Pé na Estrada | 001 | Junho/2015

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NÔMADES DIGITAIS Quem são e como eles ganham dinheiro e se sustentam na estrada CAPA VIAJANDO DE BICICLETA Conheça a história de Argus e o que se pode aprender pedalando mundo a fora CICLISMO E VIAGEM

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A revista Pé Na Estrada foi desenvolvida como sendo um compilado de artigos de blogs, páginas e referências da internet sobre experiências com viagem que envolvem arte, cultura, música e trabalho.

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NÔMADES DIGITAISQuem são e como eles ganham dinheiro e se sustentam na estrada

▌CAPA

VIAJANDO DE BICICLETA

Conheça a história de Argus e o que se pode aprender pedalando mundo a fora

CICLISMO E VIAGEM ▌

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A revista Pé Na Estrada foi desenvolvida

como sendo um compilado de artigos de

blogs, páginas e referências da internet sobre

experiências com viagem que envolvem arte,

cultura, música e trabalho. A proposta é unir

vertentes que englobam temas distintos,

mas que convergem para uma mesma

realidade: o mundo contemporâneo e a

forma como você se relaciona com ele.

Seja em sonhos e objetivos pessoais,

vida profissional, hobbies e interesses,

a melhor forma de descobrir é explorando.

Então junte sua bagagem e vamos descobrir

o que a vida tem de melhor.

CONCEITUAÇÃO E PROJETO GRÁFICO

Lucas Luccas CAPA POR

Abhimanyu Bose (www.abhimanyubose.com)

TEXTOS POR

Gluck Project (www.gluckproject.com.br)

Vira Volta

(www.projetoviravolta.com)

Fêliz com a Vida(www.felizcomavida.com)

Dicas de Fotografia

(www.dicasdefotografia.com.br)

Editoral

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TRABALHO E CARREIRA

CICLISMOE VIAGEM

CAPA

ESTILODE VIDA

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PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015 3

POR CLAUDIA REGINAWWW.DICASDEFOTOGRAFIA.COM.BR

Por muito tempo tive uma empresa de

criação de blogs. Sendo os blogs, hoje,

uma ferramenta incrível e barata para

divulgação do trabalho de pequenas

empresas e pequenos empreendedores,

vi nascerem muitos negócios. Fiz o blog

de gente que largou o escritório para fazer

cupcakes, de gente que largou o consultório

para fotografar e que largou o chefe para

fazer qualquer coisa em casa que permitisse

mais tempo com a família.

Vi gente se decepcionar, vi gente ganhar

muito dinheiro e ficar, de novo, sem

tempo. Vi gente que não esperava a hora

de chegar a segunda feira pois o sábado

era dia de fotografar casamento até de

madrugada. Vi gente voltando a trabalhar

em prédios pro passatempo voltar a ser

passatempo. Por que isso aconteceu?

É bem possível gostar do que se faz sendo

dentista ou fotógrafa. Mas, normalmente,

dentistas têm uma vantagem: conseguem

separar melhor o que é trabalho e o que

é diversão. Afinal, o trabalho dela não é

passatempo de quase ninguém.

MEU TRABALHO, SEU PASSA-TEMPO

TRABALHO E CARREIRA

Porque essas pessoas passaram a trabalhar com algo que amavam.

FOTO PORNEIL MORALEEWWW.FLICKR.COM/PHOTO/NEILMORALEE

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PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

Quem inventou a frase “escolha um trabalho

que goste e nunca mais trabalhará um dia

na sua vida” não podia estar falando uma

besteira maior! E não, não foi Confúcio.

Trabalho é trabalho. Trabalhar com o que

gostamos é essencial, mas quando não

separamos as coisas corremos o triste

risco de deixar de gostar. Sim, posso

garantir que nosso trabalho pode ser

prazeroso, mas ainda sim não é um hobby.

