Com o pé na estrada

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De 5 a 11 de maio de 2005 7 NACIONAL Marcelo Netto Rodrigues enviado especial a Goiânia (GO) O s 12 mil participantes da Mar- cha Nacional pela Reforma Agrária, que dia 2 saíram de Goiânia rumo a Brasília, debaixo de sol forte, já haviam vencido, até dia 4, data do fechamento desta edição, 44 dos 220 quilômetros da BR-060. A marcha deve chegar à Esplanada dos Ministérios dia 17. Das 30 audi- ências agendadas pelos organizado- res com quase todos os ministérios para discutir uma pauta com 16 pontos, 12 já estavam conrmadas nos primeiros dias da marcha. Os caminhantes, organizados em três las, se estendem por qua- tro quilômetros de extensão e têm levado cinco horas para dar conta de um percurso médio diário de 16 quilômetros, a uma velocidade de 3 km/h. A rádio itinerante “Brasil em Movimento” FM 88,5, criada espe- cialmente para a marcha em parce- ria com a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), é a única forma ecaz de comunica- ção simultânea com os marchantes – cada um carrega um radinho para escutar as orientações. Para se ter uma idéia do tapete vermelho formado pelas bandeiras ao longo do caminho, quando a pri- meira delegação completa o trajeto, a última ainda leva quase duas horas para chegar. Em um sistema de ro- dízio, que procura valorizar todas as delegações, a cada dia um Estado diferente puxa a marcha, indo para o nal da la no dia seguinte. A imagem impressiona. A quanti- dade de pessoas é tamanha que quem está marchando raramente consegue ver o início ou m da coluna. Mili- tantes de cada Estado, identicados por coletes de diferentes cores com o símbolo do movimento, dividem-se em setores de saúde, segurança, infra-estrutura e comunicação. A cada 3 quilômetros, caminhões-pipa fornecem água aos marchantes para atenuar o calor excessivo do Planal- to Central. O espírito de sacrifício está estampado no rosto de cada caminhante, como o sem-terra da Bahia que caminha com uma mule- ta, e outro do Rio Grande do Norte, que usa um triciclo movimentado por manivela. Todo esse aparato faz a marcha REFORMA AGRÁRIA REFORMA AGRÁRIA Com o pé na estrada, pelo direito à terra 12 mil pessoas iniciaram a marcha nacional rumo a Brasília, onde apresentarão reivindicações sociais ao governo funcionar de forma orgânica e coor- denada, com 12 mil pessoas agindo como se fossem uma só. É inacre- ditável constatar que, em meio a tanta gente, não acontecem brigas, confusões ou furtos. As barracas de cada Estado ocupam quase um qui- lômetro quadrado, em combinações impensáveis. Não é em qualquer lu- gar que Bahia faz fronteira com São Paulo ou Rio Grande do Norte com Santa Catarina e todos se entendem. A marcha é uma cidade em movimento. Todos os dias, o acam- pamento é montado e desmontado, avançando lentamente em direção à capital federal. Para que tudo esteja pronto quando a marcha chegar a um novo local de acampamento, mais de mil militantes se antecipam em 31 caminhões, 9 ônibus e 27 carros. Em cerca de quatro horas, armam gigantescas tendas brancas (com capacidade de até 800 pessoas cada), providenciam água, banhei- ros e descarregam as bagagens mais pesadas dos participantes. Deixar os pertences nas mãos de pessoas desconhecidas, em meio à bagagem de 12 mil pessoas, exige um alto grau de desprendimento e conança no outro. Ainda mais quando – como acontece com a maioria dos marchantes – se leva nas malas quase tudo o que se tem. Mas não há incidente. Na chegada, todos recuperam suas coisas, devi- damente distribuídas pelas tendas de cada Estado. MOCHILAS NAS COSTAS “Estamos começando