar as crianas a gerir as suas emoes

    ensin-las a lidarem com a frustrao. Todos temos conscincia que, no mundo

    ocidentalizado onde vivemos, a maioria das crianas pode realizar quase todos os seus

  • 144

    exedra n 2 2009

    desejos, mas tambm verdade que medida que a criana cresce essa realizao

    torna-se mais difcil. Se a criana foi adquirindo hbitos de no-frustrao portadora

    de nveis baixos de frustrao, o que se pode tornar intolervel. Assim, deve-se treinar

    precocemente competncias de resistncia frustrao, para que a criana possa pr

    em marcha mecanismos de resistncia, que lhe iro permitir fazer face s adversidades,

    sem recorrer, por exemplo, a substncias aditivas para o seu alvio. Patterson et al.

    (1992, citados por Barrio, op. cit.) recomendam que para gerir e controlar as emoes

    das crianas se usem estratgias como imposio de uma disciplina consistente, uso de

    reforos positivos e aquisio de habilidades de resoluo de problemas.

    5.3. Adequao s contingncias

    O que a autora (Denham, 1998) quer dizer com a adequao s contingncias que

    qualquer conduta produz determinadas consequncias, quer positivas, quer negativas,

    e que se torna fundamental que, quer os pais, quer os educadores, saibam manejar

    adequadamente essas consequncias de modo a que a criana aprenda a manter e

    consolidar as que podem trazer-lhe benefcio e a extinguir as que no so benficas.

    Quando uma criana tem uma conduta inconveniente, como insultar ou bater, isto

    deve ter para ela um certo custo de resposta, como por exemplo uma consequncia.

    Mas esta consequncia tem que ser bem escolhida, sempre que possvel decidida

    previamente com a criana, para que se consiga ter algum resultado. Se a consequncia

    no adequada conduta, alm de no surtir efeito, pode levar revolta.

    Concluso

    Em jeito de concluso podemos reconhecer que fundamental o educador ser

    disponvel e responsivo face s necessidades de todas as crianas da sua sala. Quando o

    educador responde de forma consistente a uma criana ele est a ajud-la a desenvolver

    pontos de vista alternativos face aos relacionamentos. Quando o educador confivel e

    responsivo ensina s crianas que a experincia emocional no precisa de ser opressiva,

    pode ser controlada e com o tempo as crianas aprendero a gerir as suas emoes com

    pouca ou at nenhuma ajuda.

    Tambm a preveno no pode ser vista como um conjunto de estratgias que se

    implementam de um momento para o outro, em mdulos pr-fabricados, prontos a

    usar e de tamanho nico, e que, no final, como por magia, fazem com que todos os

    factores de risco se diluam. Uma verdadeira preveno deve ser transversal e ecolgica

    e deve comear na primeira infncia, seno em vez de tecermos corremos o risco de s

    remendarmos. Para atingir estes objectivos necessrio que os currculos de formao

  • 145

    Vera Vale Do tecer ao remendar: os fios da competncia socio-emocional

    dos educadores incluam o desenvolvimento de competncias socio-emocionais, para

    que eles possam providenciar mtodos e estratgias apropriados para a socializao

    emocional.

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    Correspondncia

    Vera do Vale

    Escola Superior de Educao de Coimbra

    Praa Heris de Ultramar-Solum,

    3030-329 Coimbra

    [email protected]

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