Trabalho tem contrato, tem expectativas,

tem dinheiro, tem horários e prazos a

cumprir. Uma fotógrafa de casameto pode

amar muito seu trabalho, por exemplo,

mas se acordar no sábado com preguicinha

não dá pra simplesmente deixar tudo pra

lá e ficar dormindo o dia inteiro. Se fosse

hobby, poderia. Essa é a diferença.

Não compreendo quem quer milhões de

clientes e muito trabalho. Não compreendo

quem acha bonito dizer que está cheio

de trabalho no facebook, com a agenda

repleta de prospectos e compromissos.

Se a questão é financeira e você precisa

da agenda lotada para conseguir pagar as

contas no fim do mês… então é hora de

rever seus preços ou rever a organização

do seu negócio.

Eu, por exemplo, não quero ser fotógrafa

de gente rica. Para conseguir trabalhar

pouco e não cobrar preços inviáveis, a

única opção que considero ética é ter um

custo de vida menor.

Não tenho TV a cabo, não tenho carro, vivo

em um apartamento minúsculo. Tudo isso,

entre outras coisas, para poder trabalhar

menos cobrando um valor justo para

minhas clientes. Tenho uma amiga que

trabalha meio período e recebe pressão de

todos os lados, da família e da sociedade,

4

Clientes são quem pagam minhas contas, por isso abro mão de muita coisa para poder trabalhar do jeito (e na quantidade) que quero.

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para pegar um segundo trabalho e ganhar

mais. Se ela trabalha só à tarde e tem

a manhã livre, parece o caminho lógico.

Por que ficar em casa, lendo e brincando

com seus cachorros, se dá pra ir pra rua

ganhar mais números na conta bancária?

Acho tudo isso maluquice: vejo muito

mais sentido em ganhar menos e ficar

metade do dia brincando com cachorros.

Ela ama o que faz, e faz questão de não

fazer muito para continuar amando.

Bertrand Russel, no seu livro O Elogio ao

ócio, cria uma solução (bem utópica, é de

se admitir) para uma sociedade com mais

ócio criativo. Uma sociedade onde todos

possam trabalhar por meio período, onde

tarefas como a criação das crianças são

divididas e, mais importante, onde todos

tenham tempo livre. Seja para pensar no

sentido da vida, seja para ir tomar sol na

praia. É nesse momento que a mágica

acontece. Se você está pensando em

fazer a transição do trabalho-típico para

o trabalho-hobby, coisa que muita gente

está conseguindo fazer graças à internet,

pense nisso. Amar o que se faz para pagar

as contas é maravilhoso, mas trabalhar

muito compromete não só a qualidade

final do seu trabalho, mas também sua

qualidade de vida. Melhor um dentista

feliz do que dois fotógrafos voando. ♦

5PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

Existem diferenças entre hobby e trabalho que podem mudar a maneira como você lida com a atividade.

FOTO POR DOMIZIANA SWWW.FLICKR.COM/PHOTO/AAYLA

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POR FERNANDA NEUTEWWW.FELIZCOMAVIDA.COM.BR

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COMO É A VIDA DE UM NÔMADE DIGITAL?

CAPA

FOTO POR MOYAN BRENNWWW.FLICKR.COM/PHOTOS/AIGLE_DORE/

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São pessoas que se aproveitam da

tecnologia e da internet para realizarem

seu trabalho independentemente do lugar

onde estejam. Eles não tem moradia fixa e

obviamente trabalham em negócios que

possam ser geridos online. Essa comunidade

é bem grande, mas hoje ainda concentra

muitos americanos, europeus, alguns

australianos e infelizmente, pouquíssimos

brasileiros ou mesmo sul-americanos.

A primeira em vez que eu ouvi essa

expressão foi há quase 2 anos, quando

conheci o Mark Manson, meu atual

namorado. Ele vive como nômade digital

há 5 anos e conhecê-lo fez a minha ca-

beça quase explodir. Não conseguia parar

de perguntar: "Como assim você mora

onde quiser? Como assim você ganha

dinheiro trabalhando online? Como assim

você tem vários amigos que fazem isso?