mais uma jornada que os livros de História vão registrar no futuro, e vocês são os atores”, disse João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a militantes sociais concentrados no ginásio do Estádio Serra Dourada, um dia antes do iní- cio da marcha. “Daqui sairão denições para os nossos próximos passos”, acres- centou Ademar Bogo, do setor de formação nacional. “Com a mochila nas costas, trocamos de lugar todos os dias para importunar a burgue- sia”, disse Bogo, referindo-se aos militantes do MST, que para ele devem ser vistos como guerrilheiros de um outro tempo. Para caminhar, cada participante recebeu uma mo- chila e um chapéu de palha (no lugar do tradicional boné vermelho). Bogo prevê que um dia os tra- balhadores voltarão a Brasília “para enterrar vícios e defeitos e plantar árvores que produzam frutos para alimentar a sociedade brasileira que hoje tem fome de comida, sonhos e esperanças”. AMIGOS DO MST Além das delegações de sem- terra de 22 Estados mais o Distrito Federal, também marcham “amigos do MST” de diversos países: África do Sul, Bolívia, Espanha, Itália, Pa- raguai, Suíça e Turquia. José Maria Recio Rivas, do grupo de apoio Red Euro-Latinoamericana, da Espanha, se diz apaixonado pelo MST: “A organização de milhares de pessoas conduzida pelo movimento é surpreendente. Aqui me alimento de companheirismo e amor diaria- mente. Todos têm responsabilidades ao mesmo tempo em que se sentem protagonistas da luta. Se um dia eu vier morar no Brasil, só haverá senti- do viver entre os sem-terra.” Caminham também representan- tes dos movimentos Atingidos por Barragens, Pequenos Agricultores, Mulheres Camponesas, Trabalha- dores Desempregados, Cáritas, quilombolas, Trabalhadores Sem Teto, pela Estatização das Fábricas Ocupadas e 90 religiosos – freiras, aspirantes a freiras e seminaristas da Conferência de Religiosos do Brasil que vão se revezar ao longo da marcha –, além de um repórter da Al Jazeera no Brasil. PRIMEIRO DE MAIO Numa espécie de aquecimento para a marcha, no Dia do Trabalho, 1º de Maio, a delegação de Minas Gerais conduziu os marchantes por quatro quilômetros até a Praça Cívica, no Centro de Goiânia, onde houve um ato político-cultural. O arcebispo dom Washington Cruz e o pastor Ariovaldo Ramos, da Aliança Evangélica Brasileira, lembraram que Jesus também não se instalou comodamente no norte da Palestina. Durante os discursos, entre os quais o do prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), foram citados os mártires da luta pela terra de cada Estado. Goiás foi lembrado por ter sido o palco da resistência campone- sa em Trombas e Formoso, nos anos 50, e por ser o berço da Comissão Pastoral da Terra e do MST. Ao nal, houve a bênção de pães que foram repartidos entre os sem-terra. Beatriz Pasqualino de Brasília (DF) Uma comissão de represen- tantes da Marcha Nacional pela Reforma Agrária entregou, dia 3, a pauta com as reivindicações da mobilização ao ministro do Desen- volvimento Agrário, Miguel Ros- setto, e ao presidente nacional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Ha- ckbart. Esse foi o primeiro e o mais importante dos diversos encontros agendados com representantes do governo para acontecer durante a marcha. Os pontos apresentados no documento se referem ao fortale- cimento do Incra e à situação dos acampamentos e assentamentos. O descontigenciamento dos recursos para a reforma agrária foi a questão mais enfatizada durante a reunião. “Nós não aceitamos que os R$ 2 bilhões da reforma agrária sejam destinados a pagar juros da dívida”, disse Fátima Ribeiro, da direção nacional do Movimentos dos Tra- balhadores