Como assim? Como assim?"

Me afoguei em um mar de curiosidade ao

mesmo tempo em que meu mundo desabou.

Tudo o que eu sempre pensei sobre carreira,

sobre ter de trabalhar como louca por 335

dias para me contentar com 30 dias de

férias, sobre trabalhar 30 anos e se aposentar,

sobre comprar um apartamento e pagar

por 10 anos… Tudo isso podia ser diferente?

E o que eu percebi foi que sim, não era

fácil mas, podia ser diferente.

Um dos grandes precursores desse estilo

de vida foi o americano Tim Ferris, que

ficou milionário por causa do best seller

“The 4-Hour Workweek”. Neste livro ele

apresenta uma fórmula bem simples,

mas não muito realista de que todo

mundo é capaz de ter um negócio online

e ser feliz trabalhando 4 horas por sema-

na sem ter de esperar a aposentadoria

para aproveitar a vida.

7

O que são nômades digitais?

Quem pode ser um nômade digital?

Page 8: Pé na Estrada | 001 | Junho/2015

PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

Este discurso ganhou tamanha força que

existem milhares de sites e negócios

online no mercado americano que ganham

dinheiro vendendo essa ideia e motivando

pessoas a pedirem demissão e a construírem

o trabalho dos seus sonhos, se possível,

viajando. O problema é que muitos deles

trazem somente o discurso sobre a geração

wireless e o de que você deve seguir a

sua paixão, mas no fundo, não ensinam

absolutamente nada de útil.

Seguindo essa linha de raciocínio, teorica-

mente, todo mundo pode ser um nômade

digital, certo? Afinal, é muito simples entrar

no WordPress e começar um blog de

graça, montar uma loja online vendendo

produtos da China ou até criar um brechó

online. Também existem profissões em

que é possível trabalhar como freelancer

que é o caso de designers gráficos, progra-

madores, escritores, fotógrafos, jornalistas,

blogueiros, consultores e coachings, por

exemplo. A grande verdade é que, como

em todas as profissões existentes no

planeta, alguns vão dar certo e vão ser bem

sucedidos, e outros (quase sempre a

grande maioria) não.

Não porque eles sejam menos competentes

do que outros, mas porque é preciso ser

realista e entender que essa não é uma

escolha de vida fácil e também exige

tanto quanto ou até mais trabalho e

sacrifício do que o emprego que você

provavelmente tem hoje em dia.

Isso não significa que uma coisa exclua a

outra, mas não é porque você é um nômade

digital, que vai viver perambulando por

hostels fazendo check-list de pontos turís-

ticos e também não significa que em algum

momento você vai “se encontrar” e voltar

para casa.

Ser nômade digital é uma decisão de vida.

Eles conscientemente não têm uma casa

para voltar. Eles escolheram não ter raízes

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Nômades digitais não são mochileiros e nem estão em um período sabático.

FOTO POR MOYAN BRENNWWW.FLICKR.COM/PHOTO/MOYAN_BRENN

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em seus países ou em qualquer outro país

onde eles venham morar eventualmente.

Eles não estão fugindo de nada e nem estão

em busca de nada. Eles simplesmente

aproveitam o percurso e as novas paisagens

enquanto vivem a vida e trabalham

“normalmente”.

É claro que mudanças acontecem no

percurso. As pessoas casam, têm filhos,

expandem seus negócios ou mudam seus

gostos pessoais. Mas aqueles que decidem

viver esse estilo de vida geralmente aca-

bam conciliando tudo isso com a vida na

estrada. Quando olhamos de fora, parece

a vida dos sonhos de qualquer um. Viajar

pelo mundo sem precisar estar de férias,

trabalhar de onde quiser e ainda ganhar

dinheiro! Mas, ser um nômade digital tem

seus altos e baixos e, depois de viver dessa

forma por 6 meses, eis o que posso dizer:

1. Temos a oportunidade de conhecer

mais profundamente vários lugares.