Rurais Sem Terra. Ela se refere ao corte anunciado no orçamento do ministério de 2005. Ante às críticas, o governo pro- meteu que iria desbloquear R$ 400 milhões desse corte. Até agora, no entanto, a liberação efetiva de re- MST entrega pauta da marcha ao ministro cursos se limitou a R$ 250 milhões. Com isso, a meta do Plano Nacio- nal de Reforma Agrária (PNRA) de assentar 400 mil famílias até o m de 2006 ca inviabilizada. O presidente do Incra traçou um cenário pessimista: “Os recursos para obtenção de terra acabam no próximo mês. Estamos selecio- nando terras para não gastar todo o dinheiro”. Mas o ministro Rossetto está otimista: “Estamos conantes – e esse é o compromisso do gover- no – de assegurar recursos integrais para o cumprimento de todas as metas do PNRA“. Na opinião do ministro Rosset- to, todos os pontos citados na pauta dialogam com o fortalecimento de uma reforma agrária qualicada para o Brasil. “Minha expectativa é de que possamos avançar bastante com relação a esses temas e respon- der a esse grande sonho de milhares de famílias que querem trabalhar na terra”. Na reunião, cou acertado que nos próximos dias serão negocia- dos os diversos pontos de reivin- dicações para que, no começo da próxima semana, o ministério se pronuncie ocialmente se vai aten- der à pauta completa. Como lem- brou Fátima Ribeiro, “a esperança é a última que morre e é por isso que estamos em marcha”. Dez Estados estão à frente da de- legação de São Paulo quando “seu” Luiz Beltrami, 97 anos incompletos, percebe que a delegação de Minas Gerais já está puxando a marcha em direção ao Centro de Goiânia. De botas em vez de chinelos, ele – que marcha por São Paulo – empunha sua bandeira do Brasil com âmulas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra costuradas. Com muita pressa de chegar na linha de frente da marcha, acelera o passo e passa rapidamente pela delegação do Maranhão. Alcança a de Mato Gros- so do Sul, quando alguém grita para os mais jovens: “Olhem, é o ‘seu’ Luiz, de 97 anos, sigam o exemplo dele”. Duas pessoas se colocam em seu caminho para tirar fotos. Nesse momento, ele já ultrapas- sou as delegações de Pernambuco e do Rio Grande do Sul, mas faltam ainda dois quilômetros. “Seu” Luiz põe a mão na coxa esquerda, quando o trajeto ca mais íngreme e con- fessa: “Na subida, tem de manerar o passo, senão amanhã ninguém agüenta mais caminhar”. Outro marchante se admira: “Eu te disse, eu estava falando do velhi- nho e olha ele aí”. Alguém replica: “Ah, ele só vai até o Centro de Goi- ânia, não vai marchar até Brasília, não”. Outro responde: “Você não sa- be que ele andou 1580 quilômetros “Seu” Luiz tem lugar de honra na linha de frente de São Paulo a Brasília na marcha de 1997?” Falta um quilômetro e “seu Luiz”, que anda com o dobro de velocidade dos outros caminhan- tes, chega à delegação do Espírito Santo. Ele afasta as faixas que atra- palham sua passagem, numa última tentativa de estar à frente da longa la dos milhares de caminhantes. Ainda não consegue. Dia 11, quando a delegação de São Paulo estiver à frente da mar- cha, “seu” Luiz poderá nalmente repetir o seu feito das marchas de 1997 e 1999 – desta vez, ele puxará 12 mil pessoas, fazendo pensar que não foi um simples acaso ele ter al- cançado o Espírito Santo na marcha descrita acima. (MNR) Seu Luis: “Na subida, tem de manerar o passo, senão amanhã ninguém agüenta” Cristiano Navarro Cristiano Navarro Sem-terra de 22 Estados e “amigos do MST” de sete países participam da marcha A Marcha Nacional pela Reforma Agrária, uma cidade em movimento, avança lentamente em direção à capital federal Luciney Martins

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De 5 a 11 de maio de 2005 7

NACIONAL

Marcelo Netto Rodriguesenviado especial a Goiânia (GO)

O s 12 mil participantes da Mar-cha Nacional pela Reforma Agrária, que dia 2 saíram de

Goiânia rumo a Brasília, debaixo de sol forte, já haviam vencido, até dia 4, data do fechamento desta edição, 44 dos 220 quilômetros da BR-060. A marcha deve chegar à Esplanada dos Ministérios dia 17. Das 30 audi-ências agendadas pelos organizado-res com quase todos os ministérios para discutir uma pauta com 16 pontos, 12 já estavam confi rmadas nos primeiros dias da marcha.

Os caminhantes, organizados em três fi las, se estendem por qua-tro quilômetros de extensão e têm levado cinco horas para dar conta de um percurso médio diário de 16 quilômetros, a uma velocidade de 3 km/h. A rádio itinerante “Brasil em Movimento” FM 88,5, criada espe-cialmente para a marcha em parce-ria com a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), é a única forma efi caz de comunica-ção simultânea com os marchantes – cada um carrega um radinho para escutar as orientações.

Para se ter uma idéia do tapete vermelho formado pelas bandeiras ao longo do caminho, quando a pri-meira delegação completa o trajeto, a última ainda leva quase duas horas para chegar. Em um sistema de ro-dízio, que procura valorizar todas as delegações, a cada dia um Estado diferente puxa a marcha, indo para o fi nal da fi la no dia seguinte.

A imagem impressiona. A quanti-dade de pessoas é tamanha que quem está marchando raramente consegue ver o início ou fi m da coluna. Mili-tantes de cada Estado, identifi cados por coletes de diferentes cores com o símbolo do movimento, dividem-se em setores de saúde, segurança, infra-estrutura e comunicação. A cada 3 quilômetros, caminhões-pipa fornecem água aos marchantes para atenuar o calor excessivo do Planal-to Central. O espírito de sacrifício está estampado no rosto de cada caminhante, como o sem-terra da Bahia que caminha com uma mule-ta, e outro do Rio Grande do Norte, que usa um triciclo movimentado por manivela.

Todo esse aparato faz a marcha

REFORMA AGRÁRIAREFORMA AGRÁRIA

Com o pé na estrada, pelo direito à terra12 mil pessoas iniciaram a marcha nacional rumo a Brasília, onde apresentarão reivindicações sociais ao governo

funcionar de forma orgânica e coor-denada, com 12 mil pessoas agindo como se fossem uma só. É inacre-ditável constatar que, em meio a tanta gente, não acontecem brigas, confusões ou furtos. As barracas de cada Estado ocupam quase um qui-lômetro quadrado, em combinações impensáveis. Não é em qualquer lu-gar que Bahia faz fronteira com São Paulo ou Rio Grande do Norte com Santa Catarina e todos se entendem.

A marcha é uma cidade em movimento. Todos os dias, o acam-pamento é montado e desmontado, avançando lentamente em direção à capital federal. Para que tudo esteja pronto quando a marcha chegar a um novo local de acampamento, mais de mil militantes se antecipam em 31 caminhões, 9 ônibus e 27 carros. Em cerca de quatro horas, armam gigantescas tendas brancas (com capacidade de até 800 pessoas cada), providenciam água, banhei-ros e descarregam as bagagens mais pesadas dos participantes.

Deixar os pertences nas mãos de pessoas desconhecidas, em meio à bagagem de 12 mil pessoas, exige um alto grau de desprendimento e confi ança no outro. Ainda mais quando – como acontece com a maioria dos marchantes – se leva

nas malas quase tudo o que se tem. Mas não há incidente. Na chegada, todos recuperam suas coisas, devi-damente distribuídas pelas tendas de cada Estado.

MOCHILAS NAS COSTAS“Estamos começando mais uma

jornada que os livros de História vão registrar no futuro, e vocês são os atores”, disse João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a militantes sociais concentrados no ginásio do Estádio Serra Dourada, um dia antes do iní-cio da marcha.