2. Conhecemos pessoas e culturas incríveis

o tempo todo.

3. Temos flexibilidade de horários.

4. O custo de vida é relativamente mais baixo.

1. Estamos trabalhando em lugares onde

quase todo mundo está de férias

2. Temos de lidar com o stress que é

precisar estar conectado o tempo todo.

3. Não pertencemos a lugar nenhum.

4. Nós somos sem fronteiras, mas o

mundo não é.

Para quem sonha em viver desse jeito,

saiba que não é fácil. O segredo é fazer

um balanço e avaliar se os pontos positivos

te fazem mais felizes do que os negativos

e aí sim, vale muito a pena! É claro que

essas são percepções baseadas na minha

experiência pessoal, sendo brasileira e

tendo vivido apenas 6 meses no Sudeste

Asiático conhecido por ser um destino

relativamente barato e atraente principal-

mente entre os iniciantes.

Não faço a menor ideia se eu vou viver

essa vida para sempre, mas nos próximos

6 meses a aventura continua, desta vez,

nas Américas. ♦

9PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

Sim, é tão legal quanto parece porque…

Mas, nem tudo são flores porque…

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POR CAROL FERNANDESWWW.PROJETOVIRAVOLTA.COM

PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

Já faz 9 anos que ele voltou da viagem e

eu sempre me perguntei se era possível

guardar todos os aprendizados e sensações

de uma experiência tão intensa como essas

depois que voltamos para a loucura da

nossa sociedade. Sai da conversa com o

coração radiante. Quando decidiu fazer

a viagem, em 2001, ele tinha apenas 25

anos e nenhum dinheiro no bolso. Mas isso

nunca o fez desistir do sonho. Ele estava

determinado a fazer com ou sem dinheiro

e então surgiu a grande idéia de fazer de

bicicleta, o que deixaria tudo bem mais barato.

A falta de dinheiro também estimula a

criatividade e só quem fica sentado no

sofá reclamando da vida não encontra

soluções. Para custear sua viagem ele criou

um projeto que se chamava “Pedalando e

educando”, onde ele passava por escolas no

seu caminho ensinando história e geografia

dos países que já tinha visitado. Com isso

ele conseguiu o patrocínio de três em-10

ARGUS VIAJOU DE BICICLETA SOZINHO POR TRÊS ANOS

CICLISMO E VIAGEM

O Argus é um arquiteto de 39 anos que trabalhava com construção e um dia decidiu viajar o mundo 3 anos e meio, mesmo sem ter a grana.

FOTO POR XAVIWWW.FLICKR.COM/PHOTO/18614695@N00

Page 11: Pé na Estrada | 001 | Junho/2015

presas que gerava 300 dólares por mês

e ainda se sentia útil para a humanidade.

Combinação perfeita.

Na média ele gastava 500 dólares por

mês. Bem menos do que ele gasta parado

no Rio de Janeiro atualmente. Mas ele

alerta, viajar barato é uma arte e demanda

disposição. Em contrapartida, pra ele,

viajar dessa forma trouxe experiências

maravilhosas para a sua aventura e foi

uma oportunidade fantástica de interagir

com os locais e de novos aprendizados.

“Sempre vejo pessoas que sonham em

viajar o mundo e ficam com medo de

‘largar tudo’. Mas eu vivo me perguntando:

largar tudo o quê?” O Argus deu uma das

melhores respostas que eu já vi. Na visão

dele, ele nunca largou tudo, ele apenas

se proporcionou uma oportunidade para

aprender muito mais, inclusive sobre a

sua profissão. E isso só gerou bons

frutos no futuro.

Quando perguntei sobre os medos ele

disse: “O medo sempre existe, mas ele

não pode nos frear ao ponto de impedir a

realização de nossos desejos e sonhos,

ele apenas conscientiza.” Ele se jogou

no mundo sozinho de bicicleta sem ter

nenhum preparo físico ou experiência e

garante que depois que vivemos a aven-

tura aprendemos que o medo é criado

pela nossa imaginação e pela mídia. No

segundo dia de viagem ele tomou o maior

e pior tombo de toda a trajetória, o que

poderia ter acabado com a viagem, mas

mesmo assim ele não desistiu.

Após ter vivido tudo isso ele se sente

muito mais corajoso. E eu entendo exata-

mente o que ele está falando. Viver essa

experiência de experimentar o mundo te

enche de coragem, mesmo que você já

tenha um quê dela.

11PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

Como assim largar tudo?

O medo e a coragem

FOTO POR ARGUS CARUSOO WWW.ARGUSCARUSO.COM.BR

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PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

Viajar com tão pouco foi um desafio que

impactou a forma de pensar. Quando

voltou levou um tempo para se readaptar

novamente, mas hoje ele se sente um

cara “normal” (diz ele fazendo o gesto de

entre aspas com as mãos), mas 9 anos

após ter voltado, ele ainda carrega forte

com ele todos os aprendizados da sua

aventura e tenta aplicar ao máximo em

sua vida. Pra ele é impossível viver uma

experiência como essa e não se trans-

formar e mesmo após tanto tempo ele

continua desapegado e nada consumista.

Na sua casa não tem TV e programa de

shopping é uma coisa que ele não faz.

Ter vivido essa experiência mudou a

trajetória da sua vida e abriu muitas

portas no futuro. Ele lançou o seu livro

“Caminhos”, fez várias exposições e

palestras, conseguiu ótimas oportunidades

de trabalho na sua carreira e atualmente está

trabalhando no projeto de uma bicicleta a

vela anfíbia e foi convidado pela prefeitura

de Niterói para coordenar o projeto Niterói

de Bicicleta. É, pelo visto sua vida continua

cheia de aventuras e é isso que deixa a

vida empolgante.

Ter vivido essa experiência mudou a

trajetória da sua vida e abriu muitas portas

no futuro. Ele lançou o seu livro “Caminhos”,

fez várias exposições e palestras, con-

seguiu ótimas oportunidades de trabalho

na sua carreira e atualmente está traba-

lhando no projeto de uma bicicleta a vela

anfíbia e foi convidado pela prefeitura de

Niterói para coordenar o projeto Niterói de

Bicicleta. É, pelo visto sua vida continua

cheia de aventuras e é isso que deixa a

vida empolgante.

Argus é mais um cara como todos nós,

que estava levando a sua vida, mas que

um dia decidiu viver uma aventura única

pois acreditava que isso só ia trazer bons

aprendizados. Ele não era rico, nem milio-

nário, muito pelo contrário. Mas encontrou

uma forma de realizar o seu sonho ao

invés de ficar apenas sonhando. ♦

12

Os aprendizados da experiência

Um mundo de oportunidades

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13PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

POR FRED DI GIACOMO WWW.GLUCKPROJECT.COM.BR

Meia dúzia de folhas de sulfite grampeadas

e com um desenho feito com uma caneta

Bic mudaram minha vida. Era um trabalho

sobre a cultura punk na mesa da minha

mãe – professora de sociologia. Molecote

cheirando à leite, eu via aquele desenho

de um cara moicano, vestindo calça rasgada

e calçando coturno e achava aquela a coisa

mais legal (e brutal) do mundo. Tão legal

quanto as gangues do filme “Warriors –

Selvagens da Noite” que quebravam o

pau numa Nova York futurista. Eu tinha lá

meus 7, 8 anos de idade e pedi pra cortar

o cabelo espetado. No dia seguinte, todos

meus coleguinhas passaram a me chamar de

“gótico”, inspirados pelo bisonho personagem

de Eri Johnson na novela “De corpo e alma”.