“Daqui sairão defi nições para os nossos próximos passos”, acres-centou Ademar Bogo, do setor de formação nacional. “Com a mochila nas costas, trocamos de lugar todos os dias para importunar a burgue-sia”, disse Bogo, referindo-se aos militantes do MST, que para ele devem ser vistos como guerrilheiros de um outro tempo. Para caminhar, cada participante recebeu uma mo-chila e um chapéu de palha (no lugar do tradicional boné vermelho).

Bogo prevê que um dia os tra-balhadores voltarão a Brasília “para enterrar vícios e defeitos e plantar árvores que produzam frutos para

alimentar a sociedade brasileira que hoje tem fome de comida, sonhos e esperanças”.

AMIGOS DO MSTAlém das delegações de sem-

terra de 22 Estados mais o Distrito Federal, também marcham “amigos do MST” de diversos países: África do Sul, Bolívia, Espanha, Itália, Pa-raguai, Suíça e Turquia.

José Maria Recio Rivas, do grupo de apoio Red Euro-Latinoamericana, da Espanha, se diz apaixonado pelo MST: “A organização de milhares de pessoas conduzida pelo movimento é surpreendente. Aqui me alimento

de companheirismo e amor diaria-mente. Todos têm responsabilidades ao mesmo tempo em que se sentem protagonistas da luta. Se um dia eu vier morar no Brasil, só haverá senti-do viver entre os sem-terra.”

Caminham também representan-tes dos movimentos Atingidos por Barragens, Pequenos Agricultores, Mulheres Camponesas, Trabalha-dores Desempregados, Cáritas, quilombolas, Trabalhadores Sem Teto, pela Estatização das Fábricas Ocupadas e 90 religiosos – freiras, aspirantes a freiras e seminaristas da Conferência de Religiosos do Brasil que vão se revezar ao longo da marcha –, além de um repórter da Al Jazeera no Brasil.

PRIMEIRO DE MAIONuma espécie de aquecimento

para a marcha, no Dia do Trabalho, 1º de Maio, a delegação de Minas Gerais conduziu os marchantes por quatro quilômetros até a Praça Cívica, no Centro de Goiânia, onde houve um ato político-cultural. O arcebispo dom Washington Cruz e o pastor Ariovaldo Ramos, da Aliança Evangélica Brasileira, lembraram que Jesus também não se instalou comodamente no norte da Palestina.

Durante os discursos, entre os quais o do prefeito de Goiânia, Íris Rezende (PMDB), foram citados os mártires da luta pela terra de cada Estado. Goiás foi lembrado por ter sido o palco da resistência campone-sa em Trombas e Formoso, nos anos 50, e por ser o berço da Comissão Pastoral da Terra e do MST. Ao fi nal, houve a bênção de pães que foram repartidos entre os sem-terra.

Beatriz Pasqualinode Brasília (DF)

Uma comissão de represen-tantes da Marcha Nacional pela Reforma Agrária entregou, dia 3, a pauta com as reivindicações da mobilização ao ministro do Desen-volvimento Agrário, Miguel Ros-setto, e ao presidente nacional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Ha-ckbart. Esse foi o primeiro e o mais importante dos diversos encontros agendados com representantes do governo para acontecer durante a marcha.

Os pontos apresentados no documento se referem ao fortale-cimento do Incra e à situação dos acampamentos e assentamentos. O descontigenciamento dos recursos para a reforma agrária foi a questão mais enfatizada durante a reunião. “Nós não aceitamos que os R$ 2 bilhões da reforma agrária sejam destinados a pagar juros da dívida”, disse Fátima Ribeiro, da direção nacional do Movimentos dos Tra-balhadores Rurais Sem Terra. Ela se refere ao corte anunciado no orçamento do ministério de 2005. Ante às críticas, o governo pro-meteu que iria desbloquear R$ 400 milhões desse corte. Até agora, no entanto, a liberação efetiva de re-

MST entrega pauta da marcha ao ministro

cursos se limitou a R$ 250 milhões. Com isso, a meta do Plano Nacio-nal de Reforma Agrária (PNRA) de assentar 400 mil famílias até o fi m de 2006 fi ca inviabilizada.