Não era bem a referência que eu buscava.

Quando tinha uns 12 anos, meu pai trouxe

uns fanzines pra casa. Aquilo era fantástico:

dava pra fazer sua própria revista em casa

com cola, papel e xerox. Era baratinho,

tosco, mas era um jeito de gritar e todo

mundo ouvir. Foi assim que criei o Afro-

ciberdeli@, meu primeiro zine, com meu

irmão e um amigo, em 1997. A gente pedia

patrocínio pro comércio local, imprimia

FAÇA VOCÊ MESMO!

ESTILO DE VIDA

FOTO POREYE STEEL FILMWWW.FLICKR.COM/PHOTO/EYESTEEL

Page 14: Pé na Estrada | 001 | Junho/2015

PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

umas 120 cópias e distribuía no colégio.

Eu tinha 13 anos e pela primeira vez

senti que as pessoas olhavam pra mim.

Para um magrelo nerd, esquisito e tímido

foi uma sensação poderosa. As pessoas

OLHAVAM PRA MIM e, de quebra, ainda

liam o que eu escrevia. Uau! Imagina se

elas ainda parassem para escutar o que

eu grunhisse igual aquelas bandas que

eu estava descobrindo: Ratos de Porão,

Devotos do Ódio, Nirvana… O punk rock

falava das coisas que eu vivia. Eu era

claro demais pra ser um rapper e pobre

demais pra ser playboy. O punk rock era

aquele meio termo “classe média-baixa

records” sujo e agressivo. Nessa época

eu ainda ouvia Chico Science, Sepultura e

Planet Hemp, mas quando escutei a linha

de baixo de “O Dotadão deve morrer” do

disco “Feijoada Acidente?” – que reunia

os maiores clássicos do punk brasileiro

regravados por João Gordo e Cia – a casa

caiu. Rasguei minha calça jeans, furei a

outra orelha, comecei a só usar preto e

fui tocar baixo. Virei punk num calor de 40

graus de uma cidade caipira do interior

de São Paulo, esquina com o Mato Grosso

do Sul e famosa por ter exportado para o

mundo as curvas da Sabrina Sato.

14FOTO POR RACHEL VOORHEESWWW.FLICKR.COM/PHOTOS/RACHELVOORHEES

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A principal lição que o punk rock me

ensinou foi o do it yourself. Era possível

“fazer”, se você corresse atrás. Dava pra

montar uma banda tocando três acordes,

dava pra fazer uma revista xerocando seus

rabiscos e dava para organizar festivais

de rock no sertão paulista. O mercado hoje

pode chamar isso de empreendedorismo,

mas o punk chamava de “faça você mesmo”.

Sua cidade não tem bandas legais? Monte

uma! Sua cidade não tem uma política boa?

Faça! Seu cinema não passa bons filmes?

Filme-os! Faça, faça, faça. O principal

arrependimento de quem está no leito de

morte são as coisas que a pessoa deixou

de fazer. Não deixe para amanhã. Faça hoje.

O poeta Drummond de Andrade bancou

a primeira edição do seu livro do próprio

bolso – o best seller André Vianco fez o

mesmo usando seu FGTS. Glauber Rocha

inscreveu o cinema brasileiro no cenário

mundial com o lema do “uma câmera na

mão e uma ideia na cabeça” e Zé do Caixão

virou uma lenda filmando com amigos.

O Facebook começou no quarto do

Zuckerberg e a Apple na garagem dos pais

de Steve Jobs. A vida sempre foi muito

mais sobre ter uma boa ideia do que sobre

esperar as condições ideais para executá-

-la. Enfim, tire seus sonhos do papel hoje.

Nem que eles sejam uma versão xerocada

do mundo ideal. ♦

15PÉ NA ESTRADA JUNHO DE 2015

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