O presidente do Incra traçou um cenário pessimista: “Os recursos para obtenção de terra acabam no próximo mês. Estamos selecio-nando terras para não gastar todo o dinheiro”. Mas o ministro Rossetto está otimista: “Estamos confi antes – e esse é o compromisso do gover-no – de assegurar recursos integrais para o cumprimento de todas as metas do PNRA“.

Na opinião do ministro Rosset-to, todos os pontos citados na pauta dialogam com o fortalecimento de uma reforma agrária qualifi cada para o Brasil. “Minha expectativa é de que possamos avançar bastante com relação a esses temas e respon-der a esse grande sonho de milhares de famílias que querem trabalhar na terra”.

Na reunião, fi cou acertado que nos próximos dias serão negocia-dos os diversos pontos de reivin-dicações para que, no começo da próxima semana, o ministério se pronuncie ofi cialmente se vai aten-der à pauta completa. Como lem-brou Fátima Ribeiro, “a esperança é a última que morre e é por isso que estamos em marcha”.

Dez Estados estão à frente da de-legação de São Paulo quando “seu” Luiz Beltrami, 97 anos incompletos, percebe que a delegação de Minas Gerais já está puxando a marcha em direção ao Centro de Goiânia. De botas em vez de chinelos, ele – que marcha por São Paulo – empunha sua bandeira do Brasil com fl âmulas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra costuradas. Com muita pressa de chegar na linha de frente da marcha, acelera o passo e passa rapidamente pela delegação do Maranhão. Alcança a de Mato Gros-so do Sul, quando alguém grita para os mais jovens: “Olhem, é o ‘seu’ Luiz, de 97 anos, sigam o exemplo dele”. Duas pessoas se colocam em seu caminho para tirar fotos.

Nesse momento, ele já ultrapas-sou as delegações de Pernambuco e do Rio Grande do Sul, mas faltam ainda dois quilômetros. “Seu” Luiz põe a mão na coxa esquerda, quando o trajeto fi ca mais íngreme e con-fessa: “Na subida, tem de manerar o passo, senão amanhã ninguém agüenta mais caminhar”.

Outro marchante se admira: “Eu te disse, eu estava falando do velhi-nho e olha ele aí”. Alguém replica: “Ah, ele só vai até o Centro de Goi-ânia, não vai marchar até Brasília, não”. Outro responde: “Você não sa-be que ele andou 1580 quilômetros

“Seu” Luiz tem lugar de honra na linha de frente

de São Paulo a Brasília na marcha de 1997?”

Falta um quilômetro e “seu Luiz”, que anda com o dobro de velocidade dos outros caminhan-tes, chega à delegação do Espírito Santo. Ele afasta as faixas que atra-palham sua passagem, numa última tentativa de estar à frente da longa fi la dos milhares de caminhantes.

Ainda não consegue. Dia 11, quando a delegação de

São Paulo estiver à frente da mar-cha, “seu” Luiz poderá fi nalmente repetir o seu feito das marchas de 1997 e 1999 – desta vez, ele puxará 12 mil pessoas, fazendo pensar que não foi um simples acaso ele ter al-cançado o Espírito Santo na marcha descrita acima. (MNR)

Seu Luis: “Na subida, tem de manerar o passo, senão amanhã ninguém agüenta”

Cris

tiano

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Sem-terra de 22 Estados e “amigos do MST” de sete países participam da marcha

A Marcha Nacional pela Reforma Agrária, uma cidade em movimento, avança lentamente em direção à capital federal

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Mar

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